Microsoft Word Flora Kidd A Renato(3)

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Ilha do Sol (Galant’s Fancy) Flora Kidd

Julia n° 02

Livros Florzinha

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Ilha do Sol

Galant’s Fancy

Flora Kidd















Miranda era secretária em uma grande empresa e vibrou de contentamento

quando seu chefe a convidou para acompanhá-lo numa excursão pelo Caribe, para
comprar terras. O que ela não sabia era que esse negócio representava um grande golpe
financeiro e que a parte mais difícil de seu trabalho seria convencer Roger Gallant a
vender sua propriedade em Tortuga, uma ilha paradisíaca. Roger era descendente dos
antigos piratas que se refugiaram no Caribe e, como seus antepassados, costumava
apoderar-se das mulheres sem pedir. Mas, mesmo sabendo que seria sua próxima
vítima, como poderia Miranda resistir aos desejos do homem mais encantador do
mundo?

Digitalizado e Corrigido: Judith Lima


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Ilha do Sol (Galant’s Fancy) Flora Kidd

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CAPÍTULO I



— Miranda, a sra. Brenda pediu para você passar na sala dela — disse a

nova secretária.

— O que você andou fazendo, Miranda? — perguntou Wendy Shaw,

uma das colegas de Miranda.

— A chefe só chama alguém quando há alguma coisa errada — disse

June Taylor em tom de brincadeira. — Provavelmente você aprontou uma
das suas, Miranda!

Miranda sorriu, com o rosto levemente corado, ao ouvir os comentários

de suas colegas, a que já estava acostumada durante os quatro anos em que
trabalhava como datilografa na Companhia Transmarine de Investimentos.
Funcionária dedicada, não faltava nunca ao trabalho e estava contente de
ser apenas uma pequena peça de uma grande companhia internacional, com
agências espalhadas pelo mundo inteiro. Somente uma vez, nos últimos
quatro anos, fora chamada à sala da diretora, encarregada da supervisão do
trabalho das datilógrafas, e isso ocorrera três meses atrás. Nessa ocasião,
assumira provisoriamente o lugar de Janet, secretária de Douglas Ingram,
um dos executivos mais destacados da Transmarine. Janet adoecera quando
Douglas realizava os primeiros contatos para a aquisição de terras numa ilha
e, durante alguns dias, Miranda teve idéia do que era um grande inves-
timento da companhia.

Sabendo que não tinha feito nada errado, retirou a folha de papel da

máquina e guardou-a cuidadosamente numa pasta. Alisou os cabelos pretos
que caíam em cima dos ombros, repartidos no alto da cabeça, escovou alguns
fios imaginários de seu casaquinho azul-marinho de gola branca e, após
apanhar a bolsa, dirigiu-se à sala da diretora.

Bateu na porta,. aguardou a ordem de entrar e perguntou da soleira: —

Você me chamou?

Brenda Phipps estava sentada a uma mesa larga, lendo uma carta.

Cabelos negros penteados segundo o último estilo dos cabeleireiros
franceses. Usava um vestido preto com gola branca rendada. Óculos de aros
pretos acentuavam o nariz pequeno e reto. Miranda tinha muita admiração

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pela diretora. Brenda era um modelo de mulher bem-sucedida. Tomava conta
do lar e supervisionava as datilógrafas da Transmarine, fazendo os dois
trabalhos com a mesma competência e dedicação. Miranda desejava ser
como Brenda no futuro: mãe de duas crianças adoráveis, a mulher de um
homem simpático como George Phipps e encarregada da equipe de
datilógrafas de uma grande firma, ou então secretária de um diretor
importante.

Tinha outros sonhos além desse, mas não contava a ninguém, porque a

possibilidade de se concretizarem no futuro era muito remota. Mesmo
assim, eles ajudavam a passar o tempo quando ia de casa para o trabalho e
do trabalho para casa. Além disso não fazia mal a ninguém...

O devaneio momentâneo avivou a cor do seu rosto e deu aos olhos
cinza uma expressão ligeiramente sonhadora. Brenda percebeu alguma

coisa nesse sentido, porque sua fisionomia, habitualmente severa, abrandou-
se um pouquinho. Ah, como seria gostoso ter de novo a idade de Miranda!
pensou. E estar apaixonada por alguém...

— Bom dia, Miranda. Sim eu mandei chama-la sente-se ali, por favor.
Miranda sentou-se na poltrona estofada de couro com as costas
retas, os joelhos juntos e as mãos unidas no regaço, como sua tia lhe

ensinara. Graças aos cabelos negros ondultddos, as faces coradas, e aos
olhos claros, era a imagem perfeita da estudante inglesa, embora tivesse
quase vinte e dois anos.

Brenda recostou-se na cadeira giratória, com as mãos juntas apoiou o

queixo na ponta dos dedos. Escolheu as palavras cuidadosamente.

— O que você me diz de fazer uma viagem às

Antilhas?

A palavra Antilhas evocou imediatamente, na imaginação de Miranda, o

mapa das ilhas situadas entre as Américas, lugares de beleza, mágica,
explorados por algumas personalidades fascinates da História da
Inglaterra, como Sir Francis Drake, Sir Henry Morgan e Lord Nelson; uma
região de praias deslumbrantes, que cintilavam ao sol tropical, cercadas de
palmeiras; onde a aventura era uma realidade de todos os dias!

— Como poderia ir para lá? — exclamou Miranda atônita, voltando à

realidade do escritório.

— Você poderia ir como secretária de Douglas.
— E Janet? Ela não pode ir?

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— Ela foi obrigada a tirar uma licença. O problema que ela teve no ano

passado voltou a incomodá-la novamente. Douglas sugeriu seu nome porque
você estava a par das negociações para a compra de terras numa ilha do
Caribe.

— Ah, sim, estou lembrada. A compra não se realizou porque Douglas

descobriu, no último momento, que era necessária a aprovação de uma outra
pessoa. Ele me disse que ia entrar em contato com essa pessoa e persuadi-la
a concordar com a venda.

Miranda expressou-se numa linguagem prática que recebeu aprovação

de sua chefe.

— Exatamente. Fico contente de você lembrar-se dos detalhes. Pelo

visto, você estava interessada no assunto e essa é uma qualidade essencial
da boa secretária. Talvez tenha sido esse interesse que levou Douglas a
recomendar seu nome. Você gostaria de ir?

— Adoraria! — exclamou Miranda, sem pensar duas vezes, aban-

donando sua reserva habitual. Estava tão entusiasmada como se lhe
oferecessem a maior oportunidade de sua vida.

No instante seguinte, ao lembrar-se de Joe, sua fisionomia se trans-

formou.

— Quanto tempo eu ficaria fora? — perguntou timidamente.
— Um mês, seis semanas, talvez um pouquinho mais. Por quê? Você tem

algum compromisso?

— É que eu estava planejando me casar em junho. . .
O olhar perspicaz de Brenda fixou as mãos cruzadas. Não havia aliança

na mão direita.

— Mas você não está noiva — murmurou.
— Não. Não ficou nada resolvido ainda. Mas nós pensamos. . . Miranda

interrompeu o que ia dizer ao encontrar os olhos de Brenda fixos nos seus.

— Eu entendo — disse Brenda, com a voz ligeiramente fria. — Se eu

fosse você, Miranda, explicaria a seu noivo essa oportunidade, tenho
certeza que ele vai entender e, se gosta realmente de você, como eu
suponho, não vai interferir em sua promoção. Porque essa viagem é uma
promoção, bem entendido.

— Sim, eu entendo perfeitamente. Estou muito grata com sua escolha,

só que. . .

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— Lembre-se que nossa companhia adotou recentemente uma política

nova. Não vai mais contratar datilógrafas casadas, a não ser por meio
período. Por outro lado, estamos sempre interessados em secretárias
eficientes e capazes por um período integral. Então, o que você decide?

Miranda fixou Brenda nos olhos e esqueceu-se momentaneamente de

Joe.

— Aceito o convite — disse, com a impressão curiosa de haver tomado

a decisão mais importante de sua vida. — O que devo fazer?

— Ah, eu sabia que você ia aceitar!
— exclamou Brenda com um sorriso aberto. — Agora vou explicar em

detalhes do que se trata.

Douglas está no momento em Nova Iorque. Conseguiu localizar a pessoa

que procurava e cuja autorização era necessária para a aquisição de terras
em Tortuga. Douglas convidou essa pessoa para tomar parte numa excursão
de iate pelas Antilhas. Durante o cruzeiro, os convidados vão visitar as ilhas
onde a Transmarine construiu ou está construindo hotéis e centros de lazer.
A bordo do iate estarão os membros da família que possuem terras em
Tortuga. A idéia de Douglas é discutir os pontos de venda e criar um clima
favorável entre os parentes, mostrando como as obras da Transmarine
podem beneficiar uma região subdesenvolvida. Ao sugerir que você o
acompanhasse como secretária, Douglas demonstrou, na minha opinião, um
excelente faro, porque tenho certeza de que você se sairá muito bem no seu
trabalho de anfitriã.

— Anfitriã? — indagou Miranda surpresa. — A mulher de Douglas não

estará lá?

— Sim, Zelda vai estar lá, mas ela necessita de alguém para ajudá-la,

porque muitos parentes vão estar presentes. . . mulheres, irmãos, filhos e
filhas. Você não terá naturalmente nenhuma dificuldade em dar assistência
a Zelda e ajudá-la a entreter toda essa gente. Pelo que eu sei, você recebeu
uma excelente educação para dona-de-casa...

— Graças à minha tia Clara — disse Miranda.
— Exatamente. — Brenda conhecia perfeitamente Clara Benson, a tia

velha que ensinava literatura inglesa no ginásio e que se incumbira da
educação das duas sobrinhas quando o irmão e a mulher morreram num
acidente de automóvel na Europa, onde tinham ido passar as férias. —

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Voltando ao nosso assunto. O iate está ancorado no porto de San Juan, na
ilha de Porto Rico. Douglas gostaria que você viajasse para lá o mais
rapidamente possível. Eu posso lhe reservar umas passagem para depois de
amanhã. Você acha que daria tempo?

A cabeça de Miranda estava girando. Ter que se vestir bem, com seu

ordenado de datilografa, não era fácil e seu guarda-roupa consistia: no
mínimo necessário. Nessa época do ano, não tinha roupas de verão, nem
vestidos longos para a noite, nem maiôs.

Brenda sorriu ao compreender sua expressão angustiada.
— Eu posso lhe adiantar uma parte agora para você comprar as roupas

que vai necessitar. Olhe, dê preferência às roupas leves, bem folgadas no
corpo, para evitar os problemas do calor. Seria bom um vestido desses que
não amarrotam, para a viagem. Você encontra tudo isso numa loja grande da
cidade. Se por acaso não encontrar o que deseja aqui, pode comprar em São
Tomás, nas ilhas Virgens, que possui algumas boutiques fabulosas, com tudo
que você pode imaginar. . .

— Acho que não vou ter muito tempo — murmurou Miranda,

ligeiramente aflita.

— Você tem a tarde de hoje e o dia inteiro amanhã para fazer suas

Compras. Seria preferível não comentar nada por enquanto com as outras
moças de sua seção — disse Brenda, apanhando a carta que estava em cima
da mesa e tornando a colocá-la no envelope formato Ofício. — Esta é a carta
que Douglas mandou. Ele dá todas as informações necessárias. Eu posso
adiantar desde já que a família Gallant parece ser muito interessante. Você
conheceu Thomas Gallant quando esteve aqui, está lembrada?

— Sim

,

lembro-me perfeitamente — disse Miranda com a voz

ligeiramente empostada, o que provocava as risadas de suas colegas de
trabalho. A verdade é que Miranda não gostara nada da maneira como
Thomas olhara para ela, nas raras vezes em que o encontrara na sala de
Douglas. Para um homem de cinqüenta anos, Thomas parecia estar
interessado demais na forma de suas pernas; ela avaliava isso pela saia curta
que usava na época.

— São todos muito espertos — disse Brenda com um sorriso malicioso.

— Aliás, só podiam ser, já que descendem de piratas famosos do século
passado. Mas eu tenho certeza que você saberá mantê-los a uma distância

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respeitável.

— Espero que sim.
— Mas não custa nada preveni-la. Lembre-se que os Gallant não se

comportam como os homens que nós conhecemos, apesar de terem nomes
ingleses. Viveram muito tempo nos trópicos e tomaram sol demais na cabeça
— acrescentou Brenda com um risinho. — Bem, posso reservar a passagem
para você no vôo de depois de amanhã?

— Sim, por favor.

A caminho de casa aquela tarde, onde morava com a tia e a irmã mais

moça, Miranda leu pela segunda vez a carta de Douglas.

Depois de explicar como seria recebida no aeroporto de San Juan,

Douglas pedia a Miranda que levasse as fitas gravadas das reuniões com
Thomas Gallant no ano anterior e as cópias da correspondência que
mantivera com ele nos últimos meses. Dizia Douglas na carta:

Ele costuma esquecer as coisas. Está pedindo agora um preço mais alto

pela propriedade, alegando que, para vendê-la sem a autorização da outra
parte, teria que romper um antigo contrato, segundo o qual um parente não
pode dispor das terras sem a aprovação dos demais.

Seja como for, consegui encontrar o proprietário da outra metade:

Roger Gallant, primo de Thomas. Convidei-o para participar de nossa
excursão às ilhas. O objetivo principal dessa operação é convencer Roger
Gallant da vantagem de vender as terras e, se possível, incluir sua parte no
negócio.

Como ele me pareceu ser um rapaz meio egoísta e boa-vida, sem

nenhum interesse por sua propriedade, creio que não teremos dificuldade
em persuadi-lo a vender suas terras. Por estranho que pareça, Roger Gallant
é compositor de música popular e já tem um disco gravado. Talvez você já o
tenha ouvido. Se não ouviu ainda, compre o disco sem falta e prepare-se
para elogiar o compositor, porque fiquei sabendo que ele é muito sensível
aos encantos femininos, como todos os Gallant, por sinal. . .

Miranda dobrou a carta e guardou-a no envelope. Tinha a impressão de

que não havia muita diferença entre os dois primos da família Gallant. Pelo
visto, pareciam ter atitudes semelhantes em relação vida e às mulheres, e
ela não se sentia muito entusiasmada com perspectiva de encontrá-los.

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Com a gola do casaco levantada, para proteger-se do vento frio que

soprava, proveniente do Mar do Norte, Miranda caminhou a passos rápidos
pelas ruas estreitas, com seus sobrados característicos, alguns iluminados
nessa noite de janeiro. Morava com a tia desde pequena e não conhecera
outra casa nem outra mãe. Seu pai, na opinião da tia, tinha sido um homem
muito talentoso que fizera um mau casamento, porque a mulher lhe era
inferior em todos os sentidos.

A tia, naturalmente, não levava em consideração que a cunhada era uma

mulher generosa e de coração bondoso que amara ternamente o marido. Na
opinião de Clara, no entanto, Kathryn era uma criatura excessivamente
emocional e exibicionista, dava demonstrações de amor em público e não se
importava com o que as outras pessoas diziam ou pensavam. Como ela não
aprovava esse tipo de comportamento extrovertido, Clara tivera muito
trabalho para evitar esse defeito nas duas sobrinhas. Fora bem-sucedida
até certo ponto com Miranda, que reprimia cuidadosamente as emoções que
experimentava — e ela as sentia muitas vezes de uma forma profunda e
violenta ocultando-as sob a máscara de frieza e de reserva.

Clara, porém, não tivera muito êxito com Dottie, a sobrinha mais moça,

que dera sinais de rebeldia e desobediência desde os doze anos de idade,
quando começara a seguir as modas e costumes de sua geração. Dottie,
provavelmente, ouvira falar em Roger Gallant, o compositor de música
popular que fazia sucesso com suas canções lânguidas e românticas da
América Central.

Miranda chegou finalmente ao sobradinho de pedras cinzentas, com um

quintal nos fundos. Abriu a porta da frente sem fazer ruído e entrou no
corredor escuro, onde sentiu, como sempre, o cheiro característico de
produtos de limpeza e guarda-chuvas molhados.

— É você, Miranda? — perguntou a tia na cozinha, com sua voz

estridente.

— Sim, sou eu, tia. — Miranda desabotoou o casaco e pendurou-o no

cabide da entrada. — Imagine só, tia! Fui convidada para fazer um cruzeiro
no Caribe!

— Não!
Dottie estava junto à porta da sala de jantar, onde punha a mesa. Mais

alta que Miranda, tinha a pele morena e, aos vinte anos, era mais

cheia e

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desenvolvida que a irmã mais velha. Ela era, sem tirar nem pôr, o que os
rapazes de sua idade diziam: uma gatinha.

— Vou viajar para San Juan na sexta-feira, e vou trabalhar como

decretaria do sr. Douglas durante um mês mais ou menos.

— E Joe? — perguntou Dottie.
Antes que Miranda pudesse responder, Clara apareceu na porta da

Cozinha. Corpo alto e imponente, os cabelos grisalhos saíam do lenço que
amarrara na cabeça, dando-lhe uma aparência de descuido, que não era
verdadeira. Clara tinha cabelos muito finos, que não paravam embaixo do
lenço.

Ela deu um sorriso, coisa rara, como podiam dizer as alunas do Colégio

onde ensinava.

— Eu sempre achei que você tinha coragem, Miranda, e não é nenhum

fedelho que vai impedi-la de fazer o que você deseja! "E Joe?" — repetiu a
tia, imitando a voz de Dottie. — Como se Joe tivesse algum direito sobre
você.

— Ué, os dois não vão casar? — perguntou Dottie, com os olhos

brilhantes. — Eu pensei que Mirry e Joe. . .

— Vão mesmo? — interrompeu a tia, sem cerimônia. — Joe vem falando

nesse casamento há anos. . . E não chame sua irmã por esse apelido horrendo
de Mirry. Miranda é um nome muito bonito, escolhido de uma das minhas
peças favoritas.

— Joe ainda não marcou a data porque está tentando ampliar seu

negócio — explicou Miranda em voz baixa. Ela estava acostumada a
defender a demora de Joe em pedi-la oficialmente em casamento.

Nesse caso, ele não tem nenhum direito de impedi-la de viajar. Ele não

pode opinar sobre o assunto. Na minha opinião, Miranda, Joe não é o rapaz
ideal para você, e seria uma boa idéia não perder mais tempo com esse
namoro. Há muitos peixe no mar de onde vêm os Joes dessa vida. . . o mar
está cheio deles. Bem, agora vamos jantar antes que a comida esfrie.

O jantar levou mais tempo que de costume. Havia muita coisa
para as três conversarem. Miranda atrasou-se por isso e estava

trocando de roupa no andar de cima quando Joe apareceu, como fazia
pontualmente nas noites de quarta-feira. Ele ia todas as quartas e sábados a
sua casa, desde que se conheceram, dois anos atrás, e essa rotina regular

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levava os conhecidos a pensar que Joe pretendia pedi-la em casamento.

No momento em que Miranda desceu a escada em direção à sala Dottie

já se encarregara de contar a Joe as novidades sobre a viagem.

— Mas que rapidez! — comentou Joe com sua calma habitual.
Joe era um rapaz de vinte e oito anoi, forte e cheio de corpo, de
cabelos escuros ondulados e pele clara. Miranda achava muitas vezes

que Joe era bonito, ignorando que seu queixo era um pouquinho saliente e
que ele tinha tendência para engordar. O pai possuía uma firma de
construção e Joe recentemente tomara-se sócio. Ambicioso e trabalhador,
procurava sempre uma maneira de ampliar os negócios.

— Sim, foi um pouco rápido demais, mas é uma promoção — explicou

Miranda.

Joe observou-a com o canto dos olhos, procurando ver se descobria a

reação dela diante do novo trabalho.

— Ah, bom. Quer dizer que você passou de datilografa a secretária?

Meus parabéns. Será uma boa experiência e poderá ser muito útil no futuro.

Miranda não escondeu sua decepção. Joe, pelo visto, não tinha a menor

intenção de pedi-la em casamento. Sua viagem de um mês ou mais não
significava nada para ele!

— Vou ficar fora uns dois meses, mais ou menos
— Foi o que Dottie me disse. Bem, isso não é muito. Claro, vou sentir

saudade de você, mas estou muito ocupado no momento e o tempo vai passar
depressa. Quando você voltar...

— O que tem quando eu voltar?
— Vamos saber o que sentimos realmente um pelo outro. . . Podemos

considerar essa viagem uma experiência, pura ver como nos damos sem a
companhia um do outro. Eu não sou muito entendido nessas questões de
convívio — disse Joe, repentinamente embaraçado. — Mas você entende o
que eu quero dizei. não?

— Sim, entendi o que você quis dizer, Joe — murmurou Miranda com a

voz triste, mas Joe não percebeu a mudança.

— Bom. Eu sabia que você ia compreender. — Parecia mais aliviado. — A

que horas você vai tomar o avião na sexta-feira? Gostaria de levá-la ao
aeroporto. . .

Sim, Joe faria isso. Sentiria prazer em levar Miranda ao aeroporto no

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seu carro novo. Com um pequeno suspiro de resignação, Miranda aceitou a
sugestão, e os dois passaram o resto da noite discutindo os planos de Joe
para ampliar seus negócios na firma.


Se Miranda não estivesse muito ocupada nos últimos dias que passou

na Inglaterra, fazendo compras e providenciando o passaporte, ela se
sentiria abatida com a indiferença que Joe demonstrou pela viagem.
felizmente, a quinta-feira passou na correria, enquanto ela vasculhava as
lojas de Londres à procura de roupas e sapatos de verão. Dottie pediu
dispensa na floricultura onde trabalhava e ajudou-a a fazer as compras. Ela
sentia mais prazer nisso do que Miranda e foi de muita ajuda na escolha do
guarda-roupa adequado.

As duas estavam almoçando numa lanchonete quando Miranda lembrou

de perguntar a Dottie se ela conhecia Roger Gallant. Dottie arregalou os
olhos.

— Se eu conheço Roger Gallant? Só podia! Ele escreve as músicas mais

legais do momento, com cada letra que você morre! Olha, Mirry, sem piada,
são melodias do outro mundo! Você precisa ouvir só Estrelas sobre o Mar.
Todo mundo está vidrado nessa música. Mesmo a tia concordou que a
melodia é interessante. É mais ou menos assim. Dottie cantarolou algumas
notas em voz baixa. — Que tal? Você, pelo visto está tão ligada nas músicas
clássicas que não ouve nunca uma música decente! Sem falar que essa
melodia foi a trilha sonora de um superfilme americano nas ilhas do Caribe.
Por que você quer saber? Ah, Mirry, não me diga que você vai conhecer
Roger Gallant nessa viagem!

A voz de Dottie tornou-se tão estridente que as pessoas se voltaram

nas mesas ao lado para admirar a moça de rosto rosado e olhos brilhantes
que estava pulando no banco.

— Tehha modos, Dottie! As pessoas estão olhando para cá. O que tia

Clara diria se visse isso?

— Ah, deixa pra lá! Como você pode ficar gelada desse jeito quando vai

encontrar Roger Gallant?

— Se ele for parecido com o primo que conheci, não faço nenhuma

questão de conhecê-lo. Deve ser um coroa gordo e metido a conquistador...

— Quem, Roger Gallant? Você está sonhando, guria! Ele tinha apenas

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vinte e poucos anos quando escreveu a música que o tornou famoso. Você
precisa ouvir Kit Williams cantá-la. Você fica toda arrepiada, da cabeça aos
pés!

Dottie corria o sério perigo de desmaiar na lanchonete e Miranda

quase caiu na gargalhada diante do comportamento extático de sua irmã
menor.

— Quem é esse cantor?
— Mirry, sua ignorância me assombra! — exclamou Dottie, imitando a

inflexão de tia Clara. — Quem é Kit Williams? Como você tem coragem de
perguntar isso? Você não o viu mum show no ano passado? Você nunca lê as
revistinhas de música? Pô, ele apareceu inclusive na televisão. Kit Williams é
um cantor da América Central, um segundo Harry Belafonte. É um troço!

— Mas o que ele tem a ver com Roger Gallant, alem de cantar suas

músicas? — perguntou Miranda, lembrando-se da sugestão de Douglas de
obter as maiores informações possíveis sobre o jovem dono das terras em
Tortuga.

— Kit e Roger são grandes amigos. Os dois nasceram na mesma ilha, e a

música que cantei para você é que levou os dois ao primeiro lugar na lista das
Dez Mais. Você fez bem de perguntar isso, senão chegaria em San Juan
boiando completamente. Antes de voltarmos para casa, vamos dar um
pulinho no apartamento de Sue. Ela tem um disco de Kit Williams cantando
uma seleção de sucessos de Rogers. Você vai ter uma idéia da música que ele
escreve. . .

Na tarde daquele dia, Miranda sentou-se no quarto de Sue Green a

melhor amiga de Dottie, e ouviu a voz murmurante de Kit Williams cantar
Estrelas sobre o Mar. Dottie cantava espichada na cama, ao lado de Sue,
uma moça loura e gordinha de olhos azuis. As duas estavam de boca aberta e
pareciam em transe, absortas na música e na voz do cantor. As palavras
eram tristes, sentimentais, e contavam a história de um amor perdido. Era a
melodia, porém, que chamava a atenção, com suas notas desafinadas e o
ritmo estranho, coisa rara nas baladas desse gênero. Era de fato uma
melodia original e profunda. Fora escrita por alguém que conhecia música a
fundo e não era absolutamente uma música improvisada num estúdio de
gravação.

Enquanto as três ouviam em silêncio a voz sussurrante do cantor,

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Miranda reclinou-se na cabeceira da cama e virou a capa do disco para ler o
texto que havia no verso. Além de outros dados biográficos sobre os
músicos, havia a história da composição de Estrelas sabre o Mar.

"Certa noite em que Kit Williams estava trabalhando numa boate em

San Juan, seu amigo Roger Gallant entrou na sala e sentou-se ao seu lado.
Kit aproveitou a ocasião para mostrar ao amigo uma poesia Que havia ganho
aquela tarde de uma moça, que estava de passagem em San Juan. Roger
sentou-se no balcão, diante dos copos vazios, e compôs a música para
acompanhar a poesia. Naquela mesma noite, Kii cantou-a na boate. A música
foi ouvida por Syd Newton, o diretor

de cinema, que estava rodando algumas

cenas para um filme no caribe. Syd aproximou-se de Kit Williams e disse que
gostaria de ser apresentado ao compositor. E foi assim que Roger e Kit
foram contentados para compor a trilha sonora do filme Crise no Caribe."

O texto do disco não falava muito de Roger Gallant, chamando mais

a

atenção para o sucesso imediato de dois músicos jovens, o que exercia uma
enorme fascinação entre a juventude. Aquela história era mais uma prova de
que ninguém precisava ter mais de trinta anos para ser rico e bem-sucedido
na vida!

Na manhã seguinte, conforme ficara combinado, Joe levou Miranda ao

aeroporto. Deu-lhe um buquê de flores e uma caixa enorme de bombons.
Comovida com sua generosidade, Miranda chorou quando Joe a beijou pela
segunda vez na hora da despedida. Valia a pena viajar só para receber esses
presentes e beijos de Joe, pensou Miranda enxugando as lágrimas, enquanto
andava pela pista em direção ao avião. Mas ela se sentiria muito mais feliz
se Joe a tivesse abraçado com amor e suplicado para não ir! Se a tivesse
pedido em casamento ali, no aeroporto...

A excitação da viagem, no entanto, distraiu sua tristeza. Logo se

Interessou pelos outros passageiros, que faziam parte de uma grande
excursão organizada por uma companhia de turismo, que utilizava San Juan
como base de suas operações.

Miranda sentou-se numa poltrona do meio, apertada entre uma mulher

gorda de meia-idade, de cabelos tingidos de louro, e um homem igualmente
corpulento.

A mulher loura, que estava junto da janela, apresentou-se com um

sorriso simpático nos lábios. Chamava-se Mary Mowat e vinha do interior.

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— Embora eu ame minha cidade, estou adorando viajar nessa época do

ano — disse a sra. Mowat. — Se avistar alguma coisa interessante na janela,
faço sinal para você. A viagem vai ser meio cansativa, pelo que me disseram.
São nove horas sem parar. É melhor a gente se conhecer desde o início, você
não acha? Você também faz parte da excursão pelo Caribe?

Antes da primeira hora de vôo, as duas tinham trocado todas as

informações necessárias para poderem conversar à vontade. A mulher era
muito animada e não parava de falar.

— Esta é a minha primeira viagem. Estou levando uma lista de pessoas

e lugares para visitar. Tenho urna apresentação para o juiz de uma das ilhas
e vou visitar também a filha de uma amiga minha, que mora em Granada. Ela
foi para lá com o marido, num veleiro.. Imagine só, atravessar o oceano num
barco a vela! Só que levaram; bem umas seis semanas. Ah, veja, as nuvens
limparam, estou vendo o mar lá embaixo. Debruce na cadeira para você ver
também.

Miranda, debruçou-se e ficou deslumbrada com a grande vastidão de

cetim azul que era o oceano Atlântico. Podia, inclusive, enxergar, um navio,
um pontinho que se movia lentamente nobre o azul, deixando um fiozinho de
espuma em sua passagem.

A aeromoça serviu os aperitivos e apresentou o homem que estava à

sua direita. Chamava-se Harry Walton, negociante em Londres, e tomava
parte pela primeira vez no cruzeiro marítimo pelas Antílhas.:

— Eu não agüentava passar mais um dia em Londres — disse o homem.

— Aquele frio estava me matando. Minha secretária telefonou para uma
agência de turismo e informou-se sobre um lugar bonito ao sol. Sugeriram
esse cruzeiro. Voar para San Juan, passar duas semanas navegando entre as
ilhas e aproveitar a vida! E aqui vou eu com Lily — essa que está sentada na
sua frente é minha mulher... Ah, estou impaciente para tostar a pele no sol!
O que você vai beber, menina? Não faça cerimônia. É por conta da casa.
Suco de laranja? Você tem certeza? Por favor, um suco de laranja para essa
moça e um rum para mim. É bom você se acostumar desde já com essa
bebida. Espere só até ter passado uma semana lá. Aposto que você vai beber
cuba-libre como se fosse limonada. . .

Havia tantas coisas acontecendo a bordo do avião que Miranda não

teve tempo para enjoar. Observou as aeromoças manobrarem o carrinho de

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Julia n° 02

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refeições no corredor e servirem cada um dos passageiros com um sorriso.
Mal tinham acabado de oferecer um drinque, voltavam com algum salgadinho.
Miranda estava tão confusa com a diferença de horários que não sabia qual
era exatamente a refeição que estavam servindo naquele momento.

Lá pelas cinco e pouco da tarde, o comandante do avião avisou que

estavam se aproximando de San Juan e que deviam acertar os relógios. A
temperatura na ilha estava quente, o tempo instável, com chuvas e
trovoadas.

Miranda ouviu a notícia com excitação. Mais alguns minutos e estaria

num outro país pela primeira vez na vida! Embora tivessem saído da
Inglaterra há muitas horas, não se sentira desambientada no avião porque
todos falavam inglês. Daí a meia hora, no entanto, desceria em Porto Rico,
atualmente parte dos Estados Unidos, embora fosse originalmente uma
colônia espanhola, e o castelhano era a língua falada até hoje pelos
habitantes.

Os passageiros conversavam animadamente, aguardando com

impaciência a hora de desembarcar. Reinava no avião um verdadeiro clima de
festa.

A sra. Mowat estava reclinada na poltrona e Miranda podia olhar a

vontade pela janela. Avistou o mar, mais perto agora, todo rendilhado de
branco. Bem ao longe, surgindo no meio de uma grande extensão de água
azul, estava uma forma violeta — uma ilha.

Minutos depois, a cor do mar transformou-se num verde-esmeralda e

as ondas quebravam nas praias, formando repuxos altos de espuma.
Palmeiras graciosas balançaram as folhas compridas quando soprou um vento
repentino. Além da praia e das palmeiras avistavam-se os edifícios
imponentes, por cima das casas baixas e dos sobrados, sem falar nos
barracões de madeira que pululavam nas encostas dos morros, cobertos

no

alto de vegetação luxuriante, as famosas florestas tropicais de Porto Rico.
Depois a paisagem foi encoberta pela chuva torrencial de verão que caía
sobre a cidade.

0 avião deu uma volta, diminuindo a altura gradativamente, entrou na

cabeceira da pista, reduziu a velocidade e aterrissou suavemente. Manobrou
em seguida em direção ao prédio do aeroporto. Imediatamente os
passageiros soltaram os cintos de segurança, levantaram-se e começaram a

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reunir os agasalhos e objetos colocados no alto das poltronas.

A primeira impressão que Miranda teve de San Juan foi o ar quente,

úmido, com cheiro forte de maresia; depois, as gargalhadas sonoras dos
porto-riquenhos que recebiam os amigos e parentes no aeroporto; e, por
ultimo, a sonoridade graciosa e suave da língua espanhola falada pelas
pessoas à sua volta.

No saguão do aeroporto, ao lado de Mary Mowat, Miranda observou

com interesse os encontros de parentes e conhecidos. Moças morenas de
cabelos negros, vestidas na última moda, às vezes com costumes estranhos e
coloridos, eram abraçadas e beijadas por mulheres de bustos opulentos, e
que não se vestiam com tanto gosto quanto as gerações mais jovens. Avistou
também rapazes de ombros largos, cabelos brilhantes e ondulados, de pele
morena e feições tipicamente espanholas. Alguns carregavam os violões na
mão ou a tiracolo. 0 violão, por sinal, parecia ser o símbolo social do seu
dono. Em dado momento, um dos rapazes começou a dedilhar o instrumento
e a cantar uma música em espanhol, enquanto a família e os conhecidos
aplaudiam alegremente.

O branco era a cor predominante dos turistas americanos que

desceram de um avião procedente de Nova Iorque, e que iam passar as
férias nas ilhas do Caribe. Calças brancas, casacos brancos, camisetas;
brancas com cores vistosas, malas brancas, sapatos brancos.

Uma das malas de Miranda chegou na esteira rolante e foi retirada por

Harry Walton.

— Pronto! — disse ele jovialmente. — Chegamos. Agora vamos tomar o

ônibus que vai nos levar ao navio. Você não precisa de mais nada?

— Muito obrigada. Está tudo bem — disse Miranda com um sorriso;

Mary lhe deu um beijo de despedida.

— Foi um prazer viajar com você, Miranda. Quando você for a Granada,

não deixe de visitar Laura Bolton. Tome cuidado com os porto-riquenhos e
não se perca! — acrescentou Mary com um risinho.

Depois que os conhecidos de viagem se despediram, Miranda sentiu-se

repentinamente desamparada no grande saguão do aeroporto! Douglas não
chegara ainda, nem mandara uma pessoa esperá-la. Ela aguardou que sua
outra mala descesse do avião para retirá-la na esteira rolante. A maior
parte dos passageiros já tinha saído do aeroporto, indo em direção aos

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pontos de táxi ou de ônibus. Miranda apanhou a segunda mala e procurou
localizar o balcão de informações. Após olhar em toda a volta, encontrou-o
finalmente num canto do saguão. Ao chegar lá, suava em bicas, porque não
estava acostumada a fazer força num calor daqueles. Adoraria tomar um
refresco bem gelado, de preferência verde, com pedrinhas de gelo, que
beberia lentamente pelo canudinho.

O rapaz que a atendeu no balcão falava inglês com pronúncia ame-

ricana, mas era extremamente simpático. Sim, ele tinha um recado para ela
de Douglas Ingram. Ele não pudera, infelizmente, ir espera-la no aeroporto.
Ela devia por isso tomar um táxi para o cais e indagar o armazém em que
estava ancorado o iate Sea Quest. Não teria nenhuma dificuldade em
encontrar o belo iate azul e branco de propriedade da Transmarine.

Preocupada com a dificuldade de expressar-se em espanhol e dar sua

direção ao motorista do táxi, Miranda despediu-se distraidamente do rapaz
e, ao voltar-se, pisou sem querer no pé de alguém que estava atrás.

— Ah, desculpe, eu não o vi! — exclamou sem jeito.
Ao voltar a cabeça, viu um homem de óculos escuros. O rosto era fino,

viril, bronzeado. A boca bem feita, ligeiramente entreaberta com um sorriso
enigmático.

— Não foi nada.
A pronúncia era inglesa, impecável por sinal. Vestia jeans e uma

jaqueta esporte.

Miranda olhou sem jeito para os óculos escuros, na esperança de que o

rapaz os retirasse do rosto.

— Você está vindo de Londres?
Foi então que ela percebeu alguma coisa diferente na pronúncia dele,

uma maneira arrastada de falar que era evidentemente da América Central.

— Sim, eu cheguei de Londres neste minuto.
Ligeiramente confusa por ser abordada por um estranho com tanta

familiaridade, afastou-se um passo e preparou-se para apanhar suas
bagagens.

— Pode deixar — disse o rapaz e, antes que ela pudesse recusar,

inclinou-se e apanhou a mala mais pesada no chão. Na outra mão ele levava
uma maleta com várias etiquetas coladas, lembranças das muitas viagens que
fizera pelo mundo.

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— Vou chamar um carregador — disse Miranda.
— Estão todos ocupados. Para onde você vai?
— Vou para o porto.
— Que coincidência! Eu vou na mesma direção. Vamos juntos, então.
Ao vê-la hesitar com desconfiança, o rapaz sorriu educadamente, com

charme, mostrando os dentes muito brancos e bem tratados.

— Eu não vou assaltá-la. O que você leva nesta mala tão pesada? A pia

da cozinha?

Tranqüilizada pela cordialidade do sorriso e pela expressão divertida

sobre pia de cozinha, Miranda retribuiu o sorriso, apanhou a outra mala e
seguiu-o em direção à porta. Apesar da indolência aparente, o rapaz de
óculos escuros andava depressa e ela teve dificuldade em acompanha-lo

— São as fitas de gravar que estão pesando — explicou Miranda.
— Fitas de gravar? indagou o rapaz com curiosidade, levantando as

sobrancelhas.

— Hummm. Meu chefe pediu que trouxesse as fitas gravadas.
— Você vai encontrá-lo no porto?
— Vamos fazer uma excursão pelas ilhas do Caribe.
— Não brinca! E a mulher dele? Não sabe de nada?
— Ela também vai. É uma viagem de negócio e não o que você está

imaginando.

O rapaz limitou-se a sorrir, enquanto passavam pelas portas auto-

máticas e respiraram o ar úmido do dia. Imediatamente um táxi adiantou-se
e parou na calçada. O rapaz disse alguma coisa em espanhol ao motorista,
que balançou a mão e sorriu. Depois de guardarem as bagagens no porta-
malas, o rapaz de óculos escuros segurou a porta para Miranda entrar.

— Por favor.
— Muito obrigada.
— Não tem de quê. Vou aproveitar o seu táxi já que vamos na mesma

direção.

O rapaz sentou-se ao lado dela e bateu a porta. O carro arrancou

velozmente e, pouco depois, afastou-se do aeroporto, tomando uma rua
arborizada. A chuva passara e o sol voltou a brilhar de forma ofuscante.

Miranda abriu a bolsa e procurou os óculos escuros que trouxera. Ao

retirá-los, a carta de Douglas caiu e seu companheiro inclinou-se para

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apanhá-la. Leu o nome e o endereço no envelope antes de devolvê-la.

— Miranda Benson é você?
— Sou — respondeu ela com reserva, guardando a carta na bolsa.

Talvez agora o rapaz lhe dissesse seu nome, pensou

— Miranda — repetiu o rapaz lentamente. — Que nome estranhamente

romântico para uma moça inglesa! Ou você é a Miranda da peça de
Shakespeare, a moça apaixonada e inocente?

Miranda fitou-o em silêncio, intrigada com suas palavras, e viu um

sorriso irônico surgir nos lábios bem feitos.

— Olhando para você, sentada aí, séria e calada, eu diria que seu nome

é Jane ou Ann, algum nome bem comum, porque você não parece
absolutamente romântica. . . Pelo contrário, parece cheia de bom senso, eu
diria que adora as coisas práticas da vida.

Mais embaraçada do que nunca pelo que ouvira, Miranda achou um

refúgio nos óculos escuros, e examinou detidamente seu companheiro.

No primeiro instante, no saguão do aeroporto, ao vê-lo de camisa

esporte e jeans, pensou que ele fosse quase da sua idade. Agora, no

entanto, notou que era mais velho e que devia ter uns trinta anos pelo

menos.

Havia também uma elegância sofisticada no seu traje que não era

imediatamente visível. Ele estava de gravata por baixo da jaqueta azul
desbotada. A camisa, porém, estava aberta no pescoço e o nó da gravata
ligeiramente solto, devido ao calor excessivo. Mas tanto a camisa quanto a
gravata eram de excelente qualidade e bom gosto. Os cabelos compridos,
bem aparados, estavam escovados e bem tratados. Eram castanho-escuros,
com um ligeiro tom avermelhado, que lembrava a cor da casca da nogueira. O
rosto anguloso criava uma imagem que não se podia esquecer facilmente.
Miranda gostaria de ver seus olhos. De que cor seriam? Era muito mais fácil
julgar uma pessoa quando se via a expressão do olhar.

— Então, está satisfeita? — perguntou o rapaz de repente e ela levou

um susto.

— Satisfeita com quê? — indagou, dirigindo o olhar para a boca, onde

devia haver algum indício do seu caráter. Era firme e sensível, mas os lábios
entreabriam-se facilmente num sorriso, quando falava.

— Comigo. Você estava me examinando, como a outra Miranda da peça

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observou Ferdinando quando ele naufragou na ilha. Ela pensou que o rapaz
fosse uma alma do outro mundo, até que seu pai a tranqüilizou dizendo que
Ferdinando era uma criatura humana como as outras. Eu posso dizer o
mesmo de mim. Eu também sou uma criatura como as outras. Você não
precisa ter receio. Eu não pretendo seqüestrá-la nem seduzi-la. Estou
simplesmente lhe oferecendo uma amostra da hospitalidade dos moradores
desta ilha.

— Ah, é? Você mora aqui?
— No momento não, mas nasci e fui criado numa das ilhas Windward.
Isso explicava a pronúncia dele, pensou Miranda. O arquipélago

Windward era colônia britânica.

O táxi corria muito, sem consideração pelos dois passageiros. Ca-

sebres de madeira passavam à toda na paisagem ensolarada, entre uma
profusão de bandeiras, palmeiras e árvores, esguias, com flores amarelas e
lilases. Aqui e ali, ao lado da estrada, carros velhos estavam estacionados na
calçada, exibindo uma variedade enorme de mercadorias.

— O que eles estão fazendo? — perguntou Miranda.
— São feirantes. Vendem laranjas, verduras, legumes, saquinhos de

gelo, caranguejos, barracas de sol, rede, cestos de vime e água de coco, a
melhor bebida para matar a sede.

Logo depois chegaram a um trevo onde diversas avenidas se encon-

travam e o movimento dos veículos era fantástico. Não havia sinais nas
esquinas e o motorista do táxi aproveitou a oportunidade para avançar, o
que provocou uma violenta buzinada do outro carro que vinha à esquerda. O
homem do outro carro aproximou-se do táxi, com a janela aberta e proferiu
uma série de desaforos para o motorista. Este, por sua vez, respondeu na
mesma moeda. Assombradas com o comportamento desinibido dos
motoristas porto-riquenhos, Miranda voltou-se surpresa para seu
companheiro. Ele estava observando a discussão com um sorriso enigmático
no canto dos lábios.

— Eu pedi ao motorista para fazer esse caminho para você conhecer

alguns bairros residenciais da cidade. Infelizmente San Juan foi
completamente estragada pelos edifícios e prédios de apartamentos. Na
década de 40, o governador decidiu atrair turistas para a ilha. Uma grande
campanha de publicidade foi organizada, incentivando a

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construção de hotéis de luxo. O movimento de turistas aumentou con-

sideravelmente. Os hotéis não davam conta. Depois veio uma onda de
depressão. Como você pode ver, muitos hotéis estão fechados e outros
foram adaptados para outras finalidades.

— É por isso que a Transmarine não constrói mais aqui — observou

Miranda pensativamente, admirando as grandes mansões de estilo colonial
espanhol que desfilavam pela janela do táxi. Tinham sacadas com grades de
ferro e varandas cobertas de flores vermelhas, que deviam ser buganvílias.

— A Transmarine? — perguntou o rapaz, virando a cabeça na sua

direção. — Eu li esse endereço na sua carta. O que uma moça

tão simpática como você faz com esse bando de vigaristas?
Ligeiramente insultada com o comentário maldoso, Miranda respondeu

friamente:

— Eu trabalho para eles. Era datilografa no escritório em Londres,

mas uma secretária ficou doente e eu fiquei no lugar dela.

— Como se chama o chefe que você vai encontrar no porto?
— Douglas Ingram. Ele é o encarregado da compra de terras na

América Central. É um homem muito inteligente e já realizou excelentes
negócios. Nós vamos fazer uma excursão de iate com a família que possui
terras em Tortuga, além de conhecer alguns hotéis e estações de veraneio
construídos pela Transmarine.

— Qual é a finalidade dessa excursão?
— Reunir os parentes para discutir o assunto de uma forma amigável.

O parente mais difícil da família é um rapaz boa-vida que não tem interesse
nenhum pelas terras, embora seja dono de uma boa parte. É uma pena,
porque o local podia ser aproveitado para um grande centro balneário, além
de oferecer trabalho e muitas outras vantagens para os moradores da ilha.

— Você conheceu algum membro da família?
— Já. . . o que está disposto a vender as terras. Ele foi ao nosso

escritório em Londres no ano passado. Ele é totalmente favorável ao projeto
da Transmarine.

— Eu faço idéia — comentou misteriosamente o rapaz de óculos
escuros.
Miranda notou que algumas das casas por onde passavam eram enormes

e extremamente luxuosas. Tinham gramados na frente que se pareciam com

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campos de golfe, árvores centenárias no jardim, além de uma variedade de
flores em canteiros e vasos. Do outro lado da avenida estava o mar,
ofuscante sob o sol forte da tarde. As ondas quebravam na praia e
formavam uma cortina de espuma.

O táxi entrou numa rua de grande movimento. Havia prédios enormes,

inteiramente brancos. Muitos tinham influência da arquitetura espanhola e
exibiam arcos elegantes, no estilo mourisco, e sacadas com grades de ferro
rendilhadas. De repente, à direita, ela avistou uma construção de pedras
escuras, que brilhavam à luz dourada do sol. A torre era redonda e os muros
de largas dimensões.

— O que é aquilo? — perguntou, deslumbrada com a construção
antiga.
— É o forte de São Jerônimo. Uma das fortificações construídas pelos

espanhóis para defender o porto dos piratas ingleses e franceses. San Juan
é muito antiga, segundo os padrões do Novo Mundo. Tem quatrocentos e
cinqüenta anos. — Fez uma pausa e perguntou: — O que você vai fazer nessa
excursão?

— Tomar notas, bater cartas a máquina e ajudar a sra. Zelda. mulher

de Douglas, a receber os convidados.

— inclusive o tal rapaz boa-vida que não está disposto a vender a parte

dele?

— Eu não saberia convencê-lo pessoalmente, mas não creio que meu

chefe vá empregar métodos desonestos.

— Você tem certeza?
— Absoluta. Ele vai se limitar a apontar as vantagens da venda.
— Você já se hospedou alguma vez num hotel da Transmarine?
— Não, nunca.
— Nesse caso, como você pode ter uma idéia correta? E você já pensou

alguma vez no problema dos moradores? Eles sofrem com

a invasão das companhias estrangeiras e não podem desenvolver as

cidades a seu gosto.

— Mas eles se beneficiam também, graças aos empregos e ao conforto

que desfrutam!

— Sim, mas é aí exatamente que começam os problemas... Olhe,

estamos passando pela cidade velha agora. Aqui você pode ver algumas obras

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realmente belas. Algumas estão sendo restauradas. . .

O táxi atravessou uma rua estreita e Miranda avistou as mansões de

muros altos, construídas no passado por fidalgos espanhóis. Janelas altas e
graciosas davam para pequenos balcões protegidos com grades de ferro.
Pelos portões lavrados podiam avistar os jardins nos fundos das casas, com
árvores frondosas e fontes antigas.

Em seguida, entraram numa avenida larga que corria ao longo do cais.

Grandes navios estavam ancorados nas docas, os cascos pintados de branco,
com bandeiras coloridas balançando ao vento no alto dos mastros.

O motorista do táxi perguntou qual era o armazém em que desejavam

ficar. Miranda confessou que não sabia e deu o nome do iate onde ia viajar.
O motorista balançou a cabeça e disse alguma coisa em espanhol ao rapaz.
Pouco depois o táxi parou defronte de um prédio antigo, onde outras
pessoas desciam de carros e de ônibus de turismo.

— Deve ser aqui — falou o rapaz de óculos escuros. — O motorista

disse que embarcou alguém hoje de manhã no iate que está ancorado neste
armazém.

O rapaz parecia mais distante e reservado. Ela ia despedir-se dele e

nunca mais revê-lo, pensou Miranda. Desceu do táxi e ficou parada na
calçada, aguardando a bagagem ser retirada do porta-malas. O sol estava
muito quente e a transpiração colava a blusa leve no corpo. As pernas
também suavam por causa das meias compridas e ela estava ansiosa para
tirar aquela roupa e dar um mergulho no maravilhoso mar azul.

O homem de óculos escuros pagou a corrida de táxi e chamou um

carregador, que colocou as três malas em um carrinho de mão. Pelo visto,
pensou Miranda, seu companheiro pretendia acompanhá-la até o iate.

Atravessaram o armazém e foram dar no outro lado do cais. Um navio

de passageiros estava atracado bem na frente deles. A escada estava
descida e os passageiros subiam a bordo conversando animadamente. Ao
passarem diante da proa, Miranda leu o nome escrito no alto do casco e
reconheceu o navio de turismo que a sra. Mary e os outros conhecidos de
viagem iam tomar.

Ao acompanhar os passos rápidos do homem de óculos escuros e do

carregador, ela sentiu os primeiros sintomas de cansaço. O dia fora muito
comprido, devido à diferença de horário, e ela estava começando a ficar

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pregada. Na sua frente, os cabelos castanho-avermelhados brilhavam com
tonalidades de cobre. Ele não parecia sentir o calor sufocante do dia e
caminhava rapidamente, conversando em voz baixa com o carregador. Era
muita gentileza dele acompanhá-la até o iate. Muitos homens não fariam
isso.

Estavam bem próximos agora do belo iate azul e branco, ancorado

junto ao navio de turistas, e Miranda avistou com alegria o nome pintado no
casco: Sea Quest. A bandeira vermelha tremulava no alto do mastro.

— Chegamos! — exclamou o homem de óculos escuros, apontando para

a escada. Miranda subiu com uma pequena hesitação; estava em dúvida:
chegara o momento de despedir-se do desconhecido?

— Eu vou subir com você.
No alto da escada, ela viu uma porta dupla de vidro. O braço dele

avançou e abriu um lado da porta. Ela atravessou e entrou numa saleta
ligeiramente escura, com ar condicionado.

Ofuscada ainda pela luz do dia, Miranda levou alguns segundos para

retirar os óculos e acostumar-se com a meia-luz da sala. Não percebeu por
isso que uma moça estava num lado da saleta e ouviu uma voz feminina
exclamar:

— Roger! Que surpresa encontrar você aqui! Fazia um tempão que a

gente não se via. . .

Miranda voltou-se rapidamente e a saia descreveu um círculo em volta

de suas pernas. Os olhos grandes e cinzas estavam perplexos. O rapaz
também tinha retirado os óculos escuros. Os olhos que a fixavam eram de
um verde gelado.

— Pois é, Miranda — disse ele diante de seu olhar intrigado. — Eu sou

o jovem boa-vida que não quer vender as terras. Eu me chamo Roger Gallant
e quero apresentá-la à minha prima, Juanita Gallant de Díaz Delgado, Nita,
Miranda é a secretária do Douglas.



CAPÍTULO II



Miranda permaneceu parada, em silêncio, procurando controlar a raiva

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que ameaçava abalar seu retraimento habitual. Além da raiva

havia o sentimento horrível de decepção, como jamais experimentara

na vida, porque tinha sido enganada deliberadamente pelo rapaz que a
acompanhara do aeroporto. Ocultara sua identidade e a levara a dar com a
língua nos dentes, falando de sua atividade na Transmarine e outros
assuntos a respeito dos quais devia guardar segredo.

— Como vai, Miranda? — disse Juanita, após o primeiro instante de

surpresa. — Fico contente que você tenha chegado sã e salva. Estava
esperando por você. Zelda e Douglas foram à praia de Luquillo. Eles me
pediram para recebê-la e levá-la ao seu beliche quando você chegasse. Que
coincidência, não? Você e Roger chegarem juntos!

Juanita, apesar do seu nome espanhol, falava inglês perfeitamente,

com o sotaque levemente sibilante da América Central. Suas palavras saíam
numa torrente, como se ela tivesse receio de não dizer tudo que desejava
antes que alguém a interrompesse. Aos vinte e três anos, Juanita tinha os
traços inconfundíveis das espanholas: pele clara, cabelos castanhos e olhos
negros. Estava com um vestidinho leve de verão, que deixava os ombros e as
costas descobertos. Era estampado, de cores vivas, que se destacavam na
meia-luz da saleta.

Miranda fez um esforço para sorrir e agradecer-lhe a hospitalidade.
— Você me desculpe ter dado todo esse trabalho. . .
— Não foi incômodo nenhum — interrompeu Juanita voltando-se para o

primo. — Foi um prazer, não é mesmo, Roger? E você, como vai? Fazia um
tempão que a família não se reunia toda .

— Todos? Marnie veio também? Juanita sorriu sem graça.
— Ah, eu me esqueci completamente de Marnie!
— Pois é, a família sempre se esquece de Marnie — disse Roger com

uma leve crítica na voz. — O fato de Marnie não enxergar não é razão para
ficar ausente! Afinal, a venda da casa afeta-a diretamente. Você sabia que
Tom não a consultou a respeito da venda? Aliás, não falou nada comigo
também.

— E como você soube?
Os olhos verdes se voltaram de relance para Miranda.
— Eu soube no caminho. Miranda me contou.
Miranda sentiu-se um trapo. Se houvesse uma parede por perto teria

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batido nela com a cabeça. Esforçou-se para manter a compostura e fingir
que o assunto não era com ela. A verdade porém é que metera os pés pelas
mãos e, antes mesmo de começar o novo trabalho, atrapalhara tudo com sua
indiscrição.

— Mas se você não sabia nada a respeito da excursão, como veio parar

aqui? — insistiu Juanita, disposta a esclarecer o assunto.

— Kit Williams me apresentou a Douglas numa festa em Nova Iorque.

Douglas disse que estava organizando uma excursão pelas ilhas do Caribe,
inclusive Tortuga, e perguntou-me se queria tomar parte. Como não tinha
nenhum programa melhor no momento, aceitei o convite. Eu não sabia porém
que Douglas trabalhava para o Transmarine, nem que estava interessado na
compra de terras. Se soubesse disso, não teria vindo. Faz quanto tempo que
essas negociações começaram, Nita? Você tem idéia?

— Sei apenas que papai foi a Londres no ano passado tratar desse

assunto. Ele visitou diversas financeiras com a intenção de vender a
propriedade. Foi a Transmarine que apresentou a melhor oferta. Logo
depois, no entanto, Douglas descobriu que papai não podia vender sua parte
sem a aprovação dos outros membros da família. Eu suponho que foi por isso
que ele entrou em contato com você.

— Entendo — disse Roger pensativamente. — E ele me fez vir até aqui,

sem abrir o jogo. Por que Tom desejava vender sua parte?

— Ele está meio apertado no momento — disse Juanita sem jeito.—

Não fique com raiva, Roger. Você conhece papai!

— Se conheço! Ramón veio com vocês?
— Veio, é claro! E nós temos muita coisa para conversar com você.

Estamos esperando uma criança para junho. Um sorriso cansado atravessou
o rosto moreno.

— Não diga! — Voltou-se para Miranda, que continuava calada no meio

da saleta. — Olhe, acho melhor você levar Miranda para a cabine. Ela deve
estar morta de cansaço. Não se esqueça de pedir a alguém para apanhar as
malas dela. Onde posso tomar alguma coisa? Estou com a garganta seca. . .

— Há um bar no convés. Este iate é fabuloso, Roger. Tem tudo que

você pode imaginar!

— Só podia ter! — disse Roger com uma expressão sardônica em

direção a Miranda.

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Ele fez meia-volta e subiu os degraus atapetados que levavam ao deck.

Miranda observou-o desaparecer com um sentimento de alívio e de
frustração.

— Você deve estar exausta — disse Juanita. — Sei como a gente se

sente depois de uma viagem dessas. Eu estudei na Inglaterra. Por aqui —
disse, apontando o caminho. — Sua cabine fica bem perto da nossa. Meu
irmão vai trazer as malas. Se eu fosse você tomaria um banho de chuveiro e
depois deitaria um pouco até o fim da tarde. Quando os outros voltarem de
Luquillo, vamos jantar fora e depois iremos todos a uma boate dançar
flamenco. Ramón

;

meu marido, é

porto-riquenho. A família dele dirige a destilaria Gallant — eles são

muito conhecidos na indústria do rum. Espero que Roger venha conosco até a
boate. Foi lá que ele escreveu a música Estrelas sobre o Mar. Você sabia que
ele é compositor de música popular?

Juanita parou de falar, ofegante, após descer outro lance de escada.

O corredor onde estavam atravessava o iate de uma ponta a outra.

— Sim, eu sei — disse Miranda com a voz nervosa.
Juanita voltou-se para ela.
— O que foi, Miranda? Roger foi indelicado com você? Ele estava com

raiva. Ele não costuma irritar-se desse jeito. Ele não é como eu. Quando eu
fico com raiva, é um deus-nos-acuda! — Juanita deu uma gargalhada. —
Espero que Roger não dê o fora antes de resolver o negócio. Meu pai vem
tentando conversar com ele há um tempão, mas Roger nunca responde às
cartas. Ele é muito independente e odeia tudo que se refere a negócios. Ele
só gosta de música. Daí estar sempre no mundo da lua, o que é muito
irritante para o resto da família. Por aqui.

Miranda seguiu-a por uma passagem estreita, repentinamente preo-

cupada com seu futuro.

— Eu também gostaria que ele não fosse embora. No fundo, foi por

culpa minha que ele descobriu o motivo do convite. Se ele sair do iate antes
de Douglas chegar, eu vou ficar em maus lençóis. Seu primo me encontrou no
aeroporto e me ofereceu uma carona até aqui. Durante o trajeto, eu contei
que Douglas organizara essa excursão de iate para reunir a família e
discutir a venda das terras. Mas eu não sabia quem ele era. Ele não se
apresentou!

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Juanita parou diante de uma pequena porta e voltou-se para Miranda.
— Você podia reconhecê-lo pelos retratos que saem nas revistas. Se

bem que, com aquela roupa esporte e óculos escuros, Roger estava
irreconhecível. Aliás, é por isso que ele se veste desse jeito!

— Eu nunca vi um retrato dele antes. E só ouvi falar nele e na sua

música anteontem.

— Ah, é? Roger vai gostar de saber disso. Ele é muito original e odeia a

publicidade que fazem do seu nome. É provável, inclusive, que ele não vá
conosco à boate, onde é muito conhecido. O que pode acontecer se Roger
der o fora antes de Douglas voltar?

— Bem, eu posso perder meu emprego. . .
— Ah, não se preocupe com isso, querida — disse Juanita apertando

seu braço com simpatia. — Eu vou dar um jeito. Olhe, esse é seu beliche.

Juanita abriu a porta e as duas entraram numa cabine pequena e bem

arrumada com duas camas beliche, um guarda-roupa embutido e um
banheirinho minúsculo com pia e chuveiro. A luz entrava por duas vigias com
cortininhas brancas.

— Ramón e eu estamos duas portas adiante. É muito gostoso, você não

acha? Tem inclusive um radinho de cabeceira.

— É uma delícia. Muito obrigada, Juanita, por ter me acompanhado.
— Me chame de Nita, está bem? — propôs Juanita com uma risada. —

Juanita é um nome muito comprido. Embora eu me pareça com minha mãe,
que é porto-riquenha, fui educada na Inglaterra e sou sobretudo a filha de
Thomas Gallant.

— Você é filha de Aurora? — exclamou Miranda atônita, ao lembrar-se

da mulher magérrima, de cabelos platinados, que visitara o escritório da
Transmarine em Londres.

— Não, Aurora é minha madrasta. Ela tem apenas seis anos mais que

eu. Papai a conheceu em Miami. Ela cantava numa boate com um conjunto de
jazz. Quando ela conheceu Roger, ficou vidrada por ele, mas Roger não se
interessou muito naquela ocasião, por isso ela acabou agarrando meu pai. —
Juanita deu uma gargalhada. — Eu sei que falo demais e que você está
cansada de ouvir todas essas fofocas da família Gallant. Vou procurar
Carlos, meu irmão. Ele estuda nos Estados Unidos e tem o apelido de Chuck.
Ele vai trazer suas malas.

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Julia n° 02

Livros Florzinha

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Juanita saiu e a cabine ficou repentinamente silenciosa sem a sua

presença vibrante.

Com um suspiro de cansaço, Miranda caiu em cima da cama e tirou os

sapatos de salto alto. Estava com os pés ligeiramente inchados. Ao mirar-se
no espelho, ficou surpresa ao notar que não estava com má aparência apesar
do calor e da fadiga que sentia. O vestido não tinha dobras e o penteado
estava decente. Mas havia vestígios de cansaço em seu rosto.

Miranda tirou as meias compridas e lembrou-se das pernas morenas de

Juanita no vestido leve de verão. Juanita era um amor e quase da sua idade,
pensou com um suspiro. A amizade e a simpatia dela levaram-na a esquecer
durante alguns instantes a raiva que sentira de Roger.

Por que ela dera com a língua nos dentes? Uma secretária que se preza

não comenta os segredos do seu chefe!

Mas Roger tinha sido tão simpático no táxi! Isso, porém, não era

desculpa para ter se aberto daquele jeito. . .

Ao recordar o incidente, refletiu na irritação de Roger ao saber que

fora atraído como um tolo ao iate por Douglas. . . Aliás, ela também não
simpatizava com a atitude de Douglas ao empregar essa tática imprópria. No
carro, havia defendido seu chefe, dizendo que ele jamais usaria um recurso
desonesto. Agora, não sabia mais o que pensar.

Ao ouvir a batida na porta, Miranda levantou-se da cama e atendeu um

rapaz de sua idade. Era alto, musculoso, e estava de short e camisa esporte.
Os cabelos, compridos e castanhos, e os olhos de um tom levemente azulado
e ingênuo. As duas malas no chão, junto dele. O rapaz sorriu e estendeu a
mão enorme.

— Olá, Miranda. Eu sou Chuck. Nita me pediu para trazer suas malas.

Você fez boa viagem?

— Miranda apertou a mão grossa e sorriu com simpatia.
— Foi uma viagem maravilhosa. Muito obrigada por trazer minhas

malas. Você é um amor.

Chuck apanhou as malas e colocou-as no espaço entre o armário e a

poltrona.

— Você vai jantar conosco, Miranda? Todos os outros são casados ou

coroas. Eu estava começando a me arrepender amargamente de ter vindo,
mas com você e Roger a bordo as coisas vão melhorar. Roger anima sempre o

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Julia n° 02

Livros Florzinha

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ambiente, nem que seja brigando com meu pai. Ele é um cara muito legal, se
bem que meio piradão. . . Você sabe nadar?

— Um pouco.
— Ótimo. A gente pode pescar ou descer no fundo do mar de aqualung.

Há todo o equipamento necessário no iate, inclusive um barco de borracha.
— Chuck dirigiu-se à porta e acenou de lá. — A gente se vê mais tarde,
Miranda. Bom descanso.

Novamente sozinha, Miranda abriu as malas e retirou a roupa de

dormir e alguns objetos de uso pessoal. Um bom banho de chuveiro e uma
soneca no beliche com ar condicionado era tudo que queria no momento!

Dormiu profundamente mas, pouco antes de acordar, sonhou que

estava nadando num mar verde e quente que acariciava seu corpo como seda.
No momento seguinte, mergulhou mais fundo e passou pelo meio de
formações de coral como se fosse um peixe. De repente, sem nenhum motivo
aparente, sentiu o desejo desesperado de encontrar uma saída e voltar à
tona, mas alguma coisa a segurava pelo pé. Quanto mais ela lutava para se
libertar, mais forte se tornava o aperto. Olhou para trás e viu algas marrons
flutuando em sua volta, em cima dela. Enquanto observava isso, a massa de
algas se transformou em cabelos castanhos. Alguém estava boiando ao seu
lado com uma máscara de mergulhar, de maneira que não podia enxergar os
olhos nem o rosto. Uma voz murmurou: "Você foi apanhada agora. Você não
pode fugir. Você é o capricho de Gallant, Miranda, o capricho de Gallant,
Miranda, Miranda. . .."

Uma voz repetia seu nome junto ao seu ouvido. Abriu os olhos

sobressaltada e viu alguém debruçado sobre ela. Olhos cinza e cabelos
ondulados. Diamantes cintilando nas orelhas e em volta do pescoço roliço. O
rosto de quem se queimara recentemente no sol. Um sorriso cativante.
Zelda.

— Miranda! Está na hora de acordar. Nós vamos jantar fora e Douglas

gostaria de conversar antes com você.

Miranda sentou-se e esfregou os olhos pesados de sono. Um dos pés

estava preso no lençol, o que lhe dera a impressão no sonho de estar segura
pelo pé. Ela piscou sob a luz forte da lâmpada em cima da mesinha de
cabeceira. Olhou para as vigias. Estava escuro lá fora.

— Que horas são?

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Julia n° 02

Livros Florzinha

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— São sete e meia. Você dormiu bem? Estava muito cansada com a

viagem? Você trouxe algum vestido longo para a noite?

Zelda estava com um vestido preto de tafetá, de mangas compridas e

decote fundo, que a fazia parecer mais esbelta do que era na realidade.

— Eu trouxe uma saia comprida e uma blusa de babadinho.
— Está ótimo. Vista-se depressa e vá até a sala de Douglas. Leve as

fitas gravadas e a correspondência que você trouxe. Ele não vai prendê-la
muito tempo. . . É só para você ter uma idéia das pessoas que estão a bordo.
Vamos fazer uma viagem maravilhosa. Imagine só, dançarinos flamencos à
noite, e não estamos na Espanha!

Depois que Zelda saiu, Miranda vestiu-se rapidamente, escovou os

cabelos e passou uma maquilagem leve. Apanhou as fitas e as cartas que
estavam na mala e dirigiu-se à saleta que Douglas transformara em
escritório.

Alto e simpático, Douglas estava muito bonito no dinner-jacket de

verão, de camisa branca e gravata preta. A roupa a rigor acentuava 0 corpo
atlético e os cabelos grisalhos. O dia ao sol dera ao rosto uma tonalidade
saudável que se harmonizava com o brilho dos olhos cinza c o fazia parecer
mais moço.

— Muito prazer em revê-la, Miranda. Ponha as fitas ali em cima. Foi

uma pena não estar no aeroporto quando você chegou com Roger. Eu pensei
que ele vinha num outro vôo. Mas não há de ser nada. . . eu sei que vocês já
conversaram sobre os motivos de nossa viagem. . .

Durante o silêncio pesado que se seguiu, os olhos cinza a observaram

com frieza. Miranda engoliu em seco e respondeu em voz baixa:

— Ele ficou furioso.
— Eu soube. Bem, de qualquer maneira foi melhor esclarecer tudo de

uma vez. Ele estava muito à vontade no bar quando eu cheguei e, pelo jeito,
parecia muito satisfeito de ter encontrado Aurora aqui. Por isso está tudo
bem. Mas eu gostaria que você tomasse mais cuidado no futuro com o que
dissesse aos membros da família Gallant. Eles precisam ser tratados com
muita diplomacia.

— Eu entendo. Desculpe o que aconteceu.
— Não foi nada. Afinal, você não tem culpa. Você não o conhecia. Aliás,

é bem possível que possamos tirar proveito de sua pequena gafe.

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— Em que sentido?
— Pela rápida conversa que troquei com Roger, notei que ele sim-

patizou muito com você. Gostaria que você aproveitasse esse sentimento, o
encorajasse, em suma, para facilitar nossa tarefa, que consiste em
persuadi-lo a vender sua propriedade em Tortuga. — Douglas fez uma pausa,
como se refletisse; depois continuou em voz baixa: — Roger é um homem
difícil, como descobri em Nova Iorque. Se eu tivesse aberto as cartas no
início, ele teria dado o fora e não aceitaria tomar parte na excursão.
Entretanto, é possível que ele seja mais cordato sob á influência de uma
mulher. . . Agora que o temos aqui, com o resto da família, vamos fazer
pressão para aceitar nossa proposta.

Embora estivesse relutante com a parte que lhe cabia no plano, Mi-

randa respondeu obedientemente:

— Entendi. Não seria bom eu ter maiores informações sobre o

negócio? Para falar a verdade, eu não sei como a situação se apresenta
realmente.

— Perfeitamente. É melhor você saber em que pé estão as coisas para

não cometer mais nenhuma gafe nesse sentido. Segundo Thomas Gallant, que
é um belo patife, Tortuga tem uma história muito interessante. Ela foi
colonizada originalmente por uma família espanhola que se chamava Tortuga.
Mais tarde, um pirata de Devon, na Inglaterra, chamado Richard Gallant,
descobriu a ilha. Ficou encantado com a paisagem tropical e com a bela filha
da família espanhola. Saqueou a povoação, matou os membros da família,
casou-se com a moça e batizou a ilha com o nome curioso de Gallant’s Fancy,
que quer dizer Capricho de Gallant.

Miranda ouviu a história com atenção, lembrando-se do sonho que

tivera. Douglas percebeu sua curiosidade.

— O que foi? Você conhecia essa história?
— Não, não conhecia. Mas fiquei muito intrigada com esse nome

estranho.

— Bem, para encurtar a conversa, anos mais tarde a ilha voltou a ter o

nome espanhol e o nome Gaílant's Fancy foi dado à terra possuída pelo filho
mais velho do pirata, enquanto o nome Gallant’s Folly à propriedade do filho
mais moço. Pois bem, segundo um velho contrato, que ainda está em vigor,
nenhuma das partes pode ser vendida sem a outra. Como você sabe, Thomas

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Julia n° 02

Livros Florzinha

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é o dono de Gallant’s Folly e Roger é o proprietário de Gallanfs Fancy. A
residência deste ultimo, por sinal, está construída num local excelente, à
beira-mar. Serviria perfeitamente de sede para nosso centro de lazer.

— A casa continua habitada até hoje — observou Miranda.
— Ah, sim? Como você sabe?
— Pela conversa que ouvi entre Roger e Juanita. Ele mencionou uma

parenta chamada Marnie, que deveria estar aqui para tomar parte na
discussão.

— Ah, estou vendo que você presta atenção às conversas e ouve coisas

que poderão nos ser úteis! Descubra mais alguma coisa a respeito dessa tal
de Marnie. E não se esqueça do que lhe disse: muita diplomacia com as
pessoas da família Gallant!

— Pois não. Vou fazer o possível.
— Eu conto com você. Foi por isso que sugeri seu nome para me ajudar

neste caso.

A noite estava deslumbrante e o céu coberto de estrelas. No porto, os

navios de passageiros estavam feericamente iluminados e as luzes se
refletiam na água escura do cais, como estrelas no mar. O ar estava quente
e recendia o perfume de muitos arbustos em flor.

A atmosfera parecia estar carregada de magia e Miranda sentiu-se

excitada e eufórica enquanto caminhava com os outros pela velha cidade de
San Juan.

A rua era estreita e ladeada por casas de muros altos. Pelas portas

abertas dos bares podia enxergar as salas iluminadas, as prateleiras
repletas de garrafas e os homens de bigodes que conversavam em pé no
balcão, aos acordes do imprescindível violão.

Atravessaram uma rua cheia de lojas e apínhada de carros grandes, em

marcha lenta no meio do trânsito intenso. Os automóveis, por sua vez,
lotados; as pessoas aproveitavam a bela noite para fazer seus programas.

O restaurante que Douglas escolhera era gostoso e acolhedor. A

decoração, inteiramente espanhola: paredes revestidas de madeira escura,
teto baixo, corrimãos rendilhados de ferro. O proprietário, um homem
simpático, de temo cinza e colete preto de veludo, recebeu-os na porta e
conduziu-os às mesas reservadas com antecedência.

Miranda sentou-se ao lado de Juanita, Ramón e Chuck. Na mesa

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vizinha, Douglas, Thomas e Aurora, que estava com um vestido de lamê
prateado e parecia um modelo de moda, brilhante e etérea na meia-luz da
sala. Roger estava sentado ao lado dela, mas um Roger diferente do rapaz
simpático e esportivo de blue-jeans que Miranda conhecera no aeroporto.
Agora, parecia um homem requintado, muito elegante no terno creme de
verão, de camisa preta e gravata azul. Para Miranda, ele parecia alguém
inabordável como um astro de cinema, e sentiu-se ligeiramente angustiada
diante da tarefa que recebera de Douglas. Como podia despertar o
interesse de alguém como Roger Gallant? Bastava ele entrar numa sala para
as mulheres arregalarem os olhos na sua direção...

Ramón, o marido de Juanita, era uma simpatia: pequeno e esguio, de

olhos bem pretos, tinha um sorriso irresistível por baixo do bigode espesso.
Adorava as festas e jantares, confessou a Miranda, e estava decidido a
aproveitar ao máximo a excursão de iate.

— Porto Rico é o centro da culinária das Antilhas — disse Ramón com

orgulho. — Nossa cozinha é internacional, graças aos navios espanhóis que
navegavam por essas águas no passado. Nenhum deles atracava no porto sem
trazer alguma planta ou especiaria de outra parte do império. É por isso que
temos de tudo. . . Laranjas da Espanha, bananas da África, abacaxis das
ilhas do Pacífico, cana-de-açúcar da índia. . .

Por sugestão de Ramón, Miranda provou a lagosta com molho de tomate

e maionese. A sobremesa foi pudim de ovos com licor. O vinho era branco,
muito leve, e a conversa estava muito animadas na sua mesa. Enquanto
jantavam, os músicos do restaurante tocavam e cantavam canções
espanholas e algumas músicas mais conhecidas da América do Sul.

Depois do jantar, foram a pé para a boate. Instalada no fundo do

corredor de antigo prédio a boate se parecia por fora com os outros bares
que Miranda vira da calçada a caminho do restaurante. Entretanto, no fundo
do bar havia uma cortina vermelha que se comunicava com uma sala grande e
espaçosa. As paredes brancas

e uma série de arcadas acentuavam a atmosfera espanhola. A luz
que vinha das velas acesas em cima das mesas e dos refletores que

acompanhavam os passos do dançarino na pista de dança.

Miranda observou atentamente o dançarino espanhol que sapateava no

tablado. Indumentária característica: calça colante, camisa preta e chapéu

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de abas largas. A dança tinha um efeito hipnótico e ela não conseguia
afastar os olhos do homem. Numa breve pausa da dança, seu olhar rodou em
volta, à procura de Roger. Como ele se sentia na boate onde descrevera a
música que o tornara famoso?

Roger estava sentado perto dali, reclinado indolentemente na cadeira.

Tinha os olhos voltados para ela. A vela clareava o rosto bem feito e
Miranda tinha a impressão de que duas chamas brilhavam nos olhos escuros.

Ela corou levemente ao encontrar o olhar insistente. A atmosfera da

boate parecia abafada, a despeito do ar condicionado estar ligado. Os sons
obsessivos do violão e o sapateado do dançarino mexiam com o sangue e
aumentavam a pulsação. Ela estava agudamente consciente de tudo em volta:
do cheiro forte de fumo que se misturava com o perfume das mulheres; do
brilho sensual das peles bi ancas e morenas em contraste com os tecidos
acetinados dos vestidos; dos desejos primitivos que se manifestavam nos
olhares e nas figuras tensas dos homens. Acima de tudo, porém, estava
consciente da curva atraente da boca que sorria para ela.

Um movimento brusco quebrou o encanto do momento. Um homem

aproximou-se de Roger e murmurou alguma coisa no seu ouvido. Com o
coração batendo, Miranda voltou sua atenção novamente para o dançarino.
Era mais seguro observar os pés que sapateavam no tablado do que aquele
rosto enigmático.

O que acontecera com ela? Quem era esta moça cujo coração batia

alucinadamente e cujas faces estavam quentes, pegando fogo, unicamente
porque um homem, que mal conhecia, a fitava com um sorriso no canto dos
lábios?

Talvez fosse o local, o som vibrante do violão, a chama das velas,
o martelar obsessivo dos saltos do sapato num ritmo alucinante — e o

sentido da paixão latente nos olhares, nos gestos das pessoas. Todas essas
impressões excitavam a moça que fora educada pela tia no clima frio e
reservado de uma cidade do interior.

Sentiu repentinamente saudade da tia, do tipo de vida simples que

levava lá. A garganta estava seca e ela apanhou instintivamente o copo alto
na sua frente. Era bonito, facetado e, quando provou a bebida, o gelo que
boiava na superfície entorpeceu seus lábios.

A dança terminou repentinamente. Aplausos vibrantes ecoaram pela

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sala. O dançarino agradeceu diversas vezes, com um movimento brusco do
tronco. Miranda bebeu mais um gole da deliciosa batida de fruta e tornou a
olhar, com o canto dos olhos, para a mesa vizinha.

Levou um susto. A cadeira dele estava vazia. Como também a cadeira

ao lado, onde Aurora estava sentada até aquele momento. Os dois tinham
saído enquanto o dançarino recebia os aplausos e ninguém percebera.

Thomas, por sinal, só deu por falta da mulher quando voltaram pelas

ruas estreitas, onde vultos sombrios estavam debruçados nos balcões das
casas ou namorando nas escadas cobertas.

— Papai está uma fera! — exclamou Chuck.
Lá de trás vinha o vozeirão de Thomas, que xingava o primo de todos

os nomes por ter roubado sua mulher.

— Vamos manter distância dele — disse Juanita, afastando-se

depressa e puxando Miranda pelo braço. — Ah, como eu me envergonho
quando ele se comporta desse jeito na frente dos outros! Roger também
tem culpa. Ele sabia que Aurora estava louca para dar o fora e fez isso só
para irritar papai. Você vai pensar que nós somos uma família insuportável,
Miranda. Mas nem todos são assim. Chuck, Marnie e eu somos bem
comportados. São só esses dois que se comportam como piratas, que se
assaltam um ao outro o tempo todo. Bandidos, os dois!

As duas correram de mãos dadas pela rua, e os saltos das sandálias

faziam barulho na calçada irregular.

— Assalto? Quem foi assaltado dessa vez? — perguntou Ramón,

correndo atrás delas e passando o braço na cintura de Juanita.

— Estava falando com Miranda sobre papai e Roger. Eles se parecem

com nossos antepassados, os filhos do pirata que moravam em Tortuga.

— O que eles roubaram desta vez? — perguntou Chuck, que estava ao

lado de Miranda.

— Desta vez foi Aurora — disse Juanita. — Antes foi Josefina.
— Ei, não estou entendendo mais nada! Quem é Josefina?
— Uma empregadinha que papai tinha em Tortuga. Marnie disse. . .
— O que foi que Marnie disse? — insistiu Chuck.
— Ah, não foi nada. Deixa para lá. Ela pode ter se enganado —

murmurou Juanita. Voltou-se para Miranda e acrescentou com uma outra
inflexão de voz: — Esse é o portão da capela de Cristo Redentor. Não é

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lindo?

O fim da rua estava fechado ao tráfego de veículos por uma corrente

pendurada entre dois postes. Do outro lado estava uma torre iluminada com
uma porta em forma de arco. O interior da torre era caiado de branco e, no
fundo, havia um outro arco e um portão rendilhado de ferro. No alto da
torre havia um suporte de pedra onde estava pendurado o sino. A
construção estava totalmente iluminada por holofotes colocados em toda a
volta e por lanternas antigas penduradas nas paredes internas. Sob a luz
forte dos holofotes, as pedras do portão tinham um brilho feérico, como
deviam brilhar as portas do paraíso.

Eles atravessaram o portão e entraram numa rua escura que levava ao

porto.

— Quem é Marnie? — perguntou Miranda a Chuck, enquanto pensava

consigo mesma o que Joe diria se a visse andando de madrugada pelas ruas
de San Juan, de braço dado com um rapaz que mal conhecia.

— Marnie é a irmã de Roger. Você vai conhecê-la quando formos a

Tortuga. Ela mora na casa conhecida como Gallant’s Fancy. Vive sozinha e é
cega.

Um navio de turistas estava zarpando. Os motores possantes

levantavam uma cortina de espuma na altura da hélice. Os passageiros
acenavam do convés, despedindo-se de San Juan e dos conhecidos reunidos
no cais, com destino a uma excursão em torno das ilhas.

— Também vamos partir amanhã cedo — disse Chuck ao subir a

prancha em direção ao iate. — Ouvi Douglas dizer que vamos almoçar
amanhã em São Tomás.

Enquanto os outros se sentavam nas espreguiçadeiras do convés, para

gozar o ar fresco da noite, Miranda despediu-se de todos e dirigiu-se ao seu
beliche. Estava morta de cansaço; as costas doíam e os olhos ardiam.

Imediatamente Chuck levantou-se e ofereceu-se para acompanha-la.
— Você ainda não está acostumada com nosso ritmo — disse com um

sorriso. — Dentro de alguns dias você estará em forma.

Naquele momento, os dois ouviram a gritaria de Thomas na outra

extremidade do corredor. Ele fora diretamente para a cabine e ficara
surpreso ao encontrar Aurora à sua espera.

— Como eu podia saber para onde você tinha ido? — berrou Thomas. —

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Eu me voltei para lhe dizer alguma coisa e vi a cadeira vazia.

Está bom, não

vamos brigar por causa disso, mas você podia ter me avisado!

A porta bateu com força e a voz tornou-se um murmúrio abafado.

Dessa vez o sorriso no rosto de Chuck revelava um certo embaraço.

— Papai não é sempre assim. Ele se sente um pouco inseguro quando

Roger está perto. Aurora é mais moça que ele. Roger se aproveita disso e
usa seu charme. Bem, boa-noite, Miranda. Se tudo correr bem, vamos dar
um mergulho amanhã em São Tomás.

Miranda dormiu como uma pedra. Acordou na manhã seguinte com o

ronco dos motores e continuou deitada algum tempo, espreguiçando no
beliche, observando distraída os reflexos de luz no teto da cabine,
procurando lembrar o que tinha acontecido no dia anterior.

Todos os episódios da véspera acudiram repentinamente a sua

lembrança. Misturavam-se na sua imaginação como um caleidoscópio de
rostos e de lugares. Pulou do beliche e, no primeiro instante, perdeu o
equilíbrio. O iate estava jogando um pouco. Já estavam em alto-mar.

Colou o rosto na vigia e contemplou uma grande extensão de mar azul,

soprado pelo vento, com reflexos do sol. O céu era um manto de anil, sem
nenhuma nuvem.

Vestiu-se com animação. Não podia perder um minuto da viagem. Eram

sete horas. Douglas dissera que não necessitava dela nessa manhã e estava
livre para fazer o que tivesse vontade. Antes de mais nada, subiria ao
convés para ter uma visão completa lá do alto.

Sentiu no ar o cheiro do café. Não encontrou ninguém no deck. Ao ver

uma porta aberta, passou e foi dar na coberta lateral. Um golpe de vento
levantou a saia de algodão e ela reconheceu que devia ter vestido uma calça
comprida ou um short. Como não queria perder tempo e voltar à cabine,
prendeu a saia entre as pernas e subiu a escada do convés superior.

Foi até a extremidade e debruçou-se no parapeito de metal. As ilhas

surgiam no horizonte azulado e nevoento, mas o brilho do sol sobre o mar
ofuscava a visão. Esquecera-se de pôr os óculos escuros e cobriu os olhos
com a mão. Imediatamente, o vento soprou a saia para o lado, descobrindo
as pernas bem feitas.

— Você está sem sorte hoje de manhã — era uma voz irônica ali perto.

Ela se voltou. Roger estava no parapeito do lado oposto, com o traje

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perfeito para a ocasião, calça branca de brím, camisa esporte aberta no
peito e uma alparcata de lona nos pés. Os cabelos castanhos brilhavam sob a
luz dourada do sol e os olhos verdes estavam protegidos pelos inevitáveis
óculos escuros.

— Eu não sabia que estava ventando aqui fora.
— Nem que o sol estava quente. Você devia pôr um chapéu.
— Eu me esqueci completamente de trazer um chapéu.
— Podemos comprar um em São Tomás. Você não deve tomar muito sol

no primeiro dia, especialmente com sua pele clara. Então, você já me
perdoou por minha agressão de ontem?

— Ah, já! — disse Miranda com um sorriso sincero. — E muito obrigada

por ter explicado o caso a Douglas. Se você tivesse ido embora ontem, antes
dele voltar da praia, eu seria despedida.

— Eu não gostaria que isso acontecesse.
— Reconheço que Douglas usou de um artifício para trazê-lo aqui

e sinto muito o que aconteceu.

— Não há de ser nada. Quer dizer que você não estava a par do

assunto?

— Claro que não! Quando entendi o que se passava, fiquei muito

envergonhada. Para falar a verdade, não estou acostumada com essas
táticas. Esta é a primeira vez que trabalho como secretária. Tenho muito
que aprender. . .

— Nesse caso, vou lhe dar uma explicação. Tudo vale no amor e na

guerra e, no momento, você pode considerar os negócios realizados pelas
grandes companhias como uma guerra. É a luta pelo poder. — Roger fez uma
pausa e acrescentou com um sorriso malicioso — Eo amor? Você já sabe
como é, ou eu tenho que explicar?

— Um pouquinho — respondeu Miranda com reserva. — Mas eu não

concordo com você que o amor seja uma guerra.

— Na nossa família, pelo menos, é.
Miranda pensou no incidente da noite anterior, quando Roger

desaparecera da boate na companhia de Aurora, a mulher de seu primo.

— Você não dá a impressão de amar alguém neste momento, nem de ter

amado antes.

— Pois você se engana. Eu estou noiva e pretendo me casar quando

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voltar para casa.

— Com um rapaz que você conhece há anos, seguro e tranqüilo, com

quem você levará uma vida pacata e sem problemas? Ele está de parabéns
por ter escolhido uma moça como você.

Roger debruçou-se sobre o parapeito para contemplar o mar.

Percebendo a mudança de seu humor, Miranda olhou preocupada para o
rosto do rapaz. Havia um vestígio de amargura na curva da boca. Ele
guardava silêncio e parecia meditar em certas coisas desagradáveis.

— O mar é sempre calmo assim? — perguntou Miranda, tentando

quebrar o gelo repentino que se formara entre os dois.

— Quase sempre — respondeu Roger vagamente e o mutismo seguiu-

se, um mutismo pesado, acentuado pelo ronco dos motores e pelo ruído da
água batendo no casco do iate. Estavam se aproximando de uma ilha e
podiam ver os contornos das colinas cobertas por uma vegetação espessa.

— É São Tomás aquela ilha?
Roger olhou para onde seu dedo apontava.
— Exatamente... a antiga residência dos aventureiros ingleses, como

Blackbeard e Sir Henry Morgan. Aliás, um daqueles morros tinha o nome
dele, em homenagem ao forte que mandara construir ali. Sir Francis Drake
também andou por estas bandas e há uma lenda segundo a qual ele batizou
as ilhas com o nome de ilhas Virgens em homenagem à rainha Elizabeth, que
era virgem. Uma outra história conta que Cristóvão Colombo lhes deu seu
próprio nome quando as descobriu. Mais tarde os dinamarqueses as ocupa-
ram e é por essa razão que encontramos, ainda hoje, muitos nomes de
origem dinamarquesa, bem como espanhola, inglesa e francesa. Você já
tomou café?

— Não, ainda não.
— Então vamos tomar juntos e eu vou lhe contar tudo que sei sobre os

piratas que freqüentaram esses mares. E você vai me contar tudo o que
sabe sobre os planos da Transmarine. . .

Miranda nunca mais se esqueceria da primeira manhã que passou a

bordo do iate, conversando e tomando café com Roger, enquanto navegavam
pelo belo mar das Antilhas.

Sentaram-se numa mesinha de dobrar, embaixo da coberta no deck, e

foram servidos por um rapaz chamado Billy, que tinha um sorriso tão branco

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e cativante quanto a camiseta que estava vestindo. Enquanto tomavam café
e comiam torradas com geléia, os dois não conversaram sobre piratas nem
muito menos sobre as atividades da Transmarine, como Roger tinha dito.
Conversaram sobre eles próprios. Miranda contou algumas histórias
engraçadas sobre tia Clara, Dottie e Joe, enquanto Roger falou sobre sua
avó, Fiona MacGregor, que saíra da Escócia para ensinar música em Trinidad,
onde conhecera um certo Rupert Gallant, com quem se casara. Anos mais
tarde, Fiona reconheceu o talento musical do neto e presenteou-o com um
piano no dia do seu aniversário.

No momento em que terminaram de tomar café, o iate entrou numa

baía grande e majestosa, defronte a Charlotte Amalie, a principal cidade de
São Tomás, batizada com esse nome em homenagem a rainha dinamarquesa.

O iate ficou ancorado no cais, que ocupava uma boa parte da Cidade.

Havia outros barcos e veleiros ancorados ali, à espera de seus donos. A
vantagem daquele embarcadouro era estar próximo do centro da cidade.
Miranda desceu correndo a prancha na companhia de Roger e, poucos
minutos depois, atravessaram uma passagem

entre dois edifícios que levava

à rua principal de Charlotte Aninhe. A passagem era arborizada, com
palmeiras, coqueiros e outras árvores tropicais, carregadas de frutos. Dos
dois lados do calçadão, lojas e butiques, com tudo que se podia desejar,
quadros e pinturas de artistas locais e artigos de outros países.

Charlotte Amalie é um porto borbulhante de agitação, repleto de

mercadorias de muitas partes do mundo. A história da cidade está ilustrada
em sua arquitetura. As casas de estilo dinamarquês têm pátios espanhóis e
avista-se, aqui e ali, vestígios do estilo colonial francês. Os edifícios novos
lembram a arquitetura norte-americana.

Roger levou Miranda a uma loja enorme, com nome dinamarquês, onde

escolheu um chapéu para ela. Era branco, de palhinha, com a aba bem larga.
Quando Miranda perguntou quanto era, Roger disse que era um presente.
Em seguida, foram a um bar ao ar livre, com mesinhas na calçada, e tomaram
chopes.

Visitaram outras lojas depois, e Miranda comprou roupas de verão,

bem decoladas nas costas e na frente, e um outro biquíni. Mais tarde,
passearam pela rua principal, repleta de turistas que procuravam artigos
baratos e interessantes para levarem como recordações.

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Julia n° 02

Livros Florzinha

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Miranda parou numa esquina para admirar a coleção de conchas e

búzios que uma moça vendia na calçada. Ela explicou a Miranda que catava as
conchas no fundo do mar, no que era ajudada por seu irmão. Comiam a carne,
depois limpavam e ferviam as cascas, para serem vendidas.

Roger comprou um búzio e deu-o de presente a Miranda. Com os alhos

voltados para a bela forma laranja e rosa que Roger segurava nas mãos,
Miranda comentou, sem jeito:

— Você não deve me dar presentes. Deixe-me pagar a concha e o

chapéu.

— Por que não posso lhe dar as coisas que eu gosto? Eu não estou

subornando-a nem faço isso para receber alguma retribuição!

Estavam na beira da calçada, um diante do outro, e havia uma certa

tensão entre os dois. Apesar do sol claro, das cores vibrantes das casas e
das lojas, da multidão de turistas que circulava pelas ruas, Miranda
lembrou-se do que acontecera na noite anterior, quando Roger lhe sorrira
com o canto dos lábios. Ele não estava sorrindo agora. A boca estava
apertada, séria, mas ela gostaria tanto de ver seus olhos!

— Por que você disse isso? — murmurou, com a voz ligeiramente

trêmula, os olhos cinza encobertos pela sombra do chapéu de abas largas.

— Desculpe, eu fui rude, mas você não devia ter recusado meu

presente. Eu me esqueci quê as moças inglesas não têm o costume de
receber presentes. — Mordeu o lábio inferior e depois sorriu com ternura
para ela. — Por favor, Miranda, aceite este presente porque eu tive grande
prazer em passear aqui com você. Gostei de ver seu olhar de admiração por
todas as coisas. Eu vi tudo isso através de seus olhos e Charlotte Amalie
deixou de ser um centro comercial, repleto de turistas, e passou a ser uma
cidade encantadora para mim.

Roger estendeu novamente o búzio para ela, um lindo objeto natural,

que seria uma alegria para sempre. Miranda sabia que, toda vez que olhasse
para aquela concha, iria lembrar-se da manhã que passeara com Roger
naquele porto das Antilhas.

— Muito obrigada — disse por fim, e o rosado de sua face rivalizava

com o rosado do búzio. — Você é um amor.

— Não, eu não sou um amor — disse Roger com um sorriso irônico. —

Olhe, acho bom voltarmos para o iate. Douglas programou uma visita hoje à

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tarde ao novo hotel que a Transmarine está construindo no outro lado da
ilha. Vamos dar a volta na baía e ancorar na praia. Depois vamos admirar a
construção, a superioridade da arquitetura e as vantagens excepcionais
oferecidas pelos balneários que a Transmarine constrói no mundo inteiro. . .

O sarcasmo da voz dele feriu-a. Roger atacava tudo em que ela

acreditava, inclusive a companhia onde trabalhava. Por alguma razão
misteriosa, Roger antipatizava ferozmente com as grandes organizações
financeiras. Miranda não entendia por que ele decidira permanecer no iate
em vez de partir no mesmo dia em que chegara. Não podia acreditar que
houvesse ficado unicamente para não criar nenhum problema para ela. A
razão mais provável era ter encontrado a mulher do meu primo, com quem
ele desejava reatar uma antiga amizade. Ou teria outra razão mais séria?

No momento em que chegaram ao iate, todos estavam prontos para

partir. Roger e Miranda foram até o bar coberto onde encontraram
Aurora e Chuck, que estavam bebericando seus aperitivos antes do almoço.

— Onde vocês foram? — perguntou Chuck, aproximando-se de Miranda

e observando-a com uma expressão possessiva,

— Por que você não acordou mais cedo, bobão? Podia ter levado

Miranda para dar um passeio. . .

Roger aproximou-se do bar onde Aurora estava sentada num

banquinho, bebendo um drinque num copo coberto de gelo. Estava com uma
saída-de-banho sem mangas. Era rendada e, pela malha larga do tecido,
podia-se ver a pele morena e sedosa.

— O que você quer tomar, Miranda?
— Um suco de fruta, de preferência.
Miranda deu um suspiro e sentou-se numa poltrona funda de couro.

Estava gostoso ali, sob a coberta do convés. O calor do dia começara a lhe
pesar nos ombros.

— Experimente um desses aqui — disse Aurora. — Rum com suco de

abacaxi. É a especialidade do lugar.

— Discordo de você, Aurora — disse Roger, colocando uma garrafa de

cor escura em cima do balcão. — Essa não é a melhor maneira de apreciar
um bom rum. E você, como a mulher de um Gallant, devia saber que o rum
deve ser bebido puro, da mesma maneira que o uísque, ou com um pouquinho
de água e gelo. Onde está Tom? Ainda não acordou?

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Roger parecia diferente, superficial e vazio; a voz tinha uma inflexão

estudada, os olhos estavam apertados e sem brilho, a boca sorria com uma
curva irônica. Miranda observou-o admirada, indagando consigo mesma que
fim tinha levado o rapaz simpático e conversador que lhe mostrara a cidade
de manhã.

— Ele estava uma fera ontem à noite! — disse Aurora com um suspiro.

— Eu não devia ter saído com você.

— Está arrependida? — perguntou Roger, ocupado com os copos e as

garrafas.

— Não, mas não gostei daquela cena. Aliás, para falar a verdade, não

entendi a razão daquela gritaria. Ele nunca ligou a mínima quando saio com
outras pessoas.

— Onde vocês foram? — perguntou Chuck.
— Isso não é da sua conta, amorzinho — murmurou Aurora com uma

entonação provocante, soprando uma baforada na direção do rapaz.

— Nós fomos a outra boate, na parte antiga da cidade — explicou

Roger. — Pronto. Miranda, aqui está seu drinque. Somente suco de
frutas e gelo, preparado especialmente para matar a sede. — Roger levou a
bebida até sua cadeira, sorriu quando Miranda lhe agradeceu e foi encostar-
se no balcão, perto de Aurora.

— Roger, eu preciso conversar com você — disse Aurora. — A sós.
— Antes do almoço é impossível — respondeu Roger com indolência,

tomando um gole de rum. — Você quer me convencer a vender as terras?

— Exatamente. Por que você não aceita a proposta de Douglas?
— Porque Marnie mora na casa.
— Ela pode mudar-se para outro lugar — insistiu Aurora, ignorando a

recusa de Roger em discutir o assunto. — Ela podia perfeitamente se mudar
de lá. Ela não enxerga mesmo. . . Que diferença faz a casa onde ela mora?

Miranda ficou perplexa diante da frieza de Aurora e olhou para Roger

a fim de ver sua reação. Além de uma pequena ruga no meio das
sobrancelhas, não demonstrava a menor emoção.

— Claro que faz — disse por fim. — Marnie gosta da casa e está

habituada com o lugar. As pessoas da ilha a conhecem e gostam dela. Faz
uma grande diferença para alguém, sobretudo um cego, saber que está
cercado de objetos familiares e de pessoas conhecidas. Se Marnie mudasse

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para outra casa, poderia definhar e morrer, de pura tristeza. E eu teria
mais isso na minha consciência. . .

— Mas Tom precisa do dinheiro — insistiu Aurora. — E você sabe que

ele não pode vender a parte dele sem sua aprovação.

— Problema dele. Tom nunca consultou ninguém antes de decidir

vender a parte dele. Como ele pode saber o que os moradores da ilha
desejam? Ele nunca se importou a mínima com melhorias! — A voz de Roger
estava gelada. Mesmo um estranho podia notar que ele não sentia a menor
simpatia pelo primo. — Quem foi que disse que os moradores desejam que a
ilha seja transformada num parque turístico? Tom já pensou algum dia na
opinião pessoal de Aubrey Vincent e de Sam Williams?

— Bem, qualquer coisa é melhor do que apodrecer no meio das moitas

de banana e das plantações de cana — retrucou Aurora com raiva. — Ah, os
moradores da ilha são sempre,os mesmos, sentimentais e românticos,
vivendo no passado. Mas eu não acredito que você seja menos egoísta que
Tom. Desde quando você fez alguma coisa pela ilha?

— Eu fiz muito pouco, de fato, mas não vou permitir que a Trans-

marine tome conta de tudo!

— Qual nada! Você não quer vender sua parte só para contrariar
Tom! exclamou Aurora num repente de fúria. — Para você não
faz diferença. Você vive confortavelmente dos direitos autorais da
música que escreveu. Kit Williams está numa boa também... Quanto a
Aubrey Vincent, todos sabem que ele manda e desmanda em Marnie!
— É uma pena Tom não ter escolhido uma mulher que combinasse com

seu bolso — comentou Roger, a voz macia como seda, embora os olhos
brilhassem perigosamente. — Você acha mesmo que eu vou vender a casa de
Marnie apenas para Tom lhe dar um casaco de pele?

Aurora deu um pulo do banquinho e atirou o resto da bebida na cara de

Roger que, prevendo isso, saltou para o lado, e a bebida espalhou-se pelo
chão.

— Eu o odeio, Roger Gallant, eu o odeio! Está ouvindo? — berrou

Aurora, furiosa.

— Estou ouvindo perfeitamente, bem como todas as pessoas que
estão no iate — respondeu Roger com um sorriso sem graça. —
eu avisei antes que não queria discutir esse assunto com você. Por

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que você não esquece isso enquanto estamos passeando de barco?
Voltou-se para Miranda. — Você assustou Miranda com sua
gritaria. Ela não está acostumada com esse tipo de comportamento.
Resmungando desaforos, Aurora retirou-se e Roger voltou sua atenção

para Chuck.

— Por que Tom está "na lona"?
— Bem. . . você acertou em cheio quando falou em casacos de pele —

disse Chuck sem jeito. — Aurora gastou uma fortuna com vestidos e papai
tem que pagar ainda a pensão de minha mãe.

— Ele sempre foi ganancioso e agora está pagando por isso. E você? Já

terminou os estudos?

— Não, eu tive que parar um ano porque não tinha dinheiro fim para

pagar a matrícula. Ah, você não precisa fazer essa cara! Eu estou
trabalhando e tirei uns dias de licença porque estou interessado na venda
das terras. Eu preciso do dinheiro para pagar os estudos. Existe alguma
maneira de contornar a situação?

— Não sei. Você vai ser advogado. Por que não estuda essa questão?
— Ah, se a gente pudesse vender nossa parte sem a sua!
— Você está esquecendo um ponto importante. Douglas não está

Interessado em ficar com, uma parte sem a outra. Ele sabe que a casa

de

vocês está em ruínas.

— Você falou alguma coisa com ele?
— Adivinhe! — Voltou-se para Miranda e perguntou-lhe com a voz fria:

— Então, gostou de nossa briga, Miranda? Vai contá-la ao seu chefe?

Ela prendeu a respiração com um nó na garganta. O comentário atingiu

um ponto sensível de sua personalidade. A lealdade para com Douglas.

— Por que haveria de contar isso a ele? — protestou, com os olhos

muito grandes e ingênuos. Tinha terminado sua bebida e estava sentada na
poltrona de couro com o búzio na mão — uma jovem tranqüila de cabelos
pretos, cuja face parecia refletir o tom rosado da concha.

Um pouco da dureza anterior desapareceu do rosto de Roger quando a

fixou um momento em silêncio, com um olhar íntimo e familiar.

— Não, eu não creio que você vá contar nossa briga a ele. Mas se

Douglas perguntar o que nós conversamos a manhã inteira, você terá que
dizer alguma coisa, não é mesmo?

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Ele tinha razão, naturalmente. Ela não podia contar a Douglas que a

conversa da manhã tivera assuntos tão agradáveis quanto tia Clara e as
músicas cantadas por Roger quando era menino, as melodias que haviam
inspirado as canções de adulto.

Não, ela não podia contar a Douglas o passeio que dera com Roger.

Aquilo era um segredo que guardaria consigo para o resto da vida. No
futuro, iria lembrar-se de tudo como algo precioso, os prazeres perigosos
que experimentara nas alamedas cobertas de palmeiras de Charlotte
Amalie, na companhia de um homem que lhe dera um búzio de presente, e ela
ficaria sempre na dúvida se, de fato, tudo aquilo tinha acontecido.

Depois do almoço, após bater umas cartas para Douglas, Miranda lhe

falou, em resposta às perguntas dele, do pouco que ouvira sobre a cegueira
de Marnie e a razão que Roger dera para não vender sua propriedade em
Tortuga. Douglas ouviu com atenção e comentou no fim:

— Muito bem. Creio que podemos contornar esse pequeno problema.

Não acredito que uma mulher cega seja um obstáculo intransponível. De
qualquer forma, muito obrigado por sua informação, Miranda.

A atitude fria de Douglas provocou nela um arrepio. Ao observá-lo com

mais atenção, notou que os olhos dele eram gelados, vazios de qualquer
emoção. Ele não se importava com os outros, somente com os negócios e com
sua própria ambição em realizar um outro grande contrato.

— Outra coisa. Gostaria que você fosse conosco visitar as obras, hoje

à tarde, e tomasse algumas notas. Vamos partir amanhã de São Tomás e
visitar outra ilha do arquipélago. Resolvi passar uma semana nessas ilhas
para criar um clima de confiança mútua entre os passageiros. Será um
tempo bem aproveitado. Seja simpática com Roger e procure tranqüilizar a
impaciência de Chuck. Ele tem o ardor da juventude. Necessita do dinheiro
para terminar os estudos e está disposto a vender as terras para outro
comprador, se demorarmos muito para fechar o negócio. Além disso, seria
interessante conquistar a simpatia de Aurora. Ela e Roger, foram amigos no
passado e creio que está na hora de reatarmos essa amizade.




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CAPÍTULO III



0 sol da tarde ofuscava, no céu sem nuvens, dardejando raios sobre

as partes cromadas do Sea Quest, ancorado no pequeno embarcadouro de
uma das ilhas Virgens. Deserta no passado, tornara-se um centro de turismo
graças às obras da Companhia Transmarine de Investimentos.

Depois da partida de São Tomás, os passageiros do iate passaram sete

dias explorando tranqüilamente as pequenas angras e praias do arquipélago,
e atravessaram um dos canais mais belos das Antilhas, D canal de Francis
Drake. O tempo excelente, o vento que soprava sempre na mesma direção, e
a vida indolente que levavam a bordo, criaram lentamente o clima de
confiança mútua que Douglas desejava proporcionar. Todos estavam
descontraídos, e o rancor que surgira antes, pelo comportamento de Roger e
Aurora na boate em San Juan, havia desaparecido completamente.

Em Tortola, uma das ilhas maiores e mais povoadas do grupo britânico,

que fora o esconderijo de piratas até o século passado, Douglas, levou os
homens para visitarem um hotel que a Transmarine estava construindo.
Como acontecera em São Tomás, Miranda acompanhou-os e tomou notas.

Agora, nessa ilha menor que se transformava lentamente num centro

de lazer, como Douglas pretendia fazer em Tortuga, os homens o
retornavam de uma excursão completa pelas obras do centro hoteleiro.

Enquanto voltava com os outros para o iate, Miranda observava que

Roger e Thomas tinham traços evidentes de parentesco, embora fossem
muito diferentes em temperamento. Thomas ainda era um homem bonito;
possuía o mesmo comprimento gracioso dos membros e a mesma estrutura
elegante de Roger. Os cabelos finos, no entanto, eram de um tom castanho-
claro, e os olhos eram levemente azuis, como os de Chuck. Alguns anos atrás,
Thomas devia ter sido muito atraente,,; mas a vida indolente que levava era
responsável agora por uma certa obesidade e displicência física.

Thomas acompanhou com entusiasmo as preleções de Douglas. Decidido

a impressionar o primo recalcitrante, Thomas comentava em voz alta as
vantagens das obras. Outras vezes, segurava o braço de Roger e chamava
sua atenção para um detalhe arquitetônico. Roger, no entanto, mantinha uma

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pose indiferente e meio brincalhona. Os dois outros homens, Ramón e Chuck,
examinavam tudo com uma certa relutância, como se preferissem estar em
outro lugar mais interessante.

— Só existe uma maneira de esfriar o corpo depois desse passeio ao

sol — disse Chuck, caminhando ao lado de Miranda. — É tomar um, bom
banho de mar. Sabe de uma coisa, eu penso que aquela canção do Noel
Coward está certa. Só os cachorros loucos e os ingleses andam embaixo de
um sol desses! Os ingleses que têm sangue latino nas veias, como Ramón e
eu, preferem tirar uma soneca depois do almoço. Você acha que Roger ficou
bem impressionado desta vez?

— Olha, não sei. . .
— Ele é tão misterioso! Aonde ele foi agora? Eu o convidei para nadar

com a gente mas, como sempre, ele deu uma desculpa. Eu não sei o que se
passa com Roger. A vida submarina é fabulosa aqui e eu imaginei que ele
gostaria de dar uns mergulhos. Por sinal, ele nada e mergulha como ninguém,
mas acho que ele descobriu algo mais interessante por aí. . . Você vai
demorar muito para se trocar?

— Volto num minuto — disse Miranda, ansiosa para dar um mergulho.
Na gaveta do armário o búzio brilhava com uma tonalidade rosa-

alaranjada. Miranda tirou a roupa suada do corpo, tomou um banho rápido e
pôs o biquíni novo. Habituara-se agora a aparecer quase nua diante dos
outros e sua pele estava começando a adquirir um bronzeado bonito e
uniforme, embora tomasse muito cuidado para não tostar demais.

Depois de pôr o chapéu de abas largas que Roger lhe dera, enfiou as

sandálias de corda nos pés e vestiu uma saída-de-banho por cima do

biquíni. Apanhou a bolsa de palha, onde guardava a toalha e o creme de

bronzear, fechou a porta da cabine e atravessou o pequeno corredor.

Chuck aguardava-a no alto do convés com um short preto de surf e

uma toalha em volta do pescoço. Lançou-lhe um olhar admirativo

quando a viu com o biquíni azul que comprara em São Tomás e passou
o braço em seu ombro enquanto caminhavam pelo cais de pedras.
— Há uma prainha do outro lado do morro. Podemos ir até lá.
Subiram pelas pedras e avistaram o mar que quebrava embaixo,
formando nuvens de espuma colorida. Entre as moitas havia conchas
de todos os formatos e tamanhos, que despertaram imediatamente a

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atenção de Miranda.
— Na volta a gente cata — disse Chuck. — Vamos primeiro dar um

mergulho. Estou tostando nesse sol.

Miranda balançou a cabeça e correu pela encosta do morro atrás dele.

Através das folhas dos arbustos e das palmeiras, podiam avistar a areia
muito branca que formava ondulações à beira das águas esverdeadas.
Miranda deu mais alguns passos e avistou a praia em toda sua extensão. Viu
também a bolsa branca de uma mulher e duas toalhas jogadas na areia.
Perto dali, dois corpos bronzeados, praticamente nus estavam abraçados
estreitamente, e os cabelos castanhos do homem se confundiam com os
cabelos platinados da mulher.

— Ah, não! — exclamou Miranda, levando um susto. Ela queria Voltar,

correr para longe, sumir no horizonte, mas suas pernas estavam
estranhamente pesadas.

— Agora nós sabemos onde ele passa as tardes! — murmurou Chuck. —

Ah, se papai soubesse. . . Vamos nadar em outro lugar — suplicou Miranda.

— Não, nada disso. Vamos ficar aqui mesmo.
Antes que pudesse protestar, Chuck desceu correndo o morrinho e

gritou para os dois:

— Ei, vocês aí! Chega de brincadeira! Se não caírem imediatamente na

água, vão levar um banho de areia! Roger levantou a cabeça, assustado.
Avistou Chuck que corria na sua direção, dando pontapés na areia seca, e
levantou-se de um pulo. Rumou

para o mar com grandes passos das pernas

compridas e morenas. O corpo musculoso, praticamente nu no calção
minúsculo, parecia de um atleta. Correu em cima da água rasa e levantou uma
chuva de esguichos prateados. Ergueu os braços em cima da cabeça e os
músculos fortes dos ombros sé contraíram por baixo da pele morena. Ele
mergulhou embaixo da onda e foi surgir do outro lado.

Abandonada por seu companheiro, Aurora defendia-se dos punhados

de areia que Chuck lhe atirava. Gritou furiosa, enquanto cobria o rosto com
as mãos:

— Ah, seu cretino! Eu estava tão bem aqui e você tinha que vir encher

a paciência!

— Aposto que Roger não estava estragando seu sossego! — disse

Chuck, apontando o queixo na direção de Roger, que nadava vigorosamente,

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mar adentro.

Aurora atirou os cabelos prateados para as costas, apoiou-se nos

cotovelos e olhou para Chuck com insolência.

— Ah, então é isso que está preocupando você, garotão! Vai contar

para o pai? Está na hora de você crescer, pirralho, e parar de se meter na
vida dos outros! Ai! — berrou Aurora quando Chuck encostou de leve o pé na
perna dela.

— Tome cuidado com Roger, senão você vai se ver com papai!
— Você acha que eu não posso enfrentar dois homens ao mesmo

tempo? Ou mesmo três? — perguntou Aurora, provocadoramente,
percorrendo com a vista os ombros e o peito largo do rapaz, onde uma
medalha de prata estava pendurada numa correntinha.

— Você não agüenta nem com um! — disse Chuck, apontando com o

queixo em direção a Roger.

— É por isso que ele me atrai. — Voltou-se para Miranda. — Meu Deus,

que cara é essa, menina? Você está tomando sol demais. Você vai estar
vermelha como um camarão hoje à noite. . .

Aurora levantou-se com um movimento gracioso do corpo e correu para

a água. Mergulhou e desapareceu embaixo de uma onda. Tornou a aparecer
mais adiante e nadou em direção a Roger.

Chuck olhava para os dois na água. Havia uma expressão amarga no seu

rosto. A testa estava franzida e os olhos apertados no alto do nariz aquilino.
A boca também tinha um contorno amargo. Com a pele escura e os traços
angulosos do rosto, parecia um espanhol vingativo que olhava para a terra
que acabara de conquistar.

No momento seguinte, voltou-se para Miranda e lhe dirigiu um sorriso

sem graça. A imagem anterior desapareceu imediatamente. Era de novo o
rapaz indolente e bem-humorado que adorava nadar esquiar e fazer surf.

— Aurora ficou furiosa porque nós interrompemos o namoro dos dois.

Foi por isso que ela se vingou em você. Mas ela tem razão, você não deve se
queimar demais nos primeiros dias. Vamos sentar ali e vou passar o creme
nas suas costas. Faz quanto tempo que esses dois se encontram a sós?

— Não tenho idéia — disse Miranda, procurando manter a voz calma. A

mão grande de Chuck era delicada e impessoal, e a loção bronzeadora tinha
um cheiro penetrante quando ele a espalhou sobre os ombros. Nesse meio

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tempo, Roger saiu da água e caminhou na direção deles. Ficou parado um
momento em silêncio, os cabelos olhados caindo sobre a testa, observando
os dois.

— Onde você encontrou isso? — perguntou, tocando com o pé na

máscara de mergulhar.

— No iate. Lá tem tudo... Aqualung, pés-de-pato, um bote de borracha.

Nós podemos velejar amanhã, se você me ajudar a montá-lo.

— Podemos. Quem vai mergulhar com essa máscara?
— Miranda e eu.
— Você nada bem, Miranda? Ela levantou a cabeça. Roger observava

atentamente Chuck passar creme nos seus ombros e ela notou um ligeiro
tique nervoso no canto de sua boca.

— Mais ou menos.
— Você atravessa uma piscina duas vezes?
— Atravesso. Eu nado uns duzentos metros.
— E já nadou embaixo da água?
— Não, nunca. A não ser na piscina.
— Então eu sugiro que você pratique primeiro, antes de usar essa

máscara. A prainha é mais tranqüila adiante. Vamos até lá enquanto Chuck
vai buscar o aqualung no iate.

— Ei, o que você está pensando? — berrou Chuck, repentinamente

furioso. — Vai você buscar o equipamento! Eu e Miranda viemos juntos. Não
se esqueça que você tem uma companhia de sua idade para brincar, como
teve todas as tardes da semana, provavelmente.

Aurora vinha saindo da água naquele momento. Com os cabelos

folhados, o corpo esguio e bem feito, ela parecia uma sereia que seduzia os
homens e os levava à morte.

Roger sorriu ao ouvir o comentário de Chuck.
— Não me diga que você está com ciúme! — e deu um passo rápido para

trás quando Chuck atirou o braço com toda força na sua direção. — Está
bom. Não vamos brigar por causa disso. Diga-me onde está o equipamento e
nós quatro vamos mergulhar na prainha. Chuck esfriou sua irritação e
explicou rapidamente onde estava o equipamento de caça submarina. Roger
balançou a cabeça e partiu em direção ao morrinho.

— Ele nunca fica zangado com o que os outros dizem — comentou

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Chuck. — Se ele me dissesse o que eu disse a ele, teria perdido a cabeça e
lhe dado um murro na cara.

— Você quase deu — disse Aurora, escorrendo a água dos cabelos. —

Aonde ele foi?

— Esconder-se de você — respondeu Chuck com maldade. — Vamos até

a ponta da praia, Miranda.

A água estava cristalina e funda na prainha. Protegida do mar aberto,

era o local perfeito para se nadar e mergulhar. Miranda e Chuck praticaram
durante alguns minutos. Convencido que ela podia nadar perfeitamente
embaixo da água, sem a máscara, Chuck mostrou como devia usá-la, ajudou-a
a colocar os pés-de-pato, prendeu a máscara no rosto e fez o mesmo com
seu equipamento. Nadaram lentamente até o meio da enseada e, logo depois,
estavam mergulhando sob a superfície brilhante.

No mundo frio e translúcido do fundo do mar as plantas balançavam as

ramagens compridas entre os caules de coral branco. Cardumes de peixes
prateados e azulados, dourados e verdes, circulavam de um lado para o
outro, e a areia pálida do fundo estava coberta de mariscos, de todos os
formatos.

Ao voltarem para a praia, encontraram Aurora sozinha, sentada na

areia. Fumava nervosamente um cigarro e parecia estar de péssimo humor.

— Roger não voltou. O que você disse pra ele? — e olhava irritada para

Chuck.

— Disse onde podia encontrar o equipamento de caça submarina. Vai

ver que não encontrou.

— Não vem com essa! Você disse alguma coisa que ele não gostou. Você

é um grandessíssimo chato e tem a mania de se meter na vida dos outros.
Igualzinho ao pai. . .

— Não fique brava, Aurora — disse Chuck com um risinho. — Você não

vai ficar sozinha muito tempo. Lá vem vindo seu outro admirador.

Miranda e Aurora se voltaram ao mesmo tempo em direção à ponta da

praia. Douglas se aproximava lentamente. Estava de calção de banho e
camisa desabotoada. Trazia dois pares de pés-de-pato e duas máscaras de
mergulho.

— Olá, pessoal. Roger me disse que vocês estavam aqui. Ah, esse é um

lugar maravilhoso para um mergulho. O que há de interessante embaixo

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d'água?

Miranda descreveu educadamente o que tinha visto. Douglas porém não

ouvia com atenção a narrativa, porque estava observando Aurora com o
canto dos olhos. Ao perceber isso, Aurora abandonou repentinamente o mau
humor e reclinou-se nos cotovelos, adotando uma pose que favorecia seu
corpo bem feito.

— Vou dar uma espiada pessoalmente — disse Douglas quando Miranda

terminou de contar. — Você não quer vir comigo, Aurora? aurora levantou a
cabeça e encarou-o um instante em silêncio.

— Boa idéia — respondeu por fim. Chuck observou os dois caminharem

em direção ao mar com uma irritação visível. Em seguida, começou a
recolher o equipamento caça submarina.

— Vamos tomar sol noutro lugar — murmurou.
Caminharam lentamente pela praia e atravessaram o morrinho. A
Areia estava quente e macia sob os pés descalços e, depois do

mergulho, Miranda sentia-se confortavelmente relaxada. A praia era
realmente linda, cercada de palmeiras de um lado e pelo mar de

Águas verdes do outro.
— Por que será que Roger não voltou? — perguntou Chuck em dado

momento.

— Não faço idéia — disse Miranda, fingindo que não estava

interessada no assunto. A pergunta no entanto destruiu sua tranqüilidade
de alguns momentos atrás. Lembrou-se do plano de Douglas de usar Aurora
como um meio de persuadir Roger a vender sua propriedade em Tortuga.

Ao atravessarem as pedras, pararam para catar as conchas espalhadas

pelo chão. Miranda já tinha uma coleção no seu armário, todas arrumadas em
volta do búzio que Roger lhe dera. Os formatos das conchas eram
fascinantes — cones da cor de salmão, grandes estrelas-do-mar,

ouriços de

cascas rendilhadas e frágeis.

Depois de encontrarem um lugar abrigado na praia, deitaram-se em

cima das toalhas e conversaram despreocupadamente enquanto tomavam sol.
Era uma maneira agradável de passar a tarde e Miranda tinha feito isso
várias vezes com Chuck, embora a conversa dele não tivesse a mesma
qualidade mágica que a de Roger. Chuck era muito criança e só sabia falar de
si mesmo e dos planos para o futuro.

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Julia n° 02

Livros Florzinha

- 55 -

Como Juanita, Chuck vivera muitos anos em Tortuga, antes de mudar

para San Juan. Ao contrário de Juanita, no entanto, tinha ido terminar os
estudos nos Estados Unidos. Esperava formar-se em breve e trabalhar em
Porto Rico.

Miranda conseguiu dirigir a conversa para Roger e Marnie.
— Os dois são muito, diferentes de Nita e eu. A mãe deles era
inglesa e os dois estudaram em colégios particulares na Inglaterra. Por

falar nisso, não entendo como Roger, com toda sua educação britânica,
comporta-se tão mal às vezes. . . como aconteceu hoje à tarde.

— Vai ver que ele tomou sol demais na cabeça — murmurou Miranda

com indolência, pensando que estava na hora de sair do sol e voltar para o
iate.

— O que você quer dizer com isso? — perguntou Chuck, debruçando-se

bem junto dela.

— Antes de viajar, me disseram que ia encontrar ingleses que não se

comportavam como ingleses, porque tinham tomado sol demais na cabeça,
eles e seus antepassados... E agora eu entendo o efeito que o sol exerce
sobre as pessoas...

— É verdade. O sol relaxa as inibições. Relaxou as suas, Miranda?
A voz dele soava mais macia e havia um brilho nos olhos que não
tinha mais a ingenuidade de antes. A boca era vermelha e sensual como

a do pai. Miranda não queria ser beijada por ele. Fechou os olhos e procurou
pensar em Joe, mas o que viu na sua frente foi uma outra boca, firme e
sensível, a de Roger. Se a boca tocasse a sua, ela não ia protestar.

Abriu os olhos rapidamente, como se quisesse afastar aqueles

pensamentos — o resultado de estar muito tempo ao sol.

— Você também é inibida — disse Chuck, quase debruçado sobre ela.

— Você ficou chocada quando viu Aurora nos braços de Roger.

— Bem, confesso que não estou acostumada a ver as pessoas se

beijarem em público, especialmente quando uma delas é casada — respondeu
Miranda, procurando evitar o beijo de Chuck sem magoar o rapaz. Ser
diplomática numa situação dessas estava além de sua capacidade.

— Em público? Uma praia deserta não é um lugar público. Pelo

contrário, é o local mais romântico que existe no mundo. Eles estavam
apenas se beijando, Miranda. Assim.

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Livros Florzinha

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A boca sensual tocou finalmente na sua e Miranda não recuou para não

magoá-lo inutilmente. Manteve os olhos abertos, no entanto e observou os
desenhos que as folhas das palmeiras faziam no céu. Fechar os olhos seria
arriscado.

Ela tinha a impressão de estar entre dois perigos, embora não

soubesse qual deles era pior. Se o Chuck de pele morena e cabelos negros,
que a beijava nesse momento, ou o Roger de sua imaginação.

Seu senso de humor levou finalmente a melhor e ela terminou dando

uma gargalhada. Chuck sentou-se e fixou-a com a fisionomia furiosa.

— Por que você está rindo?
— Estou rindo de você — disse Miranda, sem se conter, esquecendo-se

momentaneamente que devia ser diplomática e reservada. — Você estava
com ciúme de Roger hoje à tarde! Você estava com inveja porque ele estava
se divertindo com Aurora. E você teve vontade de fazer o mesmo comigo,
que estava disponível no momento. Mas não adianta, Chuck. Eu não sou
Aurora. Eu não sei brincar com os sentimentos. Para mim o amor é uma
questão muito séria e pessoal. Eu não sei beijar um homem só porque está na
hora de brincar e fazer amor na praia.

Pelo olhar que Chuck lhe dirigiu, Miranda percebeu que o ferira num

ponto sensível.

— Você é mais do que inibida. Você é gelada! Você ainda não ficou

bastante tempo no sol.

Julgando que era preferível não aceitar a briga, Miranda levantou-se e

apanhou a bolsa de palha.

— Olhe, acho que vou voltar para o iate. Tenho que escrever uma carta

antes do jantar para meu namorado. Eu só mandei cartões até agora. . . Você
vem?

— O.K. — murmurou Chuck com o rosto fechado, como um menino

pequeno que foi privado do seu pudim preferido. — Quer dizer

que você tem um namorado? Gozado, você não falou nada antes. É Um

namoro sério?

É.

Nós pretendemos casar no fim do ano.

— Ah, bom. Entendo. Desculpe o que se passou, mas você podia ter me

avisado antes. . .

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Livros Florzinha

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A carta para Joe foi mais difícil de escrever do que Miranda

imaginava. Sentada no beliche, ouvindo a água bater no casco do iate e o
vento que estalava as bandeirolas nos mastros, contemplando o brilho
rosado do búzio que Roger lhe dera, Joe parecia alguém muito irreal, um
fantasma sem corpo. Tentou imaginá-lo ali, no iate, ou passeando na praia
àquela tarde, nadando na água quente e gostosa da enseada, beijando-a à
sombra da palmeira. . .

Tentou outra coisa. Procurou visualizá-lo tomando café com ela
embaixo da coberta no convés, acompanhando-a pelas passagens

arborizadas de Charlotte Amalie, experimentando chapéus e recuando um
passo para ver o efeito; comprando uma concha na calçada e oferecendo-a
com palavras cerimoniosas.

Joe não cabia naquela paisagem. Quando tentou compará-lo com as

pessoas desinibidas da família Gallant, achou-o muito insignificante e sem
graça.

Amassou a folha de papel e atirou-a na cesta. Tentaria escrever a

carta na manhã seguinte, quando se sentisse um pouco mais calma, quando a
pulsação voltasse ao normal e o sangue tivesse esfriado um pouco.

O jantar dessa noite consistiu no churrasco servido na bela praia

em

forma de meia-lua. Como a tripulação do iate estava de folga, Zelda e
Douglas ocuparam-se do jantar. Viraram os espetos em cima da brasa como
se não tivessem feito outra coisa na vida senão assar churrascos de lombo
intercalados de lingüiça.

Miranda serviu a salada nos pratos de cada um. Quando chegou a vez

de Roger, evitou encará-lo. Decidira que não queria ter nada com um homem
que beijava a mulher dos outros. Depois do episódio na prainha, Miranda não
tinha mais dúvidas que Roger merecia a reputação de playboy no sentido
mais amplo da palavra. O Roger

;

que ela conhecera em Charlotte Amalie e em

San Juan ficaria guardado para sempre no seu coração, mas não se deixaria
mais iludir por sua falsa amizade.

Como era de esperar, Roger não comentou nada sobre o ocorrido. Após

ser servido de salada, pegou seu prato e refugiou-se nas sombras, ao lado
de Aurora.

Juanita estava lá também muito animada, conversando sobre os

flamingos que tinha visto com Ramón aquela tarde numa lagoa. Ao ver a

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Livros Florzinha

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intimidade que havia entre Ramón e Juanita, Miranda lembrou-se novamente
de Joe. Será que algum dia eles seriam felizes como aquele casal?

Seu devaneio não foi muito longe, porém. Douglas aproximou-se dela e

cochichou em voz baixa:

— Você se lembra do que disse a respeito de Aurora? Miranda moveu

a cabeça afirmativamente enquanto servia a salada

— Pois bem, ela está disposta a seguir minha sugestão. Infelizmente,

foi surpreendida com Roger numa situação meio comprometedora e tem
receio que Chuck conte o incidente ao pai. Seria preferível que Thomas não
tivesse conhecimento do fato. Você podia conversa com ele e dar a entender
que estamos interessados nas suas terras e que estamos fazendo o possível
para resolver o negócio ainda esta semana. Zelda já fez o que tinha a fazer,
mas Thomas, como os demais homens da família Gallant, prefere a
companhia das jovens bonitas. . . Você me entende?

— Sim, entendo — disse Miranda, ligeiramente enojada com o papel

que lhe cabia na história. Ela não sabia o que lhe causava maior repugnância:
a figura petulante de Thomas ou tentar distraí-lo enquanto Aurora usava de
seus encantos para seduzir Roger e forçá-lo a vender sua propriedade.

Miranda não teve dificuldade em conversar com Thomas, que estava

meio desorientado, porque Aurora desaparecera de novo. Thomas apreciou a
atenção dela e falou a respeito dos churrascos que costumava dar em sua
casa na ilha de Tortuga.

— Ah, você precisa conhecer a ilha! É um verdadeiro paraíso. Eu estou

arrasado com a perspectiva de vender minhas terras, mas acredito no
progresso. Não podemos viver o tempo todo no passado e é isto que
estávamos fazendo em Tortuga. . . o papel de grandes senhores de engenho.
. .

— E de piratas às vezes — acrescentou Miranda com um sorriso.
— Nós sempre fomos piratas — disse Thomas com uma gargalhada

gostosa. — Por baixo da pele morena de qualquer um de nós está o sangue de
pirata ou contrabandista. Se você gosta de piratas, o mais interessante de
todos foi meu primo Rupert, o pai de Roger. Ele e eu temos um bisavô em
comum, um grande sujeito. Nós éramos melhores amigos do mundo quando
não estávamos brigando. . .

;

Rupert poderia contar a você tudo sobre os

piratas de nossa família. Ele escreveu uma história de Tortuga.

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Julia n° 02

Livros Florzinha

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— O que aconteceu com ele?
— Ah, foi uma tragédia — disse Thomas com um suspiro. — Rupert era

um excelente marujo. Tinha um barco grande e costumava velejar no mar
das Antilhas como nossos antepassados. Atravessou inclusive várias vezes o
oceano Atlântico, como se fosse o canal da Mancha. Um belo dia soube que
Rupert tinha morrido afogado. Foi um i notícia terrível. Ele e a mulher. . .
Mary era uma criatura encantadora e estava sempre com um sorriso nos
lábios. Os dois estavam voltando para Tortuga, com Francis, o filho mais
velho. Rupert vinha de Trinidad, onde fora resolver alguns negócios
importantes. Foram surpreendidos no meio do mar por uma tempestade. O
barco afundou e morreram todos. Foi terrível. Eu nunca entendi como
Rupert se deixou apanhar pela tempestade. Ele era um marujo experiente.
Mas isso acontece com os melhores navegadores. . .

— Faz muito tempo? ,
— Faz, faz muito tempo. Roger tinha quinze anos nessa época. . . deve

ter sido a uns dezesseis anos atrás. Eu fiquei com o menino nas mãos. —
Thomas suspirou novamente. — Ah, esse garoto só me deu

aborrecimento. Você não imagina as encrencas que ele me aprontava,

não apenas em Tortuga como no colégio na Inglaterra. Era terrivelmente
levado desde o dia em que nasceu. Mas era ao mesmo tempo o queridinho da
avó, porque sabia cantar e compor músicas no piano. Ele atormentou minha
vida inteira, e ainda atormenta hoje. Você quer saber de uma coisa? Roger
nunca se interessou pela ilha nem pela família. Ele só quer saber de música...

— E Marnie?
— Essa nunca me deu trabalho. Moça inteligente, trabalhadora,

formada em Química. Ela podia ter tomado o lugar de Rupert na destilaria,
mas ficou cega devido a um acidente e nunca mais pôde fazer nada. Eu vendi
minhas ações e as dela pela melhor oferta. Como você está vendo, Rupert
fez muita falta. Ele era o gênio da família e Francis saíra ao pai. Meu único
talento consiste em escolher a mulher errada. . .

Thomas deu outro suspiro e olhou em volta, à procura de Aurora.

Miranda procurou desviar a conversa para outros assuntos mais alegres e
ficou contente quando Zelda apareceu e sugeriu que fossem todos jogar
cartas no iate. Tinham a intenção de zarpar no dia seguinte de manhã e
explorar outras ilhas do arquipélago.

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Livros Florzinha

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Miranda aproveitou o tempo livre e foi dar uma volta a pé pela praia.

Nunca mais voltaria àquela ilha e desejava guardar uma lembrança bem viva
daquele refúgio de paz e de beleza perfeitas.

A Lua crescente brilhava no alto do céu e a claridade transformam a

cor da areia. As folhas das palmeiras projetavam sombras escura na praia e
o mar quebrava ao longe com sussurro delicado e repousante. As estrelas
piscavam na superfície lisa da massa de água como em Estrelas sobre o Mar,
a canção triste de amor perdido que Roger tinha escrito, com uma melodia
que se parecia com o murmúrio do mar aquela noite. O que levara Roger a
compor aquela música nostálgica. Alguma mulher que conhecera?

Uma sombra surgiu atrás dela na areia. Ela parou e a sombra imitou

seu gesto, permanecendo absolutamente imóvel. Ela recomeçou a andar e a
sombra acompanhou-a. Podia ver a forma deformada da cabeça e dos
membros humanos na areia.

Sem afastar os olhos da sombra, curiosa em saber quem era pessoa

que a seguia de tão perto, Miranda se deteve de novo, e sombra parou
igualmente, alguns passos atrás.

Miranda voltou-se rapidamente.
— Por que você está me seguindo?
— Para você não cair no mangue.
— Existe um mangue aqui? — exclamou Miranda, assustada. Ela podia

ter caído no mangue e ficar coberta de lama!

— Você está indo exatamente na direção do mangue. É perigoso andar

pela praia à noite. . .

— Você podia ter me avisado, em vez de me seguir calado — reclamou,

com uma certa irritação causada pelo susto.

— Eu pensei que você não quisesse companhia. Às vezes eu gosto andar

sozinho e refletir sobre as coisas. Imagino que você esteja um pouco
desorientada na companhia dos meus parentes. Você se surpreendeu esta
tarde quando nos encontrou na praia?

Embaraçada pelo fato de Roger ter descoberto o motivo de seu

passeio solitário, Miranda respondeu evasivamente, esforçando-se para não
revelar seus verdadeiros sentimentos.

— Mais ou menos.
— E foi por isso que resolveu me evitar?

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— Você não tem culpa — disse Miranda, procurando relevar a atitude

dele. — Talvez você tenha sido influenciado pelo ambiente. Chuck disse que
não há lugar mais romântico que uma praia deserta. . . Roger aproximou-se.

— Ele falou isso por experiência própria. . .
— Você nos viu?! — exclamou Miranda, sobressaltada. E logo disse —

Chuck é muito criança. Ele queria imitar o exemplo dos mais velhos. Mas
aquilo não significou absolutamente nada para mim.

— E Aurora? Significa alguma coisa para mim?
— Eu. . . eu. . . eu não sei — confessou sem jeito. — É diferente. Além

do mais, ela é mulher do seu primo.

— Enquanto você é apenas noiva. Uma grande diferença, na realidade.

Aurora casou com Tom pelo dinheiro. Agora ele está falido não tem outra
coisa para dar senão sua idade. Aurora é jovem e Talentosa, e está disposta
a deixá-lo por alguém mais moço, alguém mais rico, um homem conhecido em
toda parte. . .

— Como você?
— Exatamente. Pelo menos é a interpretação que eu dou ao interesse

dela por mim, Ela me procura todas as tardes para levá-la à praia.
Naturalmente, ela pode ter outras razões. Você aprova o divórcio?

— Não, não aprovo — disse Miranda com frieza.
— Por que não combina com sua idéia do casamento feliz? — perguntou

Roger com ironia. — Se for assim, você terá ainda algumas surpresas nesse
nosso clima tropical, onde as atrações físicas são rapidamente satisfeitas.
Aliás, sua experiência dessa tarde com Chuck. . .

— Não foi nada disso! — negou Miranda com vivacidade. — Eu não senti

a menor atração por Chuck. Eu não gostei de ser beijada por ele. Acredito
que o amor físico é a expressão dos sentimentos profundos que se tem por
outra pessoa. Sem isso, não há amor. . .

— Neste caso, não devíamos namorar, mas namoramos mesmo assim.

Por que você não gosta de ser beijada? Tem medo de descobrir que não é a
pessoa que julga ser? Tem medo de ser uma mulher ardente e não a
adolescente inibida que vive num mundo imaginário?

Miranda não soube responder. Havia muita verdade nas palavra dele. O

silêncio traiu seus sentimentos e Roger deu um sorriso.

— Seu noivo não devia ter deixado você fazer essa viagem. Devia ter

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casado com você, em vez de lhe dar a liberdade de vir aqui. Você não será a
mesma quando voltar. . . e você sabe disso. Você terá recordações que
atormentarão sua vida. — Roger fez uma pausa encarou-a, mais próximo,
com atenção. — O que seu noivo faz?

Miranda respirou aliviada ao ver Roger mudar de assunto.
— Ele é engenheiro civil.
— Constrói hotéis?
— Não, somente casas particulares. Você não gostou dos hotéis que

visitamos em São Tomás e Tortola?

— Por que você pergunta?
— Porque você parecia terrivelmente entediado de tudo e foi muito

indelicado com Douglas,

— Eu fiz de propósito. Ele tem a casca dura.
— Estou certa de que você vai gostar do hotel em Granada -

acrescentou Miranda, decidida a dirigir a conversa para a Transmarine,
como fora instruída por Douglas. — O projeto combina melhor com a
arquitetura local. Não é um edifício alto, agressivo, que enfeia a paisagem.
São diversos chalés isolados, semelhantes às cabanas dos nativos, de dois
andares, cobertos de palha, distribuídos em volta dos pátios com fontes e
tanques cheios de peixes. As árvores foram trazidas das montanhas e
replantadas no local. O hotel combina tão bem com a paisagem que você mal
o avista da estrada ou do mar. Além disso, tem todas as comodidades da
vida moderna: piscina, lojas; supermercado, farmácia. Eu estou morrendo de
curiosidade de conhecer esse lugar. . ,

— Você me convenceu, Miranda. Admiro a lealdade que você dedica à

Transmarine, embora você fale como o texto de um folheto de turismo. . .
Infelizmente, você está perdendo seu tempo. Nada vai me fazer mudar de
idéia. Eu não tenho a intenção de vender minha propriedade em Tortuga,
ponto final.

— o que seu primo vai fazer nesse caso?
— Não faço idéia. Eu não devo nada a ele. Thomas já enganou
Marnie e eu quando vendeu as ações que tínhamos na destilaria. Eu
Era menor de idade e Marnie estava na Inglaterra. Desta vez ele não

vai tapear ninguém. Quando você conhecer nossa casa em Tortuga, vai
entender minha razão. E quando você conhecer Marnie, minha irmã, vai

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compreender por que não posso vender a casa e levá-la para morar em
Londres ou Nova Iorque.

— Faz quanto tempo que ela está cega? — Miranda estava comovida

com a sinceridade de suas palavras.

— Uns dez anos mais ou menos.
— Ela não pode fazer nada para curar a cegueira?
— Não, nada.
— Como foi que aconteceu?
— Foi um acidente.
Roger, evidentemente, não desejava entrar em pormenores.
— Desculpe, Roger — disse Miranda com tato. — Não devia ter feito

essas perguntas.

— Não foi nada. Você vai gostar de conhecer Marnie. Vocês duas têm

muita coisa em comum, Ela é incrivelmente leal e possui uma noção inabalável
do que é certo e errado, a tal ponto que isso prejudica sua felicidade. —
Roger fez uma pausa e acrescentou com uma inflexão casual: — Eu
presenciei algo essa tarde que não devia ter visto. Douglas é um operador
silencioso. Seria interessante saber o que ele estava conversando com
Aurora na praia. . .

Miranda contraiu-se, como se fosse apanhada de surpresa. O ar da

noite estava pesado e úmido. A lua e as estrelas tinham desaparecido
encobertas pelas nuvens baixas. A areia não cintilava mais e não havia
sombras na praia. A única luz que avistavam era a do iate, ancorado a alguma
distância dali. Miranda ouvia a respiração de Roger e podia sentir o calor do
seu corpo.

Contaria a ele que Douglas estava usando Aurora como intermediária

de seu plano? Até onde ia a lealdade que devia a seu chefe? Roger ficaria
magoado de saber a verdade? Seria possível que estivesse apaixonado por
Aurora?

Sendo a pessoa que era, Miranda estava sinceramente do lado de

Roger, sobretudo ao saber o motivo que tinha para não vender a

Casa em Tortuga. Confusa, emaranhada na teia do dilema, continuou
Em silêncio, sentindo-se profundamente infeliz, sem saber o que fazer.
— Você tem idéia do que eles estavam tramando? — perguntou Roger

em voz baixa, dando um passo em sua direção. — Você vai me

contar o que

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sabe, Miranda?

— Eu não sei nada.
— Mas qual é sua opinião?
A brisa quente, que balançou de leve a folha das palmeiras e enrugou o

mar calmo, bateu no rosto de Miranda como uma advertência da tempestade
que se aproximava.

Roger estava se aproveitando da intimidade que havia entre os dois,

intimidade adquirida durante os passeios e as conversas anteriores. Roger
sabia que ela desaprovava a falsidade e a traição, e tirava partido disso,
esperando que ela revelasse o que sabia a respeito do plano de Douglas.

Roger a seguira na praia com essa intenção, da mesma forma que se

oferecera para levá-la de táxi ao porto, quando desembarcara em San Juan.
Ele a desarmara falando a respeito da irmã cega.

Mais uma vez, Miranda arrependeu-se de ter aceito o papel que

Douglas lhe dera. Gostaria de estar bem longe dali, longe da voz persuasiva
de Roger, do seu corpo elegante, da boca bem feita, que repetiu num
murmúrio, que ela mal podia ouvir, por causa das marola que quebravam na
areia e da brisa que soprava as folhas das palmeiras:

— Você vai me contar o que sabe, Miranda?
A raiva que sentia dele, por estar abusando de sua atração física,

mais o medo de sua possível reação à intimidade inquietante criada por suas
palavras, levaram-na a exclamar com coragem:

— O que você vai fazer se eu não contar?
A risada dele foi tão sincera e espontânea que ela começou a rir

também, completamente desarmada.

— Eu não posso fazer nada, é claro! Não posso naturalmente bater em

você, nem torturá-la. . . Poderia, quando muito sacudi-la. . .

Ele colocou as mãos nos ombros dela. Ela sentiu o contorno dos dedos

em cima da pele, onde o vestido sem mangas deixava os ombros
descobertos. O apertão foi leve, quase uma carícia mas, mesmo assim ela
tinha a impressão de estar presa, de não poder afastar-se das mãos que a
seguravam.

— Duvido que você confesse com uma tortura tão suave quanto essa —

murmurou com um sorriso. — Mas já que estamos aqui, num praia deserta, ao
lado das palmeiras sussurrantes, vou tentar obter sua colaboração de outro

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jeito. . .

Antes que pudesse esquivar-se ou defender-se, as mãos subiram dos

ombros e a seguraram pelo pescoço. Presa dessa forma, ela não nem mesmo
virar a cabeça. Tentou manter os olhos abertos, como fizera quando Chuck a
beijara aquela tarde, mas não estava preparada para o efeito que o beijo de
Roger exercia sobre ela. Os olhos assustados se fecharam
involuntariamente. O corpo perdeu a rigidez e tornou-se mole e flexível nas
mãos dele. Uma sensação estranha, meio de dor, meio de prazer, espalhou-
se pelo corpo inteiro, e o desejo de responder ao prazer com prazer era
mais forte do que podia controlar.

0 ruído das gotas de chuva batendo nas folhas das palmeiras, o

contato dos pingos grossos na pele, em cima dos braços descobertos,
acordaram-na da volúpia que experimentava nos braços de Roger. Não havia
nenhum outro lugar no mundo onde gostaria de estar naquele momento, a
não ser ali, naquela praia deserta, sendo beijada e abraçada por ele. A força
do vento aumentou e as rajadas de chuva varriam a praia.

Assustada com a maneira como seu corpo reagira ao contato físico,

Miranda afastou-se bruscamente de Roger. Ainda quase inconsciente

sentiu sua mão bater com toda força no rosto dele. Percebeu então,

boquiaberta, que o agredira, embora não tivesse vontade de fazer isso.

— Não, Roger! — exclamou com a voz abafada, que mal reconhecendo

como sua. — Você não tem o direito, não é justo fazer isso com uma mulher
indefesa.

— Quem é indefesa? — perguntou Roger com um risinho irônico. Se

você me deu esse tapa é porque sabe se defender. Quanto a

justo ou injusto, eu adverti antes que vale tudo na guerra e no amor.

Você sabe o que está por trás da conversa de Douglas com Aurora, e vai me
contar o que foi, nem que passemos a noite toda aqui, debaixo dessa chuva.

Miranda tentou afastar-se, mas Roger a segurou pela mão e dobrou o

braço dela atrás das costas.

— Seu bruto, você está me machucando! — gritou com raiva, dando um

pontapé na canela dele, sentindo o prazer sádico de feri-lo, de faze-lo
gemer de dor. Entretanto, por mais que lutasse, não conseguiu libertar-se
das mãos dele.

— Você disse que não usava a força bruta! — berrou sem fôlego, com

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toda a raiva de que estava possuída, decidida a soltar-se de qualquer
maneira.

— Foi você que me bateu primeiro! — exclamou Roger. — Você me

obrigou a defender-me! Eu acredito na igualdade em todos os sentidos da
palavra!

A tempestade de verão desabava com fúria e varria a praia,

arrancando as folhas das árvores, encapelando as ondas do mar, que batiam
com força na areia. A água chegava até perto do homem e da mulher que
lutavam desesperadamente na praia deserta.

Ao perceber que não podia desvencilhar-se das mãos dele, Miranda

amoleceu o corpo, esperando apanhá-lo de surpresa e correr para o iate.

A mão dele, porém, não largou o braço dobrado nas costas.
— Eu não sou bobo, pequena! — disse Roger ofegante, puxando-a com

força.

Ele estava rindo como se tudo aquilo fosse uma grande diversão e,

antes que ela retomasse a luta, segurou-a pelos joelhos e levantou-a no ar.
Carregando-a nos ombros, começou a correr embaixo da chuva grossa que
caía. As mãos dela estavam livres agora e ela dava murros nas costas dele,
pontapés nas pernas, mas nada o demoveu.

Ela ouviu a chuva martelando o teto de zinco e, logo depois, estava de

pé no chão. Ouviu a porta bater e percebeu que deviam estar numa casa,
possivelmente um dos barracões abandonados que avistara na praia. A casa
tinha cheiro de mofo e maresia. O vento soprava por uma vidraça quebrada
e as janelas soltas batiam com toda força nos batentes.

— Então, Miranda? Você vai contar o que Douglas conversou com

Aurora?

— Você não pode me prender aqui — Miranda falou, ofegante ainda.
Afastou-se dele e aproximou-se da janela quebrada. Roger seguiu-a de

perto.

— Por que não? Descobri esta casa hoje à tarde. Tem uma cama no

canto, onde podemos passar a noite, se for preciso.

Ele segurou-a pelo braço e puxou-a para si. Miranda tentou resistir a

princípio, mas foi obrigada a segui-lo contra sua vontade.

— Sente-se ali — disse, empurrando-a em direção à cama, onda

sentou-se no colchão de palha, ao lado dela, segurando seu pulso. A perna

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dele roçava na dela, quente, forte, musculosa.

Miranda lembrou-se da conversa que tivera com Thomas. Roger sempre

fora um menino levado que se envolvera em todo tipo de encrencas, em casa
e no colégio. E agora, mais uma vez, confirmava as palavras de Thomas.
Seqüestrara-a, numa choupana abandonada e ela, com sua falta de
experiência, não tinha nenhuma chance de escapar dele, que era mais forte,
mais inflexível, e que estava disposto a obter de qualquer maneira a
informação que queria ouvir.

— Diga o que Douglas conversou com Aurora — repetiu Roger

impassível.

Ela continuou sentada em silêncio, o fogo da revolta morrendo

lentamente dentro dela.

— Miranda — repetiu Roger em voz baixa, e o hálito quente soprou na

face molhada. Ele afrouxou a mão e começou a acariciar a pele macia do
pulso, com um movimento lento e insinuante. — Eu vou beijá-la

de novo se

você não me contar. . .

A ironia estava de novo presente em sua voz, borbulhante, contagiante.

Ela se controlou para não rir.

O beijo era a única arma que não ousava enfrentar. Se Roger a
beijasse de novo, não seria responsável por seus atos. Ele sabia disso e

abusava do seu conhecimento para dominá-la. Mais uma vez, ela teve a
impressão estranha de estar entre dois perigos, mas não sabia qual dos dois
era pior, o homem ao seu lado ou o mar que batia perto dali.

— Seu monstro! — gritou, tentando libertar-se.
— Eu sou apenas um homem normal que está defendendo o que é seu.

Monstros são os outros que estão tentando roubar-me o que eu tenho. Eu
herdei aquela propriedade e vou preservá-la de qualquer maneira. Vamos,
diga o que você sabe, Miranda. É um favor que lhe peço.

— O que eles vão dizer se nós não voltarmos para o iate? — perguntou

Miranda, tentando ganhar tempo.

— A opinião deles não me interessa, mas você pode evitar uma situação

desagradável se disser o que sabe. Depois você estará livre para voltar ao
iate. Vamos, conte.

Ele estava inclinado sobre ela e o peso do seu corpo a empurrou contra

a parede. Ela sentiu os lábios roçarem o ouvido, afastarem-se para o rosto e

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dirigirem-se para a boca. Sua vontade era deixá-lo contunuar a doce
exploração, permanecer calada e ser coberta de beijos.

Depois, sem saber por que, lembrou-se de Marnie, que estava cega e

cujo bem-estar dependia da casa onde morava. Foi isso certamente que a
levou a confessar.

— Douglas e Aurora estão de acordo para fazer pressão sobre você.

Eu não sei os detalhes do plano.

Ele recuou imediatamente e soltou seu pulso.
— Ah, eu sabia! Douglas está disposto a fazer qualquer coisa para

realizar esse negócio. Você também foi usada?

— Eu não queria, e não fui muito hábil em atender seu pedido.
— O que ele sugeriu que você fizesse?
— Que fosse diplomática com você. Que descobrisse por que você não

quer vender a propriedade e mostrasse as vantagens dos hotéis da
Transmarine em outras ilhas. Enfim, fazer qualquer coisa, menos...

— Menos o quê?
— Não devia ir além dos limites da decência — confessou Miranda em

voz baixa e, dessa vez a risada dele foi sem graça.

— Como ele é bondoso e cheio de consideração! Ele não disse por que

achava boa idéia usar Aurora?

Miranda não respondeu, lembrando-se da opinião que Douglas fazia do

caráter de Roger.

— Explicou ou não? — insistiu Roger, aproximando-se dela.
— Explicou! — Exclamou Miranda com vivacidade. — Ele disse que você

era sensível aos encantos das mulheres.

— E você acreditou nisso?
— Eu aceitei a opinião dele. Eu não sabia nada de você antes de chegar

aqui, e não podia verificar se ele estava certo ou não. Não é verdade?

Roger refletiu um momento sobre a pergunta. Por fim, disse em voz

baixa:

— A opinião de Douglas baseia-se provavelmente nas fofocas habituais

de algumas revistas. Eu não venderia jamais minha casa para obter os
favores de uma mulher. Você não acredita?

— Acredito, mas, infelizmente, não tenho mais nada a dizer. Eu

realmente não sei qual é a intenção de Douglas.

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— O que você disse já basta. Posso adivinhar o resto. . . Agora estou

de sobreaviso e vou tratá-lo como ele merece. Muito obrigado por ter me
contado tudo isso, Miranda. E perdão por ter usado de um recurso violento,
mas eu precisava conhecer o plano de Douglas.

Beijou-a de leve na boca e foi até a porta do barracão. Mole e

deprimida, Miranda deixou-se ficar encostada na parede, sem coragem de
sair da escuridão da casa que fora o local de sua derrota. A chuva
continuava martelando o telhado de zinco e, quando Roger abriu a porta, ela
ouviu o temporal lá fora.

— Continua chovendo. Você quer arriscar e dar uma corrida, até o

iate?

Ela levantou-se e aproximou-se da porta. Ficar sozinha com ele naquele

barracão abandonado seria mais perigoso do que enfrentar a tempestade.

— Não tem outro jeito. . . Não podemos passar a noite aqui!
— Não, não podemos — confirmou Roger, com uma certa aspereza na

voz.

Segurou a mão dela e arrastou-a pelo meio das poças d'água em

direção à praia. A areia molhada grudava nos pés, dificultando a

corrida. O iate estava ancorado a uns duzentos metros dali e suas

luzes acesas eram o único sinal que enxergavam na escuridão. Os dois
correram ofegantes ao longo do ancoradouro, atravessaram a rampa de
tábuas e entraram pela porta dupla de vidro no corredor iluminado.

Zelda os aguardava na saleta. Estava com o chambre de dormir e

parecia extremamente nervosa e irritada. Lançou um olhar furioso

para Miranda, que estava ofegante, de olhos arregalados, os cabelos

encharcados caindo em cima do rosto, o vestido todo amassado e colado no
corpo. Em seguida, voltou-se para Roger, cujos olhos verdes estavam duros
e frios. A roupa dele também estava grudada no corpo, acentuando os
ombros e as pernas musculosas.

— Onde vocês estavam? Passa da uma da manhã e todos já estão

dormindo! Foi uma loucura você ter saído com esse tempo, Miranda. Douglas
está muito preocupado e gostaria de conversar com você amanhã cedo. Onde
você a encontrou, Roger?

— Ela estava perto do mangue. Nós entramos num barracão

abandonado para fugir da chuva. É melhor você tomar um banho quente,

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Miranda. Eu posso fazer um chocolate enquanto isso, se você quiser.

— Muito obrigada, não precisa — balbuciou Miranda com nervosismo.
Soltou-se da mão dele e correu pelo corredor em direção ao beliche.

Uma vez lá dentro, fechou a porta a chave como se, ao agir assim, pudesse
afastar do pensamento tudo que lhe acontecera aquela noite na praia
deserta.



CAPÍTULO IV



A manhã nasceu fresca e límpida depois da tempestade. O céu azul

refletia-se nas águas tranqüilas da enseada, onde pontinhos luminosos e
peixinhos minúsculos brilhavam feericamente, criando uma excitação de
movimento prateado sobre a superfície azulada.

Miranda acordou cedo, como era seu costume, e foi ver a paisagem no

alto do convés. A praia da enseada, cercada de palmeiras, onde ela
experimentara uma emoção tão intensa na noite anterior, desapareceu
finalmente na distância.

Ela não se demorou muito tempo ali porque devia ir à sala de Douglas

narrar os acontecimentos da véspera. Ao avistar Roger, que se aproximava
no deck, muito elegante numa calça cor de areia e com uma camisa esporte
vermelho-escura, Miranda voltou-se e correu na direção oposta. Não estava
em condições de conversar com ele! Primeiro tinha que recuperar sua calma
habitual. Dirigiu-se por isso à sala que Douglas usava como escritório.

Douglas, felizmente, estava calmo e. sereno. Não demonstrou nenhum

sinal de desagrado pelo episódio da noite anterior. Foi diretamente ao
assunto e perguntou se ela fora bem-sucedida na sua tarefa.

— Não muito — confessou Miranda, sentindo-se culpada por ter

revelado a Roger os planos de Douglas.

— Espero pelo menos que você não tenha perdido seu tempo ontem à

noite — comentou Douglas com uma leve mordacidade na voz. — Eu achei que
seria uma grande oportunidade quando vi Roger sair à sua procura. . .

— Eu tentei convencê-lo — balbuciou Miranda sem jeito. No instante

seguinte, entretanto, o ressentimento explodiu livremente. — Olhe, eu não

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sei fazer isso. É impossível! Eu não sou esse tipo de pessoa.

Douglas levantou as sobrancelhas e curvou ligeiramente a boca.
— Ele é esperto demais?
Miranda ficou vermelha como um pimentão, mas conseguiu encará-lo

sem pestanejar.

— Eu não quero ter nada com Roger — disse com a voz firme.
— Muito bem. Não posso dizer que esteja contente com os resultados.

Nos negócios, os sentimentos pessoais devem ser postos de lado. . . Talvez
você seja muito jovem e espontânea para entender isso. Vamos deixar Roger
para alguém mais experiente, como Aurora. Eu gostaria de dedicar uma
parte da manhã para pôr a correspondência em dia. Vamos passar alguns
dias em Antígua, onde receberemos certamente muitas cartas, inclusive
algumas de sua família.

A perspectiva de receber cartas da tia, de Dottie e talvez de Joe

animou Miranda. Ela foi trabalhar com o coração mais leve, contente de se
ver livre da responsabilidade de manter uma intimidade fingida com Roger,
sobretudo porque os sentimentos dela no momento estavam um verdadeiro
caos.

Nos cinco dias seguintes, exploraram algumas ilhas do arquipélago e

visitaram diversas instalações hoteleiras. O fato de Chuck ter surpreendido
Roger e Aurora na praia não alterou a atmosfera de confiança mútua que
reinava no iate. Provavelmente Chuck achara mais inteligente não contar
nada ao pai.

Os passeios, os mergulhos e os banhos de sol alternavam-se todos os

dias num clima de camaradagem. Vez por outra Douglas discutia com Roger e
Thomas. Embora não houvesse divergências muito grandes nesses debates,
não havia progressos tampouco, sobretudo devido à atitude indiferente de
Roger, que se mantinha inflexível quanto a venda de sua casa em Tortuga.

Miranda supunha que Roger fosse abandonar a excursão após ter

conhecimento das intenções de Douglas. Imaginava também que ele iria
cortar relações com Aurora. Entretanto, para surpresa sua, não aconteceu
uma coisa nem outra. Roger continuou no iate e dedicou maior atenção ainda
à mulher do seu primo. Os dois faziam programas juntos e pareciam muito
felizes na companhia um do outro.

Para Miranda, isso foi uma vantagem, porque evitava assim os contatos

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freqüentes com Roger.

Foi enquanto estavam ancorados em Antígua — a ilha em forma de

folha, com dezenas de praias maravilhosas, o paraíso dos navegadores, onde
as plantações de cana-de-açúcar estão salpicadas de antigos moinhos de
vento — que Aurora e Roger desapareceram repentinamente na segunda
manhã.

Nada foi comentado sobre a ausência deles enquanto os outros

passeavam pelo cais, onde a frota de Lord Nelson abasteceu-se durante as
guerras napoleônicas. Nada foi comentado tampouco à hora do almoço, no
restaurante de pedras, de estilo britânico, nem à tarde, quando os outros
tomaram banho de mar na praia particular do restaurante.

Entretanto, quando a noite desceu repentinamente, Thomas começou a

dar sinais de impaciência e recusou-se a acompanhar os outros a

um

espetáculo de som e de luzes que se realizou no antigo porto da ilha. Thomas
disse que ia voltar para o iate a fim de esperar pelos dois retardatários.

À mesa do jantar, Thomas estava de péssimo humor e acusou Douglas

de ser o responsável pela ausência de sua mulher. Douglas, por sua vez,
também estava irritado com a atitude dos dois, uma vez que pretendia
zarpar de Antígua pouco depois da meia-noite para chegar o mais cedo
possível na Martinica.

Roger e Aurora chegaram, finalmente, pouco depois da meia-noite.

Desceram do táxi, no cais de pedras, e subiram alegremente a bordo pela
prancha, muito animados com o programa que tinham feito. Foram visitar um
pianista de jazz, amigo de Roger, que se exibia na boate de um dos hotéis
mais luxuosos da cidade. Aurora, pelo visto, adorara o programa, e Thomas
olhou furioso para o primo antes de levar a mulher para o beliche, onde a
acusou em altos brados de ter passado o dia inteiro fora.

No dia seguinte, Miranda acordou cedo para ver a ilha da Martinica

surgir no horizonte. Podia avistar as montanhas azuladas ao sol nascente,
que pareciam flutuar no mar nevoento da manhã. Mesmo à distância, os
belos contornos da ilha eram fascinantes e, à medida que o iate se
aproximava, ela observou que uma das montanhas estava desolada e coberta
de camadas de lava derretida, que tinha descido do vulcão, devastando a
terra e matando quase trinta mil pessoas, no começo do século. O morro
chamava-se Mont Peléc, um dos vulcões mais temíveis de todos os tempos.

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As tentativas de Miranda para esquivar-se de Roger foram bem-

sucedidas. Ele não apareceu mais no convés, de manhã, e, durante o resto do
dia, estava sempre na companhia de Aurora.

Miranda não sabia explicar a razão por que evitava a presença de

Roger. Tentava convencer-se de que era por ter antipatizado com sua
conduta na praia, mas sabia, no fundo, que não era verdade. Talvez tivesse
medo dele, porque Roger perturbava sua reserva habitual e despertava nela
uma outra Miranda, uma mulher que dava tapas e pontapés, que brigava com
os homens com toda a exuberância de sua juventude, embora seu corpo
derretesse quando ele a beijava. Uma Miranda cuja existência ela
desconhecia até a noite da tempestade na praia deserta.

Deu um suspiro e olhou para a extremidade do convés. Roger estava

vindo na sua direção, caminhando silenciosamente, com seu tênis de
borracha. O short curto mostrava a simetria das pernas musculosas, e a
camisa esporte acentuava a linha reta dos ombros. Ele estava sem óculos
escuros dessa vez, e os olhos verdes brilhavam de animação quando a
cumprimentou com um aceno de mão.

Encostou-se no parapeito de metal ao lado dela e admirou a ilha, que se

aproximava lentamente. Os ombros descobertos roçaram nos dela, e
Miranda se afastou instintivamente, colocando alguns centímetros de
distância entre os dois.

— Por que você está fugindo de mim? — perguntou Roger, com um

olhar de zombaria. — Eu não vou mais arrancar-lhe nenhuma confissão, se é
isso que você receia.

— Não, não é isso que me preocupa. Eu simplesmente não quero me

aborrecer à toa. Estava me sentindo muito bem até você chegar.

Ele deu uma risada, e os olhos brilharam por baixo das pestanas

escuras. O sorriso expulsou as pequenas rugas que se formavam embaixo

dos

olhos e nos cantos da boca, conseqüência da farra do dia anterior com
Aurora.

— Suas palavras não me agridem. Eu tenho a pele dura. Já convivi com

mulheres que eram mestres na agressão.

Miranda sentiu saudades das manhãs em que os dois conversavam no

convés, antes do café, debruçados no parapeito de metal. Ela o odiou
naquele instante, com uma intensidade que a surpreendeu, porque nunca

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sentira por ninguém, antes, um ódio tão grande. Odiou a simetria perfeita
do rosto, a elegância viril do corpo, o ar arrogante com que falava, dando a
entender que passara o dia anterior na companhia de Aurora. Ele não tinha o
direito de perturbar sua vida e de estragar a lembrança que guardava dele.
ferindo-a com comentários maldosos.

— Eu o odeio! — exclamou sem se conter, e as palavras pareciam

flutuar na sua frente como uma nuvem de fumaça, poluindo a claridade

cristalina da manhã.

— Você não é muito original. Isso já foi dito antes — comentou Roger

cinicamente, e Miranda lembrou-se do dia em que Aurora atirou o copo de
bebida na cara dele, dizendo que o odiava. Imediatamente sentiu raiva de si
mesma, por agir de maneira semelhante a Aurora.

Roger, enquanto isso, fitava-a com atenção, demorando-se na maçã do

rosto que o sol tinha avivado com um tom rosado.

Miranda sentiu-se frustrada diante da reação inesperada de Roger.
Ela esperava que ele fosse ficar irritado ou dizer um desaforo. Ele

nunca perdia a calma? Nem mesmo a agressão física o atingia?

— O que você quer que eu diga? É isso que eu sinto — murmurou, com o

rosto sério, pouco habituada com esse tipo de agressão verbal. — Eu o odeio
porque você. . .

Se dissesse porque o odiava, Roger teria uma nova arma para usar
Contra ela. Deixou por isso a frase pelo meio e encarou-o em silêncio, o

peito levantando e abaixando sob a camisa leve de algodão, os olhos
sombrios e perturbados, da cor das águas do mar quando a tempestade está
próxima.

— Você me odeia porque eu a beijei — completou Roger. — Porque eu a

acordei do sono da inocência para a realidade do dia. Isso tinha que
acontecer mais cedo ou mais tarde. Ainda bem que foi antes do casamento,
senão o choque podia abalar o dia mais feliz de sua vida. Seu noivo não agiu
corretamente com você, Miranda. Ele devia ter ensinado certas coisas a
você. . .

O ódio e a surpresa a sufocavam ao mesmo tempo, e tudo isso porque

Roger percebera que ela era inexperiente nas coisas, do amor.

— Eu conheço perfeitamente os fatos da vida! — exclamou furiosa. O

olhar dele estava cheio de indulgência enquanto admirava o brilho dos

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cabelos pretos, demorando-se um instante na boca rosada, sem batom,
inconscientemente tentadora.

— Ah, que maneira sem graça de descrever os instintos naturais das

pessoas — murmurou Roger. — Se você fosse minha noiva, faria questão
absoluta de iniciá-la na linguagem do amor antes do casamento.

Minha noiva. A palavra meio antiquada lhe agradou. Era mais delicada

que amante ou namorada. Como seria ser noiva de Roger? Ser amada e
cortejada por ele, com amor e com carinho, aprender a linguagem do coração
e rivalizar com ele nas palavras e nos gestos apaixonados?

Mas ele não era seu noivo. Irritada e angustiada ao mesmo tempo

Miranda voltou o rosto para Roger não ver a expressão dos seus olhos

— Não estou certo? Não é verdade que vocês dois nunca se amaram

para valer? — Miranda não respondeu e, mais uma vez, o silêncio a traiu. —
Nesse caso, por que você vai se casar com ele? — explodiu Roger, e a
violência de suas palavras a surpreendeu.

— Minha vida pessoal não lhe diz respeito — murmurou, voltando-se

para encará-lo. — Afinal, nós mal nos conhecemos.

— Faz anos que nós nos conhecemos, Miranda — disse Roger em voz

baixa. Ela olhou intrigada para ele, perturbada pela sugestão.

— Dentro de algumas semanas vou voltar para Londres e tudo isso se

apagará de minha lembrança.

— Não, não se apagará. Você vai se lembrar desses dias à noite, antes

de dormir. Eu costumo ir freqüentemente a Londres e passo mais tempo lá
do que aqui. Eu tenho um apartamento vazio. Nós podíamos nos encontrar.
Londres tem alguns lugares bonitos que gostaria de visitar com você.

Miranda examinou-o com atenção, procurando adivinhar o que estava

por trás de suas palavras, imaginando o que aconteceria se fosse ao
apartamento dele. Os olhos verdes não revelavam nada, porém.

— Não, eu não posso encontrá-lo lá. É impossível! — exclamou em

pânico. — Eu não quero ter mais nada com você.

— Por quê? Por causa do que Douglas disse a meu respeito? Por causa

de Aurora? Se eu lhe contasse por que saí com ela. . .

— Eu não quero ouvir! — exclamou impulsivamente. E começou afastar

do parapeito, mas ele segurou-a pelo braço.

— Não fuja de mim, Miranda! Eu prometo me comportar bem e não

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importuná-la mais.

Ela virou o rosto e encontrou seu sorriso, embora fosse um sorriso

cansado e sem graça.

— Olha — disse, apontando para a ilha. — Estamos bastante perto para

avistar as ruínas de São Pedro. Ali está a torre de uma das catedrais. Ela
me lembra a história que ouvi de um dos sobreviventes. Eu era sacristão
naquela igreja e estava tocando órgão no dia que o vulcão entrou em
atividade. Ele abrigou-se embaixo do órgão e saiu com vida do desastre. Em
outras palavras, ele foi salvo amor à música..... Eu gosto muito dessa
história.

A narrativa distraiu Miranda de sua intenção anterior, que era

afastar-se dali. Lembrou-se, em vez disso, do que Roger lhe dissera um dia a
respeito de um grande desgosto que tinha. Qual seria? A perda dos pais
quando era menino? A cegueira da irmã que pesava na sua consciência? Havia
também uma mulher chamada, Josefina. Quem era Josefina e o que fizera
para causar essa tristeza nele? Era por causa dela que Roger se
comportava, às vezes, de uma maneira ríspida e agressiva?

— Essa catástrofe teve uma influência muito grande sobre os

moradoures da ilha — continuou Roger. — As crianças nasceram com valores
diferentes, que passaram aos filhos, aos netos. De uma hora para a outra, as
pessoas se tornaram conscientes da fragilidade da

existência. É por isso que o povo da ilha conhece de fato o significado

da expressão joie de vivre e o deus deles é o amor, sempre o amor. —
Voltou-se para ela com o olhar divertido. — Será que você vai gostar da
Martinica? Você tem tanto medo do amor.. .

Miranda inclinou o queixo, procurando acompanhar sua mudança de

humor.

— Isso não é verdade. Eu não tenho medo do amor.
— Claro que tem — insistiu Roger. — Você tem medo do amor que

rejeita as convenções e as normas sociais, que rompe os contratos e as
promessas, que leva as pessoas a se comportarem de maneira natural e
instintiva.

Ela não soube o que responder e deu um passo atrás.
— Eu poderia entender se você fosse uma mulher ambiciosa,

preocupada com a carreira. Mas você não é desse tipo. Você é tranqüila e

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meiga, dotada de uma chama oculta, uma moça inocente e apaixonada como a
outra Miranda da peça.

— Por favor, Roger, pare com essa conversa. Você não deve dizer

essas coisas. Eu vou me casar com Joe.

O sol bateu com violência no seu rosto. Estava na hora de refugiar-se à

sombra da coberta, pôr os óculos escuros, passar o creme na pele.

— Está bom — disse Roger, com uma certa amargura na voz. — Jogue

na certa. Volte para a Inglaterra, case com Joe e viva tranqüila o resto da
vida. Eu só espero que você não se arrependa mais tarde.

Dessa vez foi ele que se afastou dela, dirigindo-se a passos rápidos

para o outro lado do convés. Miranda foi até a saleta a fim de tomar café
com Juanita e Ramón.

Algumas horas depois, o iate atracou no canto da baia natural, não

muito distante de Fort-de-France, a principal cidade da Martinica. Os
homens foram tratar de seus negócios e as mulheres saíram com Juanita,
que falava francês perfeitamente e serviu de intérprete, objetivo era
visitar as lojas à procura de produtos fabricados na ilha além de comprar
alguns cortes estampados de algodão, desenhados e tecidos pelos artesãos
locais.

Na corrida de táxi pelas ruas movimentadas do centro, Miranda ficou

surpresa de ver os guardas de uniformes caqui e bonés pretos na cabeça,
como usavam em Paris, mas Juanita informou que a ilha é de fato um
departamento da França.

Nas lojas haviam artigos nacionais e importados da França, e, após

percorrerem diversas ruas apinhadas de gente, foram dar num braço de
mar, que parecia separar a cidade em duas partes, onde havia uma feira
montada ao ar livre.

Mulheres com panos enrolados na cabeça, de saias rodadas e pulseiras

nos braços, vendiam laranjas, tangerinas, limões e uma variedade de outras
frutas tropicais, juntamente com legumes e verduras.

As barracas estendiam-se pela ponte estreita que ligava as duas

partes da ilha. No outro lado, estavam os barcos de pesca, pintados de azul
e de laranja, embicados na praia; os pescadores e suas famílias ofereciam
peixes, amontoados em cima da areia, apanhados no arrastão aquela manhã,
nas águas verdes do Caribe.

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Para abrigarem-se do calor insuportável, as quatro entraram num bar

com mesinhas na calçada, onde tinham combinado encontrar-se com os
homens. Sentaram-se nas cadeiras brancas de ferro e pediram refresco de
frutas, enquanto observavam as pessoas que passava na rua.

— Ainda bem que não chegamos na época do carnaval — disse Zelda. —

A ilha fica apinhada de gente e não se pode dar dois passos na rua. Algumas
mulheres são muito bonitas, vocês não acham? Olha aquela que está sentada
naquela mesa ali, à esquerda. Uma combinarão curiosa. . . cabelos claros e a
pele bem escura. . .

As outras três se voltaram para ver a mulata que Zelda apontava.

Havia três pessoas sentadas na outra mesa, duas mulheres e um homem. O
homem era evidentemente francês, pela maneira impecável como estava
vestido e pelos cabelos cortados à escovinha. Uma das mulheres tinha a pele
escura, cabelos pretos e olhos bem redondos, mas era a outra mulata que
chamava a atenção.

Alta, magra, vestida com uma saia branca e uma blusa verde-limão,

tinha um perfil delicado, quase clássico. A pele era de um tom moreno mate,
e os cabelos compridos, de um louro dourado.

— Ela se parece com Josefina — murmurou Juanita, olhando com

admiração para a mulher. — Você não acha, Aurora?

— Como eu posso saber se não conheci Josefina? — Aurora não estava

de bom humor aquela manhã, provavelmente em conseqüência da ressaca da
noite anterior, ou da briga que tivera com Thomas. — Os cabelos são
tingidos — comentou, balançando a cabeleira comprida, que era
genuinamente loura.

— De quem vocês estão falando? — perguntou Zelda com inocência. —

Da Josefina de Napoleão?

— Não, da Josefina de Roger — disse Aurora, com o canto da boca,

colocando um cigarro nos lábios.

— Quem é essa Josefina? Uma amiga dele? — insistiu Zelda

inocentemente.

— Mais ou menos. O que ela foi exatamente ninguém sabe, porque

Roger é um sonso de marca maior — disse Aurora com uma curva amarga na
boca. — Os franceses têm uma expressão para isso. . . uma ligação perigosa.
Não foi isso, Nita? Você sabe mais do que eu sobre o caso, embora Thomas

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também estivesse envolvido na história. . .

Juanita pareceu preocupada com o comentário e seu olhar voltou-se
da mulata elegante na outra mesa para Aurora.
— Cuidado com o que você está dizendo. . .
— Por que cuidado? Todos sabem que os homens da família Galant são

uns piratas. . . — disse Aurora. — Deu uma risada repentina.

— Roger e eu nos divertimos a valer ontem à noite e ainda estou
meio de ressaca. O gerente do hotel me deixou cantar no conjunto
de Danny. E sabem o que eu cantei? As músicas de Roger. O público
delirou. Danny disse que eu devia voltar a cantar. Eu bem que gostaria.

Foi sensacional aparecer novamente diante de toda aquela gente!

— Ela está indo embora — murmurou Juanita. — Olha só quem está

vindo em nossa direção! Se for Josefina, Roger vai encontrá-la na saída. . .

— Vamos ver a reação dele — disse Aurora, endireitando-se na

cadeira a fim de ter uma visão mais perfeita da cena. — Sobretudo porque
dizem as más línguas que Josefina morreu.

— Isso nunca ficou claro. Ela Simplesmente desapareceu — comentou

Juanita.

As quatro mulheres observaram o encontro com atenção. A mulata

sorriu para Roger, que dera um passo atrás para lhe dar passagem na porta.
Ela disse alguma coisa e ele respondeu com um sorriso. Depois que ela se
afastou. Roger se voltou e seguiu-a um instante com o olhos. A mulata
caminhava requebrando as cadeiras, com a graça especial das mulheres da
Martinica.

— Então? O que vocês concluem? — perguntou Aurora.
— Nada. Roger é um ator consumado, e ele sempre olha para a

mulheres bonitas que passam na rua — disse Juanita. — Ramón e Chuck
estão vindo com papai. Ainda bem, porque eu estou com um fome daquelas. . .

Foram a um restaurante cuja especialidade era peixes e frutos do

mar. Toalhas de xadrezinho cobriam as mesas, e as paredes estavam
revestidas com pinturas nostálgicas de cenas parisienses. A comida porém,
era tipicamente tropical: mariscos cortados em pedacinhos, temperados com
alho e suco de limão. O prato seguinte foi um filé flamboyant, acompanhado
de salada de alface.

Depois do almoço, houve uma pequena discussão sobre os programas da

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tarde. Miranda acabou tomando um táxi na companhia de Zelda, Juanita e
Chuck. Foram a La Pagerie, conhecer o local de nascimento da Josefina de
Napoleão. Miranda não sabia que fim tinham levado Thomas e Aurora, mas
supunha que os dois estavam, juntos e que Aurora não tornara a sumir com
Roger.

A casa histórica fora derrubada por um furacão. Havia, no entanto, um

pequeno museu com recordações da infância da mulher famosa de Napoleão.
Miranda não ficou muito impressionada com a visita. Josefina não era
nenhuma beleza, sem falar que era alguns anos mais velha que Napoleão,
para quem mentira a idade.

Mais tarde, no passeio que deram pela parte sul da ilha, ela viu algumas

paisagens que nunca mais iria esquecer. As praias estavam cobertas de
redes de pesca, estendidas em cima de varas compridas para secar, e as
aldeias de pescadores pareciam adormecidas ao calor da tarde. Ramagens
de samambaias gigantescas atravessavam os pequenos caminhos de terra, e
havia em toda parte uma profusão deslumbrante de flores, silvestres e
cultivadas.

Voltaram no fim da tarde ao iate, onde apanharam as roupas de banho

e os vestidos longos, antes de atravessarem a baía cm direção ao hotel,
onde iriam jantar e dançar. Somente Douglas estava a bordo. Roger, Thomas
e Aurora não tinham voltado ainda.

— Eu queria ter uma conversinha com você antes do jantar — disse

Douglas para Miranda.

— Pois não. Chegou alguma correspondência para mim?
— Não, penso que não.
— Ah, eu queria tanto receber uma carta de casa!
— Talvez haja alguma para você em Granada. Vamos chegar lá Depois

de amanhã. Mudando de assunto. . . Como estão as coisas? Não podemos
continuar esse cruzeiro a vida toda. Estou sendo pressionado pela diretoria.
Há uma outra ilha à venda. O proprietário tentou explorá-la pessoalmente e
foi à falência. Eu devo visitar o local antes que uma outra companhia de
investimento se interesse pelas terras. Mas eu não quero me dar por
vencido e desistir de Tortuga. Deve haver alguma maneira de resolver
rapidamente esse assunto. O que você acha? Roger vai ou não vai vender as
terras?

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Julia n° 02

Livros Florzinha

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— Creio que não. Ele continua inflexível. Diz que não pode venda

enquanto a irmã morar na casa.

Douglas bateu na mesa com o punho. Os olhos cinza brilharam com uma

expressão de triunfo.

— Isso mesmo! Vamos a Tortuga conhecer essa irmã. Talvez haja uma

maneira de convencê-la pessoalmente. Ouvi dizer que é uma mulher muito
inteligente e extremamente prática em questões de dinheiro. Foi ótimo você
me lembrar disso, Miranda!

— Eu não fiz nada — disse Miranda sem jeito.
— Você mencionou a irmã de Roger e isso é bastante. Agora vá com

os

outros ao hotel e procure distrair Chuck. Ele está começando a ficar
impaciente. . .

Para chegar ao hotel, atravessaram a baía numa lancha alugada.

Encontraram Thomas sentado ao lado da piscina com um grupo de
canadenses de Montreal. Parecia muito satisfeito com seus novos amigos e
estava ligeiramente eufórico, como se tivesse bebido um pouquinho a mais.
Contou que tinha ido para o hotel com Aurora e Roger, mas que os dois
tinham sumido. Enquanto isso, se divertia à beca com os canadenses.

Zelda reuniu-se ao grupo em volta da piscina, enquanto Miranda foi

com Chuck, Juanita e Ramón dar um mergulho e tomar um restinho de sol na
praia particular do hotel, em frente das barracas coloridas.

— Temos que dar um jeito em Roger, Nita — disse Chuck, deitando-se

ao lado de Miranda, juanita estava escorrendo a água dos cabelos. Com a
pele muito queimada, no maior tipo sarongue, parecia ter nascido numa ilha
tropical, embaixo das palmeiras e dos coqueiros.

— Estou de pleno acordo. Ele e Aurora estão se comportando

abominavelmente.

— Eu tenho a impressão de que os dois estão aprontando alguma. . . —

Eu também. Aurora disse hoje de manhã que ela cantou no cabaré em
Antígua e ficou fascinada com a reação do público. Ela está pensando
seriamente em voltar a cantar. Chuck deu uma gargalhada.

— Ela não tem voz nenhuma!
— Você se engana. Ela está cantando melhor do que antes e com uma

melhor postura no palco — comentou Juanita. — Com as relações que Roger
tem no meio musical, ela pode voltar a cantar nas boates, e depois ninguém

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Julia n° 02

Livros Florzinha

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mais a segura! Ela tem a figura certa e a tipo perfeito da cantora popular.

— Pode ser, mas isso não vem ao caso. O que me interessa no momento

é o negócio com a Transmarine. Eu tenho que receber esse dinheiro, Nita.
Papai está endividado até o pescoço e eu não estou

muito atrás.

— Ah, por que você não me falou? Eu posso pedir a Ramón!
— Eu já pedi e ele atendeu prontamente, como um bom cunhado —

disse Chuck cinicamente. — Mas eu não posso viver de facadas. . . Papai não
quer.

— Pelo menos isso ele tem a seu favor.
— Também é a única coisa boa. Que pai nós temos, não? Deve haver

alguma maneira de persuadir Roger a vender a casa. Ele não mora lá e não
tem a menor intenção de desenvolver o negócio pessoalmente. Nós temos
que dar um jeito, Nita. Você não tem nenhum sugestão? Algo que
pudéssemos usar como chantagem?

— Agora você está bancando o pirata! Não podemos fazer nada antes

de chegar a Tortuga e conversar com Marnie. Se ela disser que está
disposta a vender a casa, Roger não poderá se opor.

— Boa idéia. Vamos convencer Marnie de que ela vai fazer uma grande

coisa em se mudar de casa. Roger aceitará a decisão unicamente para
agradá-la. No fundo, ele se julga responsável pela cegueira dela. Você tem
idéia por quê?

— Não. Talvez isso tenha alguma coisa a ver com Josefina. Eu contei a

você que vimos uma mulata muito parecida com josefina hoje de manhã?

Juanita repetiu em voz baixa o episódio da manhã e Miranda reviu

na

imaginação a mulher bela, de cabelos louros e pele morena, o sorriso que
dirigiu a Roger, a hesitação dele na porta do café, o olhar que lançou para
ela. Roger achara também que a mulher se parecia com Josefina? E o que
Josefina fora para Roger? Aurora disse que fora um caso, sugerindo que
havia algo entre os dois. Segundo Juanita, Josefina tinha alguma coisa a ver
com a cegueira de Marnie.

Miranda deu um suspiro e deitou a cabeça nos braços. Ela gostaria de

ter ouvido a conversa entre Chuck e Juanita. Era incrível como a família
Gallant fazia planos e conspirações uns contra os outros! Juanita e Chuck se
pareciam, nesse sentido, com o pai. Desejavam persuadir Marnie a fazer
parte do grupo contra Roger.

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Livros Florzinha

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Miranda gostaria de conhecer alguém que não estivesse envolvido no

drama para conversar livremente sobre o caso. Gostaria de ser a Secretária
fria e eficiente que admirava, em vez de envolver-se emocionalmente com as
pessoas. Teria sido melhor se tivesse casado com Joe, em vez de aceitar
essa representação que não lhe agradava. Estava agora mais segura e
tranqüila.

As lágrimas brotaram repentinamente dos olhos. Haveria uma carta

para ela em Granada? Joe sentira falta dela durante essas duas semanas?
Procurou visualizá-lo, mas não conseguiu. Tia Clara e Dottie também eram
lembranças apagadas na sua memória.

— Acorda, Miranda! — exclamou Chuck ao seu lado. — Vamos dar um

último mergulho antes do jantar. . .

O sol afundava no horizonte, um círculo laranja rio céu cor-de-rosa,

mascado por nuvens ralas. Chuck estava pronto para divertir-se à noite,
animado com a esperança de que nem tudo estava perdido e que iriam
convencer finalmente Roger a vender a propriedade.

Miranda nadou algum tempo com Chuck e depois foi com Juanita trocar

de roupa no hotel. Pôs o vestido longo que trouxera; era verde-turquesa e
tinha um decote fundo nas costas e na frente. A saia caía em ondulações
suaves quase até o chão. A cor combinava com sua pele bronzeada e
acentuava o tom azulado dos olhos cinza. Juanita penteou os cabelos dela
num estilo diferente do que estava habituada a usar: prendeu-os no alto da
cabeça e passou uma correntinha de prata em volta, através da qual alguns
fios caíam graciosamente sobre a testa e as orelhas. Quando Miranda se
mirou no espelho, levou um susto com a figura sofisticada que estava à sua
frente.

Foram ao bar reunir-se aos outros para tomar o aperitivo antes do

jantar. Roger estava lá, de smoking preto e camisa rendada, imaculadamente
passada. Conversava com Zelda quando Juanita e Miranda entraram na sala.
Sorriu para as duas e ficou espantado com a elegância de Miranda, como se
não a tivesse reconhecido no primeiro instante. Não disse nada, mas
examinou-a demoradamente em silêncio, com uma expressão curiosa.

Aurora não apareceu na hora do jantar. Quando Thomas perguntou a

Roger se tinha visto sua mulher, Roger balançou a cabeça e respondeu que a
vira pela última vez à tarde. Ao notar a expressão de incredulidade no rosto

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de Thomas, Douglas interveio diplomaticamente, passou o braço em volta
dos seus ombros e levou-o ao salão de jantar.

Sentaram-se todos numa mesa grande, com os amigos canadenses de

Thomas. Miranda sentou-se entre Ramón e Chuck. A refeição foi uma
maravilha de simplicidade requintada. Mariscos servidos com limão,
maionese de lagosta, carne de vaca com um molho delicioso. O champanhe
borbulhava nas taças e uma variedade de licores coroou o jantar.

Mais tarde, foram todos ao salão de baile, que ficava do lado de fora,

cercado por treliças brancas, entre buganvílias e lâmpadas coloridas de
papel. Em volta do estrado estavam as mesinhas e as cadeiras de vime, por
entre as quais os garçons circulavam agilmente, servindo chopes e
batatinhas fritas.

O primeiro show foi apresentado por um grupo de cantores da ilha e

de dançarinos vestidos com os costumes tradicionais. Cantavam e dançavam
ao acompanhamento de violões, pandeiros e outros instrumentos populares.
Terminado o número, um pequeno conjunto tocou músicas mais lentas para
as pessoas dançarem. Diversos pares, inclusive Chuck e uma moça
canadense, Juanita e Ramón, foram para a pista.

Zelda inclinou-se na cadeira e conversou com alguém que estava atrás

dela, na sombra, e que Miranda reconheceu como sendo Roger.

Resignada a passar a noite sentada na cadeira, porque Chuck estava

muito ligado na moça canadense, Miranda tomou lentamente o suco de
frutas que Ramón lhe oferecera. Mais tarde, dançou um samba com ele. O
vento soprava entre as palmeiras e o perfume das flores era forte e
penetrante. No veludo negro do céu as estrelas cintilavam inin-
terruptamente, e Miranda pensou que o mar também devia estar coberto de
pontinhos luminosos, como na música que Roger escrevera.

Mal tinha acabado de sentar quando o conjunto começou a tocar uma

outra música mais romântica. Viu os pares dançarem de rosto colado e se
refugiarem nas sombras do salão ao ar livre. No instante seguinte, uma mão
tocou de leve no seu ombro e ela sabia quem era, pelo arrepio que lhe
percorreu a espinha.

— Vamos dançar?
Ela tinha medo de dançar com ele naquele ritmo lento, mas não podia

recusar o convite sem parecer indelicada. Roger passou o braço em volta de

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sua cintura e os dois começaram a se mover lentamente, no ritmo balançado
da música.

Miranda tinha a intenção de manter o corpo rígido e conservar uma

distância respeitável dele, mas, segundos depois, abandonou-se nos seus

braços, apoiou a cabeça no ombro dele e não pensou em mais nada, a não ser
no contato quente que vinha do corpo dele.

— O que vocês fizeram hoje?
— Fomos visitar a casa de Josefina — disse Miranda sem pensar. No

mesmo instante o braço dele enrijeceu. Ela levantou a cabeça e viu uma
expressão de incredulidade nos seus olhos. — Não é a Josefina que você
está pensando, é a outra, a mulher de Napoleão.

A expressão de incredulidade foi substituída por outra de

divertimento.

A tal mulher mentirosa e oportunista que perseguiu Napoleão como

uma peste? Foi só isso que vocês fizeram?

— Demos uma volta pela ilha. Foi maravilhoso. . .
— Martinica era chamada antigamente Madininia. Os franceses têm

outro nome para a ilha. Eles a chamam Ilha da Saudade, o lugar que as
pessoas voltam sempre.

— Você já esteve muitas vezes aqui?
— Esta é minha segunda visita.
— As mulheres aqui são diferentes. Elas têm um andar maravilhoso,

balançando as cadeiras.

— Ah, você notou? As meninas aprendem a andar assim desde cedo.

Josefina, porém, não é a única celebridade da ilha. Madame de Maintenon, a
mulher de Luís XIV, também nasceu aqui, como Aimée Dubuc de Rivery, mãe
do sultão Mahmoud.

— Nós vimos uma mulher muito bonita hoje de manhã. Ela tinha a pele

bem morena e os cabelos louros. Nita disse que ela se parecia com alguém
que você conhece.

— Nita fala demais. Ela foi sempre assim. É o defeito de algumas

mulheres. Não imite esse mau hábito, Miranda. Eu gosto de você como você
é, tranqüila e reservada. Eu também vi essa mulher de quem você falou e
posso dizer que ela não se parecia com Josefina.

A música terminou nesse momento. Os tambores rufaram. Um homem

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vestido de smoking surgiu no círculo de luz e anunciou em francês que tinha
uma convidada especial aquela noite e fazia votos que os presentes
apreciassem a música que ela ia cantar. Ele não disse porém, o nome da
cantora.

A música recomeçou novamente, familiar, ligeiramente desafinada,

fugindo do ritmo comum, a música de Stars in the Sea, Roger conduziu
Miranda para longe dos outros convidados, para longe do tablado onde
estavam os músicos, em direção a um canto escuro, perto da escada que
levava ao jardim.

O holofote iluminou novamente o meio da pista. Focalizou uma mulher,

alta e bonita, com um vestido cintilante de lamê. Os cabelos platinados,
divididos do lado, cobriam parte do rosto e caíam sobre os ombros. Ela
começou a cantar com a voz rouca, insinuante e quente. Aurora, exuberante
e bela, cantava a música que tornara Roger famoso da noite para o dia. .

Juanita e Chuck estavam certos quando comentaram que Roger e

Aurora tinham combinado alguma coisa que iria irritar profundamente
Thomas. Miranda tentou avistar o marido de Aurora no meio do público.
Roger, porém, virou-a de lado e cobriu-lhe a visão com seu corpo. No
momento seguinte, desceu correndo os degraus que levavam ao jardim,
segurando Miranda pela mão. Roger seguiu por um caminho de pedrinhas,
entre os canteiros, e Miranda seguiu-o no meio da escuridão, com o vestido
longo, de crepe, esvoaçando sobre as pernas

Havia uma certa euforia em correr pela noite quente, e a energia de

Roger era contagiante. Miranda sentiu-se leve, alegre, descontraída e não se
surpreendeu quando foram dar na praia de areia branca, luminosa e tépida,
que corria ao longo do mar escuro. Roger voltou-s e segurou-a pelas duas
mãos, enquanto cantarolava as palavras da canção de Ariel na peça A
Tempestade, de Shakespeare, segundo uma melodia de sua própria
composição:

De mãos dadas,

Na praia deserta,

Namoramos e beijamos

Ouvindo as ondas quebrar.

Roger terminou de cantar e puxou-a na sua direção. Adivinhando sua

intenção, Miranda fez força no sentido oposto.

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— Por que você me trouxe aqui?
— Primeiro, para fugir de Thomas. Ele vai morrer de raiva ao ver

Aurora cantar.

— Covarde!
— Por quê? Eu não gosto de ser agredido em público. Eu respeito a

privacidade dos outros.

— Você e Aurora combinaram isso de propósito.
— Foi ela que pediu. Ela canta bem, você não acha? Seria uma pena

desperdiçar esse talento. . .

— Por que Thomas não quer que ela cante? Tem medo que ela o

abandone para se dedicar à sua carreira?

Roger não respondeu. Continuou segurando, porém, a mão dela,

prestando atenção à música distante, com a cabeça inclinada para o lado.

— Eu gosto muito dessa música.
— Muito obrigado.
— Você deve estar contente com o sucesso que obteve.
— Sim, um pouco, mas não é esse o tipo de música que desejo compor.

Ela aconteceu sem querer. Eu a escrevi para um amigo meu . . .

— Eu sei.
— Ah, você lê as revistinhas de música?
— Só recentemente. Que tipo de música você gostaria de compor?
— Algo melhor do que as trilhas sonoras dos filmes. No momento,

estou escrevendo a música para um balé, inspirado na peça A Tempestade,
de Shakespeare. É por isso que eu sei os versos de cor, e sei tudo também a
respeito de Miranda.

— Essa é a peça predileta de Tia Clara. Ela também sabe muitos

trechos de cor.

— É

por isso que você se chama Miranda?

— Penso que sim.
A música distante terminou e os dois ouviram os aplausos prolongados.
— Aurora saiu-se bem — comentou Roger com alegria. Miranda sentiu

um leve ciúme ao pensar que Roger podia estar apaixonado por Aurora e que
procurava afastá-la para sempre de Thomas.

Tentou soltar-se da mão dele, mas Roger apertou-a com mais força.
— Você ainda não me deu um beijo — murmurou, puxando-a para si.

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— E nem vou dar — disse Miranda, reagindo ao seu puxão.
— Quem é o covarde agora? Eu ou você?
— Você prometeu que não ia me importunar mais.
— Prometi? Isso foi de manhã. Agora é de noite e estamos de novo

numa praia deserta, embaixo das palmeiras, o lugar mais romântico que
existe. E embora eu cante a canção de Ariel, não sou um duende, mas um
simples mortal, do gênero masculino, que não consegue ficar ao seu lado sem
ter vontade de beijá-la.

Com um movimento brusco ela foi parar nos seus braços. Seu propósito

anterior de não querer nada com Roger desapareceu num segundo, e estava
pronta para receber o beijo. Dessa vez, porém, não era uma ameaça, mas sim
a expressão sincera do desejo de beijá-la. Ela devolveu o beijo
espontaneamente, com uma certa timidez, a princípio depois pondo em
prática o conhecimento que aprendera dele.

— Agora sim. Agora você beijou com vontade. Estamos na Martinica, a

ilha do amor e das flores, onde as pessoas vivem pelo prazer de amar. Por
que não haveríamos de aceitar o que o momento oferece e ter alguma coisa
para recordar mais tarde?

Os lábios dele procuraram de novo os seus, e Miranda devolveu amor

com amor. Mais tarde, caminharam de mãos dadas pela beira do mar, em
silêncio, porque não havia necessidade de falar. A ilha seduzia com seu
encanto, criado pelo sussurro do mar e pelo perfume forte das flores, pela
sombra aveludada das palmeiras e pela brancura da areia.

Miranda perdeu a idéia do tempo. Parecia flutuar sobre o chão leve e

incansável, como se não tivesse corpo. Podia ter andado a noite inteira de
mãos dadas com Roger.

Em dado momento, Roger disse algo a respeito de terem que voltar

para o hotel e o encanto se quebrou. Os pensamentos tomaram ações
diferentes. Ela pensando em Thomas, depois em Aurora e, finalmente, na
mulata de saia branca e blusa verde-limão, que tinha no café, e que se
parecia com outra mulher, chamada Josefina.

— Quem é Josefina?
— Por que você pergunta?
— Por nada. Por curiosidade.
— Você não vai usar isso contra mim?

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— Eu nunca faria isso.
Roger segurou-a pela cintura e encarou-a com atenção. Os olhos cinza-

claros brilhavam à luz das estrelas.

— Eu sei que você está falando sério, mas gostaria de saber se você

costuma levar também a sério tudo o que faz.

Antes que ela pudesse responder, Roger puxou-a pela mão em direção

ao hotel iluminado.

— Josefina era a empregada de Thomas. Bela, sedutora, andava

balançando as cadeiras, como a mulher que você viu hoje.

— E o que aconteceu com ela?
— Ela desapareceu.
— Por quê?
Roger não respondeu. Tinham chegado à escada que levava ao salão de

baile. Ela segurou o braço dele, ao perceber que ia se afastar.

— Por que, Roger?
— Eu não posso dizer — murmurou com o rosto sombrio. Inclinou a

cabeça e beijou-a, um beijo sentido de despedida. — Boa noite, Mranda.
Nossos caminhos se separam aqui.

Afastou-se rapidamente, por entre as sombras das árvores, e ela ficou

sozinha.


CAPÍTULO V



Seguindo seu propósito de acompanhar de perto todas as chegadas e

partidas, Miranda levantou cedo na manhã seguinte e viu o Sea Quest
afastar-se da barra, enquanto as nuvens cor-de-rosa esgarçavam-se sobre a
ilha das flores.

Apoiada no parapeito de metal, avistou a Montanha de Diamantes,
ponta extrema da Martinica, que se distanciava lentamente no
horizonte. Sabendo que não podia expressar sua emoção ao contemplar

a ilha a que nunca mais voltaria, Miranda permaneceu em

silêncio, tranqüila e reservada, com sua calça xadrez e a blusa azul, de
linho, os cabelos compridos soprados pelo vento. A não ser pela

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cor morena do corpo, era a mesma moça compenetrada que

desembarcara do avião no aeroporto de San Juan algumas semanas atrás.

Somente no interior tinha mudado.
Com um suspiro, voltou as costas para Martinica e para tudo que

acontecera ali. Quando Roger dissera na noite anterior, ao pé da escada, que
seus caminhos se separavam naquele ponto, ela pressentiu que as palavras
dele queriam dizer mais do que parecera à primeira vista.

Dera a entender

no fundo que não havia mais passeios à beira-mar ao anoitecer, nem
conversas de manhã, no convés do iate, observando as ilhas surgirem e
recuarem no meio do mar. Tudo aquilo acabara para sempre; uma breve
melodia, algumas notas de música que o compositor deixa de lado e que não
serão usadas de novo; um sonho,

que seria lembrado ocasionalmente, mas

nunca realizado no presente.

Caminhando pelo convés em direção à proa, avistou algumas ilhas que

surgiam ao longe, no horizonte azulado, convidando os viajantes a conhecê-
las e desfrutar seus deleites. Logo estariam em São Jorge pensou Miranda,
ouvindo o ronco forte dos motores, onde haveria uma carta de Joe para ela.

Ninguém apareceu para conversar aquela manhã no convés e não havia

ninguém tomando café na saleta. Somente Billy estava lá, muito animado com
a perspectiva de chegar em Granada, onde nascera e tinha família.

— Granada é a coisa mais linda do mundo! É de lá que vêm as ervas de

cheiro.

— O que tem mais, fora isso? — perguntou Miranda. Se os moradores

da ilha fossem tão alegres e conversadores como Billy, ela passaria alguns
dias esplêndidos em São Jorge.

— Banana, maçã, crianças e bons esportistas crescem na ilha

respondeu Billy, com uma gargalhada alegre, colocando o suco de laranja na
frente dela. Olhou para o outro lado da saleta. — Bom dia Aurora. Dormiu
bem? O que você vai tomar hoje? Tenho suco de abacaxi, suco de laranja e
vitamina de banana com aveia...

Aurora aproximou-se da mesa com o andar indolente. Estava com uma

camisola cor-de-rosa, e os cabelos prateados caíam sobre os ombros roliços.
Parecia fria, bela, muito dura.

— Só uma xícara de café, Billy. Bem forte e bem quente. Mais nada —

disse com um sorriso, o que levou Billy a rolar os olhos apreciativamente,

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antes de ir à cozinha.

Aurora sentou-se defronte de Miranda.
— Olá. Você está sozinha hoje?
Miranda levantou a cabeça e não aceitou o desafio.
— Você cantou divinamente ontem à noite. Gostei muito.
Aurora franziu a testa.
— Não desconversa — disse com irritação. — Quanto tempo você ficou

na praia com Roger? Deu para tirar todas as informações que

você queria?

Se você gostou da maneira como eu cantei, por que não ficou lá para ouvir?
Acho que você aproveitou a oportunidade para conversar com ele durante
uma hora. Mas você não vai conseguir guardá-lo, ele é muito esperto.
Nenhuma mulher até hoje conseguiu

— Nem mesmo você? — perguntou Miranda, e estremeceu ao receber

em cheio o olhar venenoso de Aurora.

— Ele só está interessado em relações breves. Na época em o conheci,

eu desejava algo permanente e seguro. Thomas me ofereceu isso e eu acabei
aceitando, para minha desgraça.

Aurora fez uma careta de nojo diante de suas próprias palavras e

apanhou um cigarro em cima da mesa.

— Eu não desejo prender ninguém — disse Miranda com frieza. —

Muito menos Roger. Ele não é o tipo de homem que me atrai. Além disso,
pretendo me casar quando voltar para a Inglaterra.

Aurora arregalou os olhos e soprou a fumaça para o alto.
— Ah, é? isso é interessante. Roger está sabendo?
— Evidente.
Aurora fitou-a com os olhos apertados, pensativa.
— Hum, agora entendo por que você o interessou momentaneamente,

Você é diferente das mulheres que ele conhece, as cantoras e as artistas de
cinema. Ele ficou intrigado com sua reserva e quis descobrir o segredo que
estava por trás de seu comportamento tranqüilo. Ele vai decepcionar-se
quando perceber que não há mistério nenhum, que você não passa de uma
menininha à espera do dia em que vai se casar com seu namoradinho. Coitado
do Roger. Não é a primeira vez que ele tem ilusões a respeito das mulheres...
O que se há de fazer? As decepções tornam as pessoas mais interessantes,
se bem que cruéis, às vezes.

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— Você é amante dele? — perguntou Miranda, sem esconder sua

irritação.

— Ainda não, mas seremos quando resolver meu caso com Thomas —

respondeu Aurora com um sorriso.

Billy trouxe o café e interrompeu o diálogo das duas. Miranda, por

sinal, não desejava continuar uma conversa que estava se tornando
desagradável. Com uma desculpa murmurada em voz baixa, levantou-se da
mesa e despediu-se de Aurora.

Passou o resto do dia muito ocupada. Depois de mais uma discussão

com Thomas e Roger, Douglas chamou-a à sala para bater umas cartas que
desejava colocar no correio em Granada. Ele parecia abatido e preocupado,
diferente do chefe enérgico que despertava admiração entre os
funcionários da Transmarine. Estava cansado da viagem? Perdera a energia
com o esforço de manter um clima de harmonia entre os diversos membros
da família Gallant?

Após datilografar as cartas e levá-las para Douglas assinar, Miranda

colocou-as nos respectivos envelopes e preparou-se para sair da sala. Eram
quase cinco horas e queria admirar a paisagem no convés antes do anoitecer.

— Deseja mais alguma coisa de mim?
Douglas acordou do pensamento em que estava absorto e que não devia

ser muito agradável, pela ruga que lhe sulcava a testa.

— Ah, sim. Sente-se ali, Miranda. — Ela sentou-se na beira da cadeira,

rezando para a conversa não se prolongar por muito tempo.

— Você estava presente quando ocorreu aquela cena desagradável

entre Thomas e Aurora?

— Não. Eu fui dar uma volta na praia.
— Ah, bom. Com Roger Gallant? Ele fez bem em desaparecer no

momento exato. Thomas ficou uma fera quando viu a mulher subir no
tablado. Aparentemente, quando os dois se casaram, Aurora prometeu que
não ia cantar mais em público.

— Ela tem uma voz muito bonita.
— Pode ser. Mas aquele show não foi nada favorável aos meus planos.

Thomas acusou-me diante de todos os presentes de atirar Aurora nos
braços de Roger. Foi uma situação deveras embaraçante.

Miranda olhou para as mãos cruzadas em cima dos joelhos para não

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cair na gargalhada. Não fora isso exatamente que ele tinha feito?
Encorajado Aurora a flertar com Roger? Agora seu projeto ruía por terra, e
ele estava em maus lençóis.

— Além disso, Aurora não obteve nenhuma informação interessante
— murmurou Douglas de mau humor. — Até o momento não consegui

entrar num acordo com Roger. Gostaria de ir diretamente a Tortuga, sem
parar em Granada, para conversar pessoalmente com Marnie, antes que
Roger crie problemas maiores entre Thomas e Aurora. Thomas anda dizendo
que vai vender sua parte para uma outra companhia. Mas nós temos que
aportar em São Jorge para apanhar a correspondência. Vamos aproveitar
então e levar nossos amigos para conhecerem o hotel que construímos na
ilha. Enquanto isso, mantenha Chuck tranqüilo — disse Douglas, lançando um
olhar de cumplicidade para Miranda. — Até agora você não foi muito
eficiente, talvez porque esteja se deixando envolver por seus sentimentos.

Miranda saiu da sala ligeiramente apreensiva. Não havia dúvida de que

o clima harmonioso de antes fora perturbado. Thomas passou o dia trancado
no beliche. Chuck estava de mau humor e não queria conversar. Sentou-se no
banquinho do bar e tomou uma batida atrás da outra. Juanita e Ramón
também não estavam presentes, embora, Ramón houvesse aparecido na hora
do jantar a fim de informar a Douglas que Juanita não estava passando bem
e que ele tinha a intenção de levá-la de volta para San Juan.

Somente Aurora e Roger não pareciam perturbados com os

acontecimentos da noite anterior. Deitaram nas cadeiras de lona, no convés
onde passaram o dia conversando, rindo e tomando sol.

— Ela não tem vergonha na cara — disse Zelda com irritação. — Aliás,

como a maior parte das cantoras. . .

0 iate continuou navegando tranqüilamente pela noite escura; as

hélices giravam velozmente e criavam uma fosforescência em cima do mar.
Miranda demorou-se algum tempo no deck. Entretanto, ao ouvir vozes na
escada, que reconheceu serem de Aurora e Roger, deixou a noite gostosa
para os dois, procurando ignorar o ciúme que sentia de Roger.

No beliche, deitou-se na cama estreita e prestou atenção no ruído das

marolas que batiam no casco do iate. Amanhã, quando acordasse

estariam

ancorados no porto. Haveria certamente cartas de Tia Clara, de Dottie e
talvez de Joe. Aproveitaria o dia para visitar Laura Bolton, a amiga de Mary

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Mowat, que conhecera no avião.

Acalentada pelo balanço do iate, Miranda adormeceu finalmente. Ao

acordar, o iate não jogava mais. Olhou pela vigia da cabine e avistou os
telhados vermelhos das casas, brilhantes ao sol da manhã.

Vestiu-se rapidamente e correu ao deck superior para admirar o porto

de São Jorge, construído na encosta de um morro, entre planta tropicais e
árvores imponentes. No segundo plano havia um outro mono, mais alto, onde
estava a cratera de um vulcão extinto.

No momento em que ela desceu do iate, após ter combinado se

encontrar com Douglas e Zelda no hotel, à tarde, o sol estava quente,
ardendo sobre a pele descoberta. Com o vestido de algodão que comprara
em São Tomás e com o chapéu de palhinha que Roger lhe dera, Miranda
dirigiu-se à saída do porto. Do outro lado do armazém

havia um grupo de

pessoas à espera dos viajantes que chegavam

nos navios de passageiros.

Miranda atravessou no meio deles e foi abordada por homens e rapazes que
se ofereciam para dar Um passeio de carro na ilha.

Miranda sorriu, sem saber qual dos rapazes simpáticos ia escolher, e

todos riram para ela. Finalmente, decidiu-se por um rapaz chamado Elvin,
que lhe pareceu o mais conversador do grupo. Ao caminharem para o táxi
dele, porém, ela ficou na dúvida se tinha escolhido acertadamente, porque o
carro era muito velho e estava caindo aos pedaços.

Partiram lentamente em direção ao centro da cidade. A loja de Laura

ficava numa rua movimentada, e Elvin parou um instante defronte da porta,
enquanto Miranda deu uma corrida para saber se Laura estava.

A butique, chamada Cave, vendia artigos importados da Inglaterra,

bem como objetos de cerâmica do artesanato popular. Laura era uma
mulher muito simpática, de vinte e sete anos; tinha cabelos louros e olhos
azuis, e ficou encantada com a oportunidade de conversar com alguém
recém-chegado da Inglaterra. Deixou a loja aos cuidados de sua assistente
e convidou Miranda para almoçar em sua casa. As duas tomaram o táxi
estacionado na calçada e rumaram para um bairro distante, onde era o
ancoradouro de veleiros e de barcos de pesca.

A caminho de casa, passaram por chalés de madeira, que tinham as

varandas cobertas de samambaias. Um grupo de estudantes saiam da escola
na hora do almoço e atravessou a rua correndo. Num campo de futebol, dois

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Julia n° 02

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times disputavam uma partida animada.

Uns quinze minutos depois, chegaram ao bairro onde Laura morava, à

beira-mar, de onde avistaram uma variedade de barcos e veleiros amarrados
em bóias. Perto dali, havia diversos chalés de madeira, que tinham sido
construídos recentemente. Laura apontou para um dos chalés que dava para
a praia.

— Chegamos. É ali que eu moro.
Miranda combinou com Elvin de apanhá-la mais tarde e levá-la ao hotel.

Quando as duas entraram no chalé de madeira, pequeno mas confortável,
Laura explicou que seu marido tinha levado alguns turistas americanos para
pescar no seu barco e que não vinha almoçar em casa. Elas prepararam o
almoço na cozinha jeitosa, conversando o tempo todo, trocando mil e uma
informações de tudo que sabiam. Laura contou que conhecera o local numa
viagem que fizera há três anos com o marido e que os dois tinham decidido
se mudar para a ilha na primeira oportunidade. Miranda contou por sua vez o
cruzeiro que faziam pelas ilhas do Caribe e as visitas aos diversos centros
hoteleiros;

— Vocês fizeram uma viagem fantástica — comentou Laura. — Eu

fiquei curiosa com o que você contou sobre a família Gallant. Não acredito
que eles vão vender suas terras.

— Você conhece algum deles?
— Pessoalmente não, mas ouvi falar muito neles. Kit Williams é um

cantor muito conhecido, e é impossível falar nele sem mencionar sua
parceria com Roger Gallant. Fora isso, meu marido vai muitas

vezes a

Tortuga. Ele conhece Aubrey Vincent, o administrador da fazenda de
Marnie. Sem falar que Tortuga é um dos pontos mais procurados no
momento pelos turistas. Você está em contato com a natureza e tem todas
às vantagens da civilização. Ouvi dizer que Marnie sabe aproveitar muito
bem as belezas naturais da ilha. Além de ter um talento especial para
jardinagem. Ela plantou uma variedade enorme de árvores e está formando
um belíssimo pomar, sem descuidar, naturalmente, da antiga lavoura de
cana-de-açúcar. Aubrey se encarrega do trabalho pesado, mas é Marnie que
tem as idéias. Meu marido disse que os dois fizeram uma excelente
sociedade e que estão encantados um com o outro. . . Até agora, no entanto,
os dois não pensaram em se casar.

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Livros Florzinha

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— Por que será?
— Não sei. Talvez você descubra o motivo quando for lá. Escreva

contando as novidades.

— Seu marido conhece Roger e Thomas?
— Não, Keith não conhece Thomas pessoalmente. Thomas saiu da ilha

há alguns anos e deixou sua propriedade num estado deplorável. Mas Keith
encontrou Roger uma vez. Disse que o achou muito simpático, se bem que um
pouco reservado. . .

Miranda balançou a cabeça pensativamente e as duas conversaram em

seguida sobre outros assuntos enquanto almoçavam na varanda coberta, que
tinha vista para o mar. O tempo passou rapidamente e Miranda despediu-se
de Laura às duas da tarde, quando Elvin passou para apanhá-la, como fora
combinado. Tomaram uma estradinha estreita e sinuosa. Elvin buzinava em
todas as curvas, com receio de que pudesse haver alguma criança no meio do
caminho, e diminuía a marcha toda vez que encontrava uma valeta na
estrada, que servia para escoamento da água das chuvas.

Depois das plantações de banana, apareceram os campos cultivados de

hortaliças. Mais adiante, Elvin abandonou a estrada de terra e tomou uma
rodovia recém-construída, o orgulho da ilha, que corria entre fileiras de
coqueiros. Chegaram finalmente no estacionamento do hotel, cercado de
plantas tropicais e de heras cobertas de flores brancas e azuis.

Miranda pagou a corrida e entrou num corredor de lajotas que

terminava num pátio interno, onde uma fonte jorrava água numa piscina
retangular. Dirigiu-se à portaria e foi informada por uma mulher canadense
onde poderia encontrar o casal Ingram.

Thomas, Zelda e um grupo de americanos, com quem Thomas tinha

feito amizade, estavam sentados em cadeiras de lonas, ao lado da piscina,
embaixo de barracas de listras amarelas.

— Ah, que bom você ter voltado! — disse Zelda em voz baixa para

Miranda. — Nós passamos um dia terrível. Senti muito sua falta. Roger e
Aurora tornaram a desaparecer e Douglas está conversando com os
proprietários de uma ilha em Grenadine. Juanita e Ramón voaram de volta
para San Juan. Foi uma pena. Juanita não estava se sentindo bem e pensou
que seria mais seguro consultar o médico.

— E Chuck, que fim levou? — perguntou Miranda, olhando em volta

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para ver se descobria algum sinal de seu companheiro de banhos de mar.

— Ele está na praia. Por que você não vai procurá-lo? Receio que ele

também desista da viagem e nós fiquemos com esse terrível Thomas nas
mãos.

A praia era a mais bonita que Miranda já tinha visto nas Antilhas.

Estendia-se por quilômetros e quilômetros de distância, descrevendo uma
curva suave em volta de um mar incrivelmente limpo e esverdeado. Chuck
estava sentado embaixo de uma palmeira, conversando com um grupo de
vendedores ambulantes que lhe ofereciam camisas, chapéus de palha,
cestinhos com ervas aromáticas, cocos e fruta tropicais.

Ao vê-la aproximar-se, Chuck a recebeu com um sorriso de alegria
— Você chegou na hora! — exclamou Chuck, apontando par a mulher

magra e velha que estava com um pano amarrado na cabeça e uma saia bem
rodada. Ela cumprimentou Miranda com cerimônia e disse que se chamava
Virgínia. Imediatamente, espalhou em cima da areia os vestidos estampados
de verão que trazia numa cesta.

— Compre um, mocinha — insistiu a velha. — É um padrão africano.
Pouco depois apareceu o filho mais moço de Virgínia, chamado William,

que se ofereceu para trançar um chapéu de palha na hora. Atrás dele vinha
o marido de Virgínia, um homem baixinho e atarracado, de pele bem escura e
nariz chato. Apanhou um coco verde pendurado no carrinho, tirou o facão
que trazia na cintura e cortou, a parte de cima do coco. Em seguida, enfiou
um canudinho no buraco e deu para Miranda beber a água. No fim, cortou o
coco em fatias para os dois comerem o miolo, uma polpa macia e aveludada.

Todos riam e conversavam em voz alta, como se fosse uma reunião de

família na praia. Mais tarde, quando os vendedores se afastaram com suas
mercadorias nas costas, Miranda e Chuck examinaram as compras que
tinham feito com um ar de satisfação.

— O que você acha da minha camisa? — perguntou Chuck, levantando

em cima do peito a camiseta estampada que tinha comprado, com o chapéu
de palha caído sobre o rosto. — E você? O que vai fazer com esse vestido
africano em Londres?

— Vou usá-lo em casa — disse Miranda com um sorriso. — Para me

lembrar do dia que compramos roupas na praia.

— Não se esqueça de mim na sua lembrança! — disse Chuck em tom de

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brincadeira. — Eu gostei muito que você tivesse aparecido aqui. Estava
deprimido e precisava de uma companhia para conversar. Se eu tivesse
dinheiro agora, voaria diretamente para os Estados Unidos. Já estou farto
desta viagem. Não vai decidir coisa alguma. Roger é inflexível. Por que
Douglas não reconhece de uma vez que perdeu a jogada e nos dá a
oportunidade de fazer negócio com outra companhia?

Miranda procurou distraí-lo e sugeriu que fossem dar um mergulho.

Mais tarde, os dois voltaram para o hotel, onde se encontraram com os
outros. Dali foram diretamente para o iate, porque Douglas pretendia partir
imediatamente para Tortuga.

No porto houve uma pequena demora, porque Roger e Aurora não

estavam a bordo. Thomas, naturalmente, recusou-se a partir sem a

mulher.

Tanto Thomas quanto Douglas davam sinais de impaciência quando Chuck
avistou Roger caminhando devagar pelo cais, na companhia de uma mulata.
Mas não havia sinal de Aurora.

— Roger! — berrou Thomas com seu vozeirão. Roger voltou a cabeça e

olhou na direção do iate. Acenou de longe, sem aproximar-se deles nem
despedir-se de sua companhia.

— Raios! O que aconteceu com Aurora? — resmungou Thomas. — Eu

sugiro que alguém vá buscar Roger lá embaixo, caso contrário vamos

passar

a noite toda aqui!

Douglas seguiu o conselho de Thomas e, logo depois, Roger aproximou-

se deles, andando lentamente no convés.

— Onde está Aurora? — perguntou Thomas, furioso.
— Não tenho idéia. Quando a vi pela última vez, ela disse que estava

vindo para cá. Você já procurou na cabine?

— Na cabine?
Roger encarou seu primo em silêncio, com os óculos escuros

escondendo seus olhos, e Thomas não soube o que dizer. Murmurando que
não tinha pensado em procurar Aurora no beliche, desceu de mau humor a
escada que levava ao deque inferior. Roger continuou encostado no
parapeito do convés, entre Douglas e Miranda.

— Gostaria de partir o mais rapidamente possível para Tortuga —

disse Douglas com impaciência.

— Quanto mais cedo melhor — concordou Roger. — Por que não

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partimos agora? Poderemos chegar lá pouco depois do entardecer. . . Roger
afastou-se do convés e Douglas desceu para dar a ordem da partida aos
homens da tripulação.

Miranda voltou para o beliche, aborrecida por não ter recebido

nenhuma carta de casa. Depois de tomar banho e enxugar os cabelos, notou,
pelo ronco dos motores e pelo movimento do iate, que estavam em alto-mar,
a caminho de Tortuga.

Finalmente ia conhecer a casa da família Gallant e a irmã de Roger

que, segundo Laura, tinha muita habilidade em aproveitar as belezas da ilha
onde morava. Se fosse esse o caso, Marnie não iria aceitar a sugestão de
vender a casa e morar noutra parte.

Miranda franziu a testa ao pôr seu vestidinho sem mangas. Sentiu-se

tentada a contar a Roger a pressão que iam fazer sobre Marnie, mas, se
agisse assim, daria a impressão de que estava procurando deliberadamente
sua companhia, e ela não queria dar essa impressão, sobretudo porque Roger
evitara conversar com ela desde a noite em que se despediram no jardim do
hotel.

"Nossos caminhos se separam aqui." Fora isso que Roger dissera ao pé

da escada. Miranda franziu novamente a testa, e o búzio que guardava na
gaveta piscou para ela com seu brilho cor-de-rosa. Será que Roger se
desinteressara por ela? Mas que diferença fazia? Nunca tinha esperado
nada dele. Por que sentir-se magoada se ele a ignorava deliberadamente?
Beijar uma mulher não significava nada para ele. Por que haveria de
significar para ela?

Sentou-se no beliche, com a cabeça nas mãos, balançando para frente

e para trás, lutando contra o desejo repentino que a assaltava, contra a
tempestade de sentimento que era novidade para ela, e sobre a qual não
tinha controle. Seu corpo ardia de desejo de estar com Roger, de conversar
com ele à noite, de beijá-lo e ser beijada por ele, de namorar com ele na
praia.

Levou um susto ao ouvir uma batida forte na porta do beliche.

Levantou-se e mirou-se rapidamente no espelho. O rosto estava vermelho e
os olhos tinham um brilho estranho.

— Miranda, você está aí? Sou eu, Zelda. Posso entrar? Miranda abriu a

porta. Zelda estava extremamente agitada, com o rosto e o pescoço

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vermelhos.

Ela não notou a aparência esfogueada de Miranda. Entrou diretamente

no beliche e sentou-se na cama.

— Aurora sumiu! — exclamou ofegante. — Ela não estava no beliche

quando nós partimos!

— Onde ela foi?
— Ninguém sabe. Ela não disse nada no bilhete que deixou para

Thomas. Disse apenas que não ia a Tortuga conosco. Thomas está uma fera.
Queria que Douglas voltasse imediatamente para Granada. Disse que
Douglas não tinha o direito de sair do porto sem todos os passageiros a
bordo. Ele tem razão, naturalmente.

Miranda sentou-se na cama ao lado de Zelda, com as pernas bambas,

lembrando-se de que Roger dera a entender que Aurora estava no beliche e
que era preferível partirem imediatamente.

Depois Thomas voltou-se contra Roger e o acusou de esconder o

paradeiro de Aurora.

— E o que Roger respondeu?
Sorriu com seu jeito irritante e disse que sabia realmente onde ela

estava, mas só podia contar depois de chegarem a Tortuga.

Miranda lembrou-se do que Aurora dissera sobre a possível separação

do seu marido atual. Será que os dois primos iam entrar num acordo, acordo
que envolvia Aurora? Miranda apertou as mãos com força no colo,
procurando controlar a emoção estranha que experimentava ao saber que
Roger era tão irresponsável quanto seu primo mais

velho. Como podia estar

apaixonada por ele? Como podia sentir tanta falta dele?

— E o que aconteceu em seguida?
— Ah, você nem queira saber. . . Houve uma cena horrível. Thomas

quase perdeu a cabeça. Chamou Roger de chantagista e de muitos outros
nomes desagradáveis. Roger limitou-se a olhar em silêncio para Thomas,
como se não entendesse o motivo daquela gritaria. Aí Chuck interveio e
sugeriu que fossem discutir o assunto no beliche de Roger. Espero que eles
não saiam de lá até chegarmos em Tortuga. Eu já estou farta de tudo isto e
vou dar graças a Deus Quando esse cruzeiro terminar! Douglas e eu somos
obrigados muitas Vezes a receber pessoas enjoadas em função dos
negócios, mas eu nunca encontrei ninguém como essa gente da família

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Gallant.

Zelda deu um suspiro fundo.
— Não diga nada do que aconteceu aqui quando você voltar para

Londres. Douglas vai sentir-se terrivelmente deprimido se não conseguir
realizar esse negócio satisfatoriamente. Ele deposita sua última esperança
em Marnie, mas, se ela for parecida com o irmão, eu não creio que vá vender
a propriedade.


Como Roger tinha previsto, o iate atracou no pequeno porto de

Tortuga pouco depois do entardecer, no momento em que o sol desaparecia
no horizonte, deixando o céu manchado com borrões vermelhos e rosas. A
primeira vista que Miranda teve da ilha foram os morros baixos cobertos de
vegetação que pareciam recortados no céu. Na frente havia a pequena
cidade de casinhas brancas, construída em volta da baía tranqüila, em forma
de ferradura.

Quando o iate se aproximou do cais e foi devidamente amarrado com

cordas, um homem de ombros largos, vestido de branco, subiu a escada para
apertar a mão de Roger, que saíra do seu beliche no momento em que
atracaram no porto. O homem de branco chamava-se Sam Williams, e era o
irmão mais velho de Kit Williams, o cantor. Com maneiras educadas e
polidas, como o senhor de uma propriedade que recebe os visitantes, Sam
Williams agradeceu a hospitalidade a bordo do iate e acompanhou Thomas e
Chuck até seu carro. Os dois iam passar a noite em sua casa e, na manhã
seguinte, Sam mandaria o carro para levar Douglas, Zelda e Miranda a outra
parte da ilha, onde Marnie morava.

A noite passou tranqüilamente a bordo do iate, e Miranda acordou mais

tarde que de costume na manhã seguinte. Tinha acabado de, se vestir
quando Zelda veio lhe dizer que o carro de Sam estava a espera deles no
porto. Miranda trocou rapidamente de roupa e vestiu o biquíni por baixo da
saia azul e da blusa branca, pensando na possibilidade de tomar um banho de
mar à tarde.

O rapaz que dirigia o carro era primo de Kit Williams e chamava-se

James. Conduziu os visitantes pela ilha e apontou com orgulho o pequeno
aeroporto que fora construído recentemente pelos moradores, bem como as
plantações de hortaliças que subiam pelas encostas dos morros. Chamou a

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atenção também para a velha destilaria, onde os primeiros parentes da
família Gallant tinham fabricado rum no século XVII, e ainda para os
pomares de frutas, plantados por Marnie, começando a dar frutos.

Após seguirem alguns minutos a estradinha sinuosa que contornava o

morro, entraram num pátio de pedras, onde duas fontes esguichavam água
entre plantas tropicais que formavam um caramanchão. A mais alta de todas
era a tulipeira.

A casa era uma beleza. Construída de tijolos vermelhos descobertos,

trazidos da Inglaterra por um antepassado da família, era de estilo clássico,
graciosa e bem proporcionada, típica do período colonial inglês, com
alpendre no alto de uma escadinha, onde três pessoa aguardavam os
visitantes.

Uma delas era Marnie. Ela se parecia com Roger pela simetria do

rosto, se bem que tinha os cabelos mais claros, com mechas loiras. Tinha os
cabelos presos no alto da cabeça, com um coque, o que acentuava os traços
delicados do rosto. Estava de óculos escuros e vestida simplesmente, de
calça branca e camiseta vermelho-escura.

Da mesma forma que Roger, Marnie aparentava ser mais moça do que

era na realidade, e não parecia absolutamente ter trinta e cinco anos.

Roger estava atrás dela, de calça branca e camisa azul, elegante como

sempre, fazendo todos os demais se sentirem mal vestidos na sua presença.
Ao lado de Roger havia um outro homem, alto e de ombros largos, de pele
morena e cabelos negros. Dava a impressão de ser uma criatura muito forte,
com as mangas da camisa arregaçadas, mostrando os braços musculosos.
Roger o apresentou como sendo Aubrey Vincent, o administrador da
fazenda, o braço direito de Marnie. Não havia sinal de Thomas nem de
Chuck no momento da chegada.

No momento em que Miranda entrou na sala para apertar a mão de

Marnie, ela segurou-a com as duas mãos. O sorriso de Marnie era a
acolhedor e sincero como a luz do dia.

— Que bom você ter vindo, Miranda — disse Marnie em voz baixa. —

Eu queria muito conhecê-la. Posso tocar no seu rosto? Eu sei com quem
estou conversando quando sinto o rosto com as mãos, e eu sei que você está
olhando para mim e me considerando uma mulher descuidada, porque não
penteei os cabelos depois que voltei do pomar. Eu não posso me comparar

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com Roger em elegância — disse Marnie com uma risada. — Eu saí à minha
mãe, que era pequena e de pele clara. Roger descende de algum velho pirata
de cabelos ruivos. Ele diz sempre que é uma pessoa muito civilizada para ser
um pirata, mas eu tenho minhas dúvidas. . .

Marnie deu uma risada gostosa e Miranda a acompanhou até a sala de

visitas. Roger conduzira discretamente Douglas e Zelda para os fundos da
casa, de sorte que as duas podiam conversar a sós durante alguns minutos.

Marnie estendeu a mão e correu os dedos sensíveis sobre o rosto e os

cabelos de Miranda, demorou-se nos olhos e, por último, desceu para os
ombros.

— Seus cabelos são finos, Miranda, macios e sedosos. O rosto é suave

e firme. Mas sua boca é muito sensível e você foi ferida recentemente. Você
recebeu alguma notícia triste de casa?

Espantada com a perspicácia de Marnie, Miranda sentiu-se

ligeiramente acanhada, lembrando-se da carta que guardava na bolsa.
Douglas a entregara pouco antes de desembarcar, porque estava misturada
com a correspondência que apanhara no dia anterior em Granada. Miranda a
lera rapidamente no carro, durante o trajeto. Era de sua tia e continha uma
notícia que a deixara inteiramente perplexa.

Mas como podia aquela mulher cega saber alguma coisa a respeito da

carta?

— Desculpe minha indiscrição, Miranda — disse Marnie, notando seu

embaraço. — Você não precisa responder nada agora. Mais tarde, quando
nos conhecermos melhor, você pode me dizer o que a está preocupando. De
que cor são seus olhos? Infelizmente não posso sentir a cor dos objetos, e
isso me faz falta às vezes.

— Meus olhos são cinza-azulados, como os da maior parte das moças

inglesas, e meus cabelos são castanhos. Eu sou uma pessoa comum, Marnie.

Marnie balançou a cabeça.
— Ah, agora a estou vendo perfeitamente, mas você não é comum.

Você é diferente. Você é tranqüila e reservada, e guarda consigo seus
pensamentos e sentimentos. Uma moça que chamou a atenção de Roger não
pode ser comum. Mas eu estou esquecendo de meus deveres de dona-de-
casa. Dê-me seu braço e vamos ao quintal, onde a mesa está servida para o
almoço.

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O fundo da casa era de estilo espanhol e mais antigo que a parte da

frente. Tinha janelas altas e pequenas sacadas com grades de ferro, como
Miranda vira anteriormente nas casas de San Juan. A porta dupla, de
madeira grossa, dava para um quintal arborizado com vista para o mar.

O almoço foi servido sem cerimônia, numa mesa comprida, e cada qual

fazia seu prato. Miranda provou a maionese de galinha, o peixe e a salada de
frutas. A conversa decorreu muito animada, dirigida por Marnie, que tinha o
dom da hospitalidade. Zelda e Douglas receberam a mesma atenção delicada
que haviam dirigido aos passageiros a bordo do iate.

Miranda prestou uma atenção especial em Aubrey Vincent. Era visível

que o homem forte e moreno sentia uma afeição especial por Marnie.
Antecipava seus mínimos desejos, e a expressão dos olhos claros traía-o
muitas vezes. Por outro lado, Marnie tinha uma maneira muito carinhosa de
tratá-lo, que revelava seus sentimentos profundos. Evidentemente os dois
gostavam um do outro, mas algo os mantinha separados. O que poderia ser?
A cegueira de Marnie?

Miranda voltou por fim sua atenção para Roger e, imediatamente, seus

nervos se contraíram, porque Roger a estava observando com uma expressão
divertida, como se adivinhasse seus pensamentos.

Depois do almoço, Marnie convidou Zelda e Douglas para conhecerem a

casa. Aubrey os acompanhou e, durante alguns minutos,

Miranda ficou a sós com Roger. Sem saber o que lhe dizer, levantou-se

para acompanhar os outros, mas Roger a deteve pelo braço.

— Vamos passar o resto da tarde tratando de negócios. Por que Você

não fica aqui fora? Você pode passear pelo jardim e conhecer o pomar. Sinto
não ter uma companhia para distraí-la, pois Chuck infelizmente não pode vir.

— Onde ele está? E Thomas, que fim levou?
— Os dois estão passeando pela ilha — disse Roger evasivamente.
— Mas talvez Douglas precise de mim. Ele gosta que eu tome nota das

reuniões — observou Miranda.

— Eu sei disso. Ele a usa quando não há gravador na sala. Mas dessa

vez não será necessário. Dessa vez sou eu que dou as cartas. Não haverá
gravação nem anotações. Divirta-se.

Roger despediu-se e entrou em casa. Ligeiramente magoada com sua

frieza, Miranda andou sem rumo pelo quintal e pelos arredores da casa. Do

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alto do morro avistava-se uma pequena praia, embaixo, coberta de areia
muito branca e protegida por palmeiras altas e graciosas. Seria uma delícia
tomar um banho de mar naquela prainha particular, pensou Miranda, suando
sob o calor sufocante do dia. Uma mulher escura apareceu pouco depois e
começou a retirar a mesa. Foi ajudada nesse trabalho por uma moça, que
sorriu para Miranda ao perceber que ela era inglesa. A moça chamava-se
Rosie Williams, era irmã de Kit e tinha trabalhado como enfermeira em
Londres. Atualmente, era uma espécie de ajudante de Marnie.

Depois de conversarem algum tempo sobre Londres e outros assuntos

relacionados com a excursão de iate, Miranda perguntou a Rosie como se
fazia para descer até a prainha que avistara do alto do morro.

— É muito fácil — disse Rosie. — Tem um caminho que leva até lá. Eu

vou mostrar a você. Mas tome cuidado para não nadar além das pedras. Há
uma correnteza muito forte nessa praia.

Miranda agradeceu a informação, apanhou a bolsa de palha com suas

coisas e tomou o caminho aberto no morro, que passava pelomeio

das árvores

e dos arbustos. Ao chegar embaixo, sentou-se sob uma palmeira, tirou a saia
e a blusa e estava pronta para cair na água quando se lembrou de reler com
mais calma a carta que recebera aquela manhã.

Tia Clara estava visivelmente nervosa quando escreveu a carta, porque

a começou abruptamente, sem nem mesmo dirigir-lhe as perguntas de praxe.

Logo depois que você embarcou, Dottie começou a se comportar, de

uma maneira estranha. Não vinha jantar em casa e só aparecia por volta da
meia-noite. Na sexta-feira seguinte, depois de sua partida, ela não voltou
para casa. Comecei a ficar nervosa no sábado à tarde, quando recebi um
telefonema dela dizendo que tinha se casado com Joe naquela manhã, graças
a uma licença especial.

Você pode imaginar meu espanto. Disse a Dottie que ela devia dar uma

explicação pessoal a você, depois de sua chegada. Ela não esta
absolutamente arrependida do que fez. Confessou-me que gostava de Joe há
muito tempo e que o sentimento era recíproco, embora estivesse indeciso no
início e não quisesse tomar nenhuma decisão nesse sentido.

De certa forma, não posso lastimar o que aconteceu, porque você não

seria feliz com Joe.

Miranda levantou a cabeça e a carta caiu de sua mão. Joe casara-se

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com Dottie, Quando voltasse para casa, ele não estaria à sua espera no
aeroporto, não a receberia de braços abertos, nem diria que sentira
saudade dela durante as semanas que passara fora. O casamento rápido e
romântico fora realizado por Dottie, e não por ela!

Ela mordeu o lábio ao pensar que, nos dois últimos anos, vivera num

clima de ilusão completa. Imaginava que Joe estivesse apaixonado por ela e
sonhava com o dia em que lhe pediria em casamento e os dois desceriam do
altar de mãos dadas.

Curiosamente, não sentia raiva de Dottie. Sua frustração era dirigida

contra si mesma, por ter imaginado que gostava de Joe e que seu amor era
recíproco. Sentada na prainha deserta, há muitos milhares de quilômetros
de casa, compreendia perfeitamente agora que os dois não se amavam
realmente. Joe tentara dizer isso pouco antes do embarque, ao sugerir que
a ausência dela daria aos dois a oportunidade de testarem o sentimento
verdadeiro que nutriam um pelo outro.

Joe fora inteligente, muito mais do que ela. Sua hesitação, as visitas

regulares que fazia, os beijos rápidos que trocavam, todas essas coisas
eram sinais de que não a amava. Nunca flertara de fato com ela, como
faziam os outros namorados. Na sua ingenuidade, ela não compreendera
esses indícios evidentes. . .

Agora estava livre do noivado, livre para amar quem quisesse. Livre

para amar Roger. Não, Roger não, porque ele não levava a sério o amor. Na
opinião dele, o amor era um simples capricho do momento, uma relação
efêmera que não exigia nada em troca. Seria perigoso apaixonar-se por ele.

Miranda levantou-se repentinamente e correu pela areia em direção ao

mar. Levantou os braços e mergulhou por baixo de uma onda. Logo atrás
vinha outra, quebrando mais perto da praia, e ela tornou a mergulhar, saindo
do outro lado com os cabelos escorridos sobre o rosto.

Como sempre, a água estava uma delícia, muito limpa e morna;

acariciava seu corpo e convidava-a para nadar mais para longe, lá fiara o
fundo, depois da arrebentação. Ela boiou algum tempo de costas, admirando
o céu azul, a praia cercada de palmeiras, as folhagens verdes que subiam
pelo morro acima, em direção à casa. Lá no alto os muros grossos brilhavam
sob a luz amarelada do sol.

Compreendia agora por que Roger não queria vender a propriedade

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herdara da família. Douglas não tinha a menor chance de realizar o negócio e
isso significava que partiriam na manhã seguinte para Tortuga, em direção a
uma outra ilha das Andinas. Ela diria adeus a Roger para sempre.

As ágrimas brotaram dos seus olhos. Ela sacudiu-as com um movimento

brusco da cabeça e percebeu que a água estava mais fria em sua

volta e que

estava sendo levada para longe da praia. Sem perceber,

tinha ido além das

pedras que marcavam os limites da angra e estava agora no mar aberto.
Lembrou-se assustada da recomendação de Rosie. Fora apanhada pela
correnteza que a empurrava para longe do litoral.

Tomada de pânico, começou a nadar freneticamente em direção à

praia, batendo os pés com toda a energia que tinha, mas, após dez minutos
de esforço, foi obrigada a parar porque estava exausta. A correnteza
continuava arrastando-a para longe. Uma onda levantou-se de repente e
bateu-lhe no rosto. Ela engoliu água e tossiu, voltando a nadar
desesperadamente em direção à praia, sentindo a água fria endurecer-lhe
as pernas, quase que imobilizando-as. Pressentiu, então, que não tinha a
menor chance de salvar-se, porque jamais conseguiria nadar contra a
correnteza.

Exausta, deitou-se de costas e boiou alguns minutos. Era difícil,

porém, manter-se parada na água gelada e afundou duas vezes, consciente
do peso de suas pernas, como se os músculos estivessem entorpecidos e
dormentes. Tentou movê-las e afundou de novo.

Enquanto se debatia para voltar à superfície, com o coração e os

pulmões prestes a explodir com o esforço, avistou alguma coisa perto dali,
semelhante a uma alga vermelha flutuando na água. No momento seguinte,
voltou à tona e sentiu-se agarrada com força, cingida pela cintura, com uma
voz lhe dizendo.

— Você não pode morrer afogada na minha casa, Miranda, minha casa,

Miranda. . .

Estava tendo aquele sonho louco outra vez. A única maneira de se ver

livre dele era virar a cabeça para o lado e dormir. Era isso que precisava,
dormir. Se pudesse libertar-se da cinta de ferro que a prendia. . . Lutou,
debateu-se, fechou os olhos e tudo escureceu em sua volta.

Não viu mais nada até que o enjôo pesou no estômago. Alguém

segurava-a de pé e ela vomitou, sentindo uma dor terrível no peito.

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Compreendeu vagamente que estava na praia. Podia ouvir vozes perto.
Depois alguém a embrulhou num cobertor e a levantou no colo. Abriu os
olhos e viu, meio fora de foco, um rosto moreno debruçado sobre o seu e
dois olhos brilhantes que a encaravam fixamente. O homem vencera afinal, e
não o mar profundo, pensou no seu delírio. O rosto moreno sorriu, entrou em
foco e ela reconheceu seus traços. Aubrey Vincent.

— O que aconteceu? — perguntou com a voz fina.
— Você nadou para longe e foi arrastada pela correnteza. Você está

muito cansada. Logo vai estar em casa e deitada na cama. Procure
descansar.

— Mas eu preciso ir para o iate!
— Agora não. Primeiro vamos para casa. Marnie vai cuidar de você. Ela

gosta de ter alguém para lhe fazer companhia.

Vincent carregou-a pelo caminho sinuoso que subia o morro levou-a até

o quarto. Marnie estava falando nas suas costas e depois na sua frente. O
quarto era bem grande e o teto estava decorado com pinturas a óleo. Ela foi
deitada com todo cuidado numa cama enorme de casal.

— Menina, você escapou de uma boa! — disse Rosie ao seu lado. — Você

não prestou atenção ao que eu lhe disse e quase morreu afogada. Eu vou
tirar esse seu biquíni, e vestir uma camisola de dormir, para você não
apanhar um resfriado.

Miranda ouviu a própria voz, fina e engraçada, desculpar-se de estar

dando trabalho aos outros.

— Não é trabalho nenhum — disse Marnie, passando a mão na sua

cabeça úmida. — Rosie vai enxugar seus cabelos e fazer uma boa fricção no
seu corpo. Ela é a melhor enfermeira que nós temos na ilha.

Rosie ocupou-se de tudo com grande habilidade e Miranda não estava

em condições de ajudar em nada. Sentia-se tão fraca e cansada que
adormeceu pouco depois, pensando que a figura pintada no teto do quarto
era Cupido, o deus do amor.





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CAPITULO VI



As algas flutuavam serenamente à sua frente, e Miranda observava

fascinada o movimento ondulatório na água. Mudavam subitamente de forma,
afinavam e esgarçavam-se. Eram cabelos, castanho-avermelhados. Os
cabelos dividiram-se e surgiu um rosto, esculpido no bronze. Os olhos
estavam perto dela, lembravam uma máscara mortuária. Roger. O nome foi
berrado na sua mente. Ela voltou a cabeça, abriu os olhos e viu Marnie
sentada numa cadeira ao lado da cama, percorrendo com o dedo um livro de
Braille que estava aberto em cima do joelho.

Assustada ainda pelo pesadelo recente, Miranda percorreu o quarto

com a vista, depois olhou para o teto. A visão de Cupido, lançando uma seta,
acalmou-a. O deus do amor era um menino roliço e sorridente, que brincava
na companhia de ninfas seminuas. Admirada com o fato de alguém mandar
pintar aquele motivo no teto do quarto. Miranda voltou-se para a janela.
Estava aberta, mas tinha uma tela para impedir a entrada de insetos.
Através da rede fina podia avistar o mar azul e ouvir o sussurro das ondas
quebrando na praia. Ouviu um som mais alto, mais perto, dentro de casa. As
notas claras de um piano.

Voltou-se para a mulher sentada perto da cama. Os traços morenos

estavam calmos, a boca tinha um leve sorriso, os olhos eram inexpressivos e
apagados.

— Marnie — murmurou, aliviada, ao ouvir sua voz já normal.
As mãos de Marnie pararam em cima da página. Fechou o livro e

colocou-o em cima de uma mesinha com tampa de madrepérolas, de pernas
curvas. Miranda observou atentamente os outros móveis do quarto. Eram
todos do mesmo estilo; as cadeiras tinham costas ovais e assentos forrados,
sendo que as pernas e o encosto tinham frisos dourados.

— Ah, você acordou finalmente! Está com fome? Você caiu no sono

antes de Rosie terminar de vesti-la. Não há como uma boa soneca para
recuperar as energias. . . além de acalmar os nervos também.

— Você também dormiu muito depois do acidente? — perguntou
Miranda, ansiosa para saber o motivo da cegueira de Marnie;

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— Muito tempo. Para falar a verdade, dormi vários dias a fio, até

aceitar que estava cega.

— Como foi que aconteceu, Marnie?
— Ah, é uma história muito comprida — disse Marnie com um suspiro.

— Eu não gosto de contá-la porque ela me parece meio boba e ingênua. Eu
era estudante de Química nessa época. Quando vim morar aqui, montei um
pequeno laboratório no meu quarto. Um dia, alguém apanhou um frasco de
ácido sulfúrico, durante uma discussão, e me atirou em cima.

— Ah, que horror! — exclamou Miranda, perplexa com o fato de alguém

ter se comportado de forma tão bárbara. Lembrou-se no entanto que
Aurora, tomada de fúria, atirara um copo de bebida em cima de Roger. Pelo
visto, a família Gallant tinha o dom de despertar a fúria nos outros.

— Sim, foi horrível e extremamente doloroso, mas essa pessoa não

sabia o que estava fazendo, sem falar que estava com muita raiva de mim.
Mais tarde, ao refletir sobre o ocorrido, cheguei à conclusão de que ela
tinha razão para estar furiosa comigo.

— Por quê? O que você fez? — perguntou Miranda. Como era possível

que alguém tão bondosa e carinhosa como Marnie pudesse irritar uma pessoa
desse jeito? Ela lembrou-se, contudo, de que, certa vez, Chuck quase
agredira Roger na praia.

Marnie suspirou de novo, colocou as mãos no colo e reclinou-se na

cadeira.

— Essa é a parte da história que depõe contra mim. Há uns dez anos,

eu era muito inexperiente e terrivelmente puritana. Era muito convencida
além disso, e não hesitava em dizer aos outros o que pensava deles quando
agiam erradamente.

— E quem foi essa pessoa que agiu erradamente?
— Uma mulher chamada Josefina. Thomas a conheceu numa de suas

viagens a Martinica. Rita, a mulher dele, o abandonou, levando as crianças
consigo, e Thomas precisava de alguém para tomar conta da casa. Ele achou
que Josefina servia. Ela era inteligente, bonita, desembaraçada e não
preciso dizer que foi mais que uma simples empregada na casa.

Marnie fez uma pausa e franziu a testa. Miranda aguardou em silêncio.

Finalmente ela ia ouvir o mistério que havia em torno de Josefina.

— Eu estou contando isso para você, Miranda, porque tenho a im-

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pressão de que você também é um pouco inexperiente e conserva ainda
algumas idéias puritanas da educação que recebeu. Eu fui educada por minha
avó, a mãe do meu pai. Ela era escocesa e veio para cá lecionar piano. Era
uma mulher forte, segura e profundamente religiosa.

— Como minha tia — murmurou Miranda.
— Pois é. Eu pensava nessa época que um homem não devia beijar a

mulher antes de estar decidido a casar com ela. Era uma idéia muito
ingênua, como você vê, mas eu estava convencida de sua validade. Naquele
verão, Roger veio passar as férias em casa. Tinha vinte e um anos e era um
rapagão forte e bonito, mas, para mim, continuava sendo

o menino de

sempre. O irmão menor com quem eu brincava quando criança. Roger era
inteligente, estudioso, compenetrado, mas tinha uma estranha inclinação
para fazer travessuras.

Marnie fechou os olhos, como se revivesse o passado. Miranda sentou

se na cama, com os joelhos dobrados.

— Roger aproveitou suas férias ao máximo. Nadou, pescou, esquiou,

velejou e saiu com os amigos. Um dia, porém, eu notei que ele ia muito
freqüentemente à casa de Thomas. Fiquei aborrecida com isso, porque
Roger e Thomas nunca se deram muito bem. Comecei a suspeitar que ele
estava preparando uma das suas. Foi então que ouvi alguém contar que Roger
costumava sair muitas vezes com Josefina, e que os dois iam nadar e tomar
banho de sol juntos. Uma tarde, encontrei-os sem querer. Estavam
abraçados na praia, trocando beijos e carícias. Fiquei perplexa. Não devia
ter ficado, mas fiquei. Pensei comigo: "O que Thomas vai fazer se encontrar
os dois juntos?" Tinha receio também que Josefina pudesse ensinar certas
coisas a meu irmão, que era mais moço que ela, e que eu imaginava ser tão
inocente quanto eu. Foi então que cometi um grande erro. Em vez de
conversar com Roger sobre o caso, mandei um recado para Josefina,
pedindo que passasse em casa. Ela veio e exibiu sua beleza fascinante no
meu laboratório.

— E o que você disse para ela?
— Ah, mais ou menos o que os patrões dizem aos empregados. Disse-

lhe para deixar meu irmão em paz porque ela não era uma companhia para
ele. Josefina caiu na gargalhada na minha cara. Perturbada com sua reação
inesperada, ameacei contar tudo a Thomas e acrescentei que faria o

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possível para mandá-la embora da ilha. Josefina perdeu a calma. Apanhou a
primeira coisa que encontrou na frente e me atirou em cima. Enquanto eu
berrava de dor, ela saiu correndo e sumiu. Nunca mais foi vista de novo.

— Você tinha razão para sua suspeita?
— Não, não tinha. Compreendi mais tarde que Roger era um homem e

sabia cuidar perfeitamente de si mesmo. Em vez de estar sendo seduzido
por uma mulher inescrupulosa, estava simplesmente praticando um dos seus
passatempos favoritos, que era irritar Thomas.

— Brincando de pirata?
— Exatamente. Roger me disse que julgava Josefina muito atraente e

que a beijara para satisfazer sua curiosidade. Não havia nada de mal
naquele beijo, mas eu imaginei mil coisas. Eu entendo tudo isso agora, mas na
época estava muito alarmada com o que tinha acontecido e só o perdoei,
realmente, algum tempo depois. Roger foi muito paciente comigo nos
primeiros meses e me fez companhia até ficar boa de novo. Ele não quis
voltar para a universidade. Nós viajamos três anos juntos. Visitei diversos
especialistas da vista e fui operada duas vezes, mas sem sucesso. Depois da
última operação, achei que estava perdendo tempo à toa. Voltei para cá
decidida a trabalhar e cuidar da fazenda. Roger, porém, não quis morar
nesta casa e continuou algum tempo sem residência fixa. Mais tarde,
escreveu a musica que o tornou famoso e que lhe deu independência
econômica.

— Ele ainda se sente responsável pelo que aconteceu com você —

comentou Miranda após um momento.

— Ele disse isso a você?
— Não diretamente, mas eu ouvi uma conversa que teve com Juanita e

Chuck. Roger explicou que não podia vender a casa porque se você mudasse
daqui, perderia o interesse pela vida, e ele não queria ter mais esse peso na
consciência.

— É verdade. Eu não poderia viver em nenhum outro lugar. Eu me

dediquei muito a esta casa. Ela é tão importante para mim que eu me
esqueço, às vezes, de que a casa também pertence a Roger por herança. Mas
eu não fazia idéia que ele tinha esse problema. Roger tem vindo pouco aqui
nos últimos anos, e as histórias que ouço a seu respeito não me agradam
muito. Eu sei que ele está compondo agora. Você está ouvindo o piano?

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— Estou — disse Miranda, lembrando-se de que a mesma frase

musical

fora repetida muitas e muitas vezes aquela manhã, com pequenas variações.

— Marnie levantou-se.
— Bem, por hoje chega de saudade! — disse com um sorriso. Vou pedir

a Rosie para preparar seu almoço e dizer a Roger que você está acordada.
Ela vai gostar de lhe fazer uma visitinha. Lembre-se de que ele costuma
entrar nos quartos sem bater. Você está com vontade de vê-lo?

Miranda deu um sorriso. Roger lhe salvara a vida. Lembrou-se dos

cabelos castanhos que flutuavam na água, do braço passado em volta da
cintura, como uma cinta de ferro, da voz que dizia: "Você não pode morrer
afogada na minha casa, Miranda".

— Gostaria muito de vê-lo. Preciso agradecê-lo por ter me salvado a

vida.

Marnie saiu do quarto e Miranda ajeitou-se no travesseiro. O Cupido

gorducho continuava brincando com as ninfas no teto. Roger também
brincava de amor e beijava uma mulher somente por curiosidade, para ver
que gosto tinha. Ele a beijara e descobrira que ela era inexperiente; Por isso
perdera o interesse por ela, como Aurora tinha dito que ia acontecer.

Miranda deu um suspiro. Entendia agora por que Marnie conta a

história de Josefina: para ela não levar Roger muito a sério.

Absorta nesses pensamentos, recostada na cabeceira da cama, os

cabelos espalhados sobre o travesseiro como um véu de seda, vestida
apenas com a camisola de dormir, que estava muito folgada no seu corpo,
Miranda não ouviu a porta abrir e levou um susto quando uma voz masculina
disse ao seu lado:

— Você fica bem de camisola.
— Ah, meu Deus! — exclamou, apanhada de surpresa, puxando o lençol

até o pescoço diante do sorriso irônico de Roger. — Eu não ouvi você entrar!
— gaguejou, com a face corada ao ser surpreendida naqueles trajes.

— Eu vi que você estava distraída contemplando essa pintura no teto.

Você já deve saber todos os detalhes de cor. . .

— De quem era esse quarto?
— Da mulher de Roger Gallant, o mesmo que reconstruiu a parte da

frente da casa. Ela nasceu na Martinica e era filha de uma família de
fazendeiros da região. Estudou em Paris, visitou Versalhes e, ao vir morar

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aqui depois de casada, mandou decorar o quarto de dormir com a mesma
pintura que tinha admirado no palácio francês. Os móveis são todos
autênticos. Resistiram à passagem dos anos e aos abusos das crianças...

— Este quarto é maravilhoso.
Roger aproximou-se da cabeceira da cama com a bolsa de palha na mão.

Miranda lembrou-se imediatamente da carta que estava lendo na praia,
pouco antes de nadar para longe e quase morrer afogada.

— Eu achei sua bolsa na praia — disse Roger.
Sentou-se ao lado dela na beira da cama e Miranda pensou no mesmo

instante que teria sido mais prudente não receber Roger no quarto de
dormir. Vestida com a camisola folgada que ameaçava a todo momento
escorregar do ombro, não podia soltar o lençol nem fazer um movimento na
cama.

— Por que você não se deita ao comprido? — perguntou Roger,

notando sua aflição. — Seria mais confortável.

Miranda encostou-se hesitantemente no travesseiro, sem soltar o

lençol apertado contra o peito. Em seguida, soltou os braços e deitou-se ao
comprido.

— Agora, sim. Como você está se sentindo?
— Ligeiramente tonta.
Ela não sabia no entanto se a impressão estranha de tontura era por

causa do jejum ou à proximidade de Roger. Nenhum homem tinha o direito
de ser tão atraente quanto ele, pensou com raiva, consciente da linha
máscula do queixo, do pescoço forte, do peito descoberto por baixo da
camisa azul desbotada. Sentiu vontade de colocar a mão ali e sentir as
batidas do seu coração.

— Muito obrigada por você ter me salvado.
— Não fui eu que a salvei — disse Roger. — Foi Aubrey.
Ela não podia saber, pela expressão do seu rosto, se ele falava ou não a

verdade, mas lembrava-se vagamente dos cabelos castanhos que flutuavam
em cima da água, como algas marinhas, e da voz que lhe dizia para não
morrer afogada. Mas podia ter sido um sonho. . .

— Eu pensei que tinha ouvido sua voz embaixo d'água.
— Você tem uma imaginação fantástica, Miranda. Eu não disse nada.

Eu apenas segurei-a enquanto Aubrey a levantou na lancha. Por que você

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queria morrer afogada?

A pergunta a surpreendeu. Roger fixava-a com a expressão sombria,

como se não aprovasse seu comportamento.

— Eu não queria morrer afogada. Eu nadei para longe e a correnteza

me arrastou.

— Rosie não avisou que era perigoso nadar além das pedras?
— Avisou, mas eu não percebi na hora. Quando tentei voltar para a

praia, a correnteza estava forte demais. Juro por Deus, Roger, eu não tinha
nenhuma razão para morrer afogada. . . Mesmo porque, eu jamais faria uma
coisa dessas. Seria errado. . .

— Eu sei — murmurou Roger, abaixando os olhos.
— Sinto muito ter dado todo esse trabalho, e estou muito agradecida a

você e a Aubrey por terem me salvado a vida. Logo que melhorar vou voltar
para o iate.

Roger levantou a cabeça, com os olhos frios e distantes.
— O iate partiu hoje de manhã.
— Não! O que vou fazer então? Quando eles pretendem voltar? O que

aconteceu? Por que não esperaram por mim?— perguntou Miranda, aflita,
quase histérica.

— Douglas partiu às pressas, na esperança de realizar um outro

negócio em Cane Island. Ele tinha que fazer alguma coisa para justificar os
dias perdidos na excursão. Ele tem razão, no fundo. Um homem que está
acostumado com o sucesso não aceita a derrota de braços cruzados. Nosso
negócio só lhe deu aborrecimento. . .

— Derrota? Qual derrota?
— Bem, ele se confessou vencido quando foi informado que a fazenda

de Thomas fora adquirida por uma sociedade.

Era estranho como a curva no canto da boca tornava-se mais atraente

quando Roger sorria. Ela queria acompanhar o desenho com a ponta do dedo,
depois beijar o canto da boca, até ele voltar-se e cobrir sua boca de beijos.

Miranda engoliu em seco. O que estava acontecendo com ela? Por que

lhe ocorriam esses pensamentos loucos?

— Que sociedade? — perguntou com a voz trêmula, procurando manter

a atenção voltada para a conversa.

— Marnie e Aubrey fizeram uma sociedade para desenvolver a ilha.

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— E Thomas vendeu a casa para os dois?
— Exatamente. E Aurora foi minha cúmplice nessa jogada. . .
— Como? Não entendo. . .
— Eu a convenci a viajar para Nova Iorque, onde um conhecido meu,

que é agente musical, vai lançá-la como cantora. Aurora, evidentemente, não
hesitou um instante. Ela tomou um avião de Granada para San Juan. Eu disse
a Thomas que só revelaria o paradeiro dela depois que ele vendesse sua
propriedade para Marnie e Aubrey. Ao tomar conhecimento da oferta,
Thomas aceitou imediatamente o negócio. Os três assinaram um
compromisso de venda ontem à noite e Chuck partiu hoje de manhã com
destino a Nova Iorque.

— Pirata!
— As situações desesperadas exigem medidas de urgência. . . Você

ficou com pena de Douglas por ter perdido a partida?

— Não. Eu entendi por que você deseja conservar a casa da família e

quer que a ilha seja explorada pelos próprios moradores. Marnie e Aubrey
fizeram milagres aqui. . .

Houve um pequeno silêncio. Depois da explicação, Roger não tinha mais

nada a dizer. Enfiou a mão no bolso da jaqueta, tirou um envelope e
estendeu-o para ela.

— Douglas deixou isso para você.
— Ah! — Miranda abriu o envelope e um cheque caiu em cima da cama.

Não havia nenhum bilhete dentro. — Quando eles vão voltar para me
buscar? Você tem idéia?

— Não — disse Roger evasivamente. — Enquanto isso, fique aqui o

tempo que quiser. A casa é sua. Aproveite bem o fim das férias. O que você
vai fazer quando voltar para casa?

Roger estava sendo educado, pelo visto, demonstrando interesse:

pelo futuro dela.

— Acho que vou voltar para meu trabalho anterior. Não me dei bem

como secretária. Não tenho muito talento para tratar com as pessoas. Eu
me envolvo demais e tomo partido. . .

— Ainda bem que você tomou meu partido! — disse Roger, levantando-

se da cama. — Vou deixá-la. senão Marnie vai dizer que estou abusando.
Especialmente com essa camisola que você está. . . Marnie não sabe que eu a

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vi muitas vezes seminua. Ela é uma mulher do século passado e tem uma
moral muito severa.

— Que você não aprova?
— Eu também tenho meus princípios, mas pertencem a este século e

são mais realistas que os dela. Ao agarrar-se a este código antiquado.
Marnie está prejudicando não apenas a si própria como aos outros, Veja, por
exemplo, o caso dela com Aubrey. Os dois deviam viver juntos. Seriam mais
que sócios num negócio, seriam um casal feliz! Marnie, no entanto, conserva
a crença imaginária de que nenhum homem deve se sacrificar e viver com
uma mulher cega. E Aubrey, por sua vez, acha que não é suficientemente
educado para ser marido dela. Os dois se respeitam tanto que vão passar o
resto da vida separados, sofrendo à toa por um amor não correspondido.
Hipócritas, no fundo! Eles me cansam.

Roger fez uma careta e foi até a janela, onde olhou para fora.
— Por que Aubrey não se julga suficientemente educado para ela —

perguntou Miranda, surpresa com sua explosão de raiva.

Roger voltou-se para ela da outra extremidade do quarto.
— Porque o pai dele era marinheiro num barco holandês e a mãe

descendia provavelmente de escravos. Como Marnie tem um nome de família
conhecido, mora numa casa antiga e tudo o mais, Aubrey imagina que ela seja
uma criatura superior, do outro mundo! O que é uma besteira muito grande,
na minha opinião. Nossa família não é melhor nem pior do que as outras,
como você teve ocasião de ver pessoalmente. O amor dos dois devia ser
consumado, e não desperdiçado inutilmente, sobretudo porque moram numa
ilha onde ninguém tem esse tipo de preconceito.

A amargura estava presente na voz dele e acentuou as linhas do rosto,

dando-lhe uma aparência mais velha.

— Marnie me falou a respeito de Josefina — disse Miranda, desejando

tranqüilizá-lo pela responsabilidade no acidente. — Ela não responsabiliza
você pelo fato. Ela entendeu que tudo foi conseqüência de um grande erro
dela. . . por ser rígida, na época, e interferir na vida dos outros.

— Pois é. O culpado é o tal código antiquado de moral — murmurou

Roger. — Aposto que ela contou essa história para lhe dar uma lição de
moral. Ah, eu não tenho mais paciência para esse tipo de problema! Eu tenho
trabalho à minha espera. . .

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— Você está compondo?
— Hum, a melodia para o balé, A música para Miranda — acrescentou

com um sorriso no canto dos lábios.

— Para a Miranda de Shakespeare?
— Quem mais podia ser? — perguntou Roger, dirigindo-se à porta do

quarto. — Fique à vontade em nossa casa e não tenha pressa de voltar.
Lembre-se de que o mar está à nossa espera.

A melodia dissonante, com seu ritmo latino-americano, mesclado com

um compasso que tinha origem na música popular escocesa, era ouvida, nos
dias seguintes, pela casa inteira. Foram dias de sol e de indolência para
Miranda, que convalescia lentamente e passeava pelos arredores, explorando
os recantos da antiga fazenda colonial.

A casa tinha uma personalidade dupla, como a música que Roger

compunha para A Tempestade de Shakespeare. A parte da frente era clara
e arejada. Os quartos eram amplos e ventilados. Tinham uma elegância
antiga que harmonizava com os móveis franceses do século XVIII. Miranda
podia imaginar as festas que tinham sido dadas naqueles salões, bem como a
personalidade cativante do Roger Gallant da época, circulando entre os
convidados. O quarto predileto de Miranda era aquele onde estava
hospedada, o quarto de dormir da bela francesa nascida na Martinica, que
fora, segundo a árvore genealógica que encontrara na biblioteca, a tataravó
de Marnie e de Roger.

A biblioteca, ou sala de música, como era chamada agora, era outro

aposento favorito de Miranda. Ficava na outra parte da casa, mais antiga, de
estilo espanhol, meio escura e sombria, com arcos e paredes grossas de
pedra, tetos baixos e vigas pesadas, balcões com grades Livradas e biombos
que separavam os quartos decorados com tapeçarias e sofás compridos de
veludo.

Era naquela sala entre os livros encadernados, que ocupavam as

estantes, entre mapas antigos do mar das Antilhas e retratos a óleo dos
antepassados, que Roger passava a maior parte do dia compondo a música
para o balé, improvisando uma frase ou uma variação no piano que ganhara da
avó, Fiona MacGregor, cujo belo rosto escocês sorria benignamente no
retrato pendurado na parede.

Miranda aguardava a volta de Douglas e de Zelda para os próximos

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dias e procurou tirar o máximo proveito da breve estada na casa. Escreveu
para a tia explicando o que tinha acontecido e incluiu uma carta para Dottie
e Joe, desejando felicidade aos dois. Depois, voltou sua atenção para Marnie
e Aubrey, com os quais passava a maior parte das manhãs. As tardes
pertenciam a Roger.

Os dois iam à praia juntos, e as sessões de natação eram ao mesmo

tempo um prazer e um tormento para ela. Roger aparecia às vezes de
improviso e atirava água fria em cima dela; outras vezes, surgia repen-
tinamente embaixo d'água e segurava-a pela perna. Depois do banho,
deitavam-se na areia, tomavam sol e conversavam até o entardecer.

Nisso consistia o tormento de Miranda. O fato de estar perto dele, de

saber que bastava apenas estender a mão para tocá-lo, tornava as tardes
perigosamente excitantes. Roger porém mantinha uma distância
cerimoniosa. Miranda esqueceu por isso o perigo e abandonou-se ao prazer
de sua companhia, calculando que muito em breve iria despedir-se dele para
sempre.

Certa vez Aubrey levou-a a conhecer a outra casa da família Gallant, a

fazenda que Thomas abandonara há uns dez anos atrás. Era uma cópia da
outra, embora estivesse num estado deplorável de conservação. Em
conseqüência do descuido de Thomas, os pomares foram invadidos pelo mato
e as frutas maduras caíam no chão, onde apodreciam aos montes.

Marnie e Aubrey tinham a intenção de restaurar a casa antiga,

construir alguns chalés para as férias e recuperar a produtividade do solo.
Os chalés seriam alugados para as pessoas que desejavam passar uma
temporada no mato e que não gostavam dos roteiros organizados pelas
agências de turismo.

— É importante preservar a beleza natural e fornecer ao mesmo

tempo todas as comodidades da vida moderna — explicou Aubrey, enquanto
passeavam pelo pomar bem tratado, que era o orgulho e a alegria de Marnie.

— Esta ilha, por sinal, é um paraíso. É uma pena que Marnie não possa

enxergar o resultado de seu trabalho.

— Mas ela pode sentir — comentou Aubrey.
— Talvez. Mesmo assim, a cegueira é um obstáculo para a felicidade

dela.

— Por que você diz isso? O que mais Marnie poderia querer além de

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morar na casa em que nasceu e levar a vida de que ela gosta?

— Ela desejaria ter provavelmente um companheiro, alguém com quem

pudesse conversar de mãos dadas nas noites de solidão.

— Um marido, você quer dizer?
— É,

um homem que seja ao mesmo tempo muito paciente e carinhoso

para fazê-la esquecer de sua cegueira. Ela pensa que não merece amor pelo
fato de ser cega. . .

— Marnie pensa isso?
— Foi Roger que me disse.
— Roger deve saber, porque os dois são muito parecidos. — Aubrey

fez uma pausa e disse de repente: — Escute, esse homem paciente e
carinhoso sou eu! Eu sou o camarada mais paciente que já nasceu na ilha.
Você vai ver. . .

Naquela noite, Roger convidou Aubrey para jantar na casa e, em vez de

recusar, como fazia habitualmente, o homem aceitou o convite. Depois do
jantar, os quatro sentaram no quintal atrás da casa, onde tomaram café. Em
dado momento, Roger retirou-se em silêncio e, alguns minutos depois, os
três ouviram o piano na sala. Desta vez, porém, Roger não estava
improvisando a música que compunha, mas tocando um noturno nostálgico de
Chopin.

Ao perceber a indireta, Miranda afastou-se do quintal e deixou os dois

a sós. Passeou algum tempo pelo jardim, de onde não ouvia a música
sentimental que lhe despertava recordações tristonhas de outros dias mais
felizes.

Na manha seguinte, Marnie levantou-se bastante nervosa. Depois do

almoço, Miranda preferiu fazer-lhe companhia, em vez de ir nadar com
Roger. A ocasião não podia ser mais oportuna para abordar o assunto que a
preocupava há algum tempo.

— Aubrey é um homem muito forte — disse Miranda no meio da

conversa. — No dia em que me afoguei, ele me carregou nos braços da praia
até o quarto, e não parou uma vez para descansar. Sem falar que ele é muito
bonito, também.

A cabeça de Marnie voltou-se na sua direção, mas ela não disse nada.
— Os olhos dele são cinza, muito claros, mas talvez sejam dessa

tonalidade porque a pele é bem morena.

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Marnie ouviu o comentário em silêncio, mas suas mãos, que estavam

pousadas nos braços da cadeira, se contraíram.

— E ele é uma pessoa muito sensível, se bem que sua sensibilidade

possa lhe ser prejudicial. . .

— Em que sentido? — perguntou Marnie por fim.
— No caso de amar alguém.
— Por que a sensibilidade seria prejudicial nesse caso? — insistiu

Marnie, sem entender as palavras enigmáticas de Miranda.

— Ele poderia pensar que seu amor não está à altura da pessoa que

gosta.

— Como? Qualquer mulher teria orgulho de ser amada por um homem

como Aubrey. Que bobagem dele! Espere até hoje à noite. Eu vou lhe dizer
umas verdades. . .

Marnie não esperou que Roger convidasse Aubrey para jantar aquela

noite. Ela convidou-o pessoalmente e, depois do jantar, os dois voltaram a
conversar a sós no fundo da casa.

Nos dias seguintes, estava evidente que o relacionamento entre os

sócios entrara numa nova fase. Permaneciam mais tempo na companhia um do
outro e encontravam sempre uma desculpa para conversarem a sós. Miranda
não sabia se Roger tinha notado alguma diferença e não pôde conversar
sobre esse assunto porque ele tinha interrompido os banhos de mar à tarde.

Pelo visto, Roger estava muito ocupado com o trabalho. Ela não

imaginava que a composição do balé fosse lhe tomar tanto tempo, e foi isso
que comentou uma tarde com Marnie.

— É raro Roger trabalhar com tanta assiduidade — disse Marnie. —

Ele deve ter uma data marcada para terminar o balé. Além disso, deseja
naturalmente que a música seja um sucesso. Eu estava com muita saudade
dele e foi muito bom você ter vindo aqui lhe fazer companhia.

— Eu? — perguntou Miranda espantada, nunca lhe ocorrera que a

presença de Roger em casa tivesse alguma coisa a ver consigo.

— Pois é. Ele me contou que não queria fazer parte da excursão a

bordo do iate, e que aceitou apenas para não criar nenhum problema. De
qualquer maneira, eu gostei que ele tivesse acompanhado vocês. De outra
forma, Thomas ia dar um jeito de passar a perna na gente, como aconteceu
da primeira vez. E você? Está gostando de sua estada aqui?

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— Estou adorando, e vocês foram muito gentis comigo. Vou sentir

muita saudade quando Douglas e Zelda passarem para me pegar. Faz
exatamente duas semanas que eles partiram.

— Pelo que eu sei, eles não ficaram de voltar.
— Como? Eles têm que voltar! Como eu vou tomar o avião em San Juan?

— exclamou Miranda, alarmada com a notícia. Marnie decerto estava mal-
informada a respeito da volta de Douglas.

— Zelda deixou algum bilhete para você? — perguntou Marnie,

surpresa por sua vez.

— Não. Havia apenas um cheque dentro do envelope. Aliás, com uma

quantia maior do que esperava receber.

A suspeita começou a fermentar rapidamente em sua mente, como uma

nuvem de poeira criada por uma explosão violenta.

— Quem disse a você que eles não vão voltar? — insistiu Miranda.
— Roger. Depois que Aubrey trouxe você para casa, Roger explicou a

Douglas que você não podia viajar com eles aquele dia. Douglas ficou muito
contrariado com a notícia e disse que não podia esperar por mais tempo.
Preencheu rapidamente um cheque e nós pensamos que havia incluído um
bilhete, explicando o ocorrido. Ele disse a Roger que você devia voltar por
conta própria para Londres, e que não tinha mais necessidade do seu
serviço.

— Ah, meu Deus! — exclamou Miranda, levantando-se bruscamente da

cadeira. — Roger não me disse nada. Ele me enganou!

— Você acha? — perguntou Marnie, procurando tranqüilizá-la. — Eu

creio que ele agiu propositalmente. Ele queria que você ficasse aqui mais
alguns dias. Foi bom para mim ter sua companhia, Miranda. Você me contou
muitas coisas que eu desejava saber e me falou sobre a cor das frutas que
eu plantei no pomar. — A voz de Marnie tremeu de emoção. — Não vá
embora somente porque Douglas não voltou para apanhá-la! Você pode ficar
o tempo que quiser conosco. . . para sempre, se você desejar. Eu gostaria
muito que você ficasse!

— Mas eu não posso, Marnie! Eu tenho que voltar! — disse Miranda,

com medo do amor que a prendia naquela casa.

Preocupada com a notícia, trancou-se no quarto a fim de refletir

alguns minutos sobre a decisão que devia tomar. Ali, embaixo do teto cor-

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de-rosa, azul e dourado, andou nervosamente de um lado para o outro,
furiosa pela maneira como fora enganada. Não se sentia tão irritada assim
desde a noite em que Roger a beijara na praia. Naquela ocasião, lutara
desesperadamente com ele. Gostaria de lutar novamente, gritar desaforos,
feri-lo fisicamente, embora soubesse que Roger se divertia à custa dela,
porque gostava de brigar.

Ouviu a música que vinha do salão. Tomou coragem e rumou para lá.

Estava quase na hora do jantar e estava vestida com a saia preta e blusa de
babadinho que usara na primeira noite que passara em San Juan.

Respirando fundo para acalmar os nervos, que estavam prestes a

explodir, abriu a porta e entrou na sala. Com exceção da lâmpada acesa em
cima da mesinha onde Roger trabalhava, o salão estava completamente
escuro. Podia avistar as lombadas dos livros enfileirados nas estantes, o
lustre acetinado do sofá de veludo, o grande piano de madeira avermelhada.

Roger devia ter tomado banho de mar aquela tarde, pois trazia os

cabelos escorridos atrás das orelhas. Como era seu costume nos dias
quentes, estava apenas de calça comprida, sem camisa, e pele nua das costas
e dos ombros brilhou na luz amarelada da lâmpada no momento em que
apanhou o copo de bebida em cima da mesa.

— Roger. . . — disse Miranda, procurando controlar a emoção que a

assaltava. Ele se voltou e a fixou em silêncio. — Roger, porque você não me
disse que Douglas não ia passar aqui para me pegar

Roger colocou o copo de cristal em cima da mesa.
— Eu não disse nada para não aborrecê-la à toa. Você parecia tão

contente com a oportunidade de passar alguns dias aqui que não quis
decepcioná-la. . .

Ele balançou os ombros, como se não entendesse a dúvida dela e voltou

ao trabalho.

— Mas você sabia que ele não ia voltar e não me disse nada! —

exclamou Miranda, furiosa com sua indiferença. — Você me enganou de
propósito!

Ele tornou a colocar a caneta em cima da mesa e levantou-se cadeira;

encostou as costas na mesa, para encará-la de frente.

— Está bom, eu a enganei de propósito. . . Você está arrependida de

ter ficado? Você não gostou dos dias que passou aqui?

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— Você sabe que gostei! Mas isso não vem ao caso. Eu não abusaria

jamais da hospitalidade de Marnie se soubesse que Douglas não ia voltar
para me buscar!

— Se é isso que a preocupa, esqueça. A hospitalidade é uma virtude

que os moradores da ilha se orgulham muito de possuir. Você foi bem-vinda
aqui, Miranda. Nós todos gostamos muito de sua companhia.

Roger estava esquivando-se, naturalmente.
— Mas por que você não me disse nada? — insistiu Miranda.
De novo ele levantou os ombros, como se não estivesse disposto a

discutir o assunto.

— Eu tinha a intenção de preveni-la, mas você estava muito abatida, e

o recado que Douglas deixou comigo não era muito agradavél

— O que foi que ele disse?
— Você quer realmente saber?
— Claro que sim. Você não pode esconder isso de mim!
— Está bem, então. Douglas disse que você foi ineficiente durante a

excursão de iate e que não atendeu às expectativas dele.

— Ah, essa é boa! Eu bati todas as cartas que me deu e tomei todas as

anotações que pediu! — exclamou Miranda, furiosa.

— Ele se referia provavelmente a outros deveres. Você já se esqueceu

que devia me influenciar na venda da casa? Além de ocupar-se de Chuck?
Douglas estava de péssimo humor no dia do embarque e tinha que pôr a culpa
em alguém. Quando eu disse que você devia ficar alguns dias aqui para se
recuperar, ele ficou extremamente irritado e fez algumas observações
maldosas sobre sua associação comigo, que eu

prefiro não repetir. Foi então

que preencheu o cheque para você. Era uma forma de demiti-la. Você não
trabalha mais para a Transmarine.

Miranda caiu das nuvens. Encarou-o, perplexa, sem saber o que dizer,

imaginando o que sua tia iria comentar quando soubesse que sobrinha
predileta fora demitida da companhia onde trabalhava, por ter tomado o
partido de Roger, o homem que devia influenciar!

— Eu não quis lhe dizer isso, sobretudo depois da notícia que você

recebeu de casa — comentou Roger com delicadeza.

— Como você soube que eu recebi uma notícia de casa aquele dia?
— Eu encontrei a carta que sua tia escreveu. Estava caída na praia.

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— E você leu?
— Hum. Li.
— Não!
Roger não apenas a enganara propositalmente durante duas semanas

como sabia da humilhação que ela recebera por parte de sua irmã e de Joe!
Ele sabia de tudo e não comentara nada. A raiva dela era tão violenta que
não pensou no alcance de suas palavras.

— Ah, você não tem vergonha! Como você teve a coragem de ler minha

carta?

— A carta estava voando na praia — disse Roger com o rosto

momentaneamente sombrio, como se não estivesse acostumado a ouvir
acusações desse tipo. — Eu li para ver se entendia o motivo que a levou a
nadar para longe, depois do conselho que Rosie lhe deu. Quanto a ter
vergonha, eu tenho tanta quanto qualquer outra pessoa. Quando eu desejo
uma coisa, eu faço tudo para tê-la. Tudo vale nesse caso, Miranda — repetiu,
como afirmara tempos antes, e a indolência da voz parecia acentuar sua
determinação.

Miranda sentiu uma sensação estranha de frio, que transformou a

raiva em medo. Desejou estar em qualquer outro lugar do mundo menos
sozinha com ele naquela sala sombria.

Roger deu um passo à frente, com as mãos estendidas, sorria da

mesma maneira que no primeiro dia em que se conheceram.

— Vamos fazer as pazes, Miranda. Eu não fiz nada de mal. Arrumei

apenas uma casa para você descansar alguns dias e guardei comigo algumas
informações desagradáveis. Talvez não devesse ter lido sua carta, mas
fiquei preocupado quando vi você nadar para longe sabendo que havia uma
corrente perigosa ali. Você me perdoa? I

Ela recuou um passo quando ele se aproximou. Tinha receio de perdoá-

lo ao contato irresistível do seu corpo.

— Não se aproxime de mim! —gritou. — Não me toque!
— Por que você diz isso para mim? — murmurou Roger com um sorriso,

aproximando-se mais um passo. — O fruto proibido é sempre o mais gostoso.
Agora que você não está mais noiva de Joe, por que não beija seus amigos,
Miranda?

Ela estava tentada a fazer o que ele sugeria, mas o medo era maior

que

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o desejo, medo de que a usasse porque ela estava disponível naquele
momento. Recuou alguns passos, pensando que estava indo na direção da
porta, mas enganou-se de direção e foi encurrala contra o sofá de veludo.
Ao encostar os joelhos na beira do sofá, perdeu o equilíbrio e caiu para trás.
Antes que pudesse levantar-se, Roger debruçou-se sobre ela e segurou-a
pelos pulsos, com o ombro descoberto tocando no seu peito.

— Você lembra daquele barracão na praia? Do colchão de palha —

murmurou no seu ouvido, e ela podia sentir o cheiro de sal que vinha da pele
queimada pelo sol. — Você lembra da tempestade na praia deserta? Da água
que subia até nossos pés? Lembra do passeio que demos na Martinica?

Ela virou a cabeça para o lado, a fim de esquivar-se do beijo com que

ansiava secretamente nas últimas noites, sozinha na cama de casal.

— Não, não lembro — balbuciou, com os olhos arregalados.
— Claro que você lembra. Como poderia esquecer?
— Eu me esqueço das coisas tão facilmente quanto você!
— Ah, é? — zombou Roger, beijando-a na orelha. Ela deu pulo como se

fosse mordida por uma cobra, e jogou a cabeça para

s

trás. Ele apertou-lhe

os pulsos com mais força.

— Eu não quero seus beijos! Eles não significam nada para mim.

Guarde-os para outra mulher, a espécie que não se importa em satisfazer
seu capricho do momento!

Um silêncio pesado seguiu-se a essa explosão de raiva. Miranda fitou-o

com o canto dos olhos. À luz amarela da lâmpada, o rosto moreno parecia
uma máscara de bronze, como no sonho que tivera. Os olhos estavam
fechados e havia um sulco fundo entre as sobrancelhas, como se ele
estivesse sofrendo horrivelmente.

Roger abriu os olhos de repente e ela voltou o rosto para não encará-

lo. A raiva estava visível na fisionomia fechada.

— Você vai me pagar pelo que disse!
Miranda tentou afastar-se, mas ele a segurava como uma garra de

ferro. Puxou-a para si com violência e atirou-a sobre o sofá. Os cabelos
finos cobriram o rosto dela como fios de seda. Beijou-a primeiro por cima
dos cabelos, depois afastou-os para os lados, para que pudesse cobri-la de
beijos.

O tempo passou no quarto escuro sem ser notado por nenhum dos dois.

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Continuavam deitados em silêncio no sofá, vivendo num mundo fora do
tempo, imersos na paixão que surgira de repente, incontrolavelmente.

Uma porta se abriu. Um vulto esguio apareceu na soleira, com a cabeça

inclinada, prestando atenção.

— Roger, você está aí? Estou ouvindo sua respiração. Tem mais alguém

com você?

Movendo-se com relutância, Roger levantou-se lentamente do sofá.

Miranda abriu as pálpebras pesadas e viu a curva do rosto moreno, o brilho
dos olhos castanhos; depois, ele saiu do seu campo visual. Sem o calor de sua
presença, ela sentiu um arrepio de frio.

— Eu estou aqui, Marnie. Com Miranda.
— Ah, que bom encontrar vocês dois juntos. Eu estava preocupada

porque pensei que Miranda não queria mais ficar conosco. Eu não gostaria
que ela se sentisse assim em nossa casa. Fiquei com receio de ter dito
alguma coisa errada de novo. . . Quer dizer que está tudo bem?

Roger aproximou-se da irmã e passou o braço em volta de sua cintura.

Ela deitou a cabeça no seu ombro.

— Está tudo bem, Marnie. Você não precisa ter receio de nada. Você

não fez nada errado.

— Eu fiz, sim. Eu não devia ter dito nada a Josefina. Eu fui uma

puritana insuportável. Eu devia ter feito como o macaquinho da história. Não
vê nada, não ouve nada e não diz nada, porque não há nada de mau
acontecendo, não é verdade?

— Pois é. Foi um erro pelo qual nós dois pagamos. Eu preferia não ter

conhecido Josefina, não ter curiosidade de beijá-la, mas ela pertence ao
passado e não tem lugar no nosso futuro. Vamos esquecer o que aconteceu.

— Ah, eu gostaria muito de esquecer tudo aquilo! Miranda disse que

deseja voltar para casa. Ela não quer ficar mais aqui. Você vai deixar ela
partir?

Roger deu uma risada e sacudiu de leve os ombros da irmã, antes de

afastar-se em direção à mesa de trabalho.

— Se ela deseja ir embora, como posso prendê-la? Você acha que eu

devia fazer como nossos antepassados que mantinham as pessoas à força?

Miranda estava sentada no sofá, endireitando os cabelos e a blusa

amassada. Felizmente Marnie não podia vê-la naquele estado.

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— Quando você deseja partir, Miranda? — perguntou Roger.
— Amanhã, se for possível — disse Miranda, com a voz trêmula de

emoção.

— Está combinado, então. Agora, se vocês me dão licença, vou terminar

uma parte que falta antes do jantar.

— Não se prenda por nossa causa — disse Miranda sem jeito.
— Ao avistar a expressão de perplexidade no rosto de Marnie passou o

braço em volta do seu ombro. Em seguida, sugeriu que fossem dar uma volta
no jardim antes do jantar e levou-a para fora da sala antes que Marnie
fizesse alguma pergunta embaraçante ao irmão.



CAPÍTULO VII


O vento forte de março levantava as saias das mulheres e jogava os

papéis para o alto. Trazia à lembrança as regiões desoladas do mar do
Norte, recordava o canto das gaivotas e dos martins-pescadores evocava a
promessa de flores e de primavera.

Miranda inclinou a cabeça contra a ventania que varria as ruas ao

voltar para casa na noite de sexta-feira. Lembrou-se de outro vendava que
soprou uma noite sobre o mar azul, formando espuma em cima das águas,
arrancando as folhas compridas das palmeiras que

faziam sombra nas praias

maravilhosas das Antilhas.

Tudo aquilo parecia um sonho, a excursão pelas ilhas do Caribe e a

permanência de algumas semanas em Tortuga, um sonho que ela nunca
esqueceria, embora houvesse terminado um mês atrás, quando se despedira
de Roger e voara num pequeno avião rumo a Granada.

Admirando as pequenas ilhas que pareciam estrelinhas atiradas

displicentemente no oceano.

Em San Juan, ela tomou o avião internacional com destino a Londres,

no mesmo dia, sem a menor dificuldade.

Se fosse por Marnie, não teria partido. Marnie ficou muito comovida

com a despedida, e seus olhos apagados choraram lágrimas de dor quando
lhe disse adeus.

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— Há alguma coisa errada entre você e Roger, não é mesmo? —

perguntou Marnie. — Eu sinto um clima de rejeição no ar.

Miranda deu uma desculpa qualquer e esquivou-se da resposta evidente

quando James Williams parou o carro defronte de casa e desceu para
apanhar suas malas. Beijou rapidamente Marnie e partiu às pressas, sem se
despedir de Roger. Aliás, ela não o via desde a noite anterior, quando se
encontraram na sala de música. No fundo, Miranda preferiu que ele não
estivesse presente à sua despedida.

Agora, caminhando sozinha pela rua familiar de casas geminadas,

entendeu o motivo pelo qual Marnie empregara a palavra rejeição. Ela
rejeitara Roger quando ele sugerira que os dois se beijassem como bons
amigos, e Roger a rejeitara quando dissera a Marnie que não linha a intenção
de guardá-la em Tortuga, mesmo sabendo que ela jamais iria esquecer-se
dele.

Voltara para Londres a fim de recomeçar sua vida normal, mas isso era

impossível. Sua existência anterior se partira em mil pedaços. Joe se casara
com Dottie e a Transmarine não tinha mais necessidade de seus serviços.
Havia apenas Tia Clara, sentada na cozinha, ouvindo com atenção a história
da viagem e tudo que acontecera a bordo do iate, comentando no fim da
narrativa:

— Você se saiu à sua mãe, Miranda. Você se apaixonou desde o início

por esse tal de Roger.

Miranda negou a princípio, mas a tia insistiu e comentou à sua maneira

autoritária de sempre:

— Você não me convence com essas desculpas esfarrapadas, filha. Eu

sei que você gostou dele. Por que você não reconhece?

De que adiantava admitir? Roger estava a milhares de quilômetros de

distância. . . Entretanto, na intimidade do quarto, Miranda aceitou o fato e
derramou algumas lágrimas de tristeza. Apaixonara-se por um homem que só
levava uma coisa a sério na vida: sua própria música. E não apenas estava
apaixonada por ele, como amava tudo que lhe dizia respeito. Por que o
rejeitara então? Por quê? Por que tinha medo de ser tratada como um
capricho do momento? Sim, ela desejava ser mais do que isso. Desejava ser
não apenas a amante, mas a mulher, viver para sempre com ele, partilhar
suas alegrias e tristezas Felizmente, encontrou com facilidade um novo

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emprego na cidade vizinha. Não era um trabalho tão promissor quanto o que
tinha na Transmarine, mas esperava que os colegas novos e o ambiente
diferente pudessem levá-la a esquecer rapidamente o cruzeiro de iate suas
conseqüências. Visitara Dottie e Joe na casa onde moravam, notou o alívio
dos dois quando cumprimentou-os tranqüilamente e lhes deu o presente de
casamento. Ao ver Joe sentado ao lado de Dottie Miranda perguntou-se a si
mesma como pudera ter gostado tanto de Joe, era muito simpático, sem
dúvida, mas não tinha mistério. . .

Entretanto, sua esperança de esquecer-se rapidamente de Roger

fracassou por completo. Todas as noites, após apagar a luz da cabeceira,
sentia em sua volta o ar quente e suave das Antilhas, e tinha a impressão
exata de que estava andando de mãos dadas com Roger pela praia coberta
de conchas.

O vento forte soprou os cabelos finos e Miranda correu os último

metros que a separavam de casa. A tia, pelo menos, não mudar nada. . . Era a
mesma de sempre: severa, irônica às vezes, queixando se do comportamento
das meninas no colégio, como fizera nos últimos anos. Estaria agora na
cozinha, preparando o jantar e, no momento em que a sobrinha entrasse em
casa, contaria um incidente qualquer sobre a aula de sexta-feira à tarde,
comentaria como as alunas se comportaram mal e tinham caído na
gargalhada com alguma palavra indecente que encontraram na peça de
Shakespeare, ou então, como não tinham entendido o pensamento profundo
numa poesia de Shelley.

Miranda abriu a porta da frente e parou no corredor escuro, ar: tinha

cheiro de guarda-chuva molhado e de produtos de limpeza. Á ouvir o som
meio desafinado do piano na sala, prestou atenção, com o ouvido junto à
porta. A melodia era conhecida, e a ouvira muita vezes numa outra casa. O
piano cessou de repente e ela ouviu a voz da tia. Uma outra voz respondeu.
Era masculina e tinha a inflexão indolente de alguém conhecido.

Miranda desabotoou lentamente o casaco grosso de lã. Pendurou-o no

cabide antigo da passagem e mirou-se no espelho oval, que fazia parte do
cabide. O rosto estava abatido, os olhos ligeiramente sombrios.

— É você que está aí, Miranda? — perguntou a tia, com a voz

esganiçada que Miranda conhecia tão bem. — Nós estamos aqui, sentado
perto da lareira.

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Nós. Havia alguém na sala realmente. Ela não tinha imaginado o som do

piano nem a voz indolente. Entrou devagar na saia de visita.

Tia Clara estava sentada na sua cadeira favorita. Sorria de satisfação

enquanto conversava animadamente de música, que era sua segunda grande
paixão. A primeira era as aulas de literatura que dava no colégio. Conversava
com um rapaz moreno que estava sentado no banquinho do piano, com as
mãos embaixo das pernas. Os cabelos castanhos tinham o brilho da casca de
nogueira e os cachos caíam em cima da gola do terno elegante. O rosto
anguloso, bronzeado por um sol mais forte do que o que brilhava na
Inglaterra.

Ele se levantou do banquinho e estendeu-lhe a mão, com um sorriso no

canto dos lábios. Ela segurou na mão dele e sentiu o calor contagiante.
Nunca experimentara uma alegria tão grande em rever alguém. Nunca um
aperto de mão lhe pareceu uma forma tão inadequada de cumprimento.
Tinha vontade de atirar-se nos braços dele e beijá-lo na boca, mas a tia
estava ali, olhando para os dois, aprovando certamente o simples aperto de
mão.

— Que surpresa! — disse Miranda. — O que você veio fazer aqui?
— Aqui na sua casa ou na Inglaterra?
— Aqui, nesta casa!
— Vim vê-la e conhecer sua tia.
Sorriu para Clara, que devolveu o sorriso, encantada com suas

maneiras educadas.

— Roger e eu tivemos uma conversa muito interessante sobre A

Tempestade. Ele está compondo a música para o balé que vai ser levado no
outono. Foi por isso que ele veio à Inglaterra. Segundo me disse, pretende
demorar-se algum tempo aqui. Onde fica mesmo seu apartamento, Roger?

Miranda não ouviu a resposta porque estava lembrando de suas

palavras: "Nós podemos nos encontrar em Londres. Eu tenho um
apartamento lá".

E agora estavam de fato se encontrando, não no apartamento dele,

mas na sala de visitas, antiga, modestamente mobiliada, da casa de tia Clara.

O olhar de Roger esbarrou no dela durante uma fração de segundo. Ele

tornou a sorrir, não misteriosamente nem com segundas intenções, mas
timidamente, como se não tivesse certeza de qual seria a reação dela. Roger

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inseguro e desconfiado? Isso era novidade. . .

— Eu vim convidar você e sua tia para jantarem fora — disse ele após

um momento. .

— Vá com Miranda — disse Clara com vivacidade. — Ela não tem saído

ultimamente. Eu tenho uma aula esta noite. . .

Miranda voltou-se boquiaberta para a tia. Ela não tinha nenhuma aula

na sexta-feira à noite. Tia Clara pregando uma mentira e piscando o olho
discretamente para ela!

— Vá trocar de roupa, filha — disse a tia com a voz autoritária que lhe

era habitual. — Ponha seu vestido novo enquanto eu converso mais um
pouquinho com Roger. . .

Miranda subiu correndo para o quarto, com a cabeça girando a toda,

sem saber que vestido ia usar. Finalmente, decidiu pela sai preta e pela
blusa branca de babadinhos, por ser a roupa mais apropriada para uma noite
fria e ventosa de março. Sentiu um arrepio quando se lembrou da última vez
que vestira aquela roupa na casa de Roger, em Tortuga. Teria coragem de
jantar sozinha com ele? Ele a traria de volta para casa depois do jantar ou a
levaria diretamente para seu apartamento? Ah, seria muito mais seguro se
tia Clara fosse junto. . .

— Mais seguro? — murmurou consigo mesma, diante do espelho. —

Você mandou a segurança às favas quando tomou aquele táxi no aeroporto
em San Juan, está lembrada? A partir de então você nunca mais esteve
segura na companhia dele, e não vai estar essa noite nem em nenhuma outra
noite de sua vida.

Roger tinha alugado um carro que estava estacionado defronte da

casa, no outro lado da rua. Miranda sentou-se apreensiva no banco enquanto
fitava com atenção os faróis que iluminavam o asfalto úmido. Logo depois,
tomaram o caminho que levava ao restaurante afastado da cidade,
recomendado por tia Clara.

Os dois guardavam silêncio e Miranda podia sentir a tensão que pairava

no interior abafado do carro. Só havia uma maneira de pôr-se à vontade —
era falar, fosse o que fosse. Quando se decidiu por isso, Roger também
falou ao mesmo tempo.

— Como está Marnie?
— Marnie pediu para lhe agradecer a carta que você escreveu.

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Os dois riram da coincidência e sentiram-se mais descontraídos.
— Marnie está muito bem. Os dois vão se casar no fim de junho. Ela

gostaria que você fosse ao casamento e mandou um convite, Você vai?

Miranda voltou-se para ele, completamente desorientada.
— Como posso ir? É muito longe daqui. E não tenho dinheiro para a

passagem. Além disso, não teria tempo disponível. Estou num emprego novo e
não posso pedir alguns dias de licença logo no primeiro mês.

As palavras saíam de sua boca como uma torrente. Roger diminuiu a

velocidade e parou no acostamento. Desligou o motor e apagou os faróis. A
noite estava escura, mas não era como no céu dos trópicos; a escuridão era
negra e espessa, como se não houvesse uma estrela no céu.

— Por que você está tão nervosa? — perguntou Roger, segurando um

cacho do seu cabelo e puxando-o com força. Ela soltou uma exclamação de
dor. Ao reconhecer que falava histericamente, sem poder se controlar,
Miranda engoliu em seco e deu um suspiro fundo. Seu corpo tremia de
nervosismo e ansiedade.

Roger soltou o cacho de cabelo que apertava entre os dedos, passou o

braço em cima do ombro e puxou-a com delicadeza na sua direção. Ela
aninhou-se tremulamente no peito dele, até que o calor do corpo dele se
comunicou ao seu.

— Foi muito ruim esse último mês? — murmurou Roger.
— Foi, foi muito ruim.
— Para mim também. Eu não devia ter deixado você partir. — Ela

levantou a cabeça, surpresa com as palavras que ouvia, mas não pôde ver sua
expressão no escuro. — Foi por isso que eu vim aqui, Miranda. Para levá-la de
volta comigo. Você não quer ir ao casamento de Marnie como minha mulher?

Ela levantou a mão para tocar no rosto moreno e ter certeza de que

não estava sonhando. Roger segurou a mão dela e apertou os lábios sobre a
palma, depois fechou os dedos sobre o local em que deu o beijo.

— Você está falando sério ou eu estou sonhando?
— Estou falando sério. Qual é sua resposta?
— Você está me pedindo em casamento porque não pode me ter de

outra forma?

O silêncio a lembrou do momento terrível na sala de música e ela

apressou-se em explicar seu pensamento.

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Julia n° 02

Livros Florzinha

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— Desculpe, Roger, mas eu tenho medo. O casamento é uma coisa

muito séria para mim. . .

— E para mim, não é? Por que eu não me casei antes? Simplesmente

porque não encontrei ninguém com quem gostaria de viver para sempre. Se
eu não gostasse de você mais do que tudo no mundo, não poderia perdoar o
que você disse lá em casa. Se eu não gostasse de você, não estaria agora
neste carro alugado, segurando-a nos meus braços.

A voz era sincera e Miranda compreendeu finalmente o quanto ela o

julgara mal.

— Eu não sabia — disse. — Como podia saber? Você nunca me disse que

gostava de mim! Eu achava que era apenas uma atração passageira, o
resultado de alguns dias passados ao sol. . .

— Num clima que exige pouca roupa — interveio Roger com um sorriso.

— No fundo, o culpado sou eu. . . Não devia ter alertado você contra a
atração repentina entre duas pessoas. Mas não foi isso que aconteceu
comigo. Eu gostei de você desde o primeiro dia, quando nos encontramos no
aeroporto, em San Juan. Estava decidido a conhecê-la e saber para onde
você estava indo.

— Ah, foi por isso que você ficou atrás de mim?
— Pois é. E o truque funcionou. Fiquei surpreso quando você me falou

sobre a excursão de iate, mas isso apenas me convenceu que íamos nos
conhecer melhor dessa forma. Foi então que você me contou que estava
noiva de Joe. Não tive outra alternativa senão guardar distância, pensando
que seríamos apenas amigos.

— Amigos das manhãs passadas no convés — murmurou Miranda,

lembrando das vezes em que os dois conversavam ali antes do café.

— Exatamente. De manhã era mais seguro! Foi então que Aurora

começou a sair comigo. Fingi que estava interessado nela somente para
irritar Thomas. Mais tarde, desconfiei do comportamento dela e resolvi
sondar com você as suspeitas que tinha sobre Douglas. Eu pensei que
podíamos flertar rapidamente e depois esquecer tudo. Mas me enganei.
Comecei a gostar de você naquela noite da tempestade na praia, e notei, pela
maneira como você respondia aos meus beijos, que você não gostava de Joe
e que podia estar gostando de mim.

— Que homem convencido!

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— Ainda bem! Minha sina foi gostar de uma moça que estava noiva de

outro e que era usada pelo chefe para fazer pressão sobre mim!

— Eu não tinha nada contra você no início. Também simpatizei com

você e sentia muito prazer na sua companhia, mas quando você começou a
sair com Aurora, pensei as piores coisas de você.

— Eu sei disso. Imagino como você se sentiu, mas não havia outro jeito.

Tinha que fazer qualquer coisa para impedir Thomas de vender a casa. Era
por isso que saía com Aurora. Tentei explicar isso a você quando nos
aproximamos da Martinica, mas você não quis ouvir minha explicação.
Naquela mesma noite, você me perguntou sobre Josefina. Sabendo que você
tinha suspeitas de mim, não podia lhe contar a verdade. Foi então que resolvi
desistir de tudo e considerar nossa amizade uma simples experiência
passageira, que eu não podia manter por mais tempo.

— Pois eu achei que você tinha se desinteressado de mim quando

descobriu que eu era inexperiente. . .

— Quem disse isso?
— Aurora. Ela me contou que você só tinha casos com mulheres

experientes e maduras.

— E você acreditou nela! Se eu me relacionei com outras mulheres,

inclusive com Aurora, foi porque nunca conheci nenhuma com quem
desejasse me casar. Eu não tinha realmente certeza a respeito de você até
o dia em que encontrei a carta caída na praia. Quando soube que Joe tinha
casado com sua irmã, pensei que, com o tempo, poderia desfazer as
suspeitas que você tinha a meu respeito. Douglas serviu ao meu propósito
quando disse que não podia esperar por você. Minha intenção era segurá-la
alguns dias em casa e depois viajarmos juntos para Londres. . .

— Mas por que você deixou que eu partisse?
— De que adiantava mantê-la contra a vontade? Você queria ir embora

a todo custo e eu estava com raiva por você fazer pouco dos meus
sentimentos. Preferi deixá-la voltar para casa e descobrir sozinha que nosso
amor era mais que um capricho do momento.

Miranda ouviu perplexa a confissão de Roger. Estava tão cega devido

às suas suspeitas e inibições que não tinha reconhecido o amor quando ele
surgira na sua frente, um sentimento terno e ardente que se expressava nas
carícias apaixonadas e na preocupação sincera de Roger com seu bem-estar

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e felicidade.

— Ah, como fui injusta com você! — exclamou, arrependida de haver

duvidado dele e de acusá-lo erroneamente. — O que você quer que eu diga
para me perdoar?

— Não precisa dizer nada, basta mostrar que está arrependida. Você

lembra do que lhe ensinei durante a viagem?

O tom de zombaria estava de novo na sua voz. Roger, no fundo, não

gostava de revelar seus sentimentos verdadeiros, como fizera esta noite.
Miranda deu-lhe um tapa no rosto com toda força, em sinal de advertência.

— Olha que eu vou fazê-la pagar por isso — disse Roger em tom de

ameaça, e a excitação do perigo percorreu-a como uma chama que ardesse
em seu corpo.

— Pois eu duvido! — disse com malícia, afastando-se dos seus braços e

atirando a cabeça para trás.

Imediatamente ele a cobriu de beijos, reduzindo-a a uma criatura

submissa, sem vontade própria, que não desejava outra coisa senão devolver
os beijos apaixonados que recebia dele.

— Você ainda não respondeu... — murmurou Roger no seu ouvido. —

Você vai comigo ao casamento de Marnie?

— Eu vou a qualquer parte com você.
Roger endireitou-se no banco, ligou o carro e acendeu os faróis.

Manobrou no acostamento e tomou a mesma direção de onde tinham vindo.

— Para onde estamos indo? — perguntou Miranda espantada.
— Para meu apartamento.
— E o jantar?
— Não se preocupe, amor. Vamos jantar na intimidade. Eu não tenho a

intenção de namorar você dentro de um carro, no meio da rua, nem num
restaurante, na frente dos outros. Durante algumas horas vamos estar
sozinhos e aprender juntos a linguagem do amor. Mais tarde eu a levarei de
volta para sua casa. — Roger fez uma pausa e acrescentou com uma inflexão
maliciosa: — Se você não quiser voltar para casa, podemos passar a noite
juntos. . .

— Pirata! — exclamou Miranda com um sorriso, enquanto o carro

avançava velozmente pela noite chuvosa, rumo ao apartamento acolhedor
onde estariam finalmente juntos.

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