Sedução Irresistível(Dark Seduction) Flora Kidd
Sabrina no. 271
Livros Florzinha
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Sedução Irresistível
Dark Seduction
Flora Kidd
Frágil e indefesa, Marina Gregson foi presa fácil da teia armada por Vittório Matissi.
Sem emprego e sem dinheiro, não teve outra escolha a não ser acompanhar o
milionário italiano até sua ilha, na costa da Sicília. Vittório culpava-a da paralisia de seu
sobrinho Francesco, que bateu o carro quando estava com Marina, na Inglaterra. E
queria uma reparação: o casamento dos dois. Marina, porém, não amava Francesco e
descobriu, apavorada, que estava se apaixonando por Vittório. Aquele homem era um
demônio de tão atraente, perturbador, sensual! E quanto mais tentava evitá-lo, mais o
desejava... Marina precisava se libertar,mas de que jeito?
Publicado originalmente em 1983 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Digitalizado: Judith Lima
Corrigido: Valéria Orpinelli
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CAPITULO I
— Vittório Matissi... — Marina Gregson pronunciou esse nome
devagar, com ar pensativo. — Parece italiano.
— Ele é da Sicília — respondeu Sylvia Trent, proprietária e
gerente da agência de modelos. Ela já havia sido uma modelo de
projeção há mais de vinte anos e ainda conservava um corpo
elegante.
— Um membro da Máfia? — brincou Marina, com o misterioso
e divertido sorriso que, por muitas vezes, havia aparecido nas capas
das mais famosas revistas de moda do mundo. Ela costumava fazer
piadas toda vez que se sentia pouco à vontade.
— Tudo o que posso lhe dizer, Marina, é que Vittório trabalha
com exportação de frutas e que tem um escritório aqui em Londres.
— E para que ele quer uma modelo? Para fazer propaganda
de frutas?
— Ele não explicou. Só a descreveu e me mostrou uma edição
antiga da revista Charm, com você na capa. Aliás, era de dezembro
do ano retrasado, publicada pouco antes daquele seu acidente. E
seu vestido era muito sexy!
Marina apenas sorriu à lembrança daquela época. Tinha sido
seu último trabalho para a revista Charm.
— É. Eu me lembro.
— Bem, Vittório Matissi falou que, se eu conseguisse localizar
você, gostaria de vê-la.
— Quando?
— Ainda hoje, se possível. Por isso pedi que você viesse até
aqui. Caso concorde, devo telefonar a ele imediatamente. Aí Vittório
me dirá quando e onde irá encontrá-la.
Marina observou a parede atrás da mesa de Sylvia. Estava
decorada com fotografias das modelos que a gerente tinha lançado
na passarela e na fama. Uma vez, a foto de Marina havia estado ali,
junto com as outras. Agora não estava mais.
— E então, Marina? Devo ligar para o sr. Matissi e dizer que
você concorda em encontrá-lo?
A voz de Sylvia, fria e áspera, trouxe Marina de volta ao
presente, forçando-a a tomar uma decisão.
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— Não, eu não quero me encontrar com ele. Eu... eu... não
gostei dessa situação, está muito mal explicada. O que mais você
tem para mim?
— Nada.
— Ora, Sylvia, deve haver mais alguma coisa.
— Eu poderia conseguir algumas horas de trabalho junto a
uma agência de publicidade, que está trabalhando para uma grande
loja de departamentos. Ou, então, você quer posar nua para uma
aula de desenho numa escola de arte?
— Não, obrigada. — Com esforço, Marina pôs de lado o
orgulho e perguntou: — Será que Marius não me quer de volta? Ele
deve iniciar logo o lançamento da sua coleção de primavera, em
Paris. E que tal a revista Charm? Kaye Burnett, a editora de arte,
gostava muito do meu trabalho. Você tem estado em contato com ela?
Por acaso disse que estou disponível novamente?
— Estive em contato com todo mundo. — Sylvia suspirou e
observou o rosto de Marina por um momento. Seus olhos se
suavizaram. — Ouça, Marina, você vai ter que enfrentar a realidade.
Desde que deixou o mundo da moda, há catorze meses, inúmeras
modelos apareceram. Rostos novos, jovens, garotas que não
mancam quando andam.
— Mas eu não manco! — Marina endireitou-se, mas, por baixo
da maquilagem, seu rosto empalideceu.
— Você pode achar que não, mas é fácil perceber que já não
anda com a mesma graça de antigamente. E conhece Marius muito
bem. Ele tem que ter as melhores modelos. Detesto ter que lhe dizer
isso, mas você nunca mais conseguirá ser uma modelo importante.
Sua vez já foi.
— Obrigada. Obrigada por me dizer que perdi o meu tempo
vindo até aqui. — Marina levantou-se e prosseguiu: — Existem
outras agências... —E dirigiu-se para a porta.
— Espere um pouco! Você precisa me ouvir. Não há
necessidade de ficar assim. — Sylvia levantou-se e deu a volta na
mesa. — Posso ter parecido cruel, mas fui franca e honesta,
tentando ajudá-la. Será que não consegue ver isso? Está na mesma
situação que há quatro anos, quando começou. Terá que lutar muito
para conseguir chegar ao sucesso de novo. Enquanto não encarar
isso de frente, não conseguirá trabalho algum. Eu gosto de você.
Sempre gostei. Você tem talento e personalidade. Aquele acidente
foi quase uma tragédia. Mas eu não gostaria que você fosse até o
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fundo do poço só porque não está mais sendo requisitada como
modelo de primeira linha. Existem muitas outras coisas nessa vida
que podem e merecem ser feitas.
— Tais como? Não fui treinada para fazer nada mais além
disso, e preciso urgentemente de trabalho. As minhas economias já
estão no fim.
— Por que não vai até a bolsa de empregos? Mas, antes disso,
encontre esse tal Matissi. Tente descobrir qual é a oferta dele. Ele
garantiu que a sugestão que tem a fazer é conveniente e honesta.
Devo ligar para ele?
Marina mordeu o lábio inferior. Se não fosse ao encontro de
Vittório Matissi, o que mais poderia fazer? Visitar outras agências e
ouvir as mesmas histórias que Sylvia havia lhe contado? Ir até a
bolsa de empregos e juntar-se às centenas de pessoas que
procuravam emprego nesse período de depressão econômica? Ou
deveria voltar para o pequeno apartamento e afundar cada vez mais
no poço da autopiedade?
Ela olhou pela janela. O céu estava carregado de nuvens.
Parecia que ia nevar. De acordo com a previsão do tempo, o inverno,
que estava no fim, tinha sido o mais rigoroso dos últimos trinta anos.
O sol já devia ter reaparecido, mas isso não acontecera. Lá fora
ainda fazia frio. Marina estava cansada de sentir frio, cansada do
tempo ruim. Ansiava pelos raios de sol e por um céu azul. Queria
muito estar junto à areia, à água verde-azulada do mar...
— Está bem. Telefone a Matissi e diga-lhe que concordo com
o encontro. — Sorriu. — Ninguém poderá dizer que não aproveitei a
oportunidade!
—- Ótimo, é assim que se fala!
O rosto de Sylvia refletia alívio quando ela foi até a mesa e
começou a discar para Vittorío Matissi.
Uma hora e meia mais tarde, Marina descia de um dos ônibus
vermelhos, de dois andares, em Piccadilly. Usando um elegante
casaco de pele, botas pretas de cano alto e um chapéu estilo
cossaco sobre os longos cabelos loiros, ela caminhou sobre a
calçada molhada, em direção às estreitas ruas do West End, até a
entrada de um restaurante privê.
Um elegante porteiro abriu-lhe a porta. No interior do
restaurante foi recebida por outro homem uniformizado. A atmosfera
era quente e sofisticada.
— Em que posso servi-la, senhorita?
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— Tenho um encontro com um senhor chamado... Matissi. Ele
já chegou?
— Qual é o seu nome, por gentileza?
— Marina Gregson.
— O senhor Matissi está à sua espera no segundo reservado
à direita. A chapelaria está à esquerda, logo após os degraus. A
recepcionista poderá guardar seu casaco.
O carpete era alto e espesso, num tom rosa-pálido, decorado
com padrões florais ouro-velho e verde. Marina deixou o chapéu e o
casaco na chapelaria. Uma rápida olhada no espelho assegurou-lhe
que havia escolhido bem o costume verde e prata que estava usando.
A saia simples e reta e o casaquinho acinturado realçavam sua figura
esbelta. Caminhando devagar, ela atravessou um largo corredor que
conduzia aos reservados.
No segundo deles havia um homem sentado num pequeno
sofá, atrás de uma mesa oval, coberta de vidro, com a cabeça
reclinada e os olhos fechados. Ele vestia um terno azul-marinho,
camisa branca e gravata vermelha, estampada com pequenos
diamantes brancos. Na mesa havia um balde com uma garrafa
contendo um líquido dourado. Ao lado, uma revista com uma
fotografia de Marina na capa, usando um vestido vermelho.
Ela tossiu para chamar-lhe a atenção. O homem abriu os olhos
castanhos, quase pretos, e a encarou.
Dando um passo à frente e estendendo a mão, Marina
perguntou, tentando ser simpática:
— Signor Matissi? Sou Marina Gregson.
Ele se levantou. Era alto, muito alto, o corpo bem-feito,
musculoso, os ombros largos. Tinha um rosto bronzeado, com ossos
firmes e salientes. Os cabelos negros mostravam um corte elegante.
Ele irradiava poder, elegância, e por alguns minutos Marina sentiu-se
hipnotizada pela presença marcante daquele estrangeiro
desconhecido.
— É um prazer conhecê-la — disse ele polidamente,
apertando-lhe a mão. — Obrigado por atender ao meu chamado tão
prontamente. Por favor, queira sentar-se.
Marina escorregou para o sofá, em frente a ele. Um garçom
apareceu.
— O que você gostaria de beber?
— Mas eu pensei que essa fosse uma entrevista de negócios,
senhor!
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— Não vejo por que não podemos apreciar boa comida e boa
bebida enquanto conversamos. Posso sugerir-lhe xerez? Ou vermute?
Marina preferiu um vermute doce. Ele fez o pedido e o garçom
saiu, deixando-lhe dois cardápios. Vittório Matissi terminou seu
drinque, pousou o copo sobre a mesa e a observou com um olhar frio
e duro.
— Você se parece mesmo com a descrição que Francesco me
fez! — E apontou para a capa da revista. — Essa fotografia não lhe
faz justiça. Você parece... como devo dizer? Sexy, mas tola.
— Ora, será que devo lhe agradecer por isso?
Ele sorriu, revelando dentes perfeitos, e o sorriso franco
pareceu iluminar-lhe o rosto.
— Desculpe-me, creio que a ofendi. É sempre assim. Falo o
que penso e isso me traz problemas, principalmente com as
mulheres da família. O que quis dizer foi que só conhecendo-a assim,
face a face, pude perceber o que Francesco viu em você. Isso não
aparece nas fotografias.
—- Francesco? Você falou Francesco?
— Sim. Francesco Barberini. — Ele se inclinou para a frente.
O senso de humor desapareceu de sua expressão, os olhos voltaram
a tornar-se frios. — Esse nome lembra-lhe alguma coisa, srta.
Gregson? Ou será que varreu da memória o jovem siciliano que se
apaixonou pela senhorita há mais de um ano?
— Não, não, é claro que não! Muitas vezes tenho pensado em
Frankie. Como vai ele?
— Não muito conformado. Sabe, ele não pode andar.
— Oh, sinto muito! Sinto muito mesmo!
— Você fala como se realmente sentisse.
— E sinto!
— Mesmo assim, nunca mais o procurou desde o acidente. ..
— Foi difícil... Quero dizer, foram tempos difíceis para mim.
Cheguei a ficar em coma durante um bom tempo. Quando me
recuperei e quis saber de Frankie, ele não estava mais no hospital.
Disseram-me que tinha sido transferido para um hospital na Suíça,
onde poderia receber um tratamento mais adequado.
Fez uma pausa, pois o garçom tinha chegado com Os drinques
e entregou-lhe um copo de vermute. Deu um copo de uísque para
Vittório Matissi e se retirou. O italiano continuou:
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— Sim, é verdade. Eu providenciei para que Francesco fosse
removido do hospital em Kent, para onde vocês foram levados logo
após o acidente.
— Eu me lembro de que ele estava esperando por você. E
isso foi porque.. . — Marina interrompeu-se, pegou o copo de
vermute e tomou um gole.
— Continue, srta. Gregson, por favor. Você estava dizendo
que Francesco estava esperando a minha chegada a Londres e foi
por isso que ele... o quê?
Ela o olhou, pouco à vontade. Com aquela tez morena, cabelos
negros crespos e ondeados, nariz ligeiramente aquilino, ele tinha
uma aparência diabólica. Além do que, ela não gostava daquele
sorriso irônico que ele mantinha nos lábios. Bebeu um pouco mais de
vermute e continuou:
— Eu não me lembro de tudo o que aconteceu antes do
acidente. Tínhamos ido a uma festa de Ano Novo, como você deve
saber. E estávamos... bem, um pouco "altos", "alegres".
— O que quer dizer é que tinham bebido demais, eu suponho.
Ele levou o copo de uísque aos lábios, bebeu devagar, os
olhos escuros fixos no rosto dela. Tentando se controlar, Marina
tomou um pouco mais de vermute. Vittório comentou:
— Vocês estavam fugindo. Iam se casar na França. E
Francesco estava fazendo isso para desafiar o avô, Giovanni
Barberini. Tenho certeza de que ele deve ter-lhe contado que é
herdeiro de uma grande fortuna. Qualquer dia desses será um dos
homens mais ricos desta parte do mundo.
— Só o encontrei algumas vezes. E naquela época eu estava
noiva de outra pessoa. Nunca pensei em me casar com Frankie e
não estava fugindo com ele.
— Então você nega que ele tenha lhe proposto casamento?
— Não, não posso negar isso. Mas achava que ele estava
brincando. Eu lhe havia dito que ia me casar com Steve.
— E esse tal de Steve, estava na festa?
— Sim, estava.
— Então, quando a festa terminou, por que você saiu com
Frankie? Por que não foi embora com Steve?
Marina ficou em silêncio, observando o copo de bebida.
Parecia estar vendo Steve com Anne Collins, outra modelo. Steve
com os braços em volta de Anne. Steve beijando Anne. E sentiu de
novo uma onda de tristeza invadi-la. Steve, de quem estava noiva, a
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tinha deixado por Anne. Só parecia haver uma maneira de aliviar seu
sofrimento: a bebida. Além disso, havia encontrado conforto no olhar
de adoração e nas carícias de Frankie Barberini.
— Eu não tenho que responder às suas perguntas, signor
Matissi. Não me considero em julgamento.
Ele olhou para a mão esquerda de Marina, que segurava o
copo.
— Você não está usando aliança. Isso significa que não se
casou com Steve?
— Não estou casada nem pretendo me casar com ele. Steve
casou com outra pessoa.
— Sim? Então você tem um amante?
— Ora, francamente!
Marina ficou em pé. Já tinha ouvido o suficiente do signor
Vittório Matissi.
Ele também se levantou e perguntou, com voz autoritária:
— Aonde vai?
— Não pretendo ficar aqui nem mais um segundo ouvindo
perguntas atrevidas sobre a minha vida pessoal! Não temos mais
nada a nos dizer! Obrigada pelo convite, mas não estou interessada
em qualquer coisa que o senhor tenha a dizer, ou em qualquer
proposta que tenha a fazer!
Marina dirigiu-se à saída, mas ele lhe bloqueou o caminho,
movendo-se com tanta rapidez que ela percebeu que não adiantaria
tentar escapar. Encarando-o da maneira mais calma que pôde, pediu:
— Por favor, deixe-me passar. Eu gostaria de ir embora,
signor Matissi.
— E eu gostaria que ficasse para almoçar comigo. Per favore.
Marina ficou parada. Sentiu que ele a olhava de uma forma que
fazia seus joelhos tremerem. O brilho quente daqueles olhos escuros
já devia ter encantado muitas mulheres.
— Nao aceito nada que seja pago pelo senhor. Não quero
dever obrigações a alguém rude e presunçoso.
O brilho quente do olhar dele desapareceu. Pareceu dar lugar
ao medo ou a algo semelhante.
— Por favor, sente-se, srta. Gregson. — E se aproximou tanto,
que Marina se viu forçada a se sentar. Ele tomou lugar ao lado dela e
pegou o cardápio. — Escolha o que quiser, sem se preocupar com o
preço. — Sua voz era macia como seda. — Ouvi dizer que salmão
defumado é uma das iguarias inglesas que tem que ser
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experimentada. A senhorita gostaria de começar a refeição com um
pouco dele?
Ela sentiu medo da força daquele homem e olhou para o
cardápio. Ali o salmão defumado custava muito mais do que uma
refeição completa num restaurante onde às vezes ia com os amigos.
Olhou Vittório Matissi e percebeu que ele ainda a observava, com um
ligeiro sorriso irônico no canto da boca.
Ele não a deixaria ir embora tão facilmente, e ela não iria se
arriscar a fazer uma cena. Teria que se conformar e almoçar com
aquele homem arrogante. Pelo menos poderia fazer com que ele lhe
pagasse uma generosa refeição por ter o privilégio da sua
companhia.
— Sim, aceitarei o salmão defumado. Nunca o experimentei.
— Então será uma experiência nova para nós dois. E o que
gostaria de ter a seguir? Lagosta ou rosbife?
Marina escolheu rosbife, ele fez o pedido e escolheu o vinho.
Em seguida, acompanharam o garçom até um grande salão e foram
conduzidos a uma mesa que dava para um pequeno jardim.
Marina sentou-se e olhou em volta. A maioria dos
freqüentadores eram homens de negócio, vestindo ternos escuros.
As poucas mulheres eram elegantes, sofisticadas. O ambiente era
sóbrio.
Dois jovens garçons se aproximaram da mesa e colocaram
sobre ela pratos com salmão defumado, pequenas tiras de peixe
dourado e rosado para serem consumidas com fatias de pão preto e
manteiga. O vinho branco foi servido.
— Gostou do salmão, senhorita?
— Bem, tem um sabor diferente...
— Sabe, eu poderia dizer que você é diferente, e você poderia
dizer que eu sou diferente. Nós somos diferentes na origem,
nascemos e nos criamos em países diferentes. Talvez o gosto do
salmão defumado seja algo a que poderíamos nos acostumar se o
consumíssemos bastante. Acha que poderemos aprender a gostar
um do outro se nos virmos bastante?
Marina o olhou através dos longos cílios, suspeitando que ele
estivesse se divertindo às suas custas. Havia um brilho de
divertimento nos olhos escuros de Vittório Matissi.
— Não posso responder porque não sei absolutamente nada
sobre você.
— Quer dizer então que Francesco falou a meu respeito?
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— Só que estava a sua espera
— Então talvez, eu deva me apresentar. — Um sorriso
divertido permanecia no rosto irônico. — Eu tenho trinta e cinco anos,
sou solteiro e o único sobrevivente masculino da família Matissi. Sou
diretor de marketing da Companhia Matissi, que exporta frutas e
legumes da Sicília para a Inglaterra e para outros países europeus.
Como deve imaginar, viajo muito. Venho a Londres com freqüência.
No ano passado, quando vim para cá, minha irmã mais velha, Lúcia
Barberini, pediu-me que visitasse seu filho Francesco, que estava
estudando língua inglesa, economia e administração de empresas
numa universidade daqui. Ele não tinha voltado para casa no Natal e
Lúcia estava preocupada.
Parou de falar para comer um pouco. Sorriu, pegou o copo de
vinho e continuou:
— Escrevi a Frankie dizendo que viria vê-lo. Sei que ele
recebeu a carta porque você acabou de me dizer que estava à minha
espera. — Tomou mais um gole de vinho e a olhou com curiosidade.
— Sabe por que minha irmã estava preocupada com ele?
— Não. Frankie nunca me falou sobre a família dele. Já lhe
disse que o encontrei poucas vezes.
— Bem, ele tinha escrito para a mãe, pouco antes do Natal,
dizendo que havia conhecido você, que estava apaixonado e que
pretendia se casar. Mandou uma cópia da revista que lhe mostrei.
Minha irmã entrou em pânico e me pediu que persuadisse Francesco
a voltar para casa e esquecer você, antes que o avô descobrisse
tudo. Ele deve ter adivinhado isso, porque tentou fugir antes que eu o
encontrasse.
— Mas eu já lhe disse que não estávamos fugindo! Pelo
menos eu não estava. Frankie ofereceu-se para me levar para casa,
depois da festa. Estava muito nublado e... — Interrompeu-se quando
a lembrança do acidente lhe voltou à memória, — Você já sabe o
que aconteceu depois.
— Sim, sei. Havia uma ponte ferroviária sobre a estrada pela
qual vocês viajavam. Frankie dirigia depressa demais, não enxergou
uma curva e foi direto para uma das pilastras que sustentavam a
ponte. O carro ficou em pedaços. Foi um milagre vocês terem
sobrevivido. Naquela época você morava em Londres, não é?
— Sim.
— Mas Frankie não estava indo na direção de Londres. . .
— Não? Então para onde ele ia?
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— Para a direção oposta, para a costa de Kentish, Dover e,
depois, para a França. Ele me contou que pretendia se casar com
você lá.
— Mas eu não sabia disso! Ele não me disse nada! Eu... eu...
achava que Frankie estava me levando para casa. Não pensei que
estivesse falando sério sobre o casamento.
— E ainda fala sério sobre isso. Ainda quer se casar com você.
Por isso me pediu para procurá-la. Não sabia onde você morava ou
onde sua família morava, e me pediu que lhe entregasse isto caso a
encontrasse.
Puxou um envelope do bolso e o entregou. Marina ficou
olhando para o papel enquanto o garçom tirava os pratos.
— Leio mais tarde — disse, guardando o envelope na bolsa.
— Leia agora, por favor. É um convite e eu gostaria de saber
se vai aceitá-lo. Então saberei o que dizer a minha irmã quando lhe
telefonar, esta tarde.
— Está bem.
Eram três páginas manuscritas, e Marina não conseguiu
entender todo o conteúdo numa primeira leitura. Mas teve a
impressão de que Frankie mencionava o fato de haver pensado
muito nela nos últimos meses. Terminava dizendo o quanto a amava
e que a esperava em sua ilha, na costa da Sicília. Dizia ainda que ela
poderia ficar lá o tempo que quisesse e que, quando a visse de novo,
tinha certeza que a vontade de andar lhe voltaria.
"Minha mãe pediu que eu insistisse para que você viesse, pois
deseja conhecê-la. Por favor, venha."
Marina dobrou a carta e a colocou no envelope. Estava
emocionada. Pelo menos alguém não a havia esquecido, e isso lhe
fazia bem. Ela pensava sobre isso enquanto o garçom cortava a
suculenta carne marrom-avermelhada em pequenas e finas fatias.
A voz cortante e autoritária de Vittório Matissi interrompeu seus
pensamentos.
— E então? Qual é a sua resposta? Vai aceitar o convite de
Frankie e visitá-lo em Biscari? Ele ainda não pode viajar para tão
longe. Portanto, não pode vir vê-la.
Marina tentou ganhar tempo. Não queria se comprometer até
saber mais sobre a situação.
— Biscari fica longe da Sicília?
— Fica a uns cinqüenta quilômetros, pela costa leste. A família
Barberini é de lá. Frankie não lhe contou nada sobre a família dele?
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— Não. Nós conversávamos sobre as coisas pelas quais ele
tinha interesse aqui em Londres. Sobre teatro, cinema e música.
Qual é o ramo de negócios da família dele?
— Transporte de mercadorias, por mar e por terra. É uma
companhia multinacional. Giovanni considera Frankie seu herdeiro
desde que o filho. . . o falecido marido de minha irmã... morreu, há
alguns anos. É claro que Giovanni não confia em mulher alguma que
atraia o interesse de Frankie. Ele não quer que o seu herdeiro se
case com alguém que queira apenas o dinheiro que um dia vai
herdar.
— Entendo... Ele tem medo de caçadoras de dotes e suspeita
que eu seja uma, não é isso?
— É isso mesmo. — O sorriso irônico reapareceu. — E você é?
— Eu nunca me casaria apenas por dinheiro.
— Então por que mais se casaria?
— Por amor.
Ele riu, os olhos brilhando de divertimento.
— Ah, vocês ingleses! São sempre românticos!
— Não acreditou em mim, não é?
— Não acredito que as pessoas devam se casar apenas por
amor. Seria uma tolice.
— Giovanni Barberini mora em Biscari?
— Sim.
— E ele sabe que Frankie me convidou para passar uns
tempos lá?
— Minha irmã o informou a esse respeito. Dessa forma, se
aceitar o convite, pode estar certa de que tudo o que você fizer e
disser será observado e relatado para o avô Barberini.
— Fico surpresa que Frankie tenha conseguido permissão
para me convidar, considerando que sua mãe e seu avô são contra a
amizade que tivemos.
— Lúcia é muito amorosa, e Francesco é filho único. Dessa
forma, fará tudo o que ele pedir. Acho que ela pensa que, quando o
filho ver você, acontecerá um milagre e que ele vai voltar a andar.
Giovanni também gosta muito de Francesco, e por isso concordou
em recebê-la em Biscari. É claro que, se o velho não gostar de você,
vai convidá-la a sair da ilha.
— E se eu me recusar a sair? O que acontecerá ?
— Será convencida a sair.
— Táticas da Máfia?
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— Você poderá descrever os métodos de Giovanni dessa
maneira, se quiser. Mas duvido que saiba o que está dizendo quando
usa o termo "Máfia".
— Sei que existe uma organização que usa métodos ilegais,
tais como ameaças de morte e chantagem, para conseguir o que
quer, e que é chamada de Máfia. E que começou na Sicília.
— Você está se referindo à organização americana. E é
verdade que na Itália existe um grupo conhecido como Máfia que faz
uso de métodos ilegais. Também é verdade que a Máfia começou na
Sicília, a partir de pequenos exércitos, nos tempos feudais, quando
os senhores normandos impuseram seu governo aos sicilianos. Mas
essa organização não existe na parte oriental da Sicília e suas
ameaças não ultrapassam os limites de Palermo ou Partinico. Elas
são ignoradas em Catânia, de onde venho, e nem a família Barberini
ou a família Matissi estão associadas à Máfia. — Fez uma pausa e
tomou mais um gole de vinho. — Mas, por outro lado, todos os
sicilianos possuem um pouco de "máfia", escrita com "m" minúsculo.
É uma espécie de estado de espírito, um código moral do qual todos
compartilham, que é ensinado desde o berço. Crescemos sabendo
que devemos sempre ajudar aos nossos parentes quando
necessário, lutar contra inimigos comuns e ficar ao lado das nossas
famílias, mesmo que o inimigo esteja certo. Entendeu?
— Acho que sim. É uma espécie de clã, como os
montanheses da Escócia têm.
— Sim, é mais ou menos isso. Então, como pode ver, no
desejo de proteger o neto, que é também herdeiro de grande fortuna,
Giovanni Barberini está sendo "mafioso" nesse sentido.
— Mas... e Frankie? Ele não tem o direito de escolher seus
amigos, ou... uma esposa?
— Desde que escolha uma mulher que tenha o mesmo nível
de vida que ele e a família têm. E parece que Frankie escolheu você.
Nada que lhe dissermos fará com que mude de idéia. Por esse
motivo foi convidada a visitar Biscari, para ser examinada e
avaliada... Para descobrir se você é adequada. Como encara isso?
— Não encaro.
— Isso significa que vai recusar o convite?
Marina pousou o garfo e pegou o copo de vinho. Estudou o
rosto de Vittório Matissi, sentindo uma sutil mudança na atitude dele.
A expressão dos olhos escuros era bem sensual agora. Ele a olhava
com uma certa malícia, como se quisesse passar algumas horas
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fazendo amor com ela. A mensagem era clara. Marina ficou chocada
e excitada ao mesmo tempo. Baixou os cilios, como que se
defendendo, e tomou mais um gole de vinho, surpresa com sua
própria reação. No íntimo, sentia uma necessidade poderosa de ir
com ele para qualquer lugar quieto e reservado, onde pudessem ficar
sozinhos, abraçados, nus...
Sua mão tremeu e o vinho respingou sobre a toalha. Ela
colocou o copo na mesa e respondeu, da maneira mais fria que
conseguiu:
— Você gostaria que eu recusasse?
Houve um estranho silêncio, onde eles ficaram olhando um
para o outro. Esse momento de confrontação foi interrompido pelo
garçom. Vittório Matissi recostou-se na cadeira.
— O que eu quero nada tem a ver com isso. Sou
simplesmente um mediador. Faço o papel de mensageiro de Frankie
e da mãe dele.
Marina foi invadida por uma estranha sensação. Era como se
ele tivesse se aproximado dela para logo depois afastá-la.
— Eu gostaria de saber um pouco mais sobre Biscari, por
favor.
— Como muitas outras pequenas ilhas espalhadas ao redor
da costa da Itália e da Sicília, Biscari tem origem vulcânica. Lá
existem oliveiras, pequenas praias, bosques de pinheiros, altos
penhascos e cavernas rochosas. Existem também vestígios de
antigos templos gregos, vilas romanas, assim como igrejas
bizantinas e barrocas. Giovanni vive num velho castelo, em estilo
mourisco. A casa onde Frankie mora com a mãe parece uma
moderna vila romana, é muito luxuosa. O clima é bem melhor do que
o daqui. Se você se decidir a aceitar o convite, minha irmã irá
recebê-la muito bem.
Não havia nada de persuasivo na maneira de ele falar. Parecia
ter apenas decorado um texto. Marina sentiu que aquele homem não
a queria em Biscari, e que teria uma opinião mais severa a seu
respeito caso ela aceitasse o convite.
— Eu... eu gostaria muito de ir e rever Frankie. Mas no
momento não será possível.
— Por que não? A mulher da agência disse que você não está
trabalhando no momento. Não existem compromissos que a
impeçam de viajar.
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Livros Florzinha
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— Eu não trabalho desde o acidente. Levou. . . muito tempo
até que eu me recuperasse e reaprendesse a andar. Gastei todas as
minhas economias, portanto não posso arcar com as despesas de
uma viagem a Biscari neste momento. Eu... eu terei que achar um
emprego e guardar dinheiro para... para...
— Se você aceitar o convite, receberá de presente uma
passagem, em vôo de primeira classe. Todas as despesas serão
pagas. Foram essas as instruções que recebi. E então, aceita o
convite?
Novamente fez-se silêncio. Em volta deles havia apenas o
murmúrio distante das conversas nas outras mesas. Não havia nada
de caloroso ou sensual na maneira como Vittório Matissi a observava
agora. Marina tinha a impressão de que ele esperava uma recusa ao
convite de Frankie e isso a intrigava. A única explicação que lhe
ocorreu para esse estranho comportamento era a de que talvez
Vittório Matissi não a considerasse uma companhia adequada para
Frankie.
Sim, devia ser essa a razão. Ele já tinha demonstrado que não
aprovara seu relacionamento com o sobrinho. Aquilo feriu o orgulho
próprio de Marina. De repente, ela sentiu vontade de provar que era
suficientemente boa para ser amiga ou esposa de Frankie,
independente da riqueza que ele poderia vir a possuir.
— Eu aceito. Gostaria muito de visitar Frankie.
— Achei que você fosse mesmo aceitar... assim que soubesse
que todas as despesas seriam pagas — disse ele, com aquele ar
irônico no rosto.
— Você esperava que eu recusasse o convite, não esperava?
— Eu? O que a leva a pensar assim? — retrucou ele, retirando
um pequeno caderno de anotações do bolso e abrindo-o. — Por
gentileza, queira me dar o seu endereço aqui em Londres e também
o número do seu telefone, caso tenha um, para que eu possa
encontrá-la depois de haver terminado os preparativos para a viagem.
Ela deu-lhe o endereço e o observou tomando nota, ainda
irritada com o comentário que ele havia feito.
— Você pensa que aceitei só porque não vou gastar nada
numas férias no Mediterrâneo, não é?
— E não é verdade?
— Não, não é. Na verdade, não espero que você entenda,
mas aceitei o convite porque gosto de Frankie e sinto muito que ele
não possa andar. Sei o que representa o medo de não poder andar
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Livros Florzinha
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nunca mais. Passei por isso há pouco tempo. Quero ajudá-lo no que
for possível, oferecer-lhe a minha compreensão, apoio e incentivo.
Quero ajudá-lo.
— Talvez você tenha razão. Mas creio que não posso
entender tal altruísmo romântico — replicou ele com cinismo. — Na
minha vida, vi muito poucas pessoas fazerem alguma coisa pelos
outros, a não ser que estivessem esperando algum tipo de
pagamento em troca.
— Ora, você é um... um...
— Eu sou realista. Não acredito no seu idealismo romântico e
não o pratico. E acho que você o usa como capa, para encobrir o seu
verdadeiro objetivo. No momento você está sem emprego, não tem
perspectivas. Dessa forma, é muito conveniente para você visitar
Frankie, com todas as despesas pagas, esperando ser aceita pela
família dele e tornar-se sua esposa.
A raiva e a humilhação dominaram Marina por completo. Um
forte ruído soou em seus ouvidos, e o rosto moreno, sarcástico,
embaçou-lhe a visão. Ela levantou o copo de vinho e jogou o líquido
nele.
Vittório Matissi não se moveu. Perturbada, Marina se levantou
com fúria, fazendo com que a cadeira caísse. Nem sequer percebeu
que as pessoas a observavam e que os garçons vinham de todas as
direções. Correu para fora do restaurante.
Retirou o casaco e o chapéu da chapelaria e parou em frente a
um espelho para retocar o batom. Então apressou-se em sair.
Lá fora, o ar frio a reteve por um minuto. Foi quando mãos
fortes a agarraram e a fizeram voltar-se. Vittório Matissi lhe sorria.
Era um sorriso gelado. Os olhos escuros brilhavam de ódio.
— Venha por aqui, por favor. O táxi já chegou.
Sem ação, Marina foi forçada a caminhar pela calçada
molhada e a entrar no táxi que os aguardava.
CAPÍTULO II
O táxi tentava abrir caminho em meio ao tráfego congestionado.
Marina, sentindo o poder que emanava daquele homem, afastou-se
dele o máximo que pôde. Olhou para os ônibus e automóveis, e para
as pessoas que andavam com pressa nas calçadas molhadas,
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carregando guarda-chuvas. As vitrines das lojas estavam com as
luzes acesas, como se já fosse noite. Mas não passava de uma e
meia da tarde.
O táxi virou em Piccadilly e continuou em direção ao Circus. De
lá para o Mall, e depois ao Palácio de Buckingham.
— Para onde estamos indo, signor?
— Eu disse ao motorista que fosse aonde quisesse. Vamos
ficar rodando sem destino, até que você me peça desculpas por ter
me atirado aquele copo de vinho. Não costumo perder a paciência
facilmente, mas Dio mio, você conseguiria provocar até um santo!
— Não costumo me descontrolar, sr. Matissi, mas não vejo por
que devo me desculpar. Para falar a verdade, não me desculparei
enquanto você não se retratar dos insultos que me lançou.
— Dessa forma, parece que vamos ficar rodando de carro
por um longo tempo.
— Um inglês teria rido do que eu fiz, signor.
— Mas eu não sou inglês. E ninguém, nem mesmo uma
mulher, consegue passar impunemente de um insulto público a mim,
como você fez.
— Você me insultou. Retribuí da única maneira que pude. Eu
já lhe havia prevenido que não tinha o direito de levantar suposições
a meu respeito simplesmente porque ganho a vida como modelo.
Você é arrogante, preconceituoso, e não pretendo me desculpar por
lhe ter demonstrado o que penso a seu respeito.
Marina inclinou-se para a frente, pretendendo pedir ao
motorista que parasse o carro. Mas foi rudemente puxada e jogada
de encontro ao encosto do carro.
— Tire as suas mãos de mim! — ela gritou, levantando a mão
para esbofeteá-lo.
Mas Vittório Matissi foi mais rápido e lhe segurou as mãos.
Marina abriu a boca para gritar, mas foi calada por um beijo exigente
e sensual.
O peso do corpo forte de Matissi a mantinha presa de encontro
ao banco. Ela não podia se mover e começava a entrar em pânico
quando, de repente, os lábios dele começaram a se mover devagar e
sedutoramente, incitando-a a corresponder. Ele lhe soltou as mãos e
Marina tentou escapar. Abriu os lábios para gritar e mais uma vez um
beijo ardente a silenciou.
Um longo tempo se passou antes que ele se afastasse. Um
momento interminável, durante o qual o beijo, que a princípio fora
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apenas para silenciá-la, acabara se transformando em algo sensual
e sedutor. Um beijo que acabou por arrancar dela uma resposta
primitiva, que saciou seu desejo faminto. Quando o beijo terminou
Marina descobriu que não tremia por medo, mas pela paixão que
havia sido despertada no mais íntimo do seu ser.
Só não podia era permitir que ele soubesse disso. Limpando a
boca com as costas da mão, ela disse, encarando-o:
— Eu poderia processá-lo por agressão!
Ele lhe lançou um olhar de desprezo e se inclinou para a frente,
pedindo ao motorista que se dirigisse ao endereço de Marina.
Aliviada, ela abriu a bolsa, pegou o espelho e examinou seu
rosto. Suas faces estavam afogueadas, seus lábios manchados e
seus olhos azuis brilhavam com uma luz estranha e selvagem.
Aborrecida, guardou o espelho. Puxou a saia que lhe descobria
os joelhos e se envolveu no casaco. Endireitou-se no canto do banco
e olhou de soslaio para Vittório Matissi, que mantinha as longas
pernas esticadas e a cabeça recostada no encosto do banco.
Como se tivesse sentido o olhar, Vittório voltou-se e a encarou.
Ficaram assim, em silêncio, olhando-se, enquanto o táxi dobrava
esquinas, parava em faróis e continuava seu caminho.
— Eu estava errado — disse ele de repente. — Não deveria
ter feito aquelas suposições a seu respeito e não deveria ter dito
aquilo que disse. Peço desculpas.
— Obrigada.
— Mas não vou pedir desculpas por tê-la beijado. Não me
arrependo disso. Portanto, se quiser, pode ir adiante e me processar
por agressão física. Não terei defesa. Você me provocou de uma
forma que mulher alguma fez antes.
Ainda olhando pela janela, Marina mordeu os lábios. Desejava
que aquele encontro tivesse sido diferente. Gostaria de tê-lo
conhecido antes do acidente, antes de Francesco, antes de ter
conhecido Steve. Gostaria que ele tivesse sido o primeiro amor de
sua vida. Gostaria que se tivessem conhecido antes de se tornar
internacionalmente famosa.
— Eu também sinto muito — falou ela. — Sinto por não ter
sido diferente. Sinto por ter jogado vinho em você. Espero que a sua
camisa não fique manchada. Nunca fiz nada assim em toda a minha
vida. Não sei explicar o que aconteceu comigo.
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— Atrito. Como num curto-circuito. Teria sido mais seguro se
nunca nos tivéssemos conhecido, mas agora é tarde. E o que terá
que ser será. — O carro parou. — É aqui que você mora?
— Sim.
— Sozinha?
— Não. Divido o apartamento com uma amiga.
—Você não tem família?
— Tenho, mas meus pais vivem na Nigéria. Trabalham para a
Comissão Britânica de Comércio.
— Eu ainda não tenho o número do seu telefone. Ela o deu e
ele tomou nota.
— Vou precisar de uns dois dias para me organizar. Não
posso viajar antes de quinta-feira.
— Então farei reservas para quinta. Amanhã sairei de Londres,
mas estarei no aeroporto de Catânia para encontrá-la e levá-la até
Biscari. Telefonarei esta tarde para avisá-la sobre o vôo.
— Obrigada. Ele abriu a porta do carro e desceu para ajudá-la
a sair.
— Arrivederci — disse de maneira seca e, antes que Marina
pudesse responder, entrou no táxi, fechou a porta e o carro partiu.
Ela estava no quarto, fazendo as malas, quando Vittório ligou,
dando o horário de saída de Londres e da chegada em Catânia, e
dizendo onde ela poderia pegar a passagem. Reiterou que a
esperaria no aeroporto de Catânia na quinta à tarde e desligou,
deixando claro que não queria maior envolvimento com ela. Talvez
tivesse razão quando havia dito que teria sido mais seguro para
ambos se nunca tivessem se conhecido.
Três dias mais tarde, quando o avião decolou, Marina teve a
sensação de estar saindo de uma prisão. Era o que o acidente tinha
causado nela: aprisionara-a por quase quinze meses, impedindo-a
de executar seu trabalho. Confortavelmente sentada numa poltrona
na primeira classe, ela pensava em como era maravilhoso poder
voar por cima das nuvens, com o céu eternamente azul e o sol
brilhando sempre. Viajar, estar longe de todos os problemas do
planeta Terra. Mas as horas de devaneio passaram depressa demais.
Ela dormiu um pouco, fez uma refeição e ficou olhando através
da janela.
Logo, o avião começou a descer. Uma montanha em forma de
cone apareceu no horizonte. Uma fumaça parecia sair da enorme
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cratera. Era o Etna, o maior e mais ativo vulcão da Europa, informou-
lhe o sorridente comissário de bordo.
Meia hora mais tarde, Marina estava no saguão do aeroporto,
cercada por barulhentas famílias sicilianas, que tinham vindo receber
parentes e amigos. Ela olhou em volta, à procura de Vittório Matissi,
e não o encontrou.
Já estava começando a ficar impaciente quando ele apareceu
e, aproximando-se, beijou-a nas duas faces, como se ela fosse um
membro da família. Marina disfarçou a surpresa e reclamou:
— Você não poderia ter chegado na hora? Acabei de passar
os piores vinte minutos da minha vida! Fui encarada, examinada dos
pés à cabeça e até importunada por alguns dos seus conterrâneos!
Ele a examinou de cima a baixo.
— Não é para menos. Você deveria ter vestido uma roupa
menos chamativa.
— E isto é chamativo? — disse ela, apontando para a saia
simples e a blusa de lã colorida.
— Comparando com o que as mulheres sicilianas usam, é.
Chama a atenção porque é diferente.
— Mas eu não sou uma siciliana!
— Eu já havia notado — brincou ele, enquanto seu olhar
admirava os cabelos loiros que caíam por sobre os ombros de
Marina. — Essa é a sua bagagem?
E pegou as duas malas, caminhando até um carro esporte
pequeno e guardando-as nele. Abriu a porta para Marina entrar,
sentou-se ao volante e saiu, cantando os pneus.
Marina colocou o cinto de segurança e ficou tensa, grudada no
assento. Seu pânico começou a crescer; ela fechou os olhos. Foi um
erro. De repente, pareceu-lhe estar em outro carro, sentada ao lado
de outro homem, numa noite escura. Ela estava com Francesco e ele
corria demais.
— Por favor, oh, por favor! Dirija mais devagar! Nós vamos
bater!
Vittório diminuiu a velocidade e parou. Marina abriu os olhos e
o fitou, assustada.
— Sinto muito. Tinha me esquecido do trauma que aquele
acidente lhe causou. Mas pensei que você já tivesse se recuperado.
— Também pensei. Mas... Oh, você precisa mesmo correr
tanto?
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— Sim, se quisermos pegar o ferryboat para Biscari ainda hoje.
Se o perdermos, teremos que passar a noite em Catânia. Francesco
ficará desapontado se você não chegar esta tarde. — E cobriu com
as suas as mãos dela, que tremiam.
— Onde ficaremos se perdermos o ferry?
— Na minha casa. É fora de Catânia. Acho mais aconselhável
pegarmos o ferry, não acha?
Marina o olhou fixamente. Vittório estava inclinado em sua
direção e por um momento ela ficou hipnotizada pela expressão
daqueles olhos escuros. Ocorreu-lhe, então, que ele a olhava do
mesmo modo que os homens no aeroporto. Tirou as mãos das dele
e desviou o olhar.
— É. Concordo que é mais sensato pegar o ferry. Não quero
desapontar Frankie.
— Então tente relaxar e lembre-se de que estamos na Itália, e
não em Londres, numa noite de neblina. Não sou Frankie, estou
sóbrio e posso ver para onde estou indo. Não acontecerá nenhum
acidente.
Soltou o breque e pisou fundo no acelerador. Saíram à toda,
sob o céu azul da primavera.
Marina não quis olhar para a estrada. Pousou os olhos em
Vittório Matissi que, vestindo um suéter creme debaixo de um paletó
de tweed, parecia muito diferente daquele sofisticado homem de
negócios que ela conhecera em Londres. Estava mais jovem, mais
bonito e descontraído.
Por que ele não havia se casado? Não era normal que um
siciliano na idade dele estivesse casado? De repente, Marina se
sentiu muito curiosa a respeito daquele homem. Mas deveria resistir
à tentação de uma aproximação, caso contrário acabariam brigando
de novo.
—- O que sabe sobre Catânia, srta. Gregson ?
— Apenas que já foi destruída pela erupção do Etna. — O
carro agora andava mais devagar, vencendo o tráfego da cidade.
— Foi destruída várias vezes pelo Etna, por terremotos e por
exércitos invasores. E várias vezes foi reconstruída. A avenida mais
importante chama-se via Etna. É necessário muita coragem para dar
nome de um vulcão, que já a destruiu, para a principal artéria da
cidade. Mas Catânia é assim: corajosa, otimista, dinâmica.
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Marina olhou para as ruazinhas estreitas da cidade, admirou a
beleza das suntuosas igrejas barrocas e sentiu que já começava a
amar Catânia.
Uma brisa fazia tremer as águas do porto e as bandeiras nos
mastros. Tudo muito colorido e vivo.
Vittório estacionou o carro e, pegando as malas de Marina,
dirigiu-se apressadamente para o ferry. Embarcaram.
Vittório conduziu Marina para um salão e fez com que ela se
sentasse junto a uma janela. Logo em seguida desapareceu. Durante
alguns minutos Marina ficou observando a água. Só havia mulheres
no salão.
Quando ela percebeu que Vittório não voltaria, ficou inquieta.
Ele a havia deixado junto com as outras mulheres, e ela não estava
disposta a aceitar essa imposição. Queria observar o movimento no
barco. Levantou-se e saiu.
O vento era forte. Ela estremeceu. Como suspeitava, só havia
homens lá fora, encostados na grade, observando o caminho do ferry.
Vittório estava longe e sozinho. Marina aproximou-se dele.
— A ilha já está à vista?
— Lá. — Ele apontou para uma forma cinza-esverdeada. —
Por que veio para cá?
— Não quis ficar no salão com todas aquelas mulheres me
examinando de cima a baixo. Não foi nada gentil da sua parte não
me perguntar onde eu gostaria de ficar.
— As mulheres, em geral, não gostam de vento.
— Mais uma das suas suposições machistas! Velejei a maior
parte da vida. Estive inúmeras vezes no mar, no barco do meu pai.
— Se soubesse que você gostava do mar, eu a teria levado a
Biscari no Nesaea.
— Nesaea?
— Meu iate. — E apontou na direção de Catânia. — Está no
porto. Tem mais de cem metros de comprimento e foi construído na
Inglaterra. Nesaea era uma ninfa, uma nereida, uma das filhas de
Nereu, o velho homem do mar. Achei que um barco com o nome
dela deveria ficar aqui, nas águas do Mediterrâneo. Já visitamos
muitas ilhas, Nesaea e eu.
Falou com tamanha convicção que Marina sentiu que a paixão
dele pelo mar era parecida com a sua.
— É, foi uma pena você não saber que gosto do mar. Eu
adoraria ter podido viajar a Biscari no seu iate.
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E ficaram olhando um para o outro. Mais um daqueles
perigosos momentos, como o do táxi, depois do beijo, ou no carro
dele, indo para Catânia.
Vittório virou-se, fitando a ilha que se aproximava.
— Acho que foi mais seguro tomarmos o ferry. Chegaremos
na hora prevista e não desapontaremos Francesco.
Uma sensação de tristeza invadiu Marina. Mais uma vez
desejou ter tido a chance de conhecê-lo em outras circunstâncias.
O ferry parou no pequeno porto. Pequenos e coloridos barcos
de pesca o rodeavam. As casas, que pareciam brancas e rosadas à
luz do sol, amontoavam-se perto dali.
Em terra, Vittório a conduziu para um grande carro preto que
os esperava, no cais. O motorista parecia um pescador, e conduziu o
veículo através de uma rua estreita, ladeada de casas antigas,
algumas com balcões e altas janelas. Havia roupas penduradas nas
varandas, as mulheres conversavam junto à porta. Crianças jogavam
bola no meio da rua e afastavam-se para lhes dar passagem.
A vila de pescadores logo foi deixada para trás. O caminho
tornou-se íngreme, e o carro foi subindo, cada vez mais, por uma
espécie de alameda cercada por oliveiras. A estrada terminou em
frente a uma vila branca, construída num rochedo, sobre uma
pequena baía de águas azul-esverdeadas, muito límpidas, e era
protegida do mar por dois promontórios de pedra cobertos por
pinheiros.
Vittório a conduziu para um grande terraço, abriu uma porta e
Marina entrou num imenso hall, cujo chão mostrava um mosaico azul
e verde com azulejos brancos. Colunas brancas sustentavam o
andar superior. No centro havia sofás romanos muito longos e
mesinhas baixas e compridas. Duas mulheres conversavam num dos
sofás; elas viraram a cabeça assim que ouviram os passos de
Marina e de Vittório. A mais velha das duas, forte e robusta, tinha
espessos cabelos negros, com toques de cinza, e aproximou-se, os
braços esticados para Vittório. Ele a abraçou e virou-se para Marina:
— Esqueci de perguntar se você fala italiano. Essa é minha
irmã mais velha, Lúcia. Ela quase não fala inglês.
— Eu falo um pouco de italiano — respondeu Marina friamente,
e estendeu a mão para Lúcia Barberini, que a examinava com olhos
brilhantes. —- Buon giorno, signora. Io sono Marina Gregson.
— Buon giorno, signorina. Come sta? — E acrescentou, com
forte sotaque: — Você é bem-vinda. — Ficou mais calma e riu: — Mi
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scusi, signorina. Não falo inglese bem. — E desandou a falar em
italiano, movimentando-se muito e pedindo para Vittório traduzir.
— Você entendeu alguma coisa?
— Não, acho que não.
— Ela disse que você é mais bonita do que nas fotografias,
mais bonita do que Francesco havia dito. Lúcia sempre teve uma
tendência ao exagero, por isso não deixe que esses elogios lhe
subam à cabeça.
Marina lançou-lhe um olhar de desprezo, mas ele já tinha se
afastado para cumprimentar a outra mulher, que era mais moça do
que Lúcia e talvez mais moça que Vittório. Era bonita e tinha um
corpo bem-feito. Usava um vestido de seda, que Marina reconheceu
ser de um estilista francês para o qual já havia posado. A mulher
abraçou Vittório, beijando-o em ambas as faces.
—- Marina, esta é a tia de Frankie, a irmã mais nova do pai
dele, Emília Rossi. Ela acabou de chegar dos Estados Unidos.
A mulher estendeu a mão para Marina.
— Tenho muito prazer em conhecê-la, srta. Gregson. Sempre
a admirei e já a vi desfilar em Nova York. Sentimos sua falta no ano
passado. Você pretende desfilar novamente este ano?
— Ainda não sei.
Alguma coisa naquela mulher intimidava Marina. À sua direita,
Lúcia falava de novo e Vittório traduziu:
—- Lúcia vai conduzi-la a seu quarto. Ela acha que você talvez
queira tomar banho e trocar de roupa antes de ver Francesco, que
nesse momento está com o fisioterapeuta, fazendo exercícios. Minha
irmã sugere que você coloque um vestido. — E continuou, em tom
cínico: — Ela supõe que você tenha trazido um que seja adequado.
Seus olhares se cruzaram por um momento, mas foram
interrompidos por Emília Rossi que, colocando seu braço no de
Vittório, o conduziu para fora dali.
O quarto de Marina era claro e pintado em tons pastel. Das
janelas descortinava-se uma magnífica vista da pequena baía, com o
mar azul confundindo-se com um céu também azul, luminoso.
Satisfeita com o conforto e com a bela decoração do quarto,
Marina desfez as malas e as pôs no armário. Tomou banho e voltou
ao quarto. Lembrando-se da elegância de Emília Rossi, escolheu o
vestido mais caro que possuía. Era feito de seda azul, longo,
acinturado e de mangas compridas. O decote era o maior detalhe:
um grande "V", que descia por entre seus seios nus.
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Estava se maquilando quando bateram na porta. Marina foi
abri-la e Emília Rossi entrou.
— Lúcia pediu-me para ver se você já está pronta. Francesco a
espera. — Foi então que observou o vestido. — Oh, Dio mio, esse
vestido! Não é exagerado para a ocasião? É apenas uma reunião
familiar! Você e Francesco não vão estar sozinhos, não haverá
chance para romances!
Marina percebeu que Emília Rossi não gostava dela. Mas por
quê? O que tinha feito para isso?
—- Então o que sugere que eu use? — perguntou Marina
friamente, abrindo a porta do armário. — Ajude-me a escolher.
Emília examinou as roupas com seriedade, escolheu uma saia
de lã cinza e uma blusa de mangas compridas, que cobriam o corpo
todo e faziam Marina parecer mais velha.
Emília sorriu.
— Agora você está bem melhor. Ah, um conselho: se quiser
causar boa impressão a meu pai, tente parecer submissa e decorosa
o tempo todo, mesmo que não seja assim. Ele não gosta de
mulheres liberadas e dominadoras.
— Não foi por isso que foi convidada? Lúcia me contou tudo,
disse como Francesco é louco por você e que quer desposá-la. Mas
ele não terá essa permissão se meu pai não a aprovar. Sendo assim,
se quer realmente ser aceita e casar-se com Francesco, terá que dar
o melhor de si para agradar o avô dele. Você já está pronta para ver
Francesco?
— Sim, estou pronta.
-— Quanto tempo levou sua viagem?— perguntou Emília
quando saíram do quarto.
:
— Saí de Londres esta manhã.
— Com Vittório?
— Não. Ele se encontrou comigo no aeroporto de Catânia.
— Mas vocês já haviam se encontrado antes?
— Sim. Há alguns dias, em Londres.
—- Vittório e eu somos grandes amigos. Desde que Lúcia
casou com meu irmão, Guido. Pretendíamos nos casar, mas não foi
possível.
— Ah, é? E por que não?
— Porque o pai de Vittório morreu e, então, descobriu-se que
a Companhia Matissi estava à beira da falência. Vittório precisou
dedicar-se de corpo e alma para reconstruí-la. Ele estava pobre
demais para se casar comigo. Meu pai então arranjou o meu
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casamento com Paolo Rossi, um ítalo-americano milionário, e ficou
muito feliz com isso. — A voz dela tornou-se amarga.
— Mas eu pensei.. .Bem, tive a impressão de que o sr. Matissi
era muito rico.
— Agora ele é, Isso foi há muitos anos. Finalmente pararam
junto à porta do hall. Emília a abriu e Marina hesitou, temerosa por
reencontrar Frankie na frente dos outros membros da família. Emília
comentou secamente:
— Ora, mas quanto entusiasmo! Não que eu a censure; afinal
houve mudanças drásticas na aparência de Francesco depois do
acidente. Está bem, eu vou primeiro.
E entrou na frente. Marina umedeceu os lábios, endireitou os
ombros e entrou na sala, a cabeça erguida e um sorriso nos lábios.
Embora ciente da presença de Vittório e Lúcia, Marina viu
somente a cadeira de rodas e foi direto para ela, segurando as mãos
de Frankie. Fitou os olhos cinzentos, que a olhavam com adoração, e
não pôde evitar um leve estremecimento quando viu a máscara
branca da cirurgia plástica num dos lados do rosto dele. Alguma
coisa aconteceu dentro dela e a compaixão a dominou por completo.
— Oh, meu querido, como é bom vê-lo novamente! —
murmurou e, ajoelhando-se ao lado dele, colocou os braços em volta
dos ombros ainda fortes e o beijou nas duas faces.
CAPÍTULO III
O sol estava se pondo. No oeste, no céu escarlate, pairavam
nuvens douradas. O mar também tinha reflexos avermelhados e o ar
cheirava a essência de pinheiros e oliveiras. De algum lugar, colina
abaixo, vinha o som de música; uma estranha melodia com um ritmo
sensual, que mais parecia árabe que européia.
Marina sentou-se numa poltrona, ao lado de Frankie. O braço
descansava no joelho dele e suas mãos mantinham-se entrelaçadas.
Estavam sozinhos. Lúcia havia entrado sob o pretexto de conversar
com a cozinheira sobre o jantar, e Emília tinha persuadido Vittório a
dar um passeio pelo jardim.
— Eles sabem que eu quero conversar com você, Marina. Mal
posso acreditar que esteja aqui!
Sedução Irresistível(Dark Seduction) Flora Kidd
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— Sinto-me como se estivesse sonhando — respondeu ela
rindo. — Este lugar parece um sonho. É tão bonito, tão tranqüilo...
Espero não ter que acordar de repente e descobrir que estou em
Londres, correndo para pegar o ônibus, no meio da multidão,
naquela vida agitada, andando no meio da chuva.
— Você não vai despertar. Está aqui, em Biscari, no lugar
onde tanto desejei que estivesse. — Apertou-lhe a mão. — Pronto!
Isso a convence da realidade?
— Ai! — ela brincou. — Como você é forte, Frankie! Ele levou-
lhe a mão aos lábios e beijou-a.
— Inúmeras vezes pedi a minha mãe que a encontrasse. Ela,
porém, não tomou nenhuma atitude. Tinha medo de se desentender
com meu avô. Aí, na última vez em que Vittório nos visitou, pedi a ele
que a procurasse em Londres, quando estivesse lá. Eu nem sequer
sabia se você estava viva, se tinha sobrevivido àquele terrível
acidente. — Estremeceu e ela apertou-lhe a mão, para confortá-lo.
— Eu costumava sonhar com isso. Ainda sonho. Sabe, eu... eu tinha
que descobrir o que havia acontecido com você. Precisava saber.
Você entende, não é?
— Sim, entendo.
— A princípio, Vittório se recusou a fazer a minha vontade.
Disse que estaria ocupado demais para ficar circulando por Londres
à procura de uma mulher como você.
— Ah, é? E o que ele quis dizer com isso? Que tipo de mulher
ele achava que eu era?
— Do tipo que usa a aparência e o corpo para ganhar a vida.
Ele às vezes é muito cínico. Bem, foi então que resolvi me comportar
mal, como uma criança mimada. Disse que ia me matar se você não
fosse encontrada e trazida até aqui. Minha mãe não suportou essas
ameaças e implorou a Vittório para que fizesse o que eu pedia. -—
Ele riu. — Foi uma cena típica de uma família siciliana: muita gritaria
e muito choro. Você não aprovaria tal comportamento, eu sei, mas
Vittório acabou cedendo. Não a mim, mas a minha mãe. Concordou
em procurá-la e em entregar-lhe a carta. E acompanhou minha mãe
quando ela foi pedir permissão a meu avô. Acho que, se não fosse
Vittório, você não estaria aqui.
— Ah, sei.... Os dedos dele lhe acariciaram as faces.
— E agora posso ver o que aconteceu a você. Eu tinha medo
que o seu lindo rosto estivesse marcado, como está o meu... e a
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Livros Florzinha
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culpa seria minha. Ah, Dio mio, Marina, será que você um dia poderá
me perdoar pelo que aconteceu aquela noite?
— Foi um acidente. Poderia ter acontecido a qualquer um. E
como vou dizer que o perdôo se nunca o culpei?
— Mas, se nunca me culpou, por que não me escreveu?
— Estive doente por muito tempo. Quando comecei a me
recuperar, achei que você talvez não quisesse ter noticias minhas —-
ela respondeu, com cautela. Era difícil explicar sem lhe ferir os
sentimentos.
— Como pôde pensar que eu não queria ter notícias suas?
— Porque você nunca escreveu para mim, Frankie! Ninguém
da sua família entrou em contato comigo para me informar de como
você estava. Dessa forma, supus que seria melhor não nos vermos
mais. — Ela fez uma pausa e resolveu perguntar: — Por que você
disse a seu tio... e a sua mãe... que estava fugindo comigo quando o
acidente aconteceu?
— Porque era verdade.
— Eu não sabia que você pretendia fugir comigo. Pensei que
estivesse me levando para casa. Não sabia que estava se dirigindo
para a França. Oh, Frankie, por que fez isso? Por que foi na direção
errada?
— Eu a queria. Mas você não me levava a sério.
— E como poderia? Estava noiva de Steve!
— Mas não o amava!— Ele se inclinou, aproximando seu rosto
do dela. — Você foi a primeira mulher que conheci que não se
impressionou com a minha fortuna, que parecia gostar de mim pelo
que sou, e nada mais.
— E foi por isso que você quis se casar comigo?
— Em parte, sim. Você estava me deixando louco. Eu achava
que não iria conseguir nada. De repente, naquela festa, você deu
uma certa abertura e aceitou que eu a levasse para casa. Foi aí que
veio à minha cabeça a idéia de fugir para a França. Então, ao invés
de virar em direção a Londres, resolvi seguir para Dover.
— Seu tio me contou que você fez isso para desafiar seu avô,
porque sabia que ele não aprovaria a nossa amizade. É verdade?
— Eu já lhe disse. Eu a queria, e por isso fiz o que fiz. Estava
desesperado. Vittório chegaria a qualquer momento, e eu tinha que
fazer alguma coisa antes que ele chegasse. Antes que vocês se
conhecessem. Antes que ele... — Parou de repente, respirando com
dificuldade. Depois inclinou-se para a frente, examinando-lhe o rosto.
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Livros Florzinha
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— Agora você já o conhece. O que achou dele? Também o achou
atraente, como a maioria das mulheres? Ele conseguiu persuadi-la a
fazer amor? Ele é um mestre na arte da sedução. Só Deus sabe
quantas inocentes foram vítimas da satânica beleza de meu tio! —
Pegou-lhe as mãos com força. — Ele seduziu você, Marina?
Conseguiu? Responda-me!
— Não, é claro que não! — ela respondeu, perturbada com
aquela demonstração de ciúme. — Agora você está se comportando
como um tolo. O signor Matissi e eu não passamos mais de duas
horas num restaurante, em Londres. E, hoje, ficamos juntos apenas
por uma hora e meia, a caminho daqui. Tempo insuficiente para que
nos tornássemos... amantes.
— Desculpe-me. — O humor de Francesco mudou do ciúme
para a autopiedade. — Às vezes eu me sinto frustrado porque não
posso mais me comportar normalmente; porque estou aprisionado
nesta maldita cadeira de rodas. Por isso agrido as pessoas. Oh,
Marina, eu não consigo andar, e não posso suportar isso sem ajuda!
— Sei como se sente, Frankie. Passei por isso durante um
certo tempo, mas não desisti dos exercícios e aos poucos consegui
recomeçar a andar. Não desista! Continue tentando, um dia vai
conseguir!
— Isso é o que todos dizem. Todos, com exceção do cirurgião
que meu avô trouxe a Biscari. Ele disse que só andarei de novo se
eu me submeter a outra intervenção cirúrgica. Na base da espinha.
— Então... por que ainda não fez a cirurgia?
— Bem, o médico não pode oferecer cem por cento de
garantia. Pode ser que eu consiga andar novamente e pode ser que
perca completamente o pouco movimento que ainda tenho nas
pernas. Resolvi não aceitar o risco. Agora que você está aqui... Sabe
o que eu gostaria de fazer neste momento, Marina? Gostaria de
fazer amor aqui mesmo, no terraço. Não quero dizer apenas beijá-la
e tocá-la. — Escorregou a mão para cobrir-lhe os seios. — Como
pode ver, isto eu posso fazer. Mas quero mais. Quero ter você
inteira... Inferno!
Ruídos de passos foram ouvidos. Emília apareceu. Com a
cabeça erguida, atravessou o terraço e entrou apressada na casa,
batendo a porta.
— Parece que minha tia se aborreceu com alguma coisa.
Talvez Vittório não tenha correspondido às expectativas dela. O
marido de Emília, vinte anos mais velho do que ela, tornou-se
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impotente. Minha tia está procurando um amante. Ela acha que pode
reviver o seu antigo caso com Vittório.
Revoltada com as palavras dele, Marina levantou-se e foi em
direção à casa. Francesco a seguiu e a encurralou contra a parede.
— O que aconteceu, Marina? Por que fugiu de mim? — Ele riu
de modo sinistro. — Nunca pense em fugir de mim. Nesta cadeira,
posso andar mais depressa do que você. — Agarrou-lhe a mão e a
puxou. — Sente-se no meu colo. Ficaremos mais próximos...
— Não, Frankie. Deixe-me ir, por favor! Gostaria de entrar.
Está esfriando e quero pegar uma malha.
Como resposta ao apelo, ele a puxou mais e ela caiu sentada
em seu colo. As mãos dele começaram a explorá-la, abrindo-lhe a
blusa. Quando lhe tocaram os seios, Marina sentiu uma onda de
repulsa. Com um pouco de dificuldade, conseguiu libertar-se e pôr-se
em pé, mas não pôde se mover pois ele a aprisionou de novo contra
a parede. Parecia um jogo.
De repente o terraço foi iluminado pelos faróis de um
automóvel. Por um momento Marina viu a máscara do rosto de
Frankie brilhar como se fosse de cera, seus olhos adquiriram uma
expressão estranha. Então ele a libertou.
— Meu avô... Ele veio para o jantar, para conhecê-la. Marina
aproveitou e fugiu, correndo pelo terraço e entrando no hall. Parou
por um momento para recuperar o fôlego.
Então ouviu o murmúrio de duas vozes conversando em
italiano. Lúcia e Vittório aproximavam-se. Lúcia saiu para o terraço e
disse:
— Mi semi, signorina.
Marina retribuiu com um movimento de cabeça e tentou acertar
o passo em direção ao quarto. Vittório percebeu que ela estava
perturbada.
— Algum problema?
— Não, nenhum. Apenas quero pegar uma malha.
E continuou caminhando, tentando parecer natural. Por um
momento entrou em pânico, pois não se lembrava qual era o seu
quarto. Parou, em dúvida, em frente à segunda porta. Uma sombra a
assustou: era Vittório.
Com uma rápida olhada para ele, Marina entrou no quarto. A
porta se fechou e ela olhou para trás. Vittório estava lá, parado
contra a parede branca, que contrastava com a cor de sua pele.
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Mefistófeles, o mensageiro do diabo. Era isso o que ele parecia.
Marina estremeceu.
— Não o convidei para entrar. O que quer? Os olhos escuros
a observavam e ele sorriu.
— Você representou bem, Marina, mas não me convenceu.
Estava em pânico quando entrou em casa. Ainda está pálida. O que
aconteceu lá fora?
Ela deu-lhe as costas, foi até o armário e o abriu. Pegou uma
malha branca de crochê, que sua mãe tinha feito, e colocou-a nas
costas.
— Por que eu deveria lhe dizer o que aconteceu? — Foi até a
penteadeira e pegou uma escova de cabelos. Olhando-se no espelho,
começou a pentear-se. — Se você quer saber o que aconteceu, por
que não pergunta a Frankie?
— Bem, se não me disser vou ter que adivinhar, não é mesmo?
Desde que descobriu que não pode andar e desenvolver certas
atividades, Frankie tem sido insuportável. Talvez eu devesse dar-lhe
alguns conselhos.
— É mesmo? — A voz dela soou irônica. — Parece que os
parentes de Frankie têm como hobby invadir o quarto dos hóspedes
para lhes dar conselhos. "Tia" Emília fez isso há pouco.
— Emília esteve aqui? O que ela falou?
— Disse-me o que deveria vestir e como deveria me portar em
presença do "vovô" Barberini. Bem, mas qual é o seu conselho, "tio"
Vittório? O que devo fazer quando Frankie quiser demonstrar a sua
afeição por mim? Gritar por socorro? -— E o olhou com desprezo. —
Estou me lembrando da maneira como se comportou num certo táxi,
sabe, você seria a última pessoa que eu chamaria para me ajudar!
Os olhos dele soltavam faíscas, e por um momento Marina
chegou a pensar que seria agredida. Ficou tensa, em estado de
alerta, pronta para defender-se. Mas ele se voltou e foi em direção à
porta.
Não a abriu, porém. Parou em frente a ela, a mão na maçaneta.
E finalmente ergueu os ombros, levantou o queixo, como se tivesse
tomado uma decisão, e voltou a olhar para Marina. A tempestade já
havia passado, e um sorriso marcava a expressão agora suave de
Vittório.
— Estamos atirando centelhas um no outro de novo. Pode
acontecer outro curto-circuito... Eu deveria saber que não devo lhe
dar conselhos ou aproximar-me de você. Mas o fato é que, acredite
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ou não, sou a única pessoa que pode ajudá-la se a situação escapar
do seu controle.
— Que situação?
— A situação aqui.. . entre você e Frankie e, futuramente, com
Giovanni.
— Não esqueça que sempre terei a alternativa de ir embora,
de voltar para Londres, depois dessas férias no Mediterrâneo...
Ela pegou o batom e começou a passá-lo nos lábios, como se
ele não estivesse lá.
— Mas você não tem uma passagem de volta...
Ele se postou atrás dela e sua imagem se refletiu no espelho.
Que presença impressionante! Vittório Matissi parecia um anjo
moreno... ou um demônio. Marina estremeceu.
— Sei disso. Mas tenho dinheiro suficiente para comprar a
passagem de volta. — Guardou o batom e virou-se. — Irei quando
bem entender, não preciso de ajuda. Sou crescida, estou com quase
vinte e três anos, e já contornei muitas situações difíceis desde que
me tornei modelo, aos dezoito anos. Já viajei pelo mundo, conheci
todo tipo de pessoas, e até agora tenho conseguido me manter longe
de encrencas.
— Até que se viu envolvida com Frankie e com aquele
acidente. — Ele se aproximou. — E agora está presa na teia dos
Barberini. Vai achar difícil desembaraçar-se dela.
Marina sentiu um frio na espinha, ao lembrar-se de como
Frankie a havia aprisionado de encontro à parede. Mas logo
recobrou o controle e respondeu, tentando ser irônica:
— Mas o que há com você? Em Londres, tentou me
desencorajar, não queria que eu viesse para cá, e agora pretende
me amedrontar, para que eu não fique. Por quê? Será que acha que
não sirvo para Frankie? Porque sou do tipo de mulher que usa a
aparência e o corpo para ganhar a vida? — A expressão dele era de
surpresa. — Frankie me contou que você não queria concordar em
me procurar. Que não tinha tempo de vagar a esmo por Londres,
atrás "daquele tipo de mulher".
— Sim, é verdade que eu recusei, porém não dei motivos. Ele
inventou tudo isso. Agora, respondendo à sua pergunta: tentei
desencorajá-la a vir para cá e gostaria que não estivesse aqui por
razões estritamente pessoais, que nada têm a ver com o modo como
você ganha a vida. — Olhou-a de maneira suave, sensual, e deu
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mais um passo na direção dela. — Você aceitou a sugestão de
Emília sobre o que deveria vestir?
— Sim. Você aprova a escolha dela? Acha que eu estou
suficientemente coberta, "tio" Vittório? Esta roupa faz com que eu
pareça recatada e submissa?
Ele se aproximou mais, olhando-a daquela maneira lasciva. Ela
poderia ter recuado um pouco, fugindo do perigo, mas por algum
motivo não quis. Ficou onde estava, devolveu-lhe o olhar com os
lábios ligeiramente entreabertos. De repente sentiu dificuldade em
respirar.
— Qualquer coisa que você vista sempre vai fazê-la parecer
provocante — murmurou ele, e seu olhar desceu para os lábios dela.
— Você quer dizer sexy e tola, não é? — sussurrou Marina,
seus sentidos em estado de alerta, aguçados pela proximidade dele.
Mas vê-lo, sentir-lhe o cheiro da masculinidade, ouvir-lhe a voz
musical não era mais suficiente. Ela queria sentir-lhe os lábios,
queria tocá-lo, acariciar-lhe a pele morena. O desejo a assaltava
dolorosamente.
— Sexy, sim. Tola, não. Nunca... — E aproximou-se mais, o
peito quase encostado nos seios dela.
De repente o tempo pareceu parar. O coração de Marina batia
forte e suas pernas ficaram trêmulas.
— Não é perigoso ficarmos assim tão próximos, sr. Matissi?
— Muito perigoso... — E colocou os braços em torno da
cintura dela, que lhe envolveu o pescoço com as mãos. — Mas... e
daí? Eu sempre gostei de viver perigosamente.
Quando os lábios fortes desceram, Marina já tinha os seus
entreabertos,
recebendo-os
sensualmente.
As
centelhas
transformaram-se numa chama de desejo poderosa, como Marina
nunca tinha experimentado. Consumida por essa chama, ela não
ofereceu qualquer tipo de resistência. Seu instinto era mais forte, e
ela usou os lábios, as mãos, o corpo inteiro para expressar sua
paixão e para despertá-la em Vittório.
De repente, tudo acabou. Vittório se afastou. Ofegando, ele
ainda a olhava com desejo.
— Mas que belo desempenho! Agora posso entender por que
Frankie estava tão desesperado para que você viesse para cá! —
Voltou-se para a porta. — Tenho que ir ou perderei o ferry para
Catânia.
— Você... você vai embora?
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Ainda tremendo, Marina apoiou-se na penteadeira.
— Estou indo neste minuto. Tenho que trabalhar amanhã.
Arrivederci, Marina. Aproveite bem as suas férias no Mediterrâneo e
boa sorte.
E saiu. Ela se olhou no espelho. Suas faces avermelharam-se
e isso a aborreceu. Por que tinha que corar quando estava com
Vittório? Seria porque estava envergonhada por ter revelado suas
emoções íntimas a um homem que nada queria com ela? Que a
encarava como uma caçadora de dotes, uma mulher "fácil"?
Ela cobriu as faces com as mãos e observou-se com olhos
confusos.
Alguém bateu na porta. Ela se voltou, com um sentimento de
culpa. Olhou-se no espelho e limpou o batom manchado dos lábios.
Bateram novamente e abriram devagar. Com o batom nas mãos,
Marina virou-se para olhar quem era. Emília apareceu, usando um
vestido preto, simples, os cabelos negros presos. Era a elegância
italiana personificada.
— Vim lhe dizer que meu pai chegou, ele gostaria de conhecê-
la antes do jantar. Está pronta?
— Ainda não.
— Fai presto! — respondeu Emília, não fazendo esforço algum
para parecer amigável. — Apresse-se. Meu pai detesta esperar.
— Bem, parece que sempre existe uma primeira vez para tudo,
não? Mesmo para os Giovanni Barberini deste mundo. Ele terá que
esperar até que eu esteja pronta.
E olhou, desafiadora, para Emília. A mulher sustentou o olhar
por alguns segundos, depois deu de ombros e respondeu:
— Nós estamos na sala da frente. — E saiu.
Marina trocou a saia e a blusa pelo vestido azul. Retocando a
maquiagem e escovando mais uma vez os cabelos, colocou um xale
branco sobre os ombros e deixou o quarto.
Assim que saiu, Frankie veio em sua direção. Ele vestia uma
camisa de seda branca, estampada com pequenas flores azuis, e
usava um lenço vermelho no pescoço. Seus cabelos negros e lisos
estavam penteados para trás e, em meio à máscara branca de seu
rosto plastificado, seus olhos cinzentos brilhavam.
— Você está linda! — Pegou-lhe uma das mãos e levou-a aos
lábios. — Mas onde foi? Por que saiu correndo daquele jeito?
— Estava com frio e queria pegar um abrigo. E queria trocar
de roupa para parecer muito bem a seu avô.
Sedução Irresistível(Dark Seduction) Flora Kidd
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— E Vittório a ajudou?
O tom de voz era malicioso. Ela o olhou, desconfiada.
— Creio que não entendi o que você disse.
— Emília contou que o viu saindo do seu quarto. O que ele foi
fazer lá?
— Ele veio me dizer que seu avô está me esperando, e veio
também se despedir antes de voltar para Catânia.
— Ele não tinha o direito de entrar no seu quarto!
— Ele só ficou um minuto. E já foi embora.
— Graças a Deus! E, quando ele voltar, tudo já estará
resolvido.
Giovanni Barberini era um homem corpulento e com cabelos
grisalhos. Seu rosto forte era bronzeado; os olhos escuros, pequenos
e astutos. Ele observou Marina com olhos críticos, o que a fez
lembrar-se de aranhas. Era uma grande aranha, sentada no centro
da teia dos assuntos familiares, dirigindo a todos e certificando-se de
que as moscas que caíssem na armadilha não escapassem sem sua
prévia autorização.
— Prazer em conhecê-la, signorina — disse ele, levantando-
se de maneira cortês. — Espero que tenha uma estadia agradável
aqui em Biscari.
— Obrigada. Foi muita gentileza de Francesco e da mãe dele
me convidarem.
— Gostaria de apresentá-la ao dr. Howard Spencer, de Nova
York. Ele é meu hóspede. Esta é a srta. Marina Gregson, Howard.
— Como tem passado? — O dr. Spencer era um homem alto
e loiro, de cabelos curtos. Apertou a mão de Marina. — E esta é
minha filha Bonnie, srta. Gregson. Desde que soube da sua vinda,
ela não tem falado em outra coisa além da sua fama como modelo.
— Oi. — Bonnie Spencer era alta, loira e deveria ter uns
dezoito anos. Seus olhos azuis brilhavam de admiração, e o vestido
branco e sem mangas que usava realçava seu corpo esportivo e sua
pele dourada. — Mas isso é fantástico! — exclamou, apertando as
mãos de Marina. — Conhecer você, quero dizer. Uma modelo
famosa em carne e osso! Estou tão feliz por você estar aqui! Joga
tênis? Existem ótimas quadras aqui, mas ninguém para jogar
comigo...
— Marina veio para jogar comigo, não com você! — Frankie
interrompeu. — Vamos para a sala. Mamma avisou que o jantar vai
ser servido. — E puxou Marina pela mão.
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A sala de jantar era muito grande, com três janelas em forma
de arco, pelas quais podia-se ver o céu.
Giovanni sentou-se à cabeceira, numa cadeira de espaldar alto,
coberta de couro vermelho. Marina sentou-se à sua esquerda.
Frankie ao lado dela, na cadeira de rodas, e logo a seguir Bonnie.
Em frente a Marina, Howard Spencer e, a seu lado, Emília. Lúcia
sentou-se na outra ponta da mesa.
Dois jovens os serviram. Primeiro veio um antipasto de ostras.
Depois um primo piatto, uma espécie de sopa feita com gemas de
ovos e queijo gratinado. A seguir, escalopes de vitela servidos com
fiori di zucchini. O vinho era tinto e leve.
Giovanni não se esforçou por conversar com seus hóspedes
durante a refeição. Parecia estar mais interessado em saborear os
pratos. Marina conversou com Howard Spencer sobre Nova York e
Londres, onde ele tinha estado durante seus tempos de estudante. E
também sobre os ferimentos que ela havia recebido no acidente e
como tinham sido tratados.
Na sobremesa foram servidas frutas frescas e café. De repente,
ouviu-se a voz de Bonnie em altos brados, furiosa:
— Se quer saber, acho que você é um fraco, um covarde!
— Todos se voltaram para ela; seu rosto estava vermelho.
— Acho também que é mimado demais, e não sinto nenhuma
pena por você não poder andar!
— Bonnie! — A voz de Howard Spencer era severa. — Isso
não é jeito de falar com Frankie! Lembre-se de que somos hóspedes
dele!
— Não me importo! — Bonnie gritou novamente e voltou-se
para Frankie: — Você é um covarde, Frankie, um covarde amargo! E
acho que sente prazer em ser assim porque lhe dá uma sensação de
poder ter a todos nós correndo para cima e para baixo para
satisfazer os seus caprichos. É por isso que você não quer fazer
outra operação. Teme ser bem-sucedido e conseguir andar
novamente, perder esse poder e...
— Bonnie! Chega! — gritou Howard. — Peça desculpas a
Frankie e à sra. Barberini! Já!
— Não, não peço! — E, levantando-se, ela saiu da sala.
Howard puxou sua cadeira e pôs-se em pé.
— Por favor, peço que me desculpem. Signor, signorina,
Frankie, a todos vocês, peço desculpas em nome de Bonnie. Não sei
explicar o que se passou com ela, eu...
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— Pode acompanhá-la. — A ordem veio de Giovanni. — Diga
a ela que apenas pôs em palavras o que alguns de nós têm pensado,
mas que hesitamos em dizer para Francesco.
Nesse momento, Frankie desandou a falar em italiano e Lúcia
também levantou a voz. Emília juntou-se à gritaria e as três vozes
misturavam-se no ar quando Howard Spencer saiu da sala. Marina
bebericou seu café, como se nada estivesse acontecendo.
— State zitti! — A voz de Giovanni cortou o ar como um raio.
Todos se calaram. Impassível, ele os olhou e, em seguida,
muito calmamente, começou a dar instruções em italiano. Limpando
os lábios no guardanapo, Lúcia levantou-se, chegou atrás da cadeira
de rodas de Frankie e começou a retirar-se da sala.
— Com licença, Marina — murmurou Frankie. — Meu avô
disse que deseja falar a sós com você. Vejo-a mais tarde.
Lúcia e Frankie se retiraram. Hesitante, Emília olhou para
Marina e dirigiu-se a Giovanni em italiano. Depois de lançar mais um
olhar atrevido para Marina, Emília deu de ombros e saiu da sala. Um
dos garçons apareceu para servir mais café, retirando-se em seguida.
Giovanni pegou um longo charuto Havana.
— Incomodo-a se fumar, signorina?
Determinada a demonstrar que ele não a amedrontava, Marina
sorriu e disse:
— De que adiantaria se eu dissesse que sim?
— Eu não fumaria, é claro. Como a filha de Howard, a
senhorita não tem medo de dizer o que pensa. Diga-me, então: eu a
incomodaria se acendesse este charuto? Fumá-lo à noite é o único
vício, talvez deva dizer a única extravagância, que me permito.
— Não, não me incomoda.
Depois de acender o charuto, ele a examinou com cuidado.
— A signorina é muito bonita. Agora, depois de tê-la
conhecido, posso entender por que meu neto se sente tão atraído.
Prestei atenção no que a senhorita dizia ao dr. Spencer sobre a sua
recuperação. — Fez uma pausa e acrescentou, com tristeza: —
Quisera que meu neto tivesse a sua determinação!
— Frankie teve ferimentos mais graves do que os meus.
Posso entender a recusa dele em ser submetido a outra cirurgia.
Deve estar cansado de tantos tratamentos. Além disso, ele me
contou que há uma chance de a operação não ser bem-sucedida e
as coisas ficarem piores.
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— A operação será bem-sucedida. O dr. Spencer é o melhor
cirurgião nessa especialização. Ao preço que ele cobra, não ousaria
falhar. Se falhasse, teria sérios problemas na sua profissão. Eu
mesmo providenciaria para que isso acontecesse. — Marina
arrepiou-se a esse comentário. — Mas a filha dele tem razão.
Francesco é um covarde, mimado demais. — Giovanni torceu a boca
em sinal de desgosto. — A fraqueza dele é encorajada pela mãe. É
culpa dela que seja tão mimado e pareça feliz em continuar como
está! Desde o acidente, Lúcia tem feito as suas mínimas vontades e
cedido a todos os seus caprichos. — Olhou diretamente para Marina.
— Você sabia que ele fez duas tentativas contra a própria vida?
— Que coisa terrível! Ele deve ter-se sentido muito deprimido!
— Talvez. Da última vez só desistiu quando arrancou da mãe
a promessa de que tentaria localizá-la e trazê-la para cá. Srta.
Gregson, quero deixar bem claro que gosto muito de Francesco. Ele
é meu herdeiro e desejo que se torne saudável novamente, de
cabeça e de corpo. Os ferimentos também lhe danificaram a mente,
e apenas quando puder andar novamente ficará livre da amargura e
da frustração que o influenciam agora. Ele precisa ser persuadido a
fazer essa operação. Eu tinha esperanças de que Howard o
conseguisse, por isso eu os convidei para virem a Biscari. Mas
parece que não deu certo. Agora que a senhorita está aqui, espero
que use a sua influência para persuadi-lo a ir para a Suíça, para a
clínica onde Howard é um dos principais cirurgiões, e aceitar a
operação.
— Farei o possível nas duas semanas que pretendo ficar aqui.
— Duas semanas? Por que apenas duas semanas?
— Não poderei impor a minha presença por mais tempo à sra.
Barberini. Além do mais, preciso voltar para a Inglaterra para
procurar emprego. Tenho estado sem trabalho desde o acidente...
Ele a interrompeu bruscamente.
— Eu disse a Lúcia que a convidasse para ficar aqui o tempo
necessário para convencer Frankie. Ela não lhe disse isso?
— Não. Frankie falou que eu poderia ficar quanto tempo
quisesse, mas...
— A senhorita não precisa de um emprego na Inglaterra
quando pode ficar aqui por quanto tempo quiser. Seu trabalho é aqui,
junto a Francesco. Você prometeu se casar com ele antes do
acidente. Vocês estavam fugindo.
Marina foi veemente:
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— Eu não prometi me casar com ele e não sabia que seu neto
estava fugindo comigo! Oh, será que ainda precisarei falar nisso
muitas vezes? Frankie me pediu em casamento, mas achei que
estava brincando. Não lhe prometi nada! Nem sequer concordei em
fugir com ele!
— Não é assim que meu neto conta a história. E ele ainda
quer casar com a senhorita. Provavelmente vai pedi-la em
casamento nos próximos dias.
— Ah, meu Deus!
— Levando em conta o estado dele, a senhorita achará difícil
recusar, não é? Ficará com medo que ele ameace acabar com a
própria vida, não é?
— Sim, creio que sim. Não gostaria que ele pensasse que eu
o estou recusando porque é um... aleijado.
— Tenho certeza que não. E, sendo assim, permita-me
sugerir-lhe o que responder a ele. — Marina acenou que sim e o avô
continuou: — Sugiro que diga a Frankie que só concordará em casar
se ele se submeter à nova intervenção cirúrgica.
Marina arregalou os olhos.
— Mas.. . e se Frankie concordar com a operação... e se ela
for bem-sucedida? E aí? Terei que me casar com ele?
— Não vamos colocar o carro na frente dos bois, senhorita.
Cada coisa a seu tempo. Essa é a única arma que temos para
arrancar Frankie da sua condição. Posso garantir que se a senhorita
aceitar a minha sugestão e ele concordar com a operação, minha
nora e eu lhe seremos gratos para sempre, qualquer que seja a sua
decisão. A senhorita vai concordar em ajudar Francesco?
Pronto. Ela estava presa na armadilha. Se recusasse iria se
sentir culpada por não ter tentado ajudar Frankie Mas se
concordasse, ficaria cada vez mais enroscada na teia dos Barberini e
acabaria se casando com um homem a quem não amava.
— A senhorita disse que faria o melhor que pudesse para
ajudar — continuou o velho. — E não acredito que seja o tipo de
pessoa que volta atrás na palavra dada. Insisto na pergunta: vai
tentar ajudar Francesco?
— Marina pensou no Frankie que havia conhecido, cheio de
vida e alegria. Depois pensou em como ele era agora, amargo e
frustrado. Sua resposta foi simples e curta:
— Vou tentar.
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CAPÍTULO IV
O sol da primavera brilhava sobre os ciprestes do jardim da vila
dos Barberini. Pássaros de todos os tamanhos e cores desciam para
tomar água num bebedouro.
Eram onze horas da manhã e, como sempre, Marina e Frankie
tomavam café. Na noite anterior tinham jantado na casa de Giovanni
e Frankie comentava sobre as pessoas presentes ao jantar.
— Fiquei surpreso em ver tia Emília. Pensei que fosse ficar
mais tempo em Catânia.
— Ah, ela estava lá? Marina tentou aparentar indiferença. Já
estava na ilha há seis dias, e até agora tudo tinha corrido bem. Lúcia
a tratava com simpatia, os empregados eram gentis e atenciosos,
Bonnie Spencer havia se transformado numa alegre companhia,
tanto nas partidas de tênis quanto nos passeios. Frankie vinha se
comportando bem: nunca mais tentara fazer amor com ela nem
fizera qualquer menção sobre casamento.
— Você não sabia, Marina? Emília foi para lá assim que soube
que Vittório não voltaria tão cedo. Mas deu de cara com Gina Cortesi
e resolveu voltar.
Marina ficou quieta. Já sabia que Frankie adorava mexericos
em família. Principalmente se eles se referissem à vida amorosa de
Vittório.
— Você deveria perguntar quem é Gina Cortesi, Marina.
— Para quê?
— Para que eu possa lhe contar, é claro. Ah, Marina! Assim
não tem graça fazer um pouco de fofoca!
— Acontece que eu não gosto de comentários sobre a vida
dos outros. Gosto de formar a minha opinião sobre as pessoas
através das minhas próprias observações.
— É? Então qual é sua opinião sobre tio Vittório?
— Já lhe disse, Frankie: não estive com ele tempo suficiente
para conhecê-lo.
— E tia Emília? O que acha dela?
— Ela... Bem, ela não me parece feliz. Talvez tenha tido
muitas decepções na vida.
— Acertou. Ela teve. E a maior delas foi não poder se casar
com tio Vittório. Bom, já que você não vai me perguntar quem é Gina
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Cortesi, vou lhe contar. É a secretária de Vittório, mas todos
sabemos que é muito mais que isso.
— Creio que está tentando dizer que ela é também amante do
seu tio.
— Certo! — Ele sorriu. — É claro que nenhum de nós tem
certeza, mas tudo indica que sim. Ela não mora na casa dele porque
tio Vittório vive com a mãe e a irmã caçula. . . Ei! Aonde você vai?
Marina tinha se levantado, cansada de ouvir mexericos.
Frankie a aprisionou com a cadeira de rodas.
— Vou colocar a minha roupa de jogar tênis, Frankie. Bonnie
virá daqui a pouco.
— Não, ainda não. Ela não virá já. Por favor, sente-se, Marina.
Quero lhe pedir uma coisa.
— Você promete parar de falar sobre a vida alheia? Eu me
aborreço com isso.
— Está bem, prometo. — Olhou-a possessivamente. — Você
está muito atraente, Marina. Aliás, como sempre. Mas, agora, assim
bronzeada... Está gostando de Biscari?
Ela se sentou e ele segurou sua mão.
— Sim, estou. Sua mãe tem sido muito gentil.
— E eu? Por favor, diga que sim, Marina! Tenho tentado
agradá-la ao máximo!
— Você também, Frankie. Todos têm me tratado tão bem que
será difícil ir embora.
— Ir embora? Por que está falando nisso? Eu disse que
poderia ficar quanto tempo quisesse.
— Eu sei. Seu convite foi muito generoso, mas não posso ficar
mais que duas semanas. Tenho que voltar para a Inglaterra e
procurar um emprego.
Ele ficou olhando para ela, surpreso.
— Mas ontem à noite meu avô disse que você... Meu avô
gosta muito de você.
— Como sabe disso?
— Porque, ontem à noite, eu lhe disse que quero me casar
com você, e ele me deu permissão. — Inclinou-se em direção a ela.
—Eu queria me casar antes do acidente, mas você não me levou a
sério. Ainda quero. Por isso que a convidei para vir paira cá. Sabia
que, quando minha mãe e meu avô a conhecessem, gostariam de
você. Espero que agora me leve a sério. Marina, por favor, quer se
casar comigo?
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Livros Florzinha
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Ela fez uma pequena pausa e respondeu:
— Não sei o que dizer...
— Diga que sim. Por favor, diga que sim e nos casaremos
aqui em Biscari.
Marina o fitou longamente. Se aceitasse, teria uma vida cheia
de luxo, sofisticação, riqueza... mas vazia de significado. Que sentido
havia em unir-se a outra pessoa sem amor? Mas... que sentido havia
em lutar tanto para garantir uma sobrevivência cada vez mais difícil?
— Não posso, Frankie. Não posso aceitar.
— Por que não? O que a impede? É porque não posso andar?
Porque estou... feio?
— Não, oh não! — E então lembrou-se da promessa feita a
Giovanni. — Eu... eu só posso aceitar sua proposta se você me
prometer... Bem...
— O quê? Diga, Marina, por favor.
— Se você prometer se submeter à operação.
— Então eu tinha razão! Você não quer se casar comigo
porque sou aleijado!
— Eu não disse isso. Disse que me caso se você prometer
concordar com a operação. Oh, Frankie, por que não quer voltar a
andar? Quer passar o resto da sua vida numa cadeira de rodas?
Ele a encarou por um minuto e depois cobriu as faces com as
mãos.
— Ah, Dio mio, como pode fazer uma coisa dessas? Como
pode ser tão cruel? E eu pensava que você gostasse de mim!
— Mas eu gosto! Sempre gostei. Só não gosto é disso em que
você está se transformando. Por favor, Frankie, para o seu próprio
bem, concorde com a operação! Prometo me casar quando tudo
estiver terminado e você estiver andando de novo.
Com olhos estreitos e astutos, ele a observou com cuidado.
— Vamos supor que a operação seja um fracasso e eu não
consiga andar. E daí? Você cumprirá a sua promessa e se casará
comigo?
Ela respondeu baixinho, sem coragem de olhá-lo nos olhos:
— Sim.
— Chantagista! Oh, meu Deus! E pensar que a pessoa que
sempre admirei pôde me chantagiar!
— Não estou chantageando ninguém! Estou tentando ajudá-lo,
Frankie! Estou tentando incentivá-lo a fazer essa operação e a andar
novamente.
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— Já entendi. Se eu me comportar bem e for um bom menino;
se fizer a operação, ganho você como recompensa. Gostaria de
saber quem a levou a agir assim.
— Ei! Vocês aí! — Bonnie apareceu, a roupa de tênis
contrastando com a pele dourada do sol, os cabelos brilhando. Ela
irradiava energia e vitalidade.— Puxa, como estão sérios! Está na
hora da nossa partida, Marina!
— Vá embora! — gritou Frankie, que ainda não a tinha
perdoado e tentava evitá-la. — Saia daqui e jogue tênis
sozinha!
— Mas ontem Marina prometeu que hoje jogaria comigo!
Frankie virou a cadeira e foi em cima de Bonnie, que teve que pular
para o lado para evitá-lo.
— Eu pedi Marina em casamento!
— Oh! — Bonnie pareceu perder toda a alegria. — É mesmo?
— Sim, é.
— E quando será o casamento?
— A semana que vem, se fosse possível. Mas Marina não vai
se casar comigo enquanto eu não concordar com a nova cirurgia. Ela
está fazendo chantagem comigo. O que você acha disso?
— Eu acho ótimo! — respondeu Bonnie, sorrindo para Marina
em sinal de aprovação. — E você concordou, Frankie? Espero que
sim!
— Para que seu pai possa receber o pagamento milionário
que meu avô lhe ofereceu, não é?
Bonnie ficou pálida e parecia que ia chorar.
— Oh, Frankie, como você é vulgar! É torpe, mesquinho. Eu o
odeio. E jamais me casaria com você, sabe? Você é mau, rancoroso
e... Oh! — E saiu correndo dali.
— Você agiu muito mal com ela, Frankie.
— Mas eu disse a verdade. Spencer está apenas interessado
no dinheiro que meu avô lhe ofereceu.
— Talvez. Mas tenho certeza de que Bonnie não tem nada
com isso. Ela gosta de você e quer que ande novamente. Tanto
quanto eu.
— Ela tem uma forma muito estranha de demonstrar interesse,
não? Está sempre me criticando. E o dr. Howard quer é o dinheiro de
meu avô. Quanto a você, não passa de uma chantagista!
Marina o observou e sentiu pena ao perceber o quanto ele
estava amedrontado, o quanto desconfiava das pessoas.
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— Frankie, ouça-me. Não deve pensar assim sobre nenhum
de nós. Queremos apenas ajudá-lo, mas você não está colaborando.
— Se quer me ajudar, case-se comigo. Juro que me esforçarei
para andar novamente. Quando souber que você é minha, tenho
certeza de que me sentirei diferente. Eu a quero. Por favor, diga que
se casará comigo!
A atitude possessiva e desesperada de Frankie entravam em
choque com o amor pela liberdade que Marina sentia. Ela percebia
que ele a queria não pelo que era, mas sim pela imagem que vendia
como modelo. Era um capricho. Frankie a queria como a qualquer
outro objeto que resolvesse possuir, e faria o que pudesse para
consegui-lo, apenas para mostrar ao mundo o seu poder.
—- Marina, o que foi? Por que me olha assim?
—- Oh, desculpe-me, estava com os pensamentos longe.
Estava imaginando como seria terrível se... se eu me casasse agora
e um dia, quando você pudesse andar de novo, não me quisesse
mais...
— Acho que não estou entendendo, Marina...
— É difícil explicar, mas creio que você só está me pedindo
em casamento porque acha que vou aceitar porque sinto pena de
você.
— E não sente pena de mim?
— Sinto compaixão, Frankie, e essa não é uma boa razão
para aceitar o seu pedido. Seria muito melhor se você esperasse e
fizesse a proposta depois que pudesse andar de novo.
— Mas será que não entende? Acho que não posso esperar
mais. Oh, você não sabe o que significa querer fazer amor e não ser
capaz porque você não... você não... — Afastou-se dela. — Está
bem, eu concordo. Verei o dr. Spencer esta tarde e perguntarei
quando a operação poderá ser feita. Mas você tem que prometer
ficar comigo. Irá para a Suíça, ficará lá até eu receber alta. Vou
providenciar para que tudo saia dessa maneira.
— Como? Como pode me impedir de ir embora quando eu
quiser?
— Você verá. — Os olhos brilhavam, maldosos. Ela se
levantou.
—- Aonde você vai?
— Jogar com Bonnie. Ela deve estar cansada de me esperar.
— Marina pousou a mão no ombro dele. — Fico feliz por você ter
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decidido fazer a operação. Prometo que ficarei a seu lado até tudo
estar terminado.
Frankie apertou-lhe a mão e a beijou. Os dois foram em
direção à casa.
— Não conte nada a Bonnie ainda.
— Não direi nada a ninguém.
Marina ficara cansada depois da conversa que tivera com
Frankie e agora jogava sem muita energia.
— Marina, você estava falando sério sobre a imposição que
fez a Frankie?
— Sim, estava.
— Acho que você tem muita força interior. Se ele me pedisse
em casamento, eu diria que sim sem hesitar.
— É mesmo? Por quê?
— Porque eu sou louca por ele! —Bonnie corou quando disse
isso.
— Mas você está sempre brigando com ele, Bonnie!
— Eu sei. Mas, se não fosse assim, eu estaria demonstrando
os meus sentimentos e... de que adiantaria? Frankie ama você e não
liga para mim. Acha que ele vai concordar?
— Ainda não sei dizer.
— Estou muito confusa, sabe? Quero que ele faça a operação.
Tenho certeza de que será um sucesso. Mas, se ele fizer, vocês se
casarão e... — Bonnie desandou a chorar. — Oh, Marina, se você
não fosse tão bonita e generosa! Gostaria de odiá-la, mas não
consigo. Por que veio para cá? Sem você aqui, eu ainda teria uma
chance com Frankie. Antes não tivesse vindo!
Bonnie correu para longe dali. Logo depois Marina entrou e foi
para o quarto tirar a saia branca e a camiseta que tinha usado para
jogar tênis. Colocou um jeans rosa-pálido, com cinto, e uma camisa
de algodão num tom rosa-escuro. Depois foi para a sala, onde
sempre almoçava com Lúcia. Frankie preferia almoçar sozinho em
seus aposentos. Depois resolveu dar uma caminhada. Assim que
saiu da casa, deparou-se com um jovem de porte atlético, de olhos e
cabelos escuros.
— Buon giorno, signorina. Sou Giulio. O signor Francesco
encarregou-me de ser o seu guarda-costas. Devo ir com a senhorita
a todos os lugares.
— Por quê?
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— Ele teme que alguém tente raptá-la, signorina.
— É mesmo? — Ela riu. — Mas quem desejaria raptar-me?
— Não sei. Mas pode acontecer. Aonde pretende ir agora?
— Vou caminhar um pouco. Até o templo de Apolo, no alto da
colina. Vou apenas ver a vista. Acho que você vai se aborrecer.
— Não faz mal. É o meu trabalho.
Deu de ombros e, quando ela começou a andar, seguiu-a a
uma distância discreta.
Então era assim que Frankie iria certificar-se de que ela não ia
sair de Biscari! Giulio não era apenas um guarda-costas. Sua função
principal era vigiar-lhe os passos e contar a Frankie!
Marina chegou ao templo, construído há muitos séculos pelos
primeiros habitantes gregos da ilha. À distância e bem abaixo, estava
o mar azul. Um pouco mais longe, a ilha da Sicília e o vulcão Etna,
uma presença assustadora, com o topo envolto por uma nuvem de
vapor.
Marina franziu a testa ao olhar para o estreito que separava
Biscari da Sicília. Uns cinqüenta quilômetros entre ela e a liberdade.
Cinqüenta quilômetros até Catânia, o aeroporto e o avião para
Londres. Cinqüenta quilômetros que ela não poderia percorrer, pois
cada movimento seu estava sendo observado por Giulio.
Estava presa na teia dos Barberini, como Vittório havia previsto.
Tinha sido manipulada por Vittório, Giovanni e Frankie. Todos tinham
sido mais espertos do que ela. Por que não tinha recusado Frankie?
Não queria se casar com ele. Mas, por outro lado, como
poderia recusá-lo e ficar em paz com a sua consciência? Voltou-se e
olhou para a baía. Viu um iate reluzindo ao sol.
Parecia-se com a descrição do iate de Vittório. Seria o dele? O
coração de Marina disparou. De repente ela viu um rosto moreno que
parecia lhe sorrir.
Balançou a cabeça e tentou focalizar a vista. O iate tinha
desaparecido. Por um momento pensou que tudo fosse produto da
sua imaginação, pois sempre desejara que Vittório voltasse a Biscari.
Mas o iate reapareceu. Havia ficado por uns minutos escondido atrás
de uma rocha.
Marina tinha pensado muito em Vittório desde que ele partira.
Havia se surpreendido relembrando todos os minutos que passaram
juntos.
Mas por que perder tempo pensando em um homem que a
tinha desagradado desde o primeiro encontro? Um homem que não
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havia demonstrado o mínimo respeito por ela e que, segundo Frankie,
tinha a reputação de mulherengo?
Era perigoso estarem juntos, ele havia dito. Mas por quê? O
que havia entre eles? Marina sentiu-se agitada ao pensar em
encontrar Vittório, Mas... o que se passava com ela? Nunca tinha se
sentido assim antes, nem mesmo com Steve.
Com ninguém.
Virando-se de repente, começou a descer em direção à baía.
Giulio apareceu.
— Vou descer até a baía. Preciso encontrar uma pessoa.
— Si, signorina.
Ela estava no meio do caminho quando Vittório surgiu à sua
frente. Apesar de seu coração estar batendo mais forte, ela fingiu
indiferença. Enfiando as mãos nos bolsos dos jeans, olhou
diretamente nos olhos dele e sorrindo, disse:
— Você é a última pessoa que eu esperava encontrar aqui.
Ele lhe lançou um sorriso irônico.
— Então por que veio me encontrar?
Marina estremeceu e o encarou. Tentou disfarçar o embaraço.
— Você fez boa viagem?
— Sim, fiz. Saí de Catânia às seis da manhã, mas não tinha
intenção de vir para cá.
— Então por que veio?
— O vento estava favorável para Biscari e me trouxe nesta
direção. Você gostaria de passear de iate comigo?
— Agora?
— Sim, agora.
— Ah, eu adoraria! — Mas lembrou-se de Giulio; olhou para
trás e lá estava ele, na sombra de um pinheiro.
— Quem é esse seu amigo?
— Não é um amigo. É Giulio, e foi encarregado por Frankie de
vigiar os meus passos. Vai a todo lugar onde vou, com o pretexto de
evitar que eu seja raptada. Mas na minha opinião é para evitar que
eu deixe a ilha.
— Máfia? Táticas da Máfia, segundo você? — brincou ele. —
Desde quando?
— Desde esta manhã.
Ele olhou para Giulio e murmurou baixinho:
— Vá até o escaler. Estarei com você em breve.
— Mas...
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— Se quer mesmo velejar comigo, faça o que estou dizendo.
— Olhou-a sensualmente. — E você quer, não quer?
— Sim, quero. Mas... e Giulio?
— Pode ir e espere por mim. Darei um jeito nele.
— Não vai machucá-lo, vai?
— Quem pensa que eu sou? Um bruto que usa de força para
conseguir seus objetivos? Não, não machucarei ninguém prometo.
— Passou a mão pelo rosto dela. — Tentarei não feri-la, também. . .
Agora, vá para o escaler, Marina.
Como que hipnotizada, ela se virou e caminhou até o iate. Sua
cabeça rodava.
Logo depois, Vittório entrou no barco e o soltou na água.
Marina o seguiu, as calças arregaçadas, sapatos na mão.
Era muito bom estar de volta à água e sentir a brisa na pele.
Não se falaram nem se olharam. Era como se nenhum dos dois
quisesse quebrar o encanto hipnotizador que havia no ar.
O pequeno barco aproximou-se do iate e Vittorio o prendeu.
Logo estavam na luxuosa embarcação.
Vagarosamente, a distancia entre o iate e a vila Barberini foi
aumentando. Vittorio pegou o leme. A velocidade aumentou e o iate
dirigiu-se para o mar aberto.
CAPÍTULO V
Marina estava deitada no convés do iate, descansando sobre
uma almofada. Vestia um grosso suéter que Vittório lhe tinha
emprestado, pois o vento estava frio. O iate ia cortando as águas e
formando marolas por onde passava.
Há quanto tempo estavam velejando? Ela não sabia dizer.
Nem se preocupava com isso. Desde o momento em que Vittório lhe
dissera para se dirigir ao escaler perdera a noção de tudo.
Com os olhos fechados, deu livre vazão a seus pensamentos e
de repente, sem saber bem por que, lembrou-se de um livro sobre
ocultismo que lera uma vez. Contava a história de uma mulher que
tinha ido velejar com o demônio, que a levara para o inferno. O título
do livro era A Amante do Demônio.
Foi então que descobriu de onde tirara a idéia de Vittório ser
um amante demoníaco. Ao pensar nisso, riu para si mesma. Como
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eram estranhos os caminhos do subconsciente... O livro a
impressionara muito, na adolescência. Sensível e com imaginação
fértil, ela possuía forte inclinação para histórias sobre ocultismo e
bruxarias. Provavelmente tinha se identificado com a mulher da
história; assim, quando Vittório apareceu, com aquele olhar satânico,
ela o ligara ao demônio-amante, o diabo; aquele que tinha vindo para
tomar posse de sua alma, para atormentá-la e manipulá-la. E hoje
também havia aparecido de repente, inesperadamente, para
controlá-la e carregá-la para...
Marina despertou do devaneio quando sentiu que o iate estava
parando, e entrava numa baía que mais parecia uma piscina dourada,
cercada por terras rochosas e cheia de sombras.
— Onde estamos? — Assustada, correu até Vittório.
— Na baía Minore, ao norte de Biscari.
— Ah, graças a Deus! — ela respondeu, aliviada, confusa
entre a realidade e o sonho; sorrindo, olhou para Vittório: afinal ele
se parecia com uma pessoa normal.
Ele não sorriu, Olhou-a, intrigado.
— Você deve ter estado sonhando. Devia estar muito cansada,
pois dormiu quase todo o tempo.
— É mesmo? Como você sabe?
— Todas as vezes em que fui ao convés, você dormia
profundamente.
— Ah, eu não sabia... Mas lembrava-se de que, quando se
sentara no convés, sentira-se relaxada pela primeira vez desde que
chegara a Biscari. Naquele barco, na companhia de Vittório, ela se
sentira finalmente à vontade.
— Mantenha o leme nesta posição enquanto eu jogo a âncora.
— Vamos ancorar aqui? — ela perguntou, olhando em volta.
— Por quê?
— Porque quero ficar um pouco neste lugar. — E foi para o
convés, sem mais explicações.
Depois de o iate estar ancorado, os motores desligados e as
velas abaixadas, tudo ficou quieto e parado. Marina sentou-se num
canto da cabine do piloto, observando a lua levantar-se no horizonte
leste. Num outro compartimento, uma luz brilhava. Vittório estava lá,
cozinhando. Ele tinha recusado a ajuda de Marina, dizendo que ela
só poderia descer quando tudo estivesse pronto.
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Ela pensou que não deveria estar ali. Era perigoso ficarem
assim tão próximos. Ele mesmo havia dito isso. Mas, então, por que
tinha vindo para Biscari? Vittório apareceu à porta.
— A comida está pronta. Você gostaria de comer aqui ou na
cabine?
— Aqui.
A mesa foi posta: pratos, talheres, guardanapos e dois copos
de vinho. Sentados frente a frente, os dois saborearam frutos do mar
grelhados, uma mistura de camarões, filé de pescada branca e polvo,
servidos com arroz; beberam um vinho dourado meio doce, que
Vittório disse chamar-se Albana.
Marina conversou bastante, falando sobre o barco do seu pai;
o sol se pôs, o céu transformou-se num manto azul-escuro, as
estrelas apareceram e a lua ficou prateada.
Vittório observou:
— Está ficando frio, aqui. Vamos para a cabine. Recolheram a
louça e foram para dentro.
O iate era muito maior do que ela imaginara. Havia um grande
salão com dois longos divãs e uma mesa larga, prateleiras cobertas
de livros e material de navegação. Marina sentou-se num dos divãs e
perguntou:
— Quanto tempo vamos ficar aqui?
— A noite toda, se você quiser...
— Mas e...
— E o quê?
Vittório aproximou-se e ofereceu-lhe um copo de vinho. Ela o
pegou e ele sentou-se a seu lado, a música suave e romântica
saindo das caixas acústicas instaladas nos cantos da cabine.
-— Lúcia poderá ficar preocupada se eu não voltar para o
jantar.
— Não, não ficará. Ela sabe que você está comigo.
— E Frankie? Ele sabe?
— Claro que sabe. Eu disse a Giulio que você iria velejar
comigo.
— Ah... Acho que ele ficará zangado. — Tomou um gole do
vinho e olhou para ele. — Esta manhã Frankie me pediu em
casamento.
— É? — Com os olhos semicerrados, Vittório olhava para o
vinho.— E você aceitou?
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— Não, não aceitei. Bem, não exatamente. Disse que só
concordaria se ele se submetesse a uma nova operação.
— E qual foi a resposta dele?
— Ele me acusou de chantagista e queria saber quem me
levou a agir assim.
Vittório se voltou para ela, os olhos brilhantes e bem abertos,
como que lhe penetrando a mente.
— E quem a instruiu a agir assim?
— Bem, foi.. . foi Giovanni. Ora, você sabia que ele tinha feito
isso! — Ela ficou irritada. — Você também deve saber que esse foi o
motivo pelo qual Frankie recebeu a permissão de me convidar para
vir a Biscari. Quando me procurou em Londres, você já sabia desse
plano de Giovanni, não sabia?
Ele a encarou por alguns minutos; depois começou a rir
baixinho.
— Sim, eu sabia o que Giovanni iria sugerir. — Levantando o
copo, bebeu todo o conteúdo e o colocou sobre a mesinha ao lado.
Sentou-se mais perto dela, rodeando-lhe o pescoço com um braço.
— Você disse a Frankie que aquela era uma sugestão do avô dele?
O brilho sensual estava de volta àqueles olhos. Marina
estremeceu quando sentiu as mãos morenas acariciarem-lhe o
cabelo.
Sentindo o rosto avermelhar-se, ela respondeu:
— Não, não disse. Bonnie chegou para jogar tênis e. . . Oh,
ela e Frankie estão sempre brigando!
— Frankie sempre foi teimoso. O que você disse a ele?
Aceitou a proposta?
— Não. Resolvi insistir na minha condição: só caso se ele
aceitar a nova operação.
Ela levantou o copo e tomou o resto do vinho. Acalorada, tirou
o suéter, que Vittório pegou e atirou para o outro divã. Cruzando os
dedos sobre os joelhos, Marina baixou os olhos, relutando em olhar
para ele. Sentia medo. Tentou disfarçar a perturbação que o toque
dos dedos dele lhe provocava. Sentiu-lhe a respiração bem próxima
quando ele falou.
— Frankie concordou com a idéia?
— Mais ou menos. Disse que falaria com o dr. Spencer esta
tarde, para descobrir quando poderia fazer a operação. Disse
também que, tão logo soubesse disso, pensaria sobre o caso e
decidiria se a faria ou não. Ele foi muito arrogante, sabe? Disse que
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eu não poderia sair de Biscari enquanto não tivesse tomado uma
decisão. Disse também que, se decidisse fazer a operação, eu teria
que acompanhá-lo até a Suíça e ficar com ele até que recebesse alta.
— Lançou um olhar para o rosto moreno que estava bem próximo ao
dela. — Suponho que foi por isso que contratou Giulio para me vigiar.
Você conhece Frankie. Acha que vai demorar para se decidir?
Os olhos escuros pareciam estar estudando o contorno dos
lábios dela. E os dedos agora passeavam-lhe pela nuca, vagarosa e
sedutoramente. Deliciosos arrepios percorriam o corpo de Marina.
Involuntariamente, ela se inclinou em direção a ele. O vinho
fazia com que sua cabeça girasse, e o desejo a dominava. Nunca
sentira tanta vontade de ser beijada e acariciada.
— Vittório — sussurrou —, o que você acha que Frankie vai
fazer?
Vittório a olhou bem dentro dos olhos, Marina se perguntou se
a tinha ouvido quando ele murmurou baixinho, levantando a outra
mão e acariciando-lhe o rosto:
— Acho que ele vai fazer a operação. Frankie deseja você
desesperadamente e fará qualquer coisa para conseguir o que quer.
— Eu tinha uma intuição de que ele aceitaria. Oh, Deus, o que
devo fazer?
— Esqueça Frankie por esta noite e vamos aproveitar ao
máximo este nosso momento.
Mas ele não havia dito que era perigoso estarem assim tão
próximos? Embriagada pela presença daquele homem, envolvida
pelo aroma dos cabelos e da pele dele, pelo toque de seus dedos,
pelo som sensual de sua voz, Marina pressionou os lábios
entreabertos de encontro aos dele e enterrou os espessos cabelos
negros.
A paixão contida explodiu. Os lábios de Vittório dominaram os
de Marina, pressionando-os febrilmente. Esquecida de tudo o mais,
exceto das sensações excitantes que o contato dele lhe despertava,
Marina respondeu com ardor às carícias. Suspirou de prazer quando
sua blusa foi tirada e Vittório deslizou a mão sobre seus seios.
A camisa dele também foi tirada, revelando músculos
poderosos, pêlos negros e crespos no peito cor de oliva. As mãos de
Marina exploraram a pele nua de Vittório, enquanto os lábios dele
acariciavam-lhe o rosto, o pescoço e desciam em direção aos seios.
Um gemido macio escapou da garganta dela, e seu corpo
passou a mover-se em resposta aos toques dele. Ela não se
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lembrava de ter sentido alguma coisa semelhante em toda a sua vida.
Tudo o que sabia era que para isso fora criada e que estava prestes
a transformar-se numa mulher vibrante de paixão, destinada a amar
um homem pelo qual estivera buscando desde sempre e que agora
tinha chegado.
Porém, ela não o conhecia. Silencioso e moreno, ele era como
uma piscina profunda, como um lago escuro. E, se mergulhasse nele,
afundaria cada vez mais, sem nunca encontrar o chão, sem
conhecê-lo de verdade, sem nunca ter certeza de nada a respeito
dele.
As mãos de Vittório escorregaram para o zíper do jeans de
Marina, ansiosas por despertar-lhe novos prazeres. Ela soluçou de
prazer, as unhas enterradas nos ombros dele. E foi então que o
espírito de proteção contra o ataque do macho despertou. Ela
endureceu o corpo, as mãos deixaram as costas dele. Seus olhos se
abriram e ela viu à luz, o rosto escuro próximo ao dela.
— Não... Não, não posso. Não posso!
— Si, você pode, caríssima. Vou lhe mostrar como. Temos
tempo, a noite toda.
Os lábios dele cobriram os dela num beijo que quase a
dominou, e novamente as mãos morenas e quentes pousaram entre
as pernas de Marina. Assustada e excitada ao mesmo tempo, ela
encontrou forças para afastá-lo. Ele a olhou sorrindo.
— Então quer dizer que prefere à força, não é? — brincou. —
Nunca pensei que gostasse disso, mas se é o que a excita.
— Não, oh não! — ela exclamou, horrorizada com o que ele
estava dizendo. — Eu quero que você... pare.
— Parar? Mas já chegamos até aqui! Você não está falando
sério, está?
— Sim, estou.
Aproveitando-se da distração dele, Marina escorregou para
fora do divã. Achou sua blusa e a vestiu rapidamente. Fechou o
jeans e estava abotoando a blusa quando Vittório a agarrou pelos
braços com tanta força que a machucou. Com medo, ela encarou os
olhos escuros, distorcidos pela fúria. Os lábios dele cobriram os dela
novamente, com raiva e força.
Marina entrou em pânico. Tomou consciência de que tinha
ferido seu orgulho masculino ao rejeitá-lo. E ele agora tirava
vantagem de sua superioridade física para conseguir o que queria.
Ela o agrediu novamente e, de repente, ele deixou de beijá-la e a
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envolveu fortemente entre seus braços, impedindo-a de fazer
qualquer movimento. Marina ficou presa até parar de se debater e
pedir socorro, pois nem sequer respirar conseguia.
— Talvez agora você me diga por que isso tudo, por que
estava lutando comigo — disse ele, relaxando o cerco e olhando-a
nos olhos.
A voz de Marina tremia quando respondeu; não conseguia falar
direito:
— Eu pensei que você fosse... me... me...
— Você pensou que eu fosse violentá-la.
Ele a libertou e disse algumas palavras em italiano. Então se
afastou. Levantando os olhos, Marina viu-o vestir a camisa. Sentiu-se
aliviada. Mas o alívio foi sendo substituído pelo desapontamento,
pela frustração de ter sufocado tantos desejos. Surpresa e
descontente por sentir-se daquela maneira, Marina pensou que seria
doloroso partir. Vittório falou, em tom bem baixo.
— Eu não a entendo. Acha mesmo que eu a teria beijado da
maneira como beijei, ou que a teria tocado se você não tivesse
correspondido, beijando-me e acariciando-me também? Achei que
também estava me desejando.
— Eu... eu... — A garganta dela estava tão seca que mal
conseguia falar. — Quando nós nos beijamos, eu queria que você. ..
e eu queria... mas então me lembrei.. .
— Lembrou-se do quê? .
Ele estava em pé, os braços cruzados no peito e o rosto
sombrio. Não se parecia mais com um amante demoníaco, mas sim
com um juiz que iria sentenciá-la por mal comportamento.
— Lembrei-me das outras mulheres e decidi que não gostaria
de ser mais uma das suas conquistas amorosas. — E levantou a
cabeça orgulhosamente, em desafio.
— As minhas o quê? — ele exclamou, incrédulo; uma
gargalhada explodiu e as duras linhas de seu rosto suavizaram-se.
— Non capisco. Eu não entendo. Por favor, explique melhor.
— Estou me referindo às mulheres que você... seduziu. Não
tenho a menor intenção de me juntar ao seu harém.
— Ah, sei. — A risada já tinha passado e o rosto dele ficou
novamente sério quando começou a caminhar em direção a ela. — E
quem lhe contou sobre essas mulheres?
— Frankie — Marina admitiu, nervosa. — Eu não sou como
elas.
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— Não? — Ele levantou as sobrancelhas e a olhou de modo
insolente. — O que a faz tão diferente delas?
— Eu... não consigo fazer amor assim, só por brincadeira. Não
posso fazer amor com alguém que não me ama. E você não me ama.
— Ainda não entendo o que quer dizer quando fala em amor.
Mas sei quando me sinto atraído por uma mulher. Sei quando quero
fazer amor. Tenho pensado em você noite e dia, desde que a vi.
Muito a contragosto, claro. Foi por esse motivo que deixei que o
vento me trouxesse hoje a Biscari. Eu queria vê-la, para descobrir se
ainda queria fazer amor com você quando a encontrasse. Encontrei-
a na praia e a desejei. Por isso convidei-a para velejar comigo. Oh,
sim, eu pretendia seduzi-la, mas somente porque acreditei que você
também me quisesse. — E aproximou-se, respirando perto do
pescoço dela. — Pode negar, Marina, que me quis? Será que não
pensou em mim, que não desejou estar a meu lado? — Os dedos
dele correram-lhe o rosto. — Não foi por isso que veio ao meu
encontro hoje? Por que aceitou velejar comigo?
— Eu não posso negar que o quero.
— Então por que motivo maluco você resiste a essa compulsão,
por que acha que não devemos fazer amor? Por que está sendo tão
cruel?
— Porque... porque... Oh, sinto muito, eu não pretendia ser
cruel. Não olhe para mim desse jeito! — Ela cobriu os olhos com as
mãos, como se os estivesse protegendo de uma luz muito forte e
brilhante. — Eu não deveria ter vindo e você não deveria ter-me
convidado. Nós dois sabíamos que seria perigoso se nos
aproximássemos demais. — Ela suspirou. — Por favor, tente
entender que só atração física, para mim, não é o suficiente. Tem
que haver algum tipo de envolvimento para que eu consiga me
entregar. Se... se eu passar a noite com você e permitir que faça
amor comigo, vou perder meu respeito próprio e depois me sentirei
usada.
Olhou para o rosto dele. Parecia feito de pedra. Apenas os
olhos brilhavam, e de raiva. Mais uma vez Marina desejou poder fugir,
mas não foi necessário que se movesse. Vittório se afastou de
repente. Pegou a jaqueta e a vestiu. Parou à porta, voltou-se e disse:
— Desta vez foi você quem fez a tolice — disse ele, de
maneira fria e sem emoção. — Não passaremos a noite aqui. Vamos
voltar agora, e você pode retornar à teia dos Barberini. Parece que
se sente mais segura lá do que a meu lado.
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Quase duas horas mais tarde Marina avistou a vila Barberini.
Sentiu-se aliviada. Velejar à luz da lua, com as velas ao vento,
poderia ter sido romântico, mas na realidade tornou-se uma tortura.
Infeliz e calada, ela gostaria de poder apagar da memória tudo o que
havia acontecido naquela cabine. Mas não conseguia.
Se pelo menos Vittório falasse com ela! Mas não. Silencioso,
ele continuava sendo o estranho misterioso, o amante demoníaco,
diabólico...
Oh, Deus! O desejo corria por todo o seu corpo. Por que tinha
se recusado a ele? O que esperava de Vittório? Uma declaração de
amor eterno? Uma proposta de casamento? Que romantismo mais
tolo!
Seu corpo balançava com o movimento do barco; um
movimento que parecia expressar a turbulência das emoções de
Marina, que a cada momento sentia uma coisa diferente. Entre o
alívio e o arrependimento, afinal ela o ouviu falar. Sentia-se exausta,
como se tivesse chorado por horas sem parar.
— O quê? — murmurou, sem entender o que ele dissera.
— Chegamos. Segure o leme, per favore. Vou jogar a âncora,
A âncora foi lançada e as velas foram abaixadas. Vittório
baixou o escaler e ambos entraram nele. Ele começou a remar para
a praia. Em poucos minutos desciam na areia macia.
— Você vai subir para... ver Lúcia?
— Não. Diga a ela que decidi voltar ainda esta noite para
Catânia. — E puxou o escaler de volta para a água.
Marina murmurou, quase sem forças:
— Obrigada por me levar a velejar. Seu barco... Nesaea... é
lindo. Fico feliz por tê-lo conhecido e passeado nele. Eu gostaria...
E caiu em lágrimas ao pensar que talvez estivessem se
separando definitivamente, ao tomar consciência de que, se tivesse
ficado ao lado dele, estaria indo para Catânia agora. Poderia ter
escapado da teia dos Barberini.
Ele se voltou para ela e perguntou:
— O que você quer?
— Que... eu pudesse ter-me comportado de outra maneira. .
— É um pouco tarde para isso, não acha? Eu poderia dizer
que gostaria que nunca nos tivéssemos conhecido, mas também é
tarde demais. Tarde demais para arrependimentos, Marina. O mal já
está feito. Vou embora. Buona sera.
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Puxou novamente o escaler e pulou para dentro, começando a
remar. Pouco depois ela não conseguia vê-lo.
Uma voz soou atrás dela, que se voltou rapidamente.
— Buona sera, signorina. — Era Giulio, com sua camisa banca
bilhando à luz da lua. — O passeio foi bom?
— Si, si, grazie. O passeio foi bom — respondeu ela,
colocando a mão no peito, como que querendo parar as rápidas
batidas de seu coração.
Então sentiu a maciez da lã sob seus dedos: ainda vestia o
suéter de Vittório.
— Há quanto tempo está aqui, Giulio?
— Desde que a senhorita partiu com o sr. Matissi. O signor
Barberini disse que eu deveria esperar pela sua volta. Vai subir para
a vila agora?
— Sim, sim, é claro. Deve ser tarde!
— São dez e meia, signorina.
Eles caminharam pela praia, os pés afundando na areia macia.
— Sinto por tê-lo feito esperar tanto tempo — Marina
desculpou-se, dando uma última olhada para a baía, antes de
começar a subir os degraus.
Ao longe ouviu o barulho de um motor e pensou ter visto o
brilho de uma vela branca à luz da lua.
— Non importa — respondeu Giulio alegremente. — É o meu
serviço. Esperar e observar. O signor Barberini disse que eu deveria
levá-la até ele assim que voltasse. Creio que deve estar no hall.
O interior da casa parecia muito iluminado. Os azulejos da
entrada brilhavam. Frankie não era o único a estar no hall. Lúcia
também estava lá, além de Giovanni, dos Spencer e de Emília.
Todos conversavam, mas interromperam-se assim que ouviram
Marina chegar. Frankie rodou em sua direção. Havia um brilho hostil
em seus olhos.
— Então você chegou, finalmente!
Lúcia correu, ansiosa, com preocupação maternal.
— Ah, como você está pálida! Espero que não tenha tido
enjôos. As ondas estavam fortes, não é?
— Sim, mas não passei mal — respondeu Marina, passando
as mãos nas faces, tentando colori-las. — Sinto ter perdido o jantar.
Ancoramos numa baía ao norte da ilha. Na baía Minore. Vocês a
conhecem? Jantamos lá.
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— Eu a conheço — disse Emília. — Vittório e eu
costumávamos velejar até lá com freqüência, quando éramos mais
jovens.
— Venha sentar-se — pediu Lúcia, pegando a mão de Marina
e levando-a até o sofá. — Estou feliz por você ter voltado sã e salva.
Sabe, eu me preocupo quando a vejo sair com Vittório. Às vezes ele
é... Ah, não sei falar isso em inglese.
— Ele é um tolo egoísta — disse Frankie, e trouxe a cadeira
para perto de Marina. Pegou a mão dela com violência e a prendeu
entre as suas. — E adivinhou que eu ficaria furioso se a levasse para
velejar. Por que você foi? Ele a forçou a acompanhá-lo?
Marina foi segura e firme em sua resposta:
— Não. Fui porque quis ir. Gosto de velejar, gosto do mar e
queria conhecer o barco dele.
— Mas você prometeu ficar comigo! Não irá a lugar algum com
ele novamente. Eu não permitirei! Sabe, Marina, tomei uma decisão.
Vou me submeter a nova cirurgia. — Inclinou-se em direção a ela e
sussurrou: — Agora as cartas estão em suas mãos. O que você vai
fazer com elas? — Virou a cadeira, de maneira a encarar a todos, e
disse, bem alto: — Escutem-me, todos vocês! Tenho um comunicado
a fazer! Esta manhã pedi Marina em casamento. Ela disse que só
concordaria se antes eu me submetesse a uma nova operação. Não
foi fácil tomar essa decisão, mas eu. . . resolvi fazer outra tentativa.
Com uma condição. — Ele voltou a fitar Marina e sorriu-lhe,
lançando-lhe um olhar maldoso. — Farei a operação assim que
Spencer quiser, mas apenas se Marina concordar em ficar noiva
agora, neste exato momento, enquanto estamos todos aqui. Marina
— e apertou-lhe a mão —, o que responde? Você aceita? Vai se
casar comigo quando a operação tiver terminado?
Marina olhou em volta, para os outros. Lúcia murmurava
alguma coisa em italiano, qualquer coisa que soava como uma prece.
Mais adiante, Emília estava sorrindo, um sorriso de ironia, e olhava
através do hall, como que esperando alguma coisa. Bonnie levantou-
se de repente e saiu da sala. Howard Spencer, muito tranqüilo,
fumava um charuto e olhava para o teto, como se estivesse
admirando o desenho.
E Giovanni, a grande aranha negra, sentada no canto da teia,
olhava-a diretamente nos olhos, segurando seu charuto com uma
das mãos, próximo da boca, como se estivesse prestes a dar uma
tragada. Devagar, quase imperceptivelmente, ele acenou-lhe com a
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cabeça. Marina engoliu em seco e umedeceu os lábios ressecados.
Sentiu gosto de sal, o que a fez lembrar-se de onde estivera naquela
tarde e com quem. Oh, por que não passara a noite com Vittório?
Por que não fora com ele para Catânia?
Lúcia murmurou baixinho:
— Ave Maria!
A voz de Frankie ergueu-se agitada:
— Marina, você prometeu! Você prometeu!
A pressão aumentava. Os fios da teia estavam se apertando
em volta dela. Ela segurou a mão de Frankie e forçou-se a sorrir:
— Estou feliz, muito feliz por você ter decidido fazer a
operação.
— Mas só se você disser que concorda em se casar comigo!
— ele insistiu. — Primeiro tem que me prometer que se casará
quando a operação tiver terminado. Não a farei enquanto você não
concordar em casar comigo!
Ela olhou mais uma vez para Giovanni, e mais uma vez ele
acenou afirmativamente com a cabeça.
Marina murmurou, olhando nos olhos de Frankie:
— Sim, eu prometo me casar com você depois da operação.
O triunfo brilhava nos olhos de Frankie. Ele se inclinou para
beijar-lhe a mão. Depois, comentou, com alívio:
— Finalmente estamos noivos. Na semana que vem irei para a
Suíça, para me submeter à operação.
— Grazie, grazie! — Lúcia repetia a palavra sem parar e,
abrindo os braços, correu para Marina, abraçando-a e beijando-a nas
duas faces.
Emília traduziu as palavras de Lúcia:
— Lúcia está dizendo que você a fez muito feliz. Ela está
contente. Quero cumprimentá-la, também. — Inclinou-se disse em
voz baixa, com um sorriso irônico nos lábios — Você jogou direitinho.
Foi muita esperteza da sua parte ter ido passear com Vittório. Era a
gota necessária para forçar Frankie a tomar essa decisão. Ele esteve
atormentado pelo ciúme desde que você saiu para o passeio. — O
sorriso dela tornou-se ainda mais falso. — E eu também. — Olhou
para a entrada do hall. — Onde está Vittório? Ele não subiu com
você?
— Não. Ele voltou para Catânia — respondeu Marina, e Emília
voltou-se para Lúcia e Frankie, enquanto Bonnie se sentara no sofá,
ao lado de Marina.
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— Também estou feliz por Frankie ter finalmente concordado
com a operação, mas não posso dizer que esteja contente com essa
história do casamento. — Abraçou e beijou Marina e murmurou: —
Mas o que há? Você está com uma expressão péssima!
— Emília acha que saí com Vittório de propósito, para
provocar ciúme em Frankie, forçando-o a tomar uma decisão rápida.
— E não foi assim, Marina?
— Não! É claro que não! Eu jamais agiria desse modo.
— Então por que saiu com Vittório? — Os olhos de Bonnie
eram brilhantes e curiosos. — Está apaixonada por ele? Ouvi dizer
que muitas mulheres já... Bem... Oh, Marina, que triângulo! Você,
casada com Frankie e tendo um caso com o tio dele!
— Ora, menina! Fique quieta! Não diga isso! Não vai
acontecer...
A voz de Giovanni soou imperativa e ela o olhou.
— Marina! Venha aqui, per favore.
— Com licença. — Marina atravessou a sala, sentando-se ao
lado do velho senhor.
— Agiu muito bem, signorina. Estou satisfeito. Algumas vezes,
durante esta semana, pensei que teríamos que esperar muito para
que ele a pedisse em casamento. Mas eu deveria ter adivinhado que
uma mulher como a senhorita saberia lidar com uma pessoa
ciumenta e possessiva como Francesco. Foi uma estratégia brilhante
de sua parte sair com Vittório esta tarde. Eu mesmo não teria
pensado em nada tão perfeito.
— Mas eu não fui... — começou Marina, que já estava se
sentindo mal, mas foi interrompida pela mão levantada de Giovanni.
— Nunca admita que não havia um propósito específico no
que fez. Bem, agora precisamos começar os preparativos para que a
senhorita vá com Francesco e a mãe dele para a Suíça. O dr.
Spencer partirá amanhã e sugeriu que Francesco viaje na segunda-
feira. Na terça ele fará os testes preparatórios de rotina, o pré-
operatório, e, se tudo estiver em ordem, a operação será realizada
na quarta-feira. No fim da semana já poderemos saber se tudo
correu bem e se Francesco será capaz de voltar a andar.
Frankie aproximou-se deles. Demonstrava ciúme quando
perguntou:
— O que o senhor está dizendo a Marina, vovô? Por que está
falando em voz baixa com ela?
Giovanni respondeu em tom brando.
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— Nada, Francesco. Apenas estava dando as boas vindas à
signorina. Não era isso que você, há muito tempo, vinha esperando
que eu fizesse? Estou feliz com a sua decisão. Estou feliz, pois vejo
que você está feliz.
— Então podemos anunciar o nosso noivado amanhã? —
perguntou Frankie, sorrindo de satisfação. — Quero que todos
saibam. Quero que o mundo todo saiba.
Giovanni continuou a falar suavemente.
— Não. Ainda não. Acho melhor que se anuncie o casamento
apenas após a operação.
— Mas podemos notificá-lo aos membros da família, não
podemos? — Frankie perguntou com um sorriso maldoso nos lábios.
— Quero muito que tio Vittório fique sabendo.
— Pode estar certo de que Lúcia se encarregará de anunciar
para toda a família, assim que chegar perto de um telefone —
Giovanni respondeu, e depois dirigiu-se a Lúcia, que chegava
carregando uma bandeja de prata com champanhe e taças de cristal.
Marina forçou-se a sorrir e a parecer feliz, como uma noiva
deveria parecer. Quando Giovanni levantou um brinde aos noivos e
ao sucesso da futura operação de Frankie, ela bateu o copo no de
Frankie.
O que mais poderia fazer? Estava presa à teia dos Barberini. E,
por mais que tentasse, não conseguia pensar em nenhuma saída.
CAPITULO VI
Do terraço do quarto do hotel, em Genebra, Marina observava
os telhados inclinados do castelo medieval de Chillon, que estava
situado numa pequena ilha perto das margens do lago.
Dez dias já haviam se passado desde que Frankie tinha
decidido submeter-se à cirurgia. No dia seguinte à chegada, ele
havia sido submetido a uma série de exames, que detectaram saúde
perfeita. Assim, a operação foi executada logo. Conforme havia
prometido, Marina ficou ao lado dele, segurando-lhe a mão. Lúcia
também estivera lá.
A operação havia sido considerada bem-sucedida pelo dr.
Spencer. Assim que obtiveram permissão, Marina e Lúcia passaram
a visitar Frankie todos os dias. Ele estava respondendo bem à
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fisioterapia, e já conseguia ficar em pé e andar com o auxílio de um
aparelho. Na noite anterior, ele havia conversado com Marina sobre
a comunicação oficial do noivado e queria marcar a data do
casamento. Ela havia dito que não poderia se casar, mas Frankie
tinha se recusado a acreditar nisso.
— Mas nós estamos noivos!
— O noivado não é oficial. Frankie, por favor, tente entender.
Concordei em ficar noiva para ajudá-lo. Seu avô me pediu para agir
assim. Ele achava que seria a única maneira de convencê-lo a fazer
a operação.
— Então eu estava certo. Você foi levada a fazer isso — disse
ele com os lábios apertados e começou a falar em italiano. Depois
agarrou o pulso de Marina. — Mas agora você está presa e não vou
soltá-la mais. Nós vamos nos casar e eu não vou esperar até
chegarmos a Biscari. Vou ganhar do meu avô no jogo que ele
mesmo inventou. Nós nos casaremos aqui, com licença especial,
antes que eu deixe a clínica.
— Não, não! — Ela levantou-se. — Não me casarei com você!
Não posso!
E saiu correndo, quase derrubando, uma enfermeira. No hotel,
ficou meditando em como escapar da teia que ela mesma tinha
ajudado Giovanni e Frankie a colocarem em volta dela.
Ainda tinha uma forte impressão de que Giovanni não queria
que se casasse com Frankie. Talvez por isso ele tivesse insistido em
não tornar o noivado oficial antes da operação.
Mas Frankie estava tornando as coisas muito difíceis. Giulio,
que tinha vindo à Suíça, não parava de segui-la. Marina esperava
que Giovanni tomasse alguma providência no sentido de ajudá-la,
mas até agora nada tinha acontecido. E o velho Barberini estava em
Biscari, para dificultar ainda mais as coisas.
Se pelo menos ela tivesse passado aquela noite com Vittório...
Marina lembrou-se das observações feitas por Bonnie, sobre
casar-se com Frankie e tornar-se amante de Vittório. Aquilo não tinha
saído de sua cabeça, pois daria uma idéia do inferno em que sua
vida se transformaria se se casasse com Frankie sem amá-lo. Ela
estava apaixonada por Vittório. Dia e noite tinha pensado nele,
desejando ter a oportunidade de conhecê-lo melhor, desejando que
não o tivesse repudiado naquela ocasião, no iate.
"Tarde demais para arrependimentos. O mal já está feito." As
palavras de Vittório perseguiam-na. Agora ela reconhecia como eram
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verdadeiras. Não podia se casar com Frankie e se arriscar a
encontrar Vittório de vez em quando. Não suportaria a pressão de
estar casada com um homem e apaixonada por outro. Para isso
seria necessário um talento muito especial: o talento de se desdobrar
em duas para poder suportar uma vida dupla. Ela não era desse tipo.
Queria uma vida simples, sem complicações. Tinha que fugir de
qualquer jeito. Se conseguisse burlar a vigilância de Giulio e pegar
um trem para a França! Uma vez em Paris, poderia ver Marius e
convencê-lo a dar-lhe um emprego.
— Marina?
A voz de Lúcia a trouxe de volta ao presente. Ela devia estar
pronta para a visita diária à clínica, mas Marina não queria ir. Depois
da discussão da noite anterior, não tinha nenhuma vontade de
enfrentar Frankie, com medo de que ele tivesse tomado alguma
providência a respeito da tal licença especial. Pensou em inventar
uma dor de cabeça ou qualquer coisa parecida para escapar da ida
ao hospital e, assim que Lúcia tivesse saído, descobriria um jeito de
driblar a vigilância de Giulio. Foi até o cômodo de onde Lúcia a
chamara.
— Entre, Marina, per favore. Nós temos uma visita.
— É mesmo? Quem? — perguntou Marina, ansiosa para que
Giovanni tivesse chegado finalmente.
— Venha ver.
Antes de verificar de quem se tratava, Marina examinou-se ao
espelho. Estava bonita, com sua saia de gabardine cinza e a blusa
de seda riscada de cinza, azul e rosa. Então foi para o outro cômodo.
Um homem, de ombros largos e cabelos negros, olhava por
uma das janelas. Estava de costas, vestia jeans bege e uma jaqueta
de um marrom-escuro.
Marina prendeu a respiração. Ficou olhando para o homem
como se não acreditasse no que estava vendo; piscou e olhou para
Lúcia, depois olhou novamente para a janela: ele ainda estava lá.
— Vittório, Marina está aqui. Por favor, diga bom-dia a ela —
disse Lúcia, parecendo muito contente.
Vittório voltou-se e olhou para Marina. Mas não sorriu.
— Olá. Como vai?
— Muito bem, obrigada — respondeu ela, desejando ter
podido conter o calor e o rubor que sentia subir-lhe às faces. Foi até
onde Lúcia estava e sentou-se ao lado dela. — Quando você chegou?
— perguntou polidamente.
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Oh, como era difícil parecer polida e calma quando sentia uma
onda de prazer ao vê-lo!
— Ontem. Tinha negócios em Genebra. Esta manhã vim para
cá, para ver Frankie e, é claro, Lúcia e você. Ouvi dizer que Frankie
tem feito grandes progressos.
— Estou tentando convencer Vittório a ficar até sexta-feira;
dessa forma, ele poderá nos acompanhar de volta a Biscari —
explicou Lúcia.
— Não posso ficar até sexta.
Lúcia começou a falar com ele em italiano, como se estivesse
tentando persuadi-lo de alguma coisa. Vittório deu de ombros com
indiferença, voltando-se para olhar de novo pela janela; Lúcia dirigiu-
se a Marina:
— Em geral ele me ajuda muito. É o melhor dos meus irmãos
e o melhor dos filhos. Sempre nos ajudou a todos, minhas irmãs e
minha mãe. Quando nosso pai morreu e estávamos sem dinheiro,
Vittório largou os estudos de arquitetura para reconstruir os negócios
e impedir que minha mãe ficasse pobre e minhas irmãs não
pudessem estudar. E desde que Raimondo, meu marido, morreu,
Vittório me tem ajudado com Francesco, tem sido como um pai para
ele. Se não fosse Vittório, quem iria a Londres procurar por você...
— Você fala demais, Lúcia!— Vittório voltou-se e olhou com
impaciência para a irmã.
— Pois eu acho que não. Marina e eu conversamos bastante,
aprendemos muito uma sobre a outra, e quero que ela saiba tudo
sobre você; quero que saiba como é bom e generoso e como pode
confiar e acreditar em você. Quando estiver casada com Francesco,
você será tio dela. Já pensou nisso?
— Sim, já. Não é exatamente o tipo de relacionamento que
aprecio, esse de ser "tio". Além do mais eu já tenho duas sobrinhas.
— Minhas irmãs, Maria e Caterina, têm filhas — explicou Lúcia,
sorrindo para Marina. — E agora Vittório estava me contando que
haverá outro casamento na família, além do seu e de Francesco.
Nossa irmã caçula, Teresa, vai se casar. — E olhou para Vittório. —
Depois que ela não estiver mais sob os seus cuidados, você pode
começar a fazer seus planos, Vittório. Está na hora de pensar em se
casar.
— É o que você sempre diz — retrucou ele, olhando para
Marina. — Você e Frankie já marcaram a data?
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— Eu... nós... eu.. . — ela gaguejou e foi imediatamente
interrompida por Lúcia.
— Não, ainda não. Não até que voltemos para Biscari. Então a
data do casamento será anunciada e teremos uma grande festa, e
todos comparecerão. Você trará mamma, Vittório. E Teresa trará o
noivo dela. E Maria e Caterina levarão seus maridos e filhos. E eu
tenho falado com Sofia por telefone. Ela e Severo também irão.
— E Emília? Também irá com o marido e os filhos? — Vittório
perguntou, irônico.
— Não, acho que não.
Lúcia suspirou, o rosto gorducho demonstrando tristeza.
Disparou a falar em italiano, explicando a Vittório alguma coisa sobre
Emília e o marido dela. Depois voltou-se para Marina e disse:
— Desculpe-me, Marina. Não falo muito bem o inglês, não sei
as palavras direito. Emília está aborrecida porque o marido dela não
serve mais. Ele não consegue mais fazer amor.
Marina lançou um rápido olhar para Vittório, tentando controlar
o impulso de cair na gargalhada. Seus olhos se encontraram. Os
dele brilhavam, divertidos.
Lúcia voltou a falar:
— Emília vai tentar o divórcio e aí Vittório poderá se casar com
ela.
— Stai zitta, Lúcia! Você não tem idéia do que está falando!
Vittório continuou a criticar a irmã em italiano, chamando-a de
fofoqueira. Lúcia, ofendida, levantou-se e, depois de devolver
algumas palavras a ele, disse a Marina, com grande dignidade:
— Está na hora de visitar Francesco. Você está pronta?
— Ainda não. Vou pegar a minha jaqueta e a bolsa. —
Dizendo isso, Marina voltou para o quarto.
Quando estava vestindo a jaqueta, lembrou-se do plano de
estar se sentindo mal para justificar o fato de não ir à clínica. Mas
agora Vittório tinha chegado, e ela tentou imaginar como poderia
ficar a sós com ele e pedir-lhe que a ajudasse a fugir para a França.
Uma vez ele lhe dissera que era a
única pessoa que poderia ajudá-la,
se a situação se tornasse difícil.
Quando voltou para a sala de estar da suíte, encontrou Vittório
sozinho, olhando uma das revistas de Lúcia, Marina sentou-se e
procurou descobrir um modo de pedir que ele a ajudasse a escapar
do cerco que Frankie tinha armado. Mais do que tudo, naquele
momento de sua vida, ela queria romper o cerco.
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Livros Florzinha
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Com os olhos semi-abertos, ela lhe estudou o rosto.
Contrastando com o suéter cor de creme que ele usava por baixo da
jaqueta, o rosto parecia duro e sombrio. A agitação de Marina tinha
sido substituída por uma sensação de timidez. Havia tanta coisa que
queria dizer a ele... Mas aquela atitude fria a retraía. Ele parecia tão
inacessível como aquelas montanhas altas que podiam ser vistas
através da janela, e ela se perguntou como podia ter pensado em
pedir que a ajudasse.
De repente, ele colocou a revista de lado e olhou diretamente
para ela.
— Lúcia foi para a clínica.
— Oh! E por que foi sem mim?
— Porque pedi. Eu quero conversar a sós com você.
— O signor Barberini pediu-lhe que viesse para cá?
— Ele sabia que eu viria a Genebra — respondeu Vittório, de
maneira evasiva.
De repente, seu olhar pareceu tornar-se mais intenso e ele
perguntou:
— Você vai mesmo se casar com Frankie?
Marina resolveu devolver a pergunta:
— E você? Vai se casar com Emília quando ela conseguir o
divórcio?
Vittório respondeu de maneira suave, inclinando-se para olhá-
la mais profundamente, mais de perto:
— Mas por que você se preocupa com uma coisa dessas?
— Eu poderia responder a mesma coisa a você. Por que
estaria preocupado com o meu relacionamento com Frankie?
Lentamente, ele inclinou-se na cadeira, os lábios guardando
um sorriso de divertimento, os cílios escondendo a expressão dos
olhos negros. Respondeu muito calmamente, mas com o intuito de
provocá-la:
— Porque sou tio de Frankie, e, desde que ele perdeu o pai,
sou o responsável por ele, e não gostaria de vê-lo casado com
alguém que estivesse interessado apenas na fortuna que ele um dia
irá herdar.
Ela respondeu de imediato, com raiva, encarando-o
corajosamente, bem dentro dos olhos:
— Não estou pensando no dinheiro dele! — Ficou ainda mais
exasperada quando percebeu que Vittório estava brincando,
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divertindo-se às suas custas. — Ora, você sabe muito bem por que
concordei em me casar com Frankie!
Vittório levantou as sobrancelhas:
— Eu sei?
— Eu lhe contei quando fomos velejar, lembra-se? Eu lhe
disse que havia prometido me casar se Frankie concordasse em
submeter-se à operação.
— Eu me lembro de tudo o que aconteceu no nosso passeio
— respondeu Vittório. O sorriso divertido desapareceu e foi
substituído por um olhar quente, que a examinava de maneira
sugestiva. — E ainda não a perdoei por ter se recusado a passar a
noite comigo.
Marina sentiu novamente um fluxo de cor e calor correr para
seu rosto. Evitando o olhar de Vittório, baixou os olhos e, não
sabendo o que fazer com as mãos, brincou com o fecho da bolsa.
Continuou a falar bem baixinho:
— Frankie ficou muito perturbado por eu ter ido velejar com
você...
Levantou os olhos de repente e resolveu mudar de atitude, pois
não gostou da expressão de segurança no rosto de Vittório.
— Você sabia que Frankie ficaria perturbado? Foi por esse
motivo que me convidou para velejar? Para provocar ciúme nele?
Vittório resolveu responder com mais perguntas:
— E você? Foi velejar comigo para provocar ciúme em Frankie
e forçá-lo a tomar logo uma decisão?
Os olhos dele se estreitaram, ficando ainda mais escuros; os
lábios se torceram cinicamente.
— Não, não foi assim. Saí com você porque queria conhecer o
seu barco e porque queria velejar. Apenas isso. Mas, quando
retornei à vila, Frankie decidiu, ali mesmo e naquela hora, na frente
de todos, que se submeteria à nova cirurgia se eu mantivesse minha
promessa de aceitar a sua proposta de casamento.
Vittório foi seco em sua resposta:
— E então a srta. Gregson ficou total e completamente presa
à teia dos Barberini, não é mesmo? Exatamente como eu tinha
alertado que aconteceria.
— Oh, mas eu deveria ter adivinhado que você teria o maior
prazer em dizer: "Eu bem que a avisei!" Se quer saber, não vejo
vantagem alguma em se ter razão numa coisa tão negativa. Não sei
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que prazer você pode sentir com isso; para mim, uma vitória com
resultados negativos não tem o mínimo valor!
Depois desse desabafo, Marina se levantou e caminhou até a
janela; dessa maneira poderia evitar o olhar de satisfação e
divertimento de Vittório. Assim mesmo, resolveu continuar:
— Eu tive que concordar com o casamento quando Frankie
disse que faria a operação. Eu já havia prometido. E não costumo
quebrar as promessas que faço. Pelo menos... A não ser que tenha
um excelente motivo para isso. Bem, em resumo: a cirurgia foi
realizada, Frankie está começando a andar de novo. E eu não sei o
que fazer da minha vida.
Ela não o ouviu movimentar-se e não sabia que Vittório havia
se aproximado até ouvir-lhe a voz bem próxima. Marina podia até
sentir-lhe a respiração.
— Você não quer se casar com ele?
Ela balançou a cabeça negativamente, de lado a lado, fazendo
com que seus cabelos loiros balançassem; então, respondeu com
firmeza:
— Não, não quero. Nunca quis. Apenas disse que o faria para
levá-lo a aceitar essa operação, para ajudá-lo, porque me pediram
que o fizesse. — Ela falava num tom de voz que era quase um
sussurro. — Na noite passada, lá na clínica, eu disse a Frankie que
não podia me casar, expliquei toda a história, justifiquei a minha
atitude, enfim, tentei fazer com que entendesse tudo. Mas ele não
quis acreditar em mim, ficou muito perturbado, tentou cobrar a minha
palavra dada; finalmente disse que iria conseguir uma licença
especial para se casar comigo na clínica, antes de voltarmos para
Biscari. Eu preciso, de algum jeito, sair daqui... e ainda hoje. Estou
encurralada, perdida e confusa, não agüento mais essa situação. A
única alternativa é tentar burlar toda essa vigilância e fugir.
— E por que não foge agora?
Ela examinou o rosto dele. Como sempre, estava impassível.
Seus olhos estavam sem brilho, nada havia que pudesse revelar o
que pensava.
— Mas é isso o que estou tentando lhe dizer! É impossível
fugir. Giulio me observa, toma conta de todos os meus movimentos e
vai a todos os lugares em que vou. — Apontou para a porta principal
da suíte. — Ele está lá fora agora, esperando para me acompanhar
até a clínica. E, quando eu sair, sairá atrás de mim, seguindo todos
os meus passos como se fosse a minha própria sombra.
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Eles estavam de pé, bem próximos um do outro, exatamente
na mesma posição de quando tinham se encontrado na praia, em
Biscari. Vittório a olhava do mesmo modo como a tinha olhado
naquele dia. Ele a desejava e, mesmo sem nada dizer, mesmo sem
tocá-la, estava provando isso a Marina, dizendo que a queria apenas
através do olhar sensual.
— Você tem certeza de que quer ir embora?
— Claro que tenho!
— Se fugir daqui, nunca mais poderá voltar. Frankie nunca irá
perdoá-la.
— Eu não vou querer voltar. Já ajudei Frankie, e agora
pretendo ir embora, cuidar da minha vida. — A angústia dela era tão
grande que seus olhos imploravam ajuda. — Uma vez você disse
que era a única pessoa que poderia me ajudar quando eu não
conseguisse mais controlar a situação. Você poderia, ou se disporia,
a me auxiliar a chegar à França? Tenho dinheiro suficiente para
pagar a passagem até Paris, e acho que, assim que chegar lá, posso
conseguir um emprego.
Vittório ergueu as sobrancelhas, franziu a testa e torceu os
lábios, com ar de interrogação.
— Com quem?
— Com Marius Gaudin, estilista de modas.
Ele franziu ainda mais a testa, fez ar de desagrado e enfiou as
mãos nos bolsos das calças, afastando-se dela para caminhar pela
sala. Pouco à vontade e percebendo que havia dito algo que o
aborrecera, Marina observou e mordeu os lábios, imaginando o que
seria dela se ele se recusasse a ajudá-la. Finalmente, depois de um
tempo que pareceu uma eternidade, Vittório caminhou para Marina e
parou em frente a ela. Com ar sério e compenetrado, falou:
— Está bem, vou ajudá-la. Mas só o farei se você concordar
em agir como eu decidir.
Marina não gostou do tom da voz de Vittório, não quis se
rebaixar ao comando dele; levantando o queixo, desafiou:
— Mais chantagens?
Dando de ombros, Vittório respondeu com indiferença:
— Se você quiser chamar assim, o problema é todo seu...
Marina resolveu arriscar, já que a situação não permitia maiores
debates e delongas.
— O que quer que eu faça?
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— Antes de mais nada, que escreva um bilhete para Lúcia. Se
sair sem dizer para onde foi, ela vai ficar preocupada, irá até Frankie
e o perturbará com isso. E ele provavelmente colocará toda a força
policial da Suíça à sua procura. Meu sobrinho tem poder e dinheiro
suficientes para fazer isso. Nesse bilhete para Lúcia, você dirá que
foi dar um passeio de carro comigo até as montanhas. Ela não fará e
não dirá nada se souber que está comigo; isso lhe dará tempo para
escapar. Depois de ter escrito o bilhete, faça suas malas e vá até a
entrada principal do hotel daqui a meia hora. Eu estarei lá,
esperando, com tudo pronto para a sua partida.
— Mas... e Giulio?
— Vou dar um jeito nele agora mesmo. Não se preocupe com
isso, eu resolvo esse assunto. Cuide da sua parte. Irá fazer o que eu
disse?
— Sim, se você me ajudar a sair daqui. Se me ajudar a
escapar dos fios da teia dos Barberini.
— Pode estar certa de que o farei. Sabe, Marina, assim como
Giovanni, eu não quero que Frankie se case com você. Sendo assim,
farei todo o possível para ajudá-la a escapar das mãos dele.
Voltou-se e caminhou com passos largos em direção à porta
da suíte. Saiu sem olhar para trás. Agora Marina estava só e tinha
que agir rapidamente. Não havia tempo a perder.
Ela não hesitou nem perdeu tempo com divagações. Sobre a
mesa da sala de estar encontrou papel de carta com o timbre do
hotel, e imediatamente se pôs a escrever o bilhete que Vittório havia
pedido.
"Saí para um passeio com Vittório. Não se preocupe, Marina."
Colocou o bilhete num envelope, endereçou-o à sra. Barberini
e o deixou sobre a mesa, bem à vista. No quarto, fez as malas
metodicamente, mas com rapidez, e depois as levou para o lado de
fora. Com precaução, abriu a porta e olhou antes de pôr a bagagem
no corredor. Giulio não estava à vista. Pegando as malas, Marina
saiu do quarto e caminhou em direção ao elevador. Tentava controlar
seu coração, que batia acelerado. Poucos minutos depois, passava
com Vittório pelas portas giratórias e saíam para o ar da manhã. O
sol brilhava, refletindo nas vidraças e na pintura cromada do carro
que estava estacionado em frente ao hotel.
— Entre — disse ele, dando a volta no veículo e colocando a
bagagem no porta-malas.
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Quando entrou e se sentou em frente à direção, ouviu Marina
dizer, com voz trêmula e confusa:
— Eu... eu pensei que fôssemos pegar um táxi. — Ela tentava
readquirir o controle, que por um momento parecia ter desaparecido.
Ele respondeu com frieza e rapidez:
— Este carro é alugado. Se você não entrasse logo, nunca
mais veria as suas malas. — E, demonstrando tensão, deu partida
no carro.
Marina não se sentia à vontade. Uma desagradável sensação
de insegurança a dominava, pois Vittório tinha chegado de repente e
parecia tentar controlá-la; ela estava fazendo o que ele mandava,
sem questionar, sem reclamar, como se estivesse hipnotizada, como
se fosse um robô controlado por seu inventor e não um ser humano
com vontades, poder de decisão e sentimentos. Mas Vittório tinha o
controle da situação, e ela teria que acatar tudo ou, então, sujeitar-se
à prisão dos Barberini. Não havia escolha. Esta era a verdade.
Ao longo da estrada, em volta do lago, os galhos das árvores
eram grossos e cobertos com flores vermelhas e cor-de-rosa. A
grama verde e espessa cobria as colinas, e na água brilhante, azul-
acinzentada do lago, uma frota de pequenos e brancos veleiros
passeava em meio à brisa forte. Bem no alto e ao longe, brancos e
reluzentes, os picos dos Alpes pareciam também velejar no céu azul.
Marina foi a primeira a quebrar o silêncio:
— Como você conseguiu se livrar de Giulio?
— Disse a ele que poderia tirar o dia e ficar de folga, porque eu
estaria por perto e ficaria de olho em você, para observar todos os
seus movimentos.
— Fico surpresa em saber que ele acreditou!
— Por quê?
— Porque ele teve problemas com Frankie, por me ter deixado
sair para velejar naquele dia. Espero que Giulio não arranje
problemas novamente. Espero que não perca o emprego por minha
causa.
— Você queria ir embora, não queria?
— Sim.
— Então pare de se preocupar com os outros. Giulio sabe
cuidar de si mesmo, e tenho certeza de que não está preocupado
com o que Frankie possa lhe dizer. Ele trabalha para Giovanni, não
para Frankie.
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— Oh! Eu não sabia! Creio que Frankie ficará aborrecido
quando descobrir que eu. . . eu. . . bem, que passei a perna nele. —
E continuou, com muita ansiedade, lembrando-se das histórias que
Giovanni havia lhe contado sobre as tentativas que Frankie fizera
contra a própria vida: — Você acha que Frankie poderá tentar
alguma coisa extrema, como o suicídio?
Vittório respondeu em tom de incredulidade.
— Como cortar os pulsos? Não, ele não fará isso. Frankie
gosta demais de si mesmo para tentar o suicídio. Sei que já fez esse
tipo de ameaça antes que a encontrássemos e a levássemos para
vê-lo; mas, agora que pode andar novamente, nem sequer pensará
nisso. Provavelmente Francesco irá odiá-la durante algum tempo
porque você se atreveu a fugir dele, a rejeitá-lo, mas irá superar isso.
— Espero que você tenha razão — murmurou Marina com um
suspiro e voltou a olhar através da janela do carro.
Levou um susto quando percebeu que iam na direção de
Montreux e do castelo de Chillon, aquele que tinha visto do terraço
do hotel. Ele já estava bem próximo, parecendo flutuar sobre a
brilhante superfície do lago. Empertigando-se no assento do carro,
ela voltou-se para Vittório e disse em tom de surpresa, não querendo
acreditar no que via:
— Mas este não é o caminho para a estação de trem!
— Eu sei.
Marina teve a impressão de que o carro ia depressa demais na
direção errada.
— Mas eu lhe disse que quero pegar o trem para Paris.
Ele nada respondeu e o carro continuou a correr, seguindo a
estrada que circundava o lago. Eles já tinham passado o castelo, e
Marina já podia ver com clareza os detalhes da montanha escura, os
vinhedos nas colinas, os penhascos rochosos sobre os vinhedos, e o
platô de grama muito verde, com rebanhos enormes de carneiros, e
as filas de árvores. Resolveu ser mais firme com Vittório e exigir dele
uma satisfação por ter tomado uma decisão sem consultá-la ou
mesmo avisá-la.
— Quero que me diga para onde estamos indo. Tenho o
direito de saber aonde estou sendo levada.
Ele cedeu e resolveu explicar com calma:
— Esta estrada segue até o estuário do rio Ródano, na
direção das montanhas, e vai até o desfiladeiro do Grande São
Bernardo. Poderemos chegar ao Piemonte, no norte da Itália, ainda
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esta tarde. Conheço um lugar, uma estação de esqui, onde
poderemos passar a noite.
Marina tentou argumentar, mas sentia-se fraca e sem vontade
de discutir.
— Mas eu não quero ir ao Piemonte. Você poderia, por favor,
voltar e levar-me para a estação de trem?
Vittório continuou falando sobre a região, fingindo ignorar os
protestos de Marina.
— O Val d'Aosta é um lugar muito bonito. É uma série de vales,
circundados por altos picos dos montes Branco, Gran Paradiso e
Cervino, ou melhor, do Matterhorn. E é muito famoso pelo seu clima
saudável e agradável. Acho que você irá gostar.
Ela resolveu firmar-se em sua posição e insistiu:
— Eu não vou para lá!
— Você não tem escolha — retrucou ele, lançando-lhe um
olhar duro.
Ela sentiu gotas de suor escorrerem pelo corpo.
Voltou-se e olhou para Vittório, para o contorno satânico das
sobrancelhas escuras e para a pele morena que sempre lhe
lembrava algo demoníaco. O velho medo e a velha impressão de que
ele era uma espécie de mensageiro do diabo retornaram. Ela voltou
a se lembrar da história que lera sobre ocultismo e bruxaria, que
falava da mulher que se tornara amante do demônio e que fora
levada por ele para o inferno. Lembrou-se de que descobrira, durante
o passeio de iate, de onde tirara essa idéia. Estremeceu ao lembrar-
se disso tudo. Balançou a cabeça, tentando apagar essas coisas da
memória. Olhou novamente pela janela, para apreciar a paisagem.
Passaram por uma pequena cidade no sopé da alta montanha.
As casas eram construídas com paredes grossas e telhados
inclinados. As ruas eram estreitas e havia uma velha igreja com uma
torre alta. O relógio batia as doze horas.
A cada segundo que se passava era levada cada vez mais
para longe de Frankie e do pesadelo de se casar com ele. Presa no
carro que se dirigia velozmente para o vale do Rhône, ela estava à
mercê de Vittório. Não havia nada que pudesse fazer. Tinha que se
submeter e ir para onde quer que aquele homem fosse. Ao pedir
ajuda e ao concordar com o que ele tinha sugerido, Marina acabara
se enroscando numa outra teia. Resolveu reagir mais uma vez e
perguntou:
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— Por que você está fazendo isso? O que quer? A resposta
dele foi curta e simples:
— Quero a sua companhia por esta noite. Ela olhou através da
janela. À frente, a estrada ziguezagueava ao longo do verde vale.
Além do vale, havia picos cobertos de neve, entremeados aqui e ali
por árvores escuras. Ela respondeu, com um profundo suspiro:
— Sei... Eu deveria ter-me lembrado de que você nunca faz
coisa alguma para ajudar alguém fora da sua própria família, a não
ser que consiga alguma coisa em troca. Deveria ter adivinhado que
você não me ajudaria sem estabelecer algum tipo de pagamento. Eu
nunca deveria lhe ter pedido ajuda. Seria a última pessoa no mundo
que me ajudaria sem esperar alguma coisa em troca.
Vittório lançou-lhe um olhar frio e voltou a olhar para a estrada.
As curvas ficavam cada vez mais fechadas, agora que começavam a
subir. Dirigir exigia toda a atenção e cuidado da parte de Vittório. Um
simples erro e a morte era certa, numa estrada como aquela.
— Eu não vim para a Suíça para ajudá-la, Marina. Vim para
tirá-la do lado de Frankie. O fato de você ter-me pedido que a
ajudasse a sair de lá somente fez as coisas ficarem mais fáceis.
— Então você veio mesmo a mando de Giovanni!
— Não. Mas quando ele soube que eu vinha para o norte,
pediu-me que me certificasse de que você não voltaria para Biscari
com Frankie e Lúcia. Então decidi raptá-la e trazê-la comigo.
Ela só conseguiu falar quase murmurando:
— E depois? E amanhã?
Ele ficou quieto por alguns minutos, enquanto o carro ia
escalando a montanha, subindo, subindo sem parar. Aos poucos a
temperatura começou a cair e Vittório ligou o aquecedor. Só então
resolveu responder à pergunta de Marina:
— Amanhã eu a levarei até Turim. De lá você poderá ir para
Paris. Terá liberdade de ir para onde quiser desde que não faça
nenhuma tentativa de voltar a Biscari e visitar Frankie. Giovanni
sente-se muito agradecido por sua ajuda nessa trama por ele
engendrada, para conseguir que Frankie concordasse com a
operação, mas sente muito não poder permitir que o neto se case
com uma modelo da Inglaterra. A futura esposa de Frankie já foi
escolhida.
— Quem é ela?
— Uma italiana, a filha de um rico e famoso industrial.
— Ah, sei. Pobre Frankie! E pobre Bonnie, também!
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— Por que você disse "pobre Bonnie"?
— Porque ela está apaixonada por Frankie.
—- Ora, é paixão de primavera. Coisa passageira. No ano que
vem ela já terá superado isso e estará apaixonada por outro rapaz.
— Você parece pensar que estar apaixonado ou amar alguém
é uma emoção passageira, fugaz e fútil.
— É assim que é. Nunca dura muito.
— Você fala baseado nas suas experiências, é claro. O sorriso
dele era meio amargo quando respondeu:
— Mas é claro que sim.
— Suponho, então, que concorde com esse costume pré-
histórico de casamentos arranjados.
— Casamentos arranjados podem estar fora de moda na sua
terra, mas ainda acontecem com freqüência na minha, além da
Grécia e de outros países. Eu não os aprovo nem os desaprovo.
Para mim, trata-se apenas de um costume, de uma tradição que tem
dado certo por centenas de anos.
— Pois acho que esse costume é bárbaro, terrível. Eu odiaria
ter que me casar com alguém que não amasse. . . como Emília teve
que fazer.
— O que a faz pensar que o casamento dela foi arranjado?
— Ela me disse que vocês queriam se casar.
— É mesmo? E por que não nos casamos?
— Porque os negócios de seu pai iam mal e você teve que
trabalhar muito. Dessa forma, não tinha dinheiro suficiente para se
casar com ela. E Emília casou-se com Paolo Rossi. Mas não o
amava, amava você. Ainda o ama e esse é o motivo pelo qual ela
quer o divórcio. Assim, poderá se casar com você.
Vittório ficou quieto por alguns minutos; depois respondeu com
voz macia e divertida:
— Você se preocupa demais com Emília. Logo começarei a
achar que sente ciúme dela.
Marina mexeu-se inquieta. Resolveu responder em voz baixa:
— Eu sinto ciúme. Sinto ciúme de todas as mulheres que
conheceram você... antes de mim.
Ele não viu outra alternativa a não ser responder brincando:
— Ah, sim, é verdade. Eu me lembro. Todas as minhas
"conquistas amorosas", acho que foi assim que você se referiu a elas.
Pois então esqueça-se por hoje e por esta noite. Só você me importa
neste momento.
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Marina virou o rosto para olhar para Vittório. Será que ele
falava sério? Era difícil saber. Sem poder enxergá-lo direito, sem ver
a expressão dos olhos dele, não podia se certificar se ele sentia de
verdade o que estava falando.
— Gostaria de poder acreditar em você.
-— Vai acreditar. Esta noite. Teremos uma noite inteira juntos e
não mais haverá arrependimentos; não haverá nada mais a lamentar.
Com a cabeça apoiada no encosto do assento, Marina tentou
observar o rosto de Vittório, relembrando alguns trechos do que
Lúcia tinha dito a respeito dele.
De acordo com a opinião de Lúcia, ele era o melhor dos irmãos
e dos filhos. Era bom e generoso. Uma visão bem diferente da de
Frankie, que o havia chamado de egoísta, imoral e mulherengo.
Diferente também da visão de Marina, que o imaginava um amante
demoníaco.
Mas que importava tudo aquilo? Que importância tinha o que
Frankie havia dito dele? Não importavam as outras mulheres. Não
importava que um dia, quando Emília Rossi estivesse divorciada,
eles se casassem. Nem sequer importava o fato de ele tê-la trazido
para fazê-la pagar pela ajuda. Ela iria aproveitar ao máximo o fato de
tê-lo a seu lado. E, quando a noite acabasse, pelo menos teria
passado algum tempo junto ao homem que amava.
E, como Vittório havia dito, não haveria arrependimentos.
Apenas algo a ser lembrado.
CAPÍTULO VII
Algum tempo depois, eles passavam pelo posto de imigração e
alfândega da Itália. Na luz dourada do fim da tarde, dirigiram-se para
a cidade de Aosta e viraram à esquerda, numa estrada estreita que
acompanhava o contorno de um dos vales que faziam parte do Val
D'Aosta. À frente um alto pico estava iluminado pelos raios do sol.
Riachos com pedaços de neve derretida brilhavam, no eterno
movimento de juntar-se ao rio Dora.
Marina tinha dormido durante grande parte da viagem, e só
acordou quando pararam na fronteira. Ainda sonolenta, ela
perguntou:
— Que montanha é aquela?
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— É o Monte Cervino. Você sabe esquiar?
— Não. Nunca tive oportunidade de aprender. Mas a
temporada já não terminou?
— Em alguns lugares sim, mas aqui ainda é possível esquiar
em abril. Gosto de vir para cá nesta época do ano, quando os
turistas já foram embora. Prefiro a paz e o sossego. Só então é
possível esquiar sozinho nas montanhas.
— Você gosta de ficar sozinho, não é mesmo? Você veleja
sozinho...— ela comentou e olhou para ele, demonstrando
curiosidade por esse comportamento de Vittório.
— Só quando não consigo encontrar uma companhia que
combine comigo...
— Mas nós não combinamos! Você mesmo disse, quando nos
encontramos pela primeira vez, que era como um curto-circuito, uma
explosão.
— Por companhia que combine comigo não quero dizer
alguém que diga "sim" o tempo todo. Ou que se submeta à minha
vontade. Gosto de me sentir desafiado. E é por isso que velejo e
esquio como recreação. O mar e a montanha são desafios perpétuos.
— E lançou-lhe um dos já conhecidos olhares insinuantes. — E é por
isso, também, que quero a sua companhia esta noite.
Com a voz um pouco trêmula, revelando o estado de excitação
em que se encontrava, Marina tentou disfarçar perguntando:
— Onde nos hospedaremos?
— Num hotel em estilo alpino, fora da estância de Breil-
Cervina. Lá existem chalés separados. O proprietário, Severo Monelli,
é um grande amigo meu e já foi campeão de esqui. Agora trabalha
como instrutor durante o inverno e como guia nas montanhas
durante o verão. — Fez uma pequena pausa enquanto o carro
vencia uma curva fechada; depois continuou: — E ele também é meu
cunhado. Minha irmã Sofia dirige o hotel e prepara as refeições.
— Eles não ficarão surpresos com a nossa chegada?
— Espero que não. Eu lhes telefonei de Montreux para avisar
que chegaríamos a qualquer momento.
— Você contou a eles que eu vinha junto?
— Sim, eu disse que traria uma companhia. Veja, chegamos a
Breil-Cervina!
A estância compunha-se de um grupo de prédios modernos,
nos quais as luzes brilhavam em meio ao céu cor de violeta da tarde
de abril. Por detrás dos prédios, Marina podia ver os suportes e os
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cabos dos transportadores de esquis subindo os declives de uma
das mais altas montanhas da cadeia alpina, o Monte Cervino, ou
Matterhorn. Os últimos raios de sol caíam sobre as montanhas.
Eles se dirigiram para a rua principal e depois para fora da
estância, através de uma estrada que passava por um pequeno
riacho e por um edifício de dois andares, circundado por construções
menores, chalés com telhados em estilo alpino, inclinados para que a
neve não se acumulasse neles.
As luzes brilhavam nas janelas do edifício maior e havia alguns
carros estacionados ao lado dele. Vittório parou em frente aos
degraus que terminavam numa porta dupla de entrada e tocou a
buzina. A porta se abriu de par em par e um homem vestindo jeans e
suéter de esqui saiu. Vittório desceu do carro e gritou alguma coisa
em italiano. O homem gritou qualquer coisa em resposta e desceu os
degraus, abraçando Vittório.
Marina desceu do carro. O ar frio que vinha da montanha fez
com que ela se encolhesse, estremecendo. Os dois homens se
aproximaram dela.
— Severo, esta é Marina.
— Seja bem-vinda, Marina — disse Severo, um homem de
estatura média que parecia ágil e saudável.
Seu rosto queimado de sol encheu-se de alegria quando sorriu
para Marina e lhe apertou a mão.
— Vamos entrar. — E a conduziu para os degraus da entrada.
— Venha conhecer Sofia.
Abriu a porta e entraram num largo hall, decorado com sofás,
poltronas e mesas. Poucas pessoas se encontravam ali. Numa
grande lareira feita de pedra o fogo ardia e esquentava a sala.
Do hall, Severo os conduziu para uma escada e finalmente a
uma grande cozinha, com várias mesas, utensílios guardados em
armários ou pendurados nas paredes. Uma mulher alta, com cabelos
negros e ondulados, estava supervisionando a preparação da
refeição, distribuindo instruções para vários rapazes e moças.
Quando viu Vittório veio rapidamente na direção dele, com os braços
bem abertos e um sorriso nos lábios. Eram muito parecidos.
Depois de ter abraçado Sofia, Vittório apresentou-lhe Marina,
da mesma maneira informal como a apresentara a Severo. Os olhos
castanho-escuros de Sofia examinaram Marina com curiosidade,
mas o aperto de mão e o sorriso eram tão calorosos e hospitaleiros
quanto os de Severo.
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Sabrina no. 271
Livros Florzinha
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— Você deve estar cansada depois de uma viagem tão longa!
— Deu uma olhada crítica a Vittório. — Eu sei como meu irmão gosta
de viajar: nunca pára para comer ou beber coisa alguma. Ele
simplesmente ignora as necessidades da natureza! — E soltou uma
risada. — Pensa que é um super-homem e exige que todos nós o
sejamos. Venha comigo, Marina, e eu a levarei para o chalé que
preparei para vocês. Vittório, traga as malas dela para a cabine
número quatro, está bem?
O chalé ficava um pouco longe do prédio principal. Quando
chegaram lá, Marina sentia-se gelada, e ficou feliz ao ver que o fogo
estava aceso, na lareira de pedra da pequena sala de estar,
decorada com poltronas e sofás confortáveis, como no hall de
entrada do prédio principal. A luz que vinha dos abajures era suave,
graças às cúpulas feitas de vime.
— Existem dois quartos de cada lado do banheiro — explicou
Sofia. — Mas não há possibilidade de se cozinhar aqui dentro. Nós
esperamos que os nossos hóspedes comam na nossa sala de jantar,
no prédio principal. — Sorriu. — Esta noite o jantar será servido às
oito. Não temos muitos hóspedes nesta época do ano, estamos fora
de temporada. Assim, Severo e eu teremos tempo para conversar
com Vittório... e com você. — Fez uma pausa e acrescentou
rapidamente: — Lúcia me falou sobre você, Marina. Ela me disse
que vai se casar com Francesco. Sendo assim, não compreendo
como pode estar aqui com meu irmão.
Marina titubeou ao responder:
— Eu... eu estou voltando para a Inglaterra.
Sofia levantou as sobrancelhas, numa demonstração de
surpresa.
— Você está voltando para a Inglaterra passando por Breil-
Cervina? Não consigo entender a ligação! — exclamou, fazendo um
gesto expressivo com as mãos e os braços. — Bom, mas tenho que
aceitar, pois Vittório sempre foi afeito a coisas estranhas e diferentes.
Bem, vou voltar à cozinha para terminar de preparar o jantar. Vejo-a
mais tarde.
Sofia saiu e Marina, ainda com frio, aproximou-se da lareira e
sentou-se sobre uma grande almofada de couro. Aproximou as mãos
do fogo para aquecê-las e pensou que a roupa que tinha trazido não
era nada adequada para o clima dos Alpes. Mas quando tinha
partido para a Sicília, há três semanas, não fazia a mínima idéia de
que acabaria ali. Duas semanas de férias no Mediterrâneo era o
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máximo que havia planejado. A situação realmente tinha escapado
de seu controle.
A porta do chalé se abriu. Vittório entrou, carregando a
bagagem, e foi direto para o grande quarto, deixando as malas lá.
Depois veio para perto da lareira, sentou-se ao lado de Marina e
aproximou suas mãos do fogo.
Olhando para o grosso cabelo negro de Vittório, os dedos
inquietos desejando passear por ali, Marina disse:
— Sofia queria saber por que estou aqui com você.
— O que respondeu?
— Que estou a caminho da Inglaterra. Eu não sabia o que
dizer...
Ele ficou de joelhos, apoiando-se na almofada de couro. Seus
olhos pareciam incendiá-la quando murmurou:
— Mais tarde eu explico a Sofia...
O contato dos lábios de Vittório no pescoço de Marina parecia
uma chama. Ele escorregou as mãos por baixo da jaqueta dela e
cobriu-lhe os seios. Marina suspirou de prazer, seus olhos se
fecharam e seus dedos se afundaram nos cabelos dele. Por alguns
minutos, ficaram assim, presos um ao outro pela força da paixão.
Vittório afastou-se, levantou-se e olhou para ela, os lábios
abertos num leve sorriso irônico, os olhos brilhando.
— Severo está à minha espera. Prometi esquiar com ele. Será
a única chance que terei enquanto estivermos aqui.
— Você vai sair agora? — perguntou Marina, desapontada
porque o beijo não tinha levado a mais e mais carícias, conforme
tinha esperado e desejado. Aborrecida, tentou disfarçar e
acrescentou: — Mas está escuro! Vocês não conseguirão enxergar
para onde estão indo!
— Nós conseguiremos enxergar. Existem luzes por toda a
trilha de esqui e logo as estrelas estarão brilhando. Sempre dá para
enxergar onde está a neve.
— Mas... e o jantar? Sofia disse que será servido às oito e eu
estou com muita fome.
— Então, pode jantar. Severo e eu comeremos quando
voltarmos — ele respondeu e, andando pelo quarto, saiu e fechou a
porta sem dizer mais nada.
Quando voltou, usando roupas para esquiar, Severo já havia
chegado. Eles saíram juntos e, sentindo-se abandonada e
desapontada, Marina foi para o quarto desfazer as malas. Resolveu
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tirar apenas uma camisola, um penhoar e o tailleur que tinha usado
na vila Barberini, na primeira noite que havia passado lá. Com uma
malha e um casaco, estaria bem agasalhada.
Sentiu-se relaxada após um banho quente, com sais
perfumados. Então ela se maquilou, penteou o cabelo e se vestiu.
Depois disso, não mais conseguindo disfarçar a fome que sentia,
colocou um pequeno casaco de lã, cobriu a cabeça com um lenço e
desejando ter trazido um par de botas ao invés de sandálias, saiu do
chalé e correu pelo ar frio da noite, em direção ao prédio principal.
O jantar foi servido numa sala agradável, de teto baixo,
sustentado por vigas de madeira. Como havia poucos hóspedes,
Sofia veio da cozinha e sentou-se para jantar junto com Marina, que
não resistiu e perguntou:
— Não é perigoso esquiar à noite?
— Si, é perigoso. Mas Severo conhece muito bem essa
montanha. Acho que ele poderia esquiar até usando uma venda nos
olhos. Além do mais, os dois adoram arriscar-se e enfrentar perigos.
Especialmente Vittório. Ele aprecia muito um desafio: uma
tempestade em alto-mar, uma nevasca, uma montanha alta para
escalar. Ele gosta de conquistar, de dominar. — Sofia olhou nos
olhos de Marina. — Você também parece gostar de aventuras, de
correr riscos. Não teria fugido com Vittório caso não gostasse disso.
— Eu não tive outra escolha. Precisava escapar ao controle de
Frankie e Vittório tinha dito que me ajudaria. Foi idéia dele vir aqui,
não minha. E ele não tinha obrigação de me ajudar se não quisesse.
— Mas ele quer ajudá-la! — Sofia respondeu com um suspiro.
— Vittório sente-se atraído por você e provavelmente a vê como
mais um desafio a superar e a conquistar. Marina sentia-se
desconfiada quando perguntou:
— Você está tentando me alertar de alguma coisa?
— Si. Eu não gostaria que ele a magoasse. Bem... como
posso me explicar melhor? — murmurou ela, olhando para Marina
com simpatia. — Meu irmão tem uma reputação, uma fama, eu diria,
de amar e abandonar as mulheres.
— Eu sei. Frankie me contou. E já tentei achar uma explicação
para esse comportamento. Será que é porque não pôde se casar
com Emília Barberini? Será que é porque ela se casou com outro
homem?
Sofia balançou a cabeça, sorrindo.
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— Não, oh, não! Não tem nada a ver com Emília. Vittório
nunca quis se casar com ela.
— Mas Emília me disse o contrário!
— Bem, ela sim, quis se casar com Vittório. E isso é muito
diferente. Que eu saiba, ele nunca quis se casar com mulher alguma.
Acho que meu irmão nunca encontrou alguém que conseguisse lhe
prender o interesse por muito tempo, uma mulher que o intrigasse,
que fosse desafiadora.
— Nem mesmo Gina Cortesi?
— A secretária dele? — Sofia arregalou os olhos, incrédula. —
O que sabe sobre ela? Você a conheceu?
— Não. Frankie me disse que ela é amante de Vittório.
— Dio mio! — exclamou Sofia, e começou a rir; ela riu tão
gostoso e tão solto, que as lágrimas começaram a escorrer por suas
faces e as outras pessoas na sala se voltaram, curiosas, para olhá-la.
— Ah, isso é muito engraçado mesmo! — E continuou a rir, pegando
um guardanapo para enxugar as lágrimas. — Gina tem a idade de
minha mãe! Ela já trabalhava para a Companhia Matissi quando meu
pai era vivo. E continuou a trabalhar, na realidade, para minha mãe,
que tomava conta dos negócios com a ajuda de Vittório. Gina é muito
moralista e jamais teria um relacionamento desses com homem
algum! O que Frankie falou a respeito dela?
— Ele disse que Emília tinha estado com Gina, quando foi
visitar Vittório em Catânia, e que por esse motivo havia voltado tão
subitamente a Biscari.
— Se Emília foi ao escritório de Vittório apenas para vê-lo,
deve ter-se encontrado com Gina. Suponho que ela tenha dito a
Emília que não poderia ver meu irmão — explicou Sofia, parecendo
estar se divertindo.
— E Frankie então disse que Gina era amante de Vittório.
— Mas por que ele lhe diria uma mentira dessas?
— Acho que ele queria que eu não gostasse de Vittório, que
não confiasse nele.
— E conseguiu isso?
— Sim, conseguiu — respondeu Marina, com um suspiro,
lembrando-se com tristeza que seus pensamentos sobre Gina e
Emília tinham-na impedido de aceitar uma noite de amor com Vittório
no iate.
Quando terminaram o jantar, Vittório e Severo ainda não
tinham voltado. Então, elas se sentaram no hall para conversar com
Sedução Irresistível(Dark Seduction) Flora Kidd
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alguns hóspedes. Pouco depois, sonolenta, Marina resolveu voltar
para o chalé e dormir. Despediu-se de Sofia e recolheu-se.
O fogo da lareira tinha se apagado; ela colocou mais lenha.
Sentou-se em frente ao fogo, descansando a cabeça na grande
almofada de couro. Ficou observando as chamas que cresciam,
pensando em Vittório e desejando que ele voltasse logo. Mas, sem
que percebesse, seus olhos se fecharam e ela adormeceu.
Acordou de repente, sentindo que estava sendo levantada.
Braços fortes a rodeavam e a carregavam. Abriu os olhos e viu
Vittório. Só conseguiu murmurar:
— O que você está fazendo?
— Levando-a para a cama.
— Não precisa me carregar. Posso andar — protestou ela,
mas não fez nenhum esforço para sair dos braços dele.
— Tenho certeza de que pode, mas fica muito mais
interessante se eu a carregar até lá.
Uma luz suave saía do abajur. Ele a colocou na cama e
sentou-se ao lado dela. Era óbvio que já tinha tomado banho, pois
seu cabelo estava molhado e usava apenas um robe muito elegante,
de seda negra, aberto até a cintura, deixando seu peito nu à mostra.
Marina murmurou:
— Você ficou muito tempo fora...
— Nós fomos mais longe do que pretendíamos. Você ficou
preocupada?
— Não — respondeu ela, mas revelou um sorriso misterioso, o
sorriso que tinha aparecido nas capas das mais famosas revistas de
moda do mundo. — Tive uma longa conversa com Sofia. Ela falou
muito sobre... você.
Vittório ficou em silêncio e tentou se levantar. Com uma certa
timidez, Marina esticou a mão e tocou nele, rodeando-lhe o pulso
com os dedos, impressionada com a força que parecia emanar
daquele corpo poderoso.
— Aonde você vai? — ela perguntou, inclinando-se na direção
dele.
— Dormir — respondeu ele com frieza, lançando-lhe um olhar
de indiferença. — No outro quarto. — E bocejou, cobrindo a boca
com a mão. —- Estou muito cansado. Se você fizer a gentileza de
me soltar, vou deixá-la sossegada.
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Ela soltou-lhe o pulso e afundou-se nos travesseiros, atônita e
confusa, mais uma vez desapontada, sentindo a frustração dominar-
lhe os sentidos. Então murmurou baixinho:
— Mas eu pensei... eu pensei que. . . nós fôssemos... dormir
juntos.
Era difícil dizer essas palavras, pois seus lábios tremiam. Além
disso, havia o orgulho e o amor-próprio. Vittório respondeu com
amargura:
— Eu não gostaria que pensasse que insisti em dormir com
você apenas porque quero alguma coisa em troca da ajuda que lhe
prestei.
— Sinto muito... Eu não deveria ter dito isso...
— Mas disse.
— Foi um erro. Nós... nós dois cometemos alguns enganos. —
Tocou na mão dele. — Eu gostaria que você ficasse aqui e...
dormisse comigo. Por favor, Vittório, fique...
A expressão dele ainda demonstrava cautela e descrença.
— Você tem certeza?
— Sim, tenho certeza. — Percebendo que teria que convencê-
lo, ela se levantou e, colocando as mãos nos ombros dele, ofereceu-
lhe os lábios, murmurando docemente: -— Por favor, beije-me.
Ele hesitou apenas por um segundo. Depois, com um suspiro,
desceu seus lábios sobre os de Marina e, beijando-a febril e
sensualmente, quase tirando-lhe o fôlego, reclinou-a de volta à cama,
fazendo com que ela se deitasse sobre os travesseiros, o peso de
seu corpo dominando-a.
Ele a beijava de maneira doce porém perturbadora; seus lábios
deixaram os dela para descerem para o pescoço macio e, depois,
para os seios já descobertos. Ele a beijava sem trégua, até que a
cabeça de Marina começou a rodar e seu corpo acabou tomado pelo
desejo. Sem fôlego e atormentada pela paixão, Marina dava o
melhor de si para responder às carícias de Vittório, escorregando as
mãos por baixo do roupão, esfregando-as sobre a pele macia das
costas dele, passando delicadamente os dedos por aquele corpo
adorado, na tentativa de encontrar os cantinhos mais vulneráveis, até
que ele gemeu de prazer e seus dedos apertaram os seios de Marina
com volúpia.
De repente, ele levantou a cabeça para olhar para ela, os olhos
brilhando.
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— O quê? Nenhuma resistência? — brincou, como se
estivesse se lembrando da última vez em que tinham chegado a
esse ponto.
A blusa e a saia de Marina já tinham sido tiradas. Ela estava
deitada, nua, a pele rosada sob a luz suave do abajur.
— Não. Nenhuma. — Ela suspirou, gemeu e, passando um
braço em volta do pescoço dele, puxou-lhe a cabeça, os lábios
exigindo mais beijos.
Desse momento em diante, ela viu-se perdida numa quente
roda-viva de excitamento sensual, sem noção de nada além de
sensações. De repente houve uma pequena e aguda dor e Vittório
estava dentro dela, em volta dela, em todo lugar. Os lábios de
Vittório suavizaram-lhe os gemidos e todos os seus sentimentos e
sensações pareciam correr juntos e na mesma direção, para uma
explosão de alegria e prazer.
Depois de algum tempo, ele falou suavemente, passando a
mão pelos cabelos dela:
— Acho que machuquei você.
Marina levantou a cabeça que repousava no ombro dele, para
olhá-lo nos olhos. A ternura que percebeu neles a deixou confusa.
— Só um pouquinho... — ela murmurou com timidez, tocando-
lhe as faces. — E estou feliz por ter sido com você. Eu queria que a
minha primeira vez fosse com você. E foi maravilhoso!
Os lábios de Vittório procuraram as mãos de Marina. Em
poucos segundos, ele a beijava nos lábios novamente e, logo em
seguida, o mundo todo se transformava numa roda-gigante
maravilhosa e estonteante...
Na manhã seguinte, com relutância, eles abandonaram o leito
da paixão, onde tinham dividido prazer, risos, gritos e sussurros,
além de algumas lágrimas. Tomaram banho juntos no pequeno
banheiro. Muito a contragosto, vestiram-se, colocando as mesmas
roupas que haviam usado no dia anterior; fizeram as malas e, então,
caminharam sob o frio ar da montanha até o prédio principal.
O café da manhã foi uma experiência doce e amarga ao
mesmo tempo. Ambos tiveram que fazer de conta que nada havia
acontecido quando se sentaram à mesa com Severo e Sofia.
— Lúcia telefonou bem tarde, ontem à noite — disse Sofia. —
Ela estava muito aborrecida por Marina não ter voltado ao hotel. —
Fez uma pausa e depois olhou para Vittório. -— Eu disse a ela que
Marina estava aqui... com você.
Sedução Irresistível(Dark Seduction) Flora Kidd
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— O que ela respondeu?
— Disse que se sentia aliviada por saber que nada havia
acontecido a Marina. — E sorriu, divertida. — Depois disse que não
havia ficado surpresa por Marina ter fugido com você e que estava
feliz por isso ter acontecido antes que qualquer declaração oficial do
casamento fosse feita. Disse ainda que contaria a Francesco esta
manhã, quando fosse visitá-lo. E que achava que ele não ficaria
surpreso.
Vittório terminou seu café, colocou a xícara sobre a mesa,
limpou os lábios com o guardanapo e olhou para Marina.
— Se já está pronta, eu gostaria de ir embora imediatamente.
Tenho que pegar o avião de Turim para Catânia esta tarde. Você
poderia voar para Paris... isto é, se ainda pretende ir para lá.
— Sim, ainda quero ir para Paris — ela murmurou,
levantando-se.
Havia saudade e tristeza no ar durante a viagem para Turim.
Embora Marina ainda fosse estar junto a ele por algumas horas, seus
pensamentos voltavam-se para a separação que estava por vir. Eles
diriam adeus e tomariam rumos diferentes. As chances de virem a se
encontrar novamente eram muito remotas. Marina tinha medo de que
Vittório a beijasse; poderia perder o controle e não querer separar-se
dele. Mas também temia que ele não o fizesse.
No aeroporto, depois de achar o balcão da companhia aérea e
certificar-se de que Marina tinha dinheiro suficiente para pagar a
passagem até Paris, Vittório desapareceu de repente, sem se
despedir dela, e sem que ela o percebesse. Havia sumido,
simplesmente. Marina ainda acreditava que ele voltaria, até que seu
vôo foi anunciado e ela teve que embarcar. Nenhum sinal de
Vittório...
Talvez fosse melhor dessa maneira. Era melhor ir embora sem
dizer adeus. Porém, durante a viagem até Paris, ela ficou silenciosa
e deprimida, desejando que Vittório a tivesse convidado para ir com
ele para Catânia.
Três dias mais tarde, sem conseguir nada em Paris, Marina
entrou no escritório de Sylvia Trent, em Londres.
— Estive pensando o que podia ter acontecido a você! —
Sylvia exclamou. — Não tive mais nenhuma notícia desde aquele dia
em que você foi almoçar com o sr. Vittório Matissi. Como foram as
coisas?
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— Oh, nós.. . nós não nos demos lá muito bem — respondeu
Marina, com um displicente dar de ombros e escorregando para uma
das cadeiras em frente à mesa de Sylvia.
— Bom, sem dúvida nenhuma você está com uma aparência
muito melhor. Adquiriu um lindo bronzeado. ... Esteve de férias em
algum lugar?
— Sim. Passei alguns dias à beira-mar... Depois fui para as
montanhas. Alguma perspectiva boa para mim, Sylvia?
— Sim. Para dizer a verdade, existe alguma coisa. Tentei
entrar em contato com você na semana passada, mas sua amiga
Annie me disse que você estava viajando. Já ouviu falar em John
Everly?
— Sim. Ele é desenhista de roupas esportivas.
— Isso mesmo. Bem, ele abriu uma nova butique no West End,
especializada em roupas esportivas para mulheres, e está à procura
de uma gerente; de preferência alguém que tenha tido experiência
com moda e que tenha classe. Mencionei seu nome e ele ficou muito
interessado. Você gostaria que eu marcasse um encontro?
— Sim, por favor.
A entrevista foi um sucesso e na semana seguinte Marina
começou a trabalhar na butique, localizada numa rua muito
sofisticada, em Mayfair.
Um mês depois, com o talento que tinha para vender e modelar,
Marina havia conseguido aumentar os lucros, para grande satisfação
do proprietário. Ele resolveu aumentar-lhe o salário e ela pôde deixar
o apartamento que dividia com Annie e mudar-se para outro, mais
moderno e mais próximo ao local de trabalho.
À primavera sucedeu-se o verão, era a temporada de muitos
turistas. A butique prosperava cada vez mais. Marina tinha pouco
tempo livre para olhar dentro de si e meditar sobre sua vida. O
trabalho a ocupava integralmente durante cinco dias da semana.
Com o novo serviço, surgiram novos amigos, o que veio
dinamizar sua vida social. Havia horas, é verdade, em que ela
pensava em Vittório. Mas nunca com remorso ou arrependimento.
Afinal de contas, tinham tido um tempo juntos, tinham se amado por
toda uma noite. . .
No último dia de julho, Marina estava no escritório, na parte
dos fundos da butique, atarafeda com as contas do mês. Era quase
hora de fechar e ela tentava correr contra o tempo para deixar tudo
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pronto e em dia quando uma de suas ajudantes entrou. Stella Jones,
que tinha um temperamento forte, disse para Marina:
— É... esse homem aí. Eu já disse que você está ocupada,
que não pode atender ninguém, mas ele não vai embora! Já não sei
mais o que fazer. Ele diz que é da Sicília e não quis me dar o nome.
Você não acha que é muita petulância?
— Um homem da Sicília? — murmurou Marina, levantando-se.
Quem poderia ser? Frankie? Giovanni? Vittório?
Por detrás das plantas, Marina olhou para a butique bem
decorada e elegantemente atapetada. Vittório estava em pé, de
costas para ela. Marina sentiu o coração disparar e o rosto
enrubescer. Respirando fundo, esperou um segundo, ciente de que
Stella a estava observando e que Carolyn, a outra vendedora,
andava pela butique, arrumando uma coisa ou outra. Quando teve
certeza de que estava tranqüila, deu um passo à frente e disse:
— Boa tarde, senhor. Posso servi-lo em alguma coisa?
Vittório voltou-se e ficou frente a frente com ela, medindo-a dos
pés à cabeça; depois aproximou-se e, com uma expressão no olhar
que fez com que as pernas de Marina bambeassem, disse com uma
voz bem macia:
— Come sta, Marina?
— Bene, grazie, e lei? — ela murmurou, com as mãos
entrelaçadas e bem presas uma à outra, para não ceder à tentação
de tocá-lo.
— Eu vou bem — respondeu ele, e seu olhar se dirigiu para
Stella e para Carolyn, voltando novamente para Marina. Então,
perguntou, num tom suave e insinuante: — Existe um lugar onde
possamos conversar a sós?
— Aqui não convém... mas vou fechar logo e eu... você
poderia vir comigo para o meu apartamento, se quiser... depois que
eu tiver terminado.
— Sim, eu gostaria. Quanto tempo devo esperar?
— Uns vinte minutos.
— Muito bem. Vou sentar-me aqui, então.
De volta ao escritório, Marina olhou para o livro de
contabilidade. Não conseguia concentrar-se, os números pareciam
dançar à sua frente. Depois de cometer vários erros, fechou o livro e
jogou-o dentro da gaveta. Foi até a butique e disse a Carolyn e a
Stella que podiam ir embora. Voltando ao escritório, colocou o
casaco de linho, um chapéu branco e pegou as luvas e a bolsa. As
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duas moças entraram, para trocar de roupa. Carolyn sussurrou para
Marina:
— Quem é ele?
— Um amigo.
— Será que não é perigoso você sair com ele? — perguntou
Stella, franzindo a testa. — Quero dizer... ele a olhou como se... bem,
você sabe... como se quisesse ir para a cama com você.
Carolyn, que era uma romântica incurável, acrescentou:
— Eu achei que ele olhou para Marina como se estivesse
apaixonado. Ah, como eu gostaria que algum homem olhasse para
mim daquele jeito! Bem... Boa noite, Marina.
— Até amanhã, Marina — disse Stella. — E olhe, tome
cuidado!
Marina esperou que elas saíssem e só então voltou para onde
Vittório a esperava. Ele levantou-se e veio em direção a ela,
perguntando:
— Vamos precisar de um táxi?
— Sim.
Meia hora depois, chegavam ao apartamento de Marina. Os
dedos dela tremeram um pouco quando abriram a porta. Os dois
entraram e, lentamente, foram para os braços um do outro. Os de
Vittório a seguravam firmemente, levantando-a do chão. Os lábios
dele estavam febris e macios quando encontraram os dela.
Mais tarde, bem mais tarde, eles se aconchegaram um ao lado
do outro no sofá. Marina usava uma camisola de seda e Vittório, sem
camisa, com os cabelos despenteados, estava relaxado e sorridente,
de um modo como Marina nunca tinha visto antes.
— Como você sabia onde me encontrar, Vittório?
— Bem, fui a Paris na semana passada. Ninguém tinha
notícias suas no ateliê de Marius Gaudin. A princípio fiquei feliz por
você não estar lá.
— Oh, por quê?
— Aborrecia-me a idéia de você estar trabalhando para aquele
francês. Por outro lado, quando ninguém soube me dar notícias. . .
Ah, Dio mio, fiquei muito preocupado! E com medo!
— Você? Preocupado? Com medo?
— Sim, tive medo. Achei que nunca mais iria encontrá-la. Daí
resolvi vir para Londres. Lembrei-me da agência de modelos e fui
para lá. A srta. Trent me disse onde encontrá-la e o resto você já
sabe... Ele correu a mão pela nuca de
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Marina; ela levantou o rosto e eles recomeçaram a se beijar. Logo
ele sussurrou, em voz macia:
— Você está feliz por eu tê-la encontrado?
— Sim, estou muito feliz. .. — Aí Marina franziu a testa e
perguntou: — Quanto tempo vai ficar aqui em Londres?
— O tempo que for necessário... Sabe, resolvi tirar umas férias.
Pela primeira vez desde que meu pai morreu, estou sem
responsabilidades. Minha irmã caçula casou-se, já não preciso tomar
conta dela. E minha mãe viajou com Lúcia e Francesco, foram morar
nos
Estados
Unidos
durante
algum
tempo.
— É mesmo? Eu ia lhe perguntar sobre Frankie agora mesmo.
Como vai ele? Ficou muito aborrecido quando descobriu que eu tinha
ido embora com você?
— Ele ficou furioso! — Vittório riu. — E nunca mais falou
comigo. Mas acho que a perdoou e agora sabe que aquele
casamento teria sido um erro. Você ficará contente em saber que
Bonnie Spencer teve um importante papel nisso tudo, ajudando-o a
superar o problema. Acho mesmo que ele decidiu terminar os
estudos nos Estados Unidos por causa dela. Giovanni apoiou a idéia
e comprou-lhe uma casa em Massachusetts, próxima à universidade.
— Fez uma pausa e acrescentou, com ar alegre: — Como pode ver,
não tenho mãe, irmãs ou sobrinhos com quem me preocupar. Cumpri
todas as obrigações e papéis, como filho, irmão e tio. E agora posso
me dar ao luxo de fazer o que bem entender da minha vida.
— Eu imaginaria que, numa situação dessas, você faria um
longo cruzeiro no seu iate.
— E eu tinha mesmo planejado isso. Cheguei até a começar,
mas não passei de Biscari.
— Você foi sozinho?
Os lábios dele curvaram-se num sorriso divertido.
— Não. Tive uma companhia.
— Quem?
— Minha companheira era o fantasma de uma adorável sereia
de nome Marina, que uma vez encontrei na praia em Biscari e levei
para velejar. — De repente, ficou sério: — Mas aquela era uma
companhia muito abstrata. Não respondia às minhas perguntas. Não
havia discussões. As centelhas não eram lançadas. E você sabe
quanto sou realista. Sabe que prefiro fazer amor com uma mulher de
carne e osso, não sabe? Como não podia mais suportar aquela
companhia fantasma, voltei para Catânia, deixei o iate lá e voei para
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Paris à sua procura. Agora estou aqui, vou ficar por um tempo e
espero que possamos fazer os preparativos para o nosso casamento.
— Você disse... casamento?
— Sim, eu disse. Você parece estar surpresa...
— E estou!
— Não quer se casar comigo? Conheceu outra pessoa a
quem está amando e com quem quer se casar?
— Não, não! Não é nada disso! Só fiquei surpresa por você
querer se casar comigo. Espero que não queira fazer isso porque. . .
por causa do que aconteceu em Breil-Cervina... Eu não gostaria de
pensar que você foi obrigado a um casamento só porque foi o
primeiro homem com quem tive um... caso romântico.
— Não é por isso que estou pedindo que se case comigo.
Para mim o casamento é um assunto muito sério. É um passo que
eu nunca daria levianamente, neste mundo cheio de pessoas
levianas e inconseqüentes. Sabe, de acordo com a minha filosofia, o
casamento é um laço que não deve ser desfeito. Nunca. Por isso,
quando me resolvi a isso, já havia pensado muito sobre o assunto.
— Bem... Também é um assunto muito sério para mim. E
quero que você me conheça melhor. Eu... não sou muito submissa e
nunca poderia ficar presa em casa enquanto você sai velejando pelo
mundo. Teria que me levar. Irei aonde meu marido for. Nunca
permitiria ser deixada para trás.
— E você por acaso acha que eu não a conheço? —
Inclinando-se, ele apoiou os cotovelos nos joelhos dela e descansou
o rosto entre as mãos. — Dio mio, não fiz nada além de pensar em
você, nesses últimos meses! Tenho pensado em você mais do que
em qualquer outra mulher que já conheci. Você entrou no meu
sangue, me fez descobrir coisas novas sobre mim. Essa nossa
convivência, esse nosso roçar de almas, mentes e corpos, fez com
que eu me conhecesse melhor, fez com que eu me descobrisse,
permitiu que se revelassem aspectos novos da minha personalidade;
características que provavelmente já existiam, mas estavam latentes,
esperando que um conflito com alguém as despertasse. De repente,
tomei consciência de que posso me tornar tão possessivo e ciumento
como qualquer outro homem.
E a fitou novamente, os olhos ardendo de desejo. Mas, quando
continuou a falar, sua voz era terna:
— Eu quis você desde que a conheci. Por isso não queria que
fosse para Biscari. Tinha medo de que se casasse com Francesco.
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Mas você insistiu em ir e em ficar lá, mesmo quando a levei para
velejar; então achei que preferia Francesco a mim. Eu poderia tê-la
forçado a ficar comigo naquela noite... mas esse não é o meu modo
de agir. Não violento mulheres. Não faço amor com uma mulher que
não me queira. Então, eu a levei de volta a Francesco e fui para casa,
para tentar esquecê-la.
— Pois me arrependi de não ter ficado com você... — Marina
murmurou docemente. — Eu estava confusa.
— E eu não consegui esquecê-la. Então nos encontramos
novamente na Suíça e vi que não a havia esquecido. Eu poderia ter
deixado que você fosse de trem para Paris, mas a oportunidade de
ficarmos mais tempo juntos estava ali, bem à minha mão, e eu não
queria deixá-la escapar. Por isso a levei para as montanhas. Mas
mesmo lá o tempo foi curto. Você estava determinada a ir para Paris
e, como eu ainda tinha assuntos profissionais a resolver e
responsabilidades familiares para assumir, tive que deixá-la,
esperando que o tempo que havíamos passado juntos houvesse
exorcizado o encanto que você tinha lançado sobre mim. — Ele deu
uma risada. — Mas isso não aconteceu, e só fez com que eu a
quisesse ainda mais. E a idéia de outro homem ter você quase me
enlouqueceu. É por isso que estou aqui, pedindo que se case comigo.
É a única maneira que conheço de ficarmos juntos. Vim para cá
para... cortejá-la. Para conquistá-la.
Ele estava tão sério, parecia tão honesto e sincero, tão
compenetrado, que Marina acabou rindo quando respondeu:
— Mas você já fez isso. Aliás vem fazendo isso desde o
primeiro momento em que nos vimos.
— Venho mesmo?
— Sim. Você fez tudo o que pôde para me conquistar. Ou, se
quiser, para me seduzir. Mas eu achava que você só queria me levar
para a cama por uma noite. Oh, Vittório, meu amor, havia gente
demais em volta de nós dois; muitos problemas e dúvidas a me
confundir: as mentiras de Frankie a seu respeito; o plano de Giovanni
para levar Frankie e fazer a operação e... Emília. Mas, se pelo
menos uma só vez você tivesse dito que me amava, talvez eu não
tivesse ficado tão confusa. Você me ama?
— Se querer estar com você o tempo todo e querer
compartilhar tudo com você serve para definir isso que você chama
de amor, então eu amo você. Era isso o que queria ouvir de mim?
Rindo de felicidade, Marina respondeu:
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— Sim, era.
Aproximando-se mais, Vittório resolveu desafiá-la;
— E agora? O que responde?
Passando os braços em volta do pescoço dele, Marina
murmurou:
— Eu amo você. E concordo que devemos fazer os
preparativos para que o nosso casamento se realize logo. E depois
que nos casarmos você vai me levar para velejar pelo mundo. Pelo
resto dos nossos dias.
— Si, amore mio. Nós iremos velejar juntos, para sempre —
ele prometeu e, envolvendo-a nos braços, beijou-a com tanto ardor e
ternura que ela não teve mais dúvidas sobre os sentimentos que os
unia.
F I M