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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

1

O

C

IGANO QUE EU AMEI

F

LORA

K

IDD

Título original: “PASSIONATE STRANGER’

Publicado originalmente em 1981 pela

MilIs & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Digitalizado por: Alessandra Maciel


Resumo:

Moreno, forte, ágil como um cigano errante, Janos arrebatou a alma de Sara como num feitiço.
Seu corpo, entregue às mãos de artista dele, vibrava com prazeres nunca sonhados. E seus
ouvidos se abriam para promessas doces: “Eu a amarei sempre, minha Sara. Você será a espo-
sa de um violonista famoso”. Quanta ilusão! Janos Vaszary era hoje um concertista, mas Sara
estava longe de ser adorada ou feliz. Sabia agora, tarde demais, que as promessas de amor
eram uma mentira. Sabia que devia abandoná-lo. Só não sabia mais viver sem o calor daquele
homem, que era tudo para ela…

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2

C

APÍTULO

I


Era uma linda noite de maio e o cheiro da primavera perfumava o ar.

O céu tinha uma cor rosada por trás das montanhas Los Padres, na Califór-
nia, perto da costa do oceano Pacífico, e as estrelas pareciam brilhar como
jóias, refletindo nas águas que iam e vinham sobre a areia ainda quente. Era
o anoitecer de um dia de sol num dos litorais mais lindos do mundo.

O auditório da faculdade estadual estava agitado pelo movimento das

pessoas que se dirigiam para o concerto que teria lugar ali, naquela noite.

A orquestra sinfônica tocava o último concerto da estação. Os retarda-

tários se acomodavam às pressas, pois o espetáculo ia começar.

Sentada na terceira fila, Sara Cranston, uma inglesa de passagem por

ali, se ajeitou para apreciar melhor a música de que tanto gostava. As luzes
se apagaram, o público se aquietou e o maestro entrou no palco.

A melodia inundou o teatro. Ao final de uma overture muito alegre e

brilhante, todos bateram palmas com entusiasmo. O maestro se retirou e
Sara procurou localizar, entre os músicos, sua prima Cecília, que tocava
flauta. Cecília continuava no poço da orquestra, aguardando o prossegui-
mento do programa.

Sara estava sentada entre Glenn Bixman e a cunhada dele, Myrna

Bixman. Myrna era a presidente do Comitê da Pró-Arte, e esposa do proprie-
tário de uma famosa companhia de enlatamento de frutas e legumes. Viran-
do-se para Glenn, Sara perguntou;

— O que vem a seguir?
— Você não pegou um programa? — Glenn não compreendia como al-

guém podia ir a um concerto e esquecer de pedir o programa! — Fique com
o meu — ele murmurou baixinho.

— Você não parece estar se divertindo muito, Glenn — ela comentou.

Nas últimas semanas tinha estado muito com ele, pois Glenn sempre lhe fa-
zia companhia para sair. — Não gosta de música clássica?

— Não muito — ele admitiu, sorrindo com dentes brancos e uniformes,

que faziam um bonito contraste com sua pele queimada. — Tenho de con-
fessar que vim só para estar com você. Quero fazer o possível para que te-
nha férias maravilhosas aqui! Você não poderia dar um jeito de ficar?

— Não sei. Para falar a verdade, não pensei ainda sobre isso — ela

respondeu e, para acabar com o assunto, abriu o programa para ver o que
vinha em seguida.

A próxima peça a ser executada era o Concerto em Fá para Violino e

Orquestra, de Brahms, opus 77. Aliegro non troppo; adagio; cillegro giocoso
ma non troppo vivace, dizia ainda o programa. O nome do solista seria
anunciado na noite do concerto, numa folha em separado.

Ao pegar a tal folha e ver a fotografia do solista, Sara ficou sem ar.

Não podia ser! Perturbada, deixou o papel escorregar de seus dedos, e ele
foi parar embaixo de sua cadeira.

Nesse momento as luzes da platéia se apagaram. Sara mal podia res-

pirar de tanta emoção! Ainda bem que estava escuro e ninguém ia reparar
nela!

Não pode ser verdade, dizia a si mesma. Não podia acreditar que Ja-

nos fosse o solista naquele concerto. Se Cecília sabia disso, como não havia
lhe contado? E por que ele tinha resolvido tocar com uma orquestra inex-

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pressiva como aquela? Com certeza aquela pequena comunidade não podia
pagar um solista do porte e capacidade de Janos!

A fotografia que ela tinha visto no programa mostrava Janos de perfil,

com seus cabelos negros caindo ligeiramente sobre a testa larga; o nariz
aquilino reforçava a determinação que havia naquele queixo forte e decidido.
Ele estava sério e seu olhar parecia um pouco triste e melancólico. A camisa
branca ligeiramente aberta no peito completava sua aparência romântica.

Uma salva de palmas tirou Sara de seus devaneios. o maestro voltava

novamente e era seguido pelo homem da fotografia: Janos Vaszary, o solista
da noite.

Janos estava vestido formalmente, com casaca preta, gravata branca,

camisa de peito rendado. Parecia perfeitamente à vontade naquelas roupas
elegantes. Trazia um violino sob o braço direito e segurava o arco numa das
mãos. Quando o maestro o apresentou ao público ele se inclinou num cum-
primento educado. A audiência explodiu em aplausos e ele se inclinou no-
vamente, com elegância. Em seguida deu alguns passos para trás, pôs o vio-
lino sob o queixo olhou para o maestro e acenou de leve com a cabeça.

O maestro levantou as mãos e houve um silêncio cheio de expectativa,

tanto na orquestra como na audiência, o maestro fez um sinal para as cor-
das, os arcos foram levantados e, num único som, deram início à melodia.

Logo depois o som dos oboés se juntou ao das cordas, adicionando um

toque suave e melodioso à música que começava. Sara permanecia tensa,
incapaz de tirar os olhos do solista, que esperava o sinal do maestro para
dar início à sua parte.

Se eu soubesse que Janos era o solista desse concerto, será que teria

vindo?, perguntava a si mesma. Olhou para Glenn, depois para Myrna Bix-
man. Eles tinham os olhos pregados no solista e pareciam esquecidos do
resto do mundo.

Será que Myrna e Glenn sabiam que ela era casada com Janos? Será

que Cecília tinha contado a eles?

O ar encheu-se de notas precisas e ao mesmo tempo suaves e doces;

Janos começara a tocar com a mesma segurança de sempre. Maravilhada
pela perfeição daquela execução, Sara fechou os olhos, apoiou a cabeça nu-
ma das mãos e se deixou levar pelas lembranças. Aquela música fazia com
que recordasse coisas que desejaria esquecer. Coisas que haviam acontecido
dois anos antes e que ainda a perturbavam tanto!

Aquela tinha sido a primeira melodia que Sara ouvira Janos tocar.

Quanto tempo já havia passado desde a primeira vez que o vira? Mais de
dois anos, e no entanto o momento estava tão vivo em sua memória como
se tivesse sido há apenas dois dias!

Estava em seu apartamento em Manchester, sentada na cama e falan-

do com tia Hilda pelo telefone. Conversavam sobre o casamento de Cecília,
que seria dali a dois dias.

Sara contava como era seu vestido quando ouviu a campainha da por-

ta tocar.

— Espere um minuto, tia Hilda. Estão tocando a campainha e preciso

ver quem é. Deve ser a minha vizinha, Brenda Marshall, que veio pedir al-
guma coisa emprestada.

— Não vou esperar, minha querida — dissera a tia. — Vemos você

amanhã à noite, não é? Pretende chegar à tardinha?

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— Espero que sim. Sei que a previsão do tempo não é boa; se houver

chuva e neve poderei me atrasar, — A campainha da porta tornou a tocar. —
Preciso ir, tia Hilda. A campainha não pára de tocar! Até amanhã.

— Dirija com cuidado, Sara, e boa viagem! — completou a tia. Sara

colocou o fone no gancho e se apressou em abrir a porta, esperando encon-
trar sua vizinha Brenda. Mas quem estava lá era um homem com roupas
amassadas, barba crescida e um sorriso tímido nos lábios. Imediatamente
ela foi fechando a porta, até que sobrou somente uma fresta aberta.

— O que você quer? — perguntou com rispidez. Já era um pouco tarde

e ela sabia de gente que tinha sido assaltada naquele mesmo prédio de
apartamentos.

— Vim para ver Cecília — ele disse e Sara percebeu que havia um li-

geiro acento estrangeiro em seu inglês. — Gostaria de falar com ela.

— Ela não está aqui. — O homem fez um ar tão espantado que Sara

achou que ele não havia entendido; por isso, repetiu: — Ela não está aqui.

O homem continuou olhando para ela com o mesmo ar perdido. Usava

um terno escuro e malfeito e sobre ele uma capa de chuva bege. Estava sem
gravata e com a camisa aberta no peito. A seu lado havia uma mala de cou-
ro bastante usada e seus sapatos estavam tão gastos, que quase não podi-
am ser considerados sapatos.

Sara tratou de fechar a porta, mas ele colocou o pé entre a porta e o

batente.

— Este é o endereço que Cecília me deu — ele começou a falar, com

um toque de desespero na voz. — Rua Goodman, número 12,

— O endereço está correto, mas ela não mora mais aqui. Cecília foi

embora — Sara explicou de maneira clara e firme. — Sou prima dela, Sara
Cranston. E você, quem é?

— Janos — ele disse, sem se proculpar em dar o nome completo.
— Cecília não lhe disse nada a meu respeito?
— Não. Pelo menos, não que eu me lembre. Onde foi que a conheceu?
— Na Áustria, em Salzburgo, no Festival de Mozart, no verão passado.

Ela me disse que, se algum dia viesse à Inglaterra, eu poderia… — Ele fez
uma pausa, pensou e depois continuou: — Disse que eu deveria vir procurá-
la. — Um sorriso iluminou seu rosto. — Por isso, aqui estou.

— Sinto muito, mas ela não está aqui — Sara disse, ainda cheia de

suspeitas. Aquele homem, com aquela aparência não parecia ser a espécie
de pessoa que Cecília tivesse como amigo. — Ela foi embora para casa.

— Para casa? Mas não é aqui que ela mora?
— Eu quis dizer que ela foi para a casa dos pais, em Stonethwaite, ao

norte… — Ela se interrompeu ao ver que ele se tornava muito pálido, os lá-
bios completamente descorados. — O que aconteceu? Por favor, não vai
desmaiar, não é? — Ele parecia não se agüentar em pé. Sara passou o braço
dele ao redor de seus ombros e ajudou-o a entrar.

— É melhor sentar e descansar um pouco.
Conseguiu levá-lo até o sofá, pensando ao mesmo tempo em se não

seria um truque dele para conseguir entrar no apartamento. Ele sentou e
colocou a cabeça entre os joelhos. Sara se sentiu aliviada. Parecia mesmo
que ele não estava bem. Não era truque. Voltou rapidamente até a porta,
pegou a mala e a pôs para dentro. Depois foi para junto dele e ficou a ob-

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servá-lo. Ele continuava com a cabeça inclinada para baixo, entre as mãos,
os cotovelos apoiados nos joelhos, parecendo completamente sem forças.

— Gostaria que eu lhe desse alguma coisa? Uma aspirinas um copo

d’água…

— Gostaria de comer alguma coisa. Não comi o dia todo e estou me

sentindo muito fraco. Seria possível por favor? — ele falou com tanta educa-
ção e delicadeza que Sara teve certeza de que não era um vadio querendo
tirar vantagem da situação.

— Claro! Vou arranjar alguma coisa para você — respondeu e foi até a

cozinha

O que devia dar para uma pessoa que estava há tanto tempo sem co-

mer? Precisava ser alguma coisa substancial e ao mesmo tempo leve. Talvez
um caldo de carne com um ovo dentro. Num instante preparou tudo, colocou
numa bandeja e caminhou de volta para a sala.
Ficou espantadíssima ao ver que o homem chamado Janos tinha reclinado a
cabeça no encosto do sofá e estava com os olhos fechados; ainda usava a
capa. Sara colocou a bandeja na mesa de centro e Janos abriu os olhos.

— Desculpe. Isso nunca me aconteceu antes! — falou ele, endireitan-

do-se no sofá e olhando para a bandeja preparada

— Coma à vontade — disse Sara — mas devagar, senão pode lhe fazer

mal!

Para deixá-lo mais à vontade, pegou um almofadão e colocou em fren-

te à mesa; sentou-se nele, dobrando as pernas para se ajeitar melhor.

— Por que não comeu nada hoje? — perguntou, observando suas

mãos, finas e bem tratadas faziam um contraste muito grande com as rou-
pas amassadas.

— Não tive tempo para parar em algum lugar e comer. Estava com

muita pressa de ver Cecília e não queria perder tempo com nada. Você é um
pouco parecida com Cecilia — ele continuou — Vê-se logo que são parentes
mas você é mais velha que ela, não é?

— Sou três anos mais velha que ela. Minha mãe e a mãe de Cecília

eram irmãs. Mamãe morreu num acidente quando eu linha apenas dois anos
e tia Hilda e o marido, que são fazendeiros acabaram me adotando. Cresci
achando sempre que Cecília era minha irmã mais nova.

— O que aconteceu com o seu pai?
— Não sei; nunca o conheci Ele abandonou minha mãe antes que eu

tivesse nascido.

Janos não fez nenhum comentário e continuou a comer; tomou o copo

de leite que estava na bandeja e as cores tinham voltado a seu rosto.

— Você tem o cabelo mais escuro que o de Cecília — comentou
— Infelizmente, porque o cabelo de Cecília tem um tom maravilhoso!
— Mas também acho a cor de seu cabelo linda! — ele insistiu. — Pare-

ce a cor de cobre que as folhas têm quando chega o outono.

— Seu inglês é muito bom!, — ela disse, para disfarçar o embaraço

que sentia ao ouvi-lo fazer um elogio tão grande a seu cabelo. Ninguém
nunca tinha dito coisas tão bonitas a respeito dele!

— Falo bem porque tive uma ótima professora: minha avó. Ela era in-

glesa e uma excelente instrumentista; tocava violino com mãos de fada! Es-
tudava em Viena quando conheceu meu avô. Eu morei com eles quando era

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pequeno e ela me ensinou a falar inglês; dizia que um dia me seria muito
útil — Janos falou, com um toque de saudade na voz.

— Você é austríaco?
— Não, sou húngaro.
A Hungria era um país da cortina de ferro, se ela não estava engana-

da. Conseguiu lembrar alguma coisa que aprendera sobre a Hungria ainda
no tempo de escola. Recordava lendas sobre um povo de temperamento for-
te — os Magiares, que gostavam muito de música — que lutou contra a
opressão de invasores… e então lembrou que já ouvira o nome Janos antes.

— Hary Janos! — ela exclamou. — Ele era um herói húngaro e existe

até uma música que fala sobre seus feitos heróicos. Janos é seu último no-
me, não é?

— Não, é meu primeiro nome, meu nome de batismo; quer dizer John

em inglês. — Parecia que ele não tinha vontade de entrar em maiores deta-
lhes sobre sua vida. — Obrigado pela comida; estava muito gostosa.

— Quer mais alguma coisa? Talvez um pedaço de bolo, como sobre-

mesa?

— Aceito um pedaço de bolo, obrigado — ele disse e colocou a mão

sobre a boca para esconder um bocejo.

Sara foi novamente até a cozinha, cortou algumas fatias de bolo e vol-

tou para a sala. Encontrou Janos deitado no sofá, com a cabeça apoiada
numa almofada. Ele parecia dormir.

— Janos, acorde! — Tocou-lhe o ombro. — Não pode dormir aqui! Pre-

cisa ir embora!

Ele nem se mexeu. Sara tentou de novo, mas não conseguiu nada. Fi-

cou olhando para ele e percebeu, pela respiração profunda e cadenciada,
que ele estava dormindo profundo e que seria muito difícil acordá-lo Sentiu
pena; ele parecia tão exausto! E, afinal de contas, que mal faria deixá-lo
dormir ali?

Foi até o quarto, pegou um cobertor e cobriu Janos. Apagou a luz da

sala e levou a bandeja de volta para a cozinha.

Enquanto lavava a louça suja, Sara pensava em por que Cecilia não ti-

nha contado nada sobre Janos. Lembrava perfeitamente que, no verão ante-
rior, quando Cecilia voltou da Europa, tinha falado sobre muita gente que
conhecera lá. Mas não tinha mencionado Janos nem uma vez! E a única coi-
sa que tinha dito sobre Salzburgo era que jamais esqueceria aquela cidade
que tinha uma fortaleza num morro e um mosteiro no outro. Cecília ficou
emocionada ao pensar que havia andado nas ruas medievais, onde Mozart
também andara. Mas nunca tinha mencionado o nome de Janos. Estava im-
pressionada apenas com Philip Merton, um americano Sofisticado que ela
conheceu em Paris e só conseguiu falar sobre a proposta de casamento que
ele lhe fizera!

Sara acabou de lavar a louça e foi para o quarto. Era melhor conversar

com Cecilia sobre Janos. Pegou o telefone e daí a pouco estava novamente
falando com a tia.

— Desculpe ligar tão tarde, tia Hilda, mas queria falar com Cecília. Ela

está aí?

— Acabou de chegar; espere um pouco que vou chamá-la. — Logo em

seguida Sara ouviu a voz suave e agradável da prima:

— Como vai, Sara?

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— Tudo bem; você também, não é? Queria falar com você.
— O que aconteceu?
— Um homem chamado Janos está aqui.
— Janos? — Cecília não parecia lembrar de conhecer alguém com esse

nome. — Janos de quê?

— Não sei o sobrenome dele; ele só me disse que conheceu você em

Salzburgo, no Verão passado.

— Ah! Esse Janos! Meu Deus! — Cecilia estava sem saber o que dizer.

— Nunca pensei que ele viesse para cá!

— Mas aconteceu que veio e agora está dormindo no meu sofá; e não

consigo fazer com que ele acorde! — disse Sara, irritada, — Afinal, Cecilia,
quem é ele?

— É um violinista que conheci quando tocava no festival, em Salzbur-

go. Ele é um músico maravilhoso e saí com ele algumas vezes. — Cecília es-
tava um pouco agitada com a notícia. — Quando ele ia de volta para a Hun-
gria, eu disse que, se algum dia viesse à Inglaterra, eu poderia ajudá-lo.
Mas nunca pensei que ele viesse! Sabia que tinha tido alguns problemas com
as autoridades húngaras por tentar escapar para o Ocidente; soube até que
ele corria o perigo de ser preso, quando voltasse a Budapeste.

— Mas ele está aqui, Cecília!
— Sara, você não disse a ele onde estou, não é?
— Disse, mas acho que ele não faz idéia de onde é Stonethwaite.
— Também disse a ele que estou aqui porque vou me casar?
— Ainda não. Acha que deveria contar?
— Não sei! Talvez fosse melhor não dizer nada. Mas, por favor, não

deixe que ele venha aqui. — Cecília parecia assustada agora. — Deve impe-
di-lo de vir, pelo menos até que o casamento tenha terminado e eu e Philip
tenhamos ido embora!

— Mas, como vou fazer para impedir que ele vá? E por que acha que

vou fazer isso? Por que não quer que ele vá vê-la? — Sara tinha tanta coisa
para perguntar, que nem dava tempo de Cecilia responder. — O que aconte-
ceu em Salzburgo? Vocês foram amantes? É por isso que não quer que ele
apareça aí?

— Calma, Sara. Não é nada disso. Por favor, não me pergunte mais

nada; não posso responder agora, com todo mundo sentado aqui em volta
de mim. Faça como estou pedindo, por favor! Dê um jeito de impedir que ele
venha, até que eu tenha partido. Não sei como vai conseguir isso mas, por
favor, faça como lhe peço!

— Está bem — concordou Sara. — Vou fazer o possível.
— Obrigada, Sara! Sabia que podia contar com você!
Sara colocou o fone no gancho e suspirou. Não era a primeira vez que

Cecilia passava a responsabilidade das coisas que fazia para ela! Isso já ti-
nha acontecido várias vezes. Como não podia fazer nada até o dia seguinte,
o jeito era tratar de dormir. Talvez a solução lhe viesse à cabeça pela ma-
nhã. Ou quem sabe ele se levantaria e iria embora antes que ela acordasse.

Apagou a luz e tratou de dormir; estava cansada e num instante

adormeceu.

Na manhã seguinte, Sara foi logo ver se Janos ainda eslava na sala.

Encontrou-o dormindo profundamente; parecia nem ter se mexido durante a
noite toda.

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— Janos, acorde!
Ele não se mexeu; Sara colocou a mão no ombro dele e sentiu o calor

daquele corpo forte.

— Janos, acorde — repetiu.
Devagar, ele começou a piscar e, com os olhos ainda carregados de

sono, olhou para ela. Parecia não compreender por que estava ali, diante
dela.

— Vamos, levante-se — ela insistiu. — Tenho que ir trabalhar dentro

de uma hora. Prometi passar pelo escritório antes de ir para Stonethwaite e
você precisa ir embora antes que eu saia. Se quiser, pode tomar um banho.

Ele passou a mão pelos cabelos e se espreguiçou. Pela camisa aberta,

Sara podia ver a pele queimada de Janos e os músculos de seu peito.

— Fiquei aqui a noite toda? — ele perguntou.
— Ficou sim; não consegui acordá-lo, ontem à noite.
— Desculpe, não pensei que fosse dormir tanto. Tinha pensado em ti-

rar só um cochilo… mas estava tão cansado!

A atitude dele de se desculpar fez com que Sara abrandasse. Ela real-

mente tinha percebido o quanto ele estava exausto!

— Acho que dormiu mais de oito horas! Mas foi bom, porque estava

precisando descansar. — Mudando de tom, ela disse: — Vou preparar o ca-
fé; até que acabe de tomar banho, tudo vai estar pronto. Há toalhas limpas
na prateleira à direita, no banheiro.

— Obrigado.
Na cozinha, Sara preparava ovos com presunto, enquanto pensava no

que diria a unos quando ele mencionasse que queria ver Cecília. Será que
ela devia dizer que isso era impossível, porque Cecília se casava no dia se-
guinte? Não, era melhor não dizer nada sobre o casamento! Diria que ela já
tinha saído do país. Não, também não podia ser; já dissera a ele que a pri-
ma estava em Stonethwaitet.

De uma certa forma Sara podia compreender por que Cecília não que-

ria que Janos aparecesse em Stonethwaite; mal vestido, meio faminto, não
faria boa figura entre os convidados. Era engraçado imaginar os parentes e
amigos de Philip Merton conversando com Janos! Seria um quadro impossí-
vel: a união do esnobismo com a simplicidade!

Janos entrou na cozinha nesse momento. Mesmo usando aquelas rou-

pas feias e mal arrumadas, ele era muito bonito! Tinha ombros largos e uma
postura elegante. Sem a barba, parecia mais limpo e Sara pôde notar que
havia determinação e força de vontade em seu queixo quadrado. O nariz era
afilado e os olhos muito brilhantes e vivos; era um rosto inteligente, embora
de traços duros, talvez a marca de uma vida difícil. O cabelo, agora limpo e
brilhante, era escuro e levemente cacheado.

— Sente-se e coma alguma coisa — disse ela, indicando a mesa. — É

um café da manhã tipicamente inglês: ovos, presunto chá, torradas e geléia.

Ele se sentou e ela ocupou a cadeira em frente à dele. Janos começou

a comer com vontade.

— Foi muita bondade sua me deixar dormir aqui!
— Na verdade, não havia nada mais que eu pudesse fazer — ela disse,

rindo. — Você apagou como uma vela enquanto eu fui pegar o bolo. Devia
estar exausto. Veio diretamente da Hungria?

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— Não — foi a resposta lacônica, como se ele não quisesse entrar em

maiores detalhes.

— Veio à Inglaterra a negócios?
— Vim para ver Cecília.
— Não pode ter vindo de tão longe só para vê-la!
— Foi a explicação que dei ao Comitê de Refugiados em Viena, quando

pedi permissão para vir para este país; o motivo foi aceito — ele explicou. —
Onde fica Stonethwaite, onde Cecília está agora?

— Fica na região dos lagos. — Ela deu uma resposta vaga de propósi-

to; se ele não queria entrar em detalhes sobre a própria pessoa, ela também
podia fazer o mesmo.

— Como eu poderia chegar a Stonethwaite? — ele perguntou com tei-

mosia.

— Não é fácil chegar lá… — Sara procurava ganhar tempo para pensar

numa maneira de impedi-lo de ir.

— Não pode ser mais difícil do que a viagem que fiz de Budapeste a

Viena, no ano passado — ele replicou. — Atravessei um rio numa noite escu-
ra. Depois tive que andar grandes distâncias, sempre à noite!

— Você é um fugitivo?! — exclamou Sara com os olhos bem abertos.
— Sou um refugiado.
— Deixou seu país por questões políticas?
— Saí de lá porque não havia mais razão nenhuma para permanecer.

— Ele insistia em parecer vago. — Posso ir a Stonethwaite direto daqui? Há
um trem ou ônibus para lá? Não tenho muito dinheiro inglês.

— Teria que tomar um trem.
— Esse trem é direto para Stonethwaite?
— Não. Stonethwaite é uma cidade muito pequena. Você teria que pe-

gar o trem, ou um ônibus, até a cidade que fica mais perto de lá — ela res-
pondeu, procurando fazer com que tudo parecesse complicado.

— E qual é a cidade mais perto? — ele insistiu.
— Carlisle. De lá você teria que pegar outro ônibus para conseguir

chegar a Stonethwaite

Do outro lado da mesa, Sara podia ver a força de vontade que havia

naqueles olhos claros e frios; com um arrepio de medo, teve certeza de que
não seria fácil fazê-lo desistir do que se havia proposto.

— E a que horas vai sair para pegar o trem ou o ônibus para Carlisle?

— perguntou Janos com firmeza.

— Eu? — ela perguntou, realmente surpresa com a pergunta dele.
— Você mesma. Hoje de manhãs quando me acordou, disse que tinha

que ir a Stonethwaite hoje, depois do trabalho.

— É verdade! Tinha esquecido que havia comentado isso com você.

Mas não vou nem de trem nem de ônibus; vou com o meu próprio Carro.

Durante algum tempo Janos ficou olhando para ela, como se tentasse

compreender exatamente o que ela havia dito. Finalmente, perguntou:

— Você tem um carro? Então deve ter um ótimo emprego e ganhar

muito dinheiro!

— Realmente, tenho um emprego muito bom e gosto muito do que fa-

ço. Mas não pense que ganho tanto assim! Posso viver bem, se não fizer ex-
travagâncias E quanto ao carro — explicou, sorrindo — não é grande. É um
carrinho pequeno e eu o comprei de segunda mão.

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— No que trabalha? — ele perguntou, interessado.
— Trabalho numa indústria têxtil e faço desenhos para estamparia de

tecidos.

Ele pareceu não entender bem qual era a função dela, por isso ela con-

tinuou a explicar:

— Fiz um curso de desenho na faculdade e agora uso os desenhos que

crio para estampar tecidos, geralmente de algodão. É um trabalho bastante
criativo e talvez por isso eu goste tanto dele. — Ela olhou para o relógio e
continuou: — Nossa, tenho que sair voando se não quiser chegar tarde. Já
são vinte para as nove. Você comeu o suficiente?

Janos levantou-se, recolocou a cadeira no lugar e disse:
— Comi muito bem, obrigado. Desculpe por tê-la atrasado — falou

com muita educação. — Vou pegar minhas coisas para poder ir embora.

Ele foi para a sala e Sara tratou de juntar a louça suja na pia; lavou

tudo rapidamente, depois foi para o quarto. Colocou o casaco de seu conjun-
to de lã, pegou um mantô pesado e a mala que já tinha preparado na véspe-
ra. Em seguida foi para a sala e ouviu, então, as notas suaves tocadas no
violino.

Janos estava de pé no meio da saia, o violino preso sob o queixo, to-

cava uma melodia suave e doce, usando notas muito altas. Sara ficou im-
pressionada com a limpidez do som e com a perfeição com que a música era
tocada. Parou, encantada com o que ouvia! Com acordes harmoniosos, ele
terminou. Sara largou o casaco e a mala que ainda segurava nas mãos e ba-
teu palmas com entusiasmo.

— Foi maravilhoso! — comentou, realmente maravilhada. Ela era um

pouco reservada, pouco dada a essas manifestações de entusiasmo; mas
agora tinha sido muito espontânea. — O que estava tocando?

— O fim do primeiro movimento do Concerto para Violino, de Brahrns.

Gostou, não é? Também é um dos meus favoritos! Talvez você também gos-
te do segundo movimento; é muito romântico!

Levantando o arco, ele começou a tocar a melodia e veio para junto

dela, os olhos muito profundos e envolventes pousando diretamente nos de-
la. Sara ficou parada, como se estivesse hipnotizada, perdendo a noção de
espaço e tempo, deixando-se levar apenas por aquele som maravilhoso que
Janos conseguia tirar de quatro cordas e uma caixa de madeira de formas
bonitas; sentia-se como se estivesse ouvindo uma serenata feita por um
amante que tentava convencer a amada a se entregar à magia do amor e
conhecer as alegrias e as profundezas da paixão!

— Não, não! — ela sussurrou, quebrando o encantamento. — Vou che-

gar tarde ao trabalho!

— Não gostou dessa melodia?
— Gostei demais, mas não posso continuar aqui, ouvindo você tocar.

Preciso ir trabalhar e você tem que ir embora. — Parou para pensar e em
seguida perguntou: — O que pretende fazer? Para onde vai agora? — Ela se
sentia preocupada ao pensar que ele era um estrangeiro num país estranho.

— Vou para a estação, para ver quando posso pegar um trem para

Carlisle. Acha que consigo chegar a Stonethwaite ainda hoje? — ele pergun-
tou, fechando o estojo do violino e colocando-o dentro da mala, que tinha
poucas peças de roupa.

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— Como conseguiu nadar com seu violino? — Sara evitava ter que

responder que, se ele pegasse o trem ou o ônibus, chegaria a Stonethwaite
no mesmo dia.

— Ele não estava comigo quando precisei atravessar o rio a nado. Ti-

nha deixado o violino com um amigo quando estive na Áustria, no verão
passado. Quando cheguei a Viena, no Natal, ele estava lá, bem guardado
com o meu amigo. Achei melhor Colocar o estojo na mala para não ter que
carregar dois volumes. — Ele pegou a capa e colocou-a nos ombros — Ainda
não respondeu à minha pergunta, senhorita. E possível que eu chegue hoje
mesmo a Stonethwaite, para ver Cecilia?

— Por que é tão importante assim ver Cecília?
— E por que você não quer que eu a veja? — Havia raiva em seus

olhos, e Janos pegou a mala e se encaminhou para a porta. — Obrigado por
me deixar dormir aqui e por ter me dado comida. Nunca esquecerei Como
foi boa para mim: Agora vou até a estação, Talvez a gente se encontre de
novo em Stonethwaite

— Espere um pouco! — disse Sara, dando um jeito de se colocar entre

ele e a porta. Não sabia o que fazer para convencê-lo, Quem sabe, se lan-
çasse mão de seus encantos femininos? Inclinou a cabeça trás, o rosto bem-
feito contrastando com o brilho dos cabelos castanho-acobreados, que lhe
chegavam aos ombros. Sorriu e disse com calor na voz — Não é que eu não
queira que você veja Cecilia. É que acho que seria uma bobagem você ir de
trem ou de ônibus para mesmo lugar para onde estou indo de carro. Se você
pudesse esperar até meio-dia, até que eu tivesse terminado de trabalhar eu
voltaria para pega-lo e poderíamos ir juntos. É uma viagem bem longa e eu
gostaria de ter sua companhia. Fico sempre preocupada porque um pneu
pode furar… e não sei como trocá-lo. Que tal se fizermos assim? Você me
espera aqui e então iremos juntos ate Stonethwaite?

Ele estava olhando para ela, não com surpresa ou dúvida, mas com

muita admiração. Foi só então que Sara se deu conta de como estavam per-
to um do outro. Percebeu, também, a forte atração física que ele parecia
sentir, o brilho profundo daqueles olhos vivos e penetrantes, que a olhavam
no fundo da alma! Ele tinha um rosto de traços fortes e parecia decidido e
de temperamento másculo: seu cabelo, muito escuro e sedoso, fazia lembrar
o de um cigano, completando com harmonia aquelas feições morenas de
traços marcantes.

Sara se arrepiou ao senti-lo tão perto; quase perdeu o ar de tanta

emoção. Era como se estivesse ameaçada por alguma coisa que não podia
explicar mas, ao mesmo tempo, não conseguiu se afastar dele.

— Seus olhos são verdes! — ele exclamou, muito suave e baixinho. —

São claros e frios como o mar, até que você começa a sorrir; então, eles bri-
lham como se o sol estivesse batendo na água. Você devia sorrir mais ve-
zes; fica tão bonita quando sorri! Fica tão linda, que eu gostaria… gostaria
de… — Seus lábios entreabertos estavam a apenas alguns centímetros dos
dela… e então, de repente, ele se afastou.

— Talvez não seja seguro que eu viaje com você. — Janos falou como

para si mesmo.

— Mas eu dirijo muito bem! — ela respondeu, fingindo não ter enten-

dido o que ele queria dizer. Continuava tendo a sensação de se sentir amea-

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

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çada, embora não soubesse explicar o porquê disso. — Você vai me esperar
aqui até que eu volte para pegá-lo, não é? — insistiu.

Ele a encarou, agora com suspeitas no olhar. Sara se sentiu ainda

mais ameaçada.

— Não vou esperá-la aqui, Sara. Vou até a estação, pegar um trem.
— Mas é muito mais lógico que você vá comigo! Além disso, você eco-

nomizaria e faria uma viagem direta; poderia ter a certeza de chegar a Sto-
nethwaite ainda hoje! — Estava cada vez mais difícil tentar enganar aquele
homem! Sara era uma pessoa sincera e positiva, não tinha muito jeito para
mentir.

— Você acha que eu chegaria lá hoje? — Ele levantou as sobrancelhas

com ar de desafio. — Não tenho tanta certeza!

— Claro que chegaria! — Ela respondeu, aborrecida por perceber dúvi-

da na voz dele.

— E como vou ter certeza de que você vai voltar para me pegar? Você

pode esquecer do quê combinamos e, quando eu descobrir que você não vi-
rá me apanhar, já será muito tarde para tomar o trem.

— Você não confia muito nos outros, não é?
— Tenho motivos para isso. Muitas vezes confiei demais nas pessoas e

fui traído. Agora, só tenho confiança em mim mesmo! Por isso, é melhor me
deixar passar, porque estou indo direto para a estação!

— Acho que você é muito orgulhoso e difícil — Sara falou. — Não te-

nho mais tempo para ficar aqui, discutindo. Tenho que ir trabalhar.

— Também tenho que ir — ele falou, muito frio. — Abra a porta, por

favor.

— Não vou deixar que vá! — Ela respondeu, sem querer. Ao perceber

o olhar de surpresa de Janos, consertou: — Não vou deixar que você vá de
trem para Stonethwaite. Já que estou indo para lá, de carro, acho que o me-
lhor é irmos juntos. Chegará lá mais depressa.

Ele continuou a olhá-la com dúvida e suspeita no olhar.
— Cecilia não vai me perdoar se o deixar ir de trem, uma vez que

também estou indo. Já sei o que vamos fazer; você vai até o escritório co-
migo e me espera até eu fazer o que preciso; em seguida, iniciaremos nossa
viagem. Está bom assim? Acho que desta maneira não poderei esquecer de
pegá-lo.

E, para acertar de vez a situação, acrescentou, muito sinceramente:
— Ora, vamos, Janos. Venha comigo, por favor. Terei muito prazer em

contar com a sua companhia. — Um sorriso amigo completou sua frase.

— Esperava mesmo que dissesse isso — Janos respondeu, também

com um sorriso sincero e aberto. — Obrigado, Sara; terei muito prazer em ir
com você!

— E não vai se aborrecer por ter que me esperar enquanto termino as

coisas no escritório?

— Tenho muita paciência para esperar, quando é por alguma coisa que

quero muito — ele respondeu em tom misterioso.


C

APÍTULO

II


O primeiro movimento do concerto chegou ao fim com notas alegres e

majestosas. Houve um momento de silêncio e então a platéia prorrompeu

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

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em aplausos calorosos, mostrando como a atuação do solista havia sido
apreciada. As pessoas aplaudiam e gritavam “bravo” mesmo entre os movi-
mentos do concerto, o que não era usual.

O maestro virou-se, a testa molhada de suor pelo esforço, demons-

trando insatisfação por esse procedimento incomum da platéia. Mas Janos
não estava aborrecido. Pelo contrário, agradecia os aplausos, com um sorri-
so, abaixando a cabeça várias vezes. Em seu íntimo, ele se achava merece-
dor desses aplausos, pois sabia que era um bom solista.

Sara foi tirada de seus pensamentos pelo barulho das palmas. Deixou

de lado a lembrança de como conhecera Janos, para olhá-lo ali presente, em
carne e osso. Teve a impressão de que ele olhava para ela enquanto passa-
va o lenço pelo rosto. Mas, claro, ele não podia perceber ninguém na platéia
por causa das luzes fortes que iluminavam o palco! No entanto, sua impres-
são de que ele não tirava os olhos dela persistia.

O maestro bateu a batuta, pedindo silêncio; após mais alguns sussur-

ros, a platéia ficou em absoluto silêncio. Ele levantou as duas mãos, abaixou
a direita, e o suave som de um oboé deu início ao segundo movimento.

Sara deixou escapar um suspiro e fechou os olhos, incapaz de continu-

ar olhando para Janos. que esperava sua vez de tocar. Começou a sentir
remorso ao pensar na amizade e no amor que ela acreditava terem existido
entre os dois; tinha sido um relacionamento maduro e forte que, no entanto,
fora destruído por algumas palavras apressadas e cheias de ciúme, ditas
num momento de raiva. A melodia romântica trazia à sua memória os mo-
mentos vividos junto com Janos.

Tinham ido juntos para o escritório naquela manhã e, enquanto ela

supervisionava a elaboração de seu novo desenho para os tecidos de corti-
nas, tentava imaginar uma maneira de evitar que Janos chegasse a Sto-
nethwaite antes que Cecília tivesse partido. Esperava que o tempo colabo-
rasse e que a geada que caía logo se transformasse em neve, atrasando a
viagem.

Ao meio-dia as provas do tecido ficaram prontas e ela se dirigiu ao es-

critório de Tom Caldwell, o gerente do departamento de criação da Fábrica
de Tecidos Ferris S.A. Janos estava lá, com uma revista nas mãos. Assim
que ela entrou na sala, ele se levantou e lhe ofereceu o lugar.

— Tudo pronto? — perguntou Tom, dando a volta na mesa para ficar

mais perto de Sara.

— Tudo pronto e me parece que ficou ótimo — falou Sara. Depois se

virou para Janos e disse: — Espero que não tenha ficado aborrecido por me
esperar até agora. — Ela estava aliviada, vendo que ele continuava lá; por
duas ou três vezes tivera medo de que ele perdesse a paciência e fosse em-
bora para tomar o trem.

— De jeito nenhum. O Sr. Caldwell foi muito amável e me levou para

conhecer vários setores da fábrica; pude ver como o algodão é transformado
em fio e como o tecido é feito. Vi também os últimos desenhos feitos por
Sara Cranston e soube como esse nome está se tornando famoso no mundo
da decoração.

Sara sentiu que seu rosto ficava vermelho e quente com o elogio. Isso

lhe pareceu muito estranho, pois estava acostumada a ouvi-los em relação a
seu trabalho e normalmente os aceitava como um reconhecimento merecido
pela dedicação que tinha para com a profissão.

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— Não deve levar a sério tudo o que Tom diz a meu respeito — res-

pondeu, rindo para disfarçar o prazer que sentia ao notar que aquele estra-
nho a olhava com respeito e admiração. — Ele é suspeito quando faz esses
elogios, pois tudo o que aprendi foi com ele. — Sara virou-se de novo para
Tom e disse: — Estamos indo agora. Volto segunda-feira, à tarde, se tudo
estiver bem.

— A previsão do tempo não é boa para a região dos lagos. — Tom pa-

recia preocupado. — Acho que seria mais seguro ir de trem.

— Não chegaríamos lá hoje — ela respondeu, vestindo seu casaco.
— Não saia da entrada principal, então — disse Tom. — Ela normal-

mente é mantida livre da neve.

— Prometo que sim.
— E me telefone, em casa, quando chegar a Stonethwaite — Tom in-

sistiu, ficando entre Sara e Janos. — Estou preocupado com você; tem
mesmo que ir, Sara?

— Claro que sim; prometi a Cecília que estaria lá para o casamento.

Não fique tão preocupado assim, Tom — disse em tom alegre. — Já dirigi
para lá uma porção de vezes e nunca tive problemas. E não vou telefonar
para você; tenho certeza de que Anne não ia gostar. — Sara sabia como An-
ne, esposa de Tom, era ciumenta.

— Ficaria mais tranqüilo se soubesse que estava indo sozinha — Tom

falou em voz baixa para evitar que Janos ouvisse. — Precisa mesmo levá-lo
com você?

— Está tudo bem, Tom. Sei o que estou fazendo — ela murmurou. —

Ele é legal; é um amigo de Cecília.

— Tenha cuidado — Tom disse num suspiro.
— Tenho, sim, não se preocupe. — Por cima do ombro de Tom, ela

olhou na direção de Janos. Ele havia se afastado e olhava por uma janela
que não apresentava nada de interessante. — Está pronto, Janos? Vamos,
então; poderemos parar no caminho para comer alguma coisa.


Sara não pegou a estrada principal; primeiro deu um jeito de seguir

por avenidas que estavam muito congestionadas. Depois seguiu para Man-
chester; de lá pegaria estradas menos importantes, pois queria chegar a
Carlisle pelo caminho mais longo. A geada fina e leve começava a se trans-
formar em neve. Quando estavam a alguma distância de Manchester, parou
num restaurante para almoçarem. Ela sabia que o serviço naquele lugar era
demorado e isso serviria para atrasá-los ainda mais.

— Não sabia que nevava por aqui nesta época do ano — comentou Ja-

nos, enquanto esperavam pelo que tinham pedido.

— Não é muito comum termos neve nesta época, mas em alguns anos

março é ainda muito frio por aqui. Talvez a neve não dure muito tempo e
esteja derretida amanhã de manhã. O tempo é muito variável, aqui na In-
glaterra.

— Variável e instável como uma mulher! — ele comentou, olhando pa-

ra os flocos de neve.

— Não concordo com você. Nem todas as mulheres são assim. Eu, por

exemplo, quando me decido por uma coisa raramente mudo de idéia.

— Já se decidiu a respeito do Sr. Caldwell? — ele perguntou.

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— Que quer dizer com isso? — Sara estava espantada. — Por que de-

veria me decidir sobre ele?

— Talvez eu esteja enganado, mas tenho a impressão de que Tom

gosta de você e que gostaria de ser seu amante.

— Tom? Meu amante? — Ela soltou uma gostosa gargalhada. — Não!

De jeito nenhum! Ele não é o tipo de pessoa que aceita ter casos; é casado e
somos apenas amigos e colegas de trabalho. Não somos amantes e nem te-
mos idéia ou vontade de vir a ser.

Os olhos penetrantes de Janos estavam fixos no rosto de Sara, como

se quisessem entrar em seu íntimo para conhecer a verdade.

— No entanto — ele continuou —, tive a impressão de que ele queria

que eu me afastasse do que considerava como propriedade dele. Tom não
queria que eu viesse com você. Pareceu não gostar da idéia de você viajar
sozinha com um estranho!

— Ele disse isso a você? — quis saber Sara, lembrando que Tom havia

dito baixinho que preferia que ela viajasse sozinha.

— Não me disse isso diretamente, mas me fez muitas perguntas, como

se fosse um policial tentando desvendar um caso suspeito. Quis saber como
cheguei aqui, como conheci Cecília e porque queria vê-la.

— Provavelmente você respondeu a ele com evasivas, como fez comi-

go ontem à noite e hoje de manhã; e, com toda a razão, Tom ficou cheio de
dúvidas! — Depois de uma pausa, ela continuou — Você está tendo o que
merece, Janos. Como pode esperar que alguém acredite e confie em você,
quando não diz nada a respeito de si mesmo?

Sara tentou encará-lo mas era difícil manter o olhar naqueles olhos vi-

vos e perturbadores.

— Ainda nem me disse qual é seu último nome! — comentou.
— Chamo-me Janos Vaszary. Achei que este era um país livre, em que

as pessoas não ficavam perguntando a respeito da vida dos outros. — Havia
raiva em sua voz. — Mas estamos mudando de assunto. Estávamos falando
sobre o Sr. Caldwell. Ele não confia em mim mas não é porque não respondi
às perguntas que fez, mas porque vou viajar com você por algumas horas e
porque sou homem. Na verdade, ele está com ciúme, pois acredita que você
seja propriedade dele.

— Não admito que me considerem como uma propriedade! — Sara

disse, indignada. — Não pertenço a ninguém; só a mim mesma. Se pretende
ficar nesta parte do mundo é melhor se livrar dessas idéias antiquadas de
que uma mulher pertence a um homem, como se fosse uma coisa.

— Está enganada, Sara. Não sou eu quem tem idéias antigas a respei-

to de mulheres; é o Sr. Caldwell. Ele gosta mais de você do que da própria
esposa. Ele se preocupa com sua pessoa, quer protegê-la e se comporta
como se tivesse o direito de agir assim! Não percebe isso?

Havia desafio na voz de Janos, mas Sara não teve que responder, pois

nesse momento o garçom chegou com o pedido. Era carne assada com le-
gumes e parecia muito apetitoso.

Enquanto comiam, Sara pensava em como Janos era esperto e inteli-

gente! Ele reparava em tudo e tinha chegado a conclusões verdadeiras! Ela
também sabia que Tom gostava dela, e há muito tempo procurava demons-
trar a ele que não percebia esse sentimento; que, se mostrasse algum inte-

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resse por ele, Tom deixaria Anne e isso ela não queria. Não queria ser a
causa de um casamento desfeito.

— Sei como Tom se sente — disse finalmente. — Mas ele é casado

com Anne e isso torna qualquer relacionamento mais profundo impossível
para mim.

— Então não está apaixonada por ele?
— De jeito nenhum! — Sara riu e o rosto de Janos abriu-se num sorri-

so também. — Não estou apaixonada por ninguém; pelo menos, por en-
quanto. Que tal mudarmos de assunto agora?

— Você tem medo?
— Medo? De quê?
— Medo do amor; de se apaixonar, de se deixar levar pelo amor! É por

isso que não quer mais falar sobre isso?

— Quero mudar de assunto pelo simples fato de que não estou dispos-

ta a discutir meus assuntos pessoais com você!

— Só porque eu sou um estrangeiro de quem você não sabe nada?
— Não! Porque não é da sua conta! — ela disse com raiva.
Ele olhou-a com ar de riso, mas não comentou mais nada. Continua-

ram comendo em silêncio.

Quando saíram do restaurante, já eram mais de duas horas e o céu

estava cinza-escuro, com nuvens pesadas; flocos de neve caíam constante-
mente, embora derretessem quando chegavam ao chão. A estrada estava
sem neve, mas muito molhada e escorregadia.

— Gostaria de poder ajudá-la .— disse Janos, à medida que o carro

avançara através dos flocos de neve. — Poderia dirigir, mas minha licença
não é válida aqui; além disso, não conheço o caminho. Se tiver um mapa da
região, posso ajudá-la a procurar a direção, pois a visibilidade está cada vez
pior.

— Não tenho nenhum mapa — respondeu Sara. Não queria que ele

olhasse no mapa e visse que ela não tinha tomado o caminho que dava dire-
to em Carlisle, e daí para Stonethwaite. — Venho tantas vezes para cá que
já não preciso mais de mapas. Na verdade, o caminho é bem direto; tenho
apenas que seguir por esta estrada até Lancaster e de lá até Kendal. Quando
chegarmos a Kendal, viramos à esquerda, em direção a Windermere e aí pa-
ra Kirkstone Pass, e então…

— Então não tomamos a estrada que o Sr. Caldwell sugeriu — inter-

rompeu Janos.

— Não; tomamos uma estrada que dá acesso mais direto — ela disse,

aborrecida consigo mesma por estar mentindo.

Na verdade, o caminho que faziam apresentava muito maior risco de

ficar impedido. A neve que caía já não derretia como antes; pelo contrário,
começava a se acumular sobre o leito da estrada.

Ótimo, pensou Sara, se a neve continuar caindo assim, não poderemos

continuar muito tempo mais pela estrada. Com um pouco de sorte, teriam
que parar em algum lugar e não chegariam à noite em Stonethwaite. Sara
esperava precisar parar quando chegassem ao Kirkstone Pass. Janos não
poderia dizer nada, pois seria realmente impossível prosseguir a viagem com
a estrada coberta de neve fofa e funda.

Sara não estava aborrecida por não chegar em tempo ao casamento

de Cecília. Sentia-se até leve e descontraída, como se estivesse envolvida

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numa aventura nova e divertida; uma aventura junto com um homem com-
pletamente estranho e de quem nada sabia.

Pelo rabo do olho deu uma olhadinha em Janos. Ele tinha escorregado

no banco para acomodar a cabeça no encosto; tinha os olhos fechados e pa-
recia estar dormindo. Tomara que estivesse mesmo dormindo, assim não
perceberia o que ela estava fazendo para a viagem demorar mais.

Depois de Lancaster a neve começou a cair mais pesada e tudo foi fi-

cando escuro; a visibilidade estava péssima. Sara começou a dirigir mais
devagar, agora não mais para se atrasar, mas porque realmente estava difí-
cil guiar o carro no meio de tanta neve.

— Ainda estamos muito longe? — perguntou Janos.
— Sim, ainda temos muitos quilômetros pela frente — respondeu va-

gamente, preocupada em não perder o local onde deveria virar à esquerda
para chegar a Windermere. — Você pode prestar atenção e ver se encontra
um sinal marcado “Windermere”? Deve aparecer à sua direita.

— É melhor soletrar o nome; senão, não vou conseguir encontrá-lo.
Ela soletrou o nome com cuidado e diminuiu ainda mais a marcha;

sentia que apesar da baixa velocidade, o carro ainda derrapava. Será que ia
conseguir chegar a Windermere?

— Posso ver um aviso — disse Janos de repente. — Vá bem devagari-

nho para que eu possa ler.

Com muito cuidado, Sara apertou o pedal do freio e colocou uma mar-

cha reduzida no carro. Mesmo assim o carro deslizou pela estrada e ela não
pôde parar.

— Não dá mais para ler o sinal — disse Janos —, mas posso ver daqui

uma estrada à nossa esquerda. Se der, vire nela.

Sara conseguiu manobrar o carro e virou à esquerda, na estrada que

Janos tinha visto; era estreita e também estava coberta de neve. O carro
deslizava e Sara ficou com medo de que ele saísse da estrada. Finalmente
conseguiu dominá-lo e seguiram em frente.

O caminho era estreito e cheio de curvas; depois de guiar durante al-

gum tempo, Sara achou que aquela não era a estrada que levava a Winder-
mere.

— Você chegou a ler o sinal? Dizia Windermere? — perguntou, um

pouco aflita.

— Não tenho muita certeza; já estávamos muito na frente para poder

ler direito — Janos respondeu. — Por quê? Acha que pegamos a estrada er-
rada?

— Estou começando a achar que sim. Há muitas curvas e lugares que

me parecem totalmente desconhecidos. Já vim muitas vezes por esse cami-
nho, mas não estou reconhecendo nada. — O carro derrapou. — Meu Deus,
acho que não vou conseguir segurar o carro!

Mal Sara acabou de dizer essas palavras, o carro saiu fora da estrada e

bateu num poste telefônico. Ela foi lançada para a frente, bateu a cabeça no
pára-brisa e de repente tudo ficou preto diante de seus olhos.

Só tomou consciência das coisas de novo quando sentiu uma dor forte

na testa e um contato frio na cabeça. Alguém esfregava neve em sua testa.
Abriu os olhos e viu que estavam sentados no carro e a tempestade de neve
continuava forte.

— Que aconteceu?

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— O carro se chocou com um poste, e você bateu com a cabeça no vi-

dro. — A voz, com forte sotaque estrangeiro, veio bem de perto dela. Sara
virou a cabeça e notou que estava acomodada no ombro de Janos; ele havia
passado um braço ao redor dela para ampará-la melhor. — Como se sente?
Espero que não tenha quebrado nada!

— Acho que estou bem; só a cabeça dói bastante! — Tocou a cabeça

com os dedos e sentiu que a testa estava inchada. — E você, Janos, está
bem?

— Também bati com a cabeça no vidro, mas não tão forte como você.

— Seus braços a seguraram com mais força quando ela tentou se mexer. —
Quer mesmo sair daqui? Não acha que devia ficar um pouco mais assim qui-
etinha como está? — ele perguntou com muita suavidade.

Sara relaxou, sentindo-se protegida e cuidada entre aqueles braços

fortes e macios; era gostoso encostar a cabeça nos ombros de janos e des-
cansar!

— Ah, Janos, não tive culpa pelo que aconteceu! Achava que teríamos

mesmo que parar em algum lugar, mas não desse jeito, a quilômetros de
distância de qualquer abrigo! Agora estamos malparados! Jamais consegui-
remos chegar a Stonethwaite hoje!

— Quando você achar que já está bem para se mover, poderemos sair

e procurar algum lugar para ficar. — Ele falava e Sara sentia o movimento
do queixo dele em sua cabeça. — Acha que encontraremos alguma casa nes-
ta estrada?

— Se é a estrada que penso, existe uma pequena vila um pouco mais

adiante; lá há uma pensão onde poderemos passar a noite. Mesmo que a
pensão não esteja aberta, por ser fora de estação,sempre poderemos pedir
a alguém da vila que nos abrigue. Tenho certeza de que nos ajudarão. A não
ser — ela parou para pensar — que a gente consiga empurrar o carro de vol-
ta para a estrada.

— Acho que não vamos conseguir. Já dei uma olhada e o carro está

atolado na neve. — Por uns segundos ele ficou quieto, depois continuou: —
Fica aborrecida por não conseguir chegar a Stonethwaite hoje?

— Não, mas acho que os pais de Cecília vão ficar preocupados, porque

avisei que chegaria hoje! Vou tentar telefonar para eles. — Era muito agra-
dável estar ali entre os braços de Janos, sentindo-se protegida, embora esti-
vesse ficando cada vez mais frio. — E você? Fica aborrecido por não chegar
hoje?

— Não. Na verdade, estou até alegre que isto tenha acontecido! — Sa-

ra levantou a cabeça, procurando ver o rosto dele, mas o máximo que con-
seguiu enxergar foi a forma da cabeça, fazendo contraste com a brancura da
neve lá fora.

— Por que está alegre com o que aconteceu? — quis saber, sentindo

que entre eles havia uma troca de impulsos, de mensagens secretas.

— Porque vou poder passar outra noite com você — ele explicou e,

com os dedos, tocou as faces dela numa carícia muda.

A Sara normal, não essa que tinha batido a cabeça, teria se afastado

depressa, dizendo palavras ásperas e provavelmente pedindo que ele dei-
xasse de ser bobo. Teria saído rápido do carro e começado a procurar um
lugar onde pudessem se abrigar. Mas agora ela se sentia diferente! Não ti-
nha vontade de mudar de posição, pois estava gostando de sentir o calor

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dos dedos de Janos em seu rosto e pescoço. Gostava também do sentimento
novo que tinha dentro de si:era um calor gostoso subindo por seu corpo e
fazendo com que seu coração batesse mais forte e mais rápido. Tinha a sen-
sação de que seu sangue estava fervendo dentro das veias.

Levantou a mão e tocou o rosto dele; queria conhecer em detalhes

aquelas feições. Sentiu a curva de seu rosto e, deslizando os dedos, parou
sobre seus lábios. Janos deu um suspiro fundo e seus dedos acariciaram o
pescoço de Sara, que inclinou a cabeça para trás, os lábios ligeiramente en-
treabertos. Quando os lábios quentes e macios de Janos tocaram os dela,
Sara colocou os braços ao redor de seu pescoço para puxá-lo para mais per-
to.

Sentindo que ela correspondia ao beijo, Janos deixou de lado o contro-

le que vinha exercendo sobre si mesmo e deu vazão a seus desejos. Seus
lábios se abriram para receber melhor a umidade e calor dos dela. Sara se
sentiu alerta e atraída por ele. A emoção explodiu entre eles, e tanto suspei-
ta como precaução foram deixadas de lado. Existia somente aquele senti-
mento de plenitude e calor; existia apenas a paixão que nascia entre os
dois!

Mas era impossível deixar de notar o frio enregelante que fazia dentro

do carro atolado na neve. Janos, mal-agasalhado, começou a tremer. Segu-
rando-o ainda com os braços, Sara separou os lábios dos dele e falou, com a
boca bem junto a seu queixo:

— Não podemos ficar a noite toda aqui! Vamos morrer congelados!

Vamos sair e andar até a vila. Acha que vai conseguir, com esses sapatos?

— Já andei demais com eles; acho que agüentam um pouco ainda —

ele murmurou, segurando-a ainda bem pertinho de si. — Mas, onde quer
que encontremos abrigo, vamos passar a noite juntos, não é?

— No mesmo quarto? — ela perguntou, pela primeira vez preocupada

pela situação em que estavam.

— Isso mesmo.
— Não… não sei. Não tenho certeza se é o que quero. Não o conheço

há muito tempo! Na verdade, nem conheço você! — ela disse depressa, ten-
tando voltar à sua atitude distante. Essa não era a primeira vez que um ho-
mem tinha querido dormir com ela, mas sempre tinha sabido como contor-
nar a situação, mostrando que isso não seria possível. Mas agora era dife-
rente! Janos era diferente.

— Não pense que só porque deixei que me beijasse… — Ela parou,

procurando uma maneira de lhe dizer que isso não era tão significativo, sem
ofendê-lo. — Sabe, quero dizer que só porque nos beijamos, isso não signifi-
ca que… que eu esteja querendo ir para a cama com você!

— Você não gosta de mim — ele reclamou. — Então por que corres-

pondeu a meu beijo?

— Eu… porque… Não sei! E você? Por que me beijou?
— Porque gosto de você! Porque quis lhe demonstrar como fiquei feliz

por você não ter se machucado no acidente! Sou uma pessoa expansiva e
preciso demonstrar as minhas emoções! — Ele fez uma pausa e ficou espe-
rando que ela dissesse alguma coisa; como Sara permaneceu quieta, ele
continuou: — Acho que não acontece a mesma coisa com você. Não mani-
festa o que sente e mantém uma atitude sempre fria: Você é muito inibida!

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— Sou inibida coisa nenhuma! — ela exclamou, trêmula. — Estou fi-

cando enrege1ada! Não podemos ficar aqui sentados; está frio demais!

— Tem razão! — ele disse, sorrindo. — Está frio demais para se pensar

em fazer amor!

Não foi fácil conseguirem sair do carro, meio inclinado; Sara ficou feliz

por estar usando suas botas de cano alto, forradas de pele. A neve estava
fofa e chegava até a metade das pernas. Abriram o porta-malas e consegui-
ram pegar suas coisas, voltando para a estrada para prosseguir caminho.

A neve tinha parado de cair e o céu estava ficando limpo de nuvens:

algumas estrelas brilhavam e o ar ficava cada vez mais frio. Olhando para o
céu, Sara conseguiu ver a Estrela do Norte e isso ajudou a se orientarem.
Perceberam então uma luzinha fraca ao longe. Ótimo! Isso significava que
havia um lugar por perto onde poderiam se abrigar do frio horrível que esta-
va fazendo.

— Vamos na direção daquela luz — ela disse a Janos. — Não teremos

que andar muito!

— Espero que tenha razão! Meus pés estão molhados e gelados! Deixe

que eu carrego a sua maleta.

— Obrigada, mas deixe que eu levo; ela está bem leve e você já tem a

sua para carregar.

— Então, vamos andar de braços dados. A neve está alta e torna cada

passo difícil.

— Parece até que… — Sara interrompeu o que ia dizer, consciente da

ilusão que sua imaginação estava pondo nas coisas.

— Parece o quê? — perguntou Janos.
— Não vai dar risada de mim se eu contar?
— Como posso saber se vou rir ou não, antes de ouvir o que você vai

dizer? Está vendo como tenho razão? Você é inibida! Fica sempre brecando
as emoções, para que elas não apareçam! Agora me conte o que ia dizer!

— É quase como se estivéssemos num país de sonhos! — De repente

ela parou, virou-se para Janos e perguntou: — Estou consciente, não é? Não
estou fora de mim por causa da batida na cabeça, não é?

— Acho que está consciente, sim — ele respondeu, sério. Depois riu e

continuou: — A não ser que eu também esteja fora de mim, nós dois esta-
mos sonhando juntos! Talvez seja nosso destino compartilharmos os mes-
mos sonhos! — ele completou com voz muito suave.

— Agora você está dizendo bobagens. — Sara pensava em como era

linda e romântica essa idéia de partilharem os sonhos. Ele conseguia dizer
tudo aquilo que ela sempre desejara ouvir de um homem. Mas a maioria dos
homens que ela já conhecera era incapaz de dizer esse tipo de coisas; talvez
fossem inibidos, como ela.

De braços dados foram avançando através da neve. Estavam rodeados

pelo silêncio, a não ser pelo som da água de um riacho que corria morro
abaixo. O ar estava claro e frio e suas respirações criam pequenas nuvens
de vapor em frente de seus rostos.

— Também neva na Hungria? — perguntou Sara, achando que esta era

uma boa oportunidade para saber mais coisas sobre ele.

— Às vezes.
— Nevava no lugar onde você morava?

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

21

— Em Budapeste? Nevava, sim; muitas vezes eu ia ao monte Buda pa-

ra esquiar.

— Acho que Budapeste deve ser uma cidade muito interessante!
— Tem um charme todo especial. E qualquer pessoa que a vê pela

primeira vez acaba se apaixonando por ela! Há poesia e romance em seus
velhos edifícios e em sua história. No entanto, há também a cruel realidade
do século XX com suas fábricas e o tráfego barulhento. E um lugar cheio de
contrastes, uma cidade forte e delicada, com um ar muito especial, total-
mente húngaro, e que não pode ser encontrado em nenhum outro lugar do
mundo.

Ele falava sobre o próprio país com orgulho. Sara podia aplicar a des-

crição que ele fazia da Hungria a ele mesmo: ao mesmo tempo forte e deli-
cado, caloroso e vivo.

— Deve ter sido triste para você deixar o seu país — comentou.
— Não; não foi, porque achei que tinha chegado a hora.
— Por que decidiu vir para a Inglaterra?
— Já lhe disse: para ver Cecília. Você sabe que Santa Cecília é a pa-

droeira dos músicos, não é? — ele disse com um tom de riso.

— Tem razão. Mas o que pretende fazer aqui? Como vai se arranjar

para viver?

— Tocando o meu violino. Sou o melhor violinista da Hungria, e posso

dizer até que sou o melhor da Europa Oriental. Talvez consiga ser o melhor
violinista do mundo — ele falou, seguro do que dizia.

— Não sei se será, mas posso dizer que você não é nada modesto em

suas pretensões!

— Adoro música e também tocar violino. Além disso, sei que posso to-

car muito bem; portanto, é só praticar e tentar ser o melhor! Não estou fa-
zendo elogios a mim mesmo! Isso seria horrível. Mas sei que minha técnica
é perfeita e que, se tiver ocasião de mostrar ao mundo como posso executar
as músicas, um dia serei comparado a Paganini e a Heifetz. Preciso apenas
da chance de tocar como sei e como posso tocar. Nunca surgiu essa oportu-
nidade em meu país.

— Por que não?
Janos não respondeu e Sara ficou pensando em por que ele não se

sentia com liberdade para conversar sobre esse assunto.

— Pode falar à vontade, Janos — ela falou com suavidade. — Não há

ninguém por aqui que possa escutar, a não ser eu.

— Não me foi permitido fazer progressos em minha carreira porque

meus pais estavam envolvidos no movimento contra-revolucionário. Nunca
me deixaram aparecer como solista; sempre fiz parte de um quarteto. Cada
vez que viajávamos para o exterior, eu era viva- mente vigiado, para que
não pedisse asilo no país que visitávamos.

— Seus pais ainda estão vivos?
— Não sei. Um dia eles os levaram embora e nunca mais soube nada,

E por isso que morava com meus avós. Vovó morreu há dois anos e meu
avô também se foi, há quase um ano. Antes de morrer ele me aconselhou a
deixar a Hungria e vir para o Ocidente, tentar fazer minha carreira. Quando
encontrei Cecília e outros ingleses em Salzburgo, tomei a decisão de vir. Eles
prometeram me ajudar quando chegasse aqui.

— Mas… de que maneira Cecília poderia ajudá-lo?

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

22

Ele pareceu hesitar um pouco antes de responder, como se estivesse

pesando o que ia dizer.

— Ela conhece muita gente importante no mundo da música, aqui na

Inglaterra.

Sara ficou quieta, impressionada com o que ele lhe havia dito. Ao

mesmo tempo, começou a pensar em Cecília. Que pessoas importantes ela
conhecia relacionadas com música? Somente seus professores, no conserva-
tório. Provavelmente Cecília estava se fazendo de importante quando dissera
isso a Janos. Agora Sara podia compreender por que a prima queria evitar
um encontro com Janos. A verdade ficaria conhecida e ela não queria se ar-
riscar a isso, diante da família de Philip. Cecilia se sentiria mal se soubessem
que tinha mentido para se fazer mais importante do que era.

A estrada começou a subir, como se quisesse alcançar as estrelas. No

topo do morro puderam ver uma luz que saía de uma construção baixa e
grande. No meio do prédio havia uma porta larga de madeira entalhada; to-
do o resto do prédio era pintado de branco. Na parede, acima da porta, ha-
via uma tabuleta em que estava pintada uma ave com penas muito coloridas
na cauda. Sobre a figura da ave havia o nome do lugar: “Hospedaria do Fai-
são”.

— Esse não é o lugar que eu esperava encontrar — disse Sara. — Pe-

gamos mesmo a estrada errada; mas, pelo menos, está aberta e poderão
nos atender. Graças a Deus!

Sara segurou o trinco de latão muito brilhante e abriu a porta. Entra-

ram numa sala muito grande, mas pouco iluminada, que tinha um balcão de
bar de uni lado e uma lareira do outro. Como era bom encontrar o calor que
vinha da lareira acesa! As chamas iluminavam as paredes cobertas por papel
de cores suaves. Alguns abajures estavam acesos, dando um ar aconche-
gante ao salão. Não havia ninguém sentado nos sofás ou poltronas e parecia
não haver ninguém para atendê-los.

Janos fechou a porta e então ouviram uma voz, que vinha por trás do

balcão.

— Boa-noite — disse um homem baixo, de cabelo grisalho, que estava

atrás do balcão, colocando alguns copos nos seus lugares. — Não posso di-
zer que a noite esteja realmente boa, mas podemos desejar que ela fique
melhor. Já parou de nevar?

— Já — disse Sara e se encaminhou para o balcão. — Tivemos um aci-

dente; o carro derrapou e ficou preso na neve, fora da estrada. Poderíamos
passar a noite aqui, para amanhã providenciarmos socorro? Vocês têm quar-
to livre?

— A estação só começa por ocasião da Páscoa mas, considerando as

circunstâncias, poderemos dar um jeito — o homem respondeu com um sor-
riso. — O carro está muito longe?

— A mais ou menos um quilômetro daqui — ela respondeu. — Achei

que estávamos perto da Pensão Carruagem, mas talvez tenha me enganado.

— Você deve ter se enganado de estrada — o homem explicou.
— Essa pensão fica um pouco mais para trás. Para onde está indo?
Sara olhou para trás, para ver se podia falar sem que Janos escutasse;

mas ele tinha ido para perto da lareira, onde tentava esquentar os pés mo-
lhados.

— Estou indo pra Stonethwaite.

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

23

— Deveria ter ido pela estrada M-6 — respondeu o homem. — Em ge-

ral aquela estrada é mantida livre da neve.

Nesse momento uma porta se abriu perto do balcão e uma senhora,

um pouco mais baixa do que o homem, entrou na sala. Tinha as faces rosa-
das, o cabelo grisalho e parecia atarefada.

— Maggie — o homem disse —, acha que podemos acomodar este ca-

sal para passar a noite aqui? Tiveram um acidente com o carro, que está
atolado na neve.

A mulher correu os olhos de Sara até Janos, que estava se aproximan-

do do balcão.

— Claro que podemos! — ela falou com entusiasmo. — Acho que tam-

bém gostariam de alguma coisa para comer, não é?

— Se fosse possível… — disse Sara.
— Tenho uma sopa pronta e vou esquentá-la. Tenho também torta de

galinha e um pouco de batata. Que tal? Está bem assim para os dois? Num
minuto tudo estará pronto.

— É bom demais! Estamos realmente com bastante fome! — disse Sa-

ra, aliviada por encontrar gente tão amável.

— Então, por favor, queiram assinar seus nomes no livro de registros

— disse o homem, tirando o livro de um armário.

Sara assinou seu nome e passou o livro para Janos fazer o mesmo.
— Têm um telefone que eu pudesse usar? — Sara perguntou. — Vá

por aquela porta até o hall; à sua direita vai encontrar um escritório onde há
um telefone — disse o homem, apontando para a porta.

Sara fez como ele disse, chegou ao escritório e sentou-se para telefo-

nar. Logo depois conseguiu a ligação e ouviu a voz de tia Hilda ao telefone.

— Alô, tia Hilda. Aqui é Sara.
— Que bom ouvir a sua voz! Já estávamos preocupados! Onde está?
— Estou numa hospedaria chamada “Hospedaria do Faisão”.
— Onde? Desculpe, Sara, mas a ligação não está boa e mal consigo

ouvi-la.

— Estou perto de Millwater. O carro saiu fora da estrada e vou ter que

passar a noite aqui.

— Millwater? Mas o que está fazendo assim tão longe?
— É uma história comprida, tia Hilda; mais tarde conto tudo. Liguei

para dizer que não será possível chegar a tempo para o casamento, ama-
nhã. Talvez o carro só fique em ordem amanhã à tarde. Por favor, diga a
Cecília que sinto muito não poder estar presente no casamento dela.

— Não compreendo como você pode estar tão afastada daqui; afinal

de contas, já veio tantas vezes para cá, que devia conhecer o caminho de
cor — disse a tia, aborrecida.

— Vim por este caminho porque estou com um amigo e queria que ele

visse a paisagem, que é tão linda por aqui. Ele está na Inglaterra pela pri-
meira vez e achei que ia gostar. Só não contava que o tempo ficasse tão
ruim.

— Um amigo? Que amigo? — insistiu tia Hilda. — E como pretendia

mostrar-lhe a paisagem, se tudo está coberto de neve? E olhe que sempre
achei que você era uma moça com muito juízo!

— Meu amigo chama-se Janos e Cecília o conhece. Por favor, tia Hilda,

diga a ela que ele está aqui comigo e que não nos vai ser possível chegar a

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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tempo para a cerimônia, mas que mandamos beijos, abraços e votos de feli-
cidade para ela e Philip.

— Está bem, dou o recado. — A ligação estava ficando cada vez pior e

elas mal se ouviam. — Venha logo que puder.

— Vou, sim, tia Hilda. Vou desligar agora porque a ligação está péssi-

ma! — Sara já estava quase gritando para se fazer entender.

Colocou o fone no gancho com um suspiro de alívio: tinha cumprido o

que prometera a Cecília; além disso, ninguém ficaria preocupado com ela.
Voltou para o salão e encontrou Janos sentado no sofá, perto do fogo. Na
mesinha ao lado havia dois copos com um líquido dourado dentro.

— Pedi conhaque para você — ele disse. — Achei que seria bom, de-

pois de andarmos tanto na neve. O Sr. Kent, dono da hospedaria, disse que
poderíamos jantar aqui, em frente à lareira.

Sara sentou-se ao lado dele e tomou um gole do conhaque. Realmente

era muito reconfortante!

— Este lugar me parece muito bom — comentou Janos —, e os donos

são melhores ainda. Acho que ficaremos muito bem aqui!

— Espero que sim — respondeu Sara, lembrando-se do beijo que havi-

am trocado no carro.

— Falou com Cecília ao telefone? — Janos perguntou.
— Não; falei com minha tia. — Tomou outro gole do conhaque e achou

que esse era o momento para preveni-lo sobre Cecília. Acho que preciso di-
zer-lhe Janos, que amanhã talvez não chegue a ver Cecília.

— Por que não?
— Porque vai ser difícil colocar o carro na estrada de novo e…
— Vamos conseguir ajuda aqui — ele a interrompeu. — O Sr. Kent diz

que tem um jipe com tração nas quatro rodas e que ele vai puxar o carro de
volta para a estrada. Ele acha que a neve já deve ter derretido até amanhã
e que as estradas deverão estar livres.

Janos olhou para o copo que já estava vazio, e depois, firme para Sa-

ra.

— Por que veio por este caminho, Sara? O Sr. Kent me disse que não é

a estrada certa para Stonethwaite

Sara permaneceu quieta, sem saber o que dizer, os olhos pregados no

copo. Depois de um momento, ele continuou:

— Queria se atrasar, mesmo? Queria passar mais algum tempo sozi-

nha comigo, do mesmo jeito que eu estava querendo? Queria, como eu, que
passássemos a noite juntos?

— Não, não é nada disso — Sara respondeu depressa. — Já lhe disse,

Janos, que só porque trocamos um beijo você não deve ter outras idéias a
meu respeito. Aquele beijo não significa nada! Nada!

Janos ficou muito surpreso com as palavras de Sara. Disse, então, em

tom sarcástico:

— Devo acreditar que você é uma dessas mulheres que beija qualquer

homem só para se divertir? Você é do tipo que gosta de tentar um homem
só para ver como ele reage? — Janos passou a mão pela testa como para
clarear os pensamentos. — Está querendo me levar do mesmo jeito que faz
com o Sr. Caldwell?

— Nunca tentei levar Tom, como você diz — ela replicou, zangada. —

E não estou tentando levar você também, fique certo disso.

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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— Então por que teve tanto trabalho para fazer com que nos atrasás-

semos e não conseguíssemos chegar hoje a Stonethwaite? — Depois de uma
pausa, ele continuou: — E por que não quer que eu veja Cecília? — Seus
olhos já não pareciam suaves e brilhantes como antes; estavam frios, cor-
tantes e cheios de dúvida.

— Bem… eu… ela… Nem sei como lhe dizer — ela começou ou aliviada

por ver que a Sra. Kent se aproximava com uma bandeja nas mãos. A mu-
lher colocou a bandeja numa mesinha em frente ao sofá. Depois trouxe uma
sopeira com uma sopa cheirosa e quente e serviu-os. Também não esqueceu
o pão e a manteiga.

— Pronto — disse a Sra. Kent, muito alegre. — Espero que gostem de

tudo. Quando terminarem, trarei a torta e as batatas. Gostariam de tomar
chá ou café?

— Chá, por favor — respondeu Sara.
Janos balançou a cabeça e disse que ia terminar o conhaque.
Sara abriu seu pãozinho e observou que Janos fazia o mesmo. Espera-

va que o assunto tivesse sido interrompido de vez e que não precisasse mais
explicar sobre Cecília. Realmente, Janos parecia muito mais interessado em
satisfazer a fome do que em questioná-la sobre Cecília. A sopa estava delici-
osa e eles comeram com prazer.

A porta da entrada se abriu e uns homens entraram, rindo e falando

todos ao mesmo tempo. Olharam com curiosidade para Sara e Janos depois
se dirigiram ao bar para tomar cerveja.

Janos terminou a sopa e recostou-se no sofá. Embora Sara não esti-

vesse olhando para ele, podia perceber que ele a examinava. Finalmente,
incapaz de continuar sendo alvo daquela apreciação muda, largou a colher,
pôs a mão na testa e levantou-se.

— Desculpe-me, Janos, mas estou com uma dor de cabeça horrível ou

procurar a Sra. Kent e pedir-lhe a chave do meu quarto. Vou deitar para ver
se melhoro.

— Eu é que peço desculpas — disse Janos, levantando-se. — Tinha até

esquecido que você machucou a cabeça. — Pôs os dedos sobre a testa de
Sara, preocupado com o inchaço. Seus dedos desceram pelo rosto dela nu-
ma carícia. Ela sentiu os joelhos tremerem de emoção — Vou junto com vo-
cê, para ajudá-la — ele disse segurando-lhe o braço.

— Não é necessário — ela respondeu e tirou o braço do dele. — Fique

e termine de comer. A única coisa que preciso e de um bom descanso; uma
noite bem-dormida, e amanhã estarei ótima. Fique aqui, Janos, e não se
preocupe.

— Tem certeza de que está bem?
— Absoluta Boa noite — ela disse, firme, e foi para o bar — Gostaria

de ir para o quarto, Sr. Kent. Poderia dar-me a chave?

— Vá até a cozinha, senhora; encontrará Maggie lá e ela vai 1he mos-

trar o quarto.

Na cozinha, pequena mas muito bem-iluminada, Maggie Kent estava

enchendo algumas garrafas com água quente.

— Já terminaram a sopa? — ela perguntou, assim que viu Sara entrar.
— Sim, mas já estou satisfeita. Não me sinto muito bem; a cabeça me

dói por causa da batida no vidro. Acho que o melhor é ir deitar. Por acaso
tem uma aspirina?

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

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— Tenho, sim. — A Sra. Kent abriu um armário e pegou um vidro de

aspirinas; deu uma a Sara e também um copo com água. — Achei mesmo
que ia querer deitar mais cedo, por isso estava preparando essas garrafas
com água quente para lhe esquentar os pés.

— Obrigada, Sra. Kent, é muito gentil.
— Sua mala já está lá em cima. Quer que eu suba com você?
— Não, não é preciso — disse Sara, pegando a garrafa de água quen-

te. — Quero só que me diga onde é o quarto.

— Chegando lá em cima, é a segunda porta à sua direita.
Sara subiu a escada e logo encontrou o quarto. Abriu a porta e entrou

num quarto pequeno, mas muito aconchegante. As paredes eram cobertas
por papel de flores miúdas, e tinha uma cômoda, duas cadeiras e duas ca-
mas de solteiro cobertas por colchas floridas. O banheiro era pegado ao
quarto e era muito limpo e arrumado, Sara lavou o rosto, as mãos, voltou
para o quarto e fechou a porta com cuidado. Não havia chave ou trinco na
porta.

Sentiu-se feliz consigo mesma por ter conseguido escapar de uma

conversa mais séria com Janos. Trocou de roupa e deitou-se numa das ca-
mas, colocando a garrafa quente perto dos pés.

Amanhã terei tempo suficiente para explicar a Janos sobre Cecília,

pensou. Até lá poderia pensar numa maneira de contar tudo sem que ele se
sentisse ofendido. E aí então ele veria que não havia mais motivo para se-
guir viagem com ela até Stonethwaite.

A noite era boa conselheira e ela sabia que na manhã seguinte poderia

resolver tudo de maneira satisfatória; tudo o que precisava agora era de um
sono reparador.

Esticou o braço e apagou a luz: ajeitou-se bem na cama e fechou os

olhos. No meio da escuridão, imaginou-se de novo no carro, com Janos.
Sentia os braços dele ao seu redor e podia até sentir o calos dos lábios con-
tra os seus. Seu coração começou a bater mais forte e a paixão cresceu den-
tro de si; ondas de calor tomavam conta de seu corpo, enquanto a melodia
romântica do segundo movimento do Concerto de Violino de Brahms come-
çou a invadir seus pensamentos.


C

APÍTULO

III


Uma nota longa e aguda terminou o segundo movimento do c certo.

Sara abriu os olhos, surpresa por não se encontrar na cama, na hospedaria,
mas num teatro da Califórnia, onde a audiência murava baixinho elogios ao
solista.

Uma pequena pausa, e o maestro novamente levantou as mãos para

dar início ao terceiro movimento. A um sinal dele, Janos começou a tocar
uma série de sons vibrantes e alegres, envolvendo a platéia com uma músi-
ca saltitante e viva, da qual ele gostava tanto, e que sabia executar com
perfeição.

Sara fechou os olhos de novo, mas ainda podia vê-lo com os olhos da

mente. Ele não estava mais no palco, nem usando casaca. Ela o via de pé,
entre as duas camas da Hospedaria do Faisão. Estava vestido apenas com as
calças. Sob sua pele queimada, os músculos apareciam fortes e desenvolvi-

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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dos; tinha o violino sob o queixo e tocava aquela mesma melodia viva, ale-
gre e saltitante.

Surpresa por encontrá-lo ali de pé, contra o brilho da janela, Sara sen-

tou-se na cama, puxando com a mão uma mecha de cabelo que caía em sua
testa.

Notando que ela se mexera, ele imediatamente parou de tocar e, ainda

segurando o violino na mão, sentou-se no lado da cama, perto dela, os olhos
brilhantes e o ar muito feliz.

— Até que enfim você acordou! Já estava preocupado. Dormiu tão pe-

sado e tão quieta! Já estava dormindo quando vim deitar e não se moveu
durante a noite toda.

Sara olhou para a outra cama. Estava desarrumada, o travesseiro com

sinais de ter sido usado, os lençóis jogados para um lado.

— Você dormiu neste quarto?
— Claro! Onde esperava que eu tivesse dormido? Esse foi o quarto que

o Sr. Kent me indicou.

— Não acredito em você! Não posso acreditar que o Sr. Kent o tenha

mandado para este quarto! Por que ele iria fazer isso? Eles sabem que não
somos casados e não acredito que esse fosse o quarto reservado para você!
Você descobriu onde eu estava e decidiu dormir aqui comigo. Diga a verda-
de, não foi isso o que aconteceu?

Por um instante Janos ficou olhando para ela, como se não estivesse

entendendo. Depois, disse:

— Se não acredita em mim, pergunte ao Sr. Kent. — Ele acomodou o

violino e o arco na cama, ao lado dela, e pegou as mãos de Sara entre as
suas. — Por que tudo isso, Sara? Por que está tão zangada e não acredita
em mim? Ainda sente muita dor na cabeça e está aborrecida? É isso? — ele
perguntou com voz doce.

— A cabeça não me dói mais — ela respondeu, tentando livrar as

mãos; mas os dedos dele_a seguravam com força. — Por que não pediu ou-
tro quarto ao Sr. Kent? — Sara tentava evitar o olhar de Janos, com um
pouco de medo do que via refletido ali; ao mesmo tempo, se sentia incri-
velmente excitada!

— Porque queria estar perto de você durante a noite — ele murmurou,

inclinando-se para mais perto dela. Sara podia sentir o cheiro gostoso e
másculo que vinha de sua pele e cabelo. — Achei que você poderia não se
sentir bem e que seria bom estar por perto para cuidar de você. — Ele olhou
para as mãos dela, que estavam apertadas uma contra a outra. Muito deva-
gar pegou cada uma delas e levou-as aos lábios.

— Por favor, não faça isso — ela disse, puxando as mãos e conseguin-

do soltá-las.

— Por que não devo fazer assim? Por que não devo demonstrar que

gosto de você e que estou feliz por estarmos juntos, que estou contente por
ver que está se sentindo bem?

— Agradeço muito toda a consideração Janos, mas realmente não era

preciso tantos cuidados.

— O sol brilha forte, lá fora, e está uma manhã maravilhosa. Acho seu

país muito lindo e estou feliz que me tenha trazido para conhecê-lo E estou
mais feliz ainda por estar vivo e aqui com você, e por estarmos indo juntos
para Stonethwaite hoje.

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Livros Florzinha

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— Se conseguirmos colocar o carro de volta na estrada… — Sara pro-

curava falar com naturalidade, pois estava alarmada com a onda de desejo
que sentia; tinha vontade de dizer a ele que também estava feliz de estar ao
lado dele; ansiava por segurar o rosto de Janos entre as mãos e beijá-lo.
Nunca em seus vinte e quatro anos de vida tinha se sentido assim a respeito
de homem nenhum!

Para quebrar o encantamento procurou falar de coisas práticas:
— Janos, por favor, vá perguntar ao Sr. Kent se ele pode nos ajudar a

tirar o carro e colocá-lo de volta na estrada. Por favor, Janos, saia do quarto
para que eu possa me vestir!

— Por mim, gostaria de ficar e vê-la enquanto troca de roupa — falou

baixinho, enquanto seguia com os olhos a curva do pescoço e se aprofunda-
va em direção aos seios, que apareciam bem definidos sob a proteção da
camisola fina.

Sara ficou um pouco sem jeito, mas gostava de sentir que ele a admi-

rava .

— Você é linda de manhã, Sara, mesmo com esse machucado na tes-

ta. — Sorrindo, ele levantou os olhos, encontrando os dela. — Gostaria de
poder vê-la acordando todas as manhãs — ele acrescentou e, inclinando-se,
beijou-a de leve na boca.

Sara pôs as mãos no ombro dele para afastá-lo de si, mas em vez de

empurrá-lo deslizou a mão pelas costas de Janos, fazendo pressão sobre a
coluna acariciando, agradando…

De repente ele estava ao lado dela, na cama os corpos muito juntos,

os lábios comprimidos num beijo ardente, faminto, como se nada existisse
no mundo a não ser os dois. Quanto tempo eles teriam permanecido assim
juntos ou até onde eles seriam levados pelo despertar daquela paixão, Sara
nunca ficaria sabendo. Uma batida apressada na porta tirou-os daquele doce
enlevo; no mesmo instante eles se endireitaram e se afastaram um do ou-
tro.

— Quem é? — ela perguntou
— Maggie Kent. George está pronto para ir com o jipe até a estrada,

para tentar tirar seu carro de lá; ele gostaria que um de vocês fosse com
ele. Talvez seu marido possa ir. George acha que pode demorar para pegar
e, se tiver que rebocá-lo, seria bom ter alguém na direção do carro.

Seu marido! Sara olhou com olhos acusadores para Janos; mas perce-

beu um brilho feliz nos olhos dele. Foi ele quem respondeu:

— Muito bem, Sra. Kent. Já estou indo.
Ele saiu da cama e foi até a cadeira onde tinha deixado suas roupas.

Pegou a camisa e começou a vesti-la.

Sara finalmente conseguiu encontrar voz para dizer:
— Como pôde fazer isso? Como teve a ousadia de dizer a ela que éra-

mos casados? Como pôde agir dessa maneira? — Sentia tanto ódio que era
difícil falar.

— Mas eu não disse que éramos casados! — ele retrucou, olhando para

ela enquanto terminava de colocar o casaco. — Eu não disse nada! Acho que
ela deduziu por si mesma.

— Mas como ela poderia ter chegado a essa conclusão, se assinamos

nomes diferentes no livro de registros?

— O fato é que não assinamos nomes diferentes.

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Livros Florzinha

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— Como não? Assinei meu nome, Sara Cranston.
— E eu assinei Janos Cranston.
Sara estava tão abobada que não conseguia encontrar palavras para

reclamar sobre o que ele havia feito.

— Não tinha o direito de fazer isso sem me consultar primeiro — con-

seguiu finalmente dizer, pondo na voz o tom mais indignado de que era ca-
paz. — Por que fez isso?

— Fiz com a melhor das intenções — ele respondeu, muito calmo. —

Para que ninguém começasse a fazer muitas perguntas. — Acabou de colo-
car o casaco e se aproximou da cama, onde Sara continuava sentada muito
dura, personificando a imagem da dignidade ofendida. Olhou bem dentro
dos olhos dela e falou: — Queria que eles acreditassem que éramos casados,
para que nos dessem somente um quarto. Queria estar perto de você! — ele
completou com voz suave.

Sara baixou os olhos, incapaz de sustentar o olhar dele, cheio desejo.
— Essa foi mesmo a única razão para fazê-los acreditar que éramos

casados?

— Que outra razão poderia haver? — Ele parecia surpreso.
— Você poderia estar neste pais de forma ilegal. Poderia estar aqui

sem passaporte e querer esconder sua verdadeira identidade; evitaria assim
que eles o achassem e o deportassem. Sei que muita gente entra ilegalmen-
te nos países do Ocidente, para fugir das perseguições nos países orientais.

Ele tinha um ar de riso e, ainda olhando firme para ela, tornou a sen-

tar na beirada da cama.

— Tem toda a razão. Eu poderia ter entrado no país ilegalmente, mas

acontece que não fiz isso. Meus documentos estão em ordem. Fingi ser seu
marido somente por uma razão: para poder ficar o mais perto possível de
você, para poder fazer amor com você

— Pare com isso! — ela gritou, cobrindo os ouvidos com as mãos. —

Pare de ser tão… tão bobo!

— Você acha que é bobagem a gente estar apaixonado?
— Acho que é asneira você dizer que está apaixonado por uma pessoa

que só conhece há somente um dia e meio. Não pode estar apaixonado por
mim! — argumentou, mantendo os olhos baixos para evitar aquele olhar pe-
netrante e comunicativo que lhe transmitia um desejo louco de acariciá-lo.

— Se não me conhece direito, como pode dizer que não estou apaixo-

nado por você? Como pode dizer que sabe como me sinto? Além disso, o
que é que você sabe a respeito do amor? Acho que nunca deixou que o amor
tomasse conta de você. Está sempre de sobreaviso, com medo de que as
pessoas se aproveitem de você!

De novo, Sara não sabia como argumentar com ele. Permaneceu qui-

eta, mas com os olhos fixos nele.

— O que há com você, Sara? Por que tem tanto medo de mim? Ajuda

se eu lhe disser que nunca possuí uma mulher contra a vontade dela? Na
minha opinião, fazer amor é uma emoção que tem que ser vivida a dois, é
um prazer divido entre duas pessoas, ou, pelo menos, deveria ser. Se não
der prazer às duas pessoas que participam do ato, não é amor. — Com mui-
ta gentileza, ele tocou o rosto dela com a mão. Depois se levantou e disse:
— Tenho que ir ajudar o Sr. Kent.

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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Sara recostou-se no travesseiro, ainda sentindo no rosto a carícia de

Janos. Estava espantada com os próprios sentimentos. Estaria sonhando?
Será que estava criando na imaginação uma estranha fantasia erótica, devi-
do à batida que dera com a cabeça? Tinha que ser isso ou então um sonho
maluco, porque nunca, em plena consciência, reagiria como estava reagindo
em relação a Janos. Nunca deixaria que um homem que ela mal conhecia a
beijasse e acariciasse como Janos estava. E o pior de tudo é que tinha cor-
respondido aos beijos e também o havia acariciado com prazer.

Será que estava se apaixonando por ele? Nunca tinha tido tempo para

pensar nessas bobagens românticas; nunca tinha conversado com amigas a
respeito de amar alguém; nunca tinha imaginado que um dia isso poderia
acontecer com ela! E, acima de tudo, nunca pensara que pudesse acontecer
tão rápido, como o piscar dos olhos.

Por que razão teria correspondido aos beijos dele? Seria porque sentira

nele uma absoluta necessidade de carinho, amor e simpatia e tinha procura-
do dar-lhe um pouco disso tudo? Tinha se sentido atraída por ele, é verdade,
não só física como emocionalmente tinha ficado encantada por ver como ele
era diferente dos outros homens que conhecera: mais sensível, mais amoro-
so…

Preocupada com a direção que seus pensamentos tomavam, Sara sen-

tou-se, jogou longe os lençóis e levantou-se. Foi até a janela e maravilhou-
se com a paisagem. O sol iluminava os .morros ainda brancos de neve entre
dois montes podia ver um pequeno lago, que brilhava como se estivesse
cheio de prata; vários riachos chegavam ao lago e o barulho de água cor-
rendo estendia-se por todos os lados.

Olhou o relógio e se surpreendeu ao notar que já eram quase dez ho-

ras. Dentro de uma hora Cecilia estaria chegando à igreja para se casar com
Philip; mais duas horas e os dois estariam partindo num jato para o outro
lado do Atlântico. Stonethwaite estava a pouco mais de cinqüenta quilôme-
tros de distância e, se o carro estivesse em ordem, poderiam chegar antes
de Cecilia e Philip partirem. Mas ela precisava se livrar de Janos primeiros de
modo que ele não chegasse a se encontrar com Cecilia.

O ar que entrava pela janela estava frio e Sara tremeu; foi ao banhei-

ro, tomou uma ducha e se vestiu. Colocou uma calça cinza e urna malha
preta de gola olímpica. Penteou os cabelos e prendeu-os num rabo de cava-
lo. Acabou de guardar suas coisas dentro da mala, fechou-a e levou-a consi-
go para baixo.

— Seu marido já tomou o café da manhã — informou a Sra. Kent —,

mas vou servi-la agora mesmo.

Sara estava acabando de comer quando ouviu o barulho do jipe che-

gando. Colocou o casaco pesado e foi para fora. Atrás do jipe estava o seu
carro, que tinha sido guinchado. Janos estava sentado na direção.

— O que aconteceu com o carro? — ela perguntou ao Sr. Kent.
— Ele está todo molhado e frio, depois de ter passado a noite na neve.

Precisa apenas secar de novo — disse ele, soltando a corrente que puxava o
carro.

— Quanto tempo vai demorar?
— Com sorte, estará pronto dentro de duas ou três horas. Vou levá-lo

até a garagem e colocar um aquecedor por baixo do capô do motor. Isso já

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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deve resolver. Você não quer esperar dentro de casa até que fique pronto?
Chame seu marido para entrar.

— Acho que vai demorar muito mais do que eu esperava — Sara disse

para Janos, quando entraram na hospedaria.

— Não tem importância. O que tem que ser, será. E, agora, terei tem-

po para praticar um pouco.

— Praticar?
— É. Preciso praticar o violino todos os dias, mas nesses últimos dias

quase não tem sido possível. Agora, enquanto esperamos seu carro ficar
pronto, terei tempo de me exercitar. Com licença. — Ele deixou-a e subiu a
escada.

Sara ficou sentada no sofá do salão, ouvindo o som do violino que vi-

nha de lá de cima. Janos tocava uma escala atrás da outra, depois mudou
para uma melodia doce e harmoniosa e depois para outra, de sons discor-
dantes e duros.

Se o carro estivesse funcionando, ela teria podido partir agora, en-

quanto ele estava absorvido pelo violino. Poderia sair sem que ele percebes-
se. Decidiu dar um pulinho até a garagem para ver como as coisas iam indo.
Entrou dentro do carro e deu a partida. O motor tossiu um pouco e depois
morreu; deu partida de novo e a mesma coisa aconteceu. Será que devia
procurar um mecânico?

Voltou para a hospedaria, procurando a Sra. Kent; encontrou-a na co-

zinha, guardando coisas num armário, enquanto cantarolava a melodia que
vinha de cima.

— Nossa senhora! — exclamou a Sra. Kent, quando viu Sara. — Corno

seu marido toca bem! É como se ele tivesse dedos mágicos!

Ou então um pacto com o diabo, pensou Sara, 1embrando-se de uma

história sobre Paganini, que tocava peças tão difíceis com uma facilidade
tão grande que um crítico chegou a dizer que ele tinha um pacto com o dia-
bo.

—Há uma oficina mecânica aqui por perto? — perguntou à Sra. Kent.
— Tem uma na vila, a mais ou menos um quilômetro daqui.
— Lá deve haver um mecânico para consertar o meu carro, não é?
— Não sei se posso dizer que o dono da oficina, Sam Armstrong, seja

um mecânico.

— Será que o Sr. Kent poderia rebocar o meu carro até lá? Acho que

está levando muito mais tempo para secar do que deveria. Esperava poder
chegar a Stonethwaite até a uma hora, para ver minha prima antes que ela
saia do país.

— Foi uma pena que não tivesse pensado nisso quando meu marido foi

buscar o carro — disse a Sra. Kent. — Agora ele saiu e só vai voltar às qua-
tro horas. Mas não se preocupe; tenho certeza de que o seu carro vai secar
logo. Se quiser torne a usar o telefone para se comunicar com a sua família.

— Obrigada — disse Sara e voltou para o salão. Não havia necessidade

de tornar a ligar para sua tia; todos estariam na igreja a essa hora. Sentou-
se de novo no sofá, tentando imaginar a cerimônia de casamento; mas era
impossível pois a música que Janos tocava era selvagem e discordante. No
entanto, tinha uma melodia e um ritmo marcado de dança e Sara achou que
devia ser uma música folclórica

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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A Sra. Kent tinha razão: Janos tinha mesmo dedos mágicos. Sua técni-

ca era impressionante e ele conseguia tocar de uma maneira extraordinária.
Parecia pôr a alma em sua música!

A música acabou e tudo ficou em silêncio. Sara subiu para o quarto.

Queria dizer a Janos que não havia mais possibilidade de ver Cecilia; já era
meio-dia e meia e nunca chegaria em tempo.

Sara entrou e viu que Janos estava guardando o violino. Ele virou-se e

perguntou:

— O carro já está funcionando? — Ele estava despenteado e com a

testa molhada de suor; parecia ter dispendido muita energia.

— Ainda não. Acho que não vai dar tempo de vermos Cecilia.
— Por quê?
— Porque até que o carro fique seco e a gente chegue a Stonethwaite,

ela já deverá ter partido para a Califórnia.

— Ela vai para a Califórnia?
— Vai morar lá com o marido.
Janos ficou olhando para ela como se não pudesse acreditar no que

Sara dizia. Sentou-se na cama, espantado.

— Cecília vai se casar?
— Hoje, ao meio-dia. É por isso que eu estava indo para lá. — Sara

procurou ignorar a maneira raivosa com que Janos olhava para ela. — Estou
muito aborrecida, porque nem poderei dizer adeus a ela.

— Deve estar muito aborrecida, mesmo — ele disse em tom sarcásti-

co. Continuou a ajeitar o arco do violino dentro da caixa. — Mas eu não es-
tou aborrecido.

— O que vai fazer agora?
Ele a encarou com muita calma. Seu olhar estava tranqüilo e havia

traço divertido em sua boca. Do rosto ele foi descendo o olhar para o corpo
de Sara.

— Vou esperar aqui até que o seu carro fique pronto.
— Mas agora que sabe que não vai encontrar Cecília, não vai querer ir

a Stonethwaite, não é? Ela não poderá ajudá-lo, estando fora do país.

— É verdade. Ainda bem que há outras pessoas para quem eu posso

pedir auxílio. Sinto apenas ter confiado demais nela; parecia ser sincera ao
dizer que me ajudaria.

— Sinto muito pelo que aconteceu — disse Sara, sincera. — Cecília às

vezes um pouco impetuosa e age como uma tola. Muitas vezes quer apare-
cer e promete coisas que sabe que não poderá cumprir. Ela nunca pensou
que você acabasse vindo à Inglaterra!

— Como sabe disso? — Janos perguntou.
Sara percebeu, muito tarde, que falara demais, tentando desculpar a

prima. Janos continuou:

— Se não me engano, você me disse que ela nunca tinha dito nada

sobre a minha pessoa e que jamais mencionou o nosso encontro em Salz-
burgo. Então, acabou falando com ela ontem à noite, no telefone.

— Não falei; só conversei com tia Hilda. É que… — Ela se interrompeu,

achando difícil explicar o que havia acontecido.

— Não minta mais para mim, Sara — ele disse com voz mais suave,

colocando as mãos nos ombros dela. — Não quero que haja mentiras entre
nós, para não estragar a nossa amizade.

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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— Telefonei para Cecília naquela noite em que você dormiu no meu

apartamento — disse Sara, chegando mais perto dele, incapaz de resistir à
atração física que Janos exercia sobre ela. — Depois que você dormiu, liguei
para ela e disse que você estava no apartamento e que queria vê-la. — Ago-
ra Sara achava fácil contar tudo, porque também queria que não houvesse
mais mentiras ou fingimentos entre os dois. — Ela me pediu que desse um
jeito de impedi-lo de ir a Stonethwaite. Tentei fazê-lo desistir da idéia, mas
você insistiu. Então achei melhor convidá-lo a vir comigo, porque assim po-
deria fazer a viagem demorar bastante, até que ela e Philip tivessem deixa-
do a Inglaterra, — Vendo que um véu de tristeza encobria os olhos dele, Sa-
ra teve medo de que Janos tivesse ficado sentido com ela; por isso disse lo-
go em seguida: — Sinto imensamente por tudo o que aconteceu, Janos. Sin-
to muito que Cecília tenha deixado você na mão.

— Não precisa se desculpar por ela. Errei ao pensar que ela tinha sido

sincera em Salzburgo e realmente pretendesse me ajudar. — Suas mãos es-
corregaram do ombro de Sara, puxando-a para mais perto de si. Ela colocou
as mãos no peito de Janos, para mantê-lo a distância, mas não resistiu ao
calor que vinha dele e acabou por acariciá-lo.

— Não estou somente me desculpando por Cecília mas por mim mes-

ma; estou aborrecida por ter enganado você.

— Não me enganou — ele murmurou, colocando a mão por dentro da

gola da malha de lã. — Achei mesmo que deveria haver alguma coisa por
trás de seu convite para que viajássemos juntos.

— Percebeu mesmo alguma coisa? Então, por que veio comigo? — ela

perguntou, inclinando a cabeça para trás e percebendo que os lábios dele
estavam muito perto dos seus.

— Vim porque queria estar junto de você e ainda continuo querendo.

Mas agora não tenho mais desculpas para continuar a viajar com você; ago-
ra sei que Cecília não estará em Stonethwaite. — Ele parou de falar e seus
lábios roçaram o canto dos lábios dela. — Ainda precisa ir para lá? Não po-
deríamos ficar aqui por mais uma noite? — perguntou, muito suave.

Sara notou que estava começando a perder o controle sobre seus sen-

tidos. Em algum lugar de sua mente uma voz ainda a prevenia de que ela
não devia se deixar levar pelas emoções, mas essa voz foi logo calada à me-
dida que novas emoções e arrepios tomaram conta de seu corpo, quando a
mão de Janos alcançou seus seios.

— Nós… eu não preciso mais ir a Stonethwaite, uma vez que já perdi o

casamento — disse num impulso, enquanto suas mãos faziam carícias no
pescoço dele, — Poderíamos ficar aqui mais uma noite… também quero estar
com você! — disse num sussurro tímido, deixando que as emoções e os sen-
timentos novos tomassem conta de seu ser. Sentia um desejo irreprimível
de amá-lo, não importando quem ele era ou de onde tinha vindo.

Enquanto trocavam um outro beijo, Sara sabia que nunca mais seria a

mesma; aquela Sara controlada tinha desaparecido para sempre, o gelo ti-
nha sido quebrado e derretido graças ao calor de sua paixão por aquele des-
conhecido.

— E depois, quando voltarmos a Manchester, fará com que meu sonho

se torne realidade? — ele perguntou, separando seus lábios dos dela mas
envolvendo-a completamente com seu olhar quente e carinhoso.

— Que sonho?

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Livros Florzinha

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— O sonho que tenho vivido nas últimas vinte e quatro horas: que nós

dois sejamos realmente casados e não só de mentira, como estamos fazen-
do aqui. Diga que você também gostaria de se casar comigo, Sara.

— Gostaria, sim, Janos, e muito — ela respondeu imediatamente. Pa-

recia mentira que isto estivesse acontecendo com ela. Aquele ser estranho,
que parecia ter vindo de um outro mundo, com dedos mágicos que produzi-
am uma música divina, estava querendo casar com ela!

— Fico tão feliz com isso, Sara! Quando podemos marcar o casamen-

to? Depois de amanhã está bem? — Ele parecia aflito em realizar logo seu
sonho.

— Não — ela disse, rindo. — Não podemos casar tão depressa assim. É

impossível!

— Por que não? Qual é o impedimento? Tenho que pedir sua mão a al-

guém? Talvez tenha que falar com seus tios?

— Não. A única pessoa a quem tem que, pedir é a mim; já fez isso e

eu aceitei. Mas temos que preparar os papéis no Registro Civil e então tere-
mos ainda que esperar pelo menos três semanas. A lei do país exige isso.

— Tanto tempo assim? — Janos deu um suspiro impaciente. — Nesse

meio tempo você poderia mudar de idéia!

— Já lhe disse que, quando me decido, raramente volto atrás — ela

lembrou. — Além disso, você também pode mudar de idéia.

— Mas não vou mudar! Tenho certeza disso! — Ele tornou a abraçá-la.

— Perdoe a minha impaciência, Sara. É que está ficando cada vez mais difícil
para mim estar no mesmo lugar que você, sem poder amá-la de verdade.
Quero você. Desejo-a muito; tanto, que está até começando a me machu-
car.

— Acontece a mesma coisa comigo, Janos — ela murmurou, chegando

ainda mais perto dele. — Também quero casar com você o mais depressa
possível, para que nosso sonho se torne uma feliz realidade.

O tempo deixou de ser importante para eles; não havia mais pressa

em ir a Stonethwaite ou a qualquer outro lugar. Também não faziam ques-
tão de estar com pessoa alguma; o importante apenas era estarem juntos,
eles, só eles e mais ninguém.


Na manhã seguinte, foi com muita tristeza no coração que deixaram a

pequena hospedaria e começaram a viagem de volta para Manchester.

No domingo à noite Janos também ficou com ela no apartamento e no

dia seguinte foram cuidar dos papéis para o casamento, marcando a data
para dali a três semanas.

Quando tudo ficou decidido, ela levou Janos até a estação, onde ele ia

pegar um trem para Londres. Janos tinha um encontro marcado com Gareth
Williams, o maestro de uma orquestra de cordas muito importante na Ingla-
terra. Eles já se conheciam de uma viagem que o maestro fizera à Áustria,
anos atrás, e gostara muito da maneira de Janos tocar violino.

Ficar longe de Janos, depois de três dias de contato íntimo, foi muito

doloroso para Sara. De volta ao escritório, ela ainda pensava se não estaria
vivendo uma fantasia. Sentia-se como se tivesse imaginado tudo o que lhe
acontecera. Tinha a sensação de que Janos não existia realmente, que era
apenas um produto de sua imaginação, alguém que havia inventado e criado

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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com todas as características que sempre gostaria e esperava encontrar num
homem.

Foi Tom Caldwell quem a fez cair em si, provando que Janos realmente

existia. Quando ela entrou no escritório, ele perguntou se tinha tido um bom
fim de semana. Sara não tinha a menor intenção de contar a ele o que acon-
tecera de verdade, por isso respondeu de modo vago:

— Tudo correu de acordo com os planos previstos.
— E que tal o rapaz húngaro? Ele ficou em Stonethwaite?
— Não. Ele foi para Londres, onde tinha uma entrevista marcada.
Tratou então de sair do campo dos assuntos pessoais e começou a fa-

lar sobre os novos desenhos que ia elaborar. Sentiu, porém, um grande alí-
vio por ver que Janos era real; outra pessoa além dela sabia da existência
dele!

Janos só voltou na sexta-feira seguinte. Estava esperando Sara perto

do carro, quando ela saiu do escritório. Limitaram-se a um cumprimento
formal, pois havia muita gente por lá para que dessem vazão ao entusiasmo
e alegria que sentiam ao se ver de novo. Mas, pela pressão forte em seus
dedos e pelo brilho especial que havia nos olhos dele, Sara percebeu como
Janos estava feliz em vê-la. Ela também sorriu de modo muito especial, para
demonstrar como sentira a falta dele.

A tarde estava nublada, cinza e triste, mas só por estarem juntos no-

vamente tudo mudou de feição; Sara achava o dia lindo e via as ruas e os
prédios iluminados por uma luz mágica.

Chegaram ao apartamento e só então puderam expressar sua alegria.

Sara jogou-se nos braços abertos de Janos e por muito tempo só houve si-
lêncio na sala, enquanto seus lábios e mãos mostravam, através de mil cari-
nhos, a falta que tinham sentido um do outro.

As notícias que trazia eram boas e ele estava muito entusiasmado.
— Gareth Williams me prometeu um lugar de violinista em sua Or-

questra — Janos começou a contar. — Logo vou começar a ensaiar; na ver-
dade, logo após o casamento.

— Está feliz, Janos? E isso mesmo o que quer?
— É o começo, o primeiro passo na direção do que realmente quero.

Quando notarem como toco bem, sei que vão me dar a liderança na orques-
tra e aí terei a oportunidade de tocar solos. Essa orquestra é muito conheci-
da, grava muito e os discos são vendidos no país todo; além disso, excursio-
na através de cidades importantes. Quando começarem a me ouvir, sei que
ficarei famoso e aí serei convidado a participar, como solista, de outras or-
questras, talvez mais importantes ainda.

Sara achou engraçada a falta de modéstia dele em relação à sua habi-

lidade com o violino; e também em como acreditava que, facilmente, ficaria
famoso; começou a brincar com ele a respeito disso. Como resposta, Janos
tentou fazer cócegas nela e se aproximar para poder beijá-la. Rindo, ela es-
capou de perto e ele correu atrás. Sara entrou no quarto, mas Janos foi mais
rápido e alcançou-a, prendendo-a entre os braços. Perderam o equilíbrio e
caíram sobre a cama, onde ficaram se amando e descobrindo novas sensa-
ções.

A noite foi chegando e tornando o quarto escuro. Deitados na cama, os

corpos muito unidos, ficaram conversando baixinho e intimamente, parando
apenas para trocar mais beijos apaixonados.

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

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— Nosso casamento está marcado para daqui a duas semanas; ainda

quer casar comigo? — Janos perguntou.

— Sem dúvida alguma. Quero mesmo me casar com você — respon-

deu Sara, beijando-o.

— Disse a Gareth que vou me casar com uma moça inglesa. Ele falou

que era ótimo e nos desejou felicidades. — Ele abraçou-a mais forte, roçan-
do seu rosto no cabelo dela. — Graças. a Deus encontrei você, Sara. Não sei
o que teria feito naquela noite em que cheguei aqui sem conhecer ninguém.
Você foi tão gentil e me ajudou tanto!

Ela estava aninhada entre os braços dele, feliz por senti-lo tão perto;

adorava o cheiro de sua pele, de seu cabelo, e tinha um desejo incrível de
tocá-lo, de senti-lo… Abriu os botões de sua camisa e lambeu o salgado gos-
toso de sua pele; ele puxou-a para perto de sua cabeça e beijou-a ardente e
longamente. O mundo não mais existia, só eles, com a necessidade absoluta
de estarem juntos…

— Temos que aproveitar bem esses momentos em que podemos estar

juntos. Depois que começar a trabalhar na orquestra, não terei muito tempo
livre. Você vai para Londres comigo, não é? Ou prefere ficar aqui?

— Acho melhor ficar… pelo menos por enquanto. Não quero desistir do

meu trabalho na Ferris; gosto muito do que faço e estou bem lá.

— Compreendo o seu ponto de vista. Não poderia querer que você lar-

gasse tudo aqui, só para ir comigo, sendo que eu estaria muito ocupado. En-
tão acho que faremos o seguinte: venho para cá sempre que me for possível
e você irá para lá quantas vezes puder. Acha bom assim?

— Acho ótimo. Mas… e se tivermos um filho? — ela murmurou. — Gos-

taria de ter um filho, Janos?

Para surpresa de Sara, ele pareceu endurecer; virou-se e ficou deitado

de costas. Essa atitude a espantou e ela se apoiou no cotovelo para ver a
expressão no rosto dele. Mas estava muito escuro e não pôde perceber na-
da.

— O que foi? — perguntou com ansiedade. — Não gosta de crianças?

Não gostaria que um dia tivéssemos uma família?

— Um dia, num futuro bem distante… talvez — ele respondeu, puxan-

do-a para mais perto. — Mas, por enquanto, não quero. Por muito tempo
ainda, não quero — ele continuou, muito suave. — Nossos momentos juntos
serão muito preciosos e quero você inteirinha para mim. Sei que é muito
egoísmo da minha parte, mas eu sou assim, Sara. Está desiludida comigo?
Esperava um marido domesticado e disposto a ficar em casa e ajudá-la a
criar uma família grande?

Quero tipo de marido eu realmente espero ter? Sara se perguntava. E

não sabia a resposta. Sabia somente que queria ser a mulher para quem ele
voltaria sempre cheio de carinho, amor e saudade; queria ser a mulher que
ele queria inteira só para si.

— Não estou desiludida, eu o amo do jeito que você é.
— Obrigada — ele murmurou e aproximou a cabeça dela, beijando-a

com tal doçura que não havia necessidade de palavras para exprimir sua fe-
licidade.

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As duas semanas seguintes voaram; Sara saía de manhã para traba-

lhar e nem sentia o que fazia ou o tempo passar, na expectativa da volta ao
apartamento e aos braços de Janos.

Casaram-se num sábado de manhã, com o tempo típico de abril, na

Inglaterra; havia ligeiros chuviscos, para depois o sol brilhar quente e firme.
Depois da cerimônia civil, foram com o carro dela até o litoral, onde passa-
ram a noite num hotel que tinha vista para o mar.

Tiveram um fim de semana repleto de amor e carinho, onde o tempo

não existia. Viveram apenas para seu amor!

Na segunda-feira seguinte Janos foi para Londres, prometendo telefo-

nar para dizer onde ia ficar morando e avisá-la de quando seria possível es-
tarem juntos outra vez. Depois de deixá-lo na estação, Sara foi trabalhar,
pensando em como contar a Tom Caldwell todas as novidades que vinha
mantendo em segredo.

Esperou até as quatro e meia, hora de parar o serviço, para falar sobre

o assunto. Depois de ouvir tudo com um olhar espantado, ele explodiu:

— Você foi boba! Uma idiota! Deixou-se usar e enganar como uma ga-

rotinha inexperiente!

— Enganar? Como assim? — ela respondeu, já zangada.
— Enganada, ludibriada mesmo. Foi levada a fazer algo que não faria

normalmente, se estivesse em seu perfeito juízo.

— Não fui enganada!
— Como não? — Tom chegou bem perto dela. — Claro que foi. Um es-

trangeiro bonito com um ar romântico surge em sua vida, usa todo o char-
me, antes que alguém possa alertá-la, você já está casada com ele. Não é a
primeira vez que um estrangeiro faz isso para conseguir ficar no país. — Ele
passou a mão no cabelo, uma expressão de perplexidade no rosto.

Ela não estava gostando do rumo da conversa; confiava em Janos e

sabia que ele a amava.

— Sara, pensei que tivesse um pouco mais de juízo. Que asneira ter se

apaixonado por um aventureiro sem um tostão no bolso e que provavelmen-
te entrou ilegalmente no país.

— Ele não é um aventureiro e seus papéis estão em ordem — ela afir-

mou com segurança. — Ele tem permissão para estar aqui no país e há mui-
ta gente que vai ajudá-lo.

— Mas ele tem permissão para ficar e trabalhar aqui?
— Bem… acho que sim… Na verdade, não sei, mas acho que deve ter,

porque arranjou emprego como violinista numa orquestra em Londres. Esta
manhã ele já foi para lá, para começar os ensaios.

— Agora percebo tudo. Ele já conseguiu o que queria: uma certidão de

casamento. Agora que já tem o que quer, abandonou você.

— Você não está entendendo nada, Tom. Ele não me abandonou. De-

cidimos, já que cada um tem sua própria carreira para seguir e que gosta-
mos muito do que fazemos, ter um tipo de vida diferente. Quando ele puder
virá para cá e, assim que eu tiver uma folga, vou para lá — Sara falou com
bastante segurança para provar a Tom que estava certa do que fazia; no
entanto, só encontrou desaprovação no rosto dele. — Muitos outros casais já
fizeram isso, Tom, e tudo deu certo.

— Já ouvi falar mesmo desse tipo de casamento. Um casamento de

conveniência, eu poderia dizer; conveniente principalmente para ele. — Com

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um profundo suspiro, Tom continuou: — E Cecília? O que ela diz de você ter
se casado com o amigo dela?

— Ela ainda não sabe de nada; ainda não contei a ninguém… a não ser

a você.

— E por que não me contou antes? — perguntou Tom, ainda aborreci-

do com a situação. — Não, nem preciso me responder; acho que sei por
quê. Você sabia que eu ia preveni-la contra ele. — Tom encostou-se na bei-
rada da escrivaninha, balançando a cabeça de um lado para o outro. — Meu
Deus, mal posso acreditar que você… logo você, Sara… a mais inacessível
das mulheres, foi cair como um patinho nos planos de um estrangeiro de
quem ninguém sabe nada. Você se deixou apaixonar e parou de raciocinar,
seduzida por ele.

— Já chega, Tom! — Ela estava muito irritada com ele. — Pelo jeito de

falar, você parece estar com ciúme de Janos, porque só consegue ver defei-
tos nele!

— E estou! Estou com ciúme, Sara. Sem mais nem menos ele avançou

até onde eu nunca ousei e acabou roubando você de mim.

— Você não tem direito algum de se sentir enciumado e nem de me

criticar por ter casado com ele. Fiz o que quis e sou dona do meu nariz!
Além disso, ele não é um aventureiro sem dinheiro; é um músico perfeito,
que só veio para cá para ter a liberdade de mostrar ao mundo do que é ca-
paz!

— Também não precisa fazer tantos elogios assim! Nada disso altera o

fato de que ele pode ter se casado com você só para ter um motivo para
permanecer no país.

— Se esse tiver sido um dos motivos para se casar comigo, fico muito

feliz em poder ajudá-lo a ficar aqui e encontrar a oportunidade de se desen-
volver como grande músico. Ele merece qualquer tipo de ajuda que eu puder
dar!

— Você nunca será a primeira coisa no pensamento dele, e sabe disso.

Ele é o tipo de pessoa que sempre porá a carreira acima de tudo. Quando
ele não precisar mais de você, simplesmente a colocará de lado e prossegui-
rá sozinho.

— Para com isso, Tom! Por favor, pare com isso! — ela gritou. — Pare

de tentar destruir o meu casamento antes mesmo que ele tenha começado.
Não sei por que contei a você que tinha casado com ele! Não devia ter feito
isso! — ela gritou e saiu do escritório, batendo a porta com força.


Tom nunca mais se referiu ao casamento de Sara e levou muito tempo

até que o relacionamento deles voltasse ao que era antes. E Sara levou mais
tempo ainda para esquecer a idéia de que Janos talvez a tivesse usado para
atingir os seus objetivos.

Durante as muitas vezes em que estiveram juntos nos meses seguin-

tes, Sara teve inúmeras oportunidades de perguntar a Janos sobre o motivo
real que o levara a casar com ela; mas nunca quis fazer a pergunta, achan-
do que esse pequeno sinal de desconfiança poderia prejudicar o casamento
deles.

E o casamento ia progredindo bem; quando estavam juntos, quer no

apartamento dela ou em Londres, onde Janos alugara um apartamento mo-
biliado, eles continuavam tecendo seu ninho de amor. Cada nova coisa que

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descobriam a respeito de si mesmos era como mais um fio de seda adicio-
nado à felicidade completa que os dois tinham conseguido.

À medida que o tempo passava, Janos ia ficando cada vez mais ocupa-

do com os compromissos com a orquestra. Vinha menos vezes a Manchester
e Sara passou a ir mais vezes a Londres; e ela nunca deixava de ir assistir
aos concertos em que ele tomava parte. Sara adorava essas idas a Londres
e em pouco tempo acabou ficando amiga de Ida Williams, esposa do diretor
da orquestra.

— Não sei como você agüenta deixar Janos aqui e voltar para Man-

chester — Ida comentou um dia com Sara.

Janos e ela tinham sido convidados para passar o fim de semana na

casa do diretor. Era domingo à noite e Sara se preparava para tomar o últi-
mo trem para Manchester; estava no quarto, terminando de se arrumar, e
Ida lhe fazia companhia.

— Deve ser horrível para vocês dois estarem sempre dizendo adeus —

ela continuou. — E você deve se preocupar com ele, estando longe.

— Claro. Fico sempre preocupada se ele está se alimentando direito,

se está bem de saúde, se sua roupa está em ordem e tantas outras coisas,
você sabe. Mas acho que ele já sabe tomar conta de si mesmo; além disso,
cozinha muito bem. Quero até convidar você e Gareth para jantarem um dia
conosco, para Janos cozinhar. Talvez no próximo fim de semana. Que tal?

— Gostaríamos muito.
— Traga Davina, também. Sua filha é um amor e soube que Janos está

dando aulas a ela.

— Foi idéia dela, Sara. Eu e Gareth não queríamos que ela pedisse a

Janos para ensiná-la, porque ele já tem muitos alunos. Só espero que ele
não tenha concordado por ela ser nossa filha; Davina é muito teimosa e
quase sempre consegue o que quer.

— Ela é muito bonita — comentou Sara, pensando na garota. Ela era

alta, magra e tinha dezessete anos; seus lindos cabelos pretos ondulados lhe
caíam pelos ombros até quase a cintura, contrastando com olhos muito
grandes e azuis e uma boca vermelha e sensual. Quando ela via Janos, seus
olhos se acendiam de admiração, como todo adolescente fica quando vê um
ídolo.

— Sara, não quero que pense que estou interferindo em sua vida —

Ida falou, pensativa —, mas não estava pensando na saúde de Janos quando
perguntei se não se preocupava com ele. Talvez eu seja muito antiquada por
achar que marido e mulher devam estar sempre juntos, mas… — Ida pare-
ceu procurar as palavras certas — o que quero dizer é: não se preocupa com
ele em relação a outras mulheres?

— Se eu me preocupasse a esse respeito, teria que começar com Da-

vina, não é? — Sara disse em tom de brincadeira. Depois continuou, mais
séria: — Obrigada pelo conselho, Ida. Gostaria demais de viver o tempo to-
do com Janos, mas também gosto do trabalho que faço. Estamos felizes as-
sim! — Sara olhou para o relógio. — Preciso me apressar ou então perderei
o trem.

— Gostaria muito que perdesse o trem — Janos disse no ouvido dela,

enquanto iam de táxi para a estação. — Você precisa sempre voltar correndo
para seu emprego… e para Tom Caldwell?

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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— De volta para o trabalho, sim; mas não de volta para Tom, você sa-

be disso. Não seja bobo, Janos — disse ela, acariciando o rosto do marido.

— Seu trabalho parece mais importante para você do que eu — ele in-

sistiu. — Caldwell dá as ordens e você sai correndo para obedecê-lo. Você
nunca me obedece.

— Você está com ciúme de Tom? — Ela ria, deliciando-se com a idéia

de Janos sentir ciúme dela. — Não precisa ter. O único relacionamento que
tenho com ele é de patrão e empregada. Pode até considerar que é a mesma
espécie de relação que você mantém com Davina: você é o professor e ela é
a aluna.

— Quem lhe contou que ela está tendo aulas comigo?
— Ida.
— E isso não a deixa enciumada?
— Deveria deixar?
— Talvez.
— Janos! — exclamou, afastando-se dele. — Você tem vinte e nove

anos, é quase treze mais velho do que ela; além disso, ela ainda está estu-
dando. Você não iria encorajá-la a… — Ela estava chocada demais para con-
seguir pôr em palavras tudo o que achava; sua imaginação era fértil e ficava
criando cenas sobre o que acontecia durante as aulas.

— Não preciso encorajá-la. Além de precoce, ela é também promíscua.

Acho até que é muito leviana e para mim só traz aborrecimentos. — Seu
tom era sincero e ele voltou a acariciá-la.

Sara se sentiu mais aliviada.
— Dê-me um beijo, Sara, e fique mais uma noite comigo. Fique mais

três, quatro noites, a semana toda… Gostaria que ficasse comigo até que
partíssemos para o tour pelos Estados Unidos. Vou ficar fora quase dois me-
ses, portanto fique um pouco mais comigo… Acho que devíamos ficar juntos
durante mais tempo. Sinto tanta falta de você!

Ela ergueu a cabeça para que seus lábios se tocassem; e novamente

se sentiu no paraíso, como cada vez que se beijavam!

— Vou ficar — ela respondeu, num sussurro. — Vou ficar com você até

que tenha que partir para a América!

O beijo que trocaram foi ainda mais ardente e cheio de promessas!

C

APÍTULO

IV


Os vivas vieram espontaneamente quando o concerto chegou ao fim.

Todos se levantaram, aplaudindo com vigor.

Sara foi tirada de seus pensamentos e trazida de volta ao presente;

estava na Califórnia e o concerto de Janos tinha terminado. Levantou-se
também e participou da alegria geral.

No palco, Janos se inclinava para agradecer os aplausos; depois trocou

um aperto de mãos com o maestro, virou-se para a orquestra e agradeceu a
participação dela; em seguida agradeceu à audiência de novo e se retirou do
palco, seguido do maestro.

Mas o público não parava de aplaudir, nem se sentava. Janos voltou

novamente para o palco, sozinho, sorrindo e parecendo muito feliz com a
manifestação. Trocou um aperto de mão com o líder da orquestra, sacudiu a
mão para os músicos, convidando-os a se levantarem e receber a ovação

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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junto com ele. Mas os músicos permaneceram sentados, aplaudindo tam-
bém.

Mais uma vez Janos deixou o palco, aos gritos de “bis”. Depois de al-

gum tempo o maestro também voltou ao palco, trazendo Janos consigo. Ba-
teu sua batuta pedindo silêncio e a audiência imediatamente sentou e ficou
aguardando. Janos deu um passo para a frente.

— Em vista da calorosa recepção que me proporcionaram, vou tocar a

Serenata Melancólica, de Tchaikovsky — ele anunciou e para Sara parecia
que ele continuava com os olhos nela.

Meu Deus, pensou, não posso ficar aqui sentada ouvindo essa música

encantadora e significativa. Era melhor ir embora; mas a orquestra já tinha
começado a tocar e Janos já levantava o violino.

Com os olhos fechados para sentir melhor a música, ele deu início a

seu solo. Imediatamente Sara se sentiu transportada para o apartamento
dele em Londres. Ficava em Chelsea e tinha vista para o rio Tâmisa. Lem-
brava-se perfeitamente bem dos dias que passara ali, antes do tour que ele
faria com a orquestra.

Todos os dias ele ensaiava essa mesma melodia que tocava agora. Ia

fazer urna gravação e Sara acabou por conhecer a música intimamente; sig-
nificava para ela a expressão de seus próprios sentimentos. Era uma melo-
dia ao mesmo tempo apaixonada e triste, que a fazia lembrar que nunca ti-
nha sido a coisa mais importante na vida de Janos, Como Tom havia predito,
a música sempre viera antes para ele. Nenhuma esposa, nenhum filho pode-
riam ocupar o primeiro lugar na vida dele; só a música tinha sua total dedi-
cação!

Durante aquela semana que ficou com ele em Londres, houve momen-

tos em que Sara achou que era igual a qualquer outra pessoa para ele; exis-
tiam momentos de êxtase amoroso, uma completa união de corpos e almas,
mas também havia os momentos em que ela se sentia relegada a segundo
plano.

Quando ela voltou para Manchester, foi como se Janos a tivesse deixa-

do para nunca mais voltar. A única maneira que Sara tinha de não se sentir
perdida era afogar-se no trabalho.

O tempo parecia não passar durante as oito semanas em que ele este-

ve fora. Era primavera e tudo estava colorido; mas Sara não via beleza em
nada.

Quando chegou o dia de Janos voltar, Sara foi para Londres e tratou

de limpar bem o apartamento e preparar tudo para a chegada dele, que se-
ria no dia seguinte.

À noite foi até a casa de Gareth Williams, pois tinha sido convidada pa-

ra conhecer uma cantora austríaca, que estava hospedada na casa deles,

— Sara, esta é Elisabeth Herrenkoff, a importante cantora que nos vi-

sita. Virando-se para Elisabeth, Ida falou: — Esta é Sara, esposa de Janos
Vaszary, que é o líder da orquestra que Gareth dirige. Acho que conhece
bem Janos, não é?

— Claro que sim. Muito prazer! — Elisabeth devia ter trinta e cinco

anos de idade, era bonita e tinha cabelos claros. Seu inglês era perfeito. —
Janos ficou comigo e meu marido em Viena, depois que ele saiu da Hungria.
Fomos nós que tivemos a oportunidade de apresentá-lo a Gareth.

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— Então vocês devem ser os amigos com quem ele deixou seu violino

precioso — Sara disse, sorrindo.

— Exatamente — respondeu Elisabeth, os olhos muito brilhantes.
— E você deve ser a moça inglesa que ele conheceu em Salzburgo e

que prometeu casar com ele se Janos conseguisse chegar à Inglaterra — ela
completou com alegria. — Toca flauta, não é?

A surpresa foi tão grande que Sara ficou quieta por alguns segundos.

O que deveria dizer? Como poderia mentir, se Ida e Davina estavam ali e
sabiam que ela não tocava nada?

— Não — falou finalmente —, aquela era minha prima. Realmente, eles

se conheceram em Salzburgo, mas quando Janos chegou, ela já estava ca-
sada e tinha se mudado para a Califórnia.

— E Janos se casou com você! — Havia muita esperteza naqueles

olhos azuis, mas também muita simpatia. Elisabeth aproximou-se de Sara,
beijou-a em ambas as faces e disse: — Fico feliz que ele tenha casado com
você! Espero que sejam muito felizes juntos!

Aquele momento difícil tinha passado, mas a noite ficou estragada pa-

ra Sara. Ela não queria que notassem que ficara chocada ao saber que Cecí-
lia tinha prometido casar com Janos.

— Estou muito feliz em saber que Janos está sendo um sucesso por

aqui — Elisabeth disse, quando ela e Sara ficaram sozinhas por um momen-
to. — Acho que deve ter lhe contado como a vida foi difícil para ele na Hun-
gria.

— Ele me contou alguma coisa; não parece ter muita vontade de falar

sobre o assunto, embora eu note que muitas vezes lastime seu passado.

— Acho muito natural que não queira falar sobre sua vida anterior —

comentou Elisabeth. — Ele sofreu demais, e por duas vezes esteve na pri-
são.

— Por quê? — perguntou Sara, espantada.
— Por tentar deixar o país sem permissão. A última vez foi pouco an-

tes dele escapar. Pode imaginar o que era a prisão para uma pessoa exube-
rante como Janos, apaixonada pela vida e pela música?

— É difícil para qualquer pessoa, mas deve ter sido pior para ele —

concordou Sara.

— Da primeira vez que ele tentou fugir, perdeu Eva e o filhinho deles.

— Elisabeth mostrava-se muito triste ao relembrar os acontecimentos. Uma
pessoa mais fraca teria perdido as esperanças, mas não Janos. Ele tinha tan-
ta confiança em si mesmo, em sua capacidade de transmitir sensibilidade
através de seu violino, que foi capaz de sobrepujar todos os obstáculos.

— Quem… quem era Eva? — Sara perguntou com voz fraca.
— Era a amante dele — respondeu Elisabeth, — Não posso dizer que

era esposa, porque não eram casados; mas viviam juntos em Budapeste e
ele gostava muito dela. Eva morreu no parto, e o bebê também se foi algu-
mas horas depois. Ele nunca lhe falou nada sobre ela?

Sara apenas sacudiu a cabeça, negando. Ida veio da cozinha com uma

bandeja de salgadinhos e a conversa tomou outro rumo. Sara não queria
ficar mais ali e deu a desculpa de que precisava deitar cedo, para ter tudo
pronto na manhã seguinte para a chegada de Janos.

Foi até o quarto de Ida pegar seu casaco; nesse momento Davina en-

trou no quarto.

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— Como se sente, sabendo que Janos casou com você quando soube

que sua prima já tinha casado com outro? — perguntou Davina com malda-
de. — Que tal a sensação de descobrir que foi apenas uma substituta?

Sara fingiu estar mais preocupada com o fecho de seu casaco do que

com os mexericos de Davina. Mas não podia deixar de pensar que Davina
não era uma mocinha ingênua como ela imaginava, mas uma mulher muito
atraente e sensual e que, sem dúvida, já teria usado esse charme com Ja-
nos.

— Por que acha que eu sou a substituta?
— Porque percebo o que está escrito entre as linhas. Ouvi Elisabeth di-

zer a você que sua prima tinha dito que casaria com ele e sei que estar ca-
sado com uma cidadã britânica era uma maneira de Janos ser aceito no país
como imigrante.

— Como sabe?
— Ouvi Janos dizer isso a papai no ano passado. Papai tinha pergunta-

do se ele não conhecia ninguém com quem pudesse se casar e ele disse que
conhecia uma moça que também era instrumentista; então papai disse a Ja-
nos que tratasse de casar com ela e que depois ele lhe daria um lugar na
orquestra.

Sara estava quieta, quase não podendo acreditar no que ouvia; sentia

o coração bater mais forte, mas quis ouvir até o fim.

— Janos foi para Manchester pretendendo casar com ela, e no entanto

voltou com você por esposa. Por isso digo que você é a substituta. Ele não
casou com você por amor, mas pela necessidade que tinha de casar depres-
sa com alguém. Ele não a ama — Davina disse, pondo ênfase nas últimas
palavras. Depois continuou: — Não acredito que um homem tão quente e
romântico como Janos possa se apaixonar por um peixe morto como você!

Sara se controlou para não dar um tapa na cara de Davina. Pegou de-

pressa a bolsa e foi para a porta. Aí, virou-se para Davina e disse:

— Você está desesperada, não é? O que aconteceu? Janos não quis

saber de você, apesar de se oferecer tanto? Está amarga porque ele não a
considera como uma mulher, mas como uma peste de que ele gostaria de se
livrar? Está tentando me aborrecer porque tem ciúme de mim? Porque sabe
que eu já tive muito de Janos, ao passo que você nunca terá nada?

— Sei que ele não ama você! Tenho certeza; ele só ama a sua maldita

música! — Davina gritava como se estivesse histérica. — Ele não vai ficar
para sempre com você! Vai ver como não fica! Vai deixar você um dia, por-
que não precisa mais de você; você já deu a ele o que ele precisava.

Sara não ficou para ouvir o resto. Abriu a porta, desceu a escada e foi

dizer até logo para Ida e Elisabeth.

De volta ao apartamento, Sara se deitou, mas as palavras de Davina

ficaram martelando em seus ouvidos: “Ele não a ama; vai deixá-la um dia;
você já serviu para o que ele queria!” A dúvida e a suspeita despertaram ne-
la de novo. Tudo o que Davina tinha dito, Tom também lhe dissera: “Boba!
Idiota! Ele a usou para conseguir o que queria!” Agora, também as palavras
de Tom não lhe saíam da cabeça.

À medida que a noite passava, lenta e dolorosa, Sara se convencia de

que tinha sido enganada. Intimamente ansiava por ser amada e tinha caído
pelo primeiro homem que lhe disse palavras de amor num ambiente român-
tico. Havia sido ingênua e se deixara enganar!

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

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Não queria mas continuar enganada. Um ano atrás Janos tinha dito

que não queria mentiras entre os dois porque isso estragaria a amizade de-
les; que era necessário que houvesse somente a verdade entre eles, para
que um pudesse confiar no outro. Agora, isso lhe parecia parte da mentira.
Como ele precisava de um registro de casamento, tinha seduzido a ela com
palavras doces. E Sara fizera tudo exatamente como ele queria.

O dia já estava nascendo quando ela finalmente conseguiu dormir. Não

tinha chorado; julgava-se tão estúpida e idiota que nem pudera ter pena de
si mesma. Estava muito cansada e acabou perdendo a hora, O primeiro sinal
que teve da chegada de Janos foi a pressão de seus lábios contra os dela e o
carinho que suas mãos procuravam fazer- lhe nos seios.

— Você voltou — ela disse, ainda sonolenta e esquecida nesse momen-

to das resoluções da véspera. Com muita alegria passou os braços em volta
dele. Janos estava sem roupa, a pele ainda úmida do banho; num instante
ele pulou na cama ao lado dela, cheio de desejo. Seus lábios ávidos procura-
vam os de Sara, enquanto a puxava para mais perto de si, até que forma-
ram um só corpo.

— Janos, não! — Sara começou a lembrar do que havia acontecido na

noite anterior, de tudo o que ficara sabendo sobre ele. Com decisão empur-
rou-o para longe e repetiu: — Não, agora não.

Ele ainda tentou puxá-la pegando-a pelas mãos, pelos cabelos, mas

ela foi mais rápida e conseguiu livrar-se, levantando da cama.

— Por que não quer agora? — murmurou Janos, indo atrás dela. — Oi-

to semanas é tempo demais para ficarmos um sem o outro.

Abraçou-a de novo e ela sentiu que estava sendo levada pela paixão

dominadora que sentia por ele. Procurando fugir de seus lábios, fazendo for-
ça para mantê-lo longe, conseguiu se afastar até o outro lado do quarto.

— Já disse que não! Não quero! Não quero mais você! Não quero mais

que me toque. Precisamos conversar primeiro. Vou fazer café para depois
conversarmos. — Tremeu ao ver que Janos parecia não ter ouvido o que dis-
sera e se encaminhava de braços abertos para perto dela. Juntou sua força e
correu para fora do quarto.

Na cozinha, encheu a chaleira de água com as mãos trêmulas. Desde

que o conhecera, era a primeira vez que recusava as demonstrações de
amor de Janos; e o esforço para repeli-lo lhe machucava o coração. Ela
também tinha medo de como ele iria reagir. Mesmo depois de um ano de
casamento, sabia que havia muita coisa nele que ela ainda não conhecia;
além disso sabia que Janos tinha um temperamento violento.

— Sara! — Sua voz estava dura, áspera e fria.
Ela virou-se e viu que ele estava na porta da cozinha, vestido apenas

com um robe; em seus olhos havia um brilho que denunciava perigo e seus
lábios estavam apertados, numa expressão aborrecida.

— O que está errado? Por que você está tão diferente?
— Estou cansada. Não dormi muito bem.
— Porque tinha a consciência pesada?
— O quê? Como assim? — Ele é que tinha culpa no cartório, não ela!

— Por que minha consciência estaria pesada?

— Já lhe disse que oito semanas é muito tempo, tanto para mim como

para você. Talvez você, cansada de esperar que eu voltasse, tenha encon-

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

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trado consolo com outro homem! — Ele entrou na cozinha e sentou na beira
da mesa, continuando a olhar fixo para ela.

— É horrível você dizer isso. Como pode pensar uma coisa tão terrível

a meu respeito?

— Não é difícil tirar conclusões. Há poucos minutos você se recusou a

fazer amor comigo. Claro que tratei de procurar uma razão para isso! O mais
lógico é que você tenha arranjado um amante! Arranjou? — Seu tom de voz
era ameaçador.

— E se tiver arranjado? — ela respondeu, sentindo a raiva crescer. —

O que você faria?

Por um longo momento ele ficou olhando para ela, como se refletisse

sobre o que Sara tinha dito.

— Da próxima vez que for embora, não volto mais para você — ele fa-

lou, sem expressão na voz.

— Não gosta de ter que me dividir com ninguém, não é? É por isso que

não voltaria mais para mim?

— Exatamente. — Janos foi para perto dela, sua expressão se abran-

dando. — Você já devia me conhecer bem, Sara. Preciso ser o primeiro em
tudo: no violino, no amor… — Suas mãos rodearam a cintura dela, transmi-
tindo ondas de emoção. Ele abaixou a cabeça, procurando beijá-la no pesco-
ço; mas ela se afastou, e de propósito se ocupou em pegar o café no armá-
rio.

— Encontrei uma amiga sua, ontem — Sara disse, a voz fria e distan-

te. — Ela estava na casa de Gareth Williams e chama-se Elisabeth Herren-
koff.

— Elisabeth está em Londres? — ele exclamou, contente. — Quanto

tempo ela pretende ficar? Espero vê-la antes que vá embora! Acho que lhe
contei que morei na casa dela em Viena, antes de vir para cá, não é?

— Ela contou muitas coisas sobre você que eu desconhecia; contou

sobre você ter estado na prisão, sobre Eva, sobre o bebê… Por que nunca
me falou sobre nada disso?

Ele a olhou, tentando descobrir o que havia por trás daquela conversa.
— Acha que eu devia ter falado sobre pessoas que conheci há muito

tempo e que já estão mortas?

— Você a amava muito?
— Esse é que é o problema! Está com ciúme dela? — ele brincou. —

Amava-a à minha maneira. Faço força para não me lembrar dela; vivemos
juntos durante algum tempo, depois fui para a prisão e, enquanto estava
preso, ela teve um bebê. E porque eu não estava lá para cuidar bem dela,
acabou morrendo. — Ele se afastou de Sara, indo até a janela. — Entende
agora por que nunca me referi a ela? Há algumas coisas sobre as quais não
gosto de falar; prefiro esquecer.

— Também quer esquecer a promessa de Cecília, de que casaria com

você se você viesse para a Inglaterra? — Sara perguntou à queima-roupa.

Janos virou-se para ela com uma expressão de espanto.
— Não.
— Então por que nunca me falou a respeito disso?
— Pensei que você soubesse — ele falou devagar, vindo para perto de-

la outra vez. — Achei que Cecília tinha contado a você pelo telefone, naquela
noite em Manchester, quando fui a seu apartamento.

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— Ela não me disse nada; e eu só fiquei sabendo ontem à noite.
— Foi Elisabeth quem lhe contou?
— Ela achou que eu era a moça inglesa que você tinha conhecido em

Salzburgo, que tocava flauta e que ia casar com você.

— Cheguei a pedi-la em casamento e ela aceitou — explicou Janos.
— Acho que essa era a maneira de você conseguir ficar aqui na Ingla-

terra! Sendo casado com uma inglesa, seria aceito como imigrante.

— Não posso negar que esse era o meu plano — ele confessou em voz

baixa.

— Então deve ter sido um golpe para você saber que ela ia casar com

outro homem.

— Aí, eu já conhecia você.
— E eu fiquei sendo a substituta de Cecília! — ela gritou, sentindo uma

dor enorme ao ter suas suspeitas confirmadas. — Bem que Tom me avisou;
ele acertou quando disse que você me seduziu porque precisava casar. E
como funcionou bem o seu plano! — Sua voz tremia, transformando-se em
soluços. Sara correu para o banheiro para esconder a emoção que sentia,
mas Janos a alcançou e segurou-a pelos ombros. — Largue-me! — ela gri-
tou, tentando soltar-se.

— Não vou largá-la até que me escute — ele disse com energia.
— É verdade que pedi a Cecília que se casasse comigo e ela aceitou…

desde que eu conseguisse chegar à Inglaterra. Finalmente, consegui vir. Aí,
encontrei você e me apaixonei. Juro que é verdade, Sara. — Ele parecia sin-
cero ao vê-la balançar a cabeça, mostrando que não acreditava. — Para
mim, não foi um choque saber que Cecília tinha se casado com outro; pelo
contrário, foi um alívio, porque durante toda a viagem a Stonethwaite eu
estava pensando em como me livraria do compromisso de casar com ela. —
Vendo que Sara mantinha sua expressão de dúvida, ele a sacudiu. — Não
acredita em mim?

— Não! Não… Nem sei mais no que acredito. Estou muito confusa! —

Sara gemeu.

Janos soltou-a, ficou muito pálido e tornou a comprimir os lábios.
— Prefere acreditar em Tom, claro, — Havia muita amargura em sua

voz. — É justo; já o conhece há muito tempo, e a mim, não! Ele é inglês
como você, eu sou estrangeiro; sou a pessoa estranha, que causa suspeitas
e que, todos acreditam, fará tudo para conseguir seus objetivos. — Ele fez
uma longa pausa e depois falou, sério: — Tudo o que eu lhe disse é verda-
de; não tenho como prová-lo, a não ser que acredite no meu amor por você!

— Não acredito que você tenha se apaixonado por mim naquela ocasi-

ão; acho que fingiu amor por mim. Você tem muita prática em ser o amante
ideal e foi fácil agir como se me amasse. — Ela teve que fazer força para não
começar a chorar. — Mas acho que só ama uma pessoa: você mesmo. Não
amava nem Eva, nem Cecília e nem a mim. Só agora compreendo que é um
violinista extraordinário, mas como pessoa não é confiável… e… e nunca
mais quero vê-lo de novo! Nunca!

Saiu correndo para que ele não visse as lágrimas que rolavam pelas

suas faces. Trancou-se no banheiro e ligou o chuveiro, para que o barulho
da água abafasse o som de seus soluços. Depois de muito chorar conseguiu
se controlar novamente. Lavou o rosto, saiu do banheiro e foi para o quarto
arrumar a mala para ir embora. Estava acabando de fechar o zíper quando

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Janos entrou no quarto. Estava vestido com calça preta e camisa azul-clara,
com uma malha também preta; ele parou no meio do quarto, com os braços
cruzados e uma expressão carregada.

— Onde você vai?
— Para Manchester, com o próximo trem.
— Vai correndo de volta para Tom?
— Sim, vou de volta para ele — ela respondeu, irritada com a ironia

dele. — Pelo menos Tom nunca tentou tirar vantagens de mim, como você
fez.

— Sara… — ele começou mas parou, passando a mão pelos cabelos,

como se procurasse as palavras. — Compreendo que para você deve parecer
que eu a enganei e me aproveitei da situação para conseguir o que queria.
Pensei que você soubesse tudo sobre Cecília e eu mas, acima de tudo, pen-
sei que você se sentisse a meu respeito como eu me sentia com relação a
você. Achei que tentava me impedir de ver Cecilia porque gostava de mim,
porque chegava até a me amar… — Ele estendeu os braços para ela. — Não
pode negar que nos amamos agora… — falou, muito suave.

— Fique longe de mim! — Sara falou, brava — Não vai conseguir me

seduzir de novo como já fez uma vez!

Janos parou no meio do caminho e enfiou as mãos nos bolsos. Ficou

muito pálido, com linhas de preocupação na testa larga.

— Quero lembrá-la de que é minha esposa e de que tenho o direito de

estar com você, de tocá-la…

— Agora não tem mais esse direito, porque usou o nosso casamento

só para tirar vantagens pessoais e não posso perdoá-lo por ter agido assim.
— Ela pegou o casaco que estava sobre a cama e vestiu-o. — Por isso, não
tente usar os seus encantos para me convencer a ficar. Vou embora assim
que conseguir um táxi e não volto nunca mais.

Ela foi para a sala e ligou, pedindo um táxi. Nesse momento Janos en-

trou na sala com um casaco pesado, carregando a mala dela. Colocou-a per-
to da porta e virou-se de frente para Sara.

— Não está pensando em ir comigo, está?
— Não, Sara, não vou com você nem tenho a intenção de procurá-la.

Acho que precisa de tempo para pensar a respeito de tudo e chegar às suas
próprias conclusões; por isso, vou lhe dar esse tempo — ele falou, num tom
muito frio.

— Então, você… você concorda com a separação?
— Se é isso o que você quer… concordo. Vou voltar para os Estados

Unidos e ficarei lá durante muitos meses.

— Por que tanto tempo? — Sara não conseguiu esquecer as palavras

de Davina: “Um dia ele a deixará; você já serviu aos objetivos dele!” Tinha a
impressão de que Davina conhecia muito melhor Janos do que ela mesma. A
amargura cresceu dentro dela.

— Enquanto eu estava em Nova York, com a orquestra, Miklos Zala,

um grande maestro húngaro que deixou a Hungria depois da Segunda Gran-
de Guerra, me ouviu tocar e me convidou para ser o solista num concerto no
Lincoln Center. É um sonho antigo que se torna realidade. Sempre esperei
por essa oportunidade e não posso perdê-la. Depois, se tiver sorte, haverá
outros convites com grandes maestros e orquestras.

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— Acha que poderá ficar nos Estados Unidos? — ela perguntou de ma-

neira fria. Sentia-se cada vez mais gelada ao ver que ele punha a carreira
acima de tudo na vida e que não deixava que nada interferisse com ela;
nem ao menos o perigo de ver seu casamento destruído!

— Acho que sim…
— Ou terá que casar com uma moça americana para poder permane-

cer no país? — ela interrompeu, querendo magoá-lo. — Se precisar é só me
avisar, que trato do nosso divórcio.

Do outro lado da sala, os olhos de Janos pareciam querer matá-la; ele

resmungou algumas palavras em húngaro e veio na direção dela, ameaçador
e terrível, quando a campainha tocou. O táxi havia chegado. Pegando logo a
mala, Sara abriu a porta e correu para fora, batendo com ela na cara de Ja-
nos. Desejava e esperava que ele abrisse a porta correndo e fosse atrás de-
la, mas… a porta ficou fechada! Janos não a seguiu e, quando ela chegou ao
andar térreo, compreendeu que nunca o faria.


Deixar Janos, cortando qualquer contato que poderia haver entre eles,

foi muito duro para Sara. Depois de algum tempo começou a se perguntar a
quem estava tentando castigar: a ele ou a ela mesma? Morria de saudades
dele, de vê-lo, tocá-lo, ouvir sua voz!

Três semanas se passaram e Sara já não agüentava mais ficar sem

notícias dele. Pensou em ligar ou ir até a casa de Ida Williams para pedir no-
tícias, quando recebeu uma carta dele. Era muito curta:

“Amanhã vou para Nova York e tudo está arranjado para que eu possa

ficar lá durante algum tempo. Teria gostado muito de ir até Manchester para
vê-la antes de deixar este país, mas sei que não quer me ver mais, nunca
mais, por isso não vou vê-la.

Gostaria de escrever mais para dizer-lhe o que significou para mim es-

tar junto de você durante um ano, mas não escrevo bem em inglês e nunca
poderia me expressar da maneira correta. Além disso, iria adiantar alguma
coisa? Você nunca acreditaria em mim”.

E assinava somente “Janos”.
Havia muita coisa riscada na carta, como se ele realmente tivesse tido

dificuldade em se expressar. Sara ficou sentada, olhando e relendo a carta
durante muito tempo. Tinha vontade de chorar, vendo seu lindo sonho de
amor chegar a um fim tão idiota. Por que tudo tinha que terminar desse jei-
to?

Não respondeu à carta, pois não havia um endereço em Nova York pa-

ra onde pudesse mandá-la; e ele não tornou a escrever.

À medida que o tempo passava, Sara pensava no casamento como

uma fantasia que criara, uma bolha de sabão que tivesse existido num mo-
mento para sumir no outro. Sentia-se fisicamente separada dele, não só por
um oceano mas também emocionalmente. Afundou- se no trabalho e, depois
de algum tempo, seu casamento era um sonho tão distante e apagado que
ela tinha a impressão de nunca ter existido.

Uma vez ou outra tinha notícias de Janos; ou recebia cartas de Ida

Williams, contando alguma coisa sobre ele, ou lia notícias em revistas ou
jornais. Sabia que ele estava subindo devagar, mas muito firme em sua pro-
fissão. Gravava e se apresentava com orquestras muito importantes e todos

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

49

os críticos pareciam ser unânimes na opinião de que ele era um grande ar-
tista.

“Vaszary é um dos maiores violinistas de nossa época”, dizia uma notí-

cia. “Temos que agradecer a presença desse grande artista em nosso país”,
escrevia um crítico. “Seus dedos são mágicos e dirigidos por uma extrema
sensibilidade”, comentava outro.

Quando Sara lia esses comentários, sentia-se orgulhosa por ter conhe-

cido Janos; depois se lembrava de como ele a havia enganado e então pro-
curava esquecê-lo, escondendo os recortes ou amassando-os e jogando-os
fora. Um dia, quando já estivessem separados há bastante tempo, pediria o
divórcio, se ele não o fizesse primeiro.

A vida continuava e Sara se dedicava cada vez mais ao trabalho, para

esquecer seus fracassos. Com isso, também progrediu na profissão e acabou
sendo promovida a gerente do setor de criação.

Depois de estar separada de Janos por dois anos, Sara recebeu um

convite dos pais de Cecília para passar os feriados de Natal em Stonethwai-
te. Eles estavam esperando Cecília e o marido, que vinham da Califórnia pa-
ra vê-los, trazendo o filhinho para conhecer os avós; achavam que Sara gos-
taria de vê-los.

Sara aceitou o convite e foi um encontro muito feliz; todos ficaram

alegres por se verem de novo. À noite, Sara e Cecília estavam no quarto,
onde Sara guardava suas coisas.

— Quero muito saber o que aconteceu com você e Janos — disse Cecí-

lia.

— É uma longa história, Cecília; já é passada, por isso, não adianta

rememorar.

— Ele é um sucesso absoluto nos Estados Unidos; você sabe disso, não

é? — continuou Cecília. — Todos os críticos o consideram um gênio e ele es-
tá no auge da carreira!

— Foi a algum dos concertos dele?
— Ainda não. Mas sei que vai dar concertos em Los Angeles e São

Francisco, e aí então eu irei, O que aconteceu com vocês, Sara? Por que não
está lá, junto com ele? Ainda são casados, não são?

— Ainda estamos casados, mas resolvemos nos separar.
Cecília não parecia ter mudado naqueles anos todos. Embora fosse

mãe de um lindo garotinho de um ano e meio, parecia tão jovem e engraça-
dinha como se ainda fosse uma garota de dezoito anos.

— Quando encontrou Janos, em Salzburgo, prometeu mesmo que ca-

saria com ele? — Sara perguntou de repente.

— Prometi. Loucura minha, não foi? Mas você sabe como é difícil resis-

tir ao charme que ele tem! Janos me disse que casar com uma inglesa seria
uma maneira de poder ficar no país. Explicou que seria somente um casa-
mento de conveniência, nada mais. Na época, estava bastante entusiasmada
por ele e disse que sim. Nunca pude imaginar que um dia ele realmente vi-
esse para a Inglaterra!

— Posso avaliar como se sentiu, ao saber que ele tinha chegado! —

comentou Sara.

— Fiquei em pânico! Nem ao menos podia explicar a você, por telefo-

ne, porque não queria que ele viesse a Stonethwaite. Mamãe e papai esta-
vam ali perto e eu não tinha como lhe dizer as coisas todas.

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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— Por que não me diz agora?
— Ponha-se no meu lugar, Sara. Se você estivesse para se casar com

Philip, gostaria que um refugiado dissesse a seu noivo que você tinha pro-
metido casar com ele? — exclamou Cecília, agitada. — Philip é um amor,
mas é um pouco puritano e não ia gostar de saber que eu já tinha dito a ou-
tro homem que ia me casar com ele. Era um risco e eu ia me casar com ele
dali a dois dias, lembra-se?

— Compreendo a sua situação — concordou Sara, com um suspiro —,

mas gostaria muito que você tivesse contado que tinha prometido casar com
ele!

— Pensei que ele tivesse lhe contado! — comentou Cecília, achando

que isso seria a coisa mais lógica a fazer.

— Ele não me disse nada. Acabei sabendo por outra pessoa, mais tar-

de. Ele pensou que você tivesse me contado. Vê que confusão?

— Sei que sempre pude contar com você para me ajudar — disse Cecí-

lia, rindo —, mas nunca pensei que fosse tão longe a ponto de me substituir.
Mas parece que no fim deu tudo certo, não foi?

— Você acha que sim? Por quê?
— Porque ele conseguiu fazer tudo o que lhe era impossível na Hun-

gria. Agora ele é famoso, graças a nós duas. Não fica feliz por ter podido
ajudá-lo? — Cecília parou de falar ao reparar em Sara. — Meu Deus, não me
diga que se apaixonou por ele?

— Foi o que aconteceu. Bobagem minha, mas aconteceu!
— Não sei se foi tanta bobagem assim. Depende de saber se ele tam-

bém se apaixonou por você. Como é que foi?

— Ele disse que sim, mas acho que só estava mentindo para fazer com

que eu me casasse; afinal de contas, Janos soube que você estava casada
com outro e tinha que resolver depressa o caso, para poder participar da or-
questra de Gareth Williams.

— Há quanto tempo estão separados?
— Vai fazer dois anos em abril; disse-lhe que não queria mais vê-lo e

logo depois ele foi para os Estados Unidos. Nunca mais nos comunicamos e
no próximo ano acho que vou pedir o divórcio. — Sara tentou sorrir. — Ago-
ra está tudo acabado; cometi um erro e já paguei por ele. Não vou deixar
que isso aconteça de novo.

— Sinto muito que tudo isso tenha acontecido, minha querida — falou

Cecilia, com voz sentida. — Pensei que você era mais durona. Achei que era
diferente de mim, pois eu estava sempre me apaixonando por todos os ra-
pazes que conhecia, e você, não. Pensei que fosse resistir aos encantos de
Janos!

— Prefiro não falar mais sobre o assunto!
— Talvez seja melhor! — concordou Cecília. — Vamos falar sobre você.

Diga o que anda fazendo e como vai indo com o seu trabalho. Tom Caldwell
ainda é o chefe?

— Não, ele foi promovido e agora eu sou a chefe do departamento.
— Que ótimo! Promoções sempre trazem vantagens! Agora você tem

oportunidade de viajar a negócios, ou não?

— Vou ter muitas oportunidades; na semana que vem vou até a Geór-

gia visitar uma das filiais da Ferris; como a Ferris é uma companhia grande
e com muitas filiais, acho que vou viajar bastante!

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

51

— Vai para a Geórgia? Então aproveite a chance e vá me visitar de-

pois. Aproveite para tirar férias e ficar algum tempo comigo. Moramos num
lugar muito gostoso, perto do mar; sei que vai gostar. Além disso, faço parte
da Orquestra Sinfônica Municipal e você teria muitos concertos para assistir!
Quando pretende estar lá?

— Vai ser ótimo! Acho que poderei estar com vocês no fim de abril.
— Estarei esperando por você, Sara; venha mesmo. A Califórnia é um

lugar maravilhoso e acho que vai se divertir bastante.

Assim tinha ficado combinado e Sara realmente foi para a Califórnia;

chegara há duas semanas e estava se distraindo muito. Os amigos e paren-
tes de Cecília a tratavam com carinho e amizade.

Naquela noite, um desejo que existia no íntimo de Sara havia se reali-

zado; tinha visto Janos de novo, ouvido sua música divina. E estava conven-
cida de que, com o tempo, acabaria por perdoá-lo; achava que era até pos-
sível que se apaixonasse por ele novamente.

Não podia pensar assim! Não queria! Não! Sara abriu os olhos assus-

tada, com medo de ter falado alto; mas todos continuaram mudos, ouvindo
aqueles sons maravilhosos.

Sara olhou para Janos e teve novamente a impressão de que ele a fi-

tava e que tocava a serenata somente para que ela ouvisse. Poderia ser ver-
dade?

Não, Janos era um artista extraordinário, capaz de criar ilusões através

da música. Sara não podia esquecer que a música era tudo para ele, a única
coisa que amava de fato!

A serenata chegou ao fim com suas notas tristes. Houve um momento

de completo silêncio e logo em seguida o teatro quase veio abaixo com tan-
tas palmas. Todos se levantaram, aplaudindo com emoção, enquanto no pal-
co Janos se inclinava para agradecer a recepção calorosa.


C

APÍTULO

V


— Foi maravilhoso! — disse Myrna Bixman, encantada com o que ouvi-

ra. Ela e Sara estavam saindo do teatro. — O que achou?

— Maravilhoso! — respondeu Sara, ainda confusa pela força de suas

recordações.

— Foi uma honra para a nossa pequena comunidade que um artista

como Janos Vaszary viesse tocar aqui, com uma orquestra municipal! —
Myrna e Sara chegaram ao hall de entrada, seguidas de Philip, Glenn e Char-
les. — E foi Cecília quem conseguiu que ele viesse!

— Foi mesmo? — falou. Sara. — Não sabia; ela não me contou nada.
— Acho que ela queria fazer uma surpresa para você! — Sara olhou

Myrna, pensando que ela nunca poderia imaginar como a surpresa tinha sido
grande; a não ser que Cecília tivesse contado a todos que ela e Janos eram
casados e separados.

— Como é que ela conseguiu fazer contato com o Sr. Vaszary? — per-

guntou.

— Ela ficou sabendo que ele estava dando concertos em Los Angeles e

foi até lá para vê-lo — explicou Myrna. — Você sabe que ela já o conhecia há
algum tempo, não? Felizmente ele se lembrou dela e concordou em vir tocar
para nós.

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Livros Florzinha

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Myrna olhava ao redor, cumprimentando as pessoas que estavam ali

no hall.

— Espero que Cecília traga o sr. Vaszary até aqui — Continuou Myrna.

— Vou, então, convidá-lo para uma festa que vamos dar para comemorar o
fim da estação de concertos sinfônicos. Você vai à festa, não é, minha queri-
da?

— Sim, claro, Myrna — respondeu Sara, pensando em como faria para

ir embora antes que Cecília aparecesse com Janos.

— Ali está Cecília — disse Myrna, os olhos brilhantes de felicidade. — E

Vaszary está com ela! Não vejo a hora de conhecê-lo! — exclamou, muito
entusiasmada.

Sara olhou para o lugar que Myrna apontava e viu que Janos cumpri-

mentava várias pessoas; Cecília ia à sua frente a parecia muito feliz ao
apresentar o grande artista aos amigos. Atrás de Janos estava outra mulher,
muito alta e loira, muito elegante, usando um vestido preto sofisticado. Ao
vê-la, Sara achou que ela lhe parecia familiar, embora não pudesse dizer de
onde a conhecia.

— Viu Magda Scott? — Glenn perguntou baixinho a Sara.
— Quem? — disse Sara, sem saber a quem Glenn se referia.
— Magda Scott, a mulher que está atrás de Vaszary — ele explicou. —

Ela é artista de cinema e sei que também é natural da Hungria. Scott é o
sobrenome de seu primeiro marido; dizem que ela e Vaszary estão tendo um
caso e que, assim que ela conseguir o divórcio, vai casar com ele.

— Ele não pode casar com ela! — disse Sara, sem querer. — Ele já é

casado!

— É mesmo? Não sabia. Com quem? Acho que não deve ser um fato

conhecido na vida dele, porque não consta da história de sua carreira, que
está impressa no programa!

— Li em algum lugar que ele era casado — disse Sara, aborrecida por

ter deixado escapar o comentário.

— Talvez ele esteja para ficar descasado, como Magda — disse Glenn,

rindo. — É muito comum essa situação entre o pessoal de Hollywood.

— Mas Janos não faz parte do pessoal de Hollywood — falou Sara,

muito séria. — Ele… — Sara notou como Glenn olhava espantado para ela ao
ver a reação que tinha tido. — Ele não é desse tipo de pessoa!

— Parece que já o conhece!
— Conheço, mesmo! — começou Sara, mas foi interrompida pela ale-

gre de Cecilia:

— Sara, minha querida, veja quem eu trouxe para vê-la!
“Não quero ver você de novo! Nunca mais!”, Sara não podia deixar e

lembrar as palavras que tinha dito a ele dois anos antes! No entanto, virou-
se, o rosto muito sério, parecendo calma, embora suas mãos estivessem
apertadas uma contra a outra para conter o nervosismo. Sentia que a qual-
quer momento seu coração ia estourar, de tão forte que batia!

— Sara, lembra-se de Janos, não é? — Cecilia disse.
Sara ficou pensando se Cecília estava sendo maldosa de propósito ou

se estava apenas fingindo, por causa das outras pessoas.

— Claro que sim! — Sara respondeu e ficou feliz ao ver que sua voz

estava bem firme. — Como vai? Parabéns! Tocou muitíssimo bem!

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Havia um brilho especial nos olhos de Janos quando pegou na mão de-

la para cumprimentá-la. Depois, num gesto muito educado, ele se inclinou e
levou a mão aos lábios. Sara precisou usar a maior força de vontade para
não retirar a mão depressa.

— Toquei somente para você — ele disse de modo suave, conservando

a mão de Sara entre as suas e não tirando os olhos dos dela. Será que ele
também estava perdido nas próprias lembranças?

— Sabia que eu estava aqui? — ela perguntou, espantada, perdendo a

noção das outras pessoas ao redor. Mais uma vez sentia-se presa aos en-
cantos dele, como se os dois anos em que estiveram separados não houves-
sem existido.

— Pouco antes do concerto começar, Cecília me contou que você esta-

va presente — Janos respondeu, procurando demonstrar com o olhar que ela
era a pessoa mais importante do mundo para ele.

Sara ainda desconfiava daquele olhar e, logo que foi possível, tratou

de tirar a mão das dele. Achava que Janos estava usando seu charme como
sempre fazia quando estava junto de uma mulher atraente. Ele devia estar
fingindo! No entanto, ninguém prestava atenção neles, pois Cecília estava
apresentando Magda Scott ao grupo.

— Sara, se fosse possível, gostaria de encontrá-la em algum outro lu-

gar — Janos começou a dizer bem perto dela, mas foi interrompido:

— Janos… — A voz de Magda estava bem por trás dele; era um tom

profundo e sensual, do tipo de fascina as pessoas. — Temos que ficar aqui?
Não podemos voltar para Beverly Hills?

— Ainda não — respondeu Janos. Depois, com um sorriso malicioso,

continuou: — Sara, gostaria que conhecesse Magda Scott. Magda, esta é
minha esposa, Sara.

Ele parecia um garotinho que tivesse riscado um fósforo em fogos de

artifício e ficado parado, esperando o resultado de sua travessura. Divertia-
se ao ver a surpresa estampada no rosto de Magda; também Sara tinha fi-
cado espantada com a atitude dele.

— Só pode estar brincando! — Magda riu, olhando com ar superior pa-

ra Sara.

— Não estou brincando, não! — retrucou Janos. — Estamos casados há

três anos.

— Sr. Vaszary — Myrna falou, usando seu tom mais convincente —,

gostaríamos imensamente que depois do concerto o senhor viesse à nossa
casa, onde estamos fazendo uma reunião para comemorar o último concerto
desta temporada.

Sara aproveitou a interrupção para sair dali; em vez de se dirigir para

a platéia, foi em direção à saída.

— Está indo na direção errada — disse Glenn, pondo a mão no braço

dela.

— Não agüento mais voltar para lá. Preciso ir embora. — Pôs a mão na

testa.

— Está um pouco pálida, Sara. Não se sente bem? — Glenn perguntou,

preocupado com ela. — Está um pouco abafado aqui dentro; talvez se sinta
melhor tomando um pouco de ar fresco.

Glenn segurou-a pelo braço e levou-a para fora; a noite estava linda, o

céu parecia de veludo, as estrelas brilhavam.

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— Está se sentindo melhor?
— Bem melhor, obrigada. Acho que você tinha razão: precisava mes-

mo respirar um pouco de ar puro.

— Quer voltar para assistir o final do concerto?
— Não, não faço questão.
— Quer ir de volta para casa? Ou gostaria de dar uma volta de carro

para ver a costa? O litoral é lindo nesta parte da Califórnia. Tenho uma casi-
nha no fim da próxima praia, onde fico quando quero realmente descansar;
há muito tempo que quero levá-la para conhecer o meu refúgio, mas nunca
houve oportunidade. Poderíamos ir até lá, tomar alguma coisa e ouvir um
pouco de música. Que tal?

— Mas… e a festa que Myrna vai dar depois do concerto? Prometi que

iria!

— Faz mesmo questão de ir?
Sara não sabia. Pensou que, na festa, iria encontrar de novo Magda

Scott, com seus ares de dona de Janos, e sentiu que estava com ciúme.
Como poderia se manter calma na festa de Myrna, vendo Magda monopoli-
zar Janos? Era melhor não ver. O que os olhos não vêem, o coração não
sente.

— Prefiro não ir à festa — disse, sorrindo para Glenn. — Prefiro conhe-

cer o seu refúgio, conversar e ouvir música.

— Então, vamos — disse Glenn, contente.
Foram para o carro dele, que estava estacionado ali perto. Seguiram

pela estrada costeira e Sara ficou encantada; a estrada seguia o contorno do
mar, por vezes alta, sobre rochedos, às vezes bem rente ao oceano. Por
uma hora Glenn dirigiu por essa estrada, para depois virar à direita e seguir
por outra, mais estreita, que levava direto a um rochedo a pique sobre o
mar. Sobre o rochedo, debruçada sobre o mar, ficava a casa dele.

Era maravilhosa! Construída em diferentes níveis, tinha uma vista pa-

norârnica para o mar, pois todo o lado que dava frente para o oceano era de
vidro. Estava muito bem decorada, com móveis modernos e finos. Sara ficou
encantada com o que viu.

Sentaram num sofá que ficava de frente para um janelão aberto para

o mar; podiam sentir a brisa suave que soprava do sul e ver as ondas que-
brando na praia, iluminadas pela luz prateada da lua cheia. Ao fundo, uma
música suave e romântica completava o aconchego da sala.

— Você vem muitas vezes aqui? — perguntou Sara, tomando o ponche

de frutas que Glenn havia preparado.

— Venho sempre que os negócios permitem, mas não tanto quanto

desejaria. Talvez, se tivesse com quem partilhar tudo isso, viesse mais ve-
zes. — Ele fez uma pausa e continuou em tom significativo: — Principalmen-
te alguém como você!

— Tudo aqui é maravilhoso: a casa, a paisagem… — Sara procurava

ignorar a última observação de Glenn. Engraçado como ela se sentia nervosa
com ele; até aquela noite, sempre estivera à vontade na presença de Glenn.
Como ele era bem mais velho do que ela, sempre o olhara como a um ir-
mão; mas agora… parece que a conversa dele era diferente.

— Tem mesmo que voltar tão depressa para a Inglaterra?
— Infelizmente, sim. Adorei cada minuto que passei aqui, mas minhas

férias terminam na semana que vem e preciso voltar para o meu trabalho.

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Livros Florzinha

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— Existe alguém lá para quem esteja voltando? Sabe, alguém com

quem até esteja pensando em casar?

— Não, Glenn — ela disse, rindo. — Por que acha isso?
— Porque acho que você é meio indiferente para com todos os ho-

mens. Se está apaixonada por alguém, posso compreender essa atitude; se
não, posso lhe perguntar: já foi casada? Já amou alguém?

— Já — ela respondeu, olhando para as mãos e sem saber como conti-

nuar a conversa.

— Está divorciada?
— Ainda não.
— Vai se divorciar?
Sara teve outra vez a visão de Magda Scott pegando no braço de Ja-

nos e pensou no pedido que ele fizera para que ela marcasse um encontro
com ele. Para discutir sobre o divórcio? Provavelmente!

— Acho que vou me divorciar, sim — ela respondeu. — Por que quer

saber?

— Porque quero me casar com você.
Sara olhou para ele, espantada; Glenn estava sério, aguardando a

resposta dela. Como ela não disse nada, ele falou:

— Está surpresa?
— Claro que sim! Afinal de contas, só nos conhecemos há duas sema-

nas!

— Quanto tempo levou para se casar com o seu marido? Semanas,

meses, anos? Ou somente dias? O tempo não importa quando se trata de
amor!

Sara começou a pensar como fora rápida a sua decisão de casar com

Janos e como ela se sentiria segura do que queria. Tinha sido paixão tão
grande e completa que não tivera dúvida nenhuma sobre casar com ele! Mas
como podia comparar as situações?

— Não importa quanto tempo antes eu conheci meu marido.
— Concordo com você. — Ele sorriu chegando mais perto dela. — Não

é da minha conta. Também já fui casado, não sei se sabia.

— Já, sim. Cecília me contou.
— Faz mais de dez anos que eu e Tracy estamos divorciados e minha

filha Helen tem treze anos.

— A menina mora com a mãe? — perguntou Sara, feliz por ter mudado

de assunto.

— Ela está interna num colégio; nas férias, fica com a mãe e às vezes

vem passar alguns dias comigo. Mas não tenho muita paciência com adoles-
centes… Ficaria muito aborrecida por ter uma enteada passando alguns dias
por ano com a gente?

— Ainda não disse que aceito casar com você!
— Sei disso, mas quero que pense a respeito e decida antes de voltar

à Inglaterra.

— Ma… não posso decidir assim tão depressa! Primeiro tenho que me

divorciar para depois ver como me sinto! Talvez não queira casar outra vez!
— ela disse, aflita.

— Talvez… — concordou Glenn. — Depois de um fracasso no casamen-

to a pessoa fica com medo de errar de novo. Eu me senti do mesmo jeito
depois da minha experiência com Tracy. Mas agora sei o que espero de uma

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Livros Florzinha

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esposa e acho que nós nos daríamos muito bem; temos muita coisa em co-
mum!

— Temos? — perguntou, desafiando-o. Sara não encontrava nenhum

traço comum entre os dois. Pela casa, era um homem acostumado a uma
vida rica e faustosa, ao passo que ela sempre tivera que lutar.

— Claro! Somos os dois muito práticos, de cabeça fria. Tenho certeza

de que você não ficaria em pânico se tivesse que organizar um jantar para
receber o governador e sua comitiva, por exemplo. Tracy ficava apavorada
com isso!

— É, acho que eu daria conta — ela concordou.
— Vamos ser sinceros, Sara. Não vou dizer que a amo, ou qualquer

bobagem no gênero — ele falou suavemente —, e sei que também não me
ama. Mas podemos raciocinar como adultos. Tenho certeza de que podere-
mos viver muito bem juntos. Claro que, casando comigo, você terá uma vida
boa e confortável; daria a você uma bela mesada e sei que tomaria conta
das minhas casas, seria ótima anfitriã para os meus amigos e organizaria
nossos passeios e diversões.

— Então não gostaria que eu continuasse no meu emprego?
— Você faria questão?
— Adoro o que faço e acho que não gostaria de desistir de tudo só pa-

ra ficar tomando conta da casa ou de festas.

Houve um silêncio pesado entre os dois. Foi Glenn quem recomeçou:
— Precisa trabalhar para uma companhia têxtil? Não pode trabalhar

por conta própria, criando desenhos e depois os oferecendo para as fábricas
de tecidos?

Esse sempre foi o sonho de Sara, mas era necessário ter muito capital

para fazer assim.

— Poderia, se tivesse apoio financeiro, principalmente no início.
— Case comigo e terá todo o apoio financeiro de que precisa — disse

Glenn, como se estivesse fechando um negócio. — Além disso, posso usar o
meu prestígio comercial e pessoal para fazer com que os tecidos desenhados
por Sara Cranston sejam os mais solicitados pelas indústrias têxteis. Que tal
essa base para darmos início ao nosso casamento? Você continua com a sua
carreira e eu lhe dou todo o apoio necessário, desde que cumpra com o que
espero de uma esposa.

Prático, cabeça fria, controlado, bom comerciante, considerando o

amor como bobagem, assim é Glenn, pensou Sara. E ele achava que ela era
assim também! Que diferença do seu caso de amor com Janos! Glenn jamais
poderia despertar nela o mais leve sinal de paixão; nem ela poderia imagi-
ná-lo apaixonado ou fazendo amor… E com Janos, cada centímetro de seu
corpo vibrava de emoção!

— Que me diz, Sara? — ele perguntou, animado. — Gosta da minha

oferta?

— Tenho que pensar um pouco, Glenn.
— Sei que tem; é muito justo. Mas… em quanto tempo pode conseguir

o divórcio?

— Não tenho certeza. Eu… eu… — Achou melhor usar de franqueza

com ele. — Preciso falar com Janos primeiro.

— Janos? Janos Vaszary?
— Ele mesmo.

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Livros Florzinha

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— Então era por isso que você sabia que ele era casado! Bem, só pos-

so dizer que você é ótima para guardar segredos! Aliás, você e ele! Vi quan-
do sua prima o trouxe para perto de você hoje à noite e nunca poderia adi-
vinhar que tinham sido tão íntimos assim. Há quanto tempo estão separa-
dos?

— Dois anos.
— Foi você quem o abandonou?
— Não sei dizer. Acho que foi de comum acordo.
— Então acho que não vai ter problema nenhum em conseguir o divór-

cio, já que estão separados há tanto tempo.

— Também acho que não. — Sara não queria mais ficar discutindo

com ele a sua situação com Janos. Achou melhor acabar com isso. Levan-
tando-se, disse: — Preciso voltar para casa. Cecília já deve estar preocupada
em saber onde estou.

— Acho que seria ótima idéia se conversasse com Vaszary sobre o di-

vórcio antes que ele deixasse Los Angeles — disse Glenn, levantando-se
também. — Posso telefonar para Myrna para saber se ele ainda está na festa
e marcar um lugar para você encontrá-lo e conversar.

— Não. Prefiro escrever para ele. Na verdade, não é preciso encontrá-

lo. Sei que podemos tratar do divórcio sem que seja necessário que a gente
se encontre.

Glenn olhou para ela e depois se aproximou, estudando a expressão

que ela tinha no rosto.

— Acho que estou começando a entender por que quis se afastar do

local do concerto e também por que não fez questão de ir à festa de Myrna.
Tem medo de Vaszary?

— Não, não é isso, É que nosso casamento foi apenas por conveniên-

cia, de modo que ele pudesse ficar na Inglaterra depois de ter fugido da
Hungria. Não existe nada entre nós e acho que ele vai ficar tão alegre quan-
to eu de pôr um fim nesse laço, que é apenas oficial.

Glenn pareceu pesar o que Sara tinha dito; era lógico e ele entendeu

os motivos dela.

— Vamos fazer como você quer; não vou ligar para Myrna. — Ele pu-

xou-a pela mão, dizendo: — Venha conhecer o resto da casa. Talvez, quan-
do estiver na Inglaterra e começar a pensar a respeito de tudo, isso a ajude
á decidir-se.

Era quase uma hora da manhã quando Glenn e Sara chegaram à casa

de Cecília e Philip Merton. Eles também moravam perto da praia, numa casa
térrea, bem ampla e confortável. As luzes do jardim estavam acesas, mas
não se via movimento dentro da casa. Philip e Cecília deviam estar dormin-
do, pois seus carros já estavam estacionados.

— Chegamos tarde — disse Sara — acho que já estão todos dormindo.
— Tem chave para entrar?
— Tenho, sim. Trouxe a chave da porta lateral, que é encostada ao

meu quarto.

— Vou até lá com você.
Deram a volta na casa e Sara pôde perceber que tudo estava às escu-

ras. No entanto, havia uma luz acesa na janela do quarto pegado ao seu;
antes mesmo que ela pudesse pensar quem estaria dormindo ali, a luz se
apagou.

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Livros Florzinha

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— Obrigada por ter me acompanhado — Sara falou baixinho. — Gostei

muito de ter conhecido o seu refúgio.

— Foi um prazer! Espero que pense a respeito do que lhe propus hoje

e que tome a decisão de casar comigo.

— Vou pensar. Boa noite. — Sara levantou a cabeça para um beijo de

despedida; embora não tivesse vontade nenhuma de beijá-lo, achou que era
a única coisa a fazer depois da proposta de casamento.

Glenn chegou mais perto e beijou-a na boca.
— Talvez o beijo também a ajude a se decidir — ele murmurou, ten-

tando pôr bastante emoção na voz — Boa noite, Sara. Vejo você amanhã.

Ele esperou até que ela tivesse entrado para ir embora. Contente por

estar sozinha, Sara suspirou, aliviada. Entrou no quarto e foi até o criado-
mudo para acender o abajur. Sabia que já era tarde, mas não sentia sono;
gostaria que Cecília não estivesse dormindo, pois queria saber como tinha
sido a festa de Myrna, se Janos tinha ido ou não e se tinha levado Magda
Scott com ele.

Por que ainda se incomodava em saber coisas a respeito de Janos? E

se ele realmente estivesse tendo um caso com Magda, que diferença isso
faria para ela? Nenhuma; portanto, era melhor tratar de esquecer tudo.

Nesse momento começou a ouvir barulho na porta do quarto que dava

para o jardim interno. Ficou olhando para ela, com um pouco de medo.
Quem seria? A porta rangeu um pouco, depois se abriu e Janos entrou no
quarto.

Ele estava vestindo a calça preta que usara no concerto e a mesma

camisa, mas estava sem a casaca e a gravata A camisa estava aberta até a
cintura, mostrando a pele bronzeada Ficou ali parado, com as costas volta-
das para a porta, olhando-a muito sério; Sara podia perceber uma ameaça
naquele olhar.

— Que está fazendo aqui? — conseguiu perguntar.
— Estava esperando que você chegasse. Onde esteve? — ele pergun-

tou muito suave e começou a andar pra mais perto dela.

— Estive na casa de um amigo.
Ele parou a poucos passos dela e continuou a olhá-la fixamente.
— Foi à casa do amigo que estava beijando lá fora? — perguntou.
— Então era você quem estava no quarto onde havia luz. E que estava

fazendo? Espiando por trás da jarda?

— Estava no quarto pegado, sim. E não sei o que quer dizer com esse

“espiando por trás da janela”. Simplesmente ouvi o que conversavam por-
que estavam debaixo da minha janela. E o silêncio entre as frases foi signifi-
cativo: só poderia ter sido causado por um beijo.

Sara não respondeu nada e tirou o relógio, colocando-o sobre a mesi-

nha; não podia ficar parada, olhando para ele sem dizer nada.

— Estou contente que tenha vindo para cá, que não tenha ficado na

casa de seu amigo. Esperava encontrá-la na casa de Myrna, mas, como não
foi, pedi a Cecília para esperar por você e ela me disse que poderia dormir
esta noite aqui. — Fez unia pausa e depois continuou: — Por que você não
foi à festa? Foi porque não queria mais me ver?

— Eu… bem… é, foi por isso mesmo — respondeu Sara, sem olhar para

ele. A presença de Janos já bastava para deixá-la perturbada. Guardou o

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

59

relógio na gaveta, só para fazer alguma coisa; depois, procurando parecer
natural, perguntou: — Por que queria me ver?

— Queria ver como você estava agora, se era do mesmo jeito que eu

lembrava — Janos falou com doçura e aproximou-se dela. — Você me parece
a mesma e, no entanto, está diferente. Usa o cabelo de outro modo e se pin-
ta um pouco mais. Achava que era sempre um pouco fria e distante quando
estava com outras pessoas, mas sei que essa era a sua maneira de disfarçar
a timidez. Agora, essa frieza e indiferença me parecem um estado perma-
nente.

— Você não esperava que eu ficasse a mesma depois de ter sido en-

ganada e levada a casar com você, não é — ela respondeu, fechando com
força a gaveta onde guardara o relógio. Ao levantar os olhos, viu a imagem
dele refletida no espelho; ficou reparando, para ver se notava mudanças.
Achou-o apenas um pouco mais gordo, e muito mais bonito!

— Não enganei você nem forcei a casar comigo — ele respondeu, com

raiva nos olhos e na voz. — Casou comigo porque quis.

— Mas eu não teria casado se soubesse que você tinha ido à Inglaterra

para casar com Cecília!

— Não? Tenho certeza que sim. Você estava louca para ser amada,

desejando ardentemente casar! — ele falou, pondo maldade na voz.

— Acho que está aqui porque quer o divórcio, para poder casar com

outra, não é? — Sara esforçava-se para parecer fria e distante, virando-se
para ele e encostando na mesinha.

— Quero aquilo que você quiser — ele respondeu. — Agora já deve ter

certeza do que quer; já lhe dei bastante tempo para pensar e se decidir.

— Já me decidi, dois anos atrás, e não mudei de idéia. Agora, se me

desculpar, estou cansada e quero ir deitar.

— Não sou eu que vou impedi-la — Janos disse, sorrindo. — Vou ape-

nas ficar sentado aqui. — Dizendo isso, ele sentou-se na poltrona que havia
no quarto, colocando uma das pernas sobre o braço. — Agora pode deitar e
então conversaremos.

— Não vou trocar de roupa e deitar enquanto você estiver aqui dentro!

Vá embora!

— Você sempre foi puritana, Sara, e não mudou nada!
— Janos, por favor, vá para o seu quarto. Prometo que converso com

você de manhã.

— Não — ele respondeu, sério —, vamos conversar agora.
— É muito tarde, Janos, estou cansada e quero deitar!
— Não seja tímida, querida, troque de roupa e deite-se.
— E seu “caso” não vai ficar pensando em onde é que você está du-

rante todo esse tempo?

— Caso? O que é caso?
— Não finja que não entende inglês, Janos! Seu caso é sua amante,

Magda Scott. Cecília também deve tê-la convidado para ficar aqui!

Toda a expressão de brincadeira sumiu do rosto de Janos; seus olhos

ficaram tristes e amargurados: os lábios se fecharam numa linha fina.

— Não sei por que você está sempre pronta a acreditar em tudo que

dizem de mim. Magda não está aqui; ela voltou para Beverly Hills. Se não
me acredita, venha até o meu quarto e olhe você mesma! Ou então vá acor-
dar Cecília e pergunte a ela. — Ele parou para se acalmar um pouco, depois

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

60

falou: — Ela não é o que muita gente anda dizendo; não tenho um caso com
ela, nem pretendo ter.

— Mas ela quer casar com você!
— Como é que sabe disso? Quem lhe contou? Foi seu amigo, esse que

estava beijando pouco tempo atrás? Quem é ele? Seu último caso? O suces-
sor de Tom Caldwell?

— Nunca tive nada com Tom Caldwell e não tenho nada também com

Glenn Bixman.

— Como pode dizer isso se estava beijando esse homem? Se não ti-

vesse nada com ele, teria ficado indignada e lhe teria dado um contra, por
tirar vantagens de você! — Janos estava com raiva.

— Não sinto nada por ele, nem ele por mim. — Vendo a expressão de

dúvida que Janos fez, ela continuou: — Não adianta tentar explicar, você
nunca entenderia! — Depois falou, muito séria: — Por favor, Janos, vá para
o seu quarto e me deixe dormir. Só estamos falando bobagens. Não vamos
poder acertar um divórcio até que a gente consiga raciocinar direito; e es-
tamos muito cansados para isso.

— Não quero falar sobre divórcio.
Sara olhou bem para ele; Janos se levantou e encarou-a daquele

mesmo jeito de quando tinham se conhecido: era sua maneira de dizer que
ela era a única mulher no mundo para ele. Isso representava uma ameaça à
paz de espírito que Sara tinha conseguido naqueles dois anos de luta.

— Mas você disse que queria conversar!
— Conversar sobre nós — ele concordou. — Conversar sobre a gente,

sobre bobagens, qualquer coisa, até irmos juntos para a cama.

— Não! Não! — ela gritou, colocando as mãos sobre os ouvidos. — Não

quero mais ouvir você! Não quero mais vê-lo. Vá embora! Por favor, Janos,
vá embora! — Sara falava de olhos fechados, apertando os ouvidos.

De repente sentiu a mão de Janos em sua nuca, procurando pelo fecho

do zíper de seu vestido, Tentou se virar para impedi-lo de abrir sua roupa,
mas era muito tarde. Janos puxou o fecho e ele se abriu.

— Por que fez isso? — perguntou, lutando para subir o zíper novamen-

te,

— Para poder fazer assim — ele disse e pôs a mão no ombro de Sara;

depois foi descendo até encontrar os seios. — Sua pele continua macia como
veludo… — murmurou baixinho no ouvido dela — e aquela pintinha continua
bonita como era. Senti falta dela; senti falta de cada pedacinho de você! —
Com os lábios ardentes, ele beijava o pescoço, os ombros de Sara…

Ela era incapaz de se mover, tomada pelas mesmas sensações do pas-

sado, que a deixavam zonza e trêmula. Tentava lutar contra o desejo e a
paixão que cresciam em seu íntimo, gemia, desesperada, tentando se livrar
daquele abraço.

— Por favor, deixe-me ir! Por favor, Janos, quero minha liberdade! —

Janos soltou-a ligeiramente, somente para poder olhá-la nos olhos; continu-
ava com os braços em volta da cintura dela. Com a boca muito perto da de
Sara, os lábios sensualmente entreabertos, ele perguntou:

— Liberdade? Para quê?
— Quero ser livre de você — ela murmurou, enquanto suas mãos pa-

reciam ter adquirido uma vontade própria, pois queriam tocar aquele peito

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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forte e fazer carícias; Sara tinha que mantê-las fechadas para que isso não
acontecesse. Também seu corpo parecia ansiar pelo contato do dele.

— Por que quer se livrar de mim? — ele perguntou, soltando o vestido

dela, que ainda ficara preso num dos ombros.

— Porque… porque vou me casar com outro homem — ela respondeu,

ao mesmo tempo em que puxava o braço para que o vestido se soltasse
mais facilmente.

— O homem é esse que estava com você aqui, pouco tempo atrás? —

Janos continuou a falar mansinho, desabotoando o cinto do vestido e puxan-
do-o até que ficasse todo no chão.

Agora que o vestido não a cobria mais, Sara percebeu que suas últi-

mas reservas também tinham sumido. Estava apenas de calcinha e sentia
uma onda de sensualidade envolvê-la

— Ele mesmo, O que vai fazer agora? — ela sussurrou, passando os

braços em redor do pescoço de Janos, sentindo a maciez da pele, o cabelo
sedoso, a pressão excitante do corpo dele contra o seu.

— Agora vou pôr você na cama — ele disse, muito suave — e fazer

com você o que queria fazer naquela manhã que cheguei à Inglaterra; aliás,
era o que deveria ter feito, na ocasião.

Por alguns segundos ela pareceu sair daquele êxtase e procurou sol-

tar-se; mas os braços de Janos a seguraram firme. Então ele carregou-a e
levou-a para a cama.

— Não! Não quero! — ela dizia, tentando se livrar. — Você não está

entendendo nada! Glenn quer se casar comigo… e… então… vou precisar do
divórcio. Não quero você! Não quero ir para a cama com você!

— Está louca para ir para a cama comigo, Sara, por isso pare de fingir

— ele falou, muito firme. — Ficar dizendo que não quer não vai me impedir
de fazer o que quero! Pode falar quanto quiser sobre ser livre, mas o fato é
que ainda é minha..

— Não sou! Não pertenço a mais ninguém — Sara falou e rolou ara o

outro lado da cama, tentando escapar.

Mas ele estava atento, alcançou-a e trouxe de volta, segurando-a com

as pernas colocadas em cada lado de seu corpo.

— Você ainda é minha! — Sua voz estava cheia de paixão e os olhos

brilhavam de intenso desejo. — E vou possuí-la hoje!

— Mas não vai fazer isso contra a minha vontade — ela disse. Mas, na

verdade, não havia oposição em sua voz; pelo contrário, havia um toque de
sensualidade.

— Não vai ser contra a sua vontade, minha querida Sara, minha Sara

sempre tão tímida. — Havia um tom alegre em sua voz. Deitando-se ao lado
dela, ele sussurrou, muito suave e baixinho: — Se você soubesse quanto
esperei por este momento, quanto queria vê-la, falar com você, tocá-la, es-
tar junto de você… Se soubesse quanto desejei você nestes últimos dois
anos, você não ficaria longe de mim… — E juntou os lábios aos dela.

A princípio, não havia carinho naquele beijo; era violento e selvagem,

como se Janos quisesse castigá-la pelo que sofrera. Ela correspondeu ao bei-
jo com igual ardor e violência. Sentia necessidade de senti-lo, de dar explo-
são aos sentimentos que precisara manter aprisionados durante tanto tem-
po!

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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As mãos de Sara, com a nova vida que tinham adquirido, desceram

para o cinto da calça de Janos, até que finalmente conseguiram soltá-lo. Fi-
caram muito juntos, as mãos se acariciando, as pernas misturando, as pe-
les, roçando, suas bocas mostrando a falta que tinham sentido daquele con-
tato íntimo e delicioso.

Aos poucos, passados os primeiros instantes de violência e paixão re-

primida, o carinho e a doçura que sempre houve em suas relações começa-
ram a aparecer. Era como a melodia suave e delicada que segue, por vezes,
os sons discordantes em uma sinfonia.

Depois, dormiram muito juntinhos e abraçados. Sara acordou primeiro.

Viu que eram quinze para as oito, apagou a luz do abajur que tinha ficado
acesa, depois, ficou olhando para Janos, que ainda dormia. Podia perceber
os barulhos normais de uma casa que acorda. Ouviu a voz da empregada
que brincava com Paul, o filhinho de Cecília e Philip.

Um bebê! Esse pensamento passou pela mente de Sara, assustando-a.

Colocou a mão sobre a barriga; depois do que tinha acontecido à noite, ela
poderia engravidar! Não tinha tomado nenhuma precaução e era seu período
fértil! Olhou de novo para Janos, que estava bem perto dela, os olhos aber-
tos, observando-a. Seria imaginação ou havia um olhar interesseiro naque-
les olhos de águia?

Pensando em como se deixara envolver facilmente pelos carinhos dele,

teve raiva de si mesma! Se ficasse grávida, ia ser a única culpada; era boba
e sempre se deixava levar pelo charme e encanto que Janos exercia sobre
ela.

— Lembra-se da Hospedaria do Faisão? — ele perguntou, chegando

mais perto dela, cruzando urna das pernas -sobre as suas e acariciando seu
rosto.

— Muito. E você?
— Muitas vezes eu ficava pensando sobre nossos dias lá, enquanto es-

tava sozinho num quarto de hotel em uma das muitas cidades onde partici-
pei de concertos. Lembro também de uma casa que vimos, perto de um lago
e que estava para vender.

— Nós até olhamos para dentro, pela janela, para ver como como era,

lembra?

— Isso mesmo! E fizemos muitos planos de como iríamos reformá-la,

um dia, quando tivéssemos dinheiro para comprá-la. Não pode mos esque-
cer tudo isso, não é, Sara?

O que ele estava pretendendo fazer com ela? Não somente tinha to-

mado posse de seu corpo como também queria seu coração, fazendo-a lem-
brar aqueles dias maravilhosos que haviam passado juntos na região dos
lagos. E a amolecia por dentro ao mencionar a solidão que sentia, sozinho
em quartos de hotéis. Ele estava tentando fazê-la ter pena dele, estava ten-
tando seduzi-la, como já fizera três anos atrás. E ela sempre se deixava le-
var…

Não ia mais agüentar isso!
— Não quero lembrar mais nada! — disse, indo para o outro lado da

cama e levantando-se. Foi até o armário, pegou o robe e vestiu-o, conser-
vando sempre as costas voltadas para Janos.

— Queria muito ir para a região dos lagos, no verão — ele disse, cal-

mo.

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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— Lá chove demais nessa época — ela respondeu e foi para o jardim

interno da casa. Estava uma manhã maravilhosa, o sol muito brilhante e o
céu azul claro e livre de nuvens. Sara respirou profundamente, como se as-
sim pudesse clarear as idéias; voltou para o quarto, mas ficou parada de pé
junto à porta que dava para o jardim.

Janos, ainda deitado, continuou a conversa como se nunca tivesse sido

interrompida:

— Gostaria de comprar uma casa lá, perto de um lago, que seria o lu-

gar onde eu iria descansar quando não estivesse dando concertos ou fazen-
do gravações. — Ele parecia estar pensando alto; havia muita determinação
em sua voz.

— Tenho certeza de que Magda Scott não gostaria desses planos —

disse Sara, ainda olhando para fora.

Janos não fez comentários e ela ouviu a cama ranger quando ele se le-

vantou. Com o rabo do olho viu que ele vestia a calça e depois pegava a
camisa, colocando-a sobre um dos ombros; depois, foi para junto dela. Sara
tratou de se afastar, porque sabia como essa proximidade lhe era perigosa.

— Preciso ir embora em meia hora, pois tenho um concerto à noite,

em Los Angeles, e um ensaio agora de manhã. De lá, sigo amanhã para a
Cidade do México para outra série de concertos. E você? Quanto tempo mais
vai ficar aqui?

— Vou embora depois de amanhã; tenho que voltar para o meu traba-

lho na próxima segunda-feira. — Sara disse tudo isso sem olhar para ele;
era mais fácil assim!

— Depois do México — ele continuou —, vou para Nova York, onde vou

dar um curso de interpretação musical. Terei que ficar lá até o fim de junho.
Poderia ir para Manchester em julho e então iríamos para a região dos lagos,
procurar a casa de nossos sonhos.

— Nós? Por que acha que eu estou interessada em ajudá-lo a procurar

essa casa?

— Porque somos casados; porque é minha esposa; porque vai ser a

nossa casa. Não é suficiente? — ele perguntou, um pouco irritado.

— Não acha que está tirando conclusões precipitadas? Só porque nos

encontramos de novo, e você conseguiu me vencer com seu charme para
que eu satisfizesse as suas necessidades físicas, isso não quer dizer que eu
esteja querendo viver de novo com você. Além disso, o que aconteceu on-
tem à noite não mudou nada em relação a nós.

— Não forcei você a fazer nada — Janos disse, irritado. — Você quis

fazer amor comigo do mesmo jeito que eu quis fazer com você. Não pude-
mos evitar isso, depois de estarmos longe um do outro durante tanto tempo!

— Fale por si mesmo; não fique aí dizendo o que eu quis fazer! — Sara

tentava defender-se.

— Eu não pude evitar — disse, frisando a palavra “eu”. — Está bem

assim? — ele perguntou, zangado. — Mas não me desculpo pelo que aconte-
ceu; não via você há dois anos e…

— O que você poderia ter evitado — ela interrompeu. — Sei que nesse

tempo esteve na Inglaterra, gravando em Londres, e que também esteve no
Festival de Edimburgo. Não foi até Manchester porque não quis — comple-
tou, lembrando como tinha desejado que ele aparecesse no apartamento.

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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— Parece estar muito a par dos meus compromissos artísticos. Mas

não está esquecendo alguma coisa? Lembra que há dois anos você me disse
que não queria me ver nunca mais? Portanto, fiquei afastado de você. Além
disso, também sou um pouco orgulhoso, do mesmo jeito que você é. Só iria
vê-la se me tivesse convidado; e não me teria visto ontem à noite, se a or-
questra sinfônica não tivesse me convidado para tocar com ela!

— Claro! Como sempre, a música vem em primeiro lugar para você!

Sempre foi assim e acho que sempre será. As pessoas não importam para
você, a não ser que… que possam ser utilizadas para servir a seus intentos,
como fez comigo. — Sara estava com a voz trêmula, mas continuou: — Se
eu pedisse a você que não fosse a Los Angeles e ao México para ficar comi-
go, você recusaria, não é? Seja sincero!

— E você, viria comigo, se eu lhe pedisse? Na certa iria recusar, prefe-

rindo ir para aquela fábrica em Manchester, de volta a seus desenhos!

— Gosto dos meus desenhos; preciso fazê-los para ser feliz.
— Do mesmo jeito que eu preciso tocar. É a coisa que faço melhor na

vida! É minha profissão, tenho que fazer o possível por ela!

— Você não me ama!
— Estou começando a perceber que você é que não me ama, nem

nunca me amou — ele disse, amargurado. — Adeus, Sara! — Saiu pela por-
ta, atravessou o jardim inteiro e entrou no próprio quarto.

Sara ficou parada onde estava, imóvel, percebendo vagamente os ba-

rulhos da casa e depois o barulho de uru carro que se afastava. Não se deu
conta da passagem do tempo. Sua vontade era jogar todas suas coisas den-
tro da mala e ir com Janos para Los Angeles e depois para o México, embora
soubesse que teria que passar sobre o próprio orgulho para agir assim. Esta-
ria demonstrando não só que cedia aos encantos dele mas que também ce-
dia ao próprio desejo físico que sentia por ele. Esse não era o caminho do
amor! Era fácil demais!

Ouviu batidas na porta e seu coração pulou, achando que Janos tinha

voltado para insistir que ela fosse com ele; correu para abrir a porta mas,
para seu desapontamento, viu Cecília.

— Como vai? — disse a prima, entrando no quarto. Ela trazia uma

bandeja com o café da manhã. — Achei que seria melhor se tomássemos
café aqui; Aurora, minha empregada, está fazendo limpeza na cozinha e tu-
do por lá está revirado. — Apoiou a bandeja na mesinha e serviu café para
as duas; pegou uma xícara, um pedaço de pão com geléia e sentou-se na
poltrona. — O que aconteceu com você depois do intervalo, ontem? Pensei
que fosse conosco à festa de Myrna!

— Acho que pode adivinhar por que não fui à festa! — disse Sara, ser-

vindo-se do que estava na bandeja e sentando-se na cama.

— Não queria ver Janos — sugeriu Cecília.
— Isso mesmo.
— Por quê?
— Porque… Cecília, por que não me disse que ele ia ser o solista no

concerto? Devia ter me avisado! — Sara procurava manter a voz firme. Era
incrível como só uma noite com Janos podia deixá-la em tal estado de des-
controle!

— Achei que, se você soubesse que ele ia tocar no concerto, não teria

ido. Fiz isso com a melhor das intenções, porque achei que seria ótimo se

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conseguissem estar um pouco juntos, mesmo que não pudesse ser por mui-
to tempo. Há dois anos que você vem ansiando por estar com ele.

— Não é bem assim, Cecília.
— É, sim. Eu a conheço bem e sei que se fechou na sua concha para

evitar de se machucar. Mas posso perceber, pelo seu jeito, pelo seu olhar,
que você lastima não ser amada pela pessoa a quem você ama.

— Não precisa exagerar, Cecília.
— Não é exagero. Além disso, quando encontrei Janos em Los Angeles,

achei que ele tinha o mesmo ar de quem perdeu aquilo que mais ama na
vida. Notei também que ele não agüentava mais ter aquela tal de Magda
correndo atrás dele o tempo todo. Foi por isso que o convidei para passar a
noite aqui, ontem. Também por isso, dei a ele o quarto pegado ao seu.

— Deveria tê-lo posto neste quarto de uma vez — disse Sara sincera-

mente. — Ele dormiu aqui.

— Já dá para notar que dormiu aqui — falou Cecília, com malícia.—

Então agora está tudo bem? Acho que nem preciso perguntar, pois seus
olhos já brilham de modo diferente e você está até parecendo mais femini-
na!

— Pare com isso, Cecília. Você fala como se satisfação sexual fosse a

coisa mais importante na vida! — Sara sentia os olhos cheios de lágrimas, o
coração doendo, saudade de Janos… — Nada está bem, Cecília, nada mudou.
Ainda não sou a primeira coisa na vida dele. Sou apenas a mulher com quem
ele dorme quando acontece de a gente se encontrar; sou a mulher com
quem ele se casou porque era um modo de poder ficar na Inglaterra… — Sua
voz tremia tanto que era difícil compreender o que ela dizia. — Ele não me
ama e eu não o amo! — Sara levou uns minutos para conseguir controlar-se.
— Ele foi embora, não foi?

— Foi. Saiu há quinze minutos; pensei até que você tivesse ido com

ele.

— Não… não fui convidada — Sara choramingou, as lágrimas escorren-

do pelo seu rosto. Limpou-as com as costas da mão e tomou um gole de ca-
fé.

— Desculpe, Sara, mas você é uma idiota! Tonta, boba e idiota! — Ce-

cília suspirou.

— Fui idiota quando casei com ele e agora você acha que sou boba

porque não fico correndo atrás dele como Magda Scott — disse, com amar-
gura. — Está decidido sou uma tonta!

— Acho que agora não adianta mais fazer comentários a respeito —

disse Cecília. — E, afinal, onde foi ontem à noite com Glenn?

— Fomos até a casa dele, na praia. Ele me pediu em casamento.
— Virgem Maria! Mas você ainda está casada com Janos! Que pretende

fazer?

— Vou me divorciar de Janos — disse Sara, com a voz muito fria.

C

APÍTULO

VI


— Que bom ver você de novo! Ainda bem que veio almoçar comigo! —

A voz de Ida Williams era simpática e carinhosa quando cumprimentou Sara
no hall de um dos melhores hotéis de Manchester.

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Livros Florzinha

66

— A alegria é minha, por você ter me telefonado e convidado para vir.

Faz tanto tempo que não nos vemos! Que está fazendo por aqui? Gareth
também veio?— Sara perguntou.

— Não. Ele teve que voltar a Londres hoje de manhã. Estivemos via-

jando de carro pelo interior da Escócia e voltamos pela região dos lagos.
Chegamos aqui ontem à noite e havia um recado para ele, dizendo que o pai
estava doente. Então, ele já foi de avião para chegar mais rápido e eu vou
depois, de carro, devagarzinho. Estava com muita saudade de você e não
quis perder a oportunidade de vê-la. Como está indo?

— Muito bem — mentiu Sara. E mudando de assunto, comentou: — O

dia não está nada bom, hoje.

— É verdade, está muito úmido. Choveu também todo o tempo em

que estivemos na região dos lagos.

As duas foram para o salão de almoço, onde sentaram. O garçom

trouxe o cardápio e elas escolheram o que comer. Começaram a falar sobre
tudo e todos, numa conversa leve e cheia de novidades. Depois Sara per-
guntou sobre a viagem que tinham feito. Ida contou algumas passagens, e
terminou dizendo:

— Este é o fim das férias de Gareth; agora, é voltar ao trabalho. Foi

ótimo tê-lo exclusivamente para mim durante algum tempo; pudemos ver
muitas coisas interessantes, sem compromisso algum com mais ninguém.

— Davina não foi com vocês?
— Não. Ela ficou em Nova York, freqüentando um curso de música.

Deve voltar para casa na sexta-feira que vem.

— Ela está tendo aulas com Janos?
— Não, é com outro professor. — Ida, olhou espantada para Sara.
— Não soube do acidente?
— Que acidente? — De repente, Sara sentiu os joelhos fracos e uma

sensação de medo. — Janos sofreu algum acidente? Não soube mais dele
desde que voltei da Califórnia. Foi aí que soube que ele daria um curso em
Nova York.

— Você esteve com ele na Califórnia? — Ida parecia mais espantada

ainda.

— Nós nos encontramos lá, embora por pouco tempo. Como foi o aci-

dente? O que aconteceu com ele? Diga, Ida, por favor!

— Houve um incêndio no prédio onde Janos morava e ele sofreu algu-

mas queimaduras — Ida começou a contar. — Ele poderia ter escapado do
prédio sem ter se machucado, mas foi tentar ajudar outras pessoas que es-
tavam em perigo e suas mãos ficaram gravemente queimadas.

— Oh, não! — exclamou Sara, sentindo que ia desmaiar. As mãos de

Janos! Suas mãos tão lindas, de dedos compridos, capazes de tirar do violi-
no sons tão maravilhosos que pareciam divinos, não humanos!

Percebeu vagamente que Ida chamava um garçom e que este lhe tra-

zia um copo com um líquido cor de ouro.

— Beba isto — disse Ida com voz séria e firme. Sara tomou um gole do

conhaque e sentiu que o sangue voltava a seu cérebro. — Está se sentindo
melhor?

Devagar, Sara conseguiu focalizar os olhos em Ida; ela estava com

uma expressão muito preocupada.

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Livros Florzinha

67

— Desculpe, Sara — falou com pesar. — Não devia ter dado a notícia

assim, mas pensei que já soubesse do caso. Pensei até que ele tivesse pedi-
do a alguém que a avisasse; afinal de contas, são casados e você tem o di-
reito de ficar sabendo.

— Já passou, Ida. Foi um choque muito grande para mim, pois não sa-

bia de nada. Sabe, ainda estou legalmente casada com Janos, mas já esta-
mos separados há bastante tempo; e, logo que voltei da Califórnia, entrei
com um pedido de divórcio.

— Ele já sabe que você pediu o divórcio?
— Deve saber, meu advogado deve ter entrado em contato com ele;

mas, se está ferido, talvez não tenha podido se comunicar e… Onde está
ele? Ainda está no hospital?

— Não, não está mais no hospital. Aliás, Gareth e eu o visitamos há

dois dias. Ele comprou uma casa na região dos lagos e está morando lá.

— Nos lagos? Onde? Perto de um lugar chamado Millwater? — pergun-

tou Sara, aflita.

— Exatamente. É uma casa velha, que precisa de muitas reformas.

Quando ele veio para a Inglaterra, disse que ia procurar uma casa para mo-
rar. Enquanto esperava que suas mãos sarassem, teria tempo de encontrar
exatamente o que queria; isso foi em julho. E eu pensei que Janos tivesse
vindo pegar você para procurarem juntos a casa que ele queria; fiquei muito
admirada de encontrá-lo morando sozinho.

Sara estava admirada com as notícias que ouvia; quanta coisa tinha

acontecido desde que ela estivera com Janos! A voz de Ida lhe chegou sua-
ve, vinda do outro lado da mesa:

— Gareth e eu estamos muito preocupados com Janos. Ele parece não

fazer nenhum esforço para se exercitar, para voltar à antiga forma e poder
tocar violino de novo. Acho que nem olhou para o violino desde o incêndio.
Tenho a impressão de que o acidente matou nele o artista, toda a sua sensi-
bilidade, seu espírito criativo. Ele diz que não se incomoda se nunca mais
puder se apresentar num concerto outra vez!

De novo Sara sentiu aquele frio na boca do estômago. Como Janos po-

dia dizer isso, se a música era tudo na vida para ele?

— Não sou o tipo de pessoa que gosta de interferir na vida dos outros,

porque não gosto que interfiram na minha — continuou Ida —, mas sinto
que agora devo fazer alguma coisa ara ajudar Janos; senão, o mundo vai
perder um músico com muito talento. Sara, você não poderia ir vê-lo?

Sara fingiu estar muito ocupada em cortar a carne e respondeu, sem

olhar para Ida:

— Não posso!
— Por que não? Ainda não estão divorciados!
— Não é por isso! É que se eu for lá agora, ele… ele vai tirar vantagem

da situação.

— Sei que você e ele tiveram problemas no casamento; mas, quem

não os tem? Nenhum casamento é perfeito, com o tempo é que as diferen-
ças vão se acertando. Sempre esperei que o de vocês desse certo; acho que
nasceram um para o outro!

— Por que que acha isso, Ida?
— Porque você é calma e criteriosa, sensível, com muita força interior;

é a metade certa para uma pessoa viva, apaixonada, impulsiva e talentosa

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

68

como Janos é. Você é como a âncora para a vida tempestuosa que ele tem;
vocês se completam perfeitamente!

— Acontece que posso ser calma e criteriosa, mas também tenho sen-

timentos. E Janos me magoou profundamente, fingindo casar comigo por
amor, quando na verdade só queria era casar com alguém… qualquer pes-
soa… desde que pudesse, com isso, ficar aqui na Inglaterra.

Ida parou de comer e olhou bem para Sara. Não estava entendendo o

que ela dizia; era melhor pôr tudo às claras:

— Sobre o que está falando, Sara? Por que Janos tinha que casar com

alguma inglesa? Por que tinha que casar com alguém? Não estou entenden-
do nada!

— Porque era a única maneira de Janos poder ficar na Inglaterra. Ele

já tinha tudo planejado antes de vir para cá. Combinara com minha prima
Cecília que casaria com ela quando chegasse aqui, se um dia conseguisse
chegar! Quando finalmente veio, ficou sabendo por mim que ela já estava
casada. Mas o pior de tudo é que nunca me contou sobre esses planos. Ja-
nos simplesmente fez tudo… e me convenceu a casar com ele. — Sua voz
tremia.

— Quem lhe disse que ele já tinha planos de casar com Cecília? —

perguntou Ida. — Ela mesma?

— Não. Está lembrada daquela noite em que a orquestra de Gareth

voltou dos Estados Unidos e que fui jantar em sua casa? — Ida fez que sim
com a cabeça. — Nessa noite conheci Elisabeth Herrenkoff…

— Já sei. Ela pensou que você fosse Cecília, a moça inglesa que Janos

tinha encontrado em Salzburgo e que tinha prometido casar com ele.

— Exatamente. E, na mesma noite, Davina me contou que tinha ouvi-

do quando Gareth e Janos conversaram sobre a necessidade de Janos casar
para poder continuar na Inglaterra.

— E você acreditou em Davina? — Ida parecia espantada com a inge-

nuidade de Sara. — Você sabia que ela estava caída por Janos e que, como
toda adolescente apaixonada, tinha ciúme de você! Como pôde acreditar ne-
la? Como pôde ser tão boba a ponto de não perceber a verdade?

— Não queria acreditar nela, mas tudo o que Davina dizia se encaixava

tão bem no que eu sabia sobre Janos, que acabei acreditando. Também Tom
Caldwell, meu ex-chefe, suspeitava dele! — Depois de uma pausa, ela conti-
nuou: — Acho que a base de tudo é que nunca me senti bastante segura pa-
ra acreditar que uma pessoa como Janos, brilhante, com um futuro maravi-
lhoso pela frente, pudesse estar apaixonado por uma moça comum como eu!
Até mesmo Davina, que ainda era uma criança, pôde perceber que ele não
me amava e que um dia me deixaria. E ela tinha razão.

— Nunca perguntou a Janos se havia alguma verdade em tudo o que

Elisabeth lhe disse?

— Perguntei, sim. Perguntei se Cecília e ele tinham combinado de ca-

sar e Janos disse que não poderia negar isso. Aí, acabamos discutindo… e
você sabe o resto. Voltei para cá e ele foi para os Estados Unidos.

— E continuou acreditando que ele a havia enganado! — Ida suspirou,

desanimada, depois se inclinou para mais perto de Sara. — Agora, trate de
me ouvir! Janos não precisava casar com você nem com ninguém mais para
poder ficar neste país. Sei que fez um acordo para casar com Cecília, mas
isso foi só porque tinha medo de conseguir somente um visto de visitante

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

69

para vir para cá. Mas ele acabou vindo como imigrante, porque Gareth e vá-
rios outros músicos famosos deste país se responsabilizaram por ele.

— Davina me disse que ouviu Gareth dizer a Janos que, se ele casas-

se…

— Davina só ouviu metade da história; ou melhor, só comentou a par-

te da história que podia aborrecer você. Quando Janos veio se encontrar
com Gareth pela primeira vez em Londres, ele nos disse que tinha encontra-
do você e que queria casar. Ele estava excitado e impaciente, então Gareth
lhe disse que fosse de volta, casasse com você, para depois começar a tra-
balhar com a orquestra. Gareth achou que Janos não viria regularmente aos
ensaios se não estivesse seguro da situação com você. — Ida suspirou de
novo. — Se pelo menos você tivesse se aberto comigo e contado suas dúvi-
das, eu teria dito o que sabia e muitos problemas seriam evitados.

— Não sei por que não falei com você, Ida. Acho que pensei que sou-

besse que ele tinha casado comigo por conveniência e que aprovava essa
atitude.

— E eu não sabia que você se sentia insegura. Você parece confiar

tanto em si mesma, saber o que quer, saber para onde vai! Mas acho que
não foi insegurança o que a fez duvidar de Janos. Você não o ama simples-
mente porque não sabe como amar!

— Isso não é verdade, Ida! Eu o amo… Isto é, eu o amei — murmurou

Sara. — Mais do que amei, eu o adorei!

— E parou de adorar quando descobriu que ele é um ser humano, co-

mo qualquer outro?

— Ida, por favor, diga-me exatamente onde ele está morando.
— A casa dele é em Milldale, perto de Millwater. O nome da casa é Mill.

Agora, o resto fica por sua conta. Se quiser falar com Janos terá que ir vê-lo,
porque tenho certeza de que ele não vai procurá-la. É muito orgulhoso, mui-
to mais do que qualquer um de nós, e você o ofendeu muito ao rejeitá-lo
duas vezes; talvez ele nem chegue a perdoá-la.


Nos dias que se seguiram ao almoço com Ida, Sara rememorou todas

as palavras que havia trocado com Janos antes de casarem, durante a dis-
cussão que tiveram antes de se separar e depois, quando se encontraram na
Califórnia; e chegou à conclusão de que talvez tivesse se enganado, tirando
conclusões depressa demais.

Quando finalmente admitiu que o erro tinha sido dela, foi mais fácil re-

considerar os prós e os contras de uma reconciliação. Em seu íntimo, sabia
que queria ir correndo para Milldale, dizer a Janos que tinha errado e pedir a
ele a chance de começar de novo.

Mas temia a reação de Janos ao vê-la chegar; ele poderia recusar-se a

ouvi-la; ou rejeitá-la, como ela própria havia feito. Não seria melhor fingir
que não sabia onde ele estava? Ou esquecer o que ida tinha dito e continuar
com o andamento do divórcio?

Os dias de preocupação e as noites sem dormir acabaram por prejudi-

car sua saúde e trabalho. Ficou irritada, perdeu o apetite e emagreceu.

— O que está acontecendo com você? — perguntou Tom Caldwell,

agora diretor-geral. — Tenho recebido queixas sobre você! Ainda está tendo
problemas conjugais?

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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— Se estou tendo problemas, eles são só da minha conta! — ela res-

pondeu, irritada.

— Se começa a afetar o seu trabalho, são também da minha conta —

respondeu Tom. — Para isso sou diretor.

— Então aproveito a presença do diretor para pedir a minha demissão

— ela disse, decidida. Não era uma surpresa essa atitude; desde que voltara
da Califórnia, Sara pensava nessa possibilidade. Começou a abrir gavetas e
juntar seus desenhos já começados, para deixar sua mesa limpa.

— Não vai embora já! — exclamou Tom.
— Vou agora mesmo, neste minuto. Depois escrevo a carta de demis-

são e a mando pelo correio.

— Sara, espere um pouco. Não tome decisões apressadas. Sabe o que

acontece quando age sob um impulso; sempre acaba cometendo erros.
Lembre-se de quando casou com Vaszary; até hoje me culpo por isso. Se
tivesse impedido você de ir com ele para Stonethwaite, ele não teria tido a
chance de convencê-la a casar e sua vida não estaria tão confusa como está
agora.

— Você tem culpa, sim, Tom. Mas é culpado de ser tão desconfiado e

de me fazer ter dúvidas também — ela respondeu. — E o erro que cometi foi
ter ouvido o que você e outras pessoas me disseram a respeito de Janos, em
vez de ouvir a ele e ao meu coração.

— Não pode deixar a Ferris assim, de uma hora para a outra! Perderá

o salário do mês, se agir assim — ele ameaçou, seguindo-a até a porta.

— Que me importa! Estou pensando há muito tempo em me demitir.

Vou trabalhar por conta própria e depois oferecer meus desenhos às fábricas
de tecidos que quiser.

— Vai acabar tendo problemas financeiros. Ainda não está tão conhe-

cida que já possa fazer isso.

— Não se preocupe comigo. Sei como fazer para sobreviver. — E saiu

do escritório, deixando Tom espantado com sua decisão súbita.


Sara se sentia mais leve e despreocupada ao chegar ao estacionamen-

to onde deixara o carro. Olhou para o relógio e viu que eram somente duas
e meia. Não queria voltar para o apartamento onde as dúvidas tomariam
conta dela de novo. Estava uma tarde linda e cheia de sol; iria para a região
dos lagos, que ela adorava e que há tanto tempo não via. Iria para Sto-
nethwaite e lá poderia descansar um pouco e pôr os pensamentos em or-
dem.

Pegou a mesma estrada por onde tinha ido com Janos. Uma chuva fria

e persistente começou a cair quando ela chegou à estrada estreita que leva-
va a Millwater e na qual ela e Janos tinham ficado atolados três anos arás.,
Mas não teve dúvidas e seguiu por ela até chegar a uma subida, depois da
qual viu a Hospedaria do Faisão. A chuva começou a melhorar e um fio de
céu azul apareceu.

Passando pela hospedaria, a estrada continuava a descer e Sara se-

guiu por ela, chegando a um vale muito verde, onde um riacho corria manso
por entre algumas pedras; um pouco mais adiante ele aumentava de volu-
me, formando um pequeno lago. Havia muitas árvores e o sol, saindo por
trás das nuvens de chuva, passava por entre os ramos. No meio das árvo-
res, uma casa antiga, pintada de branco, completava a paisagem.

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

71

Sara estacionou o carro em frente à casa e a examinou; era exata-

mente como se lembrava dela. Ainda estava surpresa por Janos ter conse-
guido comprá-la. Não que ele não tivesse dinheiro para isso — devia ter ga-
nho fortunas durante esses três anos —, mas é que Sara pensava que ela já
tivesse sido vendida há muito tempo!

Não dava para saber se havia gente na casa ou não; mas, como havia

um carro estacionado do outro lado, perto de uma construção baixa que pa-
recia um celeiro, Sara resolveu tocar a campainha. Ninguém veio atender;
então ela bateu na porta com os nós dos dedos, mas também não obteve
resposta. Deu a volta na casa aberta e entrou na casa.

A cozinha estava na maior confusão; havia pilhas de pratos sujos, lou-

ça de vários dias. Sara ficou preocupada; será que Janos estava doente, de
cama, incapaz de tomar conta de si mesmo? Foi depressa para o hall: estava
vazio e empoeirado.

— Alô! Há alguém em casa? — gritou e olhou dentro da sala à sua es-

querda. Para sua surpresa, estava toda decorada e ainda cheirando a tinta.
Uma mesa de jantar nova estava colocada no meio da sala e havia seis ca-
deiras à volta. Um aparador ocupava toda a parede dos fundos. Nas janelas,
havia cortinas novas de veludo azul.

Saindo, Sara atravessou o hall e foi ver a sala que ficava do lado opos-

to. Ainda estava sendo decorada; havia pilhas de rolos de papel de parede
num canto e a madeira das janelas ainda cheirava a tinta fresca.

Novamente no hall, Sara olhou para a escada: estava cheia de pó. De-

vagar, começou a subir os degraus. Chegando em cima, ouviu o roçar do
rolo de pintura sendo passado na parede.

— Janos! — ela chamou. — Onde você está?
— Quem está aí? — a voz era de Janos.
— Sou eu… Sara.
— Quem?
— Sara — ela falou e foi para a porta do quarto de onde tinha vindo a

voz. Torceu o trinco e empurrou a porta, que bateu em alguma coisa e pa-
rou.

— Não… Espere! Não… — Janos começou a falar em húngaro, enquan-

to alguma coisa atrás da porta caía com grande barulho.

— O que aconteceu? — Sara forçou mais a porta e entrou, encontran-

do a escada de alumínio caída. Ao lado da escada, viu Janos sentado no
chão, no meio de uma poça de tinta branca que tinha caído e esparramado.
Janos tinha o cabelo todo respingado de tinta e havia manchas em sua rou-
pa de trabalho.

Contendo-se para não dar risada com a cena, ela perguntou:
— Que está fazendo?
— Estava pintando o teto do quarto, até que você abriu a porta e me

empurrou — ele disse, levantando-se. — Não poderia ter esperado até que
eu descesse da escada e a tirasse do caminho para você entrar?

— Como é que eu podia adivinhar o que você estava fazendo? Quando

não o encontrei lá embaixo, achei que podia estar doente, de cama. Não sa-
bia que você era capaz de pintar uma casa!

— Na verdade, eu não sei; mas estou aprendendo, de tanto fazer! —

ele respondeu.

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— Está pretendendo pintar a casa toda?! — exclamou ela. Nunca, em

toda a vida deles em comum, Sara notara em Janos algum desejo ou habili-
dade para esse tipo de trabalho.

— O que está querendo dizer? Que não sou capaz de fazer isso?
— Não! Não é isso! — ela respondeu rapidamente. — Estou surpresa,

só isso. Parece-me coisa demais para uma pessoa só fazer!

— Tenho quem me ajude. George Kent, lembra-se dele?
— Claro! O dono da Hospedaria do Faisão, não é?
— Isso mesmo. Ele e o irmão estão fazendo o trabalho mais pesado.

Esta semana estão de férias, levando um sobrinho para conhecer a Escócia;
mas logo voltam a trabalhar e o sobrinho também vem. Aproveitei esses di-
as para pintar este quarto. Acho que me distrai e ajuda a passar o tempo.
Mas, como soube que eu estava aqui? — Janos perguntou friamente.

— Ida Williams me contou.
— Não vejo por que tinha que ser tão novidadeira.
— Almocei com ela em Manchester e ela me contou que ela e Gareth

tinham vindo vê-lo.

— Tinha pedido a eles que não contassem a ninguém onde eu estava;

nem mesmo a você.

— Por que não queria que eu soubesse que estava aqui? — O tom frio

de Janos a deixou um pouco desanimada; mas, afinal, o que esperava? Ser
recebida de braços abertos e ouvir Janos dizer que não podia viver sem ela?
— Não vai me dizer por que, Janos? — Ele parecia muito bem, perfeitamente
capaz de movimentar as mãos.

— Porque queria conservar esta casa em segredo até que estivesse

pronta para se morar nela. Aí então daria uma festa de inauguração e você
seria convidada.

— Desculpe por ter me intrometido — Sara respondeu, sentindo o

amor-próprio ferido. Deu meia-volta, saiu do quarto e desceu a escada, zan-
gada consigo mesma porque tinha agido como uma boba, de novo. Tinha
engolido o orgulho para vir e ver Janos e ele não a queria ali.

À medida que descia a escada, ouviu o barulho que vinha do quarto,

enquanto Janos levantava a escada de mão. Já estava no hall, quando ele
conseguiu alcançá-la.

— Não pode sair da casa por aí — ele disse. — A porta está emperrada

e não abre.

Sem pensar em mais nada, Sara se virou para sair pela cozinha, mas

ele ficou no caminho dela.

— Deixe-me passar, por favor — ela pediu, sem olhar para ele.
— Só depois que me disser o que veio fazer aqui.
— Estou indo para Stonethwaite para ver minha tia. Como estava um

dia lindo de verão, resolvi vir por este caminho, para ver a paisagem — res-
pondeu com os olhos baixos, parecendo muito interessada na chave do carro
que tinha na mão. — Ida me contou que você tinha queimado as mãos e en-
tão… eu…

— Venha ver se é verdade. — Havia um tom de brincadeira em sua

voz quando Janos a puxou para perto da janela. — Dê uma boa olhada.

Havia grandes manchas brancas nas mãos dele e cicatrizes que per-

maneciam depois da operação plástica que Janos tinha feito. Sara sentiu-se
tonta. Cobriu o rosto com as mãos para que ele não visse a pena que sentia.

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Livros Florzinha

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— Como pôde deixar que isso acontecesse em suas mãos?
— Não podia deixar uma velhinha morrer queimada, não é? — Depois,

reparando na palidez dela, acrescentou: — Sara, está tão pálida! Parece que
vai desmaiar!

— Estou tentando não cair. Quer me dar um pouco de água, Janos?

Acho que me fará bem!

Janos pôs os braços ao redor dos ombros dela, mas era um toque im-

pessoal, apenas para ampará-la. Há mais de uma semana que ela vinha sen-
tindo esses mal-estares; vinham e iam embora de repente, mas a deixavam
com a boca seca e muita vontade de deitar e dormir.

Janos fez com que ela sentasse no banquinho da cozinha e lhe trouxe

a água. Sara bebeu, enquanto olhava para as paredes descascadas, os ar-
mários quebrados e o chão sujo.

— Essa cozinha está uma bagunça! — ela disse.
— Também acho; mas um dia vai ficar em ordem e bonita.
— Como consegue viver aqui, com essa confusão?
— Não estou morando aqui. Venho todos os dias, faço algum trabalho,

mas à noite vou para a Hospedaria do Faisão. Tenho um quarto lá. — Ao ver
a cor voltar ao rosto de Sara, perguntou: — Está melhor agora?

— Bem melhor, obrigada. — Olhou para ele, à sua frente, de braços

cruzados.

— Janos, poderá algum dia tocar violino como fazia antes?
— Só o tempo vai poder responder à sua pergunta — ele respondeu

friamente. — Tem alguma outra coisa que queira ver ou saber?

Ida tinha razão, pensou Sara; o orgulho dele vai ser uma parede, um

obstáculo a ser vencido. Dessa vez, não havia sinal de que Janos estivesse
disposto a perdoar ou a esquecer. Será que ela tinha errado em vir procurá-
lo?

— Nada mais — respondeu, levantando. — Está na hora de ir embora.
Abriu a porta e saiu; então se virou e viu Janos bem atrás dela, ilumi-

nado pela luz do sol, o rosto marcado por linhas de sofrimento. Mas seus
olhos estavam frios, distantes, não pareciam nem vê-la, não ligavam para
ela.

— Esqueceu alguma coisa? — ele perguntou, indiferente.
— Esqueci de lhe dizer que fiz um pedido de divórcio. Meu advogado

entrou em contato com você?

— Ele falou comigo.
— Mas você não disse nada em resposta.
— Ainda não. Preciso de um pouco mais de tempo. Agora, se me dá li-

cença, vou ver a tinta que derramou lá em cima.

Ele entrou em casa. Sara ficou olhando a porta fechada, pensando que

deveria estar zangada pelo modo como ele a tratara, mas não estava! Sen-
tia-se derrotada porque Janos não tinha agido como ela esperava; porque
ele não tinha usado palavras de amor para seduzi-la; porque ele tinha sido
frio e distante.

Devagar, deu a volta na casa e chegou até o carro. Onde ia agora? Pa-

ra Stonethwaite? Não era isso o que queria; aliás, desde que começara a vi-
agem, não tinha sido essa a sua intenção. Sabia que tinha vindo para ver
Janos porque queria vê-lo e porque esperava que ele a convidasse para fi-

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

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car. Acima de tudo, tinha esperado que ele lhe pedisse que retirasse o pedi-
do de divórcio.

Mas nada disso aconteceu e ela não sabia o que fazer. Sem pensar,

entrou no carro e deu a partida, seguindo para a estrada; virou à direita e
foi para a Hospedaria do Faisão. Havia vários carros estacionados do lado de
fora; era a estação apropriada e deveria haver muitos hóspedes ali. Era bem
capaz de não conseguir um quarto vago, a não ser que…

A idéia que lhe atravessou a mente surpreendeu-a porque não era de

seu feitio agir assim. Ela era tão… tão tímida… mas agora esta lhe parecia a
única maneira de quebrar o orgulho de Janos e chegar perto dele para poder
dizer-lhe que tinha errado. Ela ia tentar seduzi- lo! Teria êxito?

Foi primeiro até a vila, numa loja de artigos femininos. As camisolas

que havia na loja não eram tão atraentes como Sara desejava, mas uma de-
las lhe agradou. Era leve, transparente e fechava no pescoço com um baba-
dinho; as mangas eram compridas e também terminavam por babadinhos.
Parecia um modelo feito para esconder muito, mas, por ser preta e transpa-
rente, não escondia nada. Sara achou que ficaria bastante atraente nela.
Depois de comprá-la, foi para a Hospedaria do Faisão.

Tinha havido muitas mudanças ali. O salão estava aumentado e deco-

rado com enfeites de latão e antiguidades; havia também um novo salão pa-
ra jantar. Sara encontrou George Kent atrás do balcão do bar; ele logo se
lembrou dela.

— Acabou vindo juntar-se ao maridinho, não é? Maggie e eu estáva-

mos pensando em quando você chegaria!

— Ele já chegou? — Sara perguntou.
— Não, ainda está na casa; só vem para cá quando fica escuro.
— Posso subir para o quarto dele e deixar minhas coisas lá? Vou ficar

aqui esta noite, se concordarem.

— Claro que sim — ele disse, risonho. — Quer jantar também? Tenho

que perguntar porque, como está muito cheio, temos que calcular direito.

— Preferia não ter que jantar no salão, mas estou com fome e real-

mente gostaria de comer alguma coisa. Estou muito cansada e prefiro dor-
mir mais cedo.

— A melhor coisa então é ir conversar com Maggie; ela vai ficar muito

contente em vê-la. Ela tem estado muito preocupada porque seu marido es-
tava aqui sozinho e você trabalhando, lá em Manchester. Magda tem idéias
antiquadas e não aprova esses casamentos modernos.

Sara entrou na cozinha e viu Maggie atarefada com o jantar ao vê-la, a

mulher ficou muito feliz.

— Que bom que você chegou! Veio para ficar?
— Vou ficar esta noite, com certeza — respondeu Sara. — Gostaria de

ir para o quarto de meu marido, se for possível. Estou bastante cansada.

— Parece mesmo um pouco pálida. Venha, vou levá-la até lá. Com a

reforma, temos um apartamento separado, e o Sr. Cranston está dormindo
lá; assim, pode entrar e sair sem precisar passar pelo salão. Ele sabe que
você veio?

— Não sabe que vim para ficar — Sara disse de modo vago. — Como

gostaria de fazer uma surpresa para ele, peço-lhe que não diga nada quando
ele chegar.

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Livros Florzinha

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— Pode contar comigo! — respondeu Maggie, parecendo uma criança

de posse de um segredo importante. — É possível também que ele venha
para cá direto e eu nem o veja! — Chegaram ao fim da escada e Maggie
abriu a porta do quarto.

— Para mim, este é o quarto mais aconchegante que temos. Quer co-

mer alguma coisa?

— Preferia não ter que ir até o salão de jantar — disse Sara, olhando o

quarto decorado com cobertas e cortinas floridas; num canto, havia uma
mesa e duas cadeiras.

— Então, quando quiser, dê um pulo até a cozinha e eu lhe darei al-

guma coisa para comer lá. — Olhando para Sara, Maggie comentou: — Está
mais magra do que era; talvez esteja trabalhando demais. Por que não de-
siste de tudo e vem ficar com seu marido? — Foi para a porta e tornou a di-
zer: — Desça assim que quiser comer.

Duas horas mais tarde, depois de ter comido na cozinha, Sara voltou

para o quarto. Estava começando a anoitecer, mas Janos ainda não tinha
voltado. Sara tomou um banho morno, depois vestiu a camisola nova; gos-
taria de ter um espelho grande para ver como estava. A camisola preta favo-
recia sua pele branca, mas havia frieza em seus olhos.

“Frios e claros como o mar, até que você sorri; então, seus olhos bri-

lham como o sol. Deveria sorrir mais vezes. Fica muito bonita quando sorri!”

As palavras de Janos lhe vieram à memória; ele as dissera naquela

manhã em que tinham decidido ir a Stonethwaite. Ela não se sentia bonita
agora! Seus lábios tremiam e havia lágrimas em seus olhos. Como podia pa-
recer atraente aos olhos dele?

Esforçou-se para sorrir, mas pareceu tão artificial, que ficou pior. De-

sanimada, acabou pegando o livro que tinha trazido do salão e foi deitar;
arranjou os travesseiros para ficar recostada e tentou ler.

Meia hora mais tarde já estava cochilando sobre o livro. Tratou de

despertar; pegou seu relógio e viu que já eram nove e meia. Lá fora já esta-
va quase completamente escuro e ela podia ver estrelas no céu, através da
janela aberta. Esperava que Janos chegasse logo. Mesmo que ele resolvesse
jantar primeiro, na certa iria antes para o quarto para tomar banho e trocar
de roupa!

Sr. Cranston! Sara deu um sorriso ao pensar nisso; ele era mesmo en-

graçado! Preferia usar o nome dela em vez de deixar que os Kent soubes-
sem que ele era o grande violinista Janos Vaszary!

O que os críticos e o público que o adorava diriam se soubessem que

ele estava se escondendo num lugar pequeno, onde ninguém o conhecia, e
passando seu tempo reformando uma casa velha? Ninguém ia compreender
essa atitude.

Sentindo que seus olhos estavam fechando de novo, Sara apagou a

luz. Por que será que se sentia tão cansada ultimamente? Talvez estivesse
correndo demais de um lado para o outro, esquecendo-se de tomar todas as
refeições e dormindo pouco. Lembrava de ter lido, em algum lugar, sobre os
motivos pelos quais uma pessoa se sente sem vitalidade. Suas pálpebras
foram ficando pesadas, os pensamentos confusos e num instante ela estava
dormindo profundamente.

O sono levou-a de volta ao concerto na Califórnia, sentada ao lado de

Glenn Bixman. Ainda podia sentir o ombro dele encostado no seu: podia ain-

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Livros Florzinha

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da ouvir as notas suaves de uma melodia tocada no violino; era a mesma
melodia romântica que tinha ouvido Janos tocar pela primeira vez, quando
se conheceram.

Abriu os olhos depressa, esperando ver o teatro da universidade e o

pessoal elegante que estivera na platéia naquela noite. Mas o que viu foi a
luz do sol ainda pálido, entrando pela janela do quarto, e a figura da cabeça
de um homem de ombros largos, que tocava violino.

Piscando muito, Sara achou que isso ainda era parte de seu sonho.

Mas a música continuava, agora em tons mais alegres e vibrantes, e a clari-
dade persistia. Era já de manhã e Janos estava mesmo tocando violino. Ela
se sentou na cama. O travesseiro ao lado tinha ainda as marcas de ter sido
usado e os lençóis estavam jogados um pouco por cima dela. Olhando-se,
viu que vestia a camisola preta. O que havia acontecido naquela noite? Ela
não conseguia se lembrar de nada!

— O que aconteceu? Diga, Janos, o que aconteceu? — gritou, segu-

rando a cabeça com as mãos. — Não consigo me lembrar de nada!

Janos parou de tocar, abaixou o arco e depois se virou para ela. Como

ele estava de costas para a luz, era difícil perceber sua expressão.

— O que aconteceu… quando? — ele perguntou, muito frio. Colocando

o violino na mesa, chegou perto da cama e olhou para ela com curiosidade.

— O que aconteceu ontem à noite? — ela murmurou. Achava que seria

impossível esquecer, se tivessem feito amor! Além disso, ela saberia dentro
de si mesma e não estaria assim fria, gelada e tímida como se sentia agora.

— Não sei exatamente o que você quer saber — Janos respondeu —,

mas quando vim deitar você estava aqui, dormindo profundamente; não quis
acordá-la para perguntar o que estava fazendo aqui. Por isso, pergunto ago-
ra: Por que está aqui na minha cama, Sara, e vestida com essa camisola? —
Ele deu um sorriso quando se sentou na beirada da cama, perto dela.

Sara se encolheu na cama; no escuro, teria coragem de procurá-lo e

demonstrar sua paixão, mas em pleno dia claro ela se sentia inibida demais
para deixar transparecer qualquer sentimento.

— Achei… achei… que poderíamos conversar, se… se eu o esperasse

aqui — ela respondeu com dificuldade, evitando olhar para ele. — Mas de-
morou muito para chegar e acabei dormindo.

— Se soubesse que estava aqui, esperando por mim, teria vindo mais

cedo — Janos falou, a voz suave, inclinando-se para mais perto dela. Sara
olhou-o com desconfiança e, no mesmo instante, ele recuou.

— Não acredita em mim, não é? — acusou-a com aspereza. — Você

nunca acreditou em mim! Meu Deus, por que ainda tento…

Interrompendo a frase no meio, ele levantou, abriu uma das gavetas

da cômoda com violência e pegou uma camisa limpa. Sara observava Janos
se vestir sem saber como agir.

Levantou-se e se aproximou dele; os contornos de seu corpo eram

perfeitamente visíveis através do tecido fino da camisola. Um raio de sol al-
cançava seu cabelo e ele brilhava como fogo.

Janos tinha uma expressão tão carregada que era suficiente para deter

qualquer pessoa. Ela sempre se sentira amedrontada por ele, ainda mais
quando tinha essa expressão no rosto. Mas ainda preferia enfrentar a fúria
dele do que agüentar a indiferença com que havia sido tratada no dia anteri-
or. E se ele ainda era capaz de ter esses momentos de raiva, era porque não

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O Cigano que eu amei… – Flora Kidd (Sabrina 188)

Livros Florzinha

77

estava deprimido, como Ida dissera. Continuava sendo o mesmo homem
impetuoso, exuberante e violento com quem ela tinha casado.

— Acredito em você, Janos. Agora acredito mesmo em você — ela fa-

lou com sinceridade. — Durante muito tempo não acreditei, mas agora sei a
verdade.

— Nunca confiou em mim — ele ainda reclamou, enquanto abotoava a

camisa.

— Também não, a princípio, mas agora é diferente.
— Nunca me amou.
— Isso não é verdade, Janos. Amei você desde o início, mas… mas não

pude acreditar que você me amava da maneira que eu queria ser amada. Eu
nunca vinha em primeiro lugar para você; sua música e carreira vinham
sempre antes que eu. Por isso… — Ela parou, pensando; estava cometendo
o mesmo erro: deixando que ele se afastasse dela!

Sara deu um passo para frente, chegou mais perto e segurou a mão

dele entre as suas; tocou nas cicatrizes com muita delicadeza, como se esse
toque pudesse fazê-las desaparecer por milagre.

— Ainda tem dedos maravilhosos — murmurou, encostando-se nele

até que seus corpos estivessem bem unidos e seus seios ao alcance da mão
dele. — Pude sentir a magia de sua música, há pouco, quando tocou o violi-
no. Gostaria de sentir essa magia que só você é capaz de transmitir. Ponha
sua mão em mim, Janos, e deixe-me senti-la.

Sara se sentia muito tímida e escondeu o rosto para que ele não visse

como estava corada. Com uma das mãos, começou a desabotoar a camisa
de Janos e encostou o rosto naquele peito forte, sentindo o cheiro másculo
de que tanto gostava; acariciou-o com as mãos e sentiu na língua o calor do
corpo do marido.

Por alguns momentos Janos ficou indiferente e Sara se assustou; pre-

parou-se para ser rejeitada, mas não parou de acariciá-lo com as mãos, com
a língua. Então, deixando escapar um profundo suspiro, ele abraçou-a e co-
meçou a embalá-la como se estivesse consolando uma criança.

E a paixão explodiu dentro dele; suas mãos desceram pelas costas de

Sara até chegar às nádegas; apertando-as, Janos uniu ainda mais o corpo
dela ao seu. Sara inclinou a cabeça para trás, os lábios entreabertos num
convite, e pôde ver a expressão dele: não era mais de raiva, mas de um de-
sejo enorme. Janos colocou os lábios sobre os dela, sugando-os.

De repente, estavam deitados na cama; a camisola de Sara foi rasga-

da, mas ela nem se incomodou com isso. Agora, a única coisa que importava
era mostrar a Janos que o amava. Entre os dois, só havia paixão e desejo;
seus lábios estavam unidos, seus corpos colados e um fogo crescendo den-
tro deles, até que chegaram ao momento supremo da completa satisfação;
nada mais existia no mundo a não ser o amor que eles partilhavam.

Quando se deu conta de si novamente, Sara se sentiu feliz.
— Agora, que veio para mim, significa que confia em mim, Sara? —

Ele perguntou, começando a fazer carinhos nela.

— Claro que sim — ela murmurou, virando para ele.
Era fácil agora falar, pedir desculpas pelo erro que cometera e dizer

como havia sido boba em confiar em outras pessoas e não nele; Sara se
sentia segura do amor de Janos e achava que tinha que falar tudo de uma
vez só, para que não restasse nenhuma dúvida entre os dois.

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— Se pelo menos você tivesse dito que fora aceito como imigrante,

que seus papéis estavam em ordem… — ela disse. — Se soubesse disso, ja-
mais teria dado ouvidos a Tom e a Davina e teríamos evitado muito sofri-
mento.

— Já tinha dito antes a você que meus papéis estavam em ordem —

ele respondeu. — Mesmo assim, você duvidou e meu orgulho ficou ferido;
não podia admitir que confiasse mais nos outros do que em mim!

— Mas você nunca negou que tinha feito um acordo para casar com

Cecília!

— Não podia, na ocasião. Realmente tínhamos feito um acordo, mas

eu esperava poder quebrá-lo assim que falasse com ela.

— Ia quebrar o compromisso fingindo estar apaixonado por mim?
— Aí é que você está enganada; se procurar lembrar como as coisas

aconteceram, vai ver que eu já estava apaixonado por você muito antes de
saber que Cecília tinha casado com Philip. Gostei de você desde aquela ma-
nhã em que acordei em seu apartamento e a vi inclinada sobre mim; fiquei
apaixonado, apesar de você ter tentado me enganar, não querendo me levar
para ver Cecília. E agora, pela terceira vez, estou me apaixonando por você!

— Terceira? Quando foi a segunda?
— Na Califórnia, quando vi você sentada na platéia.
— Podia mesmo me ver?
— Não em detalhes, mas Cecília tinha dito onde você ia sentar e então

toquei a serenata especialmente para você.

— Se eu não tivesse vindo ver você ontem à tarde, teria mesmo me

mandado um convite para a inauguração da casa?

— Talvez — ele respondeu, para brincar com ela. — Mas você veio e

agora a nossa separação acabou. Nunca mais vamos deixar que alguma coi-
sa se interponha entre nós dois; a não ser que você precise voltar a Man-
chester, por causa de seu trabalho.

— Já não tenho mais um trabalho em Manchester.
— Por que não?
— Porque pedi minha demissão, ontem. De repente, achei que ele já

não era mais importante para mim.

— E agora, o que vai fazer?
— Vou ficar com você e ajudá-lo com a casa; há tanta coisa a ser fei-

ta! O pouco que vi pronto me pareceu lindíssimo, mas não acha que escolhi-
do a dois vai ficar ainda melhor?

Ele beijou-a de novo, feliz por poder contar com o amor dela, agora de

uma maneira definitiva.

— Além disso, o lugar aqui é muito bonito, e podemos sair andando

por aí e ir descobrindo cantinhos só nossos.

— Estou adorando os planos — ele falou. — Conte mais.
— O importante, Janos, é que vamos fazer tudo juntos: cuidar para

que a casa fique pronta, descobrir novos lugares, comer juntos, dormir jun-
tos.

Janos deu risada ao ver que Sara estava começando a perder a timi-

dez e já se sentia capaz de mencionar a palavra “cama” sem ficar corada.

— Então, vou tirar uns dias de folga — ele sugeriu com um sorriso.
— Isso me parece ótimo. Assim teremos tempo para passear bastante

e conhecer todo o arredor.

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— Acho que tenho outros planos para o tempo livre.
— Outros planos? Como assim?
— Vou passar o dia todo fazendo carinhos em você para compensar o

tempo perdido.

Trocaram novo beijo, como se achassem que nunca iam se sentir sa-

tisfeitos; somente muito juntos é que estavam realmente felizes.

— Vou aproveitar a nossa folga para acariciá-lo muito, mas vou insistir

em que você se exercite no violino, até que possa voltar a tocá-lo como fazia
antes.

— Vai levar tempo — ele disse, triste.
— Que importa o tempo, se estamos juntos e se você pode voltar a to-

car como sempre fez? Quando você já tiver chegado a esse ponto, vou fazer
a tour dos concertos junto com você. Estarei na platéia e quero que toque
para mim, como fez na Califórnia.

— Minha querida, vai ser tão bom!
— E não pense que vou ficar longe de você outra vez! Não quero mais

ficar para trás; onde você for eu irei. Estou livre de qualquer outro compro-
misso, e posso ir onde quiser, quando quiser e demorar o tempo que quiser.
Portanto, meus planos são os seus planos; só quero fazer o que você quiser.

Sara ficou um pouco parada, impressionada em ver como era fácil fa-

lar com ele agora.

— Isso é tudo o que quero — ela disse, encostando a cabeça no peito

dele, aproveitando aqueles momentos de intimidade. — Se é que você tam-
bém quer assim!

— É muito mais do que eu podia desejar — ele respondeu, passando a

mão pelos cabelos de Sara. Janos estava surpreso com a mudança dela e
sabia que só o amor poderia causar essa transformação.

— Tem certeza, Janos?
— Certeza absoluta. — Ele ajeitou-a cm seus braços e começou a falar

baixinho: — Desde que machuquei as mãos tive muito tempo para pensar;
sobre você, a maior parte do tempo, mas também sobre mim mesmo. Che-
guei à conclusão de que é muito importante tocar em público, gosto muito
de fazer isso. Mas não é mais importante do que você. A música não vem
mais em primeiro lugar para mim; agora você ocupa esse lugar. Amo você,
Sara. Amo-a demais mesmo e gostaria que nós dois pudéssemos começar o
nosso casamento de novo, sem dúvidas, sem erros, só com muito amor!
Vamos construir uma vida só nossa, sem influências externas, juntos, muito
juntos.

— Também é o que quero — ela exclamou, recostando-se feliz no peito

do marido.

— Gostaria muito também que tivéssemos filhos — ele murmurou no

ouvido dela. — Espero que Deus nos permita tê-los.

— Também desejo muito filhos.
Trocaram um novo beijo ardente e apaixonado e novamente sentiram

a onda do desejo crescendo dentro deles. Enquanto se entregava, Sara ficou
pensando se aquele estranho mal-estar que estava sentindo ultimamente
não seria a bênção de Deus para o casamento deles! Ela podia estar grávida!
Podia ter concebido naquela noite de amor, na Califórnia!

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Livros Florzinha

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Mas haveria tempo de sobra para contar a novidade a Janos; queria

primeiro ter certeza absoluta de que realmente iam ter um filho! E agora,
que estavam juntos, teria todo o tempo do mundo para conversar com ele!

Seus corpos se uniram e se perderam na imensidão do amor que sen-

tiam.

F

IM







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