FROM LUST TO LOVE pmd Belle


Título: Sedução e vingança

Autor: Cathy Williams

Título original: Vengeful Seduction

Dados da Edição: Editora Nova Cultural 1996

Publição original: 1995
Género: Romance contemprâneo
Digitalização e correção: Nina
Estado da Obra: Corrigida

"Vou ter você, Isabel. E descartá-la quando me cansar..."

Lorenzo Cicolla tinha um único objetivo: vingança. Isabel o traíra no passado, e agora devia pagar. Mas a forma de pagamento que ele arquitetara era um tanto diferente: faria Isabel se casar com ele!

Sedutor, atraente, Lorenzo fora o grande amor da vida de Isabel. Mas ela precisou renunciar a esse amor para salvar o pai de uma chantagem. Agora Lorenzo estava de volta, e Isabel percebeu que o amor não morrera em seu coração. Só que não poderia aceitar seu pedido de casamento: o que Lorenzo tinha a oferecer-lhe não era amor, e sim vingança!


CAPITULO I

Branço era uma cor horrível. Olhando no es­pelho da penteadeira, Isabel achava que nunca mais voltaria a vestir branco. Dava uma sensação de desespero.

Começou a escovar os cabelos, compridos, escuros, quase negros, que caíam em pequenas ondas sobre as costas. Mais cedo ou mais tarde teria de descer para a sala, pensou.

Estava lá em cima no seu quarto havia quase duas horas, vestindo-se. Na verdade, esquivando-se do que ocorria lá embaixo.

Três batidas na porta. Sua mãe abriu. Entrou. Sorriu. Isabel sorriu também. Os músculos da face doíam com o esforço, mas ela não tinha escolha. A noiva tinha de estar feliz. Quem já ouviu falar de uma noiva deprimida?

— Estou quase pronta — disse, voltando-se e ouvindo o farfalhar do vestido. As mangas justas inibiam seus movimentos. Achava também o decote muito profundo. Mas a culpa era toda dela, pois deixara a mãe escolher o modelo de uma revista, sem nem ao menos dar uma olhada. Tirara as medidas, experimentara, concordara com a mãe e com a costureira. E mal tinha visto o vestido.

Agora percebia que o detestava. Mas, na verdade, detes­taria qualquer vestido de noiva.

— Que tal estou? — perguntou.

Claro. Se a mãe começasse a chorar, ela começaria tam­bém. Aí, além de uma noiva deprimida, seria uma noiva deprimida com a maquilagem estragada. Um quadro nada agradável.

— Onde foi parar a minha menina? — A sra. Chandler segurou as mãos da filha.

Isabel olhou para a mãe com ternura, sentindo um nó na garganta.

Estava mesmo. A sra. Chandler era alta como a filha, tinham os mesmos olhos azuis. A única diferença era que a mãe era loira. Aos sessenta anos, ainda conservava a mesma beleza. O mal de Parkinson podia ter comprometido seus movimentos, mas não tinha diminuído seu brilho.

A mãe finalmente saiu. Isabel sentou na cama. Agora que estava sozinha no quarto podia parar de sorrir. Preferia que a mãe não tivesse tocado naquele assunto.

Isabel suspirou. Da cama podia ver sua imagem no grande espelho da parede. Na verdade, não estava tão preocupada com o passado. Mais com o futuro.

Calçou os sapatos. Desconfortáveis. Isabel era alta, estava acostumada a sapatos baixos. Mas este vestido pedia sapatos altos. Completavam o quadro. Sem dúvida, um lindo quadro.

A mãe certa vez lhe disse, orgulhosa, que ela tinha sido vistosa desde bebé. E Isabel nunca teve motivos para du­vidar. Bastava olhar no espelho mais próximo para ver que aquela aparência vistosa nunca a tinha abandonado.

O cabelo era sedoso, a pele branca, as feições perfeitas. Desde criança, ela sempre tinha sido admirada. E acabou se acostumando com isso. Embora achasse a beleza uma bênção, também a achava irrelevante. Beleza, afinal, era algo transitório. E, às vezes, podia ser grande desvantagem. Abria portas, claro. Mas a recepção a seguir nem sempre era a esperada.

Isabel foi até a janela. Olhou para o imenso jardim dos fundos, que seus pais tinham cultivado desde que mudaram para aquela casa. Logo teriam de contratar um jardineiro ou reduzir o tamanho do jardim. Mas claro que adiariam isso enquanto fosse possível. A mãe sabia desde o início da doença que suas condições iam piorar mas, com certeza, continuaria jardinando.

Dali não dava para ver os convidados chegando. Eles entrariam pela porta da frente. Parentes, alguns que ela não via fazia muito tempo. Amigos da faculdade, que pro­vavelmente ficariam boquiabertos com as dimensões da casa de seus pais porque ela nunca tinha deixado transparecer como sua família era rica. Outros amigos, dela e de Jeremy, conhecidos há muito tempo, tanto quanto ela e Jeremy co­nheciam um ao outro.

Olhando para o jardim, Isabel tentava imaginar o que estariam pensando deste casamento. A maioria devia achá-lo uma espécie de desfecho natural, algo previsível. Mas os amigos mais chegados já tinham manifestado seu horror à ideia. Não conseguiam entender como ela podia desistir do curso de medicina para casar. Claro que ela não dizia nada. Como poderia?

Os pais, embora desapontados, procuravam não censurar sua escolha. Tinham ficado perplexos quando, seis meses atrás, ela dissera que ia casar com Jeremy Baker.

Chegaram a achar que ela estivesse grávida. O que, para ela, foi a única nota divertida do lamentável episódio.

— Mas, querida... assim, tão de repente? — a mãe tinha comentado, tentando compreender o incompreensível. — Eu nem sabia que você e Jeremy eram tão próximos. Achava que...

Isabel sabia o que a mãe achava. E tratou de mudar de assunto bem depressa.

No fim, ambos acabaram concordando. E a mãe começou a ajudá-la nos preparativos.

Seu pai exercia grande influência na comunidade, o que facilitava e agilizava tudo. Dos bastidores, Isabel observava, reprimindo a angústia que ameaçava dominá-la.

Claro que sempre a consultavam sobre tudo. Os convites, os guardanapos, as flores. Todas em diferentes tons de ama­relo porque a mãe achava que a primavera era amarela e as flores simbolizariam a primavera. Francamente, o inver­no teria sido mais apropriado. Mas Isabel tinha evitado o comentário.

Andando pelo quarto, Isabel contemplava lembranças de sua infância que ainda andavam por ali. Livros de aventuras que ela devorava quando adolescente, antes que os de bio­logia se tornassem mais fascinantes. Uma boneca que ga­nhou dos pais aos cinco anos, presente de aniversário. Um desenho da família que ela tinha feito aos quatro e os pais tinham orgulhosamente emoldurado, três figuras estranhas com dedos pontiagudos. Apesar do orgulho dos pais, ela sabia que não era uma artista. Tinha uma mente mais lógica.

Ironicamente, sua vida, sempre orientada para a conclu­são mais lógica deste mundo, uma formação no campo que ela adorava, uma carreira onde poderia ajudar pessoas, ti­nha chegado ao mais irracional dos fins.

Aquilo a fazia pensar em Jeremy. E sentir de novo aquele nó na garganta.

Em menos de uma hora ela seria a esposa dele. E não havia sentido em ficar se torturando com a insanidade da ideia, uma vez que não podia fazer nada para evitar.

Bateram na porta outra vez. Não era o pai. Não ainda.

Isabel enrijeceu. Olhou no relógio de pulso, que dizia que ela ainda tinha uns quarenta e cinco minutos de liberdade. E respondeu:

— Sim. Entre.

Provavelmente era a mãe, com um detalhe de última hora. Ou talvez Abigail, sua melhor amiga, que sem dúvida desandaria a fazer outro sermão sobre a insensatez daquele casamento.

— Boa ideia — ela dissera quando Isabel lhe falou sobre Jeremy. — Entregue sua vida àquele verme. Jogue fora sua vontade de ser médica. E enquanto não faz isso, por que também não se joga debaixo de um caminhão? — Abigail estudava arte dramática e cultivava um modo teatral de se expressar. — Não vou dizer mais uma palavra sobre esse assunto, nunca mais — mas continuava comentando o tema toda vez -que se encontravam.

Não era Abigail. Não era a mãe. Era a última pessoa no mundo que ela queria encarar. Mas encarou. Desafiadoramente.

Na verdade, ele devia estar em qualquer outro lugar, não aqui, no quarto dela. Ela não podia mais suportar esse jogo de crueldade que ele vinha fazendo desde quando soube sobre Jeremy. Mesmo que pudesse entendê-lo.

Lorenzo segurou os braços de Isabel, que estremeceu.

— Por quê? Por quê?

Isabel foi atrás, contendo-se para não abraçá-lo.

— Por que você está fazendo isso, Isabel? Você não ama Jeremy Baker.

Isabel respondeu rapidamente, para evitar o assunto amor:

Lorenzo estava furioso, uma vez que não conseguia en­tender a situação. Isabel fitava aquele corpo másculo, mo­reno, cuja aparência sensual tinha virado a cabeça de tantas garotas na escola anos atrás. Já naquela época, aos dezesseis anos, seu rosto sugeria o homem admirável que viria a ser.

— Estou tentando ser razoável, Isabel — ele disse num tom nada razoável —, tentando descobrir se há algo que não sei ou se você precisa ser internada num manicômio.

Lorenzo estreitou o olhar. O cabelo escuro e pele morena realçavam o brilho curioso de seus olhos castanhos. Ele era filho de imigrantes italianos. Brilhante, tinha facilmente conseguido uma bolsa e estudado numa das melhores escolas particulares da Inglaterra. Entre os outros alunos, sem o mesmo brilho, mas muito ricos, parecia um leopardo entre um rebanho de ovelhas.

Lorenzo era diferente de todos, mas nunca se importou com isso. Não precisava. Seu cérebro era suficiente para garantir respeito. Aos dezesseis anos, comentava-se, tinha inteligência comparável à de muitos professores. Brilhante e criativo, mostrava ainda uma incansável vontade de ven­cer. Até hoje.

Isabel, nervosa, olhou para ele. E para a porta.

Isabel não sabia o que dizer. Sabia que havia uma sus­peita sob toda aquela raiva. Que ela não podia aguçar. Lo­renzo era sagaz. Saberia perceber a verdade sob aquela farsa.

Tais palavras evocavam lembranças dolorosas. Dos mo­mentos em que ela esteve nos braços dele. Lorenzo tinha sido seu primeiro e único amante.

Ele estava muito perto, tão perto que ela podia perceber as batidas de seu coração, sentir a textura de sua pele. Desde que soube que casaria com Jeremy, Isabel tinha pro­curado evitar Lorenzo Cicolla, porque sua proximidade era o que ela mais temia.

Isabel se voltou. Não queria ouvir mais nada.

— Você era o prémio, sempre foi — Lorenzo prosseguiu. — Nesta comunidadezinha fechada, você era a estrela mais brilhante. Mais fascinante. O grande trofeu.

Aquilo era o máximo que ele pediria, Isabel sabia disso. E sentia uma vontade irresistível de fazer o que ele dizia.

Tudo o que ele tinha dito era verdade. Jeremy sempre tinha tido por ela verdadeira obsessão. Mas nunca lhe ocor­reu que sua privilegiada situação económica, que sempre tinha lhe permitido comprar o que quisesse, não poderia comprá-la. Ele a tinha pedido em casamento quando ela ainda estava no colégio, aos dezesseis anos. E depois, na faculdade, quatro anos mais tarde. E Isabel tinha rido. Ago­ra a piada era ela.

— Vou casar com Jeremy — Isabel olhou seu relógio de pulso — em menos de trinta minutos — sussurrou. — E isso é tudo.

Lorenzo contraiu os lábios. Sua expressão já não mostrava raiva, mas desprezo. E Isabel não sabia qual detestava mais.

Lorenzo sempre a tinha assustado e excitado. Tinha che­gado àquela escola e a deixado boquiaberta. A ela e todas as garotas da classe. Numa época em que, ainda hesitantes, elas cruzavam a linha divisória entre a infância e a idade adulta, percebendo com um arrepio ambíguo que meninos não eram assim tão chatos como elas supunham. Lorenzo Cicolla, com seu cabelo negro e pele morena, quatro anos mais velho mas muito mais maduro que outros garotos de sua idade, tinha frequentado a imaginação de todas elas. A distância, entre risinhos, todas o observavam com a ino­cência da juventude. Interessadíssimas.

O fato de ele não olhar para ela, nem para qualquer outra da turminha, só fazia aumentar o interesse. Na ver­dade, foi só quando ela já tinha dezesseis anos, e ironica­mente foi através de Jeremy, que eles vieram a se tornar amigos e ele admitiu, divertindo-se com a reação dela, que sempre a tinha notado. Ele podia ser jovem, mas já cultivava aquela compostura sombria, consolidada ao ficar mais velho.

Isabel em princípio não entendeu, mas logo percebeu do que ele estava falando. Claro que ele não demoraria a ex­plorar aquela imprudente admissão de que Jeremy tinha escrito. Uma única carta. Mas ela não revelaria seu teor.

Lorenzo a agarrou, olhar tão feroz que ela chegou a temer que ele pudesse fazer algo horrível, fazê-la em pedaços. Abriu a boca para protestar. Mas não foi possível. Um beijo a impediu. Um beijo selvagem, furioso.

Isabel se debatia, empurrava-o. Até que Lorenzo final­mente a largou e se afastou.

— Qual é o problema, Isabel? Não quer se despedir de seu amante?

— Pare com isso — ela implorava, quase em pranto.
No dia em que Isabel lhe contou sobre Jeremy, Lorenzo ficou furioso. Mas seu orgulho impediu qualquer pergunta. Ele apenas saiu do alojamento dela na faculdade e não voltou mais. O tempo parecia ter maturado sua raiva. Era um cum­primento estranho, ambíguo, que ela preferia ter evitado.

— Por quê?

— Você sabe por quê. Agora pertenço a Jeremy...

Lorenzo se voltou abruptamente. Mas ela ainda pôde per­ceber o ódio que a resposta tinha causado. O que talvez um pouco mais de tato tivesse evitado. Porém, naquelas circunstâncias, prestes a perder o controle, era impossível escolher as palavras.

Hesitante, Isabel deu um passo na direção dele. Ouviu baterem na porta. Voltou imediatamente.

Era seu pai, que olhou para os dois intrigado. Ao que Lorenzo respondeu, tranquilamente, como se nada tivesse acontecido:

— Vim desejar boa sorte à noiva. Duvido que possa falar com ela depois que o casamento começar. E, como nos conhecemos tão bem — sorriu para Isabel —, resolvi vir aqui me despedir.

O pai entrou no quarto. Alheio ao que estava acontecendo, apenas sorriu.

_ É compreensível, meu rapaz — concordou cordialmen­te. Ele sempre tinha gostado de Lorenzo. — Jeremy tem muita sorte de levar minha linda filha embora.

Não sei se sorte tem algo a ver com isso — Lorenzo olhava para Isabel com fria cortesia. — Talvez amor, não é, Isabel?

— Experimente dizer isso a elas — Lorenzo respondeu. Minha mãe sempre diz que quem manda lá em casa é ela. O que é verdade.

Todos riram. Menos Isabel.

Bem, querida, podemos descer agora e fazer nossa entrada triunfal? — o pai sugeriu. Depois, voltando-se para Lorenzo, informou: — Jeremy estava à sua procura. Eu lhe disse que não sabia se você já tinha chegado.

Em seguida, saiu em direção à porta, já concentrado na tarefa que tinha pela frente, sem perceber as diferentes reações que aquela alusão a Jeremy tinha provocado.

Isabel agarrou a mão do pai e deixaram que Lorenzo saísse primeiro. Lorenzo saiu, descendo a escada de dois em dois degraus. Quando já não ouvia mais seus passos no vestíbulo de mármore lá embaixo, Isabel sentiu uma horrível sensação de resignação, como se tivesse envelhecido cin­quenta anos em meia hora.

Tanto a cerimónia de casamento como a recepção seriam na grande tenda amarela e branca armada nos fundos da casa, onde estariam todos perto uns dos outros. Perto de­mais. A mãe tinha achado boa ideia e Isabel tinha concor­dado com cordial apatia.

Ela e o pai caminhavam solenemente pela escada curva, pelo vestíbulo, pela sala, de onde já tinham sido retirados copos e bandejas vazias, e finalmente pela porta dupla em direção à tenda. Quanto mais avançavam, mais tensa Isabel ficava.

Chegaram à tenda. Todos os olhares se voltaram na di­reção deles. Isabel morria por dentro. Olhava para a frente, para ninguém, muito menos para suas amigas dissidentes, todas na primeira fila. Com o canto do olho, viu Abigail, cabelo loiro, feições severas, olhar crítico.

Mais à frente, viu Lorenzo, sombrio, implacável, olhan­do-a com um desprezo velado que só ela podia perceber. Além dele, Jeremy, o obstinado Jeremy, cujo destino agora estaria entrelaçado ao dela para sempre.

CAPITULO II

O contador estava dizendo alguma coisa. Isa­bel olhou, tentando se concentrar no que ele dizia. Perto dela, estava a mãe, imóvel, sentada numa poltrona, a dor estampada no rosto. Estava assim fazia três meses. Andava, falava, mas parecia não ter mais alma.

— Vai demorar um pouco — o dr. Adams tinha dito a Isabel pouco antes no consultório —, mas ela vai acabar superando tudo.

Isabel olhava para a mãe, aflita. Será que um dia ela superaria mesmo tudo aquilo?

O sr. Clark balançou a cabeça. Era um homem baixinho, careca, olhar impaciente, movimentos nervosos. Mas com­petente. Ele e seus dois assistentes tinham vasculhado aque­las contas minuciosamente.

— É melhor sair, mamãe. Você parece cansada.
A sra. Chandler tentou sorrir.

Isabel abraçou a mãe rapidamente. Ela mesma mal tinha tido tempo de chorar. Precisava amparar a mãe.

— Espere por mim no vestíbulo, sr. Clark — Isabel disse.
O sr. Clark levantou. Saiu da sala.

Isabel hesitou, mas só por um instante. Era preciso de­cidir. Os números que o sr. Clark tinha levantado não dei­xavam tempo para lamúrias. Era preciso seguir vivendo. A vida não respeita a morte.

O sr. Clark esperava pacientemente no vestíbulo. Isabel foi até lá. Levou o homem até a cozinha. Serviu café. Sentou à mesa na cadeira em frente à dele.

— Quem é o comprador, sr. Clark? — Isabel foi direto ao assunto.

Fazia sentido. Tudo o que ele tinha dito nas últimas se­manas fazia sentido. O sr. Clark, estava claro, era um ho­mem sensato.

Isabel levantou. O homem também. Guardou os papéis na pasta. Tinha vindo muito bem preparado. E estava certo. Ela entendia bem pouco de finanças. Claro que podia apren­der com o tempo, mas não havia tempo. E sabia que o pai não gostaria de ver sua empresa falida. Melhor tentar evitar.

O sr. Clark foi embora. Isabel deu uma olhada na mãe, que tinha adormecido na poltrona, e foi para a biblioteca pensar.

Ser forte era difícil. Cansativo. Era preciso decidir. E a mãe não estava em condições de decidir nada.

Sentada na cadeira giratória de couro, Isabel fechou os olhos. O pior era recordar. Lembrar-se sentada ali, no colo do pai, quando criança. Ou passeando com ele pelo jardim, ouvindo sobre as plantas e árvores que havia lá.

Isabel não soluçava como a mãe. As lágrimas apenas rolavam por seu rosto, mas ela não tentava impedir. Caíam nas suas mãos, no colo, no vestido.

Já não tentava mais acreditar que a qualquer momento acordaria e descobriria que tudo tinha sido um terrível pe­sadelo. Lembrava apenas da polícia trazendo a notícia de que tinha havido um acidente de carro e que os dois ocu-pantes tinham morrido.

Jeremy estava ao volante do Jaguar, acima do limite de velocidade. Tentando ultrapassar outro carro, tinha batido num caminhão que vinha em sentido contrário.

Na manhã seguinte, Isabel ligou para o sr. Clark.

— Pode vender, sr. Clark — disse. — Assinarei o que for preciso, mas não quero me envolver na negociação.

Sua mãe tinha saído com a mãe de Jeremy. Iam tomar chá.

Sozinha, Isabel voltou para sua própria casa. Desde o acidente, tinha estado morando com a mãe.

A casa onde morava com Jeremy, mesmo depois de quatro anos de casamento, nunca tinha parecido um lar. Apesar dos quadros, dosvasos de plantas, do jardim, ainda parecia um lugar vazio. Sem amor, uma casa nunca poderia ser um lar. E a falta de amor ali era evidente.

Isabel abriu a porta da frente. Recolheu a correspondência do chão. Começou a guardar as roupas de Jeremy em caixas de papelão. Mandaria tudo para uma instituição de carida­de. Devia ter feito isso antes, semanas antes, mas o tempo tinha passado tão depressa.

Tudo tinha sido tão inútil. Ela ainda lembrava de seus vinte anos. De estar apaixonada. Lorenzo. Claro que aquilo tinha sido outra fase de sua vida, que ela já tinha superado. O tempo sempre cicatriza todas as feridas.

Nem da mãe dele ela lembrava mais, porque a sra. Cicolla tinha ido para a América fazia três anos, para estar perto do filho.

Mas ainda lembrava da sensação horrível que tinha sen­tido quando soube, no dia do casamento, através dos pais, que Lorenzo tinha decidido ir para os Estados Unidos.

— Dentro de duas semanas — ele tinha dito casualmente, mãos nos bolsos, sem nem mesmo olhar para ela, proscrevendo-a de sua vida. A ex-amante casada com outro homem.

Aquilo tinha sido quatro anos atrás, mas a lembrança era tão vívida como se tivesse sido apenas ontem, apenas há poucas horas.

Isabel ouviu a campainha da porta. Desceu a escada para atender. Abigail. Isabel abriu um grande sorriso ao ver a amiga que não via desde o funeral, três meses antes.

— Passei antes na casa de sua mãe — Abigail disse ao entrar. — Como não havia ninguém, achei que você devia estar aqui. Precisa de ajuda com alguma coisa?

Lá em cima, continuaram as duas a encaixotar as roupas. Em poucos anos, Abigail tinha ficado famosa. Estava sempre nos jornais.

Abigail ficou algum tempo calada.

Isabel ficou de pé, sacudiu a poeira da roupa e respondeu:

Aqueles papéis, Isabel franziu a testa. Onde estavam os papéis? Jeremy devia tê-los escondido em algum lugar. Eles não podiam ter desaparecido. E ele não descuidaria deles. Afinal, eram sua garantia se ela um dia resolvesse cair fora daquele casamento.

— Claro que no começo o detestei. Mas é impossível de­
testar para sempre. Muito cansativo. Depois de algum tempo o instinto de conservação acaba prevalecendo. Senão a gente ficaria maluca.

Desceram à cozinha para tomar café.

Era bom ter alguém para conversar. Ajudava a ordenar as ideias. E Isabel acabou falando também da proposta do sr. Clark, do que ela pretendia fazer com a casa, do trabalho.

O assunto ficou como estava. Abigail foi embora no fim da tarde. Isabel voltou para a casa da mãe, que já tinha chegado e parecia bem melhor que nas últimas semanas.

— Emily está me ajudando a botar a vida em ordem — a mãe disse, bebericando seu chá e escolhendo salada no prato como um passarinho. — David foi embora e me trancar em casa não vai mudar nada. Já passei muito tempo trancada aqui. E hora de começar a pensar no futuro. O que o sr. Clark disse?

Isabel contou. Na manhã seguinte, estranha coincidência, o sr. Clark ligou para dizer que o comprador tinha chegado e pedir que ela fosse a seu escritório assinar uns papéis.

Isabel se vestiu com esmero para a ocasião. Tailleur de lã cinza, sapatos combinando, colar de pérolas.

Olhou no espelho. Viu uma mulher de vinte e quatro anos, quase vinte e cinco, que, depois de uma grande perda, agora se sentia livre pela primeira vez em quatro longos anos.

Sorriu. O reflexo sorriu também, mostrando o que ela não via fazia muito tempo. O mesmo rostinho lindo, o cabelo agora mais curto, o corpo gracioso, olhos um tanto tristes, como se tivessem visto coisas demais.

Saiu de casa, sentindo-se melhor do que nos últimos tem­pos. Chegou ao escritório do sr. Clark na hora combinada.

O sr. Squires não estava lá. Isabel tomou café, conversou um pouco com o contador, começou a sentir certa irritação por estar ali esperando. Será que o homem nunca tinha ouvido falar de boas maneiras?

Olhou o relógio de pulso e para o sr. Clark, que também olhava preocupado para o próprio relógio e não demorou a levantar, dizendo que ia sair para ver o que tinha havido com o cavalheiro.

— Talvez ele tenha se perdido — o sr. Clark arriscou. Talvez ela não devesse lhe vender a empresa do pai.

O sr. Clark saiu da sala.

Dez minutos depois, quando já tinha decidido que o sr. Squires estava definitivamente fora da lista de prováveis compradores, Isabel ouviu a porta abrir. Olhou ao redor.

O choque ao ver Lorenzo Cicolla foi tão grande como se tivesse olhado pela janela e visto um cogumelo pairando sobre a cidade, anunciando a guerra nuclear.

Lorenzo entrou na sala, sem tirar os olhos dela. Isabel levantou, como se tivesse visto um fantasma.

— Lorenzo! O que está fazendo aqui? Estou esperando um sr. Squires. Você não é o sr. Squires. — Foi tudo o que ela conseguiu dizer.

Isabel não esperava voltar a ver Lorenzo Cicolla. Ele tinha feito sua vida em pedaços, que ela nunca mais tinha conseguido juntar.

— Não, não sou.

Aproximando-se, Lorenzo sentou na cadeira ao lado. Cru­zou as pernas. Isabel queria parar de olhar para ele. Mas não podia. Fazia muito tempo.

O tempo mostrava seus efeitos nas pequenas rugas sob os olhos, mas fora isso era o mesmo Lorenzo de antes. A mesma aparência sombria, o mesmo encanto.

Isabel deu de ombros, alisando a saia de lã.

Lorenzo sorriu tranquilamente. Mas dava para ver an­tipatia e desprezo sob o sorriso.

Lorenzo deu de ombros.

Isabel levantou. Começou a andar pela sala. Lorenzo ficou onde estava, só olhando, olhar impenetrável.

Lorenzo comprimiu os lábios.

Não isso. Tudo menos isso, Isabel pensava. Quatro anos atrás, a separação tinha sido amarga. Ela ainda lembrava do desastroso dia de seu casamento, daquele horrível confronto no jardim, antes que ele sumisse de sua vida. Será que só estava esperando uma oportunidade como esta? Ou será que a morte de Jeremy e seu pai tinha reacendido a raiva dele?

— Não minta, Isabel. Você não sabe mentir.
Isabel corou, furiosa.

— O que queria que eu dissesse? Você volta à cidade quatro anos depois e diz que vai morar aqui. Não é uma notícia agradável, é? Você não pretende se estabelecer aqui para o bem da comunidade, mas para acertar contas. Não acha que estamos velhos demais para isso?

Lorenzo deu um murro na mesa. Com tal força que Isabel se afastou, temendo que ele se tornasse violento. Depois riu de si mesma. Claro que não. Ele nunca tinha sido dado a demonstrações de violência.

O tempo passou, uma vozinha advertia. As pessoas mu­dam. O homem para o qual ela olhava agora era um es­tranho, sombrio, ameaçador.

Isabel levantou, trémula, pálida.

Isabel olhou para ele por sobre o ombro.

Isabel olhou para ele enojada. Ele estava gostando da­quilo, gostando de ver seu mal-estar, gostando de vê-la em posição de indefesa submissão. Como ela pôde um dia ter amado esse homem?

Claro que depois de todos estes anos ela podia lhe dizer por que tinha casado com Jeremy. Mas, se ele estava de­cidido a se vingar, a confissão podia lhe dar mais munição. Muito arriscado. O pai estava morto, já não podia mais sofrer. Mas a mãe estava viva, vulnerável. E já tinha sofrido demais.

Além disso, estava evidente que aquele não era o Lorenzo Cicolla que ela conhecia. O homem que um dia tinha feito amor com ela, há tanto tempo que ela mal podia lembrar. Este era outro homem. Que ela não conseguia compreender.

Isabel corou, sentindo a temperatura subir.

— Quando podemos ser amigos... — sussurrou.
Lorenzo só olhava, o olhar perambulando insolentemente pelo corpo dela.

Agora foi Lorenzo quem corou, furioso.

— Seu casamento com Jeremy Baker também foi desprezível, Isabel. Ou talvez seja meu lado caipira que insiste em ver as coisas dessa forma inconveniente.

Caipira? Não mesmo. Ele podia ter vindo do nada, como Jeremy sempre fazia questão de dizer quando o assunto era Lorenzo Cicolla. Mas olhando para ele ninguém diria isso. Sentado ali, naquele terno bem cortado, ele parecia exatamente o que era: rico, refinado. Cruel.

Difícil acreditar. Ele devia era ter achado que havia um de­safio maior, mais interessante, esperando por ele aqui. A em­presa do pai dela devia tê-lo interessado por estar no seu ramo de negócios. E a atual proprietária lhe conferia mais sabor.

Lorenzo se voltou outra vez, desprezo no olhar.

— Duvido que você esteja qualificada para julgar a vida de outras pessoas — respondeu. — Casamento por dinheiro, francamente, me dá nojo. Você algum dia foi feliz, Isabel? Quando o agito social terminava e vocês ficavam sozinhos naquela casa imensa, cara, vazia?

Isabel desviou o olhar. Não respondeu.

— Acho que não — Lorenzo tinha recobrado a pose, mas não voltou a sentar. Começou a andar pela sala, sem tirar os olhos dela.

Sabia que não poderia responder a nada que ele dissesse, porque era incapaz de justificar seu passado.

— Se quer que eu assine os tais papéis — disse formal­mente —, posso assinar. Se não, vou embora.

— Você vai embora quando eu deixar.
Isabel encarou aquele olhar gelado, furiosa.

—- Não — ele concordou —, talvez não fosse. Ou talvez não fosse o suficiente. — Seus olhos castanhos esquadri­nhavam o corpo dela.

— Continuo não entendendo — Isabel subiu o tom de voz.

— O destino da empresa de seu pai está nas minhas mãos, Isabel. Sem mim, tudo o que ele levou a vida inteira para construir vai desaparecer como uma nuvem de fumaça — Lorenzo sorriu, como se aquela possibilidade lhe causasse grande satisfação.

Isabel olhou para ele, chocada.

CAPITULO III

Nunca! — Isabel bradou, agarrando os braços da cadeira. — Você está louco!

Ele a detestava. Antipatia, desprezo, orgulho ferido, nada seria suficiente para descrever o que sentia por ela. Isso agora estava claro. Como estava claro que ela jamais poderia lhe contar a verdade. Se ele estava disposto a casar com ela apenas para saciar seu desejo de vingança, como poderia confiar nele?

Lorenzo deu a volta na mesa. Rapidamente. Antes que ela percebesse, estava ao lado dela. Começou a acariciar seu cabelo.

Isabel sentiu o coração bater mais forte. Ela nunca casaria com ele, mas algo dentro dela insistia em responder àquela carícia. Ela precisava se afastar o quanto antes.

Mas não podia. Imóvel, ela tentava não sentir o calor que se espalhava por todo o seu corpo.

— No que eu quiser, Isabel? — Lorenzo repetiu. — Ou no que você me disse há quatro anos?

Silêncio. Havia como responder o irrespondível?

As lembranças pululavam na sua mente como monstros saídos da escuridão. O dia do casamento, ensolarado, um dia de primavera que mais parecia de verão. A satisfação de Jeremy, por saber que ela agora lhe pertencia. A surpresa de ver Lorenzo ficar para a recepção, não tão surpreendente já que sair dali na primeira oportunidade seria fugir, de­sistir, admitir a derrota. Era o que Jeremy queria. Mas não era o estilo italiano.

Entre amigos e parentes, Isabel observava Lorenzo com o canto dos olhos. Claro, a explosão era só uma questão de tempo.

Jeremy tinha passado a tarde exibindo-a, açulando a ira do rival.

Isabel fechou os olhos. Lembrou dos cumprimentos. Ela estava linda, todos diziam. E ela sorria para todos. No fim da tarde, a boca doía.

— Todos os homens comentavam a sorte de Jeremy Baker — Lorenzo insistia. — Ele sumia perto de você. Como todos, não é, Isabel? Todos, exceto eu.

Isabel sentiu o coração bater ainda mais forte. Lembrou deles dois juntos, fazendo amor, daquele corpo moreno junto ao seu, branco como a neve.

A imagem irrompeu na sua mente com chocante nitidez. E Isabel a descartou, confusa, perturbada.

Lembrou de Jeremy. Magro, loiro, olhos azuis, com aquele tipo de beleza gracioso nas crianças, mas nada sensual nos adultos.

Ela nunca o achara particularmente atraente. Apenas pertenciam à mesma turminha, o que era inevitável numa cidadezinha daquele tamanho, onde todos eram filhos de pais que se conheciam.

Lorenzo se afastou rapidamente, voltando para trás da mesa. Como se fosse o dono do lugar.

Isabel arriscou um olhar. A situação era grotesca, ridí­cula. Um mínimo de bom senso a faria se recompor e cair fora dali. Mas, em vez disso, ficou. Ouvindo o silêncio. Voltou a sentar.

Outra incómoda lembrança daquele maldito dia. Abigail perguntando com toda a franqueza se devia parabenizá-la.

Bem, Isabel pensava agora, pelo menos não tinha havido filhos. Teria sido a loucura definitiva.

— Você mudou — Isabel comentou sem saber por que, surpreendendo até a si mesma. Não pretendia dizer aquilo. Pretendia apenas dizer que ia embora, já que ele não compraria mais a empresa de seu pai, uma vez que casamento como condição estava fora de questão.

Lorenzo recostou na cadeira giratória.

O olhar furioso que Lorenzo lhe dirigiu a teria calado se ela permitisse. Mas ela não permitiria.

Com grande esforço, Isabel mantinha a calma.

— Não superestimo nada. E tenho certeza de que há muitas mulheres lindíssimas. Seja qual for o motivo do seu comentário...

Lorenzo não parecia impressionado com a resposta. Será que esperava mesmo que ela se rendesse sem luta? Que fizesse o que ele dizia?

Agora foi Isabel que sorriu.

— Imagino que você tenha tido muitas mulheres na Amé­rica. É o que está tentando insinuar?

—E por que imagina que a iniciativa tenha sido minha? — ele ironizou. — Todos são iguais por lá.

O que devia tê-lo incomodado bastante, Isabel pensou. O estilo dele não admitia mulheres independentes. Embora a família dela fosse muito rica, ele jamais tinha permitido que ela pagasse um jantar. Em vez disso, iam sempre comer em lugares mais baratos. Ou comiam na cama mesmo, antes de...

Isabel voltou a sentir aquele calor por todo o corpo. Olhou para ele furtivamente. Depois para as próprias mãos.

Isabel ainda lembrava de como tinha reagido, no dia do casamento, à notícia de que ele ia embora do país. Passado o choque inicial, tinha dito a ele, discretamente:

— Você nunca me disse que pensava em ir para a América.
Ao redor, várias vozes discutiam os prós e contras de começar a vida sem nenhuma ajuda financeira.

Caridade, Isabel pensava, olhando para ele agora, obvia­mente era um sentimento que ele não tinha cultivado. Nada poderia estar mais longe de seus propósitos.

— Você vai achar bem chato viver aqui — disse, tentando pensar em coisas inconsequentes para fazer o calor passar.

-— Bem, acho que a novidade da situação vai me manter interessado durante algum tempo.

Isabel sabia o que ele queria dizer. A novidade seria ela. Quando cansasse, ele iria embora de novo.

— Neste caso, você vai ter de se arranjar sem a empresa de meu pai porque sua condição para comprá-la é inaceitável.

Isabel levantou outra vez.

— Sente-se. Já deixei claro que você não sai daqui antes de eu terminar.

— E eu já deixei claro que você não manda na minha vida.

— O sr. Clark não lhe disse o que vai acontecer se eu não comprar aquela empresa?

— Sim. Disse que a empresa tem potencial considerável e muitos clientes — ela respondeu, omitindo grande parte do que o sr. Clark na verdade tinha dito.

Lorenzo ergueu as sobrancelhas.

— Se humilhando? E assim que você se sente?
Isabel só olhava, cada vez mais preocupada.

— Eu... — disse, procurando manter o tom de voz — não sei do que você está falando.

Ele agora estava bem perto. Isabel continuava só olhando, sentindo impotência e frustração.

Por que ele não tinha ficado nos Estados Unidos? Lem­branças eram dolorosas, mas era mais fácil lidar com elas. A presença dele ali era muito mais contundente.

Lorenzo ergueu a mão e correu um dedo pelo rosto dela. Um gesto tão inesperado que seu coração pareceu parar de bater.

— Desde que me viu aqui, você mudou de cor — ele disse, baixinho mas com a mesma ironia.

— Deve ser a raiva — Isabel murmurou, enquanto Lorenzo agora deslizava o dedo pelo seu pescoço. — Quer, por favor, tirar a mão de mim?

Sem tirar os olhos dela, Lorenzo tocou seu seio, devida­mente protegido pelo tailleur de lã.

O efeito foi imediato. Por um instante, tudo pareceu fora de controle. O seio pareceu inchar, o mamilo endureceu, desejando que ele não parasse.

Isabel se afastou.

— Como se atreve? — perguntou, furiosa. Com ele e com ela mesma. E, temendo começar a gaguejar, não disse mais nada.

Isabel já não lembrava como era ser tocada por um ho­mem. Tinha se imposto um celibato voluntário, tentado se convencer de que fazer amor era algo de que não precisava. Estava errada. A fugaz carícia de Lorenzo, destinada apenas a provar o que dizia, tinha causado um efeito que ela julgava impossível.

Isabel cruzou os braços. Seu olhar fuzilava.

— Você dizia?... — Lorenzo sugeriu, como se nada tivesse acontecido.

Ainda aturdida, Isabel se perguntava do que é que ele estava falando agora.

— Você falava de suas ideias para salvar a empresa de seu pai... — ele prosseguiu, aproximando-se da janela e dando-lhe as costas.

Falar com alguém de costas era desconfortável. Mas era evidente que conforto era algo que ele não pretendia lhe proporcionar.

— Ainda não tenho ninguém em mente — Isabel respondeu. — Mas tenho certeza de que posso encontrar alguém.

Tanta lógica deixava Isabel ainda mais irritada.

Isabel ainda lembrava alguns comentários de Jeremy no dia do casamento. Estavam os três juntos. Como tinha sido embaraçoso.

— Você tem sorte de ter chegado aonde chegou, Lorenzo — ele tinha dito, depois de beber mais do que devia. — Sem nunca ter tido dinheiro. Bolas, sua mãe trabalhava na casa de alguns de seus amigos. — Jeremy ria, como se tivesse dito algo muito engraçado. Mas foi o único a rir.

— Dinheiro compra tudo — Lorenzo dizia agora. — E você não é exceção.

— Dinheiro não pode comprar felicidade. Não pode comprar amor. Nem respeito.

Lorenzo desviou o olhar.

— Quanta filosofia — comentou sarcasticamente. E Isabel suspirou, cansada de tudo aquilo.

A expressão de Lorenzo endureceu.

Isabel procurava forças para se afastar daquele estranho que pretendia se apossar de sua vida para destruí-la quando achasse melhor.

Lorenzo relembrava. A expressão dizia. Isabel sabia o que ele estava lembrando. A mesma lembrança a tinha as­sombrado durante quatro anos. A lembrança que ela tanto tinha tentado esquecer. Mas, como toda lembrança desa­gradável, tinha criado raízes.

Tão logo pôde, ela foi procurá-los para ver o que estava acontecendo. O jardim era grande. Demorou algum tempo a achá-los, atrás de uma árvore.

Estavam discutindo. Jeremy gesticulava. Lorenzo permane­cia imóvel, contendo a raiva, Isabel notou quando se aproximou.

Lorenzo a estava levando a falar de coisas que ela seria incapaz de defender, mesmo agora. Olhando nos olhos dele, Isabel ainda podia ver a mesma raiva. Depois de tanto tempo.

— Não? Você deve ter a memória curta. Se me lembro bem, dinheiro era tudo o que importava para você.

Isabel não respondeu. Apenas relembrava a cena no jar­dim, quando tinha sido convocada a confirmar o que Jeremy dizia. — Minha querida esposa — Jeremy tinha dito com um sorriso triunfante — me disse que você não era digno dela. Que pobreza poderia ser até algo romântico durante um certo tempo, mas no fim seria bastante incómodo.

Isabel não tinha podido negar. Estava de mãos atadas.

E Lorenzo a tinha olhado com profundo desprezo. Da mesma forma como a olhava agora. Da mesma forma como a tinha olhado ao entrar no escritório do sr. Clark. Não tinha esquecido nada e não estava disposto a perdoar. Nunca estaria. Extrairia dela até a última gota de sangue e para isso usaria todos os meios disponíveis.

Olhando para ele, Isabel devia ter sentido uma sensação de alívio. Mas não sentiu. Sentia apenas medo da ameaça de Lorenzo.

Isabel não precisava olhar na cara dele para ver a con­fiança que ele mostrava. Pelo menos, o sr. Clark parecia convencido de que tudo correria normalmente, apesar das objeções dela. Simples detalhes, provavelmente.

Isabel queria protestar. Mas ficou calada.

Não era hora nem lugar de discutir o assunto. Mas Lo­renzo Cicolla não ia conseguir o que pretendia. Se queria guerra, teria guerra.

CAPITULO IV

Que bom para você, querida — a sra. Chandler sorriu para a filha. Mas Isabel não sorriu. Fazia cerca de uma semana que ela tinha, reencontrado Lorenzo. E a perspectiva de ele voltar a viver na Inglaterra a assustava cada vez mais.

Ele a detestava, isso tinha ficado claro no escritório do sr. Clark. E agora, quatro anos depois, tinha os meios para despejar sobre ela toda a sua ira.

Isabel olhou para a mãe e respondeu, tão diplomatica­mente quanto podia:

A mãe levantou para ajudar. Bom sinal. Nos últimos meses uma profunda letargia a tinha impedido de qualquer atividade, mas nas duas últimas semanas já começava a mudar de comportamento.

Melhor começar falando em reservas, assim seria mais

fácil a mãe aceitar a ideia quando se tornasse inevitável dizer não. Já tinha sido difícil convencê-la de que vender imediatamente não era a melhor alternativa. Afinal, ambas conheciam Lorenzo, um homem honrado e correto.

Isabel abriu a torneira, esperou a água esquentar, come­çou a lavar os pratos.

— Acho que você está exagerando um pouco, querida.
Talvez tenha se sentido um tanto desconfortável porque
costumava sair com ele.

Isabel não estava nada disposta a discutir aquele assunto. Tanta água tinha rolado sob a ponte que até a paisagem tinha mudado.

— O que você pretende fazer amanhã? — Isabel pergun­tou, tentando mudar de assunto.

A mãe sorriu, divertida.

— Claro que vou ter de me encontrar com ele. Não fazê-lo, seria falta de cortesia.

Lá fora, a tarde de outono começava a virar noite. A luz dourada infiltrava-se por entre as árvores do jardim bem-cuidado. Isabel tinha contratado um jardineiro, apesar dos débeis protestos da sra. Chandler.

— Querida, sei que você está cuidando de tudo, mas tenho de estar de acordo com qualquer decisão, não é? — a sra. Chandler prosseguiu, como se a conversa não tivesse sido interrompida. — Seria estranho deixar de vê-lo quando ele está pensando em comprar a empresa. Afinal, ele não é amigo da família?

Isabel suspirou. E deu de ombros.

Procurá-lo? Eu? Depois de tudo o que lhe contei?

— Por que não? — a sra. Chandler levantou. — Acho que já vou subir. — Aproximou-se de Isabel, beijou a filha no alto da cabeça. — Não deve ser difícil encontrá-lo. Me avise quando será o jantar. Nós duas podemos cuidar de tudo. — Sorriu pensativa. — Sabe, nunca vou esquecer as festas maravilhosas que seu pai e eu costumávamos dar. Todos os vizinhos... — suspirou. — Acho que nunca mais vou fazer aquilo. Mas será bom ver uma cara diferente. E Lorenzo sempre foi tão encantador. — Suspirou outra vez.

Isabel observava enquanto a mãe ia lentamente em di-reção à porta. Quando ela sumiu de vista, esparramou-se no sofá.

Maldito Lorenzo Cicolla. Na verdade, havia muitas perguntas que ela gostaria de lhe fazer, mas desde o início ele tinha deixado sua hostilidade bem clara.

Isabel levantou, recolheu as xícaras vazias, levou para a cozinha.

Agora ela não tinha escolha. Tinha de convidá-lo para jantar.

Isabel passou os dois dias seguintes imaginando se devia fingir ter esquecido o assunto Lorenzo Cicolla, se devia si­mular algum esforço para encontrá-lo, talvez ligar para onde ele menos provavelmente pudesse estar, ou se devia sim­plesmente concordar com o que a mãe sugeria.

Mas não precisou fazer nada porque trombou com ele por acaso quando ia para casa de bicicleta, depois do tra­balho. Ou melhor, foi fechada e obrigada a desmontar.

— Achei que era você — ele disse, saindo do Jaguar.
Estava de calça escura e camisa branca, mangas arregaça­ das apesar do friozinho da tarde.

Isabel só olhava, mãos grudadas no guidão.

— Que surpresa. Eu achava que você tinha desistido de voltar aqui agora que não tem mais motivos para ficar —Isabel tentava ignorar o coração batendo mais forte. E a sensualidade que ele exalava por todos os poros.

— Bem, tem muita gente por aqui e preciso ir para casa. Se você não se importa, acho que já vou indo.

Aquele maldito convite para jantar ia ter de esperar. Sua mãe tinha razão, as decisões sobre a empresa precisavam de sua aprovação, mas ela agora não tinha nenhuma vontade

de esticar a conversa.

A deliciosa atração sexual que ele costumava exercer sobre ela anos atrás agora tinha virado apreensão e intranquilidade.

Lorenzo não voltou para o carro. Ficou onde estava, olhan­do para ela. Depois, olhando ao redor, disse:

—Você tem razão. Muita gente por aqui. O pessoal está saindo do trabalho.

E trancou a porta do carro.

— Não vou segurar você aqui. Minha resposta continua a mesma — Isabel começou a se afastar, mas ele agarrou o guidão da bicicleta, forçando-a a parar.

— Compreendo. — Lorenzo sorriu.
Isabel estava cada vez mais perturbada.

Lorenzo abraçou sua cintura e, antes que ela pudesse reagir, a tirou da bicicleta. Isabel se afastou dele, tremendo da cabeça aos pés. O contato das mãos dele foi como uma descarga elétrica, fazendo-a lembrar de como tinha se sen­tido quando ele a tocou naquele escritório.

— Como posso insultá-la se você é tão indiferente a mim?
Ponto para Lorenzo. Quando ele se voltou, Isabel o seguiu, segurando o guidão tão forte que seus dedos doíam.

O barzinho não era longe. Havia pouca gente lá. Tom, o dono, filho de Sam Wilkins, sorriu para Isabel. Mas dedicou mais atenção a Lorenzo.

"O suficiente para fazer da minha vida um inferno", Isabel pensou. Mas não disse. Apenas perguntou pela mulher dele e as crianças.

Tom respondeu rapidamente, como se não quisesse mudar de assunto. E prosseguiu:

— Esta cidade está mesmo precisando de sangue novo. E, claro — olhou para os dois —, com a morte de Jeremy...

— Já chega, Tom — Isabel interrompeu.
Lorenzo riu, achando tudo muito engraçado.

— Continue, Tom — Lorenzo sugeriu. — Com a morte de Jeremy...

Pegaram as bebidas e foram para uma das mesas redon­das perto da lareira.

— Tom Wilkins continua com a mesma língua comprida — Isabel comentou, sentando, cruzando as pernas e olhando
para Lorenzo.

Lorenzo recostou na cadeira, levou o copo aos lábios, ob­servando-a por sobre a borda.

Lorenzo ergueu as sobrancelhas.

Isabel sacudiu a cabeça, furiosa com tanta arrogância.

Aquilo devia deixá-lo furioso. Na verdade, era o que ela pretendia. Mas Lorenzo apenas olhou e respondeu em voz baixa:

Isabel sentiu uma sensação estranha por todo o corpo. Desviou o olhar, assustada. A voz de Lorenzo, rouca, sen­sual, afetava todos os seus sentidos. Custou algum esforço responder:

— Desista, Lorenzo. Eu já... — Isabel parou, confusa.
Lorenzo se aproximou. Segurando seu queixo, forçou-a a olhar nos olhos dele.

— Você me traiu e quero saber por quê!

Aquela proximidade era perigosa. Com grande esforço, Isabel recobrou a serenidade.

Silêncio. Um silêncio tenso, durante o qual Isabel parecia ouvir o próprio sangue correndo nas veias.

Já não importava que ele falasse de ideias que nunca viriam a ser colocadas em prática. Qualquer mudança de assunto seria bem-vinda. Qualquer coisa era melhor que aquela agressão a seus sentidos.

Além disso, talvez ela pudesse aproveitar uma ou duas dessas ideias. Podiam ser úteis caso um dia tivesse de re­solver o assunto por si mesma.

Fazia sentido, Isabel pensou.

— E quem você convidaria a se aposentar? Hipotetica­mente falando, claro.

Lorenzo a observava. Talvez tentando aferir aquele súbito interesse num assunto que minutos atrás ela nem queria discutir. Mas ele não perceberia nada na sua expressão. Viver com Jeremy a tinha feito aprender a dissimular suas emoções. O que agora se mostrava bastante útil.

— Greg Thompson, Vic Richards, Ronnie MacGraw. — Todos os que já não fazem nenhuma falta lá. Claro que eles terão todo o apoio para continuar tocando a vida.

— Greg Thompson — Isabel murmurou. — Vic Richards, Ronnie MacGraw...

Que pena ela não ter um caderninho.

Isabel corou.

— Desde quando a falta de amor inibe suas atitudes?
Isabel sentia a boca seca. Estarrecida ao vê-lo disposto a tudo para perpetrar sua vingança. Ele não a amava, mas casaria com ela porque sabia que isso era o que ela menos queria.

Isabel olhou surpresa.

— Ah, estava curioso. Isso justifica tudo, claro.
Seguiam lado a lado, devagar. Isabel procurava manter entre eles uma distância segura.

Isabel arriscou um olhar.

Abigail certa vez lhe disse que achava Lorenzo o máximo. O homem mais sensual que ela já tinha conhecido.

— Se fosse ator, ele faria o maior sucesso — Abigail tinha comentado. — Ele tem um porte imponente. Tem pre­sença. Nem precisa abrir a boca para ser notado.

Por que ele não ficou onde estava?, Isabel pensava. Por que não fez a gentileza de permanecer apenas uma lem­brança? Por que tinha de trazer sua imponente presença de volta à vida dela?

Uns tapas era o que ele mereceria, mas isso não seria prudente num lugar público como aquele.

Isabel saiu, empurrando a bicicleta. Lorenzo não impediu, apenas seguiu a seu lado até chegarem ao carro, quando então a deteve e disse, com a mesma cortesia que já não a enganava:

— Quero ver sua mãe. Afinal, logo farei parte da família, não é?

CAPITULO V

Percorreram o curto trajeto em silêncio. Bem diferente de alguns anos atrás, quando fala­vam sobre tudo, riam, planejavam. Quando os silêncios entre eles eram tão calorosos.

Tão logo o carro parou em frente à casa, Isabel desceu. Lorenzo desceu também, sem pressa.

Decididamente, a sorte não estava do lado dela, pois a mãe logo abriu a porta. Ao ver Lorenzo, cumprimentou-o com grande entusiasmo.

— Lorenzo! Que bom ver você.

Isabel esperava, impaciente. A conversa ali na porta já durava mais de cinco minutos.

Sua mãe tinha razão. Lorenzo Cicolla tinha mesmo muito charme. E sabia usá-lo. A mãe estava encantada com sua presença.

Mas tê-la encantado seria inútil. Ele acabaria percebendo isso por si mesmo.

Foram para a sala, Isabel atrás, ouvindo a conversa de duas pessoas que realmente gostavam uma da outra. E ten­tando imaginar uma desculpa que pudesse poupá-la do que prometia ser uma noite longa e desconfortável.

— Bem — a sra. Chandler disse depois de servir a todos uma bebida —, podemos acabar logo com a parte desagra­dável deste encontro?

Lorenzo ergueu as sobrancelhas, curioso. E o humor de Isabel piorou um pouco mais. Engoliu rapidamente o copo de vinho. Tornou a enchê-lo. Recostou no sofá.

— Fiquei feliz quando Isabel me disse quem estava interessado na Chandlers — a mãe prosseguiu, parecendo mesmo feliz. — Quando o sr. Clark nos comunicou que teríamos de vendê-la fiquei chocada. Você compreende, aquela empresa sempre foi a grande paixão de David. Seria muito desagradável vê-la nas mãos de um estranho, vindo não se sabe de onde, interessado apenas em lucros.

Lorenzo assentiu. Isabel olhou para ele, cética, tentando imaginar quanta sinceridade haveria naquele ar solidário.

Isabel não respondeu. Pensou em Jeremy, no seu casa mento, nos sacrifícios feitos antes de poder aproveitar a vida.

Lorenzo olhou para Isabel, que tentava dissimular a rai­va, e prosseguiu, sem pressa:

Lorenzo sacudiu a cabeça.

— Numa cidade grande é possível ser anónimo. Numa cidade como esta não. Há um permanente processo de simbiose no trabalho. Imagine o que aconteceria se Tom Wilkins vendesse seu bar a alguém que não fosse aceito pela comunidade. Quanto tempo você acha que demoraria para o bar começar a perder fregueses? Quanto tempo demoraria para fechar as portas?

A sra. Chandler assentia, parecendo concordar.

— Estou de pleno acordo com a venda — Isabel murmurou, sentindo-se culpada, e furiosa por sentir-se assim, pois não tinha culpa de coisa alguma.

Era culpa dela ele ter voltado ali apenas para se vingar?

— Sua mãe disse que queria franqueza. — Lorenzo sorriu.
Isabel voltou a encher o copo, para acalmar os nervos, enquanto tentava formular uma resposta bem mordaz para aquele comentário.

Isabel olhou nos olhos dele, começando a sentir a cabeça girar. Vinho demais. Ela quase nunca bebia. Talvez devesse ter acalmado os nervos com água mineral ou suco de laranja.

Quando a mãe voltou e disse que o jantar logo estaria pronto, Isabel levantou, disse que precisava mudar de roupa, traçou mentalmente uma linha reta pela sala e seguiu por ela, tentando não se afastar do trajeto.

Lá em cima, sob a água morna, tentava ordenar as ideias. Inútil.

Claro que não ia ceder. Só precisava encontrar uma ma­neira de detê-lo sem desagradar a mãe. Faria isso no mo­mento oportuno.

Quando começou a descer a escada, quinze minutos de­pois, de jeans e um blusão verde, podia ouvir a mãe rindo, encantada com a companhia de Lorenzo.

Ambos olharam quando Isabel chegou à sala. A mãe, ainda sorrindo, comentou:

— É verdade — a sra. Chandler concordou. — Mas Lo­renzo faz a América parecer tão interessante.

Lorenzo, Isabel pensou em dizer, podia fazer qualquer coisa parecer interessante. Claro que isso tinha sido muito tempo atrás, antes de ela descobrir que o detestava.

Quando ele decidia ser charmoso, Isabel pensava, não havia quem resistisse, muito menos membros do sexo oposto.

Claro, claro, mamãe. Estou certa de que Lorenzo vai aumentar a produtividade por lá.

Era a deixa para Isabel se prontificar a cuidar de tudo. Mas a mãe não permitiu.

— Não, querida. Fique aqui com Lorenzo. Faz tanto tempo que vocês não se vêem. — Olhou para Lorenzo com ternura.
— E lembrem-se, nada de falar de negócios.

Tão logo a sra. Chandler saiu da sala, Lorenzo olhou para Isabel.

Isabel corou e terminou de beber.

— Surpresa você ainda lembrar disso — comentou. — Dormindo duas horas por noite durante anos a fio.

Lorenzo riu. O mesmo riso contagiante de anos atrás. Ou era imaginação dela?

Isabel corou. Levantou. Começou a andar pela sala, tensa porque sabia que ele continuava olhando.

— Pare com isso, Isabel.
Isabel se voltou.

— Você gosta mesmo de dar ordens, hein, Lorenzo? — Isabel se aproximou. Parou perto da poltrona onde ele es­tava, olhando para baixo.

Rápido como um gato, Lorenzo segurou seu pulso e a puxou para baixo, sentando-a no braço da poltrona. Isabel, furiosa, quase caiu no colo dele.

Lorenzo estreitou o olhar. E apertou seu pulso um pouco mais.

Será que ele estava com ciúme? Pensar nisso lhe causou certo prazer, que infelizmente não durou muito. Se estivesse, não seria por razões emocionais. Seria apenas porque um homem na vida dela reduziria sua vulnerabilidade. E ele a queria vulnerável, numa posição em que pudesse machu­cá-la como ela o tinha machucado quatro anos atrás.

Mas o que importava o que ele sentisse por ela? Isabel olhava para o rosto dele e, no fundo de sua mente, uma resposta começava a tomar forma. Isabel, porém, a descar­tou rapidamente.

— Mamãe ficou arrasada quando papai morreu. Foram tantos anos juntos e ela sempre foi tão dependente. Era sempre ele que cuidava de tudo.

Será que ele estava ouvindo? Olhava para ela, mas pa­recia não ouvir nada. O que a deixava ainda mais confusa.

Isabel desabou no colo dele. Começou a se debater. Inutilmente.

— O que acha que está fazendo?

Lorenzo tinha um braço ao redor de seu pescoço. O outro sobre as coxas. Isabel continuava se debatendo. Isabel es­tava sem sutiã. Sob o blusão, podia sentir os seios incharem, os mamilos endurecerem.

— Minha mãe — disse, tão cuidadosamente quanto podia —teria um ataque cardíaco se entrasse aqui agora e visse a gente assim.

Ele estava muito perto. E ela sabia que, se não tomasse cuidado, aquela proximidade lhe subiria à cabeça e...

Lorenzo também ignorou o que ela dizia.

— Quando você casou — murmurou —, quase enlouqueci imaginando você fazendo amor com ele. — Lorenzo tocou seu seio.

Isabel respirava curto. Sentia que, se fechasse os olhos, nunca mais voltaria à realidade. Por isso mantinha os olhos bem abertos, lembrando que aquele homem não sentia por ela nada além de raiva e antipatia. O fato de seu corpo querer responder àquelas carícias era apenas algo tempo­rário. Ela precisava reagir. Se cedesse, nunca mais poderia encarar a si mesma. Era o vinho, claro. Tudo culpa daquele último copo.

Lorenzo começou a brincar com seu mamilo. Isabel queria gritar, mas não podia. Cerrou os punhos, tentando respirar normalmente.

Isabel estremeceu. Somos inimigos, pensava, mas era inú­til. Seu corpo insistia em não ouvir a voz da razão.

Você não liga a mínima para mim, Lorenzo. Por que acha que eu confiaria em você? Por que acha que eu lhe falaria sobre os últimos quatro anos?

— Pode guardar seus segredinhos — Lorenzo respondeu, levantando-se da poltrona.

Isabel se afastou mais dois passos. Ele parecia a ponto de dizer mais alguma coisa, olhar duro, corpo tenso. Mas fosse o que fosse, Isabel ficou sem saber o que era porque a sra. Chandler entrou na sala. Ambos se voltaram imediatamente.

Isabel pendurou um sorriso no rosto, evitando olhar para Lorenzo. Ainda estava tonta. Não conseguia pensar.

Na verdade, o vinho nada tinha a ver com aquilo. Era como se uma represa tivesse rompido, e sensações reprimi­das durante anos tivessem de repente vindo à tona.

— Tudo pronto. —A mãe parecia contente. Pegou Lorenzo pelo braço, convidando-o a falar mais sobre a América e o que tinha andado fazendo por lá. Atrás deles, Isabel se perguntava se o corpo dele ainda palpitava como o dela, ou se o entusiasmo tinha arrefecido tão logo ela o tinha repelido.

Ele dizia desejá-la. Mas o ódio era mais forte que o desejo. Casando com ela, ele satisfaria a ambos.

Quem o visse agora, entretanto, jamais diria que ele tinha em mente algo além de um jantar agradável e uma conversa cordial.

O homem era um ator de primeira, Isabel pensava. Sem­pre teve, desde adolescente, a habilidade de dissimular o que sentia, habilidade que com o passar dos anos tinha desenvolvido à perfeição.

A sra. Chandler tinha trazido uma garrafa de vinho da adega, que entregou a Lorenzo, que a abriu rápida e efi­cientemente.

— Isabel quase não bebe, não é, querida? E a primeira vez que a vejo beber mais de um copo. — A mãe dizia enquanto Lorenzo servia o vinho, interrogando-a com o olhar ao aproximar a garrafa do copo dela.

Imediatamente, sem nenhuma razão, Isabel se sentiu na defensiva.

— Não, obrigada — recusou, amuada.

Lorenzo continuava olhando para ela, como se esperando ouvir mais alguma coisa. Isabel nunca tinha sido uma al­coólatra, mas gostava de um bom vinho. Na verdade, lem­brava de inúmeras vezes em que ela e Lorenzo tinham con­sumido uma garrafa inteira, enquanto falavam sobre coisa nenhuma. E sabia que ele também lembrava. Ele parecia lembrar de tudo.

— Jeremy... — a mãe começou a dizer. Mas Isabel interrompeu.

— Mamãe!

Claro que Lorenzo sabia que seu casamento tinha sido um fracasso, mas ela não estava inclinada a confirmar em que extensão. Seria impossível suportar a pena dele, além do desprezo.

Era preciso impedir que a mãe começasse a falar sobre os porres de Jeremy, maiores à medida que o tempo passava. Claro que a mãe não via nenhum problema em comentá-los com Lorenzo, um velho amigo, digno de confiança. Mas Isa­bel não achava a mesma coisa.

— Mamãe ainda os cultiva lá no jardim — ela prosseguiu, concentrando-se no próprio prato. — Também temos ver­duras e tomates. No verão colhemos morangos.

— Não leve a mal, querida — a mãe disse, ainda pensativa —, mas, cá entre nós, seu pai e eu sempre esperamos... — fez uma pausa, voltando-se para Lorenzo, e Isabel olhou para ela horrorizada, imaginando o que ela ia dizer — sempre achamos que vocês dois... talvez... que bobagem a nossa, não é? — Sorriu.

E Lorenzo sorriu também. Um sorriso de triunfo, visível apenas aos olhos de Isabel. O sorriso do vencedor.

CAPITULO VI

Logo mudaram de assunto. Mas, enquanto fa­tiavam de legumes e verduras, pela cabeça de Isabel rodopiavam as temerárias implicações dos comen­tários da mãe.

Com ela, a mãe nunca tinha feito nenhum comentário sobre tais devaneios. Por que tinha de fazê-lo agora? Na presença dele?

Olhando de soslaio, Isabel parecia ver nos seus lábios um sorriso de satisfação. Ou seria só imaginação?

Isabel despejou vinho no próprio copo, olhando para Lorenzo de modo desafiador.

— Isabel me disse que Richard Adams vai muito bem— Lorenzo comentou casualmente.

Espertinho, Isabel pensou. Quer descobrir de outra fonte se entre ela e Richard existe algo mais do que ela disse. Será que pensa mesmo que eles tinham um caso enquanto Jeremy era vivo?

— Especialmente na América. Lá não há mais mulheres que homens?

— É mesmo? Eu não sabia — Lorenzo sorriu para a sra.
Chandler, parecendo ofendido. Voltou a olhar para Isabel.

— Mas não sei se foi agradável ouvir que meu prestígio decorre de um excesso de mulheres.

A sra. Chandler riu, como se esperava. Mas tinha certa expectativa no olhar, da qual Isabel não tomou conhecimento.

A sra. Chandler observava cuidadosamente, com um meio-sorriso divertido, como um adulto observando uma pe­quena rusga entre duas crianças. Mas Isabel conhecia a mãe bastante bem para se deixar enganar por aquela ex­pressão meiga.

— Nem um pouco — Isabel encerrou o assunto e fechou a cara.

Lorenzo deu de ombros.

Tinham acabado de comer. A mãe trouxe a sobremesa. Torta de maçã que tinha sobrado do dia anterior, ela foi logo dizendo.

Começaram a falar sobre Abigail, a brilhante Abigail e sua brilhante carreira. Isabel começou a relaxar. Ela tinha grande orgulho da amiga. Abigail tinha se apresentado na Broadway. Lorenzo a tinha visto lá. Esse era um assunto sobre o qual podiam trocar ideias e Isabel poderia falar durante horas, rindo enquanto o vinho voltava a fazer efeito.

Falar sobre os velhos tempos era seguro, enquanto os velhos tempos não envolvessem lembranças de Lorenzo.

Quando queria, ele sabia ser inofensivamente espirituoso. Ao fim da torta, a eletricidade suspensa na atmosfera tinha evaporado.

A sra. Chandler começou a tirar os pratos, mas Lorenzo insistiu em que ela fosse para a sala e relaxasse, enquanto ele e Isabel cuidavam da cozinha.

Lorenzo largou o pano de prato. Olhou nos seus olhos. Segurou sua cintura com as duas mãos.

— Sobre o que gostaria de falar? Horticultura? Política? Vida sexual dos castores?

Isabel olhou para as mãos dele. E percebeu que parte de sua tontura não se devia ao vinho. O coração batia rápido, tão rápido que sufocava.

— Ou devemos falar sobre outra coisa, Isabel? Sobre Jeremy?

— Não. Não há nada para falar. Minha vida não interessa.
Lorenzo não respondeu. Apenas a abraçou e trouxe mais perto. Isabel podia ouvir as batidas de seu coração ao re­costar a cabeça no seu peito, contendo a repentina vontade de chorar.

— Oh, Isabel — ele murmurou, afagando seu cabelo. — Sua vida tem sido assim tão horrível?

A sensação era agradável. Ela precisava tanto de conforto.

— Sinto falta de meu pai — ela sussurrou.

Lorenzo não disse nada. Compreendia. Ela sabia disso.

— Por que não fala sobre isso?

Isabel cerrou os olhos. Ouviu Lorenzo suspirar. Não a costumeira reação de raiva. Continuava afagando seu ca­belo. Amigos, ela pensou. Por enquanto.

Mas... ela não queria sua amizade, queria? Seria uma amizade impossível, porque duas pessoas nunca poderiam ser realmente amigas sob uma tendência de desprezo e des­confiança. No momento, ela tinha baixado a guarda, reco­nhecia. Provavelmente ele também. Afinal, ele também ti­nha tomado vinho.

Isabel se afastou e olhou bem para ele. Perceber que estava olhando para um homem que ainda amava, que nun­ca tinha deixado de amar, abalava suas estruturas.

Era preciso raciocinar. Aquela reação estúpida era fruto de circunstâncias incomuns. Jeremyjá não estava por perto. Seu pai, que ela amava tanto, já não estava por perto. Mas, de repente, Lorenzo estava. E a nostalgia fazia sua parte, provocando emoções que, quando ela parasse e pensasse, perceberia que na verdade não existiam.

O argumento, entretanto, parecia inconsistente. Isabel I fechou os olhos. Percebeu que seu coração sempre tinha pertencido a um único homem. Por outros motivos, ela tinha jogado fora a oportunidade de ser feliz com ele. Agora não tinha mais jeito. Ele a detestava.

Isabel respirou fundo. E se afastou.

Era preciso redobrar a cautela, Isabel pensou. Se Lorenzo queria machucá-la, não teria de fazer muito esforço se sou­besse o que ela ainda sentia por ele.

Isabel pegou três xícaras no armário, ciente de que ele a observava.

Abigail nunca tinha mencionado tal encontro. Por quê? O que teria havido entre eles que recomendava tanta discrição?

:— Não? Por que sua vida aqui estava tão completa?

— Que bobagem — Isabel se voltou. As mãos tremiam.
A mente estava cheia de imagens da melhor amiga na cama com Lorenzo Cicolla.

Isabel riu. Ou pelo menos tentou.

Seus olhos fuzilavam. E Isabel, em pânico, se perguntava como uma paixão podia virar tanto ódio.

Dizer aquilo foi como agitar um pano vermelho na frente de um touro. Lorenzo a sacudiu como se ela fosse uma boneca de trapo.

Lorenzo sorriu. Acariciou-lhe á nuca, sem muita delicadeza.

— Como pode gostar disso? — Isabel perguntou, mas Lorenzo não precisava responder. — Você está louco — murmurou, torcendo para que ele se afastasse. Assim ela poderia pelo menos respirar. Sentir os dedos dele na nuca a deixava arrepiada.

— Você tem de admitir que o casamento teria suas compensações — ele disse, voz rouca. — Você me quer tanto quanto quero você. Não é mesmo? — murmurou, esfregando o mamilo com o polegar, sentindo-o inchar e endurecer. —Inútil resistir. Vou ter você.

— Você casaria comigo por simples vingança?
Lorenzo continuava massageando seu mamilo, fazendo a temperatura subir cada vez mais. Beijou seu pescoço.

Então abraçou sua cintura, puxando-a de encontro a si. Isabel sentia o vigor de sua ereção, morrendo de desejo.

— E uma pena — ele murmurou, sorrindo — que este não seja um lugar muito apropriado para fazer amor, não é?

Isabel se afastou bruscamente. Correu para o canto da cozinha. Pegou a bandeja, segurando-a em frente a si, como um escudo.

— Que bom que você está se divertindo — Isabel disse. — O que pensaria — acrescentou — sua amiguinha se o visse agora? Ou a mulher que Abigail esqueceu de mencio­nar não passava de uma brincadeirinha?

— Pensei que você não se interessasse por mim. — Lo­renzo riu.

— Sempre tive curiosidade sobre homens que querem dormir com duas mulheres ao mesmo tempo — ela retrucou.

A bandeja começava a pesar, mas isso não tinha impor­tância. Era preciso saber mais sobre a tal mulher. O ciúme a consumia e isso era detestável. Quatro anos de experiência amarga não a tinham feito amadurecer, Isabel pensava. Só a tinham feito mais boboca.

— Jéssica é loira, linda, e minha contadora. Está satisfeita?
Lorenzo saiu na direção da porta. Isabel foi atrás, braços cruzados.

Linda e inteligente, logo imaginou. Ele não se interessava por mulheres ornamentais. A imaginação de Isabel traba­lhava a todo o vapor. Também devia ser alta, ter lindas pernas, entender profundamente de finanças.

— Ela deve estar ansiosa pela sua volta — Isabel disse atrás dele.

Lorenzo parou de repente. Voltou-se, sorrindo. Isabel qua­se o atropelou.

Isabel corou ainda mais, momentaneamente sem saber o que dizer.

Com um simples comentário, ele a tinha feito voltar no tempo, a uma época em que a vida era cheia de otimismo. E doía voltar ao presente, constatar que o otimismo era algo tão distante.

— Mas, respondendo sua pergunta — Lorenzo prosseguiu —, nem imagino. Ela está sempre ocupada, trabalha muito. No fim do dia deve estar cansada demais para fazer qualquer outra coisa.

— Estou surpresa por você ter se afastado de uma mulher tão dinâmica — Isabel respondeu. Sua imaginação já tinha elevado a tal mulher de brilhante a genial, do tipo que ocupava o pouco tempo livre perseguindo objetivos intelec­tuais elevadíssimos.

Quem falou em desistir? Você vai conhecer Jéssica quando chegar a hora. Ela vem aqui trabalhar para mim.

Lorenzo fez meia-volta.

Pouco a pouco seu jogo ia ficando mais claro, Isabel pen­sava. As peças do quebra-cabeça começavam a encaixar. Ele queria casar para mantê-la cativa, para ter o que um dia tinha perdido. Mas ao mesmo tempo teria sua amante, a tal mulher.

Felizmente, não sabia que ela ainda o amava. Se sou­besse, o que seria dela? Mas ela não se permitiria mais este sofrimento. Já tinha sofrido demais. Nunca casaria com ele. Mais cedo ou mais tarde, ele teria de desistir.

Isabel o seguiu até a sala, onde a mãe, felizmente, não tinha adormecido. Desde a morte do marido, ela dormia mal durante a noite. E se recusava a tomar remédios. Por isso, tinha adquirido o hábito de dormitar no sofá da sala.

— Puxa, vocês dois passaram um tempão lá na cozinha — a mãe comentou.

Isabel respondeu com um olhar de advertência, que ela ignorou.

Isabel não disse nada. Apenas bebericava o café.

— Abigail — a sra. Chandler suspirou — agora está sem­pre viajando.

— Vida de artista — Lorenzo concordou, acomodando-se na poltrona, parecendo não ter pressa alguma de ir embora.

— Estou certa de que Isabel está contente de rever você — a sra. Chandler olhou para a filha. — Não é, querida?

— Bastante — Isabel murmurou.

— E bom ouvir isso, Isabel — Lorenzo sorriu.

— Espero que seja possível vocês trabalharem juntos para pôr a empresa de David em ordem.

— Também espero — Lorenzo disse num tom mais significativo, que Isabel logo percebeu, mas a mãe aparente­mente não.

— Seria tão bom ter você por perto, Lorenzo — a sra. Chandler parou, parecendo procurar as palavras certas. -— Especialmente agora que resolvi sair umas semanas para visitar um parente na Cornualha.

Isabel olhava para a mãe sem saber o que dizer.

— Mas agora? — perguntou. — Por que agora?

Que atrevimento. Dar palpites num assunto que não era de sua conta.

Bebericando o café, Isabel olhava para a mãe. Essa via­gem não podia ter nada a ver com ele, claro que não. A mãe não podia estar tentando aproximá-los. Mergulhada nos próprios pensamentos, Isabel mal ouviu a pergunta que a mãe dirigiu a Lorenzo.

Distraída, Isabel mal ouvia o que diziam. Continuava tentando se convencer de que não havia nada estranho na repentina decisão da mãe de visitar Dora Gately, que estava mesmo convalescendo de uma operação. As duas não se viam fazia um bom tempo e mudar de ares certamente faria bem à mãe.

— Pobre gente — a sra. Chandler dizia. — Albert Towser bebe, não é segredo. E bebeu todo o lucro que aquele hotel produziu nos bons tempos. Agora que o negócio vai mal estão pensando em vender. Mas todos dizem que o prédio está em péssimas condições. E eles não têm dinheiro para reformá-lo.

Isabel já não pensava mais nos motivos da mãe. Pensava em mudar para outro lugar do mundo se Lorenzo CicoUa continuasse mesmo insistindo no seu intento doentio. Talvez a Austrália. Lá, ao que diziam, o sol brilhava o ano inteiro. Simples devaneio, claro, pois ela nunca se afastaria da mãe.

— A comida, dizem, também já não é a mesma — a sra. Chandler prosseguia — Alice sempre foi boa cozinheira e cuidava pessoalmente da cozinha, mas tem tido muito tra­balho com Albert nestes últimos anos.

A França, Isabel pensava agora, era mais perto da In­glaterra, mas longe de Yorkshire. Talvez a mãe concordasse em viver no sul da França. Lá também havia sol. Não, talvez não. E o curso de fisioterapia que ela pretendia co­meçar em breve? Além disso, seu francês deixava a desejar.

— E verdade, a comida lá deixa muito a desejar — Lorenzo concordava. — Bem diferente da daqui, apesar da torta de maçã amanhecida. — Sorriu.

Dorset. Clima muito ruim, Isabel refletia, mas lá não haveria Lorenzo Cicolla para fazer de sua vida um inferno e, longe dele, ela poderia sarar desse amor idiota.

Uma coisa era certa, aqui ela não podia ficar. Também não podia esperar que ele sumisse só porque ela se recusava a casar.

— Por isso acho — a mãe disse —, principalmente agora que decidi passar algum tempo com Dora, que você devia ficar aqui. Pelo menos até encontrar um lugar para morar.

Só então, alheia à conversa durante os últimos minutos, Isa­bel percebeu, horrorizada, a conclusão a que tinham chegado.

— Além disso — a mãe prosseguiu, sorrindo entusias­ mada para a filha —, você faria companhia a Isabel.

CAPITULO VII

Deitada na cama, Isabel olhava para o teto. JL-^No escuro, não podia ver nada. Mas seria inútil fechar os olhos. Não ia mesmo conseguir dormir.

— Como pôde convidá-lo para ficar aqui? — tinha per­guntado à mãe pouco antes, depois de ouvir em silêncio o que os dois tinham combinado. Lorenzo já tinha ido. E ficado de voltar na noite seguinte.

— Eu me sentiria melhor sabendo que Lorenzo está aqui. — A mãe tinha parado em frente à porta do quarto, mas Isabel insistia no assunto.

— Esta é a nossa casa. E Lorenzo Cicolla é um... estranho! E, ainda por cima, você vai me deixar... — Isabel já começava a proceder como uma criança.

— Ele não é um estranho, querida. — A mãe sorriu indulgentemente. — Até parece que você não o conhece —puxou a colcha e sentou à penteadeira para tirar a maquiagem. — O que está havendo com você, querida? Sei que
você ainda está chocada com a morte de Jeremy e seu pai ambas estamos. Mas você foi muito indelicada esta noite.

— Não fui indelicada — Isabel teimava. — Só não achi boa ideia abrir as portas a qualquer um que estiver passando.

— Lorenzo é um velho amigo. Achei que seria bom para você, que a companhia lhe faria bem. Você anda muito re­traída, querida. Além disso, poderão trabalhar juntos para resolver a situação da empresa de seu pai. Vocês eram tão amigos... mais que amigos. Não entendo o que está havendo.

Lorenzo ia se mudar para aquela casa, não havia dúvida.

Claro que ela podia ir para outro lugar, mas isso seria fugir. Além disso, mudar para sua própria casa, ou de Je-remy, como ela sempre a tinha considerado, seria péssima ideia. Seria insuportável ver-se cercada de tantas lembran­ças desagradáveis, lembranças do silêncio, do desespero oriundo de segredos que deveriam permanecer enterrados para sempre.

Isabel continuava olhando para o teto sem saber o que fazer.

Na manhã seguinte, acordou com olheiras, mal-humorada.

A mãe continuava entusiasmada com o fato de Lorenzo estar se mudando para aquela casa. Com uma pressa in­compreensível, arrumou as malas e informou-se sobre o ho­rário dos trens. Partiria naquela mesma noite.

Isabel saiu para o trabalho de bicicleta, com cara de pou­cos amigos. Se acaso encontrasse Lorenzo Cicolla no cami­nho, lhe diria umas verdades, o que só não tinha feito na noite anterior por estar muito chocada.

Não encontrou. Teve um dia cheio no hospital. Quando saiu de lá, às cinco, estava garoando.

Lorenzo estava à espera. Parecia estar adquirindo o mau hábito de abordá-la na saída do trabalho.

Isabel pensava se devia fingir não ter visto o carro parado do outro lado da rua. Enquanto pensava, ele desceu do carro e se aproximou.

Estava frio. Lorenzo usava um sobretudo preto, o que parecia enfatizar sua estatura e masculinidade.

Desta vez, Isabel não tentou protestar. De que adiantaria? Ele a teria arrastado como da última vez.

Isabel empurrava a bicicleta pela calçada, conservando-a entre eles, esforçando-se para manter o mesmo passo.

Quando chegaram ao bar de Tom Wilkins, ela estava ensopada.

— Você se molhou — Tom comentou, como se ela não tivesse notado.

— Você é muito observador, Tom — Isabel resmungou.

— Tem café?

— Parece que está virando hábito, não é? Vocês dois bebendo juntos.

Era impossível se irritar com Tom. Sua franqueza era desconcertante.

— Num lugar como este duas vezes é frequência habitual.
Tom trouxe o café. Fez mais alguns comentários sobre o tempo. Isabel só ouvia. Tão logo ele se afastou, dirigiu-se a Lorenzo, furiosa:

— Você sabe o quê. Como pôde aceitar o convite de mamãe para ficar lá em casa? Especialmente sabendo que ela não estaria lá!

— Nada como a objetividade, não é mesmo? Mas foi bom você ter tocado no assunto porque era exatamente sobre isso que eu queria falar.

— Seja breve.

Fazia sentido, claro, mas aquilo só deixava Isabel ainda mais furiosa.

Isabel cerrou os dentes. Lorenzo sorriu. Recostou na cadeira.

— Então, presumo, você está mesmo procurando um lugar para morar?

— Estou vendo um certo otimismo na sua voz?
Isabel detestava aquela expressão, quando todo o seu charme vinha à tona. Ele não merecia confiança, estava determinado a se vingar, ela precisava ter isso sempre em mente. Por que os anos não o tinham transformado num homem de negócios gordo e sem graça? Talvez o coração dela não estivesse aos pulos se ele não fosse tão sensual.

— Curiosidade — ela respondeu finalmente.
Lorenzo ergueu as sobrancelhas.

Isabel não queria lembrar do passado. Não queria com­parar o que tinham vivido juntos com o que viviam agora.

Ela mesma não sabia o que pensar. Seria constrangedor se envolver em algo tão pessoal como escolher uma casa para Lorenzo Cicolla. Seria como começar a ceder às suas exigên­cias. Mas ele estava certo. Viver com ele sob o mesmo teto a deixaria maluca. E ela tinha mesmo mais tempo disponível.

— É melhor voltar comigo — Lorenzo disse ao saírem.
A garoa tinha virado chuva. Lorenzo pegou a bicicleta e correu para o carro. Isabel correu atrás.

Estavam os dois molhados ao entrarem no carro. Lorenzo ligou o motor, os limpadores do pára-brisa. Só algum tempo depois Isabel percebeu que não iam na direção da casa de sua mãe.

— Pegar minhas coisas. Roupas, papéis, computador. Al­guma objeção?

Isabel tentava parecer indiferente, mas estava nervosa ao chegarem ao hotel. No início, logo ao reencontrá-lo, pre­sumiu que poderia evitar qualquer contato. Mas estava pres­tes a dividir com ele a casa de sua mãe, e a visitar algumas imobiliárias.

O Edwardian ficava nos arredores da cidade. Como a sra. Chandler tinha dito, seus dias de glória estavam longe.

Os sinais de decadência eram visíveis já no saguão de en­trada. A pintura precisava de reparos, o papel de parede precisava de reparos, a mobília precisava de reparos... A sra. Towser estava na recepção. Não parecia muito feliz.

Lorenzo fez o cheque, que a sra. Towser examinou ne­gligentemente. Isabel achou um alívio afastar-se daquela atmosfera desolada que circundava o balcão.

Elevador não havia. Seguiram por um corredor. Subiram alguns lances de escada. Finalmente chegaram ao quarto.

Isabel entrou, relutante, retomando a inspeção da deco­ração das paredes enquanto Lorenzo arrumava as malas.

Seus pais costumavam vir àquele hotel de vez em quando, para almoçar aos domingos, quando ela era criança. Era uma festa. Constatar que o lugar agora estava em tal estado, desprovido de todo o seu charme e elegância, causava certa melancolia.

Lorenzo acabou de arrumar as malas. Olhou ao redor para se certificar de que não estava esquecendo nada. Di­rigiu-se à porta, onde Isabel tinha estado calada nos últimos quinze minutos.

— Pronto — ele disse, recostando na porta, observando-a divertido —, tudo certo. E você escapou do perigo.

Isabel não respondeu. Levou a mão à maçaneta. Lorenzo também, sobre a dela. Isabel gelou.

— Claro, admito que houve um tempo...
Impossível dizer quanto tempo passaram assim, olhando um para o outro. O que estaria ele pensando? Apesar da expressão fechada, seu corpo parecia irradiar um certo calor. Ela precisava dizer alguma coisa, qualquer coisa, para que­brar aquele clima. Mas não conseguia dizer coisa alguma. Algo inexplicávela compelia a se aproximar, provocava nela um desejo que a impedia até de respirar.

Ela queria beijá-lo, sentir as mãos dele no seu corpo. Queria sentir a mesma sensação sentida anos atrás.

— Podemos ir, Isabel — Lorenzo disse de repente, abrindo a porta.

Ele também a desejava, Isabel pensava, entorpecida, en­quanto saíam para o corredor. Tanto quanto ela o desejava. Mas entre eles havia o passado, aquele segredo terrível, como um abismo sem fim.

Seguiram para a casa de sua mãe em silêncio. A sra. Chandler estava à espera. Tinha preparado o jantar. Algo especial, a julgar pelo cheiro que vinha da cozinha. Lorenzo logo adotou sua postura mais charmosa. Naturalmente.

— Ainda acho que você não devia ir — Isabel acrescentou.
A mãe fingiu não ouvir. Olhando para a pouca bagagem de Lorenzo, comentou:

— Boa ideia. Vocês parecem mesmo estar precisando.
Isabel fechou a cara. Que bom se a mãe parasse de tra­tá-los como duas crianças.

— Querida, mostre a Lorenzo o quarto dele. Você sabe qual é.

Isabel ia na frente, sem olhar para trás,» torcendo para que ele tropeçasse numa das malas e fosse buscar hospita­lidade no hospital, o que obviamente não ocorreu. Ele era muito forte e ágil para uma desventura dessas.

Isabel correu para o próprio quarto, pouco além.

Lá dentro, recostou-se na porta fechada, tentando se acal­mar. Se continuasse a agir assim, estaria um caco em menos de uma semana. Ela precisava suportar impassivelmente a presença dele, não deixá-lo perceber o que ia por dentro dela.

Isabel tomou um banho rápido. Ao sair, não se sentia muito melhor.

Embrulhada na toalha, examinava distraidamente o guarda-roupa. Seus pensamentos estavam longe.

Era preciso achar uma casa para ele o quanto antes. Talvez pudesse faltar uns dias no trabalho para cuidar do assunto. Talvez pudesse resolver tudo num dia só.

Nove horas: imobiliária. Dez horas: começar a busca. Cin­co horas: busca encerrada. Seis horas: informá-lo de que tinha achado. Adeus.

Concentrada no seu plano de ação, Isabel não ouviu a porta abrir. Quando olhou no espelho e o viu lá, parado na porta, ficou furiosa.

Lá estava ele, parado na frente dela. Ela devia ter vestido o roupão de banho em vez daquela inútil toalhinha que mal cobria seu corpo. Mas não podia imaginar que ele invadiria seu quarto.

— Não quero você aqui!

— E você acha que quero estar aqui? — Lorenzo perguntou.
Isabel abriu a boca para insistir, mas não deu tempo.

Sabia que ele ia beijá-la antes mesmo que o fizesse. Ainda estava apavorada quando sentiu o contato daqueles lábios, daquela língua à procura da sua.

Lorenzo abraçou sua cintura, trazendo-a de encontro a si. Isabel podia sentir o vigor de sua ereção. Começou a derreter.

— Não — o protesto não passava de um gemido.

— Sim — Lorenzo agora beijava seu pescoço. Levantou-a. Carregou-a até a cama.

Não havia suavidade nos seus gestos. Lorenzo tinha no rosto a mesma expressão severa, agressiva, mas seus olhos estavam em fogo.

Isabel ainda segurava a toalha. Mas Lorenzo começava a removê-la.

— Lorenzo — Isabel murmurava, voz rouca, olhos fechados.
Parecia fazer um milhão de anos desde a última vez que ela tinha sentido a mesma turbulência, a mesma sensação de abandono, que aos poucos ia tomando conta de todo o seu corpo.

Removendo a toalha, Lorenzo agora beijava seus seios, dei­xando-a cada vez mais enlouquecida. Sua língua estacionou sobre um dos mamilos endurecidos. Isabel estremeceu.

Lorenzo não parava. Lentamente, começou a descer, espalhando beijos por sobre seu estômago. Isabel gemia e se contorcia.

Era isso o que ela tanto temia. Aquela reação horrível, compulsiva, aquele desejo alucinado, impossível de ser con­tido. Mesmo casada com Jeremy, ela continuava desejando Lorenzo.

Descendo mais e mais, a língua de Lorenzo chegava agora entre suas coxas, invadindo a doce essência de seu ser. Isabel teve de se conter para não gritar.

— Faça amor comigo, Lorenzo — ela suplicava.
Lorenzo levantou a cabeça. Olhou para ela. De repente, ficou de pé. Isabel sentou na cama, olhando para ele, con­fusa, o corpo ainda trémulo.

— Levante — ele disse.

Foi quando Isabel percebeu o que estava acontecendo. Levantou da cama. Embrulhou-se na toalha outra vez. Por­que deitada estaria muito mais vulnerável.

— Lorenzo... — começou a dizer. Mas Lorenzo a interrompeu.

— Quando eu tiver você, Isabel, será na nossa casa. Você será minha. Não como um empréstimo temporário, mas com um anel no dedo.

Isabel não sabia o que dizer. Queria que o chão se abrisse e a engolisse. Lorenzo se voltou. Saiu. Fechou a porta.

Sozinha no quarto, Isabel desmoronou. Começou a chorar.

Quando cansou de chorar, lavou o rosto e se maquiou. Não queria que a mãe percebesse que ela tinha estado cho­rando. Nem Lorenzo. Faria parecer que estava tudo bem, que tudo não tinha passado de um lamentável incidente.

Quando Isabel desceu, Lorenzo ainda estava lá em cima. Otimo. Assim ela teria mais tempo para se recompor.

Sua mãe estava na cozinha. Tinha feito pão caseiro para levar. Também tinha comprado salmão defumado. Dora, com certeza, adoraria. Melhor que levar flores.

Quando Lorenzo chegou, Isabel nem ligou. Continuou fa­lando com a mãe, que olhava o relógio sem parar, atenta à campainha da porta.

— Acho que vou começar a procurar uma casa para você amanhã mesmo — ela disse. — Lorenzo me pediu para ajudá-lo — explicou, voltando-se para a mãe.

— Otima ideia — a sra. Chandler respondeu. — Que tipo de casa você está procurando, Lorenzo?

A campainha tocou. A sra. Chandler saiu em seguida, entre abraços e promessas de ligar todas as noites.

Ficaram os dois sozinhos. Comeram em silêncio. Quando pousou os talheres no prato, Isabel finalmente disse, sem olhar para ele:

— Não posso, Lorenzo. Não posso casar com você. Eu não suportaria.

Lorenzo recostou na cadeira. Cruzou os braços.

Isabel atendeu. Falou pouco. Seu coração gelou.

"Odeio você", Isabel pensava enquanto ele falava com a mulher na outra ponta da linha. "Odeio você por voltar à minha vida."

CAPITULO VIII

Isabel entrou na casa, pensou um pouco, e decidiu que, quer Lorenzo gostasse ou não, aquela era a casa que ela andava procurando fazia duas semanas. A casa que poria fim à presença dele sob o teto de sua mãe.

O sr. Evans tinha lhe dado as chaves para que ela pudesse ver por si mesma, e assegurado que a casa só não tinha sido vendida ainda porque a maioria das pessoas não se interessava por casas precisando de pequenos reparos.

Pequenos reparos, Isabel pensava enquanto vagava pelos diversos cómodos da casa, devia ser um jargão dos agentes imobiliários para reforma completa. Mas isso podia ser feito se houvesse dinheiro. E dinheiro não faltava. Fora isso, a casa era mesmo agradável. Grande. Com jardim.

Os donos, o sr. Evans tinha dito, lamentavam muito ter de vendê-la. Problemas de família. Isso Isabel podia enten­der. Também tinha os dela.

As duas semanas anteriores tinham sido horríveis. Na verdade, Isabel pouco tinha visto Lorenzo, mas ele parecia estar em todos os cantos daquela casa. E ela vivia em per­manente tensão, temendo nova invasão de seu quarto, ou, pior ainda, quando se falavam civilizadamente em encontros casuais.

O que ele estaria tramando agora? Ameaças de casamento não tinha havido mais. Nem cobrança dos motivos que a tinham levado a casar. Mas o silêncio também a incomodava. Será que a chegada da amante tinha aplacado seu desejo de vingança? Depois que ela tinha deixado claro que jamais] poderia casar com ele, Lorenzo não tinha dito mais nada. Talvez o desespero contido nas suas palavras tivesse sido mais convincente que as explosões anteriores.

Agora, quando se dirigia a ela, Lorenzo o fazia com a distância de um estranho. E isso doía. No início, tinha dei­xado seu ódio bem claro, o que pelo menos mostrava sin­ceridade. Agora, só mostrava indiferença.

Isabel subiu a escada. Começou a inspecionar os dormi­tórios. Parou na janela do principal, observando o jardim malcuidado lá embaixo. Não queria pensar em Jéssica Tate. Mas não podia evitar.

Jéssica tinha chegado dois dias depois daquele telefone­ma. Para ela, Lorenzo tinha alugado um flat nos arredores da cidade. Mas isso não tinha reduzido suas inconvenientes visitas à casa de sua mãe.

Estava vigiando Lorenzo, sem dúvida, Isabel tinha per­cebido isso logo na primeira visita. Cobria-o de gentilezas, tentando deixar claro que ele era propriedade dela.

Isabel olhou ao redor mais uma vez, convencida de que a casa era mesmo perfeita. Na verdade tão perfeita que era uma pena entregá-la a Lorenzo. Mas tê-lo sob o mesmo teto a estava deixando maluca.

Enquanto descia a escada, Isabel dizia para si mesma que devia se concentrar na casa, não em Jéssica. Mas era impossível.

Seria por isso que Lorenzo andava tão sumido? Porque passava todo o tempo livre na cama com a amante? Por mais que tentasse, Isabel não conseguia tirar tal ideia da cabeça. Imaginava-os juntos, fazendo amor, nas ocasiões mais impróprias. No setor de congelados do supermercado, enquanto falava com outras pessoas, e, claro, em casa, à noite, quando tudo parecia ainda pior.

Jéssica Tate, numa análise isenta, objetiva, era o tipo de mulher capaz de suplantar a maioria das mulheres. Ti­nha uma aura de competência que, combinada à sua aparência e dotes físicos, induzia a uma imediata atitude de cautela.

Era alta, embora não tão alta como Isabel, cabelo loiro curto, e uns olhos azuis que avaliavam permanentemente tudo e todos. Tinham avaliado Isabel instantaneamente, e decidido que ela não constituía uma ameaça.

Você pode ser bonita, seus olhos azuis pareciam dizer, mas, no que diz respeito à inteligência, sou mais eu.

Por isso, nas ocasiões em que tinha falado casualmente com Isabel, ela tinha sido condescendente. Isabel, por sua vez, não via nenhuma razão para justificar sua existência aos olhos de uma mulher que parecia não ter o hábito de sorrir.

— É muita responsabilidade tantas promoções sucessivas ela tinha dito na primeira visita, tomando chá com biscoitos. Caseiros, pois o que mais teria para fazer alguém como Isabel quando não estava no seu empreguinho lá no hospital? — Às vezes fico pensando como seria maravilhoso tinha comentado, dirigindo seu olhar felino a Isabel — jogar tudo para o alto e fazer alguma coisa mais amena durante alguns anos.

Isabel tinha respondido com um sorriso cortês e murmu­rado algo inconsequente, enquanto pensava nunca ter visto tanta hipocrisia em toda a sua vida.

— Embora, talvez morresse de tédio duas semanas depois.
A loira era especialista em comentariozinhos irónicos, Isabel logo percebeu.

"Você está sendo maldosa", Isabel se dizia agora, ao ins­pecionar a cozinha, onde os pequenos reparos não eram menos necessários. As dimensões eram perfeitas, mas es­tava tudo ruim. Até bolor nos cantos das paredes havia.

Jéssica ia jantar com eles esta noite. Olhando para as pa­redes emboloradas, Isabel antecipava a desagradável perspec­tiva de ter de passar pelo menos três horas na companhia de uma mulher que fazia todo o possível para diminuí-la.

— Esta cidadezinha é tão curiosa — Jéssica tinha dito a Isabel em outra ocasião. — O pessoal vive de fofocas. Como naqueles deliciosos filmes ingleses.

Mas seus olhos diziam Que vidinha você leva, fofocando o dia inteiro. Olhe só para mim. Não admira que Lorenzo
me ache tão fantástica.

Finanças, ela fazia questão de discutir nos termos mais complicados possíveis. Olhando de vez em quando para Isa­bel, para reiterar o recado tácito que seus olhos transmitiam desde sua chegada.

Alguém estava batendo na porta da frente, dissipando os pensamentos de Isabel, que correu para atender. Devia ser o sr. Evans. Provavelmente tinha vindo mostrar pes­soalmente as possibilidades do imóvel. Realçaria as linhas da construção, a linda vista de todas as janelas, a lareira maravilhosa na sala de estar, e minimizaria a fortuna ne­cessária para deixá-lo habitável.

Isabel abriu a porta. Não era o sr. Evans.

— Oi. É você? — Isabel sentiu um vazio no estômago.
Lorenzo devia ter vindo direto do trabalho. Ainda estava de terno. Com aquele sobretudo preto que enfatizava sua estatura e masculinidade. — O que está fazendo aqui?

Lorenzo ergueu as sobrancelhas.

— Vou lhe dar três chances de adivinhar — respondeu. — Posso entrar?

Isabel saiu da frente. Lorenzo passou. Parou no meio do vestíbulo.

Era, ela pensava um tanto apreensiva, a primeira vez em duas semanas que ficavam os dois sozinhos. Realmente sozinhos. Não apenas no mesmo ambiente, quando geral­mente Jéssica também estava junto.

— Como sabia onde me encontrar? — Isabel perguntou.
Lorenzo enfiou as mãos nos bolsos do sobretudo. Estava mesmo frio. Isabel também estava agasalhada.

— Evans me disse — respondeu. — Achou, por estranho que possa parecer, que talvez eu também quisesse dar uma olhada no imóvel.

A pouca luz vinda da única lâmpada do ambiente realçava os ângulos de seu rosto, o cabelo negro, os olhos perspicazes. Curioso como alguém podia parecer tão ameaçador mesmo sem ter a intenção.

— Bem, já dei uma olhada.

Lorenzo se aproximou. Sem qualquer ameaça. Mas ela recuou. Arrependeu-se em seguida, de proceder de maneira tão infantil.

— Otimo — Lorenzo disse. — Então pode me mostrar tudo.

— Claro — Isabel foi na direção da escada. Lorenzo foi atrás, passos leves para um homem de sua estatura.

Isabel tinha a vaga impressão de que algo nele tinha mudado. Era como se ele tivesse tomado uma decisão. Mas, claro, devia ser apenas impressão.

— São só dois banheiros. Não sei como é seu apartamento em Chicago, mas casas como esta com certeza são bem diferentes.

— Bem ruinzinho — Lorenzo comentou, observando o teto e as paredes.

— Combina com o resto da casa — Isabel emendou. — Parece que os donos foram forçados a vender. Acho que cansaram de gastar dinheiro aqui, ou acharam que não valia mais a pena.

Depois de examinarem os dormitórios e os cómodos do andar de baixo, Lorenzo se voltou e perguntou:

— O que você acha?

Estavam agora na sala de estar, o único lugar da casa onde havia algum vestígio de civilização, na forma de uma cortina de filó amarelada que pendia precariamente sobre a janela. Velha e desbotada demais para justificar sua re­moção. Teias de aranha também pendiam nas paredes e o pó que havia por toda a parte poderia manter Cinderela ocupada durante semanas.

— Pequenas reformas de base...
Lorenzo riu. Isabel também, relutante.

Isabel olhou ao redor.

— Estranho. Não vejo cadeiras por aqui.

— Quem precisa? — Lorenzo tirou o sobretudo, estendeu perto da parede, indicou-o com uma mesura teatral. Isabel riu, baixando a guarda. Ele estava sendo cortês e isso de certa forma a incomodava, embora ela não soubesse por quê.

— Bem — Isabel começou, sentando e sentindo certa apreensão quando ele sentou a seu lado —, duvido que você encontre outra casa tão charmosa por aqui. Ela é muito mais simpática que qualquer outra das muitas que já vi. Claro que você vai ter algum trabalho, mas o que se poderia esperar de uma casa velha, sem cuidados há anos?

E o jardim seria um desafio para sua mãe.

Isabel devia sentir alívio, sabia disso. Mas sentia uma estranha sensação de perda. Sentia estar perdendo o homem que ela ainda amava alucinadamente, mas que já não a queria. Hoje, ela não passava de um infeliz episódio na vida dele. Importante um dia, mas que já não importava mais.

Claro que ela podia contar por que tinha casado com Jeremy. Não havia o que temer. Ele não usaria isso contra ela. No fundo, sempre soube que ele seria incapaz disso.

Mas ela nunca lhe contaria. Como poderia contar sua agonia mais íntima a um homem que não a amava? Seu segredo seria só dela, para sempre. Não havia possibilidade de dividi-lo com ninguém, porque ela só o dividiria com um homem que amasse, um homem que retribuísse seu amor. E isso era algo que Lorenzo nunca faria.

Sentada ali, tão perto dele, lembrando do passado, Isabel tinha vontade de chorar.

Isabel estava confusa. Do que ele estaria falando?

— Lembra que minha mãe costumava trabalhar na casa dele?

Isabel lembrava.

— Jeremy presumiu que minha mãe me contaria tudo. E contou, achando que eu talvez pudesse falar com ele, dar algum apoio. Mas Jeremy já não gostava muito de mim e, obviamente, o assunto era difícil. Depois de se remoer alguns meses, ele me acusou de menosprezá-lo. E cometi o erro de rir, porque, como sempre, ele estava errado. Achou que eu ria dele e disse que se vingaria. Claro que não dei impor­tância. Mas ele acabou conseguindo o que queria. Não foi?

Isabel refletia sobre o que acabava de saber. Aquilo ex­plicava muitas coisas. O sarcasmo com que Jeremy sempre se referia a Lorenzo, sua irresponsabilidade, sua dependên­cia da bebida. De seus pais, ele nunca falava. De Emily Baker, ela nunca soube muito. Mas como poderia? Aos olhos de todos, ela e o marido eram um casal feliz.

Tinha começado a chover. De novo. Isabel podia ouvir os pingos caindo na vidraça.

— Acho — ela disse — que devíamos voltar.

Lorenzo levantou.

Isabel sorriu, olhou nos olhos dele. Por um segundo, achou que ele ia beijá-la. Mas foi só impressão.

Por que aquilo doía tanto? Ela devia estar contente.

Isabel abriu a porta. Correu para o carro. Uma parte dela sabia que era melhor não voltar a vê-lo. Mas outra parte ainda achava que vê-lo de vez em quando era melhor que nada.

Quando chegaram em casa, Jéssica já estava lá. Não pa­recia feliz ao vê-los chegarem, os dois molhados.

A julgar pelo olhar, Jéssica não gostou do plural. Familiar demais.

Isabel deixou os dois lá embaixo e foi para seu quarto. Depois de um longo banho, vestiu uma saia branca comprida e uma blusa branca de mangas curtas. Justa. O espelho mostrava excelente resultado. Olhando para si mesma, Isa­bel se perguntava por que as pessoas sempre associavam beleza com felicidade. No seu caso, pelo menos, não era verdade.

Sentada à penteadeira, Isabel pensava sobre o que Lo-renzo tinha dito. Ela teria agido de outra forma em relação a Jeremy se soubesse o que sabia agora? Provavelmente não. Pela primeira vez, ela refletia sobre o passado, sem rancor.

Ela tinha sido forçada a casar. Mas, mesmo tendo sido tão infeliz, faria tudo de novo se tivesse de fazer a escolha outra vez.

De certa forma, não amar Jeremy tinha sido uma van­tagem. Tinha lhe permitido uma sublime indiferença àquele seu caráter arrogante. Ele era como uma criança teimosa, incapaz de compreender que o mundo não existia em função dele.

E Lorenzo, voltaria mesmo à Itália?, Isabel pensava, es­covando o cabelo. Provavelmente. Ele só tinha voltado a Yorkshire, a um lugar que tanto detestava, por causa dela. Agora que tinha desistido de se vingar, estava livre.

E ela, quando teria a liberdade? Lorenzo ainda era o homem da sua vida. Dali a vinte anos, as pessoas estariam cochichando umas com as outras Ela era tão bonita. Por que não casou outra vez? Agora não dá para agarrar outro homem. Tarde demais.

Bateram na porta.

Era Jéssica. Ela nunca tinha se atrevido a subir àquele quarto antes.

— Não se faça de inocente. Quando cheguei aqui, não achei que você fosse uma ameaça. Por que deveria? Você é bonita, claro, mas mulheres como você há muitas por aí. Bonitas e burras. Olhe para si mesma, enterrada aqui neste fim de mundo. Você não é mulher para Lorenzo.

Queria, Isabel pensou.

Para qualquer outra mulher, Isabel admitiria francamen­te que não tinha nenhum envolvimento com Lorenzo. Para esta não.

Entretanto, por via das dúvidas, manteve-se em guarda durante o resto da noite.

Durante o jantar, Jéssica informou casualmente que vol­taria para Chicago em menos de uma semana.

— Não me levem a mal, mas acho que eu morreria se ficasse mais tempo por aqui — disse com toda sua auto-confiança, sugerindo que sua partida seria uma lamentável perda para a comunidade.

Isabel permanecia em silêncio, impaciente. Mal olhava para Lorenzo, que parecia completamente alheio à conversa.

Antes, teria sido impossível imaginar que vê-lo tratá-la com aquela formal cortesia, olhar para ela com aquela neu­tralidade, pudesse doer tanto. Mas doía. O passado agora estava enterrado. Sua atitude em relação a ela era de com­pleta indiferença.

Isabel também não mostrava nenhum interesse na con­versa. Somente Jéssica, com sua inesgotável energia, con­tinuava falando sobre as oportunidades à sua espera em Chicago.

— Posso lhe indicar algumas pessoas a quem seus serviços talvez possam interessar — Lorenzo comentou.

Jéssica sorriu.

— Não será necessário, querido. Tenho meus próprios contatos lá.

A situação estava cada vez mais desconfortável. Isabel levantou, disposta a se afastar daquela atmosfera carregada, quando Jéssica disse, sorrindo:

Lorenzo olhou furioso, mas Jéssica nem ligou.

Jéssica abriu a pasta. Começou a remexer alguns papéis. Isabel recostou na cadeira. A expressão de triunfo no rosto daquela mulher era mesmo preocupante.

Lorenzo também estava tenso. O que estaria pensando?

Isabel já tinha visto aqueles papéis tão interessantes. Não os tinha encontrado entre as coisas de Jeremy. Mas não havia na época por que se preocupar. Mais cedo ou mais tarde eles acabariam aparecendo. Acabavam de aparecer.

Jéssica não respondeu. Apenas lhe entregou os papéis.

— Para você ler na cama, querido. Agora preciso ir. Infelizmente, não vou mais ver você, queridinha. Estou certa de que você vai lamentar o fato tanto quanto eu. Bem, vou deixar vocês sozinhos. Acho que vocês têm muito que conversar.

Jéssica saiu em seguida. Fechou a porta. Isabel olhava para Lorenzo, olhos arregalados. E aconteceu algo que nunca tinha acontecido antes.

Ela desmaiou.

CAPITULO IX

Quando Isabel voltou a abrir os olhos, estava deitada no sofá. Levou alguns segundos para perceber o que estava fazendo naquela posição. Sentou de repente, tensa, ao ver Lorenzo.

Lorenzo estava examinando os papéis. De certa forma, era um alívio saber que agora tudo seria esclarecido, pelo menos entre eles dois.

Lorenzo olhou para ela, olhar inexpressivo.

— Por que não me disse?

— Como poderia?

Lorenzo deixou os papéis sobre a mesa, começou a andar pela sala, sem pressa, mãos nos bolsos da calça. Isabel ob­servava cuidadosamente cada um de seus movimentos.

Lorenzo parou na frente dela. Olhou nos seus olhos.

— Ele me ligou uma noite na faculdade. Ligava sempre. Nunca lhe contei porque você não teria gostado de saber. Jeremy... — Isabel hesitou — não me deixava em paz. Detestava saber que nós dois saíamos juntos, que você era parte da minha vida. Naquela noite parecia eufórico, disse ter descoberto algo que mudaria minha vida. Queria ir até a faculdade, discutir o assunto. Eu disse não, disse que... —Isabel lembrava o que tinha dito, que estava apaixonada por Lorenzo, mas não podia repetir isso agora — disse que estava envolvida com você. Disse-lhe para não me procurar mais.

— Você devia ter me contado.
Isabel olhou bem nos olhos dele.

Isabel assentiu, desolada.

— Papai era um dos pilares da comunidade. Se viesse a público que ele estava desviando dinheiro...

Ali estava, finalmente, o segredo que Isabel tinha guar­dado a sete chaves, durante tanto tempo que ele já parecia fazer parte dela.

O silêncio na sala triturava seus ouvidos. Olhar nos olhos de Lorenzo era impossível.

— Jeremy tinha vasculhado velhos arquivos. Encontrou uns papéis que deviam ter ido para o lixo, mas por algum motivo não foram. Papai costumava anotar e guardar tudo, dizia que isso o ajudava a pensar. Nesses arquivos havia provas de fraude contra a empresa.

— Provas?

— Li e reli aqueles papéis — Isabel prosseguiu cabisbaixa —, tentando me convencer de que aquilo não era verdade, mas papai parecia ter criado algumas empresas fictícias, ou coisa parecida, para poder fazer pagamentos a fornece­ dores inexistentes.

— Você viu as faturas?

— Provavelmente foram destruídas — Isabel sacudiu a cabeça. — Mas os papéis que vi seriam suficientes para incriminá-lo. Era sua própria caligrafia.

— Você chegou a falar com ele?

— Claro que não! Eu amava meu pai. Não importava o que ele tivesse feito. Jeremy poderia destruí-lo se quisesse. Eu não podia permitir.

— E concordou em fazer o que Jeremy queria?

— Eu não tinha escolha. Ele estava obcecado. Queria me separar de você, embora eu não soubesse por quê. Até você me contar sobre a mãe dele.

—- E daí? — Isabel perguntou. — Por que eu deveria lhe contar tudo quatro anos depois? Você me odeia, Lorenzo. Deixou isso claro logo que voltou aqui. E agora está insi­nuando que eu devia ter confiado em você?

Isabel já não sabia o que dizer. Estava cansada de se defender.

— Não me diga que passou o tempo todo lamentando — murmurou. — Você não demorou a curar seu orgulho ferido. Voltou aqui com Jéssica Tate a tiracolo, deixando claro que tipo de relacionamento tinha com ela! Quantas mais além dela, Lorenzo?

Isabel tentava escapar, mas Lorenzo não deixava. Não de­orou a desistir. Subjugada pelos braços dele, entreabriu os lábios. Sua língua procurava a dele com incontida voracidade.

Isabel sabia o que ele pretendia. Emocionalmente, ela já não significava mais nada para ele. Mesmo assim, ele ainda a desejava. E precisava satisfazer seu desejo.

Mas, afinal, por que tentar resistir? Ela não tinha so­nhado com isso durante todos estes anos?

Lorenzo a pegou no colo. Levou para o tapete em frente à lareira. Desabotoou a camisa. Deitou a seu lado, beijando-a sem parar.

— Não posso suportar a ideia de que ele tocava você, Isabel — ele murmurava, voz rouca, beijando seu pescoço. Mas Isabel já não ouvia nada.

Um a um, Lorenzo abriu os botões de sua blusa. Depois o fecho do sutiã de renda, acariciando seus seios, beijando seus mamilos endurecidos.

Isabel sabia que perderia mais do que ganharia se fizesse amor com ele. Mas era inevitável.

Sem parar de beijá-la, Lorenzo abriu o zíper de sua saia. Tirou a saia. Em seguida, tirou a calcinha. Completamente nua, Isabel olhava para ele com um misto de tristeza e prazer.

Lorenzo levantou, tão ofegante quanto ela. Despiu-se ra­pidamente. Isabel contemplava cada linha de seu corpo como se nunca o tivesse visto antes.

Deitado a seu lado outra vez, Lorenzo seguia acariciando e beijando cada centímetro de seu corpo. Lentamente, descia pelos seios, estômago, cintura, coxas. Afastando suas pernas uma da outra, estacionou sobre seu segredo mais íntimo. Sua língua irrequieta não parava, explorando o âmago de seu ser, provocando nela um desejo alucinante.

Completamente fora de si, Lorenzo deitou sobre ela.

— Não quero sentir o que sinto por você — ele murmurava.
"Eu também, Lorenzo, eu também", Isabel dizia para si mesma. "Não quero amá-lo como amo, não quero acreditar que nunca estarei livre deste amor."

Lorenzo beijava seus lábios, enquanto a penetrava len­tamente. Seus movimentos, em princípio lentos, iam se tornando cada vez mais frenéticos, até encontrarem ambos uma harmonia perfeita e seus corpos se tornarem um só.

Isabel gemia, delirava, sentindo dentro de si um fogo cada vez mais intenso, até finalmente chegar ao orgasmo.

Ainda tremia quando Lorenzo deitou a seu lado. Imóvel. Calado.

Há muito tempo, quando eram amantes, sempre havia o que dizer depois. Agora, Isabel ouvia apenas o silêncio. O silêncio da última vez.

O que estaria ele pensando? Estaria satisfeito, agora que tinha conseguido o que queria?

Lorenzo levantou. Começou a se vestir. Sem nenhuma entonação, disse:

— É hora de ir embora.

Isabel sentia os olhos lacrimejarem. Não se atrevia a olhar para ele.

Melhor assim. Melhor ele não saber o quanto ela ainda o amava.

— Vou pegar minhas coisas. Não demoro.

Agora que estava tudo acabado, Isabel sentia uma ne­cessidade compulsiva de continuar a conversa. Antes, estar com ele causava apreensão. Agora, queria estar perto en­quanto fosse possível. Porque sabia que ali era o fim da linha.

— No Edwardian?
Lorenzo se voltou. Sorriu.

— E um lugar meio sinistro, não é? Mas talvez as coisas melhorem por lá —.começou a subir a escada.

Ao chegarem lá em cima, Lorenzo se voltou outra vez, e disse:

— Adeus, Isabel.

Não dava para ver seu rosto. Estava escuro lá. Ainda bem. Assim ele também não poderia ver o dela.

— Adeus, Lorenzo. Boa sorte.

Isabel foi para seu quarto. Não acendeu a luz. Sentou na cama. Ficou ali, imóvel. Algum tempo depois, ouviu pas­sos no corredor. O resto, apenas imaginou. A porta da frente fechando atrás dele, a partida no motor do carro, a luz dos faróis iluminando a escuridão, enquanto ele ia para bem longe daquela cidadezinha. Para nunca mais voltar.

Isabel não respondeu. Não sabia o que dizer.

-— Querida, se você ainda o ama, por que casou com Jeremy?

Isabel arregalou os olhos, surpresa.

Era inútil esticar o assunto. Isabel logo desligou. E de­cidiu que o melhor a fazer era seguir vivendo. Sorrir para o mundo. Como tinha aprendido a fazer ao longo dos últimos anos.

Isabel passou sorrindo os dois dias seguintes. Um sorriso capaz de convencer os pacientes de que ela andava de muito bom humor. Mas tão logo ficava sozinha, começava a con­templar o túnel comprido e escuro à sua frente.

Na sexta-feira, Isabel estava a ponto de enlouquecer. Pre­cisava falar com alguém. Resolveu ligar para Abigail. O problema era encontrá-la. Naquela sua profissão, ela estava sempre viajando pelo país. Quando estava no país. Onde estaria agora? Londres? Manchester? Birmingham?

Isabel ligou para seu número em Londres. Três toques e a secretária eletrônica atendeu. A fita dizia que Abigail não podia atender no momento, mas ligaria de volta, na velocidade da luz. Apesar da sinceridade contida na grava­ção, Isabel sorriu. Sabia que Abigail só ligava de volta para bem poucas pessoas. E nunca na velocidade da luz.

Mas se enganou. Dez minutos depois, o telefone tocou. Era Abigail, bocejando.

Isabel sentou. Tinha tanto para falar, mas não sabia que dizer.

— Vida dura, hein? Londres, Nova York. Logo você vai dizer que está indo para Tóquio, mostrar seu talento aos japoneses — Isabel ria, mas não deixava quieto o fio do telefone.

Abigail não demorou a perceber o nervosismo na voz dela.

— Qual é o problema, Izzy? Está claro que alguma coisa não vai bem. Algum problema com sua mãe?

— Não, Abby. E comigo — Isabel finalmente admitiu. —Não tinha com quem.falar e resolvi ligar para você — respirou fundo e começou a contar à amiga o que tinha acon­tecido. Na verdade, pretendia resumir. Afinal, não há quem goste de ouvir problemas dos outros. Mas não conseguia parar de falar.

Só não disse nada sobre Jeremy e os motivos que a tinham levado àquele fatídico casamento. Sobre o resto, disse tudo. No fim da conversa, Abigail disse, com sua costumeira franqueza:

— Claro que pode e claro que vem. Amanhã de manhã.
Vai passar o fim de semana comigo. Vou conseguir para você um ingresso da minha peça. Que sorte a sua, hein?

Isabel riu.

— Não vou estar em casa durante o dia. Você vai ter de se virar sozinha — Abigail prosseguiu. — Você ainda tem a chave do apartamento, não tem? Claro que tem. Venha para cá, coma alguma coisa e depois vá fazer compras. E uma ordem! Compre uma roupa bem bonita para ir ao teatro. É a última apresentação e vai ter muita gente metida a famosa por lá. Os realmente famosos já viram a peça na primeira noite. Depois, quando eles cansarem de me aplau­dir, a gente sai para jantar.

As três e meia da tarde seguinte, sob um sol pálido que só tinha aparecido para dizer ao mundo que ainda existia, Isabel andava por Bond Street, procurando nas vitrinas uma roupa para ir ao teatro.

Fazia meses que ela não ia a Londres. Geralmente a cidade lhe dava claustrofobia, mas agora parecia maravi­lhosa. Era bom mudar de ares. Ela já se sentia menos de­primida, embora as lembranças de Lorenzo teimassem em continuar vagando por sua mente.

Depois de andar bastante, Isabel achou um vestido lindo. De lãzinha verde, mangas compridas. Ficou lisonjeada quan­do a vendedora lhe perguntou se ela era modelo. Também comprou sapatos. Voltou para o apartamento de Abigail às seis e meia, bem melhor do que quando tinha entrado no trem de manhã.

Talvez, Isabel pensava enquanto se vestia, ela e a mãe pudessem viajar durante algum. Talvez alguns anos via­jando a fizessem esquecer Lorenzo Cicolla.

Não, fugir da realidade nunca resolveu problema algum, apenas trazia outros, concluiu. E foi para o teatro.

Seu lugar era entre as poltronas da frente. A peça tinha sido bastante elogiada pela crítica e parecia não haver um único lugar desocupado no teatro. Isabel sentou entre uma elegante senhora grisalha, à esquerda, e um próspero e gor­do homem de negócios, à direita.

Eram apenas cinco atores no elenco. Todos muito bons. Abigail, como sempre, estava ótima. Representava com uma espontaneidade que magnetizava a atenção da plateia.

Durante o intervalo todos pareciam ansiosos pelo segundo ato. Isabel ficou onde estava, lendo o programa e lembrando de quando as duas tinham dez anos. Quem podia imaginar que suas vidas mudariam tanto?

Isabel fechou o programa. Bobagem relembrar o passado. Mais útil pensar no futuro.

Difícil era agir com tanta sabedoria, em vez de ficar lem­brando de Lorenzo o tempo todo.

A campainha avisava que o intervalo tinha terminado. Otimo, assim ela poderia se concentrar no segundo ato.

Quando a peça terminou, o público não parava de aplau­dir, de pé, enquanto o elenco voltava ao palco de mãos dadas para agradecer. Abigail, única mulher no elenco, recebeu flores. Um dos atores, simulando profundo desapontamento, perguntou:

— Cadê as minhas?
Todos riram, claro.

Isabel já se preparava para sair quando ouviu Abigail dizer lá no palco:

— E agora, eu gostaria de quebrar a tradição e fazer algo diferente...

Curiosidade geral. O silêncio tomou conta do ambiente. Nada cativa mais uma plateia do que o inesperado. E isto era inesperado. Isabel nem respirava, como, provavelmente, a maioria das pessoas ali presentes.

— Eu gostaria — Abigail prosseguiu —, com a permissão de todos, de convidar minha amiga Isabel Chandler a. Vir aqui no palco.

Isabel arregalou os olhos, desconcertada. Mas não podia recusar o convite. Tremendo, caminhava por entre as pol­tronas, sob o olhar atento de todos.

Quando Isabel se aproximou, Abigail sorriu e disse:

— Também gostaria de chamar aqui meu amigo Lorenzo Cicolla.

Aquela altura, Isabel já achava que aquilo não estava acontecendo, que era tudo um sonho. Quando finalmente subiu ao palco e chegou perto de Abigail, viu Lorenzo che­gando também.

Abigail então segurou a mão dos dois e, com seu carisma contagiante, declarou:

— Meus dois grandes amigos, que me conhecem desde criança, e que foram feitos um para o outro. Tiveram alguns contratempos, é verdade, mas agora estão aqui, juntos. E juntos devem ficar!

Aplausos, muitos aplausos. Vinham de todos os cantos do teatro, repercutiam nas paredes, deixando Isabel tonta.

Isabel não sabia como seus dedos se entrelaçaram aos de Lorenzo. Apenas olhava para ele, incapaz de dizer coisa alguma. Então, alguém na plateia gritou:

— Isabel — Lorenzo olhou nos olhos dela. E ela sentiu a tontura aumentar. — Quer casar comigo?

CAPITULO X

Vamos sair daqui — Lorenzo disse. . — Precisamos conversar.

Ainda estavam nos bastidores, entre os atores e as muitas pessoas que tinham ido cumprimentá-los. Abigail se aproximou, sorrindo.

— Gostaram do meu improviso?

Isabel ainda estava meio tonta. Claro que não tinha le­vado a sério aquela proposta de casamento. Em frente a centenas de pessoas, o que mais ele poderia ter feito?

O diretor se aproximou de Abigail, exultante. Estava claro que eles também queriam sair logo dali.

— Tudo bem — Isabel acabou concordando.

— Conheço um restaurantezinho ótimo perto daqui —Lorenzo sugeriu, tão perto de Isabel que a deixava arrepiada. — Pode ir, Abigail. — Sorriu. — E, caso eu não possa lhe dizer isso depois, além de excelente atriz, você é uma excelente cúmplice — arrematou, ainda sorrindo.

Lorenzo saiu do teatro com Isabel. Lá fora, sentindo o ar frio da noite, Isabel disse:

— Sei que você não falava a sério. Sei o que casamento significa para você.

Sobre a mesa, havia um pequeno vaso de cravos, que Lorenzo afastou.

— Quero ver você quando disser o que vou dizer.
Isabel sentiu um vazio no estômago.

Foi um alívio quando o garçom se aproximou para saber o que iam comer. Quando o garçom se afastou, Lorenzo perguntou:

— E inútil — Lorenzo disse de repente, levantando. O garçom logo se aproximou, apreensivo com aquela situação inesperada.

— Pois não, cavalheiro. Alguma coisa errada? — pergun­tou, ansioso.

— Não. Nada errado — Lorenzo respondeu, tirando a carteira do bolso, e dela uma nota bastante atraente. — Estou certo de que a comida estaria deliciosa, mas desco­brimos que não estamos com fome. — Olhou para Isabel, que concordou, confusa, levantando e tentando imaginar o que estava acontecendo.

Saíram do restaurante. Pegaram um táxi. Logo chegaram ao Savoy.

Entraram. Isabel sabia para onde ele a estava levando. Mesmo assim, quando Lorenzo abriu a porta de seu apar­tamento, perguntou:

— Por que precisamos conversar no seu apartamento?

— Não faça perguntas. Apenas sente e ouça.
Lorenzo serviu uísque com soda em dois copos. Ela estava mesmo precisando. Para acalmar os nervos.

Isabel baixou a cabeça. Não se atrevia a olhar para ele. Lorenzo afastou seu cabelo para poder ver seu rosto. Isa­bel sentia o contato daqueles dedos, e um arrepio.

— Olhe para mim — ele disse. Isabel finalmente olhou.

— Passei quatro anos lembrando de você — Lorenzo prosseguiu, sério, pensativo. — Quanto mais dinheiro eu ga­nhava, mais lembrava de você.

Claro que podia. Ela sabia que ele a amava. Mas ouvi-lo dizer aquilo agora cortava o coração.

— Você era meu- sol, Isabel. Eu adorava você. Sempre soube que você poderia ter o homem que quisesse. Todos os homens daquela maldita cidadezinha sonhavam com você — Lorenzo parou, relembrando o passado.

Isabel não queria interromper. Lorenzo estava destilando toda a sua amargura. Melhor deixá-lo ir até o fim.

Ela queria ouvir. Queria ouvir tudo, mesmo sabendo aon­de aquela confissão ia levar.

Ele a amava, ela era seu sol. Mas isso tinha sido há muito tempo. Hoje era diferente. Por isso ele podia falar do assunto com tal serenidade. Com tal indiferença.

Lorenzo acariciava seu cabelo e aquilo a desconcertava. Por mais que ela tentasse, era impossível manter a calma, falar do passado no mesmo tom.

— O ódio é um sentimento muito poderoso, Lorenzo.

— Ódio? — Lorenzo olhou, incrédulo. E Isabel sentiu o coração acelerar. — Não sinto ódio por você, Isabel. É isso o que você acha?

O coração disparou. Isabel se sentia andando à beira de um precipício.

Lorenzo beijou seus lábios ternamente, acariciando seu corpo por sobre o delicado tecido do vestido. Quando a pegou no colo e a levou para a cama, Isabel sentia ter chegado o momento tão ansiosamente esperado durante tantos anos. O momento em que ele a tocaria sem rancor. Apenas com amor.

Lorenzo abriu o zíper de seu vestido. E Isabel se livrou dele rapidamente, sorrindo enquanto ele a olhava, fascinado, como se fosse a primeira vez.

— Você é tão linda — Lorenzo murmurou, beijando seus seios.

Isabel estendeu-se na cama, enquanto os lábios de Lo­renzo davam início a uma lenta e minuciosa exploração de seu corpo. Contorceu-se ao senti-los pairando sobre a es­sência de sua feminilidade.

Desta vez não havia raiva, ressentimento, aquela estra­nha sensação de estar prisioneira de uma paixão impossível de ser contida. Desta vez havia só ternura, a mesma ternura que dividiam quando jovens, antes que a vida os separasse.

Acariciando o cabelo de Lorenzo, Isabel abria as pernas, estimulando aquela ansiosa exploração.

Após o que pareceu um tempo interminável, Lorenzo vol­tava pelo mesmo caminho. Deteve-se sobre um dos seios, mordiscando o mamilo endurecido até Isabel sentir vontade de gritar.

Quando Lorenzo finalmente começava a invadi-la, Isabel sentia aquela deliciosa sensação de estar em casa. Seu corpo se contorcia de encontro ao dele. Aquela sensação deliciosa, alucinante, ia se tornando cada vez mais intensa. Mais, mais, mais... até que finalmente o mundo pareceu parar de girar...

Quero — Isabel riu, acariciando o rosto dele. — Sim.
Sim. Sim. Esperei por este momento metade da minha vida.

EPÍLOGO

Isabel nunca tinha imaginado que um dia poderia olhar as coisas de Jeremy com tal tran­quilidade, sem nenhuma amargura. Agora, olhando para aquela mala à sua frente, via que podia.

Lorenzo a tinha" feito mudar de atitude.

Tinham casado fazia sete meses, numa cerimónia sim­ples, com apenas alguns parentes e amigos mais chegados. Foi o dia mais feliz de sua vida. E ela não estava de branco.

Sorrindo, Isabel começou a pôr na mala aquelas últimas roupas, o que só agora tinha resolvido fazer. Antes, ela e Lorenzo tinham estado muito ocupados, redecorando sua nova casa e recuperando o tempo perdido.

Isabel já ia fechar a mala quando percebeu alguma coisa estranha no fundo, dentro de um compartimento com zíper. Um caderno. Começou a ler.

Era a letra de seu pai. O caderno estava cheio de suas costumeiras anotações. Ler aquilo não levou mais de quinze minutos.

Isabel sorriu. No fundo, ela sempre soube que o pai não tinha desviado dinheiro algum. E aqui estava o resto da história. O empréstimo bancário, todas as contas, o dinheiro que nunca tinha sido roubado.

Jeremy tinha escondido tudo. Tinha mostrado só o que interessava mostrar.

Isabel fechou a mala. Deixou perto da porta. As poucas coisas que ainda restavam naquela casa iriam para uma instituição de caridade. A casa devia estar vazia quando seus novos donos mudassem, no próximo fim de semana.

Ainda sorrindo, o caderno nas mãos, Isabel foi até a janela.

Lorenzo também sorriria ao ver aquilo. Mas não perderia a calma. O casamento o tinha domesticado, como ele cos­tumava dizer agora. Tinha domado o tigre.

Talvez não apenas o casamento, talvez algo mais.

Acariciando a própria barriga, Isabel dizia para si mesma que talvez fosse o bebé que estava ali o maior responsável por aquela mudança de comportamento.

FIM



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