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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

 

 

O

 

C

IGANO QUE EU AMEI

… 

F

LORA 

K

IDD

 

 

Título original: “PASSIONATE STRANGER’ 

Publicado originalmente em 1981 pela 

MilIs & Boon Ltd., Londres, Inglaterra 

 

Digitalizado por: Alessandra Maciel 

 
Resumo: 

Moreno, forte, ágil como um cigano errante, Janos arrebatou a alma de Sara como num feitiço. 
Seu corpo, entregue às mãos de artista dele, vibrava com prazeres nunca sonhados. E seus 
ouvidos se abriam para promessas doces: “Eu a amarei sempre, minha Sara. Você será a espo-
sa de um violonista famoso”. Quanta ilusão! Janos Vaszary era hoje um concertista, mas Sara 
estava longe de ser adorada ou feliz. Sabia agora, tarde demais, que as promessas de amor 
eram uma mentira. Sabia que devia abandoná-lo. Só não sabia mais viver sem o calor daquele 
homem, que era tudo para ela… 
 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

C

APÍTULO 

 
Era uma linda noite de maio e o cheiro da primavera perfumava o ar. 

O céu tinha uma cor rosada por trás das montanhas Los Padres, na Califór-
nia,  perto  da  costa  do  oceano  Pacífico,  e  as  estrelas  pareciam  brilhar  como 
jóias, refletindo nas águas que iam e vinham sobre a areia ainda quente. Era 
o anoitecer de um dia de sol num dos litorais mais lindos do mundo. 

O  auditório  da  faculdade  estadual  estava  agitado  pelo  movimento  das 

pessoas que se dirigiam para o concerto que teria lugar ali, naquela noite. 

A orquestra sinfônica tocava o último concerto da estação. Os retarda-

tários se acomodavam às pressas, pois o espetáculo ia começar. 

Sentada na terceira fila, Sara Cranston, uma inglesa de passagem por 

ali, se ajeitou para apreciar melhor a música de que tanto gostava. As luzes 
se apagaram, o público se aquietou e o maestro entrou no palco. 

A  melodia  inundou  o  teatro.  Ao  final  de  uma  overture  muito  alegre  e 

brilhante,  todos  bateram  palmas  com  entusiasmo.  O  maestro  se  retirou  e 
Sara  procurou  localizar,  entre  os  músicos,  sua  prima  Cecília,  que  tocava 
flauta.  Cecília  continuava  no  poço  da  orquestra,  aguardando  o  prossegui-
mento do programa. 

Sara  estava  sentada  entre  Glenn  Bixman  e  a  cunhada  dele,  Myrna 

Bixman. Myrna era a presidente do Comitê da Pró-Arte, e esposa do proprie-
tário de uma famosa companhia de enlatamento de frutas e legumes. Viran-
do-se para Glenn, Sara perguntou; 

— O que vem a seguir? 
— Você não pegou um programa? — Glenn não compreendia como al-

guém podia ir a um concerto e esquecer de pedir o programa! — Fique com 
o meu — ele murmurou baixinho. 

— Você não parece estar se divertindo muito, Glenn — ela comentou. 

Nas últimas semanas tinha estado muito com ele, pois Glenn sempre lhe fa-
zia companhia para sair. — Não gosta de música clássica? 

— Não muito — ele admitiu, sorrindo com dentes brancos e uniformes, 

que  faziam  um  bonito  contraste  com  sua  pele  queimada.  —  Tenho  de  con-
fessar que vim só para estar com você. Quero fazer o possível para que te-
nha férias maravilhosas aqui! Você não poderia dar um jeito de ficar? 

—  Não  sei.  Para  falar  a  verdade,  não  pensei  ainda  sobre  isso  —  ela 

respondeu  e,  para acabar  com  o  assunto,  abriu  o  programa  para  ver  o  que 
vinha em seguida. 

A  próxima  peça  a  ser  executada  era  o  Concerto  em  Fá  para  Violino  e 

Orquestra, de Brahms, opus 77. Aliegro non troppo; adagio; cillegro giocoso 
ma  non  troppo  vivace,  dizia  ainda  o  programa.  O  nome  do  solista  seria 
anunciado na noite do concerto, numa folha em separado. 

Ao  pegar  a  tal  folha  e  ver  a  fotografia  do  solista,  Sara  ficou  sem  ar. 

Não  podia  ser!  Perturbada,  deixou  o  papel  escorregar  de  seus  dedos,  e  ele 
foi parar embaixo de sua cadeira. 

Nesse momento as luzes da platéia se apagaram. Sara mal podia res-

pirar  de  tanta  emoção!  Ainda  bem  que  estava  escuro  e  ninguém  ia  reparar 
nela! 

Não  pode  ser  verdade,  dizia  a  si  mesma.  Não  podia  acreditar  que  Ja-

nos fosse o solista naquele concerto. Se Cecília sabia disso, como não havia 
lhe  contado?  E  por  que  ele  tinha  resolvido  tocar  com  uma  orquestra  inex-

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

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pressiva  como  aquela?  Com  certeza  aquela  pequena  comunidade  não  podia 
pagar um solista do porte e capacidade de Janos! 

A fotografia que ela tinha visto no programa mostrava Janos de perfil, 

com  seus  cabelos  negros  caindo  ligeiramente  sobre  a  testa  larga;  o  nariz 
aquilino reforçava a determinação que havia naquele queixo forte e decidido. 
Ele estava sério e seu olhar parecia um pouco triste e melancólico. A camisa 
branca ligeiramente aberta no peito completava sua aparência romântica. 

Uma salva de palmas tirou Sara de seus devaneios. o maestro voltava 

novamente e era seguido pelo homem da fotografia: Janos Vaszary, o solista 
da noite. 

Janos estava vestido  formalmente, com casaca preta, gravata branca, 

camisa  de  peito  rendado.  Parecia  perfeitamente  à  vontade  naquelas  roupas 
elegantes. Trazia um violino sob o braço direito e segurava o arco numa das 
mãos. Quando o maestro o apresentou ao público ele se inclinou num cum-
primento  educado.  A  audiência  explodiu  em  aplausos  e  ele  se  inclinou  no-
vamente, com elegância. Em seguida deu alguns passos para trás, pôs o vio-
lino sob o queixo olhou para o maestro e acenou de leve com a cabeça. 

O maestro levantou as mãos e houve um silêncio cheio de expectativa, 

tanto na orquestra  como na audiência, o maestro fez um  sinal para as cor-
das, os arcos foram levantados e, num único som, deram início à melodia. 

Logo depois o som dos oboés se juntou ao das cordas, adicionando um 

toque  suave  e  melodioso  à  música  que  começava.  Sara  permanecia  tensa, 
incapaz  de  tirar  os  olhos  do  solista,  que  esperava  o  sinal  do  maestro  para 
dar início à sua parte. 

Se eu soubesse que Janos era o solista desse concerto, será que teria 

vindo?,  perguntava  a  si  mesma.  Olhou  para  Glenn,  depois  para  Myrna  Bix-
man.  Eles  tinham  os  olhos  pregados  no  solista  e  pareciam  esquecidos  do 
resto do mundo. 

Será  que  Myrna  e  Glenn  sabiam  que  ela  era  casada  com  Janos?  Será 

que Cecília tinha contado a eles? 

O ar encheu-se de notas precisas e ao mesmo tempo suaves e doces; 

Janos  começara  a  tocar  com  a  mesma  segurança  de  sempre.  Maravilhada 
pela perfeição daquela execução, Sara fechou os olhos, apoiou a cabeça nu-
ma das mãos e se  deixou levar pelas lembranças.  Aquela  música fazia com 
que recordasse coisas que desejaria esquecer. Coisas que haviam acontecido 
dois anos antes e que ainda a perturbavam tanto! 

Aquela  tinha  sido  a  primeira  melodia  que  Sara  ouvira  Janos  tocar. 

Quanto  tempo  já  havia  passado  desde  a  primeira  vez  que  o  vira?  Mais  de 
dois anos, e no entanto o momento estava tão vivo em sua memória como 
se tivesse sido há apenas dois dias! 

Estava em seu apartamento em Manchester, sentada na cama e falan-

do com tia Hilda pelo telefone. Conversavam sobre o casamento de Cecília, 
que seria dali a dois dias. 

Sara contava como era seu vestido quando ouviu a campainha da por-

ta tocar. 

—  Espere  um  minuto,  tia  Hilda.  Estão  tocando  a  campainha  e  preciso 

ver  quem  é.  Deve  ser  a  minha  vizinha,  Brenda  Marshall,  que  veio  pedir  al-
guma coisa emprestada. 

—  Não  vou  esperar,  minha  querida  —  dissera  a  tia.  —  Vemos  você 

amanhã à noite, não é? Pretende chegar à tardinha? 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

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— Espero que sim. Sei que a previsão do tempo não é boa; se houver 

chuva e neve poderei me atrasar, — A campainha da porta tornou a tocar. — 
Preciso ir, tia Hilda. A campainha não pára de tocar! Até amanhã. 

—  Dirija  com  cuidado,  Sara,  e  boa  viagem!  —  completou  a  tia.  Sara 

colocou o fone no gancho e se apressou em abrir a porta, esperando encon-
trar  sua  vizinha  Brenda.  Mas  quem  estava  lá  era  um  homem  com  roupas 
amassadas,  barba  crescida  e  um  sorriso  tímido  nos  lábios.  Imediatamente 
ela foi fechando a porta, até que sobrou somente uma fresta aberta. 

— O que você quer? — perguntou com rispidez. Já era um pouco tarde 

e  ela  sabia  de  gente  que  tinha  sido  assaltada  naquele  mesmo  prédio  de 
apartamentos. 

—  Vim  para  ver  Cecília  —  ele  disse  e  Sara  percebeu que  havia  um  li-

geiro acento estrangeiro em seu inglês. — Gostaria de falar com ela. 

—  Ela  não  está  aqui.  —  O  homem  fez  um  ar  tão  espantado  que  Sara 

achou que ele não havia entendido; por isso, repetiu: — Ela não está aqui. 

O homem continuou olhando para ela com o mesmo ar perdido. Usava 

um terno escuro e malfeito e sobre ele uma capa de chuva bege. Estava sem 
gravata e com a camisa aberta no peito. A seu lado havia uma mala de cou-
ro bastante usada e seus sapatos estavam tão gastos, que quase não podi-
am ser considerados sapatos. 

Sara tratou de fechar a porta, mas ele colocou o pé entre a porta e o 

batente. 

—  Este  é  o  endereço  que  Cecília  me  deu  —  ele  começou  a  falar,  com 

um toque de desespero na voz. — Rua Goodman, número 12, 

—  O  endereço  está  correto,  mas  ela  não  mora  mais  aqui.  Cecília  foi 

embora  —  Sara  explicou  de  maneira  clara  e  firme.  — Sou  prima  dela,  Sara 
Cranston. E você, quem é? 

— Janos — ele disse, sem se proculpar em dar o nome completo. 
— Cecília não lhe disse nada a meu respeito? 
— Não. Pelo menos, não que eu me lembre. Onde foi que a conheceu? 
— Na Áustria, em Salzburgo, no Festival de Mozart, no verão passado. 

Ela  me  disse  que,  se  algum  dia  viesse  à  Inglaterra,  eu  poderia…  —  Ele  fez 
uma pausa, pensou e depois continuou: — Disse que eu deveria vir procurá-
la. — Um sorriso iluminou seu rosto. — Por isso, aqui estou. 

—  Sinto  muito,  mas  ela  não  está  aqui  —  Sara  disse,  ainda  cheia  de 

suspeitas.  Aquele  homem,  com  aquela  aparência  não  parecia  ser  a  espécie 
de pessoa que Cecília tivesse como amigo. — Ela foi embora para casa. 

— Para casa? Mas não é aqui que ela mora? 
— Eu quis dizer que ela foi para a casa dos pais, em Stonethwaite, ao 

norte… — Ela se interrompeu ao ver que ele se tornava muito pálido, os lá-
bios  completamente  descorados.  —  O  que  aconteceu?  Por  favor,  não  vai 
desmaiar, não é? — Ele parecia não se agüentar em pé. Sara passou o braço 
dele ao redor de seus ombros e ajudou-o a entrar. 

— É melhor sentar e descansar um pouco. 
Conseguiu  levá-lo  até  o  sofá,  pensando  ao  mesmo  tempo  em  se  não 

seria  um  truque  dele  para  conseguir  entrar  no  apartamento.  Ele  sentou  e 
colocou  a  cabeça  entre  os  joelhos.  Sara  se  sentiu  aliviada.  Parecia  mesmo 
que  ele  não  estava  bem.  Não  era  truque.  Voltou  rapidamente  até  a  porta, 
pegou  a  mala  e  a  pôs  para  dentro.  Depois  foi  para  junto  dele  e  ficou  a  ob-

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

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servá-lo. Ele continuava com a cabeça inclinada  para baixo, entre as mãos, 
os cotovelos apoiados nos joelhos, parecendo completamente sem forças. 

—  Gostaria  que  eu  lhe  desse  alguma  coisa?  Uma  aspirinas  um  copo 

d’água… 

—  Gostaria  de  comer  alguma  coisa.  Não  comi  o  dia  todo  e  estou  me 

sentindo muito fraco. Seria possível por favor? — ele falou com tanta educa-
ção  e  delicadeza  que  Sara  teve  certeza  de  que  não  era  um  vadio  querendo 
tirar vantagem da situação. 

— Claro! Vou arranjar alguma coisa para você — respondeu e foi até a 

cozinha 

O que devia dar para uma pessoa que estava há tanto tempo sem co-

mer? Precisava ser alguma coisa substancial e ao mesmo tempo leve. Talvez 
um caldo de carne com um ovo dentro. Num instante preparou tudo, colocou 
numa bandeja e caminhou de volta para a sala. 
Ficou espantadíssima ao ver que o homem chamado Janos tinha reclinado a 
cabeça  no  encosto  do  sofá  e  estava  com  os  olhos  fechados;  ainda  usava  a 
capa. Sara colocou a bandeja na mesa de centro e Janos abriu os olhos. 

—  Desculpe.  Isso  nunca  me  aconteceu  antes!  —  falou ele,  endireitan-

do-se no sofá e olhando para a bandeja preparada 

— Coma à vontade — disse Sara — mas devagar, senão pode lhe fazer 

mal! 

Para deixá-lo mais à vontade, pegou um almofadão e colocou em fren-

te à mesa; sentou-se nele, dobrando as pernas para se ajeitar melhor. 

—  Por  que  não  comeu  nada  hoje?  —  perguntou,  observando  suas 

mãos, finas e bem  tratadas faziam  um contraste muito grande com as rou-
pas amassadas. 

—  Não  tive  tempo  para  parar  em  algum  lugar  e  comer.  Estava  com 

muita pressa de ver Cecília e não queria perder tempo com nada. Você é um 
pouco parecida com Cecilia — ele continuou — Vê-se logo que são parentes 
mas você é mais velha que ela, não é? 

—  Sou  três  anos  mais  velha  que  ela.  Minha  mãe  e  a  mãe  de  Cecília 

eram irmãs. Mamãe morreu num acidente quando eu linha apenas dois anos 
e  tia  Hilda  e  o  marido,  que  são  fazendeiros  acabaram  me  adotando.  Cresci 
achando sempre que Cecília era minha irmã mais nova. 

— O que aconteceu com o seu pai? 
—  Não  sei;  nunca  o  conheci  Ele  abandonou  minha  mãe  antes  que  eu 

tivesse nascido. 

Janos não fez nenhum comentário e continuou a comer; tomou o copo 

de leite que estava na bandeja e as cores tinham voltado a seu rosto. 

— Você tem o cabelo mais escuro que o de Cecília — comentou 
— Infelizmente, porque o cabelo de Cecília tem um tom maravilhoso! 
— Mas também acho a cor de seu cabelo linda! — ele insistiu. — Pare-

ce a cor de cobre que as folhas têm quando chega o outono. 

—  Seu  inglês  é  muito  bom!,  —  ela  disse,  para  disfarçar  o  embaraço 

que  sentia  ao  ouvi-lo  fazer  um  elogio  tão  grande  a  seu  cabelo.  Ninguém 
nunca tinha dito coisas tão bonitas a respeito dele! 

— Falo bem porque tive uma ótima professora: minha avó. Ela era in-

glesa e uma excelente instrumentista; tocava violino com mãos de fada! Es-
tudava em Viena quando conheceu meu avô. Eu morei com eles quando era 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

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pequeno  e  ela  me  ensinou  a  falar  inglês;  dizia  que  um  dia  me  seria  muito 
útil — Janos falou, com um toque de saudade na voz. 

— Você é austríaco? 
— Não, sou húngaro. 
A Hungria era um país da cortina de ferro, se ela não estava engana-

da.  Conseguiu  lembrar  alguma  coisa  que  aprendera  sobre  a  Hungria  ainda 
no tempo de escola. Recordava lendas sobre um povo de temperamento for-
te  —  os  Magiares,  que  gostavam  muito  de  música  —  que  lutou  contra  a 
opressão de invasores… e então lembrou que já ouvira o nome Janos antes. 

—  Hary  Janos!  —  ela  exclamou.  —  Ele  era  um  herói  húngaro  e existe 

até uma música que fala sobre seus feitos heróicos. Janos é seu último no-
me, não é? 

— Não, é meu primeiro nome, meu nome de batismo; quer dizer John 

em inglês. — Parecia que ele não tinha vontade de entrar em maiores deta-
lhes sobre sua vida. — Obrigado pela comida; estava muito gostosa. 

—  Quer  mais  alguma  coisa?  Talvez  um  pedaço  de  bolo,  como  sobre-

mesa? 

—  Aceito  um  pedaço  de  bolo,  obrigado  —  ele  disse  e  colocou  a  mão 

sobre a boca para esconder um bocejo. 

Sara foi novamente até a cozinha, cortou algumas fatias de bolo e vol-

tou  para  a  sala.  Encontrou  Janos  deitado  no  sofá,  com  a  cabeça  apoiada 
numa almofada. Ele parecia dormir. 

— Janos, acorde! — Tocou-lhe o ombro. — Não pode dormir aqui! Pre-

cisa ir embora! 

Ele nem se mexeu. Sara tentou de novo, mas não conseguiu nada. Fi-

cou  olhando  para  ele  e  percebeu,  pela  respiração  profunda  e  cadenciada, 
que ele estava dormindo profundo e que seria muito difícil acordá-lo Sentiu 
pena;  ele  parecia  tão  exausto!  E,  afinal  de  contas,  que  mal  faria  deixá-lo 
dormir ali? 

Foi  até  o  quarto,  pegou  um  cobertor  e  cobriu  Janos.  Apagou  a  luz  da 

sala e levou a bandeja de volta para a cozinha. 

Enquanto lavava a louça suja, Sara pensava em por que Cecilia não ti-

nha contado nada sobre Janos. Lembrava perfeitamente que, no verão ante-
rior,  quando  Cecilia  voltou  da  Europa,  tinha  falado  sobre  muita  gente  que 
conhecera lá. Mas não tinha mencionado Janos nem uma vez! E a única coi-
sa  que  tinha  dito  sobre  Salzburgo  era  que  jamais  esqueceria  aquela  cidade 
que  tinha  uma  fortaleza  num  morro  e  um  mosteiro  no  outro.  Cecília  ficou 
emocionada  ao  pensar  que  havia  andado  nas  ruas  medievais,  onde  Mozart 
também andara. Mas nunca tinha mencionado o nome de Janos. Estava im-
pressionada  apenas  com  Philip  Merton,  um  americano  Sofisticado  que  ela 
conheceu em Paris e só conseguiu falar sobre a proposta de casamento que 
ele lhe fizera! 

Sara acabou de lavar a louça e foi para o quarto. Era melhor conversar 

com  Cecilia  sobre  Janos.  Pegou  o  telefone  e  daí  a  pouco estava  novamente 
falando com a tia. 

— Desculpe ligar tão tarde, tia Hilda, mas queria falar com Cecília. Ela 

está aí? 

— Acabou de chegar; espere um pouco que vou chamá-la. — Logo em 

seguida Sara ouviu a voz suave e agradável da prima: 

— Como vai, Sara? 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

— Tudo bem; você também, não é? Queria falar com você. 
— O que aconteceu? 
— Um homem chamado Janos está aqui. 
— Janos? — Cecília não parecia lembrar de conhecer alguém com esse 

nome. — Janos de quê? 

—  Não  sei  o  sobrenome  dele;  ele  só  me  disse  que  conheceu  você em 

Salzburgo, no Verão passado. 

— Ah! Esse Janos! Meu Deus! — Cecilia estava sem saber o que dizer. 

— Nunca pensei que ele viesse para cá! 

— Mas aconteceu que veio e agora está dormindo no meu sofá; e não 

consigo  fazer  com  que  ele  acorde!  —  disse  Sara,  irritada,  —  Afinal,  Cecilia, 
quem é ele? 

— É um violinista que conheci quando tocava no festival, em Salzbur-

go. Ele é um músico maravilhoso e saí com ele algumas vezes. — Cecília es-
tava um pouco agitada com a notícia. — Quando ele ia de volta para a Hun-
gria,  eu  disse  que,  se  algum  dia  viesse  à  Inglaterra,  eu  poderia  ajudá-lo. 
Mas nunca pensei que ele viesse! Sabia que tinha tido alguns problemas com 
as autoridades húngaras por tentar escapar para o Ocidente; soube até que 
ele corria o perigo de ser preso, quando voltasse a Budapeste. 

— Mas ele está aqui, Cecília! 
— Sara, você não disse a ele onde estou, não é? 
— Disse, mas acho que ele não faz idéia de onde é Stonethwaite. 
— Também disse a ele que estou aqui porque vou me casar? 
— Ainda não. Acha que deveria contar? 
—  Não  sei!  Talvez  fosse  melhor  não  dizer  nada.  Mas,  por  favor,  não 

deixe que ele venha aqui. — Cecília parecia assustada agora. — Deve impe-
di-lo de vir, pelo menos até que o casamento tenha terminado e eu e Philip 
tenhamos ido embora! 

—  Mas,  como  vou  fazer  para  impedir  que  ele  vá?  E  por  que  acha  que 

vou fazer isso? Por que não quer que ele vá vê-la? — Sara tinha tanta coisa 
para perguntar, que nem dava tempo de Cecilia responder. — O que aconte-
ceu  em  Salzburgo?  Vocês  foram  amantes?  É  por  isso  que  não  quer  que  ele 
apareça aí? 

—  Calma,  Sara.  Não  é  nada  disso.  Por  favor,  não  me  pergunte  mais 

nada;  não  posso  responder  agora,  com  todo  mundo  sentado  aqui  em  volta 
de mim. Faça como estou pedindo, por favor! Dê um jeito de impedir que ele 
venha, até  que eu  tenha partido. Não  sei como vai conseguir isso mas, por 
favor, faça como lhe peço! 

— Está bem — concordou Sara. — Vou fazer o possível. 
— Obrigada, Sara! Sabia que podia contar com você! 
Sara colocou o fone no gancho e suspirou. Não era a primeira vez que 

Cecilia  passava  a  responsabilidade  das  coisas  que  fazia  para  ela!  Isso  já  ti-
nha acontecido várias vezes. Como não podia fazer nada até o dia seguinte, 
o  jeito  era  tratar  de  dormir.  Talvez  a  solução  lhe  viesse  à  cabeça  pela  ma-
nhã. Ou quem sabe ele se levantaria e iria embora antes que ela acordasse. 

Apagou  a  luz  e  tratou  de  dormir;  estava  cansada  e  num  instante 

adormeceu. 

Na  manhã  seguinte,  Sara  foi  logo  ver  se  Janos  ainda  eslava  na  sala. 

Encontrou-o dormindo profundamente; parecia nem ter se mexido durante a 
noite toda. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

— Janos, acorde! 
Ele não se mexeu; Sara colocou a mão no ombro dele e sentiu o calor 

daquele corpo forte. 

— Janos, acorde — repetiu. 
Devagar,  ele  começou  a  piscar  e,  com  os  olhos  ainda  carregados  de 

sono,  olhou  para  ela.  Parecia  não  compreender  por  que  estava  ali,  diante 
dela. 

—  Vamos,  levante-se  —  ela  insistiu.  —  Tenho  que  ir  trabalhar  dentro 

de uma hora. Prometi passar pelo escritório antes de ir para Stonethwaite e 
você precisa ir embora antes que eu saia. Se quiser, pode tomar um banho. 

Ele passou a mão pelos cabelos e se espreguiçou. Pela camisa aberta, 

Sara podia ver a pele queimada de Janos e os músculos de seu peito. 

— Fiquei aqui a noite toda? — ele perguntou. 
— Ficou sim; não consegui acordá-lo, ontem à noite. 
— Desculpe, não pensei que fosse dormir tanto. Tinha pensado em ti-

rar só um cochilo…  mas estava tão cansado! 

A atitude dele de se desculpar fez com que Sara abrandasse. Ela real-

mente tinha percebido o quanto ele estava exausto! 

—  Acho  que  dormiu  mais  de  oito  horas!  Mas  foi  bom,  porque  estava 

precisando descansar. — Mudando de tom, ela disse: — Vou preparar o ca-
fé; até que acabe de tomar banho, tudo vai estar pronto. Há toalhas limpas 
na prateleira à direita, no banheiro. 

— Obrigado. 
Na cozinha, Sara preparava ovos com presunto, enquanto pensava no 

que  diria  a  unos  quando  ele  mencionasse  que  queria  ver  Cecília.  Será  que 
ela devia  dizer que  isso era impossível, porque Cecília se casava no  dia se-
guinte? Não, era melhor não dizer nada sobre o casamento! Diria que ela já 
tinha saído do país. Não, também não podia ser; já dissera a ele que a pri-
ma estava em Stonethwaitet. 

De uma certa forma Sara podia compreender por que Cecília não que-

ria  que  Janos  aparecesse  em  Stonethwaite;  mal  vestido,  meio  faminto,  não 
faria boa figura entre os convidados. Era engraçado imaginar os parentes e 
amigos de Philip Merton conversando com Janos! Seria um quadro impossí-
vel: a união do esnobismo com a simplicidade! 

Janos entrou na cozinha nesse momento. Mesmo usando aquelas rou-

pas feias e mal arrumadas, ele era muito bonito! Tinha ombros largos e uma 
postura  elegante.  Sem  a  barba,  parecia  mais  limpo  e  Sara  pôde  notar  que 
havia determinação e força de vontade em seu queixo quadrado. O nariz era 
afilado e os olhos muito brilhantes e vivos; era um rosto inteligente, embora 
de traços duros, talvez a marca de uma vida difícil. O cabelo, agora limpo e 
brilhante, era escuro e levemente cacheado. 

— Sente-se e coma alguma coisa — disse ela, indicando a mesa. — É 

um café da manhã tipicamente inglês: ovos, presunto chá, torradas e geléia. 

Ele se sentou e ela ocupou a cadeira em frente à dele. Janos começou 

a comer com vontade. 

— Foi muita bondade sua me deixar dormir aqui! 
— Na verdade, não havia nada mais que eu pudesse fazer — ela disse, 

rindo.  —  Você  apagou  como  uma  vela  enquanto  eu  fui  pegar  o  bolo.  Devia 
estar exausto. Veio diretamente da Hungria? 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

— Não — foi a resposta lacônica, como se ele não quisesse entrar em 

maiores detalhes. 

— Veio à Inglaterra a negócios? 
— Vim para ver Cecília. 
— Não pode ter vindo de tão longe só para vê-la! 
— Foi a explicação que dei ao Comitê de Refugiados em Viena, quando 

pedi permissão para vir para este país; o motivo foi aceito — ele explicou. — 
Onde fica Stonethwaite, onde Cecília está agora? 

— Fica na região dos lagos. — Ela deu uma resposta vaga de propósi-

to; se ele não queria entrar em detalhes sobre a própria pessoa, ela também 
podia fazer o mesmo. 

— Como eu poderia chegar a Stonethwaite? — ele perguntou com tei-

mosia. 

— Não é fácil chegar lá… — Sara procurava ganhar tempo para pensar 

numa maneira de impedi-lo de ir. 

—  Não  pode  ser  mais  difícil  do  que  a  viagem  que  fiz  de  Budapeste  a 

Viena, no ano passado — ele replicou. — Atravessei um rio numa noite escu-
ra. Depois tive que andar grandes distâncias, sempre à noite! 

— Você é um fugitivo?! — exclamou Sara com os olhos bem abertos. 
— Sou um refugiado. 
— Deixou seu país por questões políticas? 
—  Saí  de  lá  porque  não  havia  mais  razão  nenhuma  para permanecer. 

— Ele insistia em parecer vago. — Posso ir a Stonethwaite direto daqui? Há 
um trem ou ônibus para lá? Não tenho muito dinheiro inglês. 

— Teria que tomar um trem. 
— Esse trem é direto para Stonethwaite? 
— Não. Stonethwaite é uma cidade muito pequena. Você teria que pe-

gar o trem, ou um ônibus, até a cidade que fica mais perto de lá — ela res-
pondeu, procurando fazer com que tudo parecesse complicado. 

— E qual é a cidade mais perto? — ele insistiu. 
—  Carlisle.  De  lá  você  teria  que  pegar  outro  ônibus  para  conseguir 

chegar a Stonethwaite 

Do  outro  lado  da  mesa,  Sara  podia  ver  a  força  de  vontade  que  havia 

naqueles olhos claros e frios; com um arrepio de medo, teve certeza de que 
não seria fácil fazê-lo desistir do que se havia proposto. 

— E a que horas vai sair para pegar o trem ou o ônibus para Carlisle? 

— perguntou Janos com firmeza. 

— Eu? — ela perguntou, realmente surpresa com a pergunta dele. 
— Você mesma. Hoje de manhãs quando me acordou, disse que tinha 

que ir a Stonethwaite hoje, depois do trabalho. 

—  É  verdade!  Tinha  esquecido  que  havia  comentado  isso  com  você. 

Mas não vou nem de trem nem de ônibus; vou com o meu próprio Carro. 

Durante algum tempo Janos ficou olhando para ela, como se tentasse 

compreender exatamente o que ela havia dito. Finalmente, perguntou: 

—  Você  tem  um  carro?  Então  deve  ter  um  ótimo  emprego  e  ganhar 

muito dinheiro! 

— Realmente, tenho um emprego muito bom e gosto muito do que fa-

ço. Mas não pense que ganho tanto assim! Posso viver bem, se não fizer ex-
travagâncias E quanto ao carro — explicou, sorrindo — não é grande. É um 
carrinho pequeno e eu o comprei de segunda mão. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

10 

— No que trabalha? — ele perguntou, interessado. 
— Trabalho numa  indústria têxtil e faço desenhos para estamparia de 

tecidos. 

Ele pareceu não entender bem qual era a função dela, por isso ela con-

tinuou a explicar: 

— Fiz um curso de desenho na faculdade e agora uso os desenhos que 

crio para estampar tecidos, geralmente de algodão. É um trabalho bastante 
criativo  e  talvez  por  isso  eu  goste  tanto  dele.  —  Ela  olhou  para  o  relógio  e 
continuou:  —  Nossa,  tenho  que  sair  voando  se  não  quiser  chegar  tarde.  Já 
são vinte para as nove. Você comeu o suficiente? 

Janos levantou-se, recolocou a cadeira no lugar e disse: 
—  Comi  muito  bem,  obrigado.  Desculpe  por  tê-la  atrasado  —  falou 

com muita educação. — Vou pegar minhas coisas para poder ir embora. 

Ele  foi  para  a  sala  e  Sara  tratou  de  juntar  a  louça  suja  na  pia;  lavou 

tudo rapidamente, depois foi para o quarto. Colocou o casaco de seu conjun-
to de lã, pegou um mantô pesado e a mala que já tinha preparado na véspe-
ra.  Em  seguida  foi  para  a  sala  e  ouviu,  então,  as  notas  suaves  tocadas  no 
violino. 

Janos estava de pé no meio da saia, o violino preso sob o queixo, to-

cava  uma  melodia  suave  e  doce,  usando  notas  muito  altas.  Sara  ficou  im-
pressionada com a limpidez do som e com a perfeição com que a música era 
tocada.  Parou,  encantada  com  o  que  ouvia!  Com  acordes  harmoniosos,  ele 
terminou. Sara largou o casaco e a mala que ainda segurava nas mãos e ba-
teu palmas com entusiasmo. 

—  Foi  maravilhoso!  —  comentou,  realmente  maravilhada.  Ela  era  um 

pouco  reservada,  pouco  dada  a  essas  manifestações  de  entusiasmo;  mas 
agora tinha sido muito espontânea. — O que estava tocando? 

— O fim do primeiro movimento do Concerto para Violino, de Brahrns. 

Gostou, não é? Também é um dos meus favoritos! Talvez você também gos-
te do segundo movimento; é muito romântico! 

Levantando  o  arco,  ele  começou  a  tocar  a  melodia  e  veio  para  junto 

dela, os olhos muito profundos e envolventes pousando diretamente nos de-
la.  Sara  ficou  parada,  como  se  estivesse  hipnotizada,  perdendo  a  noção  de 
espaço e tempo, deixando-se levar apenas por aquele som maravilhoso que 
Janos  conseguia  tirar  de  quatro  cordas  e  uma  caixa  de  madeira  de  formas 
bonitas;  sentia-se  como  se  estivesse  ouvindo  uma  serenata  feita  por  um 
amante  que  tentava  convencer  a  amada  a  se  entregar  à  magia  do  amor  e 
conhecer as alegrias e as profundezas da paixão! 

— Não, não! — ela sussurrou, quebrando o encantamento. — Vou che-

gar tarde ao trabalho! 

— Não gostou dessa melodia? 
—  Gostei  demais,  mas  não  posso  continuar  aqui,  ouvindo  você  tocar. 

Preciso  ir  trabalhar  e  você  tem  que  ir  embora.  —  Parou  para  pensar  e  em 
seguida perguntou: — O que pretende fazer? Para onde vai agora? — Ela se 
sentia preocupada ao pensar que ele era um estrangeiro num país estranho. 

—  Vou  para  a  estação,  para  ver  quando  posso  pegar  um  trem  para 

Carlisle. Acha que consigo chegar a Stonethwaite ainda hoje? — ele pergun-
tou,  fechando  o  estojo  do  violino  e  colocando-o  dentro  da  mala,  que  tinha 
poucas peças de roupa. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

11 

—  Como  conseguiu  nadar  com  seu  violino?  —  Sara  evitava  ter  que 

responder que, se ele pegasse o trem ou o ônibus, chegaria a Stonethwaite 
no mesmo dia. 

— Ele não estava comigo quando precisei atravessar o rio a nado. Ti-

nha  deixado  o  violino  com  um  amigo  quando  estive  na  Áustria,  no  verão 
passado.  Quando  cheguei  a  Viena,  no  Natal,  ele  estava  lá,  bem  guardado 
com o meu amigo. Achei melhor Colocar o estojo na mala para não ter que 
carregar dois volumes. — Ele pegou a capa e colocou-a nos ombros — Ainda 
não respondeu à minha pergunta, senhorita. E possível que eu chegue hoje 
mesmo a Stonethwaite, para ver Cecilia? 

— Por que é tão importante assim ver Cecília? 
—  E  por  que  você  não  quer  que  eu  a  veja?  —  Havia  raiva  em  seus 

olhos, e Janos pegou a mala e se encaminhou para a porta. — Obrigado por 
me  deixar  dormir  aqui  e  por  ter  me  dado  comida.  Nunca  esquecerei  Como 
foi  boa  para  mim:  Agora  vou  até  a  estação,  Talvez  a  gente  se  encontre  de 
novo em Stonethwaite 

— Espere um pouco! — disse Sara, dando um jeito de se colocar entre 

ele  e  a  porta.  Não  sabia  o  que  fazer  para  convencê-lo,  Quem  sabe,  se  lan-
çasse mão de seus encantos femininos? Inclinou a cabeça trás, o rosto bem-
feito  contrastando  com  o  brilho  dos  cabelos  castanho-acobreados,  que  lhe 
chegavam aos ombros. Sorriu e disse com calor na voz — Não é que eu não 
queira que você veja Cecilia. É que acho que seria uma bobagem você ir de 
trem ou de ônibus para mesmo lugar para onde estou indo de carro. Se você 
pudesse esperar até meio-dia, até que eu tivesse terminado de trabalhar eu 
voltaria para pega-lo e poderíamos ir juntos. É uma viagem bem longa e eu 
gostaria  de  ter  sua  companhia.  Fico  sempre  preocupada  porque  um  pneu 
pode  furar…  e  não  sei  como  trocá-lo.  Que  tal  se  fizermos  assim?  Você  me 
espera aqui e então iremos juntos ate Stonethwaite? 

Ele  estava  olhando  para  ela,  não  com  surpresa  ou  dúvida,  mas  com 

muita admiração. Foi só então que Sara se deu conta de como estavam per-
to  um  do  outro.  Percebeu,  também,  a  forte  atração  física  que  ele  parecia 
sentir, o brilho profundo daqueles olhos vivos e penetrantes, que a olhavam 
no  fundo  da  alma!  Ele  tinha  um  rosto  de  traços  fortes  e  parecia  decidido  e 
de temperamento másculo: seu cabelo, muito escuro e sedoso, fazia lembrar 
o  de  um  cigano,  completando  com  harmonia  aquelas  feições  morenas  de 
traços marcantes. 

Sara  se  arrepiou  ao  senti-lo  tão  perto;  quase  perdeu  o  ar  de  tanta 

emoção.  Era  como  se  estivesse  ameaçada  por  alguma  coisa  que  não  podia 
explicar mas, ao mesmo tempo, não conseguiu se afastar dele. 

— Seus olhos são verdes! — ele exclamou, muito suave e baixinho. — 

São claros e frios como o mar, até que você começa a sorrir; então, eles bri-
lham  como  se  o  sol  estivesse  batendo  na  água.  Você  devia  sorrir  mais  ve-
zes;  fica  tão  bonita  quando  sorri!  Fica  tão  linda,  que  eu  gostaria…  gostaria 
de…  —  Seus  lábios  entreabertos  estavam  a  apenas  alguns  centímetros  dos 
dela… e então, de repente, ele se afastou. 

— Talvez não seja seguro que eu viaje com você. — Janos falou como 

para si mesmo. 

— Mas eu dirijo muito bem! — ela respondeu, fingindo não ter enten-

dido o que ele queria dizer. Continuava tendo a sensação de se sentir amea-

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

12 

çada, embora não soubesse explicar o porquê disso. — Você vai me esperar 
aqui até que eu volte para pegá-lo, não é? — insistiu. 

Ele  a  encarou,  agora  com  suspeitas  no  olhar.  Sara  se  sentiu  ainda 

mais ameaçada. 

— Não vou esperá-la aqui, Sara. Vou até a estação, pegar um trem. 
— Mas é muito mais lógico que você vá comigo! Além disso, você eco-

nomizaria e faria uma viagem direta; poderia ter a certeza de chegar a Sto-
nethwaite  ainda  hoje!  —  Estava  cada  vez  mais  difícil  tentar  enganar  aquele 
homem! Sara era uma pessoa sincera e positiva, não tinha muito jeito para 
mentir. 

— Você acha que eu chegaria lá hoje? — Ele levantou as sobrancelhas 

com ar de desafio. — Não tenho tanta certeza! 

— Claro que chegaria! — Ela respondeu, aborrecida por perceber dúvi-

da na voz dele. 

— E como vou ter certeza de que você vai voltar para me pegar? Você 

pode esquecer do quê combinamos e, quando eu descobrir que você não vi-
rá me apanhar, já será muito tarde para tomar o trem. 

— Você não confia muito nos outros, não é? 
— Tenho motivos para isso. Muitas vezes confiei demais nas pessoas e 

fui traído. Agora, só tenho confiança em mim mesmo! Por isso, é melhor me 
deixar passar, porque estou indo direto para a estação! 

—  Acho  que  você  é  muito  orgulhoso  e  difícil  —  Sara falou.  —  Não  te-

nho mais tempo para ficar aqui, discutindo. Tenho que ir trabalhar. 

—  Também  tenho  que  ir  —  ele  falou,  muito  frio.  —  Abra  a  porta,  por 

favor. 

— Não vou deixar que vá! — Ela respondeu, sem querer. Ao perceber 

o olhar de surpresa de Janos, consertou: — Não vou deixar que você vá de 
trem para Stonethwaite. Já que estou indo para lá, de carro, acho que o me-
lhor é irmos juntos. Chegará lá mais depressa. 

Ele continuou a olhá-la com dúvida e suspeita no olhar. 
—  Cecilia  não  vai  me  perdoar  se  o  deixar  ir  de  trem,  uma  vez  que 

também estou indo. Já sei o que  vamos fazer; você vai  até o escritório co-
migo e me espera até eu fazer o que preciso; em seguida, iniciaremos nossa 
viagem. Está bom assim? Acho que desta maneira não poderei esquecer de 
pegá-lo. 

E, para acertar de vez a situação, acrescentou, muito sinceramente: 
— Ora, vamos, Janos. Venha comigo, por favor. Terei muito prazer em 

contar com a sua companhia. — Um sorriso amigo completou sua frase. 

—  Esperava  mesmo  que  dissesse  isso  —  Janos  respondeu,  também 

com um sorriso sincero e aberto. — Obrigado, Sara; terei muito prazer em ir 
com você! 

— E não vai se aborrecer por ter que me esperar enquanto termino as 

coisas no escritório? 

— Tenho muita paciência para esperar, quando é por alguma coisa que 

quero muito — ele respondeu em tom misterioso. 

 
C

APÍTULO  

II 

 
O primeiro movimento do concerto chegou ao fim com notas alegres e 

majestosas.  Houve  um  momento  de  silêncio  e  então  a  platéia  prorrompeu 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

13 

em  aplausos  calorosos,  mostrando  como  a  atuação  do  solista  havia  sido 
apreciada. As pessoas aplaudiam e gritavam “bravo” mesmo entre os movi-
mentos do concerto, o que não era usual. 

O  maestro  virou-se,  a  testa  molhada  de  suor  pelo  esforço,  demons-

trando  insatisfação  por  esse  procedimento  incomum  da  platéia.  Mas  Janos 
não estava aborrecido. Pelo contrário, agradecia os aplausos, com um sorri-
so, abaixando a cabeça várias vezes. Em seu íntimo, ele se achava merece-
dor desses aplausos, pois sabia que era um bom solista. 

Sara foi tirada de seus pensamentos pelo barulho das palmas. Deixou 

de lado a lembrança de como conhecera Janos, para olhá-lo ali presente, em 
carne e osso. Teve a impressão de que ele olhava para ela enquanto passa-
va o lenço pelo rosto. Mas, claro, ele não podia perceber ninguém na platéia 
por causa das luzes fortes que iluminavam o palco! No entanto, sua impres-
são de que ele não tirava os olhos dela persistia. 

O maestro bateu a batuta, pedindo silêncio; após mais alguns sussur-

ros, a platéia ficou em absoluto silêncio. Ele levantou as duas mãos, abaixou 
a direita, e o suave som de um oboé deu início ao segundo movimento. 

Sara deixou escapar um suspiro e fechou os olhos, incapaz de continu-

ar  olhando  para  Janos.  que  esperava  sua  vez  de  tocar.  Começou  a  sentir 
remorso ao pensar na amizade e no amor que ela acreditava terem existido 
entre os dois; tinha sido um relacionamento maduro e forte que, no entanto, 
fora  destruído  por  algumas  palavras  apressadas  e  cheias  de  ciúme,  ditas 
num  momento  de  raiva.  A  melodia  romântica  trazia  à sua  memória  os  mo-
mentos vividos junto com Janos. 

Tinham  ido  juntos  para  o  escritório  naquela  manhã  e,  enquanto  ela 

supervisionava  a  elaboração  de  seu  novo  desenho  para  os  tecidos  de  corti-
nas,  tentava  imaginar  uma  maneira  de  evitar  que  Janos  chegasse  a  Sto-
nethwaite  antes  que  Cecília  tivesse  partido.  Esperava  que  o  tempo  colabo-
rasse  e  que  a  geada  que  caía  logo  se  transformasse  em  neve,  atrasando  a 
viagem. 

Ao meio-dia as provas do tecido ficaram prontas e ela se dirigiu ao es-

critório  de  Tom  Caldwell,  o  gerente  do  departamento  de  criação  da  Fábrica 
de  Tecidos  Ferris  S.A.  Janos  estava  lá,  com  uma  revista  nas  mãos.  Assim 
que ela entrou na sala, ele se levantou e lhe ofereceu o lugar. 

—  Tudo  pronto?  —  perguntou  Tom,  dando  a  volta  na  mesa  para  ficar 

mais perto de Sara. 

—  Tudo  pronto  e  me  parece  que  ficou  ótimo  —  falou  Sara.  Depois  se 

virou para Janos e disse: — Espero que não tenha ficado aborrecido por me 
esperar  até  agora.  —  Ela  estava  aliviada,  vendo  que  ele  continuava  lá;  por 
duas ou três vezes tivera medo de que ele perdesse a paciência e fosse em-
bora para tomar o trem. 

— De jeito nenhum. O Sr. Caldwell foi  muito amável e me levou para 

conhecer vários setores da fábrica; pude ver como o algodão é transformado 
em  fio  e  como  o  tecido  é  feito.  Vi  também  os  últimos  desenhos  feitos  por 
Sara Cranston e soube como esse nome está se tornando famoso no mundo 
da decoração. 

Sara sentiu que seu rosto ficava vermelho e quente com o elogio. Isso 

lhe pareceu muito estranho, pois estava acostumada a ouvi-los em relação a 
seu trabalho e normalmente os aceitava como um reconhecimento merecido 
pela dedicação que tinha para com a profissão. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

14 

—  Não  deve  levar  a  sério  tudo  o  que  Tom  diz  a  meu  respeito  —  res-

pondeu, rindo para disfarçar o prazer que sentia ao notar que aquele estra-
nho a olhava com respeito e admiração. — Ele é suspeito quando faz esses 
elogios, pois tudo o que aprendi foi com ele. — Sara virou-se de novo para 
Tom  e  disse:  —  Estamos  indo  agora.  Volto  segunda-feira,  à  tarde,  se  tudo 
estiver bem. 

— A previsão do tempo não é boa para a região dos lagos. — Tom pa-

recia preocupado. — Acho que seria mais seguro ir de trem. 

— Não chegaríamos lá hoje — ela respondeu, vestindo seu casaco. 
—  Não  saia  da  entrada  principal,  então  —  disse  Tom.  —  Ela  normal-

mente é mantida livre da neve. 

— Prometo que sim. 
—  E  me  telefone, em  casa,  quando  chegar  a  Stonethwaite  —  Tom  in-

sistiu,  ficando  entre  Sara  e  Janos.  —  Estou  preocupado  com  você;  tem 
mesmo que ir, Sara? 

—  Claro  que  sim;  prometi  a  Cecília  que  estaria  lá  para  o  casamento. 

Não  fique  tão  preocupado  assim,  Tom  —  disse  em  tom  alegre.  —  Já  dirigi 
para  lá  uma  porção  de  vezes  e  nunca  tive  problemas.  E  não  vou  telefonar 
para você; tenho certeza de que Anne não ia gostar. — Sara sabia como An-
ne, esposa de Tom, era ciumenta. 

—  Ficaria  mais  tranqüilo  se  soubesse  que  estava  indo  sozinha  —  Tom 

falou em voz baixa para evitar que Janos ouvisse. — Precisa mesmo levá-lo 
com você? 

— Está tudo bem,  Tom. Sei o que estou fazendo — ela murmurou. — 

Ele é legal; é um amigo de Cecília. 

— Tenha cuidado — Tom disse num suspiro. 
—  Tenho,  sim,  não  se  preocupe.  —  Por  cima  do  ombro  de  Tom,  ela 

olhou  na  direção  de  Janos.  Ele  havia  se  afastado  e  olhava  por  uma  janela 
que  não  apresentava  nada  de  interessante.  —  Está  pronto,  Janos?  Vamos, 
então; poderemos parar no caminho para comer alguma coisa. 

 
Sara  não  pegou  a  estrada  principal;  primeiro  deu  um  jeito  de  seguir 

por  avenidas  que  estavam  muito  congestionadas.  Depois  seguiu  para  Man-
chester;  de  lá  pegaria  estradas  menos  importantes,  pois  queria  chegar  a 
Carlisle pelo caminho mais longo. A geada fina e leve começava a se trans-
formar em neve. Quando estavam a alguma distância de Manchester, parou 
num restaurante para almoçarem. Ela sabia que o serviço naquele lugar era 
demorado e isso serviria para atrasá-los ainda mais. 

— Não sabia que nevava por aqui nesta época do ano — comentou Ja-

nos, enquanto esperavam pelo que tinham pedido. 

— Não é muito comum termos neve nesta época, mas em alguns anos 

março  é  ainda  muito  frio  por  aqui.  Talvez  a  neve  não  dure  muito  tempo  e 
esteja  derretida  amanhã  de  manhã.  O  tempo  é  muito  variável,  aqui  na  In-
glaterra. 

— Variável e instável como uma mulher! — ele comentou, olhando pa-

ra os flocos de neve. 

— Não concordo com você. Nem todas as mulheres são assim. Eu, por 

exemplo, quando me decido por uma coisa raramente mudo de idéia. 

— Já se decidiu a respeito do Sr. Caldwell? — ele perguntou. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

15 

— Que quer dizer com isso? — Sara estava espantada. — Por que de-

veria me decidir sobre ele? 

—  Talvez  eu  esteja  enganado,  mas  tenho  a  impressão  de  que  Tom 

gosta de você e que gostaria de ser seu amante. 

—  Tom?  Meu  amante?  —  Ela  soltou  uma  gostosa  gargalhada.  —  Não! 

De jeito nenhum! Ele não é o tipo de pessoa que aceita ter casos; é casado e 
somos apenas amigos e colegas de trabalho. Não somos amantes e nem te-
mos idéia ou vontade de vir a ser. 

Os  olhos  penetrantes  de  Janos  estavam  fixos  no  rosto  de  Sara,  como 

se quisessem entrar em seu íntimo para conhecer a verdade. 

— No entanto — ele continuou —, tive a impressão de que ele queria 

que  eu  me  afastasse  do  que  considerava  como  propriedade  dele.  Tom  não 
queria  que  eu  viesse  com  você.  Pareceu  não  gostar  da  idéia  de  você  viajar 
sozinha com um estranho! 

— Ele disse isso a você? — quis saber Sara, lembrando que Tom havia 

dito baixinho que preferia que ela viajasse sozinha. 

— Não me disse isso diretamente, mas me fez muitas perguntas, como 

se fosse um policial tentando desvendar um caso suspeito. Quis saber como 
cheguei aqui, como conheci Cecília e porque queria vê-la. 

— Provavelmente você respondeu a ele com evasivas, como fez comi-

go ontem à noite e hoje de manhã; e, com toda a razão, Tom ficou cheio de 
dúvidas!  —  Depois  de  uma  pausa,  ela  continuou  —  Você  está  tendo  o  que 
merece,  Janos.  Como  pode  esperar  que  alguém  acredite  e  confie  em  você, 
quando não diz nada a respeito de si mesmo? 

Sara tentou encará-lo mas era difícil manter o olhar naqueles olhos vi-

vos e perturbadores.  

— Ainda nem me disse qual é seu último nome! — comentou. 
— Chamo-me Janos Vaszary. Achei que este era um país livre, em que 

as pessoas não ficavam perguntando a respeito da vida dos outros. — Havia 
raiva em sua voz. — Mas estamos mudando de assunto. Estávamos falando 
sobre o Sr. Caldwell. Ele não confia em mim mas não é porque não respondi 
às perguntas que fez, mas porque vou viajar com você por algumas horas e 
porque sou homem. Na verdade, ele está com ciúme, pois acredita que você 
seja propriedade dele. 

—  Não  admito  que  me  considerem  como  uma  propriedade!  —  Sara 

disse, indignada. — Não pertenço a ninguém; só a mim mesma. Se pretende 
ficar  nesta  parte  do  mundo  é  melhor  se  livrar  dessas  idéias  antiquadas  de 
que uma mulher pertence a um homem, como se fosse uma coisa. 

— Está enganada, Sara. Não sou eu quem tem idéias antigas a respei-

to de mulheres; é o Sr. Caldwell. Ele gosta mais de você do que da própria 
esposa.  Ele  se  preocupa  com  sua  pessoa,  quer  protegê-la  e  se  comporta 
como se tivesse o direito de agir assim! Não percebe isso? 

Havia desafio na voz de Janos, mas Sara não teve que responder, pois 

nesse  momento  o  garçom  chegou  com  o  pedido.  Era  carne  assada  com  le-
gumes e parecia muito apetitoso. 

Enquanto  comiam,  Sara  pensava  em  como  Janos  era  esperto  e  inteli-

gente! Ele reparava em tudo e tinha chegado a conclusões verdadeiras! Ela 
também sabia que Tom gostava dela, e há muito tempo procurava demons-
trar a ele que não percebia esse sentimento; que, se mostrasse algum inte-

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

16 

resse  por  ele,  Tom  deixaria  Anne  e  isso  ela  não  queria.  Não  queria  ser  a 
causa de um casamento desfeito. 

—  Sei  como  Tom  se  sente  —  disse  finalmente.  —  Mas  ele  é  casado 

com  Anne  e  isso  torna  qualquer  relacionamento  mais  profundo  impossível 
para mim. 

— Então não está apaixonada por ele? 
— De jeito nenhum! — Sara riu e o rosto de Janos abriu-se num sorri-

so  também.  —  Não  estou  apaixonada  por  ninguém;  pelo  menos,  por  en-
quanto. Que tal mudarmos de assunto agora? 

— Você tem medo? 
— Medo? De quê? 
— Medo do amor; de se apaixonar, de se deixar levar pelo amor! É por 

isso que não quer mais falar sobre isso? 

— Quero mudar de assunto pelo simples fato de que não estou dispos-

ta a discutir meus assuntos pessoais com você! 

— Só porque eu sou um estrangeiro de quem você não sabe nada? 
— Não! Porque não é da sua conta! — ela disse com raiva. 
Ele  olhou-a  com  ar  de  riso,  mas  não  comentou  mais  nada.  Continua-

ram comendo em silêncio. 

Quando  saíram  do  restaurante,  já  eram  mais  de  duas  horas  e  o  céu 

estava cinza-escuro, com nuvens pesadas; flocos de neve caíam constante-
mente,  embora  derretessem  quando  chegavam  ao  chão.  A  estrada  estava 
sem neve, mas muito molhada e escorregadia. 

—  Gostaria  de  poder  ajudá-la  .—  disse  Janos,  à  medida  que  o  carro 

avançara  através  dos  flocos  de  neve.  —  Poderia  dirigir,  mas  minha  licença 
não é válida aqui; além disso, não conheço o caminho. Se tiver um mapa da 
região, posso ajudá-la a procurar a direção, pois a visibilidade está cada vez 
pior. 

—  Não  tenho  nenhum  mapa  —  respondeu  Sara.  Não  queria  que  ele 

olhasse no mapa e visse que ela não tinha tomado o caminho que dava dire-
to em Carlisle, e daí para Stonethwaite. — Venho tantas vezes para cá que 
já não preciso mais de mapas. Na  verdade, o caminho é  bem direto; tenho 
apenas que seguir por esta estrada até Lancaster e de lá até Kendal. Quando 
chegarmos a Kendal, viramos à esquerda, em direção a Windermere e aí pa-
ra Kirkstone Pass, e então… 

—  Então  não  tomamos  a  estrada  que  o  Sr.  Caldwell  sugeriu  —  inter-

rompeu Janos. 

— Não; tomamos uma estrada que dá acesso mais direto — ela disse, 

aborrecida consigo mesma por estar mentindo. 

Na  verdade,  o  caminho  que  faziam  apresentava  muito  maior  risco  de 

ficar impedido.  A neve que caía já não derretia como antes; pelo contrário, 
começava a se acumular sobre o leito da estrada. 

Ótimo, pensou Sara, se a neve continuar caindo assim, não poderemos 

continuar  muito  tempo  mais  pela  estrada.  Com  um  pouco  de  sorte,  teriam 
que  parar  em  algum  lugar  e  não  chegariam  à  noite  em  Stonethwaite.  Sara 
esperava  precisar  parar  quando  chegassem  ao  Kirkstone  Pass.  Janos  não 
poderia dizer nada, pois seria realmente impossível prosseguir a viagem com 
a estrada coberta de neve fofa e funda. 

Sara  não  estava  aborrecida  por  não  chegar  em  tempo  ao  casamento 

de  Cecília.  Sentia-se  até  leve  e  descontraída,  como  se  estivesse  envolvida 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

17 

numa aventura nova e divertida; uma aventura junto com um homem com-
pletamente estranho e de quem nada sabia. 

Pelo rabo do olho deu uma olhadinha em Janos. Ele tinha escorregado 

no banco para acomodar a cabeça no encosto; tinha os olhos fechados e pa-
recia  estar  dormindo.  Tomara  que  estivesse  mesmo  dormindo,  assim  não 
perceberia o que ela estava fazendo para a viagem demorar mais. 

Depois de Lancaster a neve começou a cair mais pesada e tudo foi fi-

cando  escuro;  a  visibilidade  estava  péssima.  Sara  começou  a  dirigir  mais 
devagar, agora não mais para se atrasar, mas porque realmente estava difí-
cil guiar o carro no meio de tanta neve. 

— Ainda estamos muito longe? — perguntou Janos. 
—  Sim,  ainda  temos  muitos  quilômetros  pela  frente  —  respondeu  va-

gamente,  preocupada  em  não  perder  o  local  onde  deveria  virar  à  esquerda 
para chegar a Windermere. — Você pode prestar atenção e ver se encontra 
um sinal marcado “Windermere”? Deve aparecer à sua direita. 

— É melhor soletrar o nome; senão, não vou conseguir encontrá-lo. 
Ela  soletrou  o  nome  com  cuidado  e  diminuiu  ainda  mais  a  marcha; 

sentia que apesar da baixa velocidade, o carro ainda derrapava. Será que ia 
conseguir chegar a Windermere? 

— Posso ver um aviso — disse Janos de repente. — Vá bem devagari-

nho para que eu possa ler. 

Com muito cuidado, Sara apertou o pedal do freio e colocou uma mar-

cha reduzida no carro. Mesmo assim o carro deslizou pela estrada e ela não 
pôde parar. 

— Não dá mais para ler o sinal — disse Janos —, mas posso ver daqui 

uma estrada à nossa esquerda. Se der, vire nela. 

Sara  conseguiu  manobrar  o  carro  e  virou  à  esquerda,  na  estrada  que 

Janos  tinha  visto;  era  estreita  e  também  estava  coberta  de  neve.  O  carro 
deslizava  e  Sara  ficou  com  medo  de  que  ele  saísse  da  estrada.  Finalmente 
conseguiu dominá-lo e seguiram em frente. 

O caminho era estreito e cheio de curvas; depois de guiar durante al-

gum tempo, Sara achou que aquela não era a estrada que levava a Winder-
mere. 

—  Você  chegou  a  ler  o  sinal?  Dizia  Windermere?  —  perguntou,  um 

pouco aflita. 

— Não tenho muita certeza; já estávamos muito na frente para poder 

ler direito — Janos respondeu. — Por quê? Acha que pegamos a estrada er-
rada? 

— Estou começando a achar que sim. Há muitas curvas e lugares que 

me parecem totalmente desconhecidos. Já vim muitas vezes por esse cami-
nho, mas não estou reconhecendo nada. — O carro derrapou. — Meu Deus, 
acho que não vou conseguir segurar o carro! 

Mal Sara acabou de dizer essas palavras, o carro saiu fora da estrada e 

bateu num poste telefônico. Ela foi lançada para a frente, bateu a cabeça no 
pára-brisa e de repente tudo ficou preto diante de seus olhos. 

Só tomou consciência das coisas de novo quando sentiu uma dor forte 

na testa e um contato frio na cabeça. Alguém esfregava neve em sua testa. 
Abriu os olhos e viu que estavam sentados no carro e a tempestade de neve 
continuava forte. 

— Que aconteceu? 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

18 

— O carro se chocou com um poste, e você bateu com a cabeça no vi-

dro.  —  A  voz,  com forte  sotaque  estrangeiro,  veio  bem  de  perto  dela.  Sara 
virou a cabeça e notou que estava acomodada no ombro de Janos; ele havia 
passado um braço ao redor dela para ampará-la melhor. — Como se sente? 
Espero que não tenha quebrado nada! 

—  Acho  que  estou  bem;  só  a  cabeça  dói  bastante!  —  Tocou  a  cabeça 

com  os  dedos  e  sentiu  que  a  testa  estava  inchada.  —  E  você,  Janos,  está 
bem? 

— Também bati com a cabeça no vidro, mas não tão forte como você. 

— Seus braços a seguraram com mais força quando ela tentou se mexer. — 
Quer mesmo sair daqui? Não acha que devia ficar um pouco mais assim qui-
etinha como está? — ele perguntou com muita suavidade. 

Sara  relaxou,  sentindo-se  protegida  e  cuidada  entre  aqueles  braços 

fortes e macios; era gostoso encostar a cabeça nos ombros de janos e des-
cansar! 

— Ah, Janos, não tive culpa pelo que aconteceu! Achava que teríamos 

mesmo  que  parar  em  algum  lugar,  mas  não  desse  jeito,  a  quilômetros  de 
distância  de  qualquer  abrigo!  Agora  estamos  malparados!  Jamais  consegui-
remos chegar a Stonethwaite hoje! 

— Quando você achar que já está bem para se mover, poderemos sair 

e  procurar  algum  lugar  para  ficar.  —  Ele  falava  e  Sara  sentia  o  movimento 
do queixo dele em sua cabeça. — Acha que encontraremos alguma casa nes-
ta estrada? 

— Se é a estrada que penso, existe uma pequena vila um pouco mais 

adiante;  lá  há  uma  pensão  onde  poderemos  passar  a  noite.  Mesmo  que  a 
pensão  não  esteja aberta,  por  ser  fora  de  estação,sempre  poderemos  pedir 
a alguém da vila que nos abrigue. Tenho certeza de que nos ajudarão. A não 
ser — ela parou para pensar — que a gente consiga empurrar o carro de vol-
ta para a estrada. 

—  Acho  que  não  vamos  conseguir.  Já  dei  uma  olhada  e  o  carro  está 

atolado na neve. — Por uns segundos ele ficou quieto, depois continuou: — 
Fica aborrecida por não conseguir chegar a Stonethwaite hoje? 

— Não, mas acho que os pais de Cecília vão ficar preocupados, porque 

avisei que chegaria hoje! Vou tentar telefonar para eles. — Era muito agra-
dável estar ali entre os braços de Janos, sentindo-se protegida, embora esti-
vesse ficando cada vez mais frio. — E você? Fica aborrecido por não chegar 
hoje? 

— Não. Na verdade, estou até alegre que isto tenha acontecido! — Sa-

ra levantou a cabeça, procurando ver o rosto dele, mas o máximo que con-
seguiu enxergar foi a forma da cabeça, fazendo contraste com a brancura da 
neve lá fora. 

—  Por  que  está  alegre  com  o  que  aconteceu?  —  quis  saber,  sentindo 

que entre eles havia uma troca de impulsos, de mensagens secretas. 

—  Porque  vou  poder  passar  outra  noite  com  você  —  ele  explicou  e, 

com os dedos, tocou as faces dela numa carícia muda. 

A  Sara  normal,  não  essa  que  tinha  batido  a  cabeça,  teria  se  afastado 

depressa,  dizendo  palavras  ásperas  e  provavelmente  pedindo  que  ele  dei-
xasse  de  ser  bobo.  Teria  saído  rápido  do  carro  e  começado  a  procurar  um 
lugar  onde  pudessem  se  abrigar.  Mas  agora  ela  se  sentia  diferente!  Não  ti-
nha  vontade  de  mudar  de  posição,  pois  estava  gostando  de  sentir  o  calor 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

19 

dos dedos de Janos em seu rosto e pescoço. Gostava também do sentimento 
novo  que  tinha  dentro  de  si:era  um  calor  gostoso  subindo  por  seu  corpo  e 
fazendo com que seu coração batesse mais forte e mais rápido. Tinha a sen-
sação de que seu sangue estava fervendo dentro das veias. 

Levantou  a  mão  e  tocou  o  rosto  dele;  queria  conhecer  em  detalhes 

aquelas  feições.  Sentiu  a  curva  de  seu  rosto  e,  deslizando  os  dedos,  parou 
sobre  seus  lábios.  Janos  deu  um  suspiro  fundo  e  seus  dedos  acariciaram  o 
pescoço de Sara, que inclinou a cabeça para trás, os lábios ligeiramente en-
treabertos.  Quando  os  lábios  quentes  e  macios  de  Janos  tocaram  os  dela, 
Sara colocou os braços ao redor de seu pescoço para puxá-lo para mais per-
to. 

Sentindo que ela correspondia ao beijo, Janos deixou de lado o contro-

le  que  vinha  exercendo  sobre  si  mesmo  e  deu  vazão  a  seus  desejos.  Seus 
lábios  se  abriram  para  receber  melhor  a  umidade  e  calor  dos  dela.  Sara  se 
sentiu alerta e atraída por ele. A emoção explodiu entre eles, e tanto suspei-
ta  como  precaução  foram  deixadas  de  lado.  Existia  somente  aquele  senti-
mento  de  plenitude  e  calor;  existia  apenas  a  paixão  que  nascia  entre  os 
dois! 

Mas era impossível deixar de notar o frio enregelante que fazia dentro 

do carro atolado na neve. Janos, mal-agasalhado, começou a tremer. Segu-
rando-o ainda com os braços, Sara separou os lábios dos dele e falou, com a 
boca bem junto a seu queixo: 

—  Não  podemos  ficar  a  noite  toda  aqui!  Vamos  morrer  congelados! 

Vamos sair e andar até a vila. Acha que vai conseguir, com esses sapatos? 

—  Já  andei  demais  com  eles;  acho  que  agüentam  um  pouco  ainda  — 

ele  murmurou,  segurando-a  ainda  bem  pertinho  de  si.  —  Mas,  onde  quer 
que encontremos abrigo, vamos passar a noite juntos, não é? 

— No mesmo quarto? — ela perguntou, pela primeira vez preocupada 

pela situação em que estavam. 

— Isso mesmo. 
— Não… não sei. Não tenho certeza se é o que quero. Não o conheço 

há muito tempo! Na verdade, nem conheço você! — ela disse depressa, ten-
tando voltar à sua atitude distante. Essa não era a primeira vez que um ho-
mem  tinha  querido  dormir  com  ela,  mas  sempre  tinha sabido  como  contor-
nar  a  situação,  mostrando  que  isso  não  seria  possível.  Mas  agora  era  dife-
rente! Janos era diferente. 

—  Não  pense  que  só  porque  deixei  que  me  beijasse…  —  Ela  parou, 

procurando uma maneira de lhe dizer que isso não era tão significativo, sem 
ofendê-lo. — Sabe, quero dizer que só porque nos beijamos, isso não signifi-
ca que… que eu esteja querendo ir para a cama com você! 

—  Você  não  gosta  de  mim  —  ele  reclamou.  —  Então  por  que  corres-

pondeu a meu beijo? 

— Eu… porque… Não sei! E você? Por que me beijou? 
— Porque gosto de você! Porque quis lhe demonstrar como fiquei feliz 

por  você  não  ter  se  machucado  no  acidente!  Sou  uma  pessoa  expansiva  e 
preciso demonstrar as minhas emoções! — Ele fez uma pausa e ficou espe-
rando  que  ela  dissesse  alguma  coisa;  como  Sara  permaneceu  quieta,  ele 
continuou:  —  Acho  que  não  acontece  a  mesma  coisa  com  você.  Não  mani-
festa o que sente e mantém uma atitude sempre fria: Você é muito inibida! 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

20 

—  Sou  inibida  coisa  nenhuma!  —  ela  exclamou,  trêmula.  —  Estou  fi-

cando enrege1ada! Não podemos ficar aqui sentados; está frio demais! 

— Tem razão! — ele disse, sorrindo. — Está frio demais para se pensar 

em fazer amor! 

Não foi fácil conseguirem sair do carro, meio inclinado; Sara ficou feliz 

por  estar  usando  suas  botas  de  cano  alto,  forradas  de  pele.  A  neve  estava 
fofa e chegava até a metade das pernas. Abriram o porta-malas e consegui-
ram pegar suas coisas, voltando para a estrada para prosseguir caminho. 

A  neve  tinha  parado  de  cair  e  o  céu  estava  ficando  limpo  de  nuvens: 

algumas estrelas brilhavam e o ar ficava cada vez mais frio. Olhando para o 
céu,  Sara  conseguiu  ver  a  Estrela  do  Norte  e  isso  ajudou  a  se  orientarem. 
Perceberam  então  uma  luzinha  fraca  ao  longe.  Ótimo!  Isso  significava  que 
havia um lugar por perto onde poderiam se abrigar do frio horrível que esta-
va fazendo. 

— Vamos na direção daquela luz — ela disse a Janos. — Não teremos 

que andar muito! 

— Espero que tenha razão! Meus pés estão molhados e gelados! Deixe 

que eu carrego a sua maleta. 

— Obrigada, mas deixe que eu levo; ela está bem leve e você já tem a 

sua para carregar. 

— Então, vamos andar de braços dados. A neve está alta e torna cada 

passo difícil. 

— Parece até que… — Sara interrompeu o que ia dizer, consciente da 

ilusão que sua imaginação estava pondo nas coisas. 

— Parece o quê? — perguntou Janos. 
— Não vai dar risada de mim se eu contar? 
— Como posso saber se vou rir ou não, antes de ouvir o que você vai 

dizer?  Está  vendo  como  tenho  razão? Você  é  inibida!  Fica  sempre  brecando 
as emoções, para que elas não apareçam! Agora me conte o que ia dizer! 

— É quase como se estivéssemos num país de sonhos! — De repente 

ela parou, virou-se para Janos e perguntou: — Estou consciente, não é? Não 
estou fora de mim por causa da batida na cabeça, não é? 

— Acho que está consciente, sim — ele respondeu, sério. Depois riu e 

continuou: — A não ser que eu também esteja fora de mim, nós dois esta-
mos  sonhando  juntos!  Talvez  seja  nosso  destino  compartilharmos  os  mes-
mos sonhos! — ele completou com voz muito suave. 

—  Agora  você  está  dizendo  bobagens.  —  Sara  pensava  em  como  era 

linda  e  romântica  essa  idéia  de  partilharem  os  sonhos.  Ele  conseguia  dizer 
tudo aquilo que ela sempre desejara ouvir de um homem. Mas a maioria dos 
homens que ela já conhecera era incapaz de dizer esse tipo de coisas; talvez 
fossem inibidos, como ela. 

De braços dados foram avançando através da neve. Estavam rodeados 

pelo  silêncio,  a  não  ser  pelo  som  da  água  de  um  riacho  que  corria  morro 
abaixo.  O  ar  estava  claro  e  frio  e  suas  respirações  criam  pequenas  nuvens 
de vapor em frente de seus rostos. 

— Também neva na Hungria? — perguntou Sara, achando que esta era 

uma boa oportunidade para saber mais coisas sobre ele. 

— Às vezes. 
— Nevava no lugar onde você morava? 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

21 

— Em Budapeste? Nevava, sim; muitas vezes eu ia ao monte Buda pa-

ra esquiar. 

— Acho que Budapeste deve ser uma cidade muito interessante! 
—  Tem  um  charme  todo  especial.  E  qualquer  pessoa  que  a  vê  pela 

primeira  vez  acaba  se  apaixonando  por  ela!  Há  poesia  e  romance  em  seus 
velhos edifícios e em sua história. No entanto, há também a cruel realidade 
do século XX com suas fábricas e o tráfego barulhento. E um lugar cheio de 
contrastes,  uma  cidade  forte  e  delicada,  com  um  ar  muito  especial,  total-
mente húngaro, e que não pode ser encontrado em nenhum outro lugar do 
mundo. 

Ele falava sobre o próprio país com orgulho. Sara podia aplicar a des-

crição que ele fazia da Hungria a ele mesmo: ao mesmo tempo forte e deli-
cado, caloroso e vivo. 

— Deve ter sido triste para você deixar o seu país — comentou. 
— Não; não foi, porque achei que tinha chegado a hora. 
— Por que decidiu vir para a Inglaterra? 
—  Já  lhe  disse:  para  ver  Cecília.  Você  sabe  que  Santa  Cecília  é  a  pa-

droeira dos músicos, não é? — ele disse com um tom de riso. 

—  Tem  razão.  Mas  o  que  pretende  fazer  aqui?  Como  vai  se  arranjar 

para viver? 

— Tocando o meu violino. Sou o melhor violinista da Hungria, e posso 

dizer até que sou o melhor da Europa Oriental. Talvez consiga ser o melhor 
violinista do mundo — ele falou, seguro do que dizia. 

— Não sei se será, mas posso dizer que você não é nada modesto em 

suas pretensões! 

— Adoro música e também tocar violino. Além disso, sei que posso to-

car muito bem; portanto, é só praticar e tentar ser o melhor! Não estou fa-
zendo elogios a mim mesmo! Isso seria horrível. Mas sei que minha técnica 
é perfeita e que, se tiver ocasião de mostrar ao mundo como posso executar 
as  músicas,  um  dia  serei  comparado  a  Paganini  e  a  Heifetz.  Preciso  apenas 
da chance de tocar como sei e como posso tocar. Nunca surgiu essa oportu-
nidade em meu país. 

— Por que não? 
Janos  não  respondeu  e  Sara  ficou  pensando  em  por  que  ele  não  se 

sentia com liberdade para conversar sobre esse assunto. 

—  Pode  falar  à  vontade,  Janos  —  ela  falou  com  suavidade.  —  Não  há 

ninguém por aqui que possa escutar, a não ser eu. 

—  Não  me  foi  permitido  fazer  progressos  em  minha  carreira  porque 

meus  pais  estavam  envolvidos  no  movimento  contra-revolucionário.  Nunca 
me deixaram aparecer como solista; sempre fiz parte de um quarteto. Cada 
vez  que  viajávamos  para  o  exterior,  eu  era  viva-  mente  vigiado,  para  que 
não pedisse asilo no país que visitávamos. 

— Seus pais ainda estão vivos? 
— Não sei. Um dia eles os levaram embora e nunca mais soube nada, 

E  por  isso  que  morava  com  meus  avós.  Vovó  morreu  há  dois  anos  e  meu 
avô também se foi, há quase um ano. Antes de morrer ele me aconselhou a 
deixar a Hungria e vir para o Ocidente, tentar fazer minha carreira. Quando 
encontrei Cecília e outros ingleses em Salzburgo, tomei a decisão de vir. Eles 
prometeram me ajudar quando chegasse aqui. 

— Mas… de que maneira Cecília poderia ajudá-lo? 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

22 

Ele  pareceu  hesitar  um  pouco  antes  de  responder,  como  se  estivesse 

pesando o que ia dizer. 

—  Ela  conhece  muita  gente  importante  no  mundo  da  música,  aqui  na 

Inglaterra. 

Sara  ficou  quieta,  impressionada  com  o  que  ele  lhe  havia  dito.  Ao 

mesmo  tempo,  começou  a  pensar  em  Cecília.  Que  pessoas  importantes  ela 
conhecia relacionadas com música? Somente seus professores, no conserva-
tório. Provavelmente Cecília estava se fazendo de importante quando dissera 
isso  a  Janos.  Agora  Sara  podia  compreender  por  que  a  prima  queria  evitar 
um encontro com Janos. A verdade ficaria conhecida e ela não queria se ar-
riscar a isso, diante da família de Philip. Cecilia se sentiria mal se soubessem 
que tinha mentido para se fazer mais importante do que era. 

A estrada começou a subir, como se quisesse alcançar as estrelas. No 

topo  do  morro  puderam  ver  uma  luz  que  saía  de  uma  construção  baixa  e 
grande. No meio do prédio havia uma porta larga de madeira entalhada; to-
do o resto do prédio era pintado de branco. Na parede, acima da porta, ha-
via uma tabuleta em que estava pintada uma ave com penas muito coloridas 
na cauda. Sobre a figura da ave havia o nome do lugar: “Hospedaria do Fai-
são”. 

— Esse não é o lugar que eu esperava encontrar — disse Sara. — Pe-

gamos  mesmo  a  estrada  errada;  mas,  pelo  menos,  está  aberta  e  poderão 
nos atender. Graças a Deus! 

Sara segurou o trinco de latão muito brilhante e abriu a porta. Entra-

ram numa sala muito grande, mas pouco iluminada, que tinha um balcão de 
bar de uni lado e uma lareira do outro. Como era bom encontrar o calor que 
vinha da lareira acesa! As chamas iluminavam as paredes cobertas por papel 
de  cores  suaves.  Alguns  abajures  estavam  acesos,  dando  um  ar  aconche-
gante ao salão. Não havia ninguém sentado nos sofás ou poltronas e parecia 
não haver ninguém para atendê-los. 

Janos fechou a porta e então ouviram uma voz, que vinha por trás do 

balcão. 

— Boa-noite — disse um homem baixo, de cabelo grisalho, que estava 

atrás do balcão, colocando alguns copos nos seus lugares. — Não posso di-
zer  que  a  noite  esteja  realmente  boa,  mas  podemos  desejar  que  ela  fique 
melhor. Já parou de nevar? 

— Já — disse Sara e se encaminhou para o balcão. — Tivemos um aci-

dente; o carro derrapou e ficou preso na neve, fora da estrada. Poderíamos 
passar a noite aqui, para amanhã providenciarmos socorro? Vocês têm quar-
to livre? 

—  A  estação  só  começa  por  ocasião  da  Páscoa  mas,  considerando  as 

circunstâncias, poderemos dar um jeito — o homem respondeu com um sor-
riso. — O carro está muito longe? 

—  A  mais  ou  menos  um  quilômetro  daqui  —  ela  respondeu.  —  Achei 

que estávamos perto da Pensão Carruagem, mas talvez tenha me enganado. 

— Você deve ter se enganado de estrada — o homem explicou. 
— Essa pensão fica um pouco mais para trás. Para onde está indo? 
Sara olhou para trás, para ver se podia falar sem que Janos escutasse; 

mas ele tinha ido para perto da lareira, onde tentava esquentar os pés mo-
lhados. 

— Estou indo pra Stonethwaite. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

23 

— Deveria ter ido pela estrada M-6 — respondeu o homem. — Em ge-

ral aquela estrada é mantida livre da neve. 

Nesse  momento  uma  porta  se  abriu  perto  do  balcão  e  uma  senhora, 

um pouco mais baixa do que o homem, entrou na sala. Tinha as faces rosa-
das, o cabelo grisalho e parecia atarefada. 

— Maggie — o homem disse —, acha que podemos acomodar este ca-

sal  para  passar  a  noite  aqui?  Tiveram  um  acidente  com  o  carro,  que  está 
atolado na neve. 

A mulher correu os olhos de Sara até Janos, que estava se aproximan-

do do balcão. 

— Claro que podemos! — ela falou com entusiasmo. — Acho que tam-

bém gostariam de alguma coisa para comer, não é? 

— Se fosse possível… — disse Sara. 
— Tenho uma sopa pronta e vou esquentá-la. Tenho também torta de 

galinha e um pouco de batata. Que tal? Está bem assim para os dois? Num 
minuto tudo estará pronto. 

— É bom demais! Estamos realmente com bastante fome! — disse Sa-

ra, aliviada por encontrar gente tão amável. 

— Então, por favor, queiram assinar seus nomes  no livro  de registros 

— disse o homem, tirando o livro de um armário. 

Sara assinou seu nome e passou o livro para Janos fazer o mesmo. 
—  Têm  um  telefone  que  eu  pudesse  usar?  —  Sara  perguntou.  —  Vá 

por aquela porta até o hall; à sua direita vai encontrar um escritório onde há 
um telefone — disse o homem, apontando para a porta. 

Sara fez como ele disse, chegou ao escritório e sentou-se para telefo-

nar. Logo depois conseguiu a ligação e ouviu a voz de tia Hilda ao telefone. 

— Alô, tia Hilda. Aqui é Sara. 
— Que bom ouvir a sua voz! Já estávamos preocupados! Onde está? 
— Estou numa hospedaria chamada “Hospedaria do Faisão”. 
—  Onde?  Desculpe,  Sara,  mas  a  ligação  não  está  boa  e  mal  consigo 

ouvi-la. 

— Estou perto de Millwater. O carro saiu fora da estrada e vou ter que 

passar a noite aqui. 

— Millwater? Mas o que está fazendo assim tão longe? 
—  É  uma  história  comprida,  tia  Hilda;  mais  tarde  conto  tudo.  Liguei 

para  dizer  que  não  será  possível  chegar  a  tempo  para  o  casamento,  ama-
nhã.  Talvez  o  carro  só  fique  em  ordem  amanhã  à  tarde.  Por  favor,  diga  a 
Cecília que sinto muito não poder estar presente no casamento dela. 

—  Não  compreendo  como  você  pode  estar  tão  afastada  daqui;  afinal 

de  contas,  já  veio  tantas  vezes  para  cá,  que  devia  conhecer  o  caminho  de 
cor — disse a tia, aborrecida. 

— Vim por este caminho porque estou com um amigo e queria que ele 

visse  a  paisagem,  que  é  tão  linda  por  aqui.  Ele  está  na  Inglaterra  pela  pri-
meira  vez  e  achei  que  ia  gostar.  Só  não  contava  que  o  tempo  ficasse  tão 
ruim. 

—  Um  amigo?  Que  amigo?  —  insistiu  tia  Hilda.  —  E  como  pretendia 

mostrar-lhe  a  paisagem,  se  tudo  está  coberto  de  neve?  E  olhe  que  sempre 
achei que você era uma moça com muito juízo! 

— Meu amigo chama-se Janos e Cecília o conhece. Por favor, tia Hilda, 

diga a ela que ele está aqui comigo e que não nos vai ser possível chegar a 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

24 

tempo para a cerimônia, mas que mandamos beijos, abraços e votos de feli-
cidade para ela e Philip. 

— Está bem, dou o recado. — A ligação estava ficando cada vez pior e 

elas mal se ouviam. — Venha logo que puder. 

— Vou, sim, tia Hilda. Vou desligar agora porque a ligação está péssi-

ma! — Sara já estava quase gritando para se fazer entender. 

Colocou o fone no gancho com um suspiro de alívio: tinha cumprido o 

que  prometera  a  Cecília;  além  disso,  ninguém  ficaria  preocupado  com  ela. 
Voltou  para  o  salão  e  encontrou  Janos  sentado  no  sofá,  perto  do  fogo.  Na 
mesinha ao lado havia dois copos com um líquido dourado dentro. 

—  Pedi  conhaque  para  você  —  ele  disse.  —  Achei  que  seria  bom,  de-

pois de andarmos tanto na neve. O Sr. Kent, dono da hospedaria, disse que 
poderíamos jantar aqui, em frente à lareira. 

Sara sentou-se ao lado dele e tomou um gole do conhaque. Realmente 

era muito reconfortante! 

— Este lugar me parece muito bom — comentou Janos —, e os donos 

são melhores ainda. Acho que ficaremos muito bem aqui! 

— Espero que sim — respondeu Sara, lembrando-se do beijo que havi-

am trocado no carro. 

— Falou com Cecília ao telefone? — Janos perguntou. 
— Não; falei com minha tia. — Tomou outro gole do conhaque e achou 

que esse era o momento para preveni-lo sobre Cecília. Acho que preciso di-
zer-lhe Janos, que amanhã talvez não chegue a ver Cecília. 

— Por que não? 
— Porque vai ser difícil colocar o carro na estrada de novo e… 
— Vamos conseguir ajuda aqui — ele a interrompeu. — O Sr. Kent diz 

que tem um jipe com tração nas quatro rodas e que ele vai puxar o carro de 
volta para a estrada. Ele acha que a neve já deve ter derretido até amanhã 
e que as estradas deverão estar livres. 

Janos olhou para o copo que já estava vazio, e depois, firme para Sa-

ra. 

— Por que veio por este caminho, Sara? O Sr. Kent me disse que não é 

a estrada certa para Stonethwaite 

Sara permaneceu quieta, sem saber o que dizer, os olhos pregados no 

copo. Depois de um momento, ele continuou: 

—  Queria  se  atrasar,  mesmo?  Queria  passar  mais  algum  tempo  sozi-

nha comigo, do mesmo jeito que eu estava querendo? Queria, como eu, que 
passássemos a noite juntos? 

— Não, não é nada disso — Sara respondeu depressa. — Já lhe disse, 

Janos,  que  só  porque  trocamos  um  beijo  você  não  deve  ter  outras  idéias  a 
meu respeito. Aquele beijo não significa nada! Nada! 

Janos ficou muito surpreso com as palavras de Sara. Disse, então, em 

tom sarcástico: 

— Devo acreditar que você é uma dessas mulheres que beija qualquer 

homem só para se  divertir? Você é do  tipo que gosta  de tentar um homem 
só  para  ver  como  ele  reage?  —  Janos  passou  a  mão  pela  testa  como  para 
clarear os pensamentos. — Está querendo me levar do mesmo jeito que faz 
com o Sr. Caldwell? 

— Nunca tentei levar Tom, como você diz — ela replicou, zangada. — 

E não estou tentando levar você também, fique certo disso. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

25 

— Então por que teve tanto trabalho para fazer com que nos atrasás-

semos e não conseguíssemos chegar hoje a Stonethwaite? — Depois de uma 
pausa,  ele  continuou:  —  E  por  que  não  quer  que  eu  veja  Cecília?  —  Seus 
olhos  já  não  pareciam  suaves  e  brilhantes  como  antes;  estavam  frios,  cor-
tantes e cheios de dúvida. 

— Bem… eu… ela… Nem sei como lhe dizer — ela começou ou aliviada 

por ver que a Sra. Kent se aproximava com uma bandeja nas mãos. A mu-
lher colocou a bandeja numa mesinha em frente ao sofá. Depois trouxe uma 
sopeira com uma sopa cheirosa e quente e serviu-os. Também não esqueceu 
o pão e a manteiga. 

— Pronto — disse a Sra. Kent, muito alegre. — Espero que gostem de 

tudo.  Quando  terminarem,  trarei  a  torta  e  as  batatas.  Gostariam  de  tomar 
chá ou café? 

— Chá, por favor — respondeu Sara. 
Janos balançou a cabeça e disse que ia terminar o conhaque. 
Sara abriu seu pãozinho e observou que Janos fazia o mesmo. Espera-

va que o assunto tivesse sido interrompido de vez e que não precisasse mais 
explicar sobre Cecília. Realmente, Janos parecia muito mais interessado em 
satisfazer a fome do que em questioná-la sobre Cecília. A sopa estava delici-
osa e eles comeram com prazer. 

A  porta  da  entrada  se  abriu  e  uns  homens  entraram,  rindo  e  falando 

todos ao mesmo tempo. Olharam com curiosidade para Sara e Janos depois 
se dirigiram ao bar para tomar cerveja. 

Janos  terminou  a  sopa  e  recostou-se  no  sofá.  Embora  Sara  não  esti-

vesse  olhando  para  ele,  podia  perceber  que  ele  a  examinava.  Finalmente, 
incapaz  de  continuar  sendo  alvo  daquela  apreciação muda,  largou  a  colher, 
pôs a mão na testa e levantou-se. 

— Desculpe-me, Janos, mas estou com uma dor de cabeça horrível ou 

procurar a Sra. Kent e pedir-lhe a chave do meu quarto. Vou deitar para ver 
se melhoro. 

— Eu é que peço desculpas — disse Janos, levantando-se. — Tinha até 

esquecido  que  você  machucou  a  cabeça.  —  Pôs  os  dedos  sobre  a  testa  de 
Sara, preocupado com o inchaço. Seus dedos desceram pelo rosto dela nu-
ma carícia. Ela sentiu os joelhos tremerem de emoção — Vou junto com vo-
cê, para ajudá-la — ele disse segurando-lhe o braço. 

— Não é necessário — ela respondeu e tirou o braço do dele. — Fique 

e termine de comer. A única coisa que preciso e de um bom descanso; uma 
noite  bem-dormida,  e  amanhã  estarei  ótima.  Fique  aqui,  Janos,  e  não  se 
preocupe. 

— Tem certeza de que está bem? 
—  Absoluta  Boa  noite  —  ela  disse,  firme,  e  foi  para  o  bar  —  Gostaria 

de ir para o quarto, Sr. Kent. Poderia dar-me a chave? 

— Vá até a cozinha, senhora; encontrará Maggie lá e ela vai 1he mos-

trar o quarto. 

Na  cozinha,  pequena  mas  muito  bem-iluminada,  Maggie  Kent  estava 

enchendo algumas garrafas com água quente. 

— Já terminaram a sopa? — ela perguntou, assim que viu Sara entrar. 
— Sim, mas já estou satisfeita. Não me sinto muito bem; a cabeça me 

dói  por  causa  da  batida  no  vidro.  Acho  que  o  melhor  é  ir  deitar.  Por  acaso 
tem uma aspirina? 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

26 

—  Tenho,  sim.  —  A  Sra.  Kent  abriu  um  armário  e  pegou  um  vidro  de 

aspirinas;  deu  uma  a  Sara  e  também  um  copo  com  água.  —  Achei  mesmo 
que  ia  querer  deitar  mais  cedo,  por  isso  estava  preparando  essas  garrafas 
com água quente para lhe esquentar os pés. 

— Obrigada, Sra. Kent, é muito gentil. 
— Sua mala já está lá em cima. Quer que eu suba com você? 
— Não, não é preciso — disse Sara, pegando a garrafa de água quen-

te. — Quero só que me diga onde é o quarto. 

— Chegando lá em cima, é a segunda porta à sua direita. 
Sara subiu a escada e logo encontrou o quarto. Abriu a porta e entrou 

num  quarto  pequeno,  mas  muito  aconchegante.  As  paredes  eram  cobertas 
por  papel  de  flores  miúdas,  e  tinha  uma  cômoda,  duas  cadeiras  e  duas  ca-
mas  de  solteiro  cobertas  por  colchas  floridas.  O  banheiro  era  pegado  ao 
quarto  e  era  muito  limpo  e  arrumado,  Sara  lavou  o  rosto,  as  mãos,  voltou 
para  o  quarto  e  fechou  a  porta  com  cuidado.  Não  havia  chave  ou  trinco  na 
porta. 

Sentiu-se  feliz  consigo  mesma  por  ter  conseguido  escapar  de  uma 

conversa  mais  séria  com  Janos.  Trocou  de  roupa  e  deitou-se  numa  das  ca-
mas, colocando a garrafa quente perto dos pés. 

Amanhã  terei  tempo  suficiente  para  explicar  a  Janos  sobre  Cecília, 

pensou. Até lá poderia pensar numa maneira de contar tudo sem que ele se 
sentisse  ofendido.  E  aí  então  ele  veria  que  não  havia  mais  motivo  para  se-
guir viagem com ela até Stonethwaite. 

A noite era boa conselheira e ela sabia que na manhã seguinte poderia 

resolver tudo de maneira satisfatória; tudo o que precisava agora era de um 
sono reparador. 

Esticou  o  braço  e  apagou  a  luz:  ajeitou-se  bem  na  cama  e  fechou  os 

olhos.  No  meio  da  escuridão,  imaginou-se  de  novo  no  carro,  com  Janos. 
Sentia os braços dele ao seu redor e podia até sentir o calos dos lábios con-
tra os seus. Seu coração começou a bater mais forte e a paixão cresceu den-
tro de si; ondas de calor tomavam conta de seu corpo, enquanto a melodia 
romântica do segundo movimento do Concerto de Violino de Brahms come-
çou a invadir seus pensamentos. 

 
C

APÍTULO 

III 

 
Uma  nota  longa  e  aguda  terminou  o  segundo  movimento  do  c  certo. 

Sara abriu os olhos, surpresa por não se encontrar na cama, na hospedaria, 
mas num teatro da Califórnia, onde a audiência murava baixinho elogios ao 
solista. 

Uma  pequena  pausa,  e  o  maestro  novamente  levantou  as  mãos  para 

dar  início  ao  terceiro  movimento.  A  um  sinal  dele,  Janos  começou  a  tocar 
uma série de sons vibrantes e alegres, envolvendo a platéia com uma músi-
ca  saltitante  e  viva,  da  qual  ele  gostava  tanto,  e  que  sabia  executar  com 
perfeição. 

Sara fechou os olhos de novo, mas ainda podia vê-lo com os olhos da 

mente.  Ele  não  estava  mais  no  palco,  nem  usando  casaca.  Ela  o  via  de  pé, 
entre as duas camas da Hospedaria do Faisão. Estava vestido apenas com as 
calças. Sob sua pele queimada, os músculos apareciam fortes e desenvolvi-

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

27 

dos; tinha o violino sob o queixo e tocava aquela mesma melodia viva, ale-
gre e saltitante. 

Surpresa por encontrá-lo ali de pé, contra o brilho da janela, Sara sen-

tou-se na cama, puxando com a mão uma mecha de cabelo que caía em sua 
testa. 

Notando que ela se mexera, ele imediatamente parou de tocar e, ainda 

segurando o violino na mão, sentou-se no lado da cama, perto dela, os olhos 
brilhantes e o ar muito feliz. 

— Até que enfim você acordou! Já estava preocupado. Dormiu tão pe-

sado  e  tão  quieta!  Já  estava  dormindo  quando  vim  deitar  e  não  se  moveu 
durante a noite toda. 

Sara olhou para a outra cama. Estava desarrumada, o travesseiro com 

sinais de ter sido usado, os lençóis jogados para um lado. 

— Você dormiu neste quarto? 
— Claro! Onde esperava que eu tivesse dormido? Esse foi o quarto que 

o Sr. Kent me indicou. 

— Não acredito em você! Não posso acreditar que o Sr.  Kent o tenha 

mandado  para este quarto! Por que ele iria fazer isso? Eles sabem que não 
somos casados e não acredito que esse fosse o quarto reservado para você! 
Você descobriu onde eu estava e decidiu dormir aqui comigo. Diga a verda-
de, não foi isso o que aconteceu? 

Por  um  instante  Janos  ficou  olhando  para  ela,  como  se  não  estivesse 

entendendo. Depois, disse: 

— Se não acredita em mim, pergunte ao Sr. Kent. — Ele acomodou o 

violino  e  o  arco  na  cama,  ao  lado  dela,  e  pegou  as  mãos  de  Sara  entre  as 
suas.  —  Por  que  tudo  isso,  Sara?  Por  que  está  tão  zangada  e  não  acredita 
em mim? Ainda sente muita dor na cabeça e está aborrecida? É isso? — ele 
perguntou com voz doce. 

—  A  cabeça  não  me  dói  mais  —  ela  respondeu,  tentando  livrar  as 

mãos; mas os dedos dele_a seguravam com força. — Por que não pediu ou-
tro  quarto  ao  Sr.  Kent?  —  Sara  tentava  evitar  o  olhar  de  Janos,  com  um 
pouco  de  medo  do  que  via  refletido  ali;  ao  mesmo  tempo,  se  sentia  incri-
velmente excitada! 

— Porque queria estar perto de você durante a noite — ele murmurou, 

inclinando-se  para  mais  perto  dela.  Sara  podia  sentir  o  cheiro  gostoso  e 
másculo  que  vinha  de  sua  pele  e  cabelo.  —  Achei  que  você  poderia  não  se 
sentir bem e que seria bom estar por perto para cuidar de você. — Ele olhou 
para as mãos dela, que estavam apertadas uma contra a outra. Muito deva-
gar pegou cada uma delas e levou-as aos lábios. 

— Por favor, não faça isso — ela disse, puxando as mãos e conseguin-

do soltá-las. 

—  Por  que  não  devo  fazer  assim?  Por  que  não  devo  demonstrar  que 

gosto de você e que estou feliz por estarmos juntos, que estou contente por 
ver que está se sentindo bem? 

— Agradeço muito toda a consideração Janos, mas realmente não era 

preciso tantos cuidados. 

— O sol brilha forte, lá fora, e está uma manhã maravilhosa. Acho seu 

país muito lindo e estou feliz que me tenha trazido para conhecê-lo E estou 
mais feliz ainda por estar vivo e aqui com você, e por estarmos indo juntos 
para Stonethwaite hoje. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

28 

— Se conseguirmos colocar o carro de volta na estrada… — Sara pro-

curava  falar  com  naturalidade,  pois  estava  alarmada  com  a  onda  de  desejo 
que sentia; tinha vontade de dizer a ele que também estava feliz de estar ao 
lado  dele;  ansiava  por  segurar  o  rosto  de  Janos  entre  as  mãos  e  beijá-lo. 
Nunca em seus vinte e quatro anos de vida tinha se sentido assim a respeito 
de homem nenhum! 

Para quebrar o encantamento procurou falar de coisas práticas: 
— Janos, por favor, vá perguntar ao Sr. Kent se ele pode nos ajudar a 

tirar o carro e colocá-lo de volta na estrada. Por favor, Janos, saia do quarto 
para que eu possa me vestir! 

— Por mim, gostaria de ficar e vê-la enquanto troca de roupa — falou 

baixinho, enquanto seguia com os olhos a curva do pescoço e se aprofunda-
va  em  direção  aos  seios,  que  apareciam  bem  definidos  sob  a  proteção  da 
camisola fina. 

Sara ficou um pouco sem jeito, mas gostava de sentir que ele a admi-

rava . 

— Você é linda de manhã, Sara, mesmo com esse machucado na tes-

ta.  —  Sorrindo,  ele  levantou  os  olhos,  encontrando  os  dela.  —  Gostaria  de 
poder vê-la acordando todas as manhãs — ele acrescentou e, inclinando-se, 
beijou-a de leve na boca. 

Sara pôs as mãos no ombro dele para afastá-lo de si, mas em vez de 

empurrá-lo  deslizou  a  mão  pelas  costas  de  Janos,  fazendo  pressão  sobre  a 
coluna acariciando, agradando… 

De  repente  ele  estava  ao  lado  dela,  na  cama  os  corpos  muito  juntos, 

os  lábios  comprimidos  num  beijo  ardente,  faminto,  como  se  nada  existisse 
no mundo a não ser os dois. Quanto tempo eles teriam  permanecido assim 
juntos ou até onde eles seriam levados pelo despertar daquela paixão, Sara 
nunca ficaria sabendo. Uma batida apressada na porta tirou-os daquele doce 
enlevo;  no  mesmo  instante  eles  se  endireitaram  e  se  afastaram  um  do  ou-
tro. 

— Quem é? — ela perguntou 
—  Maggie  Kent.  George  está  pronto  para  ir  com  o  jipe  até  a  estrada, 

para  tentar  tirar  seu  carro  de  lá;  ele  gostaria  que  um  de  vocês  fosse  com 
ele. Talvez seu marido possa ir. George acha que pode demorar para pegar 
e, se tiver que rebocá-lo, seria bom ter alguém na direção do carro. 

Seu marido! Sara olhou com olhos acusadores para Janos; mas perce-

beu um brilho feliz nos olhos dele. Foi ele quem respondeu: 

— Muito bem, Sra. Kent. Já estou indo. 
Ele  saiu  da  cama  e  foi  até  a  cadeira  onde  tinha  deixado  suas  roupas. 

Pegou a camisa e começou a vesti-la. 

Sara finalmente conseguiu encontrar voz para dizer: 
— Como pôde fazer isso? Como teve a ousadia de dizer a ela que éra-

mos casados? Como pôde agir dessa maneira? — Sentia tanto ódio que era 
difícil falar. 

— Mas eu não disse que éramos casados! — ele retrucou, olhando para 

ela enquanto terminava de colocar o casaco. — Eu não disse nada! Acho que 
ela deduziu por si mesma. 

—  Mas  como  ela  poderia  ter  chegado  a  essa  conclusão,  se  assinamos 

nomes diferentes no livro de registros? 

— O fato é que não assinamos nomes diferentes. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

29 

— Como não? Assinei meu nome, Sara Cranston. 
— E eu assinei Janos Cranston. 
Sara  estava  tão  abobada  que  não  conseguia  encontrar  palavras  para 

reclamar sobre o que ele havia feito. 

— Não tinha o direito de fazer isso sem me consultar primeiro — con-

seguiu finalmente dizer, pondo na voz o tom mais indignado de que era ca-
paz. — Por que fez isso? 

—  Fiz  com  a  melhor  das  intenções  —  ele  respondeu,  muito  calmo.  — 

Para que ninguém  começasse a fazer muitas perguntas.  — Acabou de colo-
car o casaco e se aproximou da cama, onde Sara continuava sentada muito 
dura,  personificando  a  imagem  da  dignidade  ofendida.  Olhou  bem  dentro 
dos olhos dela e falou: — Queria que eles acreditassem que éramos casados, 
para que nos dessem somente um quarto. Queria estar perto de você! — ele 
completou com voz suave. 

Sara baixou os olhos, incapaz de sustentar o olhar dele, cheio desejo. 
—  Essa  foi  mesmo  a  única  razão  para  fazê-los  acreditar  que  éramos 

casados? 

— Que outra razão poderia haver? — Ele parecia surpreso. 
—  Você  poderia  estar  neste  pais  de  forma  ilegal.  Poderia  estar  aqui 

sem passaporte e querer esconder sua verdadeira identidade; evitaria assim 
que eles o achassem e o deportassem. Sei que muita gente entra ilegalmen-
te nos países do Ocidente, para fugir das perseguições nos países orientais. 

Ele tinha um ar de riso e, ainda olhando firme para ela, tornou a sen-

tar na beirada da cama. 

— Tem toda a razão. Eu poderia ter entrado no país ilegalmente, mas 

acontece que não fiz isso. Meus documentos estão em ordem. Fingi ser seu 
marido  somente  por  uma  razão:  para  poder  ficar  o  mais  perto  possível  de 
você, para poder fazer amor com você 

—  Pare  com  isso!  —  ela  gritou,  cobrindo  os  ouvidos  com  as  mãos.  — 

Pare de ser tão… tão bobo! 

— Você acha que é bobagem a gente estar apaixonado? 
— Acho que é asneira você dizer que está apaixonado por uma pessoa 

que só conhece há somente um dia e meio. Não pode estar apaixonado por 
mim! — argumentou, mantendo os olhos baixos para evitar aquele olhar pe-
netrante e comunicativo que lhe transmitia um desejo louco de acariciá-lo. 

— Se não me conhece direito, como pode dizer que não estou apaixo-

nado  por  você?  Como  pode  dizer  que  sabe  como  me  sinto?  Além  disso,  o 
que é que você sabe a respeito do amor? Acho que nunca deixou que o amor 
tomasse  conta  de  você.  Está  sempre  de  sobreaviso,  com  medo  de  que  as 
pessoas se aproveitem de você! 

De novo, Sara não sabia como argumentar com ele. Permaneceu qui-

eta, mas com os olhos fixos nele. 

— O que há com você, Sara? Por que tem tanto medo de mim? Ajuda 

se  eu  lhe  disser  que  nunca  possuí  uma  mulher  contra  a  vontade  dela?  Na 
minha  opinião,  fazer  amor  é  uma  emoção  que  tem  que ser  vivida  a  dois,  é 
um  prazer  divido  entre  duas  pessoas,  ou,  pelo  menos,  deveria  ser.  Se  não 
der prazer às duas pessoas que participam do ato, não é amor. — Com mui-
ta gentileza, ele tocou o rosto dela com a mão. Depois se levantou e disse: 
— Tenho que ir ajudar o Sr. Kent. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

30 

Sara  recostou-se  no  travesseiro,  ainda  sentindo  no  rosto  a  carícia  de 

Janos.  Estava  espantada  com  os  próprios  sentimentos.  Estaria  sonhando? 
Será que estava criando na imaginação uma estranha fantasia erótica, devi-
do à batida que dera com a cabeça? Tinha que ser isso ou então um sonho 
maluco, porque nunca, em plena consciência, reagiria como estava reagindo 
em relação a Janos. Nunca deixaria que um homem que ela mal conhecia a 
beijasse e acariciasse como Janos estava. E o pior de tudo é que tinha cor-
respondido aos beijos e também o havia acariciado com prazer. 

Será que estava se apaixonando por ele? Nunca tinha tido tempo para 

pensar nessas bobagens românticas; nunca tinha conversado com amigas a 
respeito  de  amar  alguém;  nunca  tinha  imaginado  que  um  dia  isso  poderia 
acontecer com ela! E, acima de tudo, nunca pensara que pudesse acontecer 
tão rápido, como o piscar dos olhos. 

Por que razão teria correspondido aos beijos dele? Seria porque sentira 

nele uma absoluta necessidade de carinho, amor e simpatia e tinha procura-
do dar-lhe um pouco disso tudo? Tinha se sentido atraída por ele, é verdade, 
não só física como emocionalmente tinha ficado encantada por ver como ele 
era diferente dos outros homens que conhecera: mais sensível, mais amoro-
so… 

Preocupada com a direção que seus pensamentos tomavam, Sara sen-

tou-se, jogou longe os lençóis e levantou-se. Foi até a janela e maravilhou-
se com a paisagem. O sol iluminava os .morros ainda brancos de neve entre 
dois  montes  podia  ver  um  pequeno  lago,  que  brilhava  como  se  estivesse 
cheio  de  prata;  vários  riachos  chegavam  ao  lago  e  o  barulho  de  água  cor-
rendo estendia-se por todos os lados. 

Olhou o relógio e se surpreendeu ao notar que já eram quase dez ho-

ras. Dentro de uma hora Cecilia estaria chegando à igreja para se casar com 
Philip;  mais  duas  horas  e  os  dois  estariam  partindo  num  jato  para  o  outro 
lado  do  Atlântico.  Stonethwaite  estava  a  pouco  mais  de  cinqüenta  quilôme-
tros  de  distância  e,  se  o  carro  estivesse  em  ordem,  poderiam  chegar  antes 
de Cecilia e Philip partirem. Mas ela precisava se livrar de Janos primeiros de 
modo que ele não chegasse a se encontrar com Cecilia. 

O ar que entrava pela janela estava frio e Sara tremeu; foi ao banhei-

ro,  tomou  uma  ducha  e  se  vestiu.  Colocou  uma  calça  cinza  e  urna  malha 
preta de gola olímpica. Penteou os cabelos e prendeu-os num rabo de cava-
lo. Acabou de guardar suas coisas dentro da mala, fechou-a e levou-a consi-
go para baixo. 

—  Seu  marido  já  tomou  o  café  da  manhã  —  informou  a Sra.  Kent  —, 

mas vou servi-la agora mesmo. 

Sara  estava  acabando  de  comer  quando  ouviu  o  barulho  do  jipe  che-

gando.  Colocou  o  casaco  pesado  e  foi para  fora.  Atrás  do  jipe  estava  o  seu 
carro, que tinha sido guinchado. Janos estava sentado na direção. 

— O que aconteceu com o carro? — ela perguntou ao Sr. Kent. 
— Ele está todo molhado e frio, depois de ter passado a noite na neve. 

Precisa apenas secar de novo — disse ele, soltando a corrente que puxava o 
carro. 

— Quanto tempo vai demorar? 
— Com sorte, estará pronto dentro de duas ou três horas. Vou levá-lo 

até a garagem e colocar um aquecedor por baixo do capô do motor. Isso já 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

31 

deve  resolver.  Você  não  quer  esperar dentro  de  casa  até  que  fique  pronto? 
Chame seu marido para entrar. 

— Acho que vai demorar muito mais do que eu esperava — Sara disse 

para Janos, quando entraram na hospedaria. 

— Não tem importância. O que tem que ser, será. E, agora, terei tem-

po para praticar um pouco. 

— Praticar? 
— É.  Preciso praticar o violino todos os dias, mas nesses  últimos dias 

quase  não  tem  sido  possível.  Agora,  enquanto  esperamos  seu  carro  ficar 
pronto, terei tempo de me exercitar. Com licença. — Ele deixou-a e subiu a 
escada. 

Sara ficou sentada no sofá do salão, ouvindo o som do violino que vi-

nha  de  lá  de  cima.  Janos  tocava  uma  escala  atrás  da  outra,  depois  mudou 
para  uma  melodia  doce  e  harmoniosa  e  depois  para  outra,  de  sons  discor-
dantes e duros. 

Se  o  carro  estivesse  funcionando,  ela  teria  podido  partir  agora,  en-

quanto ele estava absorvido pelo violino. Poderia sair sem que ele percebes-
se. Decidiu dar um pulinho até a garagem para ver como as coisas iam indo. 
Entrou  dentro  do  carro  e  deu  a  partida.  O  motor  tossiu  um  pouco  e  depois 
morreu;  deu  partida  de  novo  e  a  mesma  coisa  aconteceu.  Será  que  devia 
procurar um mecânico? 

Voltou para a hospedaria, procurando a Sra. Kent; encontrou-a na co-

zinha,  guardando  coisas  num  armário,  enquanto  cantarolava  a  melodia  que 
vinha de cima. 

— Nossa senhora! — exclamou a Sra. Kent, quando viu Sara. — Corno 

seu marido toca bem! É como se ele tivesse dedos mágicos! 

Ou então um pacto com o diabo, pensou Sara, 1embrando-se de uma 

história  sobre  Paganini,    que  tocava  peças  tão  difíceis  com  uma  facilidade 
tão grande que um crítico chegou a dizer que ele tinha um pacto com o dia-
bo. 

—Há uma oficina mecânica aqui por perto? — perguntou à Sra. Kent. 
— Tem uma na vila, a mais ou menos um quilômetro daqui. 
— Lá deve haver um mecânico para consertar o meu carro, não é? 
— Não sei se posso dizer que o dono da oficina, Sam Armstrong, seja 

um mecânico. 

—  Será  que o  Sr.  Kent  poderia  rebocar  o  meu  carro  até  lá?  Acho  que 

está  levando  muito  mais  tempo  para  secar  do  que  deveria.  Esperava  poder 
chegar a Stonethwaite até a uma hora, para ver minha prima antes que ela 
saia do país. 

— Foi uma pena que não tivesse pensado nisso quando meu marido foi 

buscar o carro — disse a Sra. Kent. — Agora ele saiu e só vai voltar às qua-
tro horas. Mas não se preocupe; tenho certeza de que o seu carro vai secar 
logo. Se quiser torne a usar o telefone para se comunicar com a sua família. 

— Obrigada — disse Sara e voltou para o salão. Não havia necessidade 

de tornar a ligar para sua tia; todos estariam na igreja a essa hora. Sentou-
se de novo no sofá, tentando imaginar  a cerimônia  de casamento; mas era 
impossível  pois  a  música  que  Janos  tocava  era  selvagem  e  discordante.  No 
entanto, tinha uma melodia e um ritmo marcado de dança e Sara achou que 
devia ser uma música folclórica 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

32 

A Sra. Kent tinha razão: Janos tinha mesmo dedos mágicos. Sua técni-

ca era impressionante e ele conseguia tocar de uma maneira extraordinária. 
Parecia pôr a alma em sua música! 

A  música  acabou  e  tudo  ficou  em  silêncio.  Sara  subiu  para  o  quarto. 

Queria dizer a Janos que não havia mais possibilidade de ver Cecilia; já era 
meio-dia e meia e nunca chegaria em tempo. 

Sara entrou e viu que Janos estava guardando o violino. Ele virou-se e 

perguntou: 

—  O  carro  já  está  funcionando?  —  Ele  estava  despenteado  e  com  a 

testa molhada de suor; parecia ter dispendido muita energia. 

— Ainda não. Acho que não vai dar tempo de vermos Cecilia. 
— Por quê? 
— Porque até que o carro fique seco e a gente chegue a Stonethwaite, 

ela já deverá ter partido para a Califórnia. 

— Ela vai para a Califórnia? 
— Vai morar lá com o marido. 
Janos  ficou  olhando  para  ela  como  se  não  pudesse  acreditar  no  que 

Sara dizia. Sentou-se na cama, espantado. 

— Cecília vai se casar? 
—  Hoje,  ao  meio-dia.  É  por  isso  que  eu  estava  indo  para  lá.  —  Sara 

procurou ignorar a maneira raivosa com que Janos olhava para ela. — Estou 
muito aborrecida, porque nem poderei dizer adeus a ela. 

— Deve estar muito aborrecida, mesmo — ele disse em tom sarcásti-

co. Continuou a ajeitar o arco do violino dentro da caixa. — Mas eu não es-
tou aborrecido. 

— O que vai fazer agora? 
Ele  a  encarou  com  muita  calma.  Seu  olhar  estava  tranqüilo  e  havia 

traço divertido em sua boca. Do rosto ele foi descendo o olhar para o corpo 
de Sara. 

— Vou esperar aqui até que o seu carro fique pronto. 
— Mas agora que sabe que não vai encontrar Cecília, não vai querer ir 

a Stonethwaite, não é? Ela não poderá ajudá-lo, estando fora do país. 

—  É  verdade.  Ainda  bem  que  há  outras  pessoas  para  quem  eu  posso 

pedir  auxílio.  Sinto  apenas  ter  confiado  demais  nela;  parecia  ser  sincera  ao 
dizer que me ajudaria. 

— Sinto muito pelo que aconteceu — disse Sara, sincera. — Cecília às 

vezes um pouco impetuosa e age como uma tola. Muitas vezes quer apare-
cer  e  promete  coisas  que  sabe  que  não  poderá  cumprir.  Ela  nunca  pensou 
que você acabasse vindo à Inglaterra! 

— Como sabe disso? — Janos perguntou. 
Sara  percebeu,  muito  tarde,  que  falara  demais,  tentando  desculpar  a 

prima. Janos continuou: 

—  Se  não  me  engano,  você  me  disse  que  ela  nunca  tinha  dito  nada 

sobre  a  minha  pessoa  e  que  jamais  mencionou  o  nosso  encontro  em  Salz-
burgo. Então, acabou falando com ela ontem à noite, no telefone. 

— Não falei; só conversei com tia Hilda. É que… — Ela se interrompeu, 

achando difícil explicar o que havia acontecido. 

—  Não  minta  mais  para  mim,  Sara  —  ele  disse  com  voz  mais  suave, 

colocando as mãos  nos ombros dela. — Não quero que haja mentiras entre 
nós, para não estragar a nossa amizade. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

33 

—  Telefonei  para  Cecília  naquela  noite  em  que  você  dormiu  no  meu 

apartamento  —  disse  Sara,  chegando  mais  perto  dele,  incapaz  de  resistir  à 
atração física que Janos exercia sobre ela. — Depois que você dormiu, liguei 
para ela e disse que você estava no apartamento e que queria vê-la. — Ago-
ra  Sara  achava  fácil  contar  tudo,  porque  também  queria  que  não  houvesse 
mais  mentiras  ou  fingimentos  entre  os  dois.  —  Ela  me  pediu  que  desse  um 
jeito de impedi-lo de ir a Stonethwaite. Tentei fazê-lo desistir da idéia, mas 
você insistiu. Então achei melhor convidá-lo a vir comigo, porque assim po-
deria fazer a viagem demorar bastante, até que ela e Philip tivessem deixa-
do a Inglaterra, — Vendo que um véu de tristeza encobria os olhos dele, Sa-
ra teve medo de que Janos tivesse ficado sentido com ela; por isso disse lo-
go em seguida: — Sinto imensamente por tudo o que aconteceu, Janos. Sin-
to muito que Cecília tenha deixado você na mão. 

— Não precisa se desculpar por ela. Errei ao pensar que ela tinha sido 

sincera em Salzburgo e realmente pretendesse me ajudar. — Suas mãos es-
corregaram do ombro de Sara, puxando-a para mais perto de si. Ela colocou 
as  mãos  no  peito  de  Janos,  para  mantê-lo  a  distância,  mas  não  resistiu  ao 
calor que vinha dele e acabou por acariciá-lo. 

— Não estou somente me desculpando por Cecília mas por mim mes-

ma; estou aborrecida por ter enganado você. 

— Não me enganou — ele murmurou, colocando a mão por dentro da 

gola  da  malha  de  lã.  —  Achei  mesmo  que  deveria  haver  alguma  coisa  por 
trás de seu convite para que viajássemos juntos. 

— Percebeu mesmo alguma coisa? Então, por que veio comigo? — ela 

perguntou,  inclinando  a  cabeça  para  trás  e  percebendo  que  os  lábios  dele 
estavam muito perto dos seus. 

—  Vim  porque  queria  estar  junto  de  você  e  ainda  continuo  querendo. 

Mas agora não tenho mais desculpas para continuar a viajar com você; ago-
ra sei que Cecília não estará em Stonethwaite. —  Ele parou de falar e seus 
lábios roçaram o canto dos lábios dela. — Ainda precisa ir para lá? Não po-
deríamos ficar aqui por mais uma noite? — perguntou, muito suave. 

Sara notou que estava começando a perder o controle sobre seus sen-

tidos.  Em  algum  lugar  de  sua  mente  uma  voz  ainda  a  prevenia  de  que  ela 
não devia se deixar levar pelas emoções, mas essa voz foi logo calada à me-
dida que novas emoções e arrepios tomaram conta de seu corpo, quando a 
mão de Janos alcançou seus seios. 

— Nós… eu não preciso mais ir a Stonethwaite, uma vez que já perdi o 

casamento  —  disse  num  impulso,  enquanto  suas  mãos  faziam  carícias  no 
pescoço dele, — Poderíamos ficar aqui mais uma noite… também quero estar 
com você! — disse num sussurro tímido, deixando que as emoções e os sen-
timentos  novos  tomassem  conta  de  seu  ser.  Sentia  um  desejo  irreprimível 
de amá-lo, não importando quem ele era ou de onde tinha vindo. 

Enquanto trocavam um outro beijo, Sara sabia que nunca mais seria a 

mesma;  aquela  Sara  controlada  tinha  desaparecido  para  sempre,  o  gelo  ti-
nha sido quebrado e derretido graças ao calor de sua paixão por aquele des-
conhecido. 

— E depois, quando voltarmos a Manchester, fará com que meu sonho 

se  torne  realidade?  —  ele  perguntou,  separando  seus  lábios  dos  dela  mas 
envolvendo-a completamente com seu olhar quente e carinhoso. 

— Que sonho? 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

34 

— O sonho que tenho vivido nas últimas vinte e quatro horas: que nós 

dois sejamos realmente casados e não só de mentira, como estamos fazen-
do aqui. Diga que você também gostaria de se casar comigo, Sara. 

— Gostaria, sim,  Janos, e muito — ela respondeu imediatamente. Pa-

recia mentira  que isto estivesse acontecendo com ela.  Aquele ser estranho, 
que parecia ter vindo de um outro mundo, com dedos mágicos que produzi-
am uma música divina, estava querendo casar com ela! 

— Fico  tão feliz com isso,  Sara! Quando podemos marcar o casamen-

to?  Depois  de  amanhã  está  bem?  —  Ele  parecia  aflito  em  realizar  logo  seu 
sonho. 

— Não — ela disse, rindo. — Não podemos casar tão depressa assim. É 

impossível! 

— Por que não? Qual é o impedimento? Tenho que pedir sua mão a al-

guém? Talvez tenha que falar com seus tios? 

— Não. A única pessoa a quem tem que, pedir é a mim; já fez isso e 

eu aceitei. Mas temos que preparar os papéis no Registro Civil e então tere-
mos ainda que esperar pelo menos três semanas. A lei do país exige isso. 

— Tanto tempo assim? — Janos  deu um suspiro impaciente. — Nesse 

meio tempo você poderia mudar de idéia! 

—  Já  lhe  disse  que,  quando  me  decido,  raramente  volto  atrás  —  ela 

lembrou. — Além disso, você também pode mudar de idéia. 

— Mas não vou mudar! Tenho certeza disso! — Ele tornou a abraçá-la. 

— Perdoe a minha impaciência, Sara. É que está ficando cada vez mais difícil 
para  mim  estar  no  mesmo  lugar  que  você,  sem  poder  amá-la  de  verdade. 
Quero  você.  Desejo-a  muito;  tanto,  que  está  até  começando  a  me  machu-
car. 

— Acontece a mesma coisa comigo, Janos — ela murmurou, chegando 

ainda  mais  perto  dele.  —  Também  quero  casar  com  você  o  mais  depressa 
possível, para que nosso sonho se torne uma feliz realidade. 

O  tempo  deixou  de  ser  importante  para  eles;  não  havia  mais  pressa 

em ir a Stonethwaite ou a qualquer outro lugar. Também  não faziam ques-
tão  de  estar  com  pessoa  alguma;  o  importante  apenas  era  estarem  juntos, 
eles, só eles e mais ninguém. 

 
Na manhã seguinte, foi com muita tristeza no coração que deixaram a 

pequena hospedaria e começaram a viagem de volta para Manchester. 

No domingo à noite Janos também ficou com ela no apartamento e no 

dia  seguinte  foram  cuidar  dos  papéis  para  o  casamento,  marcando  a  data 
para dali a três semanas. 

Quando tudo ficou decidido, ela levou Janos até a estação, onde ele ia 

pegar um trem para Londres. Janos tinha um encontro marcado com Gareth 
Williams, o maestro de uma orquestra de cordas muito importante na Ingla-
terra.  Eles  já  se  conheciam  de  uma  viagem  que  o  maestro  fizera  à  Áustria, 
anos atrás, e gostara muito da maneira de Janos tocar violino. 

Ficar  longe  de  Janos,  depois  de  três  dias  de  contato  íntimo,  foi  muito 

doloroso para Sara. De volta ao escritório, ela ainda pensava se não estaria 
vivendo  uma  fantasia.  Sentia-se  como  se  tivesse  imaginado  tudo  o  que  lhe 
acontecera.  Tinha  a  sensação  de  que  Janos  não  existia  realmente,  que  era 
apenas um produto de sua imaginação, alguém que havia inventado e criado 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

35 

com todas as características que sempre gostaria e esperava encontrar num 
homem. 

Foi Tom Caldwell quem a fez cair em si, provando que Janos realmente 

existia. Quando ela entrou no escritório, ele perguntou se tinha tido um bom 
fim de semana. Sara não tinha a menor intenção de contar a ele o que acon-
tecera de verdade, por isso respondeu de modo vago: 

— Tudo correu de acordo com os planos previstos. 
— E que tal o rapaz húngaro? Ele ficou em Stonethwaite? 
— Não. Ele foi para Londres, onde tinha uma entrevista marcada. 
Tratou então de sair do campo dos assuntos pessoais e começou a fa-

lar sobre os novos desenhos que ia elaborar. Sentiu, porém, um grande alí-
vio  por  ver  que  Janos  era  real;  outra  pessoa  além  dela  sabia  da  existência 
dele! 

Janos  só  voltou  na  sexta-feira  seguinte.  Estava  esperando  Sara  perto 

do  carro,  quando  ela  saiu  do  escritório.  Limitaram-se  a  um  cumprimento 
formal, pois havia muita gente por lá para que dessem vazão ao entusiasmo 
e  alegria  que  sentiam  ao  se  ver  de  novo.  Mas,  pela  pressão  forte  em  seus 
dedos  e  pelo  brilho  especial  que  havia  nos  olhos  dele,  Sara  percebeu  como 
Janos estava feliz em vê-la. Ela também sorriu de modo muito especial, para 
demonstrar como sentira a falta dele. 

A tarde estava nublada, cinza e triste, mas só por estarem juntos no-

vamente  tudo  mudou  de  feição;  Sara  achava  o  dia  lindo  e  via  as  ruas  e  os 
prédios iluminados por uma luz mágica. 

Chegaram ao apartamento e só então puderam expressar sua alegria. 

Sara jogou-se nos braços abertos de Janos e por muito tempo só houve si-
lêncio na sala, enquanto seus lábios e mãos mostravam, através de mil cari-
nhos, a falta que tinham sentido um do outro. 

As notícias que trazia eram boas e ele estava muito entusiasmado. 
—  Gareth  Williams  me  prometeu  um  lugar  de  violinista  em  sua  Or-

questra — Janos começou a contar. — Logo vou começar a ensaiar; na ver-
dade, logo após o casamento. 

— Está feliz, Janos? E isso mesmo o que quer? 
—  É  o  começo,  o  primeiro  passo  na  direção  do  que  realmente  quero. 

Quando notarem como toco bem, sei que vão me dar a liderança na orques-
tra e aí terei a oportunidade de tocar solos. Essa orquestra é muito conheci-
da, grava muito e os discos são vendidos no país todo; além disso, excursio-
na através de cidades importantes. Quando começarem a me ouvir, sei que 
ficarei  famoso  e  aí  serei  convidado  a  participar,  como  solista,  de  outras  or-
questras, talvez mais importantes ainda. 

Sara achou engraçada a falta de modéstia dele em relação à sua habi-

lidade com o violino; e também em como acreditava que, facilmente, ficaria 
famoso; começou a brincar com ele a  respeito disso. Como resposta, Janos 
tentou fazer cócegas nela e se aproximar para poder beijá-la. Rindo, ela es-
capou de perto e ele correu atrás. Sara entrou no quarto, mas Janos foi mais 
rápido  e  alcançou-a,  prendendo-a  entre  os  braços.  Perderam  o  equilíbrio  e 
caíram sobre a cama, onde ficaram se  amando e descobrindo novas  sensa-
ções. 

A noite foi chegando e tornando o quarto escuro. Deitados na cama, os 

corpos muito unidos, ficaram conversando baixinho e intimamente, parando 
apenas para trocar mais beijos apaixonados. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

36 

—  Nosso  casamento  está  marcado  para  daqui  a  duas  semanas;  ainda 

quer casar comigo? — Janos perguntou. 

—  Sem  dúvida  alguma.  Quero  mesmo  me  casar  com  você  —  respon-

deu Sara, beijando-o. 

— Disse a Gareth que vou me casar com uma moça inglesa. Ele falou 

que era ótimo e nos desejou felicidades. — Ele abraçou-a mais forte, roçan-
do seu rosto no cabelo dela. — Graças. a Deus encontrei você, Sara. Não sei 
o que teria feito naquela noite em que cheguei aqui sem conhecer ninguém. 
Você foi tão gentil e me ajudou tanto! 

Ela  estava  aninhada  entre  os  braços  dele,  feliz  por  senti-lo  tão  perto; 

adorava  o  cheiro  de  sua  pele,  de  seu  cabelo,  e  tinha  um  desejo  incrível  de 
tocá-lo, de senti-lo… Abriu os botões de sua camisa e lambeu o salgado gos-
toso de sua pele; ele puxou-a para perto de sua cabeça e beijou-a ardente e 
longamente. O mundo não mais existia, só eles, com a necessidade absoluta 
de estarem juntos… 

— Temos que aproveitar bem esses momentos em que podemos estar 

juntos. Depois que começar a trabalhar na orquestra, não terei muito tempo 
livre. Você vai para Londres comigo, não é? Ou prefere ficar aqui? 

— Acho melhor ficar… pelo menos por enquanto. Não quero desistir do 

meu trabalho na Ferris; gosto muito do que faço e estou bem lá. 

— Compreendo o seu ponto de vista. Não poderia querer que você lar-

gasse tudo aqui, só para ir comigo, sendo que eu estaria muito ocupado. En-
tão acho que faremos o seguinte: venho para cá sempre que me for possível 
e você irá para lá quantas vezes puder. Acha bom assim? 

— Acho ótimo. Mas… e se tivermos um filho? — ela murmurou. — Gos-

taria de ter um filho, Janos? 

Para surpresa de Sara, ele pareceu endurecer; virou-se e ficou deitado 

de  costas.  Essa  atitude  a  espantou  e  ela  se  apoiou  no  cotovelo  para  ver  a 
expressão no rosto dele. Mas estava muito escuro e não pôde perceber na-
da. 

—  O  que  foi?  —  perguntou  com  ansiedade.  —  Não  gosta de  crianças? 

Não gostaria que um dia tivéssemos uma família? 

— Um dia, num futuro bem distante… talvez — ele respondeu, puxan-

do-a  para  mais  perto.  —  Mas,  por  enquanto,  não  quero.  Por  muito  tempo 
ainda, não quero — ele continuou, muito suave. — Nossos momentos juntos 
serão  muito  preciosos  e  quero  você  inteirinha  para  mim.  Sei  que  é  muito 
egoísmo  da  minha  parte,  mas  eu  sou  assim,  Sara.  Está  desiludida  comigo? 
Esperava  um  marido  domesticado  e  disposto  a  ficar  em  casa  e  ajudá-la  a 
criar uma família grande? 

Quero tipo de marido eu realmente espero ter? Sara se perguntava. E 

não sabia a resposta. Sabia somente que queria ser a mulher para quem ele 
voltaria sempre cheio de carinho, amor e saudade; queria ser a mulher que 
ele queria inteira só para si. 

— Não estou desiludida, eu o amo do jeito que você é. 
—  Obrigada  —  ele  murmurou  e  aproximou  a  cabeça  dela,  beijando-a 

com tal doçura que não havia necessidade de palavras para exprimir sua fe-
licidade. 

 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

37 

As  duas  semanas  seguintes  voaram;  Sara  saía  de  manhã  para  traba-

lhar e nem sentia o que fazia ou o tempo passar, na expectativa da volta ao 
apartamento e aos braços de Janos. 

Casaram-se  num  sábado  de  manhã,  com  o  tempo  típico  de  abril,  na 

Inglaterra; havia ligeiros chuviscos, para depois o sol brilhar quente e firme. 
Depois da cerimônia civil, foram com o carro dela até o litoral, onde passa-
ram a noite num hotel que tinha vista para o mar. 

Tiveram  um  fim  de  semana  repleto  de  amor  e  carinho,  onde  o  tempo 

não existia. Viveram apenas para seu amor! 

Na segunda-feira seguinte Janos foi para Londres, prometendo telefo-

nar para dizer onde ia ficar morando e avisá-la de quando seria possível es-
tarem  juntos  outra  vez.  Depois  de  deixá-lo  na  estação,  Sara  foi  trabalhar, 
pensando  em  como  contar  a  Tom  Caldwell  todas  as  novidades  que  vinha 
mantendo em segredo. 

Esperou até as quatro e meia, hora de parar o serviço, para falar sobre 

o assunto. Depois de ouvir tudo com um olhar espantado, ele explodiu: 

— Você foi boba! Uma idiota! Deixou-se usar e enganar como uma ga-

rotinha inexperiente! 

— Enganar? Como assim? — ela respondeu, já zangada. 
— Enganada,  ludibriada mesmo.  Foi  levada a fazer algo que não faria 

normalmente, se estivesse em seu perfeito juízo. 

— Não fui enganada! 
— Como não? — Tom chegou bem perto dela. — Claro que foi. Um es-

trangeiro bonito com um ar romântico surge em sua vida, usa todo o char-
me, antes que alguém possa alertá-la, você já está casada com ele. Não é a 
primeira vez que um estrangeiro faz isso para conseguir ficar no país. — Ele 
passou a mão no cabelo, uma expressão de perplexidade no rosto. 

Ela  não  estava  gostando  do  rumo  da  conversa;  confiava  em  Janos  e 

sabia que ele a amava. 

— Sara, pensei que tivesse um pouco mais de juízo. Que asneira ter se 

apaixonado por um aventureiro sem um tostão no bolso e que provavelmen-
te entrou ilegalmente no país. 

— Ele não é um aventureiro e seus papéis estão em ordem — ela afir-

mou com segurança. — Ele tem permissão para estar aqui no país e há mui-
ta gente que vai ajudá-lo. 

— Mas ele tem permissão para ficar e trabalhar aqui? 
— Bem… acho que sim… Na verdade, não sei, mas acho que deve ter, 

porque arranjou emprego como violinista numa orquestra em Londres. Esta 
manhã ele já foi para lá, para começar os ensaios. 

— Agora percebo tudo. Ele já conseguiu o que queria: uma certidão de 

casamento. Agora que já tem o que quer, abandonou você. 

— Você não está entendendo nada, Tom. Ele não me abandonou. De-

cidimos,  já  que  cada  um  tem  sua  própria  carreira  para  seguir  e  que  gosta-
mos muito do que fazemos, ter um tipo de vida diferente. Quando ele puder 
virá para cá e, assim que eu tiver uma folga, vou para lá — Sara falou com 
bastante  segurança  para  provar  a  Tom  que  estava  certa  do  que  fazia;  no 
entanto, só encontrou desaprovação no rosto dele. — Muitos outros casais já 
fizeram isso, Tom, e tudo deu certo. 

—  Já  ouvi  falar  mesmo  desse  tipo  de  casamento.  Um  casamento  de 

conveniência, eu poderia dizer; conveniente principalmente para ele. — Com 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

38 

um profundo suspiro, Tom continuou: — E Cecília? O que ela diz de você ter 
se casado com o amigo dela? 

— Ela ainda não sabe de nada; ainda não contei a ninguém… a não ser 

a você. 

— E por que não me contou antes? — perguntou Tom, ainda aborreci-

do  com  a  situação.  —  Não,  nem  preciso  me  responder;  acho  que  sei  por 
quê. Você sabia que eu ia preveni-la contra ele. — Tom encostou-se na bei-
rada da escrivaninha, balançando a cabeça de um lado para o outro. — Meu 
Deus,  mal  posso  acreditar  que  você…  logo  você,  Sara…  a  mais  inacessível 
das  mulheres,  foi  cair  como  um  patinho  nos  planos  de  um  estrangeiro  de 
quem ninguém sabe nada. Você se deixou apaixonar e parou de raciocinar, 
seduzida por ele. 

— Já chega, Tom! — Ela estava muito irritada com ele. — Pelo jeito de 

falar, você parece estar com ciúme de Janos, porque só consegue ver defei-
tos nele! 

— E estou! Estou com ciúme, Sara. Sem mais nem menos ele avançou 

até onde eu nunca ousei e acabou roubando você de mim. 

—  Você  não  tem  direito  algum  de  se  sentir  enciumado  e  nem  de  me 

criticar  por  ter  casado  com  ele.  Fiz  o  que  quis  e  sou  dona  do  meu  nariz! 
Além  disso,  ele  não  é  um  aventureiro  sem  dinheiro;  é  um  músico  perfeito, 
que só veio para cá para ter a liberdade de mostrar ao mundo do que é ca-
paz! 

— Também não precisa fazer tantos elogios assim! Nada disso altera o 

fato  de  que  ele  pode  ter  se  casado  com  você  só  para  ter  um  motivo  para 
permanecer no país. 

— Se esse tiver sido um dos motivos para se casar comigo, fico muito 

feliz em poder ajudá-lo a ficar aqui e encontrar a oportunidade de se desen-
volver como grande músico. Ele merece qualquer tipo de ajuda que eu puder 
dar! 

— Você nunca será a primeira coisa no pensamento dele, e sabe disso. 

Ele  é  o  tipo  de  pessoa  que  sempre  porá  a  carreira  acima  de  tudo.  Quando 
ele não precisar mais de você, simplesmente a colocará de lado e prossegui-
rá sozinho. 

— Para com isso, Tom! Por favor, pare com isso! — ela gritou. — Pare 

de tentar destruir o meu casamento antes mesmo que ele tenha começado. 
Não sei por que contei a você que tinha casado com ele! Não devia ter feito 
isso! — ela gritou e saiu do escritório, batendo a porta com força. 

 
Tom nunca mais se referiu ao casamento de Sara e levou muito tempo 

até que o relacionamento deles voltasse ao que era antes. E Sara levou mais 
tempo ainda para esquecer a idéia de que Janos talvez a tivesse usado para 
atingir os seus objetivos. 

Durante as muitas  vezes em que estiveram juntos  nos meses seguin-

tes, Sara teve inúmeras oportunidades de perguntar a Janos sobre o motivo 
real que o levara a casar com ela; mas nunca quis fazer a pergunta, achan-
do  que  esse  pequeno  sinal  de  desconfiança  poderia  prejudicar  o  casamento 
deles. 

E  o  casamento  ia  progredindo  bem;  quando  estavam  juntos,  quer  no 

apartamento dela ou em Londres, onde Janos alugara um apartamento mo-
biliado, eles continuavam tecendo seu  ninho  de amor. Cada nova coisa que 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

39 

descobriam  a  respeito  de  si  mesmos  era  como  mais  um  fio  de  seda  adicio-
nado à felicidade completa que os dois tinham conseguido. 

À medida que o tempo passava, Janos ia ficando cada vez mais ocupa-

do com os compromissos com a orquestra. Vinha menos vezes a Manchester 
e Sara passou a ir  mais vezes a Londres; e ela nunca deixava de  ir assistir 
aos concertos em que ele tomava parte. Sara adorava essas idas a Londres 
e em pouco tempo acabou ficando amiga de Ida Williams, esposa do diretor 
da orquestra. 

—  Não  sei  como  você  agüenta  deixar  Janos  aqui  e  voltar  para  Man-

chester — Ida comentou um dia com Sara. 

Janos  e  ela  tinham  sido  convidados  para  passar  o  fim  de  semana  na 

casa do diretor. Era domingo à noite e Sara se preparava para tomar o últi-
mo  trem  para  Manchester;  estava  no  quarto,  terminando  de  se  arrumar,  e 
Ida lhe fazia companhia. 

— Deve ser horrível para vocês dois estarem sempre dizendo adeus — 

ela continuou. — E você deve se preocupar com ele, estando longe. 

—  Claro.  Fico  sempre  preocupada  se  ele  está  se  alimentando  direito, 

se está bem de saúde, se sua roupa está em ordem e tantas outras coisas, 
você sabe. Mas acho que ele já sabe tomar conta de si mesmo; além disso, 
cozinha muito bem. Quero até convidar você e Gareth para jantarem um dia 
conosco, para Janos cozinhar. Talvez no próximo fim de semana. Que tal? 

— Gostaríamos muito. 
— Traga Davina, também. Sua filha é um amor e soube que Janos está 

dando aulas a ela. 

—  Foi  idéia  dela,  Sara.  Eu  e  Gareth  não  queríamos  que  ela  pedisse  a 

Janos  para  ensiná-la,  porque  ele  já  tem  muitos  alunos.  Só  espero  que  ele 
não  tenha  concordado  por  ela  ser  nossa  filha;  Davina  é  muito  teimosa  e 
quase sempre consegue o que quer. 

—  Ela  é  muito  bonita  —  comentou  Sara,  pensando  na  garota.  Ela  era 

alta, magra e tinha dezessete anos; seus lindos cabelos pretos ondulados lhe 
caíam  pelos  ombros  até  quase  a  cintura,  contrastando  com  olhos  muito 
grandes e azuis e uma boca vermelha e sensual. Quando ela via Janos, seus 
olhos se acendiam de admiração, como todo adolescente fica quando vê um 
ídolo. 

—  Sara,  não  quero  que  pense  que  estou  interferindo  em  sua  vida  — 

Ida falou, pensativa —, mas não estava pensando na saúde de Janos quando 
perguntei se não se preocupava com ele. Talvez eu seja muito antiquada por 
achar que marido e mulher devam estar sempre juntos,  mas… — Ida pare-
ceu procurar as palavras certas — o que quero dizer é: não se preocupa com 
ele em relação a outras mulheres? 

— Se eu me preocupasse a esse respeito, teria que começar com Da-

vina,  não  é?  —  Sara  disse  em  tom  de  brincadeira.  Depois  continuou,  mais 
séria: — Obrigada pelo conselho, Ida. Gostaria demais de viver o tempo to-
do com Janos, mas também gosto do trabalho que faço. Estamos felizes as-
sim! — Sara olhou para o relógio. — Preciso me apressar ou então perderei 
o trem. 

— Gostaria muito que perdesse o trem — Janos disse no ouvido dela, 

enquanto iam de táxi para a estação. — Você precisa sempre voltar correndo 
para seu emprego… e para Tom Caldwell? 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

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— De volta para o trabalho, sim; mas não de volta para Tom, você sa-

be disso. Não seja bobo, Janos — disse ela, acariciando o rosto do marido. 

— Seu trabalho parece mais importante para você do que eu — ele in-

sistiu.  —  Caldwell  dá  as  ordens  e  você  sai  correndo  para  obedecê-lo.  Você 
nunca me obedece. 

— Você está com ciúme de Tom? — Ela ria, deliciando-se com a idéia 

de Janos sentir ciúme dela. — Não precisa ter. O único relacionamento  que 
tenho com ele é de patrão e empregada. Pode até considerar que é a mesma 
espécie de relação que você mantém com Davina: você é o professor e ela é 
a aluna. 

— Quem lhe contou que ela está tendo aulas comigo? 
— Ida. 
— E isso não a deixa enciumada? 
— Deveria deixar? 
— Talvez. 
—  Janos!  —  exclamou,  afastando-se  dele.  —  Você  tem  vinte  e  nove 

anos, é quase treze mais velho do que ela; além disso, ela ainda está estu-
dando. Você não iria encorajá-la a… — Ela estava chocada demais para con-
seguir pôr em palavras tudo o que achava; sua imaginação era fértil e ficava 
criando cenas sobre o que acontecia durante as aulas. 

— Não preciso encorajá-la. Além de precoce, ela é também promíscua. 

Acho  até  que  é  muito  leviana  e  para  mim  só  traz  aborrecimentos.  —  Seu 
tom era sincero e ele voltou a acariciá-la. 

Sara se sentiu mais aliviada. 
—  Dê-me  um  beijo,  Sara,  e  fique  mais  uma  noite  comigo.  Fique  mais 

três,  quatro  noites,  a  semana  toda…  Gostaria  que  ficasse  comigo  até  que 
partíssemos para o tour pelos Estados Unidos. Vou ficar fora quase dois me-
ses, portanto fique um pouco mais comigo… Acho que devíamos ficar juntos 
durante mais tempo. Sinto tanta falta de você! 

Ela  ergueu  a  cabeça  para  que  seus  lábios  se  tocassem;  e  novamente 

se sentiu no paraíso, como cada vez que se beijavam! 

— Vou ficar — ela respondeu, num sussurro. — Vou ficar com você até 

que tenha que partir para a América! 

O beijo que trocaram foi ainda mais ardente e cheio de promessas! 
 
C

APÍTULO 

IV 

 
Os  vivas  vieram  espontaneamente  quando  o  concerto  chegou  ao  fim. 

Todos se levantaram, aplaudindo com vigor. 

Sara  foi  tirada  de  seus  pensamentos  e  trazida  de  volta  ao  presente; 

estava  na  Califórnia  e  o  concerto  de  Janos  tinha  terminado.  Levantou-se 
também e participou da alegria geral. 

No palco, Janos se inclinava para agradecer os aplausos; depois trocou 

um aperto de mãos com o maestro, virou-se para a orquestra e agradeceu a 
participação dela; em seguida agradeceu à audiência de novo e se retirou do 
palco, seguido do maestro. 

Mas  o  público  não  parava  de  aplaudir,  nem  se  sentava.  Janos  voltou 

novamente  para  o  palco,  sozinho,  sorrindo  e  parecendo  muito  feliz  com  a 
manifestação. Trocou um aperto de mão com o líder da orquestra, sacudiu a 
mão  para  os  músicos,  convidando-os  a  se  levantarem  e  receber  a  ovação 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

41 

junto  com  ele.  Mas  os  músicos  permaneceram  sentados,  aplaudindo  tam-
bém. 

Mais uma vez Janos deixou o palco, aos gritos de “bis”.  Depois de al-

gum tempo o maestro também voltou ao palco, trazendo Janos consigo. Ba-
teu sua batuta pedindo silêncio e a audiência  imediatamente sentou e ficou 
aguardando. Janos deu um passo para a frente. 

— Em vista da calorosa recepção que me proporcionaram, vou tocar a 

Serenata  Melancólica,  de  Tchaikovsky  —  ele  anunciou  e  para  Sara  parecia 
que ele continuava com os olhos nela. 

Meu Deus, pensou, não posso ficar aqui sentada ouvindo essa música 

encantadora e significativa. Era melhor ir embora; mas a orquestra já tinha 
começado a tocar e Janos já levantava o violino. 

Com  os  olhos  fechados  para  sentir  melhor  a  música,  ele  deu  início  a 

seu  solo.  Imediatamente  Sara  se  sentiu  transportada  para  o  apartamento 
dele  em  Londres.  Ficava  em  Chelsea  e  tinha  vista  para  o  rio  Tâmisa.  Lem-
brava-se perfeitamente bem dos dias que passara ali, antes do tour que ele 
faria com a orquestra. 

Todos os dias ele ensaiava essa mesma melodia que tocava agora. Ia 

fazer urna gravação e Sara acabou por conhecer a música intimamente; sig-
nificava para ela a  expressão de seus próprios sentimentos. Era uma melo-
dia ao mesmo tempo apaixonada e triste, que a fazia lembrar que nunca ti-
nha sido a coisa mais importante na vida de Janos, Como Tom havia predito, 
a música sempre viera antes para ele. Nenhuma esposa, nenhum filho pode-
riam ocupar o primeiro lugar na vida dele; só a música tinha sua total dedi-
cação! 

Durante aquela semana que ficou com ele em Londres, houve momen-

tos em que Sara achou que era igual a qualquer outra pessoa para ele; exis-
tiam momentos de êxtase amoroso, uma completa união de corpos e almas, 
mas  também  havia  os  momentos  em  que  ela  se  sentia  relegada  a  segundo 
plano. 

Quando ela voltou para Manchester, foi como se Janos a tivesse deixa-

do para nunca mais voltar. A única maneira que Sara tinha de não se sentir 
perdida era afogar-se no trabalho. 

O tempo parecia não passar durante as oito semanas em que ele este-

ve fora. Era primavera e tudo estava colorido; mas Sara não via beleza em 
nada. 

Quando  chegou  o  dia  de  Janos  voltar,  Sara  foi  para  Londres  e  tratou 

de limpar bem o apartamento e preparar tudo para a chegada dele, que se-
ria no dia seguinte. 

À noite foi até a casa de Gareth Williams, pois tinha sido convidada pa-

ra conhecer uma cantora austríaca, que estava hospedada na casa deles, 

— Sara, esta é Elisabeth Herrenkoff, a importante cantora que nos vi-

sita.  Virando-se  para  Elisabeth,  Ida  falou:  —  Esta  é  Sara,  esposa  de  Janos 
Vaszary,  que  é  o  líder  da  orquestra  que  Gareth  dirige.  Acho  que  conhece 
bem Janos, não é? 

—  Claro  que  sim.  Muito  prazer!  —  Elisabeth  devia  ter  trinta  e  cinco 

anos de idade, era bonita e tinha cabelos claros. Seu inglês era perfeito. — 
Janos ficou comigo e meu marido em Viena, depois que ele saiu da Hungria. 
Fomos nós que tivemos a oportunidade de apresentá-lo a Gareth. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

42 

— Então vocês devem ser os amigos com quem ele deixou seu violino 

precioso — Sara disse, sorrindo. 

— Exatamente — respondeu Elisabeth, os olhos muito brilhantes. 
—  E  você  deve  ser  a  moça  inglesa  que  ele  conheceu  em  Salzburgo  e 

que prometeu casar com ele se Janos conseguisse chegar à Inglaterra — ela 
completou com alegria. — Toca flauta, não é? 

A  surpresa  foi  tão  grande  que  Sara  ficou  quieta  por  alguns  segundos. 

O  que  deveria  dizer?  Como  poderia  mentir,  se  Ida  e  Davina  estavam  ali  e 
sabiam que ela não tocava nada? 

— Não — falou finalmente —, aquela era minha prima. Realmente, eles 

se  conheceram  em Salzburgo,  mas  quando  Janos  chegou,  ela  já  estava  ca-
sada e tinha se mudado para a Califórnia. 

—  E  Janos  se  casou  com  você!  —  Havia  muita  esperteza  naqueles 

olhos  azuis,  mas  também  muita  simpatia.  Elisabeth  aproximou-se  de  Sara, 
beijou-a em ambas as faces e disse: — Fico feliz que ele tenha casado com 
você! Espero que sejam muito felizes juntos! 

Aquele momento difícil tinha passado, mas a noite ficou estragada pa-

ra Sara. Ela não queria que notassem que ficara chocada ao saber que Cecí-
lia tinha prometido casar com Janos. 

—  Estou  muito  feliz  em  saber  que  Janos  está  sendo  um  sucesso  por 

aqui — Elisabeth disse, quando ela e Sara ficaram sozinhas por um momen-
to. — Acho que deve ter lhe contado como a vida foi difícil para ele na Hun-
gria. 

— Ele me contou alguma coisa; não parece ter muita vontade de falar 

sobre o assunto, embora eu note que muitas vezes lastime seu passado. 

—  Acho  muito  natural  que  não  queira  falar  sobre  sua  vida  anterior  — 

comentou  Elisabeth.  —  Ele  sofreu  demais,  e  por  duas  vezes  esteve  na  pri-
são. 

— Por quê? — perguntou Sara, espantada. 
— Por tentar deixar o país sem permissão. A última vez foi pouco an-

tes dele escapar. Pode imaginar o que era a prisão para uma pessoa exube-
rante como Janos, apaixonada pela vida e pela música? 

—  É  difícil  para  qualquer  pessoa,  mas  deve  ter  sido  pior  para  ele  — 

concordou Sara. 

— Da primeira vez que ele tentou fugir, perdeu Eva e o filhinho deles. 

— Elisabeth mostrava-se muito triste ao relembrar os acontecimentos. Uma 
pessoa mais fraca teria perdido as esperanças, mas não Janos. Ele tinha tan-
ta  confiança  em  si  mesmo,  em  sua  capacidade  de  transmitir  sensibilidade 
através de seu violino, que foi capaz de sobrepujar todos os obstáculos. 

— Quem… quem era Eva? — Sara perguntou com voz fraca. 
—  Era  a  amante  dele  —  respondeu  Elisabeth,  —  Não  posso  dizer  que 

era  esposa,  porque  não  eram  casados;  mas  viviam  juntos  em  Budapeste  e 
ele gostava muito dela. Eva morreu no parto, e o bebê também se foi algu-
mas horas depois. Ele nunca lhe falou nada sobre ela? 

Sara apenas sacudiu a cabeça, negando. Ida veio da cozinha com uma 

bandeja  de  salgadinhos  e  a  conversa  tomou  outro  rumo.  Sara  não  queria 
ficar  mais  ali  e  deu  a  desculpa  de  que  precisava  deitar  cedo,  para  ter  tudo 
pronto na manhã seguinte para a chegada de Janos. 

Foi até o quarto de Ida pegar seu casaco; nesse momento Davina en-

trou no quarto. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

43 

—  Como  se  sente,  sabendo  que  Janos  casou  com  você  quando  soube 

que sua prima já tinha casado com outro? — perguntou Davina com malda-
de. — Que tal a sensação de descobrir que foi apenas uma substituta? 

Sara  fingiu  estar  mais  preocupada  com  o  fecho  de  seu  casaco  do  que 

com  os  mexericos  de  Davina.  Mas  não  podia  deixar  de  pensar  que  Davina 
não era uma mocinha ingênua como ela imaginava, mas uma mulher muito 
atraente  e  sensual  e  que,  sem  dúvida,  já  teria  usado  esse  charme  com  Ja-
nos. 

— Por que acha que eu sou a substituta? 
— Porque percebo o que está escrito entre as linhas. Ouvi Elisabeth di-

zer a você que sua prima tinha dito que casaria com ele e sei que estar ca-
sado com uma cidadã britânica era uma maneira de Janos ser aceito no país 
como imigrante. 

— Como sabe? 
— Ouvi Janos dizer isso a papai no ano passado. Papai tinha pergunta-

do se ele não conhecia ninguém com quem pudesse se casar e ele disse que 
conhecia uma moça que também era instrumentista; então papai disse a Ja-
nos  que  tratasse  de  casar  com  ela  e  que  depois  ele  lhe  daria  um  lugar  na 
orquestra. 

Sara estava quieta, quase não podendo acreditar no que ouvia; sentia 

o coração bater mais forte, mas quis ouvir até o fim. 

— Janos foi para Manchester pretendendo casar com ela, e no entanto 

voltou  com  você  por  esposa.  Por  isso  digo  que  você é  a  substituta.  Ele  não 
casou com você por amor, mas pela necessidade que tinha de casar depres-
sa  com  alguém.  Ele  não  a  ama  —  Davina  disse,  pondo  ênfase  nas  últimas 
palavras.  Depois  continuou:  —  Não  acredito  que  um  homem  tão  quente  e 
romântico como Janos possa se apaixonar por um peixe morto como você! 

Sara se controlou para não dar um tapa na cara de Davina. Pegou de-

pressa a bolsa e foi para a porta. Aí, virou-se para Davina e disse: 

—  Você  está  desesperada,  não  é?  O  que  aconteceu?  Janos  não  quis 

saber  de  você,  apesar  de  se  oferecer  tanto?  Está  amarga  porque  ele  não  a 
considera como uma mulher, mas como uma peste de que ele gostaria de se 
livrar? Está tentando me aborrecer porque tem ciúme de mim? Porque sabe 
que eu já tive muito de Janos, ao passo que você nunca terá nada? 

— Sei que ele não ama você! Tenho certeza; ele só ama a sua maldita 

música!  —  Davina  gritava  como  se  estivesse  histérica.  —  Ele  não  vai  ficar 
para sempre com você! Vai ver como não fica! Vai deixar você um dia, por-
que não precisa mais de você; você já deu a ele o que ele precisava. 

Sara não ficou para ouvir o resto. Abriu a porta, desceu a escada e foi 

dizer até logo para Ida e Elisabeth. 

De  volta  ao  apartamento,  Sara  se  deitou,  mas  as  palavras  de  Davina 

ficaram martelando em seus ouvidos:  “Ele não a ama; vai deixá-la  um dia; 
você já serviu para o que ele queria!” A dúvida e a suspeita despertaram ne-
la de novo. Tudo o que Davina tinha dito, Tom também lhe dissera: “Boba! 
Idiota! Ele a usou para conseguir o que queria!” Agora, também as palavras 
de Tom não lhe saíam da cabeça. 

À medida que a noite passava, lenta e dolorosa, Sara se convencia de 

que tinha sido enganada. Intimamente ansiava por ser amada e tinha caído 
pelo primeiro homem que lhe disse palavras de amor num ambiente român-
tico. Havia sido ingênua e se deixara enganar! 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

44 

Não  queria  mas  continuar  enganada.  Um  ano  atrás  Janos  tinha  dito 

que não queria mentiras entre os dois porque isso estragaria a amizade de-
les;  que  era  necessário  que  houvesse  somente  a  verdade  entre  eles,  para 
que um pudesse confiar no outro. Agora, isso lhe parecia parte da mentira. 
Como ele precisava de um registro de casamento, tinha seduzido a ela com 
palavras doces. E Sara fizera tudo exatamente como ele queria. 

O dia já estava nascendo quando ela finalmente conseguiu dormir. Não 

tinha chorado; julgava-se tão estúpida e idiota que nem pudera ter pena de 
si mesma. Estava muito cansada e acabou perdendo a hora, O primeiro sinal 
que teve da chegada de Janos foi a pressão de seus lábios contra os dela e o 
carinho que suas mãos procuravam fazer- lhe nos seios. 

— Você voltou — ela disse, ainda sonolenta e esquecida nesse momen-

to das resoluções da véspera. Com muita alegria passou os braços em volta 
dele.  Janos  estava  sem  roupa,  a  pele  ainda  úmida  do  banho;  num  instante 
ele pulou na cama ao lado dela, cheio de desejo. Seus lábios ávidos procura-
vam  os  de  Sara,  enquanto  a  puxava  para  mais  perto  de  si,  até  que  forma-
ram um só corpo. 

— Janos, não! — Sara começou a lembrar do que havia acontecido na 

noite anterior, de tudo o que ficara sabendo sobre ele. Com decisão empur-
rou-o para longe e repetiu: — Não, agora não. 

Ele  ainda  tentou  puxá-la  pegando-a  pelas  mãos,  pelos  cabelos,  mas 

ela foi mais rápida e conseguiu livrar-se, levantando da cama. 

— Por que não quer agora? — murmurou Janos, indo atrás dela. — Oi-

to semanas é tempo demais para ficarmos um sem o outro. 

Abraçou-a  de  novo  e  ela  sentiu  que  estava  sendo  levada  pela  paixão 

dominadora que sentia por ele. Procurando fugir de seus lábios, fazendo for-
ça para mantê-lo longe, conseguiu se afastar até o outro lado do quarto. 

— Já disse que não! Não quero! Não quero mais você! Não quero mais 

que  me  toque.  Precisamos  conversar  primeiro.  Vou  fazer  café  para  depois 
conversarmos. — Tremeu ao ver que Janos parecia não ter ouvido o que dis-
sera e se encaminhava de braços abertos para perto dela. Juntou sua força e 
correu para fora do quarto. 

Na  cozinha,  encheu  a  chaleira  de  água  com  as  mãos  trêmulas.  Desde 

que  o  conhecera,  era  a  primeira  vez  que  recusava  as  demonstrações  de 
amor  de  Janos;  e  o  esforço  para  repeli-lo  lhe  machucava  o  coração.  Ela 
também  tinha  medo  de  como  ele  iria  reagir.  Mesmo  depois  de  um  ano  de 
casamento,  sabia  que  havia  muita  coisa  nele  que  ela  ainda  não  conhecia; 
além disso sabia que Janos tinha um temperamento violento. 

— Sara! — Sua voz estava dura, áspera e fria. 
Ela virou-se e viu  que ele estava na porta da cozinha, vestido apenas 

com um robe; em seus olhos havia um brilho que denunciava perigo e seus 
lábios estavam apertados, numa expressão aborrecida. 

— O que está errado? Por que você está tão diferente? 
— Estou cansada. Não dormi muito bem. 
— Porque tinha a consciência pesada? 
—  O  quê?  Como  assim?  —  Ele  é  que  tinha  culpa  no  cartório,  não  ela! 

— Por que minha consciência estaria pesada? 

— Já lhe disse que oito semanas é muito tempo, tanto para mim como 

para  você.  Talvez  você,  cansada  de  esperar  que  eu  voltasse,  tenha  encon-

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

45 

trado consolo com outro homem! — Ele entrou na cozinha e sentou na beira 
da mesa, continuando a olhar fixo para ela. 

— É horrível você dizer isso. Como pode pensar uma coisa tão terrível 

a meu respeito? 

— Não é difícil tirar conclusões. Há poucos minutos você se recusou a 

fazer amor comigo. Claro que tratei de procurar uma razão para isso! O mais 
lógico é que você tenha arranjado um amante! Arranjou? — Seu tom de voz 
era ameaçador. 

— E se tiver arranjado? — ela respondeu, sentindo a raiva crescer. — 

O que você faria? 

Por  um  longo  momento  ele  ficou  olhando  para  ela,  como  se  refletisse 

sobre o que Sara tinha dito. 

— Da próxima vez que for embora, não volto mais para você — ele fa-

lou, sem expressão na voz. 

— Não gosta de ter que me dividir com ninguém, não é? É por isso que 

não voltaria mais para mim? 

—  Exatamente.  —  Janos  foi  para  perto  dela,  sua  expressão  se  abran-

dando. — Você já devia me conhecer bem, Sara. Preciso ser o primeiro em 
tudo: no violino, no amor… — Suas mãos rodearam a cintura dela, transmi-
tindo ondas de emoção. Ele abaixou a cabeça, procurando beijá-la no pesco-
ço; mas ela se afastou, e de propósito se ocupou em pegar o café no armá-
rio. 

— Encontrei uma amiga sua, ontem — Sara disse, a voz fria e distan-

te.  —  Ela  estava  na  casa  de  Gareth  Williams  e  chama-se  Elisabeth  Herren-
koff. 

—  Elisabeth  está  em  Londres?  —  ele  exclamou,  contente.  —  Quanto 

tempo  ela  pretende  ficar?  Espero  vê-la  antes  que  vá  embora!  Acho  que  lhe 
contei que morei na casa dela em Viena, antes de vir para cá, não é? 

—  Ela  contou  muitas  coisas  sobre  você  que  eu  desconhecia;  contou 

sobre  você  ter  estado  na  prisão,  sobre  Eva,  sobre  o  bebê…  Por  que  nunca 
me falou sobre nada disso? 

Ele a olhou, tentando descobrir o que havia por trás daquela conversa. 
—  Acha  que  eu  devia  ter  falado  sobre  pessoas  que  conheci  há  muito 

tempo e que já estão mortas? 

— Você a amava muito? 
—  Esse  é  que  é  o  problema!  Está  com  ciúme  dela?  —  ele  brincou.  — 

Amava-a  à  minha  maneira.  Faço  força  para  não  me  lembrar  dela;  vivemos 
juntos  durante  algum  tempo,  depois  fui  para  a  prisão  e,  enquanto  estava 
preso,  ela  teve  um  bebê.  E  porque  eu  não  estava  lá  para  cuidar  bem  dela, 
acabou  morrendo.  —  Ele  se  afastou  de  Sara,  indo  até  a  janela.  —  Entende 
agora por que nunca me referi a ela? Há algumas coisas sobre as quais não 
gosto de falar; prefiro esquecer. 

— Também quer esquecer a promessa de Cecília, de que casaria com 

você se você viesse para a Inglaterra? — Sara perguntou à queima-roupa. 

Janos virou-se para ela com uma expressão de espanto. 
— Não. 
— Então por que nunca me falou a respeito disso? 
— Pensei que você soubesse — ele falou devagar, vindo para perto de-

la outra vez. — Achei que Cecília tinha contado a você pelo telefone, naquela 
noite em Manchester, quando fui a seu apartamento. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

46 

— Ela não me disse nada; e eu só fiquei sabendo ontem à noite. 
— Foi Elisabeth quem lhe contou? 
— Ela achou  que eu era a moça inglesa que você tinha conhecido em 

Salzburgo, que tocava flauta e que ia casar com você. 

— Cheguei a pedi-la em casamento e ela aceitou — explicou Janos. 
— Acho que essa era a maneira de você conseguir ficar aqui na Ingla-

terra! Sendo casado com uma inglesa, seria aceito como imigrante. 

— Não posso negar que esse era o meu plano — ele confessou em voz 

baixa. 

— Então deve ter sido um golpe para você saber que ela ia casar com 

outro homem. 

— Aí, eu já conhecia você. 
— E eu fiquei sendo a substituta de Cecília! — ela gritou, sentindo uma 

dor enorme ao ter suas suspeitas confirmadas. — Bem que Tom me avisou; 
ele  acertou  quando  disse  que  você  me  seduziu  porque  precisava  casar.  E 
como  funcionou  bem  o  seu  plano!  —  Sua  voz  tremia,  transformando-se  em 
soluços.  Sara  correu  para  o  banheiro  para  esconder  a  emoção  que  sentia, 
mas  Janos  a  alcançou  e  segurou-a  pelos  ombros.  —  Largue-me!  —  ela  gri-
tou, tentando soltar-se. 

— Não vou largá-la até que me escute — ele disse com energia. 
— É verdade que pedi a Cecília que se casasse comigo e ela aceitou… 

desde que eu conseguisse chegar à Inglaterra. Finalmente, consegui vir. Aí, 
encontrei você e me apaixonei. Juro que é verdade, Sara. — Ele parecia sin-
cero  ao  vê-la  balançar  a  cabeça,  mostrando  que  não  acreditava.  —  Para 
mim,  não  foi  um  choque  saber  que  Cecília  tinha  se  casado  com  outro;  pelo 
contrário,  foi  um  alívio,  porque  durante  toda  a  viagem  a  Stonethwaite  eu 
estava pensando em como me livraria do compromisso de casar com ela. — 
Vendo  que  Sara  mantinha  sua  expressão  de  dúvida,  ele  a  sacudiu.  —  Não 
acredita em mim? 

—  Não!  Não…  Nem  sei  mais  no  que  acredito.  Estou  muito  confusa!  — 

Sara gemeu. 

Janos soltou-a, ficou muito pálido e tornou a comprimir os lábios. 
—  Prefere  acreditar  em  Tom,  claro,  —  Havia  muita  amargura  em  sua 

voz.  —  É  justo;  já  o  conhece  há  muito  tempo,  e  a  mim,  não!  Ele  é  inglês 
como você, eu sou estrangeiro; sou a pessoa estranha, que causa suspeitas 
e  que,  todos  acreditam,  fará  tudo  para  conseguir  seus  objetivos.  —  Ele  fez 
uma longa pausa e depois falou, sério: — Tudo o que eu lhe disse é verda-
de; não tenho como prová-lo, a não ser que acredite no meu amor por você! 

— Não acredito que você tenha se apaixonado por mim naquela ocasi-

ão; acho que fingiu amor por mim. Você tem muita prática em ser o amante 
ideal e foi fácil agir como se me amasse. — Ela teve que fazer força para não 
começar a chorar. — Mas acho que só ama uma pessoa: você mesmo. Não 
amava nem Eva, nem Cecília e nem a mim. Só agora compreendo que é um 
violinista  extraordinário,  mas  como  pessoa  não  é  confiável…  e…  e  nunca 
mais quero vê-lo de novo! Nunca! 

Saiu  correndo  para  que  ele  não  visse  as  lágrimas  que  rolavam  pelas 

suas  faces.  Trancou-se  no  banheiro  e  ligou  o  chuveiro,  para  que  o  barulho 
da água abafasse o som de seus soluços. Depois de muito chorar conseguiu 
se controlar novamente. Lavou o rosto, saiu do banheiro e foi para o quarto 
arrumar  a  mala  para  ir  embora.  Estava  acabando  de  fechar  o  zíper  quando 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

47 

Janos entrou no quarto. Estava vestido com calça preta e camisa azul-clara, 
com uma malha também preta; ele parou no meio do quarto, com os braços 
cruzados e uma expressão carregada. 

— Onde você vai? 
— Para Manchester, com o próximo trem. 
— Vai correndo de volta para Tom? 
—  Sim,  vou  de  volta  para  ele  —  ela  respondeu,  irritada  com  a  ironia 

dele.  —  Pelo  menos  Tom  nunca  tentou  tirar  vantagens  de  mim,  como  você 
fez. 

—  Sara…  —  ele  começou  mas  parou,  passando  a  mão  pelos  cabelos, 

como se procurasse as palavras. — Compreendo que para você deve parecer 
que eu a enganei e me aproveitei da  situação para conseguir o  que queria. 
Pensei que você soubesse tudo sobre Cecília e eu mas, acima de tudo, pen-
sei  que  você  se  sentisse  a  meu  respeito  como  eu  me  sentia  com  relação  a 
você. Achei que tentava me impedir de ver Cecilia porque gostava de mim, 
porque chegava até a me amar… — Ele estendeu os braços para ela. — Não 
pode negar que nos amamos agora… — falou, muito suave. 

—  Fique  longe  de  mim!  —  Sara  falou,  brava  —  Não  vai  conseguir  me 

seduzir de novo como já fez uma vez! 

Janos  parou  no  meio  do  caminho  e  enfiou  as  mãos  nos  bolsos.  Ficou 

muito pálido, com linhas de preocupação na testa larga. 

— Quero lembrá-la de que é minha esposa e de que tenho o direito de 

estar com você, de tocá-la… 

—  Agora  não  tem  mais  esse  direito,  porque  usou  o  nosso  casamento 

só para tirar vantagens pessoais e não posso perdoá-lo por ter agido assim. 
— Ela pegou o casaco que estava sobre a cama e vestiu-o. — Por isso, não 
tente  usar  os  seus  encantos  para  me  convencer  a  ficar.  Vou  embora  assim 
que conseguir um táxi e não volto nunca mais. 

Ela foi para a sala e ligou, pedindo um táxi. Nesse momento Janos en-

trou na sala com um casaco pesado, carregando a mala dela. Colocou-a per-
to da porta e virou-se de frente para Sara. 

— Não está pensando em ir comigo, está? 
— Não, Sara, não vou com você nem tenho a intenção de procurá-la. 

Acho que precisa de tempo para pensar a respeito de tudo e chegar às suas 
próprias conclusões; por isso, vou lhe dar esse tempo — ele falou, num tom 
muito frio. 

— Então, você… você concorda com a separação? 
—  Se  é  isso  o  que  você  quer…  concordo.  Vou  voltar  para  os  Estados 

Unidos e ficarei lá durante muitos meses. 

—  Por  que  tanto  tempo?  —  Sara  não  conseguiu  esquecer  as  palavras 

de Davina: “Um dia ele a deixará; você já serviu aos objetivos dele!” Tinha a 
impressão de que Davina conhecia muito melhor Janos do que ela mesma. A 
amargura cresceu dentro dela. 

—  Enquanto  eu  estava  em  Nova  York,  com  a  orquestra,  Miklos  Zala, 

um grande maestro húngaro que deixou a Hungria depois da Segunda Gran-
de Guerra, me ouviu tocar e me convidou para ser o solista num concerto no 
Lincoln  Center.  É  um  sonho  antigo  que  se  torna  realidade.  Sempre  esperei 
por  essa  oportunidade  e  não  posso  perdê-la.  Depois,  se  tiver  sorte,  haverá 
outros convites com grandes maestros e orquestras. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

48 

— Acha que poderá ficar nos Estados Unidos? — ela perguntou de ma-

neira  fria.  Sentia-se  cada  vez  mais  gelada  ao  ver  que  ele  punha  a  carreira 
acima  de  tudo  na  vida  e  que  não  deixava  que  nada  interferisse  com  ela; 
nem ao menos o perigo de ver seu casamento destruído! 

— Acho que sim… 
— Ou terá que casar com uma moça americana para poder permane-

cer no país? — ela interrompeu, querendo magoá-lo. — Se precisar é só me 
avisar, que trato do nosso divórcio. 

Do outro lado da sala, os olhos de Janos pareciam querer matá-la; ele 

resmungou algumas palavras em húngaro e veio na direção dela, ameaçador 
e terrível, quando a campainha tocou. O táxi havia chegado. Pegando logo a 
mala, Sara abriu a porta e correu para fora, batendo com ela na cara de Ja-
nos. Desejava e esperava que ele abrisse a porta correndo e fosse atrás de-
la, mas… a porta ficou fechada! Janos não a seguiu e, quando ela chegou ao 
andar térreo, compreendeu que nunca o faria. 

 
Deixar Janos, cortando qualquer contato que poderia haver entre eles, 

foi muito duro para Sara. Depois de algum tempo começou a se perguntar a 
quem estava tentando castigar: a ele ou a ela mesma? Morria de saudades 
dele, de vê-lo, tocá-lo, ouvir sua voz! 

Três  semanas  se  passaram  e  Sara  já  não  agüentava  mais  ficar  sem 

notícias dele. Pensou em ligar ou ir até a casa de Ida Williams para pedir no-
tícias, quando recebeu uma carta dele. Era muito curta: 

“Amanhã vou para Nova York e tudo está arranjado para que eu possa 

ficar lá durante algum tempo. Teria gostado muito de ir até Manchester para 
vê-la  antes  de  deixar  este  país,  mas  sei  que  não  quer  me  ver  mais,  nunca 
mais, por isso não vou vê-la. 

Gostaria de escrever mais para dizer-lhe o que significou para mim es-

tar junto de você durante um ano, mas não escrevo bem em inglês e nunca 
poderia  me  expressar  da  maneira  correta.  Além  disso,  iria  adiantar  alguma 
coisa? Você nunca acreditaria em mim”. 

E assinava somente “Janos”. 
Havia muita coisa riscada na carta, como se ele realmente tivesse tido 

dificuldade  em  se  expressar.  Sara  ficou  sentada,  olhando  e  relendo  a  carta 
durante  muito  tempo.  Tinha  vontade  de  chorar,  vendo  seu  lindo  sonho  de 
amor chegar a um fim tão idiota. Por que tudo tinha que terminar desse jei-
to? 

Não respondeu à carta, pois não havia um endereço em Nova York pa-

ra onde pudesse mandá-la; e ele não tornou a escrever. 

À  medida  que  o  tempo  passava,  Sara  pensava  no  casamento  como 

uma fantasia que criara, uma bolha de sabão que tivesse existido num mo-
mento para sumir no outro. Sentia-se fisicamente separada dele, não só por 
um oceano mas também emocionalmente. Afundou- se no trabalho e, depois 
de algum  tempo, seu casamento era  um sonho tão  distante e apagado que 
ela tinha a impressão de nunca ter existido. 

Uma  vez  ou  outra  tinha  notícias  de  Janos;  ou  recebia  cartas  de  Ida 

Williams,  contando  alguma  coisa  sobre  ele,  ou  lia  notícias  em  revistas  ou 
jornais. Sabia que ele estava subindo devagar, mas muito firme em sua pro-
fissão. Gravava e se apresentava com orquestras muito importantes e todos 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

49 

os críticos pareciam ser unânimes na opinião de que ele era um grande ar-
tista. 

“Vaszary é um dos maiores violinistas de nossa época”, dizia uma notí-

cia. “Temos que agradecer a presença desse grande artista em nosso país”, 
escrevia  um  crítico.  “Seus  dedos  são  mágicos  e  dirigidos  por  uma  extrema 
sensibilidade”, comentava outro. 

Quando Sara lia esses comentários, sentia-se orgulhosa por ter conhe-

cido Janos; depois se lembrava de como ele a havia enganado e então pro-
curava  esquecê-lo,  escondendo  os  recortes  ou  amassando-os  e  jogando-os 
fora. Um dia, quando já estivessem separados há bastante tempo, pediria o 
divórcio, se ele não o fizesse primeiro. 

A vida continuava e Sara se dedicava cada vez mais ao trabalho, para 

esquecer seus fracassos. Com isso, também progrediu na profissão e acabou 
sendo promovida a gerente do setor de criação. 

Depois  de  estar  separada  de  Janos  por  dois  anos,  Sara  recebeu  um 

convite dos pais de Cecília para passar os feriados de Natal em Stonethwai-
te. Eles estavam esperando Cecília e o marido, que vinham da Califórnia pa-
ra vê-los, trazendo o filhinho para conhecer os avós; achavam que Sara gos-
taria de vê-los. 

Sara  aceitou  o  convite  e  foi  um  encontro  muito  feliz;  todos  ficaram 

alegres  por  se  verem  de  novo.  À  noite,  Sara  e  Cecília  estavam  no  quarto, 
onde Sara guardava suas coisas. 

— Quero muito saber o que aconteceu com você e Janos — disse Cecí-

lia. 

—  É  uma  longa  história,  Cecília;  já  é  passada,  por  isso,  não  adianta 

rememorar. 

— Ele é um sucesso absoluto nos Estados Unidos; você sabe disso, não 

é? — continuou Cecília. — Todos os críticos o consideram um gênio e ele es-
tá no auge da carreira! 

— Foi a algum dos concertos dele? 
—  Ainda  não.  Mas  sei  que  vai  dar  concertos  em  Los  Angeles  e  São 

Francisco, e aí então eu irei, O que aconteceu com vocês, Sara? Por que não 
está lá, junto com ele? Ainda são casados, não são? 

— Ainda estamos casados, mas resolvemos nos separar. 
Cecília  não  parecia  ter  mudado  naqueles  anos  todos.  Embora  fosse 

mãe de um lindo garotinho de um ano e meio, parecia tão jovem e engraça-
dinha como se ainda fosse uma garota de dezoito anos. 

—  Quando  encontrou  Janos,  em  Salzburgo,  prometeu  mesmo  que  ca-

saria com ele? — Sara perguntou de repente. 

— Prometi. Loucura minha, não foi? Mas você sabe como é difícil resis-

tir ao charme que ele tem! Janos me disse que casar com uma inglesa seria 
uma  maneira  de  poder  ficar  no  país.  Explicou  que  seria  somente  um  casa-
mento de conveniência, nada mais. Na época, estava bastante entusiasmada 
por ele e disse que sim. Nunca pude imaginar que um dia ele realmente vi-
esse para a Inglaterra! 

—  Posso  avaliar  como  se  sentiu,  ao  saber  que  ele  tinha  chegado!  — 

comentou Sara. 

— Fiquei em pânico! Nem ao menos podia explicar a você, por telefo-

ne,  porque  não  queria  que  ele  viesse  a  Stonethwaite.  Mamãe  e  papai  esta-
vam ali perto e eu não tinha como lhe dizer as coisas todas. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

50 

— Por que não me diz agora? 
— Ponha-se no meu lugar, Sara. Se você estivesse para se casar com 

Philip,  gostaria  que  um  refugiado  dissesse  a  seu  noivo  que  você  tinha  pro-
metido  casar  com  ele?  —  exclamou  Cecília,  agitada.  —  Philip  é  um  amor, 
mas é um pouco puritano e não ia gostar de saber que eu já tinha dito a ou-
tro homem que ia me casar com ele. Era um risco e eu ia me casar com ele 
dali a dois dias, lembra-se? 

— Compreendo a sua situação — concordou Sara, com um suspiro —, 

mas gostaria muito que você tivesse contado que tinha prometido casar com 
ele! 

—  Pensei  que  ele  tivesse  lhe  contado!  —  comentou  Cecília,  achando 

que isso seria a coisa mais lógica a fazer. 

— Ele não me disse nada. Acabei sabendo por outra pessoa, mais tar-

de. Ele pensou que você tivesse me contado. Vê que confusão? 

— Sei que sempre pude contar com você para me ajudar — disse Cecí-

lia, rindo —, mas nunca pensei que fosse tão longe a ponto de me substituir. 
Mas parece que no fim deu tudo certo, não foi? 

— Você acha que sim? Por quê? 
—  Porque  ele  conseguiu  fazer  tudo  o  que  lhe  era  impossível  na  Hun-

gria.  Agora  ele  é  famoso,  graças  a  nós  duas.  Não  fica  feliz  por  ter  podido 
ajudá-lo? — Cecília parou de falar ao reparar em Sara. — Meu Deus, não me 
diga que se apaixonou por ele? 

— Foi o que aconteceu. Bobagem minha, mas aconteceu! 
— Não sei se foi tanta bobagem assim. Depende de saber se ele tam-

bém se apaixonou por você. Como é que foi? 

— Ele disse que sim, mas acho que só estava mentindo para fazer com 

que  eu  me  casasse;  afinal  de  contas,  Janos  soube  que  você  estava  casada 
com outro e tinha que resolver depressa o caso, para poder participar da or-
questra de Gareth Williams. 

— Há quanto tempo estão separados? 
— Vai fazer dois anos em abril; disse-lhe que não queria mais vê-lo e 

logo depois ele foi para os Estados Unidos. Nunca mais nos comunicamos e 
no próximo ano acho que vou pedir o divórcio. — Sara tentou sorrir. — Ago-
ra  está  tudo  acabado;  cometi  um  erro  e  já  paguei  por  ele.  Não  vou  deixar 
que isso aconteça de novo. 

— Sinto muito que tudo isso tenha acontecido, minha querida — falou 

Cecilia, com voz sentida. — Pensei que você era mais durona. Achei que era 
diferente  de  mim,  pois  eu  estava  sempre  me  apaixonando  por  todos  os  ra-
pazes  que  conhecia,  e  você,  não.  Pensei  que  fosse  resistir  aos  encantos  de 
Janos! 

— Prefiro não falar mais sobre o assunto! 
— Talvez seja melhor! — concordou Cecília. — Vamos falar sobre você. 

Diga o que anda fazendo e como vai indo com o seu trabalho. Tom Caldwell 
ainda é o chefe? 

— Não, ele foi promovido e agora eu sou a chefe do departamento. 
—  Que  ótimo!  Promoções  sempre  trazem  vantagens!  Agora  você  tem 

oportunidade de viajar a negócios, ou não? 

— Vou ter muitas oportunidades; na semana que vem vou até a Geór-

gia visitar uma das filiais da Ferris; como a Ferris é uma companhia grande 
e com muitas filiais, acho que vou viajar bastante! 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

51 

—  Vai  para  a  Geórgia?  Então  aproveite  a  chance  e  vá  me  visitar  de-

pois. Aproveite para tirar férias e ficar algum  tempo comigo. Moramos num 
lugar muito gostoso, perto do mar; sei que vai gostar. Além disso, faço parte 
da Orquestra Sinfônica Municipal e você teria muitos concertos para assistir! 
Quando pretende estar lá? 

— Vai ser ótimo! Acho que poderei estar com vocês no fim de abril. 
— Estarei esperando por você, Sara; venha mesmo. A Califórnia é um 

lugar maravilhoso e acho que vai se divertir bastante. 

Assim  tinha  ficado  combinado  e  Sara  realmente  foi  para  a  Califórnia; 

chegara há duas semanas e estava se distraindo muito. Os amigos e paren-
tes de Cecília a tratavam com carinho e amizade. 

Naquela noite, um desejo que existia no íntimo de Sara havia se reali-

zado; tinha visto Janos de novo, ouvido sua música divina. E estava conven-
cida de que, com o tempo, acabaria por perdoá-lo; achava que era até pos-
sível que se apaixonasse por ele novamente. 

Não  podia  pensar  assim!  Não  queria!  Não!  Sara  abriu  os  olhos  assus-

tada, com medo de ter falado alto; mas todos continuaram mudos, ouvindo 
aqueles sons maravilhosos. 

Sara olhou para Janos e teve novamente a impressão de que ele a fi-

tava e que tocava a serenata somente para que ela ouvisse. Poderia ser ver-
dade? 

Não, Janos era um artista extraordinário, capaz de criar ilusões através 

da música. Sara não podia esquecer que a música era tudo para ele, a única 
coisa que amava de fato! 

A serenata chegou ao fim com suas notas tristes. Houve um momento 

de completo silêncio e logo em seguida o teatro quase veio abaixo com tan-
tas palmas. Todos se levantaram, aplaudindo com emoção, enquanto no pal-
co Janos se inclinava para agradecer a recepção calorosa. 

 
C

APÍTULO 

 
— Foi maravilhoso! — disse Myrna Bixman, encantada com o que ouvi-

ra. Ela e Sara estavam saindo do teatro. — O que achou? 

—  Maravilhoso!  —  respondeu  Sara,  ainda  confusa  pela  força  de  suas 

recordações. 

—  Foi  uma  honra  para  a  nossa  pequena  comunidade  que  um  artista 

como  Janos  Vaszary  viesse  tocar  aqui,  com  uma  orquestra  municipal!  — 
Myrna e Sara chegaram ao hall de entrada, seguidas de Philip, Glenn e Char-
les. — E foi Cecília quem conseguiu que ele viesse! 

— Foi mesmo? — falou. Sara. — Não sabia; ela não me contou nada. 
—  Acho  que  ela  queria  fazer  uma  surpresa  para  você!  —  Sara  olhou 

Myrna, pensando que ela nunca poderia imaginar como a surpresa tinha sido 
grande; a não ser que Cecília tivesse contado a todos que ela e Janos eram 
casados e separados. 

— Como é que ela conseguiu fazer contato com o Sr. Vaszary? — per-

guntou. 

— Ela ficou sabendo que ele estava dando concertos em Los Angeles e 

foi até lá para vê-lo — explicou Myrna. — Você sabe que ela já o conhecia há 
algum tempo, não? Felizmente ele se lembrou dela e concordou em vir tocar 
para nós. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

52 

Myrna  olhava  ao  redor,  cumprimentando  as  pessoas  que  estavam  ali 

no hall. 

— Espero que Cecília traga o sr. Vaszary até aqui — Continuou Myrna. 

— Vou, então, convidá-lo para uma festa que vamos dar para comemorar o 
fim da estação de concertos sinfônicos. Você vai à festa, não é, minha queri-
da? 

— Sim, claro, Myrna — respondeu Sara, pensando em como faria para 

ir embora antes que Cecília aparecesse com Janos. 

— Ali está Cecília — disse Myrna, os olhos brilhantes de felicidade. — E 

Vaszary  está  com  ela!  Não  vejo  a  hora  de  conhecê-lo!  —  exclamou,  muito 
entusiasmada. 

Sara olhou para o  lugar que Myrna apontava e viu que  Janos cumpri-

mentava  várias  pessoas;  Cecília  ia  à  sua  frente  a  parecia  muito  feliz  ao 
apresentar o grande artista aos amigos. Atrás de Janos estava outra mulher, 
muito  alta  e  loira,  muito  elegante,  usando  um  vestido  preto  sofisticado.  Ao 
vê-la, Sara achou que ela lhe parecia familiar, embora não pudesse dizer de 
onde a conhecia. 

— Viu Magda Scott? — Glenn perguntou baixinho a Sara. 
— Quem? — disse Sara, sem saber a quem Glenn se referia. 
— Magda Scott, a mulher que está atrás de Vaszary — ele explicou. — 

Ela  é  artista  de  cinema  e  sei  que  também  é  natural  da  Hungria.  Scott  é  o 
sobrenome de seu primeiro marido; dizem que ela e Vaszary estão tendo um 
caso e que, assim que ela conseguir o divórcio, vai casar com ele. 

— Ele não pode casar com ela! — disse Sara, sem querer. — Ele já é 

casado! 

—  É  mesmo?  Não  sabia.  Com  quem?  Acho  que  não  deve  ser  um  fato 

conhecido  na  vida  dele,  porque  não  consta  da  história  de  sua  carreira,  que 
está impressa no programa! 

— Li em algum lugar que ele era casado — disse Sara, aborrecida por 

ter deixado escapar o comentário. 

— Talvez ele esteja para ficar descasado, como Magda — disse Glenn, 

rindo. — É muito comum essa situação entre o pessoal de Hollywood. 

—  Mas  Janos  não  faz  parte  do  pessoal  de  Hollywood  —  falou  Sara, 

muito séria. — Ele… — Sara notou como Glenn olhava espantado para ela ao 
ver a reação que tinha tido. — Ele não é desse tipo de pessoa! 

— Parece que já o conhece! 
— Conheço, mesmo! — começou Sara, mas foi interrompida pela ale-

gre de Cecilia: 

— Sara, minha querida, veja quem eu trouxe para vê-la! 
“Não  quero  ver  você  de  novo!  Nunca  mais!”,  Sara  não  podia  deixar  e 

lembrar as palavras que tinha dito a ele dois anos antes! No entanto, virou-
se,  o  rosto  muito  sério,  parecendo  calma,  embora  suas  mãos  estivessem 
apertadas uma contra a outra para conter o nervosismo. Sentia que a qual-
quer momento seu coração ia estourar, de tão forte que batia! 

— Sara, lembra-se de Janos, não é? — Cecilia disse. 
Sara  ficou  pensando  se  Cecília  estava  sendo  maldosa  de  propósito  ou 

se estava apenas fingindo, por causa das outras pessoas. 

—  Claro  que  sim!  —  Sara  respondeu  e  ficou  feliz  ao  ver  que  sua  voz 

estava bem firme. — Como vai? Parabéns! Tocou muitíssimo bem! 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

53 

Havia um brilho especial nos olhos de Janos quando pegou na mão de-

la para cumprimentá-la. Depois, num gesto muito educado, ele se inclinou e 
levou  a  mão  aos  lábios.  Sara  precisou  usar  a  maior  força  de  vontade  para 
não retirar a mão depressa. 

— Toquei somente para você — ele disse de modo suave, conservando 

a mão de Sara entre as suas e não tirando os olhos dos  dela. Será que ele 
também estava perdido nas próprias lembranças? 

— Sabia que eu estava aqui? — ela perguntou, espantada, perdendo a 

noção  das  outras  pessoas  ao  redor.  Mais  uma  vez  sentia-se  presa  aos  en-
cantos dele, como se os dois anos em que estiveram separados não houves-
sem existido. 

— Pouco antes do concerto começar, Cecília me contou que você esta-

va presente — Janos respondeu, procurando demonstrar com o olhar que ela 
era a pessoa mais importante do mundo para ele. 

Sara  ainda  desconfiava  daquele  olhar  e,  logo  que  foi  possível,  tratou 

de tirar a mão das dele. Achava que Janos estava usando seu charme como 
sempre  fazia  quando  estava  junto  de  uma  mulher  atraente.  Ele  devia  estar 
fingindo!  No  entanto,  ninguém  prestava  atenção  neles,  pois  Cecília  estava 
apresentando Magda Scott ao grupo. 

— Sara, se fosse possível, gostaria de encontrá-la em algum outro lu-

gar — Janos começou a dizer bem perto dela, mas foi interrompido: 

—  Janos…  —  A  voz  de  Magda  estava  bem  por  trás  dele;  era  um  tom 

profundo e sensual, do tipo de fascina as pessoas. — Temos que ficar aqui? 
Não podemos voltar para Beverly Hills? 

—  Ainda  não  —  respondeu  Janos.  Depois,  com  um  sorriso  malicioso, 

continuou:  —  Sara,  gostaria  que  conhecesse  Magda  Scott.  Magda,  esta  é 
minha esposa, Sara. 

Ele  parecia  um  garotinho  que  tivesse  riscado  um  fósforo  em  fogos  de 

artifício e ficado parado, esperando o resultado de sua travessura. Divertia-
se ao ver a surpresa estampada no rosto de Magda; também Sara tinha fi-
cado espantada com a atitude dele. 

— Só pode estar brincando! — Magda riu, olhando com ar superior pa-

ra Sara. 

— Não estou brincando, não! — retrucou Janos. — Estamos casados há 

três anos. 

—  Sr.  Vaszary  —  Myrna  falou,  usando  seu  tom  mais  convincente  —, 

gostaríamos  imensamente  que  depois  do  concerto  o  senhor  viesse  à  nossa 
casa, onde estamos fazendo uma reunião para comemorar o último concerto 
desta temporada. 

Sara aproveitou a interrupção para sair dali; em vez de se dirigir para 

a platéia, foi em direção à saída. 

—  Está  indo  na  direção  errada  —  disse  Glenn,  pondo a  mão  no  braço 

dela. 

— Não agüento mais voltar para lá. Preciso ir embora. — Pôs a mão na 

testa. 

— Está um pouco pálida, Sara. Não se sente bem? — Glenn perguntou, 

preocupado com ela. — Está um pouco abafado aqui dentro; talvez se sinta 
melhor tomando um pouco de ar fresco. 

Glenn segurou-a pelo braço e levou-a para fora; a noite estava linda, o 

céu parecia de veludo, as estrelas brilhavam. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

54 

— Está se sentindo melhor? 
—  Bem  melhor,  obrigada.  Acho  que  você  tinha  razão: precisava  mes-

mo respirar um pouco de ar puro. 

— Quer voltar para assistir o final do concerto? 
— Não, não faço questão. 
—  Quer  ir  de  volta  para  casa?  Ou  gostaria  de  dar  uma  volta  de  carro 

para ver a costa? O litoral é lindo nesta parte da Califórnia. Tenho uma casi-
nha no fim da próxima praia, onde fico quando quero realmente descansar; 
há muito tempo que quero levá-la para conhecer o meu refúgio, mas nunca 
houve  oportunidade.  Poderíamos  ir  até  lá,  tomar  alguma  coisa  e  ouvir  um 
pouco de música. Que tal? 

— Mas… e a festa que Myrna vai dar depois do concerto? Prometi que 

iria! 

— Faz mesmo questão de ir? 
Sara  não  sabia.  Pensou  que,  na  festa,  iria  encontrar  de  novo  Magda 

Scott,  com  seus  ares  de  dona  de  Janos,  e  sentiu  que  estava  com  ciúme. 
Como poderia se manter calma na festa de Myrna, vendo  Magda  monopoli-
zar  Janos?  Era  melhor  não  ver.  O  que  os  olhos  não  vêem,  o  coração  não 
sente. 

— Prefiro não ir à festa — disse, sorrindo para Glenn. — Prefiro conhe-

cer o seu refúgio, conversar e ouvir música. 

— Então, vamos — disse Glenn, contente. 
Foram  para  o  carro  dele,  que  estava  estacionado  ali  perto.  Seguiram 

pela estrada costeira e Sara ficou encantada; a estrada seguia o contorno do 
mar,  por  vezes  alta,  sobre  rochedos,  às  vezes  bem  rente  ao  oceano.  Por 
uma hora Glenn dirigiu por essa estrada, para depois virar à direita e seguir 
por  outra,  mais  estreita,  que  levava  direto  a  um  rochedo  a  pique  sobre  o 
mar. Sobre o rochedo, debruçada sobre o mar, ficava a casa dele. 

Era maravilhosa! Construída em diferentes níveis, tinha uma vista pa-

norârnica para o mar, pois todo o lado que dava frente para o oceano era de 
vidro. Estava muito bem decorada, com móveis modernos e finos. Sara ficou 
encantada com o que viu. 

Sentaram num sofá que ficava de frente para um janelão aberto para 

o mar; podiam sentir a brisa suave que soprava do sul e ver as ondas que-
brando  na  praia,  iluminadas  pela  luz  prateada  da  lua  cheia.  Ao  fundo,  uma 
música suave e romântica completava o aconchego da sala. 

— Você vem muitas vezes aqui? — perguntou Sara, tomando o ponche 

de frutas que Glenn havia preparado. 

—  Venho  sempre  que  os  negócios  permitem,  mas  não  tanto  quanto 

desejaria.  Talvez,  se  tivesse  com  quem  partilhar  tudo  isso,  viesse  mais  ve-
zes. — Ele fez uma pausa e continuou em tom significativo: — Principalmen-
te alguém como você! 

—  Tudo  aqui  é  maravilhoso:  a  casa,  a  paisagem…  —  Sara  procurava 

ignorar a última observação de Glenn. Engraçado como ela se sentia nervosa 
com ele; até aquela noite, sempre estivera à vontade na presença de Glenn. 
Como  ele  era  bem  mais  velho  do  que  ela,  sempre  o  olhara  como  a  um  ir-
mão; mas agora… parece que a conversa dele era diferente. 

— Tem mesmo que voltar tão depressa para a Inglaterra? 
— Infelizmente, sim. Adorei cada minuto que passei aqui, mas minhas 

férias terminam na semana que vem e preciso voltar para o meu trabalho. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

55 

—  Existe  alguém  lá  para  quem  esteja  voltando?  Sabe,  alguém  com 

quem até esteja pensando em casar? 

— Não, Glenn — ela disse, rindo. — Por que acha isso? 
—  Porque  acho  que  você  é  meio  indiferente  para  com  todos  os  ho-

mens. Se está apaixonada por alguém, posso compreender essa atitude; se 
não, posso lhe perguntar: já foi casada? Já amou alguém? 

— Já — ela respondeu, olhando para as mãos e sem saber como conti-

nuar a conversa. 

— Está divorciada? 
— Ainda não. 
— Vai se divorciar? 
Sara  teve  outra  vez  a  visão  de  Magda  Scott  pegando no  braço  de  Ja-

nos  e  pensou  no  pedido  que  ele  fizera  para  que  ela  marcasse  um  encontro 
com ele. Para discutir sobre o divórcio? Provavelmente! 

—  Acho  que  vou  me  divorciar,  sim  —  ela  respondeu.  —  Por  que  quer 

saber? 

— Porque quero me casar com você. 
Sara  olhou  para  ele,  espantada;  Glenn  estava  sério,  aguardando  a 

resposta dela. Como ela não disse nada, ele falou: 

— Está surpresa? 
— Claro que sim! Afinal de contas, só nos conhecemos há duas sema-

nas! 

—  Quanto  tempo  levou  para  se  casar  com  o  seu  marido?  Semanas, 

meses,  anos?  Ou  somente  dias?  O  tempo  não  importa  quando  se  trata  de 
amor! 

Sara  começou  a  pensar  como  fora  rápida  a  sua  decisão  de  casar  com 

Janos  e  como  ela  se  sentiria  segura  do  que  queria.  Tinha  sido  paixão  tão 
grande e completa que não tivera dúvida nenhuma sobre casar com ele! Mas 
como podia comparar as situações? 

— Não importa quanto tempo antes eu conheci meu marido. 
— Concordo com você. — Ele sorriu chegando mais perto dela. — Não 

é da minha conta. Também já fui casado, não sei se sabia. 

— Já, sim. Cecília me contou. 
— Faz mais de dez anos que eu e Tracy estamos divorciados e minha 

filha Helen tem treze anos. 

— A menina mora com a mãe? — perguntou Sara, feliz por ter mudado 

de assunto. 

— Ela está interna num colégio; nas férias, fica com a mãe e às vezes 

vem passar alguns dias comigo. Mas não tenho muita paciência com adoles-
centes… Ficaria muito aborrecida por ter uma enteada passando alguns dias 
por ano com a gente? 

— Ainda não disse que aceito casar com você! 
— Sei disso, mas quero que pense a respeito e decida antes de voltar 

à Inglaterra. 

— Ma… não posso  decidir assim  tão depressa! Primeiro tenho que me 

divorciar para depois ver como me sinto! Talvez não queira casar outra vez! 
— ela disse, aflita. 

— Talvez… — concordou Glenn. — Depois de um fracasso no casamen-

to  a  pessoa  fica  com  medo  de  errar  de  novo.  Eu  me  senti  do  mesmo  jeito 
depois da minha experiência com Tracy. Mas agora sei o que espero de uma 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

56 

esposa e acho que nós nos daríamos muito bem; temos muita coisa em co-
mum! 

—  Temos?  —  perguntou,  desafiando-o.  Sara  não  encontrava  nenhum 

traço  comum  entre  os  dois.  Pela  casa,  era  um  homem  acostumado  a  uma 
vida rica e faustosa, ao passo que ela sempre tivera que lutar. 

— Claro! Somos os dois muito práticos, de cabeça fria. Tenho certeza 

de  que  você  não  ficaria  em  pânico  se  tivesse  que  organizar  um  jantar  para 
receber  o  governador  e  sua  comitiva,  por  exemplo.  Tracy  ficava  apavorada 
com isso! 

— É, acho que eu daria conta — ela concordou. 
—  Vamos  ser  sinceros,  Sara.  Não  vou  dizer  que  a  amo,  ou  qualquer 

bobagem  no  gênero  —  ele  falou  suavemente  —,  e  sei  que  também  não  me 
ama.  Mas  podemos  raciocinar  como  adultos.  Tenho  certeza  de  que  podere-
mos viver muito bem juntos. Claro que, casando comigo, você terá uma vida 
boa  e  confortável;  daria  a  você  uma  bela  mesada  e  sei  que  tomaria  conta 
das  minhas  casas,  seria  ótima  anfitriã  para  os  meus  amigos  e  organizaria 
nossos passeios e diversões. 

— Então não gostaria que eu continuasse no meu emprego? 
— Você faria questão? 
— Adoro o que faço e acho que não gostaria de desistir de tudo só pa-

ra ficar tomando conta da casa ou de festas. 

Houve um silêncio pesado entre os dois. Foi Glenn quem recomeçou: 
—  Precisa  trabalhar  para  uma  companhia  têxtil?  Não  pode  trabalhar 

por conta própria, criando desenhos e depois os oferecendo para as fábricas 
de tecidos? 

Esse sempre foi o sonho de Sara, mas era necessário ter muito capital 

para fazer assim. 

— Poderia, se tivesse apoio financeiro, principalmente no início. 
— Case comigo e  terá todo o apoio financeiro de que  precisa — disse 

Glenn, como se estivesse fechando um negócio. — Além disso, posso usar o 
meu prestígio comercial e pessoal para fazer com que os tecidos desenhados 
por Sara Cranston sejam os mais solicitados pelas indústrias têxteis. Que tal 
essa base para darmos início ao nosso casamento? Você continua com a sua 
carreira e eu lhe dou todo o apoio necessário, desde que cumpra com o que 
espero de uma esposa. 

Prático,  cabeça  fria,  controlado,  bom  comerciante,  considerando  o 

amor como bobagem, assim é Glenn, pensou Sara. E ele achava que ela era 
assim também! Que diferença do seu caso de amor com Janos! Glenn jamais 
poderia  despertar  nela  o  mais  leve  sinal  de  paixão;  nem  ela  poderia  imagi-
ná-lo  apaixonado  ou  fazendo  amor…  E  com  Janos,  cada  centímetro  de  seu 
corpo vibrava de emoção! 

—  Que  me  diz,  Sara?  —  ele  perguntou,  animado.  —  Gosta  da  minha 

oferta? 

— Tenho que pensar um pouco, Glenn. 
— Sei que tem; é muito justo. Mas… em quanto tempo pode conseguir 

o divórcio? 

—  Não  tenho  certeza.  Eu…  eu…  —  Achou  melhor  usar  de  franqueza 

com ele. — Preciso falar com Janos primeiro. 

— Janos? Janos Vaszary? 
— Ele mesmo. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

57 

— Então era por isso que você sabia que ele era casado! Bem, só pos-

so dizer que você é ótima para guardar segredos! Aliás, você e ele! Vi quan-
do sua prima o trouxe para perto de você hoje à noite e nunca poderia adi-
vinhar  que  tinham  sido  tão  íntimos  assim.  Há  quanto  tempo  estão  separa-
dos? 

— Dois anos. 
— Foi você quem o abandonou? 
— Não sei dizer. Acho que foi de comum acordo. 
— Então acho que não vai ter problema nenhum em conseguir o divór-

cio, já que estão separados há tanto tempo. 

—  Também  acho  que  não.  —  Sara  não  queria  mais  ficar  discutindo 

com  ele  a  sua  situação  com  Janos.  Achou  melhor  acabar  com  isso.  Levan-
tando-se, disse: — Preciso voltar para casa. Cecília já deve estar preocupada 
em saber onde estou. 

— Acho que seria ótima idéia se conversasse com Vaszary sobre o di-

vórcio  antes  que  ele  deixasse  Los  Angeles  —  disse  Glenn,  levantando-se 
também. — Posso telefonar para Myrna para saber se ele ainda está na festa 
e marcar um lugar para você encontrá-lo e conversar. 

— Não. Prefiro escrever para ele. Na verdade, não é preciso encontrá-

lo. Sei que podemos tratar do divórcio sem que seja necessário que a gente 
se encontre. 

Glenn  olhou  para  ela  e  depois  se  aproximou,  estudando  a  expressão 

que ela tinha no rosto. 

—  Acho  que  estou  começando  a  entender  por  que  quis  se  afastar  do 

local do concerto e também por que não fez questão de ir à festa de Myrna. 
Tem medo de Vaszary? 

— Não, não é isso, É que nosso casamento foi apenas por conveniên-

cia,  de  modo  que  ele  pudesse  ficar  na  Inglaterra  depois  de  ter  fugido  da 
Hungria. Não existe nada entre nós e acho que ele vai ficar tão alegre quan-
to eu de pôr um fim nesse laço, que é apenas oficial. 

Glenn  pareceu  pesar  o  que  Sara  tinha  dito;  era  lógico  e  ele  entendeu 

os motivos dela. 

— Vamos fazer como você quer; não vou ligar para Myrna. — Ele pu-

xou-a pela mão, dizendo: — Venha conhecer o resto da casa. Talvez, quan-
do estiver na Inglaterra e começar a pensar a respeito de tudo, isso a ajude 
á decidir-se. 

Era quase uma hora da manhã quando Glenn e Sara chegaram à casa 

de Cecília e Philip Merton. Eles também moravam perto da praia, numa casa 
térrea,  bem  ampla  e  confortável.  As  luzes  do  jardim  estavam  acesas,  mas 
não se via movimento dentro da casa. Philip e Cecília deviam estar dormin-
do, pois seus carros já estavam estacionados. 

— Chegamos tarde — disse Sara — acho que já estão todos dormindo. 
— Tem chave para entrar? 
—  Tenho,  sim.  Trouxe  a  chave  da  porta  lateral,  que  é  encostada  ao 

meu quarto. 

— Vou até lá com você. 
Deram a volta na casa e Sara pôde perceber que tudo estava às escu-

ras.  No  entanto,  havia  uma  luz  acesa  na  janela  do  quarto  pegado  ao  seu; 
antes  mesmo  que  ela  pudesse  pensar  quem  estaria  dormindo  ali,  a  luz  se 
apagou. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

58 

— Obrigada por ter me acompanhado — Sara falou baixinho. — Gostei 

muito de ter conhecido o seu refúgio. 

— Foi um prazer! Espero que pense a respeito do que lhe propus hoje 

e que tome a decisão de casar comigo. 

— Vou pensar. Boa noite. — Sara levantou a cabeça para um beijo de 

despedida; embora não tivesse vontade nenhuma de beijá-lo, achou que era 
a única coisa a fazer depois da proposta de casamento. 

Glenn chegou mais perto e beijou-a na boca. 
—  Talvez  o  beijo  também  a  ajude  a  se  decidir  —  ele  murmurou,  ten-

tando pôr bastante emoção na voz — Boa noite, Sara. Vejo você amanhã. 

Ele  esperou  até  que  ela  tivesse entrado  para  ir embora.  Contente  por 

estar  sozinha,  Sara  suspirou,  aliviada.  Entrou  no  quarto  e  foi  até  o  criado-
mudo para acender o abajur.  Sabia que já era tarde, mas não sentia sono; 
gostaria  que  Cecília  não  estivesse  dormindo,  pois  queria  saber  como  tinha 
sido  a  festa  de  Myrna,  se  Janos  tinha  ido  ou  não  e  se  tinha  levado  Magda 
Scott com ele. 

Por  que  ainda  se  incomodava  em  saber  coisas  a  respeito  de  Janos?  E 

se  ele  realmente  estivesse  tendo  um  caso  com  Magda,  que  diferença  isso 
faria para ela? Nenhuma; portanto, era melhor tratar de esquecer tudo. 

Nesse momento começou a ouvir barulho na porta do quarto que dava 

para  o  jardim  interno.  Ficou  olhando  para  ela,  com  um  pouco  de  medo. 
Quem  seria?  A  porta  rangeu  um  pouco,  depois  se  abriu  e  Janos  entrou  no 
quarto. 

Ele  estava  vestindo  a  calça  preta  que  usara  no  concerto  e  a  mesma 

camisa, mas estava sem a casaca e a gravata A camisa estava aberta até a 
cintura,  mostrando  a  pele  bronzeada  Ficou  ali  parado,  com  as  costas  volta-
das  para  a  porta,  olhando-a  muito  sério;  Sara  podia  perceber  uma  ameaça 
naquele olhar. 

— Que está fazendo aqui? — conseguiu perguntar. 
— Estava esperando que você chegasse. Onde esteve? — ele pergun-

tou muito suave e começou a andar pra mais perto dela. 

— Estive na casa de um amigo. 
Ele parou a poucos passos dela e continuou a olhá-la fixamente. 
— Foi à casa do amigo que estava beijando lá fora? — perguntou. 
— Então era você quem estava no quarto onde havia luz. E que estava 

fazendo? Espiando por trás da jarda? 

— Estava no quarto pegado, sim. E não sei o que quer dizer com esse 

“espiando  por  trás  da  janela”.  Simplesmente  ouvi  o  que  conversavam  por-
que estavam debaixo da minha janela. E o silêncio entre as frases foi signifi-
cativo: só poderia ter sido causado por um beijo. 

Sara não respondeu nada e tirou o relógio, colocando-o sobre a mesi-

nha; não podia ficar parada, olhando para ele sem dizer nada. 

—  Estou  contente  que  tenha  vindo  para  cá,  que  não  tenha  ficado  na 

casa de seu amigo. Esperava encontrá-la na casa de Myrna, mas, como não 
foi,  pedi  a  Cecília  para  esperar  por  você  e  ela  me disse  que  poderia  dormir 
esta noite aqui. —  Fez unia  pausa e  depois continuou: — Por que você não 
foi à festa? Foi porque não queria mais me ver? 

— Eu… bem… é, foi por isso mesmo — respondeu Sara, sem olhar para 

ele.  A  presença  de  Janos  já  bastava  para  deixá-la  perturbada.  Guardou  o 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

59 

relógio  na  gaveta,  só  para  fazer  alguma  coisa;  depois,  procurando  parecer 
natural, perguntou: — Por que queria me ver? 

— Queria ver como você estava agora, se era do mesmo jeito que eu 

lembrava — Janos falou com doçura e aproximou-se dela. — Você me parece 
a mesma e, no entanto, está diferente. Usa o cabelo de outro modo e se pin-
ta um pouco mais. Achava que era sempre um pouco fria e distante quando 
estava com outras pessoas, mas sei que essa era a sua maneira de disfarçar 
a  timidez.  Agora,  essa  frieza  e  indiferença  me  parecem  um  estado  perma-
nente. 

—  Você  não  esperava  que  eu  ficasse  a  mesma  depois  de  ter  sido  en-

ganada  e  levada  a  casar  com  você,  não  é  —  ela  respondeu,  fechando  com 
força a gaveta onde guardara o relógio. Ao levantar os olhos, viu a imagem 
dele  refletida  no  espelho;  ficou  reparando,  para  ver  se  notava  mudanças. 
Achou-o apenas um pouco mais gordo, e muito mais bonito! 

— Não enganei você nem forcei a casar comigo — ele respondeu, com 

raiva nos olhos e na voz. — Casou comigo porque quis. 

— Mas eu não teria casado se soubesse que você tinha ido à Inglaterra 

para casar com Cecília! 

—  Não?  Tenho  certeza  que  sim.  Você  estava  louca  para  ser  amada, 

desejando ardentemente casar! — ele falou, pondo maldade na voz. 

—  Acho  que  está  aqui  porque  quer  o  divórcio,  para  poder  casar  com 

outra,  não  é?  —  Sara  esforçava-se  para  parecer  fria  e  distante,  virando-se 
para ele e encostando na mesinha. 

— Quero aquilo que você quiser — ele respondeu. — Agora já deve ter 

certeza do que quer; já lhe dei bastante tempo para pensar e se decidir. 

—  Já  me  decidi,  dois  anos  atrás,  e  não  mudei  de  idéia.  Agora,  se  me 

desculpar, estou cansada e quero ir deitar. 

— Não sou eu que vou impedi-la — Janos disse, sorrindo. — Vou ape-

nas ficar sentado aqui. — Dizendo isso, ele sentou-se na poltrona que havia 
no quarto, colocando uma das pernas sobre o braço. — Agora pode deitar e 
então conversaremos. 

— Não vou trocar de roupa e deitar enquanto você estiver aqui dentro! 

Vá embora! 

— Você sempre foi puritana, Sara, e não mudou nada! 
— Janos, por favor, vá para o seu quarto. Prometo que converso com 

você de manhã. 

— Não — ele respondeu, sério —, vamos conversar agora. 
— É muito tarde, Janos, estou cansada e quero deitar! 
— Não seja tímida, querida, troque de roupa e deite-se. 
—  E  seu  “caso”  não  vai  ficar  pensando  em  onde  é  que  você  está  du-

rante todo esse tempo? 

— Caso? O que é caso? 
—  Não  finja  que  não  entende  inglês,  Janos!  Seu  caso  é  sua  amante, 

Magda Scott. Cecília também deve tê-la convidado para ficar aqui! 

Toda a expressão de brincadeira sumiu do rosto de Janos; seus olhos 

ficaram tristes e amargurados: os lábios se fecharam numa linha fina. 

—  Não  sei  por  que  você  está  sempre  pronta  a  acreditar  em  tudo  que 

dizem  de  mim.  Magda  não  está  aqui;  ela  voltou  para  Beverly  Hills.  Se  não 
me acredita, venha até o meu quarto e olhe você mesma! Ou então vá acor-
dar Cecília e pergunte a ela. — Ele parou para se acalmar um pouco, depois 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

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falou: — Ela não é o que muita gente anda dizendo; não tenho um caso com 
ela, nem pretendo ter. 

— Mas ela quer casar com você! 
— Como é que sabe disso? Quem lhe contou? Foi seu amigo, esse que 

estava beijando pouco tempo atrás? Quem é ele? Seu último caso? O suces-
sor de Tom Caldwell? 

— Nunca tive nada com Tom Caldwell e não tenho nada também com 

Glenn Bixman. 

—  Como  pode  dizer  isso  se  estava  beijando  esse  homem?  Se  não  ti-

vesse  nada  com  ele,  teria  ficado  indignada  e  lhe  teria  dado  um  contra,  por 
tirar vantagens de você! — Janos estava com raiva. 

— Não sinto nada por ele, nem ele por mim. — Vendo a expressão de 

dúvida  que  Janos  fez,  ela  continuou:  —  Não  adianta  tentar  explicar,  você 
nunca entenderia! — Depois falou, muito séria: — Por favor, Janos, vá para 
o seu quarto e me deixe dormir. Só estamos falando bobagens. Não vamos 
poder  acertar  um  divórcio  até  que  a  gente  consiga  raciocinar  direito;  e  es-
tamos muito cansados para isso. 

— Não quero falar sobre divórcio. 
Sara  olhou  bem  para  ele;  Janos  se  levantou  e  encarou-a  daquele 

mesmo jeito de quando tinham se conhecido: era sua maneira de dizer que 
ela era a única mulher no mundo para ele. Isso representava uma ameaça à 
paz de espírito que Sara tinha conseguido naqueles dois anos de luta. 

— Mas você disse que queria conversar! 
— Conversar sobre nós — ele concordou. — Conversar sobre a gente, 

sobre bobagens, qualquer coisa, até irmos juntos para a cama. 

— Não! Não! — ela gritou, colocando as mãos sobre os ouvidos. — Não 

quero mais ouvir você! Não quero mais vê-lo. Vá embora! Por favor, Janos, 
vá embora! — Sara falava de olhos fechados, apertando os ouvidos. 

De repente sentiu a mão de Janos em sua nuca, procurando pelo fecho 

do  zíper  de  seu  vestido,  Tentou  se  virar  para  impedi-lo  de  abrir  sua  roupa, 
mas era muito tarde. Janos puxou o fecho e ele se abriu. 

— Por que fez isso? — perguntou, lutando para subir o zíper novamen-

te, 

— Para poder fazer assim — ele disse e pôs a mão no ombro de Sara; 

depois foi descendo até encontrar os seios. — Sua pele continua macia como 
veludo… — murmurou baixinho no ouvido dela — e aquela pintinha continua 
bonita como era. Senti falta dela; senti falta de cada pedacinho de você! — 
Com os lábios ardentes, ele beijava o pescoço, os ombros de Sara… 

Ela era incapaz de se mover, tomada pelas mesmas sensações do pas-

sado,  que  a  deixavam  zonza  e  trêmula.  Tentava  lutar  contra  o  desejo  e  a 
paixão que cresciam em seu íntimo, gemia, desesperada, tentando se livrar 
daquele abraço. 

— Por favor, deixe-me ir! Por favor, Janos, quero minha liberdade! — 

Janos soltou-a ligeiramente, somente para poder olhá-la nos olhos; continu-
ava com os braços em volta da cintura dela. Com a boca muito perto da de 
Sara, os lábios sensualmente entreabertos, ele perguntou: 

— Liberdade? Para quê? 
— Quero ser livre de você — ela murmurou, enquanto suas mãos pa-

reciam  ter  adquirido  uma  vontade  própria,  pois  queriam  tocar  aquele  peito 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

61 

forte e fazer carícias; Sara tinha que mantê-las fechadas para que isso não 
acontecesse. Também seu corpo parecia ansiar pelo contato do dele. 

— Por que quer se livrar de mim? — ele perguntou, soltando o vestido 

dela, que ainda ficara preso num dos ombros. 

— Porque… porque vou me casar com outro homem — ela respondeu, 

ao  mesmo  tempo  em  que  puxava  o  braço  para  que  o  vestido  se  soltasse 
mais facilmente. 

— O homem é esse que estava com você aqui, pouco tempo atrás? — 

Janos continuou a falar mansinho, desabotoando o cinto do vestido e puxan-
do-o até que ficasse todo no chão. 

Agora  que  o  vestido  não  a  cobria  mais,  Sara  percebeu  que  suas  últi-

mas  reservas  também  tinham  sumido.  Estava  apenas  de  calcinha  e  sentia 
uma onda de sensualidade envolvê-la 

—  Ele  mesmo,  O  que  vai  fazer  agora?  —  ela  sussurrou,  passando  os 

braços  em  redor  do  pescoço  de  Janos,  sentindo  a  maciez  da  pele,  o  cabelo 
sedoso, a pressão excitante do corpo dele contra o seu. 

—  Agora  vou  pôr  você  na  cama  —  ele  disse,  muito  suave  —  e  fazer 

com você o que queria fazer naquela manhã que cheguei à Inglaterra; aliás, 
era o que deveria ter feito, na ocasião. 

Por  alguns  segundos  ela  pareceu  sair  daquele  êxtase  e  procurou  sol-

tar-se;  mas  os  braços  de  Janos  a  seguraram  firme.  Então  ele  carregou-a  e 
levou-a para a cama. 

—  Não!  Não  quero!  —  ela  dizia,  tentando  se  livrar.  —  Você  não  está 

entendendo nada! Glenn quer se casar comigo… e… então… vou  precisar do 
divórcio. Não quero você! Não quero ir para a cama com você! 

— Está louca para ir para a cama comigo, Sara, por isso pare de fingir 

— ele falou, muito firme. — Ficar dizendo que não quer não vai me impedir 
de fazer o que quero! Pode falar quanto quiser sobre ser livre, mas o fato é 
que ainda é minha.. 

— Não sou! Não pertenço a mais ninguém — Sara falou e rolou ara o 

outro lado da cama, tentando escapar. 

Mas ele estava atento, alcançou-a e trouxe de volta, segurando-a com 

as pernas colocadas em cada lado de seu corpo. 

—  Você  ainda  é  minha!  —  Sua  voz  estava  cheia  de  paixão  e  os  olhos 

brilhavam de intenso desejo. — E vou possuí-la hoje! 

— Mas não vai fazer isso contra a minha vontade — ela disse. Mas, na 

verdade, não havia oposição em sua voz; pelo contrário, havia um toque de 
sensualidade. 

— Não vai ser contra a sua vontade, minha querida Sara, minha Sara 

sempre tão tímida. — Havia um tom alegre em sua voz. Deitando-se ao lado 
dela,  ele  sussurrou,  muito  suave  e  baixinho:  —  Se  você  soubesse  quanto 
esperei por este momento, quanto queria vê-la, falar com você, tocá-la, es-
tar  junto  de  você…  Se  soubesse  quanto  desejei  você  nestes  últimos  dois 
anos, você não ficaria longe de mim… — E juntou os lábios aos dela. 

A princípio, não havia carinho naquele beijo; era violento e selvagem, 

como se Janos quisesse castigá-la pelo que sofrera. Ela correspondeu ao bei-
jo com igual ardor e violência. Sentia necessidade de senti-lo, de dar explo-
são  aos  sentimentos  que  precisara  manter  aprisionados  durante  tanto  tem-
po! 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

62 

As  mãos  de  Sara,  com  a  nova  vida  que  tinham  adquirido,  desceram 

para o cinto da calça de Janos, até que finalmente conseguiram soltá-lo. Fi-
caram  muito  juntos,  as  mãos  se  acariciando,  as  pernas  misturando,  as  pe-
les, roçando, suas bocas mostrando a falta que tinham sentido daquele con-
tato íntimo e delicioso. 

Aos poucos, passados os primeiros instantes de violência  e paixão re-

primida, o carinho e a doçura que sempre houve em suas relações começa-
ram a aparecer. Era como a melodia suave e delicada que segue, por vezes, 
os sons discordantes em uma sinfonia. 

Depois, dormiram muito juntinhos e abraçados. Sara acordou primeiro. 

Viu  que  eram  quinze  para  as  oito,  apagou  a  luz  do  abajur  que  tinha  ficado 
acesa,  depois,  ficou  olhando  para  Janos,  que  ainda  dormia.  Podia  perceber 
os  barulhos  normais  de  uma  casa  que  acorda.  Ouviu  a  voz  da  empregada 
que brincava com Paul, o filhinho de Cecília e Philip. 

Um bebê! Esse pensamento passou pela mente de Sara, assustando-a. 

Colocou a mão sobre a barriga; depois do que tinha acontecido à noite, ela 
poderia engravidar! Não tinha tomado nenhuma precaução e era seu período 
fértil! Olhou de novo para Janos, que estava bem perto dela, os olhos aber-
tos,  observando-a.  Seria  imaginação  ou  havia  um  olhar  interesseiro  naque-
les olhos de águia? 

Pensando em como se deixara envolver facilmente pelos carinhos dele, 

teve raiva de si mesma! Se ficasse grávida, ia ser a única culpada; era boba 
e  sempre  se  deixava  levar  pelo  charme  e  encanto  que  Janos  exercia  sobre 
ela. 

—  Lembra-se  da  Hospedaria  do  Faisão?  —  ele  perguntou,  chegando 

mais perto dela, cruzando urna das pernas -sobre as suas e acariciando seu 
rosto. 

— Muito. E você? 
— Muitas vezes eu ficava pensando sobre nossos dias lá, enquanto es-

tava sozinho num quarto de hotel em uma das muitas cidades onde partici-
pei de concertos. Lembro também de uma casa que vimos, perto de um lago 
e que estava para vender. 

— Nós até olhamos para dentro, pela janela, para ver como como era, 

lembra? 

—  Isso  mesmo!  E  fizemos  muitos  planos  de  como  iríamos  reformá-la, 

um  dia,  quando  tivéssemos  dinheiro  para  comprá-la. Não  pode  mos  esque-
cer tudo isso, não é, Sara? 

O  que  ele  estava  pretendendo  fazer  com  ela?  Não  somente  tinha  to-

mado posse de seu corpo como também queria seu coração, fazendo-a lem-
brar  aqueles  dias  maravilhosos  que  haviam  passado  juntos  na  região  dos 
lagos.  E  a  amolecia  por  dentro  ao  mencionar  a  solidão  que  sentia,  sozinho 
em quartos de hotéis. Ele estava tentando fazê-la ter pena dele, estava ten-
tando seduzi-la, como já fizera três anos atrás. E ela sempre se deixava le-
var… 

Não ia mais agüentar isso! 
—  Não  quero  lembrar  mais  nada!  —  disse,  indo  para  o  outro  lado  da 

cama  e  levantando-se.  Foi  até  o  armário,  pegou  o  robe  e  vestiu-o,  conser-
vando sempre as costas voltadas para Janos. 

— Queria muito ir  para a região dos lagos, no verão — ele disse, cal-

mo. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

63 

—  Lá  chove  demais  nessa  época  —  ela  respondeu  e  foi  para  o  jardim 

interno  da  casa.  Estava  uma  manhã  maravilhosa,  o  sol  muito  brilhante  e  o 
céu azul claro e livre de nuvens. Sara respirou profundamente, como se as-
sim pudesse clarear as idéias; voltou para o quarto, mas ficou parada de pé 
junto à porta que dava para o jardim. 

Janos, ainda deitado, continuou a conversa como se nunca tivesse sido 

interrompida: 

— Gostaria de comprar uma casa lá, perto de um lago, que seria o lu-

gar onde eu iria descansar quando não estivesse dando concertos ou fazen-
do gravações. — Ele parecia estar pensando alto; havia muita determinação 
em sua voz. 

—  Tenho  certeza  de  que  Magda  Scott  não  gostaria  desses  planos  — 

disse Sara, ainda olhando para fora. 

Janos não fez comentários e ela ouviu a cama ranger quando ele se le-

vantou.  Com  o  rabo  do  olho  viu  que  ele  vestia  a  calça  e  depois  pegava  a 
camisa, colocando-a sobre um dos ombros; depois, foi para junto dela. Sara 
tratou de se afastar, porque sabia como essa proximidade lhe era perigosa. 

—  Preciso  ir  embora  em  meia  hora,  pois  tenho  um  concerto  à  noite, 

em  Los  Angeles,  e  um  ensaio  agora  de  manhã.  De  lá,  sigo  amanhã  para  a 
Cidade do México para outra série de concertos. E você? Quanto tempo mais 
vai ficar aqui? 

— Vou embora depois de amanhã; tenho que voltar para o meu traba-

lho  na  próxima  segunda-feira.  —  Sara  disse  tudo  isso  sem  olhar  para  ele; 
era mais fácil assim! 

— Depois do México — ele continuou —, vou para Nova York, onde vou 

dar um curso de interpretação musical. Terei que ficar lá até o fim de junho. 
Poderia ir para Manchester em julho e então iríamos para a região dos lagos, 
procurar a casa de nossos sonhos. 

— Nós? Por que acha que eu estou interessada em ajudá-lo a procurar 

essa casa? 

—  Porque  somos  casados;  porque  é  minha  esposa;  porque  vai  ser  a 

nossa casa. Não é suficiente? — ele perguntou, um pouco irritado. 

—  Não  acha  que  está  tirando  conclusões  precipitadas?  Só  porque  nos 

encontramos  de  novo,  e  você  conseguiu  me  vencer  com  seu  charme  para 
que eu satisfizesse as suas necessidades físicas, isso não quer dizer que eu 
esteja  querendo  viver  de  novo  com  você.  Além  disso,  o  que  aconteceu  on-
tem à noite não mudou nada em relação a nós. 

—  Não  forcei  você  a  fazer  nada  —  Janos  disse,  irritado.  —  Você  quis 

fazer  amor  comigo  do  mesmo  jeito  que  eu  quis  fazer com  você.  Não  pude-
mos evitar isso, depois de estarmos longe um do outro durante tanto tempo! 

— Fale por si mesmo; não fique aí dizendo o que eu quis fazer! — Sara 

tentava defender-se. 

—  Eu  não  pude  evitar  —  disse,  frisando  a  palavra  “eu”.  —  Está  bem 

assim? — ele perguntou, zangado. — Mas não me desculpo pelo que aconte-
ceu; não via você há dois anos e… 

— O que você poderia ter evitado — ela interrompeu. — Sei que nesse 

tempo esteve na Inglaterra, gravando em Londres, e que também esteve no 
Festival  de  Edimburgo.  Não  foi  até  Manchester  porque  não  quis  —  comple-
tou, lembrando como tinha desejado que ele aparecesse no apartamento. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

64 

—  Parece  estar  muito  a  par  dos  meus  compromissos  artísticos.  Mas 

não está esquecendo alguma coisa? Lembra que há dois anos você me disse 
que não queria me ver nunca mais? Portanto, fiquei afastado de você. Além 
disso, também sou um pouco orgulhoso, do mesmo jeito que você é. Só iria 
vê-la se me tivesse convidado; e não me teria visto ontem à noite, se a or-
questra sinfônica não tivesse me convidado para tocar com ela! 

—  Claro!  Como  sempre,  a  música  vem  em  primeiro  lugar  para  você! 

Sempre  foi  assim  e  acho  que  sempre  será.  As  pessoas  não  importam  para 
você, a não ser que… que possam ser utilizadas para servir a seus intentos, 
como  fez  comigo.  —  Sara  estava  com  a  voz  trêmula,  mas  continuou:  —  Se 
eu pedisse a você que não fosse a Los Angeles e ao México para ficar comi-
go, você recusaria, não é? Seja sincero! 

— E você, viria comigo, se eu lhe pedisse? Na certa iria recusar, prefe-

rindo ir para aquela fábrica em Manchester, de volta a seus desenhos! 

— Gosto dos meus desenhos; preciso fazê-los para ser feliz. 
— Do mesmo jeito que eu preciso tocar. É a coisa que faço melhor na 

vida! É minha profissão, tenho que fazer o possível por ela! 

— Você não me ama! 
—  Estou  começando  a  perceber  que  você  é  que  não  me  ama,  nem 

nunca me amou — ele disse, amargurado. — Adeus, Sara! — Saiu pela por-
ta, atravessou o jardim inteiro e entrou no próprio quarto. 

Sara ficou parada onde estava, imóvel, percebendo vagamente os ba-

rulhos da casa e depois o barulho de uru carro que se afastava. Não se deu 
conta da passagem do tempo. Sua vontade era jogar todas suas coisas den-
tro da mala e ir com Janos para Los Angeles e depois para o México, embora 
soubesse que teria que passar sobre o próprio orgulho para agir assim. Esta-
ria demonstrando não só que cedia aos encantos dele mas que também ce-
dia  ao  próprio  desejo  físico  que  sentia  por  ele.  Esse  não  era  o  caminho  do 
amor! Era fácil demais! 

Ouviu batidas  na porta e seu coração pulou, achando que Janos tinha 

voltado  para  insistir  que  ela  fosse  com  ele;  correu  para  abrir  a  porta  mas, 
para seu desapontamento, viu Cecília. 

—  Como  vai?  —  disse  a  prima,  entrando  no  quarto.  Ela  trazia  uma 

bandeja  com  o  café  da  manhã.  —  Achei  que  seria  melhor  se  tomássemos 
café aqui; Aurora, minha empregada, está fazendo limpeza na cozinha e tu-
do por lá está revirado. — Apoiou a bandeja na mesinha e serviu café para 
as  duas;  pegou  uma  xícara,  um  pedaço  de  pão  com  geléia  e  sentou-se  na 
poltrona.  —  O  que  aconteceu  com  você  depois  do  intervalo,  ontem?  Pensei 
que fosse conosco à festa de Myrna! 

— Acho que pode adivinhar por que não fui à festa! — disse Sara, ser-

vindo-se do que estava na bandeja e sentando-se na cama. 

— Não queria ver Janos — sugeriu Cecília. 
— Isso mesmo. 
— Por quê? 
—  Porque…  Cecília,  por  que  não  me  disse  que  ele  ia  ser  o  solista  no 

concerto? Devia ter me avisado! — Sara procurava manter a voz firme. Era 
incrível como só uma noite com Janos podia deixá-la em tal estado de des-
controle! 

— Achei que, se você soubesse que ele ia tocar no concerto, não teria 

ido.  Fiz  isso  com  a  melhor  das  intenções,  porque  achei  que  seria  ótimo  se 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

65 

conseguissem estar um pouco juntos, mesmo que não pudesse ser por mui-
to tempo. Há dois anos que você vem ansiando por estar com ele. 

— Não é bem assim, Cecília. 
—  É,  sim.  Eu  a  conheço  bem  e  sei  que  se  fechou  na  sua  concha  para 

evitar  de  se  machucar.  Mas  posso  perceber,  pelo  seu  jeito,  pelo  seu  olhar, 
que você lastima não ser amada pela pessoa a quem você ama. 

— Não precisa exagerar, Cecília. 
— Não é exagero. Além disso, quando encontrei Janos em Los Angeles, 

achei  que  ele  tinha  o  mesmo  ar  de  quem  perdeu  aquilo  que  mais  ama  na 
vida.  Notei  também  que  ele  não  agüentava  mais  ter  aquela  tal  de  Magda 
correndo atrás dele o tempo todo. Foi por isso que o convidei para passar a 
noite aqui, ontem. Também por isso, dei a ele o quarto pegado ao seu. 

— Deveria tê-lo posto neste quarto de uma vez — disse Sara sincera-

mente. — Ele dormiu aqui. 

—  Já  dá  para  notar  que  dormiu  aqui  —  falou  Cecília,  com  malícia.— 

Então  agora  está  tudo  bem?  Acho  que  nem  preciso  perguntar,  pois  seus 
olhos já brilham  de modo diferente e você está até parecendo mais femini-
na! 

—  Pare  com  isso,  Cecília.  Você  fala  como  se  satisfação  sexual  fosse  a 

coisa mais importante na vida! — Sara sentia os olhos cheios de lágrimas, o 
coração doendo, saudade de Janos… — Nada está bem, Cecília, nada mudou. 
Ainda não sou a primeira coisa na vida dele. Sou apenas a mulher com quem 
ele  dorme  quando  acontece  de  a  gente  se  encontrar;  sou  a  mulher  com 
quem ele se casou porque era um modo de poder ficar na Inglaterra… — Sua 
voz tremia tanto que era difícil compreender o que ela dizia. —  Ele não me 
ama e eu não o amo! — Sara levou uns minutos para conseguir controlar-se. 
— Ele foi embora, não foi? 

—  Foi.  Saiu  há  quinze  minutos;  pensei  até  que  você  tivesse  ido  com 

ele. 

— Não… não fui convidada — Sara choramingou, as lágrimas escorren-

do pelo seu rosto. Limpou-as com as costas da mão e tomou um gole de ca-
fé. 

— Desculpe, Sara, mas você é uma idiota! Tonta, boba e idiota! — Ce-

cília suspirou. 

—  Fui  idiota  quando  casei  com  ele  e  agora  você  acha  que  sou  boba 

porque não fico correndo atrás dele como Magda Scott — disse, com amar-
gura. — Está decidido sou uma tonta! 

—  Acho  que  agora  não  adianta  mais  fazer  comentários  a  respeito  — 

disse Cecília. — E, afinal, onde foi ontem à noite com Glenn? 

— Fomos até a casa dele, na praia. Ele me pediu em casamento. 
— Virgem Maria! Mas você ainda está casada com Janos! Que pretende 

fazer? 

— Vou me divorciar de Janos — disse Sara, com a voz muito fria. 
 
C

APÍTULO 

VI 

 
— Que bom ver você de novo! Ainda bem que veio almoçar comigo! — 

A voz de Ida Williams era simpática e carinhosa quando cumprimentou Sara 
no hall de um dos melhores hotéis de Manchester. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

66 

— A alegria é minha, por você ter me telefonado e convidado para vir. 

Faz  tanto  tempo  que  não  nos  vemos!  Que  está  fazendo  por  aqui?  Gareth 
também veio?— Sara perguntou. 

—  Não.  Ele  teve  que  voltar  a  Londres  hoje  de  manhã.  Estivemos  via-

jando  de  carro  pelo  interior  da  Escócia  e  voltamos  pela  região  dos  lagos. 
Chegamos aqui ontem à noite e havia um recado para ele, dizendo que o pai 
estava  doente.  Então,  ele  já  foi  de  avião  para  chegar  mais  rápido  e  eu  vou 
depois,  de  carro,  devagarzinho.  Estava  com  muita  saudade  de  você  e  não 
quis perder a oportunidade de vê-la. Como está indo? 

— Muito bem — mentiu Sara. E mudando de assunto, comentou: — O 

dia não está nada bom, hoje. 

—  É  verdade,  está  muito  úmido.  Choveu  também  todo  o  tempo  em 

que estivemos na região dos lagos. 

As  duas  foram  para  o  salão  de  almoço,  onde  sentaram.  O  garçom 

trouxe o cardápio e elas escolheram o que comer. Começaram a falar sobre 
tudo  e  todos,  numa  conversa  leve  e  cheia  de  novidades.  Depois  Sara  per-
guntou  sobre  a  viagem  que  tinham  feito.  Ida  contou  algumas  passagens,  e 
terminou dizendo: 

—  Este  é  o  fim  das  férias  de  Gareth;  agora,  é  voltar  ao  trabalho.  Foi 

ótimo  tê-lo  exclusivamente  para  mim  durante  algum  tempo;  pudemos  ver 
muitas coisas interessantes, sem compromisso algum com mais ninguém. 

— Davina não foi com vocês? 
—  Não.  Ela  ficou  em  Nova  York,  freqüentando  um  curso  de  música. 

Deve voltar para casa na sexta-feira que vem. 

— Ela está tendo aulas com Janos? 
— Não, é com outro professor. — Ida, olhou espantada para Sara. 
— Não soube do acidente? 
—  Que  acidente?  —  De  repente,  Sara  sentiu  os  joelhos  fracos  e  uma 

sensação  de  medo.  —  Janos  sofreu  algum  acidente?  Não  soube  mais  dele 
desde  que  voltei  da  Califórnia.  Foi  aí  que  soube  que ele  daria  um  curso  em 
Nova York. 

—  Você  esteve  com  ele  na  Califórnia?  —  Ida  parecia  mais  espantada 

ainda. 

— Nós nos encontramos lá, embora por pouco tempo. Como foi o aci-

dente? O que aconteceu com ele? Diga, Ida, por favor! 

— Houve um incêndio no prédio onde Janos morava e ele sofreu algu-

mas  queimaduras  —  Ida  começou  a  contar.  —  Ele  poderia  ter  escapado  do 
prédio sem ter se machucado, mas foi tentar ajudar outras pessoas que es-
tavam em perigo e suas mãos ficaram gravemente queimadas. 

—  Oh,  não!  —  exclamou  Sara,  sentindo  que  ia  desmaiar.  As  mãos  de 

Janos! Suas mãos tão lindas, de dedos compridos, capazes de tirar do violi-
no sons tão maravilhosos que pareciam divinos, não humanos! 

Percebeu vagamente que Ida chamava um garçom e que este lhe tra-

zia um copo com um líquido cor de ouro. 

— Beba isto — disse Ida com voz séria e firme. Sara tomou um gole do 

conhaque e sentiu  que o sangue voltava a seu cérebro. — Está se sentindo 
melhor? 

Devagar,  Sara  conseguiu  focalizar  os  olhos  em  Ida;  ela  estava  com 

uma expressão muito preocupada. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

67 

— Desculpe, Sara  — falou com pesar. — Não devia ter dado a notícia 

assim, mas pensei que já soubesse do caso. Pensei até que ele tivesse pedi-
do a alguém que a avisasse; afinal de contas, são casados e você tem o di-
reito de ficar sabendo. 

— Já passou, Ida. Foi um choque muito grande para mim, pois não sa-

bia de nada. Sabe, ainda estou legalmente casada com Janos, mas já esta-
mos  separados  há  bastante  tempo;  e,  logo  que  voltei  da  Califórnia,  entrei 
com um pedido de divórcio. 

— Ele já sabe que você pediu o divórcio? 
—  Deve  saber,  meu  advogado  deve  ter  entrado  em  contato  com  ele; 

mas,  se  está  ferido,  talvez  não  tenha  podido  se  comunicar  e…  Onde  está 
ele? Ainda está no hospital? 

—  Não,  não  está  mais  no  hospital.  Aliás,  Gareth  e  eu  o  visitamos  há 

dois dias. Ele comprou uma casa na região dos lagos e está morando lá. 

— Nos lagos? Onde? Perto de um lugar chamado Millwater? — pergun-

tou Sara, aflita. 

—  Exatamente.  É  uma  casa  velha,  que  precisa  de  muitas  reformas. 

Quando ele veio para a Inglaterra, disse que ia procurar uma casa para mo-
rar. Enquanto esperava que suas mãos sarassem, teria tempo de encontrar 
exatamente  o  que  queria;  isso  foi  em  julho.  E  eu  pensei  que  Janos  tivesse 
vindo pegar você para procurarem juntos a casa que ele queria; fiquei muito 
admirada de encontrá-lo morando sozinho. 

Sara  estava  admirada  com  as  notícias  que  ouvia;  quanta  coisa  tinha 

acontecido desde que ela estivera com Janos! A voz de Ida lhe chegou sua-
ve, vinda do outro lado da mesa: 

— Gareth e eu estamos muito preocupados com Janos. Ele parece não 

fazer nenhum esforço para se exercitar, para voltar à antiga forma e poder 
tocar violino de novo. Acho que nem olhou para o violino  desde o incêndio. 
Tenho a impressão de que o acidente matou nele o artista, toda a sua sensi-
bilidade,  seu  espírito  criativo.  Ele  diz  que  não  se  incomoda  se  nunca  mais 
puder se apresentar num concerto outra vez! 

De novo Sara sentiu aquele frio na boca do estômago. Como Janos po-

dia dizer isso, se a música era tudo na vida para ele? 

— Não sou o tipo de pessoa que gosta de interferir na vida dos outros, 

porque  não  gosto  que  interfiram  na  minha  —  continuou  Ida  —,  mas  sinto 
que  agora  devo  fazer  alguma  coisa  ara  ajudar  Janos;  senão,  o  mundo  vai 
perder um músico com muito talento. Sara, você não poderia ir vê-lo? 

Sara  fingiu  estar  muito  ocupada  em  cortar  a  carne  e  respondeu,  sem 

olhar para Ida: 

— Não posso! 
— Por que não? Ainda não estão divorciados! 
— Não é por isso! É que se eu for lá agora, ele… ele vai tirar vantagem 

da situação. 

—  Sei  que  você  e  ele  tiveram  problemas  no  casamento;  mas,  quem 

não os tem? Nenhum casamento é perfeito, com o tempo é que as diferen-
ças vão se acertando. Sempre esperei que o de vocês desse certo; acho que 
nasceram um para o outro! 

— Por que que acha isso, Ida? 
— Porque você é calma e criteriosa, sensível, com muita força interior; 

é  a  metade  certa  para  uma  pessoa  viva,  apaixonada, impulsiva  e  talentosa 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

68 

como Janos é. Você é como a âncora para a vida tempestuosa que ele tem; 
vocês se completam perfeitamente! 

— Acontece que posso ser calma e criteriosa, mas também tenho sen-

timentos.  E  Janos  me  magoou  profundamente,  fingindo  casar  comigo  por 
amor,  quando  na  verdade  só  queria  era  casar  com  alguém…  qualquer  pes-
soa… desde que pudesse, com isso, ficar aqui na Inglaterra. 

Ida parou de comer e olhou bem para Sara. Não estava entendendo o 

que ela dizia; era melhor pôr tudo às claras: 

— Sobre o que está falando, Sara? Por que Janos tinha que casar com 

alguma inglesa? Por que tinha que casar com alguém? Não estou entenden-
do nada! 

—  Porque  era  a  única  maneira  de  Janos  poder  ficar  na  Inglaterra.  Ele 

já  tinha  tudo  planejado  antes  de  vir  para  cá.  Combinara  com  minha  prima 
Cecília  que  casaria  com  ela  quando  chegasse  aqui,  se  um  dia  conseguisse 
chegar!  Quando  finalmente  veio,  ficou  sabendo  por  mim  que  ela  já  estava 
casada. Mas o pior de tudo é que nunca me contou sobre esses planos. Ja-
nos  simplesmente  fez  tudo…  e  me  convenceu  a  casar  com  ele.  —  Sua  voz 
tremia. 

—  Quem  lhe  disse  que  ele  já  tinha  planos  de  casar  com  Cecília?  — 

perguntou Ida. — Ela mesma? 

—  Não.  Está  lembrada  daquela  noite  em  que  a  orquestra  de  Gareth 

voltou dos Estados Unidos e que fui jantar em sua casa? — Ida fez que sim 
com a cabeça. — Nessa noite conheci Elisabeth Herrenkoff… 

— Já sei. Ela pensou que você fosse Cecília, a moça inglesa que Janos 

tinha encontrado em Salzburgo e que tinha prometido casar com ele. 

— Exatamente. E, na mesma noite, Davina me contou que tinha  ouvi-

do quando Gareth e Janos conversaram sobre a necessidade de Janos casar 
para poder continuar na Inglaterra. 

— E você acreditou em Davina? — Ida parecia espantada com a inge-

nuidade de Sara. — Você sabia que ela estava caída por Janos e que, como 
toda adolescente apaixonada, tinha ciúme de você! Como pôde acreditar ne-
la? Como pôde ser tão boba a ponto de não perceber a verdade? 

— Não queria acreditar nela, mas tudo o que Davina dizia se encaixava 

tão bem no que eu sabia sobre Janos, que acabei acreditando. Também Tom 
Caldwell, meu ex-chefe, suspeitava dele! — Depois de uma pausa, ela conti-
nuou: — Acho que a base de tudo é que nunca me senti bastante segura pa-
ra acreditar que uma pessoa como Janos, brilhante, com um futuro maravi-
lhoso pela frente, pudesse estar apaixonado por uma moça comum como eu! 
Até  mesmo  Davina,  que  ainda  era  uma  criança,  pôde  perceber  que  ele  não 
me amava e que um dia me deixaria. E ela tinha razão. 

—  Nunca  perguntou  a  Janos  se  havia  alguma  verdade  em  tudo  o  que 

Elisabeth lhe disse? 

— Perguntei, sim. Perguntei se Cecília e ele tinham combinado de ca-

sar  e  Janos  disse  que  não  poderia  negar  isso.  Aí,  acabamos  discutindo…  e 
você sabe o resto. Voltei para cá e ele foi para os Estados Unidos. 

— E continuou acreditando que ele a havia enganado! — Ida suspirou, 

desanimada, depois se inclinou para mais perto de Sara.  — Agora, trate de 
me ouvir! Janos não precisava casar com você nem com ninguém mais para 
poder  ficar  neste  país.  Sei  que  fez  um  acordo  para  casar  com  Cecília,  mas 
isso  foi  só  porque  tinha  medo  de  conseguir  somente  um  visto  de  visitante 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

69 

para vir para cá. Mas ele acabou vindo como imigrante, porque Gareth e vá-
rios outros músicos famosos deste país se responsabilizaram por ele. 

— Davina me disse que ouviu Gareth dizer a Janos que, se ele casas-

se… 

— Davina só ouviu metade da história; ou melhor, só comentou a par-

te  da  história  que  podia  aborrecer  você.  Quando  Janos  veio  se  encontrar 
com Gareth pela primeira vez em Londres, ele nos disse que tinha encontra-
do você e que queria casar. Ele estava excitado e impaciente, então Gareth 
lhe disse que fosse de volta, casasse com você, para depois começar a tra-
balhar com a orquestra. Gareth achou que Janos não viria regularmente aos 
ensaios  se  não  estivesse  seguro  da  situação  com  você.  —  Ida  suspirou  de 
novo. — Se pelo menos você tivesse se aberto comigo e contado suas dúvi-
das, eu teria dito o que sabia e muitos problemas seriam evitados. 

— Não sei por que não falei com você, Ida. Acho que pensei que sou-

besse  que  ele  tinha  casado  comigo  por  conveniência  e  que  aprovava  essa 
atitude. 

—  E  eu  não  sabia  que  você  se  sentia  insegura.  Você  parece  confiar 

tanto  em  si  mesma,  saber  o  que  quer,  saber  para  onde  vai!  Mas  acho  que 
não foi insegurança o que a fez duvidar de Janos. Você não o ama simples-
mente porque não sabe como amar! 

— Isso não é verdade, Ida! Eu o amo… Isto é, eu o amei — murmurou 

Sara. — Mais do que amei, eu o adorei! 

— E parou de adorar quando descobriu que ele é um ser humano, co-

mo qualquer outro? 

— Ida, por favor, diga-me exatamente onde ele está morando. 
— A casa dele é em Milldale, perto de Millwater. O nome da casa é Mill. 

Agora, o resto fica por sua conta. Se quiser falar com Janos terá que ir vê-lo, 
porque tenho certeza de que ele não vai procurá-la. É muito orgulhoso, mui-
to  mais  do  que  qualquer  um  de  nós,  e  você  o  ofendeu  muito  ao  rejeitá-lo 
duas vezes; talvez ele nem chegue a perdoá-la. 

 
Nos dias que se seguiram ao almoço com Ida, Sara rememorou todas 

as  palavras  que  havia  trocado  com  Janos  antes  de  casarem,  durante  a  dis-
cussão que tiveram antes de se separar e depois, quando se encontraram na 
Califórnia; e chegou à conclusão de que talvez tivesse se enganado, tirando 
conclusões depressa demais. 

Quando finalmente admitiu que o erro tinha sido dela, foi mais fácil re-

considerar os prós e os contras de uma reconciliação.  Em seu íntimo,  sabia 
que queria ir correndo para Milldale, dizer a Janos que tinha errado e pedir a 
ele a chance de começar de novo. 

Mas temia a reação de Janos ao vê-la chegar; ele poderia recusar-se a 

ouvi-la;  ou  rejeitá-la,  como  ela  própria  havia  feito.  Não  seria  melhor  fingir 
que não sabia onde ele estava? Ou esquecer o que ida tinha dito e continuar 
com o andamento do divórcio? 

Os dias de preocupação e as noites sem dormir acabaram por prejudi-

car sua saúde e trabalho. Ficou irritada, perdeu o apetite e emagreceu. 

—  O  que  está  acontecendo  com  você?  —  perguntou  Tom  Caldwell, 

agora diretor-geral. — Tenho recebido queixas sobre você! Ainda está tendo 
problemas conjugais? 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

70 

— Se estou tendo  problemas, eles são só da minha conta! — ela res-

pondeu, irritada. 

— Se começa a afetar o seu trabalho, são também da minha conta — 

respondeu Tom. — Para isso sou diretor. 

— Então aproveito a presença do diretor para pedir a minha demissão 

— ela disse, decidida. Não era uma surpresa essa atitude; desde que voltara 
da Califórnia,  Sara  pensava nessa possibilidade. Começou  a abrir gavetas e 
juntar seus desenhos já começados, para deixar sua mesa limpa. 

— Não vai embora já! — exclamou Tom. 
— Vou agora mesmo, neste minuto. Depois escrevo a carta de demis-

são e a mando pelo correio. 

— Sara, espere um pouco. Não tome decisões apressadas. Sabe o que 

acontece  quando  age  sob  um  impulso;  sempre  acaba  cometendo  erros. 
Lembre-se  de  quando  casou  com  Vaszary;  até  hoje  me  culpo  por  isso.  Se 
tivesse impedido você de ir com ele para Stonethwaite, ele não teria  tido a 
chance de convencê-la a casar e sua vida não estaria tão confusa como está 
agora. 

— Você tem culpa, sim, Tom. Mas é culpado de ser tão desconfiado e 

de me fazer ter dúvidas também — ela respondeu. — E o erro que cometi foi 
ter ouvido o que você e outras pessoas me disseram a respeito de Janos, em 
vez de ouvir a ele e ao meu coração. 

— Não pode deixar a Ferris assim, de uma hora para a outra! Perderá 

o salário do mês, se agir assim — ele ameaçou, seguindo-a até a porta. 

—  Que  me  importa!  Estou  pensando  há  muito  tempo  em  me  demitir. 

Vou trabalhar por conta própria e depois oferecer meus desenhos às fábricas 
de tecidos que quiser. 

— Vai acabar tendo problemas financeiros. Ainda  não está tão conhe-

cida que já possa fazer isso. 

— Não se preocupe comigo. Sei como fazer para sobreviver. — E saiu 

do escritório, deixando Tom espantado com sua decisão súbita. 

 
Sara se sentia mais leve e despreocupada ao chegar ao estacionamen-

to onde deixara o carro. Olhou para o relógio e viu que eram somente duas 
e  meia.  Não  queria  voltar  para  o  apartamento  onde  as  dúvidas  tomariam 
conta dela de novo. Estava uma tarde linda e cheia de sol; iria para a região 
dos  lagos,  que  ela  adorava  e  que  há  tanto  tempo  não  via.  Iria  para  Sto-
nethwaite  e  lá  poderia  descansar  um  pouco  e  pôr  os  pensamentos  em  or-
dem. 

Pegou a mesma estrada por onde tinha ido com Janos. Uma chuva fria 

e persistente começou a cair quando ela chegou à estrada estreita que leva-
va a Millwater e na qual ela e Janos tinham ficado atolados três anos arás., 
Mas  não  teve  dúvidas  e  seguiu  por ela  até  chegar  a uma subida,  depois  da 
qual  viu  a  Hospedaria  do  Faisão.  A  chuva  começou  a  melhorar  e  um  fio  de 
céu azul apareceu. 

Passando  pela  hospedaria,  a  estrada  continuava  a  descer  e  Sara  se-

guiu por ela, chegando a um vale muito verde, onde um riacho corria manso 
por  entre  algumas  pedras;  um  pouco  mais  adiante  ele  aumentava  de  volu-
me,  formando  um  pequeno  lago.  Havia  muitas  árvores  e  o  sol,  saindo  por 
trás  das  nuvens  de  chuva,  passava  por  entre  os  ramos.  No  meio  das  árvo-
res, uma casa antiga, pintada de branco, completava a paisagem. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

71 

Sara  estacionou  o  carro  em  frente  à  casa  e  a  examinou;  era  exata-

mente  como  se  lembrava  dela.  Ainda  estava  surpresa  por  Janos  ter  conse-
guido comprá-la. Não que ele não tivesse dinheiro para isso — devia ter ga-
nho fortunas durante esses três anos —, mas é que Sara pensava que ela já 
tivesse sido vendida há muito tempo! 

Não dava para saber se havia gente na casa ou não; mas, como havia 

um carro estacionado do outro lado, perto de uma construção baixa que pa-
recia  um  celeiro,  Sara  resolveu  tocar  a  campainha.  Ninguém  veio  atender; 
então  ela  bateu  na  porta  com  os  nós  dos  dedos,  mas  também  não  obteve 
resposta. Deu a volta na casa aberta e entrou na casa. 

A cozinha estava na maior confusão; havia pilhas de pratos sujos, lou-

ça de vários dias. Sara ficou preocupada; será que Janos estava doente, de 
cama, incapaz de tomar conta de si mesmo? Foi depressa para o hall: estava 
vazio e empoeirado. 

— Alô! Há alguém em casa? — gritou e olhou dentro da sala à sua es-

querda. Para sua surpresa, estava toda decorada e ainda cheirando a tinta. 
Uma mesa de jantar nova estava colocada no meio da sala e havia seis ca-
deiras à volta. Um aparador ocupava toda a parede dos fundos. Nas janelas, 
havia cortinas novas de veludo azul. 

Saindo, Sara atravessou o hall e foi ver a sala que ficava do lado opos-

to.  Ainda  estava  sendo  decorada;  havia  pilhas  de  rolos  de  papel  de  parede 
num canto e a madeira das janelas ainda cheirava a tinta fresca. 

Novamente no hall, Sara olhou para a escada: estava cheia de pó. De-

vagar,  começou  a  subir  os  degraus.  Chegando  em  cima,  ouviu  o  roçar  do 
rolo de pintura sendo passado na parede. 

— Janos! — ela chamou. — Onde você está? 
— Quem está aí? — a voz era de Janos. 
— Sou eu… Sara. 
— Quem? 
— Sara — ela falou e foi para a porta do quarto de onde tinha vindo a 

voz. Torceu o trinco e empurrou a porta, que bateu em alguma coisa e pa-
rou. 

— Não… Espere! Não… — Janos começou a falar em húngaro, enquan-

to alguma coisa atrás da porta caía com grande barulho. 

— O que aconteceu? — Sara forçou mais a porta e entrou, encontran-

do  a  escada  de  alumínio  caída.  Ao  lado  da  escada,  viu  Janos  sentado  no 
chão, no meio de uma poça de tinta branca que tinha caído e esparramado. 
Janos tinha o cabelo todo respingado de tinta e havia manchas em sua rou-
pa de trabalho. 

Contendo-se para não dar risada com a cena, ela perguntou: 
— Que está fazendo? 
— Estava pintando  o teto do quarto, até que você abriu a porta e me 

empurrou  —  ele  disse,  levantando-se.  —  Não  poderia  ter  esperado  até  que 
eu descesse da escada e a tirasse do caminho para você entrar? 

— Como é que eu podia adivinhar o que você estava fazendo? Quando 

não o encontrei lá embaixo, achei que podia estar doente, de cama. Não sa-
bia que você era capaz de pintar uma casa! 

—  Na  verdade,  eu  não  sei;  mas  estou  aprendendo,  de tanto  fazer!  — 

ele respondeu. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

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— Está pretendendo pintar a casa  toda?! — exclamou ela. Nunca, em 

toda a vida deles em comum, Sara notara em Janos algum desejo ou habili-
dade para esse tipo de trabalho. 

— O que está querendo dizer? Que não sou capaz de fazer isso? 
—  Não!  Não  é  isso!  —  ela respondeu  rapidamente.  —  Estou  surpresa, 

só isso. Parece-me coisa demais para uma pessoa só fazer! 

— Tenho quem me ajude. George Kent, lembra-se dele? 
— Claro! O dono da Hospedaria do Faisão, não é? 
—  Isso  mesmo.  Ele  e  o  irmão  estão  fazendo  o  trabalho  mais  pesado. 

Esta semana estão de férias, levando um sobrinho para conhecer a Escócia; 
mas logo voltam a trabalhar e o sobrinho também vem. Aproveitei esses di-
as  para  pintar  este  quarto.  Acho  que  me  distrai  e  ajuda  a  passar  o  tempo. 
Mas, como soube que eu estava aqui? — Janos perguntou friamente. 

— Ida Williams me contou. 
— Não vejo por que tinha que ser tão novidadeira. 
—  Almocei  com  ela  em  Manchester  e  ela  me  contou  que  ela  e  Gareth 

tinham vindo vê-lo. 

— Tinha pedido a eles que não contassem a ninguém onde eu estava; 

nem mesmo a você. 

— Por que não queria que eu soubesse que estava aqui? — O tom frio 

de Janos a deixou um pouco desanimada; mas, afinal, o que esperava? Ser 
recebida de braços abertos e ouvir Janos dizer que não podia viver sem ela? 
— Não vai me dizer por que, Janos? — Ele parecia muito bem, perfeitamente 
capaz de movimentar as mãos. 

—  Porque  queria  conservar  esta  casa  em  segredo  até  que  estivesse 

pronta para se morar nela. Aí então daria uma festa de inauguração e você 
seria convidada. 

—  Desculpe  por  ter  me  intrometido  —  Sara  respondeu,  sentindo  o 

amor-próprio ferido. Deu meia-volta, saiu do quarto e desceu a escada, zan-
gada  consigo  mesma  porque  tinha  agido  como  uma  boba,  de  novo.  Tinha 
engolido o orgulho para vir e ver Janos e ele não a queria ali. 

À  medida  que  descia  a  escada,  ouviu  o  barulho  que  vinha  do  quarto, 

enquanto  Janos  levantava  a  escada  de  mão.  Já  estava  no  hall,  quando  ele 
conseguiu alcançá-la. 

— Não pode sair da casa por aí — ele disse. — A porta está emperrada 

e não abre. 

Sem pensar em mais nada,  Sara se virou para sair pela cozinha, mas 

ele ficou no caminho dela. 

— Deixe-me passar, por favor — ela pediu, sem olhar para ele. 
— Só depois que me disser o que veio fazer aqui. 
— Estou indo para  Stonethwaite para  ver minha tia. Como estava um 

dia lindo de verão, resolvi vir por este caminho, para ver a paisagem — res-
pondeu com os olhos baixos, parecendo muito interessada na chave do carro 
que tinha na mão. — Ida me contou que você tinha queimado as mãos e en-
tão… eu… 

—  Venha  ver  se  é  verdade.  —  Havia  um  tom  de  brincadeira  em  sua 

voz quando Janos a puxou para perto da janela. — Dê uma boa olhada. 

Havia  grandes  manchas  brancas  nas  mãos  dele  e  cicatrizes  que  per-

maneciam depois da operação plástica que Janos tinha feito. Sara sentiu-se 
tonta. Cobriu o rosto com as mãos para que ele não visse a pena que sentia. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

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— Como pôde deixar que isso acontecesse em suas mãos? 
— Não podia deixar uma velhinha morrer queimada, não é? — Depois, 

reparando na palidez dela, acrescentou: — Sara, está tão pálida! Parece que 
vai desmaiar! 

—  Estou  tentando  não  cair.  Quer  me  dar  um  pouco  de  água,  Janos? 

Acho que me fará bem! 

Janos pôs os braços ao redor dos ombros dela, mas era um toque im-

pessoal, apenas para ampará-la. Há mais de uma semana que ela vinha sen-
tindo esses mal-estares; vinham e iam embora de repente, mas a deixavam 
com a boca seca e muita vontade de deitar e dormir. 

Janos fez com que ela sentasse no banquinho da cozinha e lhe trouxe 

a  água.  Sara  bebeu,  enquanto  olhava  para  as  paredes  descascadas,  os  ar-
mários quebrados e o chão sujo. 

— Essa cozinha está uma bagunça! — ela disse. 
— Também acho; mas um dia vai ficar em ordem e bonita. 
— Como consegue viver aqui, com essa confusão? 
— Não estou morando aqui. Venho todos os dias, faço algum trabalho, 

mas à noite vou para a Hospedaria do Faisão. Tenho um quarto lá. — Ao ver 
a cor voltar ao rosto de Sara, perguntou: — Está melhor agora? 

—  Bem  melhor,  obrigada.  —  Olhou  para  ele,  à  sua  frente,  de  braços 

cruzados. 

— Janos, poderá algum dia tocar violino como fazia antes? 
—  Só  o  tempo  vai  poder  responder  à  sua  pergunta  —  ele  respondeu 

friamente. — Tem alguma outra coisa que queira ver ou saber? 

Ida tinha razão, pensou Sara; o orgulho dele vai ser uma parede, um 

obstáculo  a  ser  vencido.  Dessa  vez,  não  havia  sinal  de  que  Janos  estivesse 
disposto a perdoar ou a esquecer. Será que ela tinha errado em vir procurá-
lo? 

— Nada mais — respondeu, levantando. — Está na hora de ir embora. 
Abriu a porta e saiu; então se virou e viu Janos bem atrás dela, ilumi-

nado  pela  luz  do  sol,  o  rosto  marcado  por  linhas  de  sofrimento.  Mas  seus 
olhos  estavam  frios,  distantes,  não  pareciam  nem  vê-la,  não  ligavam  para 
ela. 

— Esqueceu alguma coisa? — ele perguntou, indiferente. 
—  Esqueci  de  lhe  dizer  que  fiz  um  pedido  de  divórcio.  Meu  advogado 

entrou em contato com você? 

— Ele falou comigo. 
— Mas você não disse nada em resposta. 
— Ainda não. Preciso de um pouco mais de tempo. Agora, se me dá li-

cença, vou ver a tinta que derramou lá em cima. 

Ele entrou em casa. Sara ficou olhando a porta fechada, pensando que 

deveria estar zangada pelo modo como ele a tratara, mas não estava! Sen-
tia-se  derrotada  porque  Janos  não  tinha  agido  como  ela  esperava;  porque 
ele  não  tinha  usado  palavras  de  amor  para  seduzi-la;  porque  ele  tinha  sido 
frio e distante. 

Devagar, deu a volta na casa e chegou até o carro. Onde ia agora? Pa-

ra Stonethwaite? Não era isso o que queria; aliás, desde que começara a vi-
agem,  não  tinha  sido  essa  a  sua  intenção.  Sabia  que  tinha  vindo  para  ver 
Janos  porque  queria  vê-lo  e  porque  esperava  que  ele  a  convidasse  para  fi-

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

74 

car. Acima de tudo, tinha esperado que ele lhe pedisse que retirasse o pedi-
do de divórcio. 

Mas  nada  disso  aconteceu  e  ela  não  sabia  o  que  fazer.  Sem  pensar, 

entrou  no  carro  e  deu  a  partida,  seguindo  para  a  estrada;  virou  à  direita  e 
foi para a Hospedaria do Faisão. Havia vários carros estacionados do lado de 
fora; era a estação apropriada e deveria haver muitos hóspedes ali. Era bem 
capaz de não conseguir um quarto vago, a não ser que… 

A idéia que lhe atravessou a mente surpreendeu-a porque não era de 

seu feitio agir assim. Ela era tão… tão tímida… mas agora esta lhe parecia a 
única maneira de quebrar o orgulho de Janos e chegar perto dele para poder 
dizer-lhe que tinha errado. Ela ia tentar seduzi- lo! Teria êxito? 

Foi  primeiro  até  a  vila,  numa  loja  de  artigos  femininos.  As  camisolas 

que havia na loja não eram tão atraentes como Sara desejava, mas uma de-
las lhe agradou. Era leve, transparente e fechava no pescoço com um baba-
dinho;  as  mangas  eram  compridas  e  também  terminavam  por  babadinhos. 
Parecia um modelo feito para esconder muito, mas, por ser preta e transpa-
rente,  não  escondia  nada.  Sara  achou  que  ficaria  bastante  atraente  nela. 
Depois de comprá-la, foi para a Hospedaria do Faisão. 

Tinha havido muitas mudanças ali. O salão estava aumentado e deco-

rado com enfeites de latão e antiguidades; havia também um novo salão pa-
ra  jantar.  Sara  encontrou  George  Kent  atrás  do  balcão  do  bar;  ele  logo  se 
lembrou dela. 

—  Acabou  vindo  juntar-se  ao  maridinho,  não  é?  Maggie  e  eu  estáva-

mos pensando em quando você chegaria! 

— Ele já chegou? — Sara perguntou. 
— Não, ainda está na casa; só vem para cá quando fica escuro. 
— Posso subir para o quarto dele e deixar minhas coisas lá? Vou ficar 

aqui esta noite, se concordarem. 

— Claro que sim — ele disse, risonho. — Quer jantar também? Tenho 

que perguntar porque, como está muito cheio, temos que calcular direito. 

—  Preferia  não  ter  que  jantar  no  salão,  mas  estou  com  fome  e  real-

mente  gostaria  de  comer  alguma  coisa.  Estou  muito  cansada  e  prefiro  dor-
mir mais cedo. 

— A melhor coisa então é ir conversar com Maggie; ela vai ficar muito 

contente em vê-la. Ela tem estado muito preocupada porque seu marido es-
tava aqui sozinho e você trabalhando,  lá em Manchester.  Magda  tem idéias 
antiquadas e não aprova esses casamentos modernos. 

Sara entrou na cozinha e viu Maggie atarefada com o jantar ao vê-la, a 

mulher ficou muito feliz. 

— Que bom que você chegou! Veio para ficar? 
— Vou ficar esta noite, com certeza — respondeu Sara. — Gostaria de 

ir para o quarto de meu marido, se for possível. Estou bastante cansada. 

—  Parece  mesmo  um  pouco  pálida.  Venha,  vou  levá-la  até  lá.  Com  a 

reforma,  temos  um  apartamento  separado,  e  o  Sr.  Cranston  está  dormindo 
lá;  assim,  pode  entrar  e  sair  sem  precisar  passar  pelo  salão.  Ele  sabe  que 
você veio? 

— Não sabe que vim para ficar — Sara disse de modo vago. — Como 

gostaria de fazer uma surpresa para ele, peço-lhe que não diga nada quando 
ele chegar. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

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—  Pode  contar  comigo!  —  respondeu  Maggie,  parecendo  uma  criança 

de  posse  de  um  segredo  importante.  —  É  possível  também  que  ele  venha 
para  cá  direto  e  eu  nem  o  veja!  —  Chegaram  ao  fim  da  escada  e  Maggie 
abriu a porta do quarto. 

— Para mim, este é o quarto mais aconchegante que temos. Quer co-

mer alguma coisa? 

— Preferia não ter que ir até o salão de jantar — disse Sara, olhando o 

quarto  decorado  com  cobertas  e  cortinas  floridas;  num  canto,  havia  uma 
mesa e duas cadeiras. 

—  Então,  quando  quiser,  dê  um  pulo  até  a  cozinha  e  eu  lhe  darei  al-

guma coisa para comer lá. — Olhando para Sara, Maggie comentou: — Está 
mais magra do que era; talvez esteja trabalhando demais. Por que não de-
siste de tudo e vem ficar com seu marido? — Foi para a porta e tornou a di-
zer: — Desça assim que quiser comer. 

Duas  horas  mais  tarde,  depois  de  ter  comido  na  cozinha,  Sara  voltou 

para  o  quarto.  Estava  começando  a  anoitecer,  mas  Janos  ainda  não  tinha 
voltado. Sara tomou um banho morno, depois vestiu a camisola nova; gos-
taria de ter um espelho grande para ver como estava. A camisola preta favo-
recia sua pele branca, mas havia frieza em seus olhos. 

“Frios e claros como o mar, até que você sorri; então, seus olhos bri-

lham como o sol. Deveria sorrir mais vezes. Fica muito bonita quando sorri!” 

As  palavras  de  Janos  lhe  vieram  à  memória;  ele  as  dissera  naquela 

manhã  em  que  tinham  decidido  ir  a  Stonethwaite.  Ela  não  se  sentia  bonita 
agora! Seus lábios tremiam e havia lágrimas em seus olhos. Como podia pa-
recer atraente aos olhos dele? 

Esforçou-se  para  sorrir,  mas  pareceu  tão  artificial,  que  ficou  pior.  De-

sanimada,  acabou  pegando  o  livro  que  tinha  trazido  do  salão  e  foi  deitar; 
arranjou os travesseiros para ficar recostada e tentou ler. 

Meia  hora  mais  tarde  já  estava  cochilando  sobre  o  livro.  Tratou  de 

despertar; pegou seu relógio e viu que já eram nove e meia. Lá fora já esta-
va quase completamente escuro e ela podia ver estrelas no céu, através da 
janela aberta. Esperava que Janos chegasse logo. Mesmo que ele resolvesse 
jantar primeiro, na certa iria antes para o quarto para tomar banho e trocar 
de roupa! 

Sr. Cranston! Sara deu um sorriso ao pensar nisso; ele era mesmo en-

graçado!  Preferia  usar  o  nome  dela  em  vez  de  deixar  que  os  Kent  soubes-
sem que ele era o grande violinista Janos Vaszary! 

O que os críticos e  o público que o adorava diriam se soubessem que 

ele  estava  se escondendo  num  lugar  pequeno,  onde  ninguém  o  conhecia,  e 
passando seu tempo reformando uma casa velha? Ninguém ia compreender 
essa atitude. 

Sentindo  que  seus  olhos  estavam  fechando  de  novo,  Sara  apagou  a 

luz.  Por  que  será  que  se  sentia  tão  cansada  ultimamente?  Talvez  estivesse 
correndo demais de um lado para o outro, esquecendo-se de tomar todas as 
refeições e dormindo pouco. Lembrava de ter lido, em algum lugar, sobre os 
motivos  pelos  quais  uma  pessoa  se  sente  sem  vitalidade.  Suas  pálpebras 
foram ficando pesadas, os pensamentos confusos e num instante ela estava 
dormindo profundamente. 

O sono levou-a de volta ao concerto na Califórnia, sentada ao lado de 

Glenn Bixman. Ainda podia sentir o ombro dele encostado no seu: podia ain-

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

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da  ouvir  as  notas  suaves  de  uma  melodia  tocada  no  violino;  era  a  mesma 
melodia  romântica  que  tinha  ouvido  Janos  tocar  pela  primeira  vez,  quando 
se conheceram. 

Abriu  os  olhos  depressa,  esperando  ver  o  teatro  da  universidade  e  o 

pessoal  elegante  que  estivera  na  platéia  naquela  noite.  Mas  o  que  viu  foi  a 
luz do sol ainda pálido, entrando pela janela do quarto, e a figura da cabeça 
de um homem de ombros largos, que tocava violino. 

Piscando  muito,  Sara  achou  que  isso  ainda  era  parte  de  seu  sonho. 

Mas a música continuava, agora em tons mais alegres e vibrantes, e a clari-
dade persistia. Era já de manhã e Janos estava mesmo tocando violino. Ela 
se sentou na cama. O travesseiro ao lado tinha ainda as marcas de ter sido 
usado  e  os  lençóis  estavam  jogados  um  pouco  por  cima  dela.  Olhando-se, 
viu  que  vestia  a  camisola  preta.  O  que  havia  acontecido  naquela  noite?  Ela 
não conseguia se lembrar de nada! 

—  O  que  aconteceu?  Diga,  Janos,  o  que  aconteceu?  —  gritou,  segu-

rando a cabeça com as mãos. — Não consigo me lembrar de nada! 

Janos parou de tocar, abaixou o arco e depois se virou para ela. Como 

ele estava de costas para a luz, era difícil perceber sua expressão. 

— O que aconteceu… quando? — ele perguntou, muito frio. Colocando 

o violino na mesa, chegou perto da cama e olhou para ela com curiosidade. 

— O que aconteceu ontem à noite? — ela murmurou. Achava que seria 

impossível esquecer, se tivessem feito amor! Além disso, ela saberia dentro 
de si mesma e não estaria assim fria, gelada e tímida como se sentia agora. 

—  Não  sei  exatamente  o  que  você  quer  saber  —  Janos  respondeu  —, 

mas quando vim deitar você estava aqui, dormindo profundamente; não quis 
acordá-la para perguntar o que estava fazendo aqui. Por isso, pergunto ago-
ra: Por que está aqui na minha cama, Sara, e vestida com essa camisola? — 
Ele deu um sorriso quando se sentou na beirada da cama, perto dela. 

Sara  se  encolheu  na  cama;  no  escuro,  teria  coragem  de  procurá-lo  e 

demonstrar sua paixão, mas em pleno dia claro ela se sentia inibida demais 
para deixar transparecer qualquer sentimento. 

—  Achei…  achei…  que  poderíamos  conversar,  se…  se  eu  o  esperasse 

aqui  —  ela  respondeu  com  dificuldade,  evitando  olhar  para  ele.  —  Mas  de-
morou muito para chegar e acabei dormindo. 

— Se soubesse que estava aqui, esperando por mim, teria vindo mais 

cedo  —  Janos  falou,  a  voz  suave,  inclinando-se  para  mais  perto  dela.  Sara 
olhou-o com desconfiança e, no mesmo instante, ele recuou. 

—  Não  acredita  em  mim,  não  é?  —  acusou-a  com  aspereza.  —  Você 

nunca acreditou em mim! Meu Deus, por que ainda tento… 

Interrompendo  a  frase  no  meio,  ele  levantou,  abriu  uma  das  gavetas 

da cômoda com violência e pegou uma camisa limpa. Sara observava Janos 
se vestir sem saber como agir. 

Levantou-se  e  se  aproximou  dele;  os  contornos  de  seu  corpo  eram 

perfeitamente visíveis através do tecido fino da camisola. Um raio de sol al-
cançava seu cabelo e ele brilhava como fogo. 

Janos tinha uma expressão tão carregada que era suficiente para deter 

qualquer  pessoa.  Ela  sempre  se  sentira  amedrontada  por  ele,  ainda  mais 
quando  tinha  essa  expressão  no  rosto.  Mas  ainda  preferia  enfrentar  a  fúria 
dele do que agüentar a indiferença com que havia sido tratada no dia anteri-
or. E se ele ainda era capaz de ter esses momentos de raiva, era porque não 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

77 

estava  deprimido,  como  Ida  dissera.  Continuava  sendo  o  mesmo  homem 
impetuoso, exuberante e violento com quem ela tinha casado. 

— Acredito em você, Janos. Agora acredito mesmo em você — ela fa-

lou com sinceridade. — Durante muito tempo não acreditei, mas agora sei a 
verdade. 

— Nunca confiou em mim — ele ainda reclamou, enquanto abotoava a 

camisa. 

— Também não, a princípio, mas agora é diferente. 
— Nunca me amou. 
— Isso não é verdade, Janos. Amei você desde o início, mas… mas não 

pude acreditar que você me amava da maneira que eu queria ser amada. Eu 
nunca  vinha  em  primeiro  lugar  para  você;  sua  música  e  carreira  vinham 
sempre antes que eu. Por isso… — Ela parou, pensando; estava cometendo 
o mesmo erro: deixando que ele se afastasse dela! 

Sara  deu  um  passo  para  frente,  chegou  mais  perto  e  segurou  a  mão 

dele entre as suas; tocou nas cicatrizes com muita delicadeza, como se esse 
toque pudesse fazê-las desaparecer por milagre. 

—  Ainda  tem  dedos  maravilhosos  —  murmurou,  encostando-se  nele 

até que seus corpos estivessem bem unidos e seus seios ao alcance da mão 
dele. — Pude sentir a magia de sua música, há pouco, quando tocou o violi-
no. Gostaria de sentir essa magia que só você é capaz de transmitir. Ponha 
sua mão em mim, Janos, e deixe-me senti-la. 

Sara se sentia muito tímida e escondeu o rosto para que ele não visse 

como  estava  corada.  Com  uma  das  mãos,  começou  a  desabotoar  a  camisa 
de  Janos  e  encostou  o  rosto  naquele  peito  forte,  sentindo  o  cheiro  másculo 
de que tanto gostava; acariciou-o com as mãos e sentiu na língua o calor do 
corpo do marido. 

Por alguns momentos Janos ficou indiferente e Sara se assustou; pre-

parou-se para ser rejeitada, mas não parou de acariciá-lo com as mãos, com 
a língua. Então, deixando escapar um profundo suspiro, ele abraçou-a e co-
meçou a embalá-la como se estivesse consolando uma criança. 

E a paixão explodiu dentro dele; suas mãos desceram pelas costas de 

Sara  até  chegar  às  nádegas;  apertando-as,  Janos  uniu  ainda  mais  o  corpo 
dela  ao  seu.  Sara  inclinou  a  cabeça  para  trás,  os  lábios  entreabertos  num 
convite, e pôde ver a expressão dele: não era mais de raiva, mas de um de-
sejo enorme. Janos colocou os lábios sobre os dela, sugando-os. 

De repente, estavam deitados na cama; a camisola de Sara foi rasga-

da, mas ela nem se incomodou com isso. Agora, a única coisa que importava 
era mostrar a Janos que o amava. Entre os dois, só havia paixão e desejo; 
seus lábios estavam unidos, seus corpos colados e um fogo crescendo den-
tro  deles,  até  que  chegaram  ao  momento  supremo  da  completa  satisfação; 
nada mais existia no mundo a não ser o amor que eles partilhavam. 

Quando se deu conta de si novamente, Sara se sentiu feliz. 
—  Agora,  que  veio  para  mim,  significa  que  confia  em  mim,  Sara?  — 

Ele perguntou, começando a fazer carinhos nela. 

— Claro que sim — ela murmurou, virando para ele. 
Era  fácil  agora  falar,  pedir  desculpas  pelo  erro  que  cometera  e  dizer 

como  havia  sido  boba  em  confiar  em  outras  pessoas  e  não  nele;  Sara  se 
sentia  segura  do  amor  de  Janos  e  achava  que  tinha  que  falar  tudo  de  uma 
vez só, para que não restasse nenhuma dúvida entre os dois. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

78 

—  Se  pelo  menos  você  tivesse  dito  que  fora  aceito  como  imigrante, 

que seus papéis estavam em ordem… — ela disse. — Se soubesse disso, ja-
mais  teria  dado  ouvidos  a  Tom  e  a  Davina  e  teríamos  evitado  muito  sofri-
mento. 

—  Já  tinha  dito  antes  a  você  que  meus  papéis  estavam  em  ordem  — 

ele  respondeu.  —  Mesmo  assim,  você  duvidou  e  meu  orgulho  ficou  ferido; 
não podia admitir que confiasse mais nos outros do que em mim! 

—  Mas  você  nunca  negou  que  tinha  feito  um  acordo  para  casar  com 

Cecília! 

—  Não  podia,  na  ocasião.  Realmente  tínhamos  feito  um  acordo,  mas 

eu esperava poder quebrá-lo assim que falasse com ela. 

— Ia quebrar o compromisso fingindo estar apaixonado por mim? 
—  Aí  é  que  você  está  enganada;  se  procurar  lembrar  como  as  coisas 

aconteceram, vai ver que eu já estava apaixonado por você muito antes de 
saber que Cecília tinha casado com Philip. Gostei de você desde aquela ma-
nhã em que acordei em seu apartamento e a vi inclinada sobre mim; fiquei 
apaixonado, apesar de você ter tentado me enganar, não querendo me levar 
para ver Cecília. E agora, pela terceira vez, estou me apaixonando por você! 

— Terceira? Quando foi a segunda? 
— Na Califórnia, quando vi você sentada na platéia. 
— Podia mesmo me ver? 
— Não em detalhes, mas Cecília tinha dito onde você ia sentar e então 

toquei a serenata especialmente para você. 

—  Se  eu  não  tivesse  vindo  ver  você  ontem  à  tarde,  teria  mesmo  me 

mandado um convite para a inauguração da casa? 

—  Talvez  —  ele  respondeu,  para  brincar  com  ela.  —  Mas  você  veio  e 

agora a nossa separação acabou. Nunca mais vamos deixar que alguma coi-
sa  se  interponha  entre  nós  dois;  a  não  ser  que  você  precise  voltar  a  Man-
chester, por causa de seu trabalho. 

— Já não tenho mais um trabalho em Manchester. 
— Por que não? 
—  Porque  pedi  minha  demissão,  ontem.  De  repente,  achei  que  ele  já 

não era mais importante para mim. 

— E agora, o que vai fazer? 
— Vou ficar com você e ajudá-lo com a casa; há tanta coisa a ser fei-

ta! O pouco que vi pronto me pareceu lindíssimo, mas não acha que escolhi-
do a dois vai ficar ainda melhor? 

Ele beijou-a de novo, feliz por poder contar com o amor dela, agora de 

uma maneira definitiva. 

—  Além  disso,  o  lugar  aqui  é  muito  bonito,  e  podemos  sair  andando 

por aí e ir descobrindo cantinhos só nossos. 

— Estou adorando os planos — ele falou. — Conte mais. 
—  O  importante,  Janos,  é  que  vamos  fazer  tudo  juntos:  cuidar  para 

que a casa fique pronta, descobrir novos lugares, comer juntos, dormir jun-
tos. 

Janos  deu  risada  ao  ver  que  Sara  estava  começando  a  perder  a  timi-

dez e já se sentia capaz de mencionar a palavra “cama” sem ficar corada. 

— Então, vou tirar uns dias de folga — ele sugeriu com um sorriso. 
— Isso me parece ótimo. Assim teremos tempo para passear bastante 

e conhecer todo o arredor. 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

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— Acho que tenho outros planos para o tempo livre. 
— Outros planos? Como assim? 
— Vou passar o dia todo fazendo carinhos em você para compensar o 

tempo perdido. 

Trocaram  novo  beijo,  como  se  achassem  que  nunca  iam  se  sentir  sa-

tisfeitos; somente muito juntos é que estavam realmente felizes. 

— Vou aproveitar a nossa folga para acariciá-lo muito, mas vou insistir 

em que você se exercite no violino, até que possa voltar a tocá-lo como fazia 
antes. 

— Vai levar tempo — ele disse, triste. 
— Que importa o tempo, se estamos juntos e se você pode voltar a to-

car como sempre fez? Quando você já tiver chegado a esse ponto, vou fazer 
a  tour  dos  concertos  junto  com  você.  Estarei  na  platéia  e  quero  que  toque 
para mim, como fez na Califórnia. 

— Minha querida, vai ser tão bom! 
— E não pense que vou ficar longe de você outra vez! Não quero mais 

ficar para trás; onde você for eu irei. Estou livre de qualquer outro compro-
misso, e posso ir onde quiser, quando quiser e demorar o tempo que quiser. 
Portanto, meus planos são os seus planos; só quero fazer o que você quiser. 

Sara ficou um pouco parada, impressionada em ver como era fácil fa-

lar com ele agora. 

— Isso é tudo o que quero — ela disse, encostando a cabeça no peito 

dele, aproveitando aqueles momentos de intimidade. — Se é que você tam-
bém quer assim! 

— É muito mais do que eu podia desejar — ele respondeu, passando a 

mão  pelos  cabelos  de  Sara.  Janos  estava  surpreso  com  a  mudança  dela  e 
sabia que só o amor poderia causar essa transformação. 

— Tem certeza, Janos? 
— Certeza absoluta. — Ele ajeitou-a cm seus braços e começou a falar 

baixinho:  —  Desde  que  machuquei  as  mãos  tive  muito  tempo  para  pensar; 
sobre você, a maior parte do tempo, mas também sobre mim mesmo. Che-
guei  à  conclusão  de  que  é  muito  importante  tocar  em  público,  gosto  muito 
de  fazer  isso.  Mas  não  é  mais  importante  do  que  você.  A  música  não  vem 
mais em primeiro lugar para mim; agora você ocupa esse lugar. Amo você, 
Sara. Amo-a demais mesmo e gostaria que nós dois pudéssemos começar o 
nosso  casamento  de  novo,  sem  dúvidas,  sem  erros,  só  com  muito  amor! 
Vamos construir uma vida só nossa, sem influências externas, juntos, muito 
juntos. 

— Também é o que quero — ela exclamou, recostando-se feliz no peito 

do marido. 

—  Gostaria  muito  também  que  tivéssemos  filhos  —  ele  murmurou  no 

ouvido dela. — Espero que Deus nos permita tê-los. 

— Também desejo muito filhos. 
Trocaram um novo beijo ardente e apaixonado e novamente sentiram 

a onda do desejo crescendo dentro deles. Enquanto se entregava, Sara ficou 
pensando  se  aquele  estranho  mal-estar  que  estava  sentindo  ultimamente 
não seria a bênção de Deus para o casamento deles! Ela podia estar grávida! 
Podia ter concebido naquela noite de amor, na Califórnia! 

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188) 

Livros Florzinha 

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Mas  haveria  tempo  de  sobra  para  contar  a  novidade  a  Janos;  queria 

primeiro  ter  certeza  absoluta  de  que  realmente  iam  ter  um  filho!  E  agora, 
que estavam juntos, teria todo o tempo do mundo para conversar com ele! 

Seus corpos se uniram e se perderam na imensidão do amor que sen-

tiam. 

 

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