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Brincando com o fogo(PASSIONATE ENCOUNTER) Flora Kid
Sabrina no. 94

Livros Florzinha

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O pai de Caroline queria casá-la à força com um americano rico, com quem
ele tinha negócios. Revoltada, Caroline resolveu fugir de Bilbao, na
Espanha, onde morava, pensando em refugiar-se nas montanhas, na casa
de sua antiga babá. Lá, ela encontrou Pio Viroda, um homem atraente e
muito estranho, que também estava ali para se esconder de alguém.
Embora Pio a amedrontasse, Caroline ficou ao lado dele. Mas, quando Pio a
beijou, ela percebeu que tinha se apaixonado à primeira vista. E agora?
Deveria confiar em Pio? Estava certo entregar-se de corpo e alma a um
homem que talvez estivesse fugindo da polícia?

Brincando com o fogo

“PASSIONATE ENCOUNTER”

Flora Kidd


CAPITULO I

- Eu não vou casar com Billy Van Dorman e você não pode me
obrigar!
A voz de Caroline Morondo era alta e desafiante. Seu rosto estava
vermelho, os olhos azul-escuros brilhavam e ela encarava o pai,
Joseph Morondo, um industrial basco que era também membro do
serviço público. Ele estava do outro lado do elegante

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salón de sua casa, nas vizinhanças da cidade de Bilbao, na Espanha.
- Eu não vou ser obrigada!
- Obrigada? - O rosto de Joseph era bonito, mas estava
congestionado e vermelho. - Obrigada? - repetiu ele, fazendo uma
pausa para tomar fôlego. - Caroline, eu sou
seu pai e ordeno que você. . .
- É este o problema - respondeu a filha rebelde. - Você está sempre
mandando. Mas não tem o direito de mandar mais
em mim. Não tem nenhum direito sobre mim agora.
Já estou crescida. Sou uma pessoa adulta e tenho os meus próprios
direitos. Só eu posso escolher com quem quero casar.
- Não, enquanto depender financeiramente de mim - replicou
Joseph, raivoso, e ela ficou tão pálida como se tivesse sido atingida
por um tapa. - Você vai fazer o
que eu mando e casar com o homem que escolhi.
Ele se afastou, passando as mãos nos cabelos castanhos e macios
que já começavam a ficar grisalhos nas têmporas.
- Diós - murmurou. - Eu devia ter tido o bom senso de não deixar
que Margareth me convencesse a mandar você para
aquela escola inglesa. Você teria ido para um internato
aqui na Espanha, onde as boas freiras lhe ensinariam como respeitar
seus pais e a obedecê-los em tudo.
- E me ensinariam também que devo casar com um homem que não
amo? Duvido muito - retrucou Caroline e ele voltou a olhá-la de
frente.
- Amor? É sobre isso que estamos discutindo? Você quer me dizer
que não vai casar com Billy porque não o ama? Por Diós, nunca ouvi
uma bobagem tão grande em toda a minha vida!
- Não é bobagem. É como eu me sinto!
- Mas as pessoas não casam por amor - respondeu Joseph. Casam
por segurança, para terem uma companhia. . .
- Foi por estes motivos que você casou com a minha mãe? ela
perguntou e percebeu que ele empalidecia. - Sempre acreditei que

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você a amasse muito. Tanto, que estava preparado para romper
todas as tradições e casar com uma estranha, uma mulher
estrangeira, uma inglesa que não ia lhe trazer fortuna nem bens,
apenas a beleza que ela possuía.
- Caroline, isso não tem nada a ver com o que estamos discutindo
- disse ele, mal-humorado.
- Não tem? Oh, eu acho que tem, e muito. Você condena a minha
educação e acha que ela é a culpada pelo meu modo de agir. Mas eu
me pareço mais com você do que pode acreditar. Não vou ser
coagida a nada e não vou casar com Billy.
- Mas, querida, já está tudo combinado, agora. Os convidados podem
começar a chegar a qualquer hora! - A frase foi dita por uma voz
suave, em inglês, e pertencia à mulher que estava sentada
calmamente no braço de uma poltrona, escutando a discussão
entrepai e filha. Apesar de estar com pouco mais de cinquenta anos,
Margareth Saunders, tia e madrinha de Caroline, parecia muito mais
nova. Seu corpo era esguio e o cabelo acinzentado brilhava
bastante. Usava um vestido de seda bege, enfeitado com bolinhas
pretas. Os olhos eram azuis e profundos e estavam pousados na
sobrinha, com uma expressão enigmática.
- Oh, você também não me compreende! - exclamou Caroline.
Você quer este casamento tanto quanto ele! - Olhou, desesperada
para o pai e deu um longo suspiro. - Estou tentando dizer a ambos,
faz algumas semanas, que não quero
casar ainda. Não estou preparada. Há muitas coisas que quero
fazer, muitos lugares para visitar, muitas pessoas que quero
conhecer.
Você pode fazer tudo isso depois que casar com Billy - disse
Margareth suavemente. - Caroline, minha querida, isso que você
está sentindo é muito normal. São os medos que surgem pouco antes
do casamento. Todos nós sentimos isso. Por que você não vai jogar
uma boa partida de ténis e arranja algumas coisas que a mantenham
ocupada nos próximos dois dias? Vai se sentir diferente quando

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encontrar Billy novamente. Vocês ficaram separados por muito
tempo, eu sei, mas não se pode evitar isso. Vamos fazer um ensaio
do casamento amanhã, depois organizaremos uma reunião com
danças e você vai se sentir muito melhor.
Caroline ficou olhando a tia. Será que ela acreditava mesmo no que
estava dizendo? Será que não entendia nada? Virou-se e olhou o pai.
Ele a estava observando com os olhos castanhos e frios. Ele não
quer me entender!, pensou. Para ele, sou apenas um peão no jogo dos
negócios que quer fazer com o pai de Billy. Sou um peão e apenas
isso, movido para frente e para trás no tabuleiro, para pegar um rei.
Não aceitam que eu tenha nenhum sentimento próprio.
Aquelas eram as duas pessoas mais próximas dela. As únicas para as
quais podia correr na hora em que precisasse, e as duas tinham
falhado. com uma exclamação de aborrecimento, correu para o
elegante corredor, todo enfeitado com quadros caríssimos. Abriu
com força as portas do seu quarto e parou para respirar, cansada,
sua mente procurando um caminho, uma solução para o problema que
tinha de enfrentar: como evitar aquele casamento com Billy Van
Dorman?
- Maria? - chamou, abrindo a porta da pequena sala que comunicava
com o quarto. Não havia ninguém lá. - Maria? - chamou novamente,
abrindo a porta do quarto de vestir. - Maria, onde você está? -
Abriu a porta do banheiro e olhou para dentro. Estava vazio.
Ótimo. Sua empregada, Maria, tinha ido conversar na cozinha,
provavelmente. Conversar sobre ela e os boatos do próximo
casamento, não tinha dúvidas. Foi até o quarto de vestir, pegou uma
mala de couro, agarrou rapidamente algumas roupas dos cabides e
jogou-as lá dentro. Pegou um par de sapatos e juntou-o às roupas,
fechando a mala.
Levou tudo para o quarto, escolheu uma bolsa, onde colocou todo o
dinheiro que tinha, alguns cartões de crédito, um talão de cheques e
alguns cosméticos. Olhou as roupas que estava usando, uma saia
rodada de lã estampada e uma blusa de seda rosa. Elas serviam, mas

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ia precisar de uma capa de chuva. Chovia muito nas montanhas,
conforme ela se lembrava. Voltou ao quarto de vestir, escolheu uma
capa clara de algodão, impermeável, enfiou uma echarpe rosa em um
dos bolsos, jogou a capa sobre os ombros e dirigiu-se ao quarto.
com a mala na mão, saiu cuidadosamente para a sacada. Não havia
ninguém por perto. Pisou levemente na grade de ferro e foi
descendo. No chão, dirigiu-se rapidamente a uma porta lateral que
dava entrada para a garagem, onde havia quatro carros grandes.
Entrou na garagem com cuidado, temendo que o pai ainda não
tivesse saído para ir à fábrica onde trabalhava. Se assim fosse, o
chofer estaria dormindo na garagem. Para sua sorte, havia alguns
vasos grandes, atrás dos quais se escondeu enquanto examinava o
ambiente. Sentiu-se aliviada ao ver que o carro grande do pai já
havia saído. Deixou o esconderijo e caminhou para o seu próprio
carro, um Mercedes esporte que o pai lhe havia dado no último
aniversário. Em poucos segundos estava manobrando e saindo em
direção aos portões de ferro da casa, com uma sensação de
liberdade e até um pouco alegre.
Dirigiu o resto da manhã e toda a tarde em direção ao leste. Era um
longo caminho até os Altos Pirineus, muito mais distante do que ela
tinha pensado. Quando se aproximou da cidade de Elbarra, próxima
da passagem através das montanhas que levava à França, sentiu-se
cansada e com fome.
A chuva que tinha molhado toda a paisagem havia diminuído. Ao
longe, os picos úmidos das montanhas reapareciam com certo brilho
do sol, que já despontava atrás de uma nuvem.
O mesmo brilho se refletia nos telhados vermelhos da igreja e das
pequenas casas branquinhas da cidade, que estava situada no meio
de uma plantação de milho. Também a superfície do asfalto na
estrada começara a brilhar.
Ofuscada pelo sol recém-saído de trás da nuvem, Caroline teve de
frear o carro rapidamente quando duas crianças atravessaram
correndo a estrada. O menino e a menina ficaram olhando

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assustados, sorridentes e alegres. Como ela queria ser uma criança
novamente!
Mas não tinha sido por isso que ela havia escolhido aquele caminho?
Não estava procurando a alegria inocente que já tinha
experimentado quando passou todo o verão
na velha casa da fazenda, perto daquela cidade, oito anos atrás?
Depois da igreja, com sua torre pontuda e seu campo de futebol
uma para servir o espírito, o outro para o corpo, pensou ela -,
dirigiu-se para a rua principal, cheia de casas velhas, telhados
cobertos de limo e janelas pequeninas. Não havia ninguém na rua
àquela hora da tarde, mas ela tinha
a estranha sensação de que estava sendo observada, através
daquelas janelinhas estreitas, por habitantes que observavam e
comentavam. Quem estaria passando naquela
cidade perdida em um carro tão caro? Caroline mordeu o lábio. Não
queria ser questionada, não queria que ninguém soubesse onde
estava não ainda.
A cidade ficou para trás. A estrada chegava até os pés de um
morro, ia ficando cada vez mais estreita e terminava abruptamente
na beira de um barranco cheio de castanheiros,
repletos de botões corde-rosa. Caroline estacionou o carro sob
alguns galhos que pingavam água da chuva e ficou sentada, ouvindo
as gotas que caíam sobre o teto.
Não havia nenhum lugar onde pudesse esconder o carro, por isso
resolveu deixá-lo ali. Saiu, foi ao porta-malas, retirou a bagagem e
começou a subir por atalhos cheios de curvas.
A chuva tinha deixado o chão enlameado e as sandálias de couro
bege dela não eram muito adequadas para longas caminhadas. Mas
decidiu não parar para trocar de sapatos.
Estava ansiosa para ver Mati.
Depois de chegar no topo do barranco, seguiu em direção a um
pequeno bosque de pinheiros. Os troncos das árvores eram escuros
e deixavam passar a umidade; o chão estava atapetado com as

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folhas secas dos últimos anos.
Quando saiu do bosque, parou um pouco e olhou para o vale que se
abria à sua frente. Um raio de sol - que fazia com que as montanhas
brilhassem - se refletia nas janelas de uma velha casa de pedra,
chamada Esker Ona, em idioma basco, que significa "obrigado de
bom coração". Era ali que Mati morava com seu velho pai, Chemarc
cujos antepassados tinham sido donos daquelas terras durante
gerações.
Cruzando o campo em direção à casa, Caroline passou na frente de
um pombal com suas torres e viu uma pequena árvore que esticava
seus galhos em direção aos carvalhos
gigantescos. Perto havia uma pequena cabine construída com
pedras, cujo telhado estava um pouco caído. Um pouco além estavam
os mastros onde, no outono, eram penduradas
as redes para caçar os pombos selvagens, na migração que faziam
da Escandinávia para o clima quente da Espanha.
Foi quando chegou perto da casa que percebeu os sinais de
abandono. O branco das paredes estava sujo e descascado em
vários lugares, mostrando a pedra cinzenta que havia embaixo. O
jardinzinho onde Mati cultivava verduras e flores estava cheio de
mato e folhas secas. Não havia nenhum tamanquinho de madeira no
lugar onde deviam estar pendurados. O lugar parecia deserto. Mas
havia um fio de fumaça saindo da chaminé, indicando que alguém
ainda vivia na casa.
Caroline olhou pela janela mais próxima e ficou aliviada ao ver que lá
dentro havia um fogo aconchegante e luz vinda das velas acesa nos
castiçais. Então, sabendo que ali as portas nunca ficavam trancadas,
abriu e entrou. Logo o cheiro da sopa, que estava sendo preparada
num caldeirão, fez com que sua boca se enchesse de água
e ela lembrou que não tinha comido desde que saíra de Bilbao.
Colocou a mala no chão e olhou em volta. A mesa de madeira antiga,
que Mati sempre cobria com uma toalha branca na hora das
refeições, estava posta para uma pessoa, com o garfo, a colher e o

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guardanapo colocados diretamente sobre o tampo da mesa.
- Mati? Onde você está? - Caroline perguntou em espanhol, a língua
que ela tinha aprendido quando criança, no colo de Mati.
- Adivinhe quem veio aqui ver você? - acrescentou, forçando um tom
alegre na voz, tentando manter longe o sentimento desagradável de
desânimo que insistia em atingi-la, sugerindo que Mati talvez não
estivesse lá.
O som de passos sobre as pedras, atrás dela, fez com que se
virasse de repente, cheia de esperança, os lábios abertos em um
sorriso. Mas o sorriso desapareceu rapidamente e ela sentiu que
seus cabelos arrepiavam de medo. Pois, em vez da figura simpática e
rechonchuda de Mati, o que ela viu atrás de si foi o corpo alto e
másculo de um homem de ombros largos e quadris
estreitos, uma sombra escura que se projetava contra a luz do sol
poente.
Ele ficou ali parado durante alguns momentos, com as mãos na
cintura. Depois entrou e fechou a porta atrás de si. Encostou na
porta, tirou sua boina basca da cabeça, cruzou os braços e ficou
olhando para ela.
Na escuridão iluminada apenas pelo fogo, não era fácil ver os
detalhes. Ela teve a impressão de que ele tinha rosto fino e nariz
grãnde. Vestia um suéter de jérsei,
com gola role, cuja cor podia ser marinho ou preta, assim como a da
calça. Tinha um cigarro nos lábios e era muito jovem para ser o pai
de Mati.
Falou de repente com ela, no idioma basco, que é totalmente
diferente do francês e do espanhol.
No entiendo - respondeu ela, colocando as mãos nos bolsos
da capa, erguendo o queixo e fingindo sentir uma confiança que não
existia. Não gostava do jeito com que ele tinha se aproximado da
casa, tão silencioso. Tinha chegado não sabia de onde, pois não havia
ninguém por perto, nem nos campos que rodeavam a casa. E,
principalmente, ela não gostava do modo como ele estava encostado

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na porta, impedindo que ela saísse da casa. - Eu falo espanhol, inglês
e francês - acrescentou. - Onde está Mati?
- Mati? - Ele parecia surpreso.
- Sim. Mati Viroda. Ela mora aqui.
- Não mora mais. - A voz dele era rouca, talvez porque fumasse
demais. - Mati morreu há alguns meses.
- Oh! Não! - Na sua tristeza ela falou automaticamente em inglês.
As lágrimas lhe apareceram nos olhos e rolaram pelas faces. Mati
estava morta e agora não havia ninguém para ampará-la. com as
costas da mão limpou as lágrimas e suspirou. Mati, para quem ela
tinha vindo correndo na hora da confusão e necessidade de apoio,
tinha partido; já não estava mais ali para lhe alisar os cabelos e
cantar velhas canções bascas. O frio da morte tocava Carolinc pela
primeira vez na vida e, com um pequeno soluço, ela cobriu o rosto
com as duas mãos, sem se importar mais com aquele homem que
continuava encostado na porta, em silêncio.
- Eu não sabia - murmurou baixinho, enquanto tentava se recompor.
- Por que você veio aqui, procurando por ela? - perguntou ele.
- Eu esperava ficar com ela alguns dias. - Olhou a casa e lembrou do
tempo de paz e quietude que havia passado lá. - Mas como Mati não
está mais aqui, vou embora - murmurou, tentando pegar a mala.
Sua mão não chegou até a alça, pois ele deu um forte pontapé na
mala, fazendo com que ela deslizasse pelo chão encerado.
Atónita, com os olhos arregalados e a boca aberta, Caroline sentiu
pânico. Olhou diretamente para ele, que ainda estava encostado na
porta, mas tinha tirado o cigarro da boca e o segurava entre os
dedos.
- Não ainda - disse ele friamente. - Diga-me como conseguiu chegar
até aqui.
- De... carro - retrucou ela. O orgulho que tinha herdado do pai
estava conseguindo ajudá-la. Respirou fundo, ergueu a cabeça com
um ar de arrogância típico de Joseph Morondo e perguntou:
- Quem é você?

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- Sou o dono da casa - respondeu ele.
- Não pode ser. Ela pertence ao pai de Mati. Onde ele está?
- Ele também morreu há alguns anos - disse com um sorriso irónico.
- É um hábito que as pessoas têm, você sabia? Elas morrem quando
ficam velhas. Ele estava com noventa e nove anos.
- Se você é o dono da casa, então você também é um Viroda disse
ela. - É um dos sobrinhos de Mati? Ela tinha muitos, eram os filhos
dos dois irmãos de Mati, Júlio e Pedro.
- Si. Sou um dos sobrinhos de Mati. - Novamente o sorriso irónico
apareceu no rosto dele, como se a tivesse achando muito divertida.
Mesmo assim continuava agressivo. - Onde deixou o seu carro? -
perguntou.
- No fim da estrada. Andei pelos campos e pelo bosque. Não sei de
nenhum outro caminho para chegar até aqui.
- Já esteve aqui antes? - A surpresa transparecia na voz dele.
- Si, Há oito anos. Estive doente e disseram que o ar da montanha
fazia bem. Mati era a minha babá. Ela me trouxe aqui. Foi muito
divertido e eu pensei... - Caroline se interrompeu bruscamente,
arrependida.
Esperava se divertir novamente - ele acrescentou, ríspido. De onde
você veio?
- De Bilbao - respondeu e imediatamente desejou ter dado o nome
de qualquer outra cidade. Se seu pai tivesse publicado alguma coisa
sobre seu desaparecimento, como ela achava que ele tinha feito, já
teriam mencionado o caso no rádio e aquele homem poderia ter
ouvido.
É bem longe - ele comentou. Falava em espanhol, mas com
um ligeiro sotaque norte-americano, e usava frases que não eram
comuns na Espanha. - Deve estar cansada e com fome, não?
- Sim, estou. - Ela olhou em direção da mala e uma suspeita cruzou
sua mente. Havia um sobrinho de Mati que tinha feito algo errado e
tivera de sair do país há alguns anos. Será que era este? Ele era
agressivo e rebelde. Seu nome era Pio, o filho de Júlio. Ela voltou a

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olhá-lo.
Ele ainda a observava, como um falcão observa um pombo. - Há
algum. . . não consigo me lembrar. Há alguma pensão na cidade, onde
eu possa ficar esta noite? – perguntou ela.
- Não há nenhuma pensão. Você pode ficar aqui - disse ele, tentando
ser cortês.
- É gentil o seu oferecimento, mas não acho que deva aceitar. Não
quero causar problemas. . . - Caroline estava nervosa.
- Não será nenhum problema. Há uma cama no quarto vago onde
provavelmente você dormiu quando veio aqui. Não leva muito tempo
colocar lençóis limpos nela. Sei que não sou tão bom cozinheiro
quanto Mati, mas há galinha e sopa de verduras, pão fresco e queijo
de ovelha para o jantar.
- Mas... - Caroline estava tentada pelo convite. Se não havia
nenhuma pensão, ela ia ter que dirigir de volta até Elbarra, pela
estrada estreita e cheia de curvas, no escuro, e ainda procurar
acomodações quando chegasse lá. Ou então dormir no carro.
senorita? - perguntou ele suavemente. - Vai ficar?
- Você está morando sozinho aqui, não está?
- Estou.
- Então não posso ficar.
- Por que não? - A surpresa dele parecia autêntica e, antes que ela
pudesse pensar em algo para responder, ele riu. Um riso rouco e
atraente. - Não. Não precisa responder. Eu compreendo. Está
preocupada em ficar numa casa de fazenda longínqua com um
homem estranho. Mas para que se preocupar? Quem vai saber? E
quem se importa com isso? - Ele fez uma pausa e esfregou o queixo
com a mão. - Vamos raciocinar assim - continuou, sua voz se
tornando mais profunda, suave e persuasiva. - Eu estou lhe
oferecendo hospitalidade em homenagem a Mati, aquela que você
esperava encontrar aqui. Se ela estivesse aqui não iria deixá-la
partir. Nem eu. Você é bem-vinda para ficar o tempo que quiser.
Ao mencionar Mati ele tinha avivado todas as suspeitas que se

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formaram na mente dela. Ele era, apesar de tudo, um parente da
sua babá. Ela ficaria pelo menos aquela noite. Devia ficar, pois ali
havia calor e alimento e uma cama para repousar. Não ia conseguir o
que tinha vindo procurar, o conforto dos braços de Mati e a sua
sabedoria de mulher do campo. Mas precisava descansar e pensar
sobre seus problemas. Talvez até achar uma solução para eles.
- Muito bem. vou ficar, muito obrigada, mas deixe-me ajudá-lo em
alguma coisa - ela disse, começando a tirar a capa.
- Coloque um lugar para você, na mesa - respondeu ele. Afastando-
se da porta, ele se dirigiu para a lareira, de onde tirou
dois castiçais de bronze. Caroline pendurou a capa em um cabide
atrás da porta e dirigiu-se a uma cómoda antiga. Ainda lembrava
bem em qual gaveta ficavam guardados os talheres, pois muitas
vezes tinha posto a mesa para Mati. As facas tinham cabos de
marfim amarelado e alguns garfos estavam com os dentes tortos.
Pegou uma faca, um garfo e uma colher e colocou sobre a mesa. As
velas foram acesas. Suas chamas eram perfeitas e douradas,
projetando uma luz agradável sobre o pão redondo que estava sobre
uma tábua, assim como sobre a garrafa verde de vinho que continha
- ela achava - um vinho feito em casa, com as uvas cultivadas nos
vales que davam para o sul.
- Precisa também de um copo - disse o anfitrião, enquanto colocava
os pratos de sopa na mesa. Ela se dirigiu até a cómoda e pegou um
copo.
Ele não se sentou antes dela e. quando o fez, escolheu a cadeira de
espaldar alto onde o velho Chemarc sempre sentava, na cabeceira
da mesa. Mas, ao contrário do velho, ele não usou seu barrete basco
na cabeça enquanto comia. Já o havia tirado, deixando que
Aparecessem os cabelos negros, lisos e que pareciam precisar de
um corte urgente, pois caíam sobre a gola da camisa que estava
usando.
Seu rosto era magro, e a pele esticada sobre os ossos acentuava os
ângulos do queixo longo. Tinha a boca grande mas firme, o lábio

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inferior ligeiramente curvado
e mais cheio que o superior, um sinal de calor humano e
generosidade que seu temperamento quase não deixava
transparecer.
Ao cortar fatias de pão, seus cílios longos projetavam sombras
sobre o rosto. Quando passou as fatias para ela, equilibradas na
lâmina da faca, olhou-a e ela, de repente, sentiu um choque ao
deparar com o brilho dos olhos cinzentos.
- Muchas gracias - - murmurou, pegando o pão e sentindo-se um
pouco envergonhada por ter sido pega observando-o. Mas,
inevitavelmente, seu olhar voltou para o rosto
dele, ao vê-lo cortar algumas fatias de pão para si mesmo.
Ele não era gentil nem tinha o olhar sonhador de um pastor de
carneiros que passava os dias calmamente nas montanhas com seu
rebanho. Era um homem que conhecia o mundo. As experiências
tinham-no deixado marcado. Tinham colocado aquelas rugas na testa
e nas faces, tinham dado ao olhar aquele ar de quem não se importa
com nada.
Tinham também marcado sua boca bem moldada, dando-lhe um ar
irónico.
Ele levantou os olhos novamente e, durante alguns momentos, seus
olhares se encontraram. Então, mais uma vez, embaraçada por não
conseguir olhar para mais nada, a não ser ele, Caroline pegou a
colher e começou a comer.
A sopa estava deliciosa, cheia de pedaços de galinha, batatas e
cenouras. Caroline comeu muito pão e, apesar da decisão de manter
os olhos baixos, seu olhar permanecia teimoso, tentando ver o
homem sentado na cabeceira da mesa. Cada vez que ela o olhava, ele
erguia os olhos e lhe devolvia o olhar, como se também estivesse
sendo impelido a isso por alguma força além do seu próprio controle.
Então, a tensão entre os dois ficou tão forte que Caroline decidiu
quebrá-la, conversando.
- Gostaria que parasse de me olhar assim - ela pediu.

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- Não posso me controlar - ele respondeu, pegando a garrafa de
vinho para encher o copo de ambos. Bebeu de um só gole o conteúdo
do copo e tornou a enchê-lo. - Você também está me olhando. O que
há com você?
- Eu... eu estou confusa - ela se defendeu.
- Por minha causa? - Os olhos dele se abriram, surpresos. Por quê? -
perguntou, ríspido.
- Você não é como os outros.
- Que outros?
- Os outros sobrinhos. Eu encontrei alguns quando estive aqui antes.
- É porque eu não cresci aqui - ele replicou, sacudindo os ombros e
bebendo mais vinho.
- Então você não é um fazendeiro.
- Não. Longe disso. - Ele a olhou demoradamente e continuou:
- Estive tentando me lembrar de onde tinha visto você antes falou
em inglês. - E agora me lembrei. Você é a filha de Joseph Morondo,
não é?
A pergunta a aterrorizou. Pela borda do copo de vinho ele devolvia o
olhar surpreso dela com um sorriso irónico. Não havia como negar,
Caroline pensou, já tinha confessado tudo apenas pelo espanto que
demonstrara.
- Como adivinhou? - ela perguntou alegremente, falando em inglês.
- Não foi difícil, porque lembrei onde tinha visto você antes. Foi em
uma fotografia, num jornal, há algumas semanas. A foto era muito
semelhante.
- Não pensei que você se interessasse por essa parte do jornal.
- Eu me interesso por todas as partes do jornal - ele respondeu.
- Não sou diferente de nenhum outro homem. Gosto de olhar
fotografias de mulheres bonitas, principalmente quando estão
usando pouca roupa.
O rubor subiu às faces dela. Sabia a que fotografia ele estava se
referindo. Tinha sido tirada quando ela saía da piscina dos Van
Dorman, na Flórida, e ela estava usando o menor biquini que tinha.

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- As linhas sob a foto diziam que você tinha acabado de ficar noiva
do herdeiro dos Van Dorman, mas não vejo nenhum anel de noivado
em sua mão.
Caroline tinha deixado o anel na caixa, trancado em uma gaveta
da penteadeira. Não o havia usado muito. Havia alguma coisa nele
que ela não apreciava. Uma certa ostentação exagerada, fazendo
com que se sentisse vendida e comprada,
todas as vezes que o usava. Recusou-se a morder a isca que seu
anfitrião lhe atirava, terminou a sopa, pegou o copo de vinho e
bebeu. O vinho era forte e saboroso.
Um pouquinho seria capaz de levá-la longe, pensou, largando logo o
copo. Ele era provavelmente resistente para dois ou três copos, mas
ela, não. Olhou em volta e
novamente para ele. com seu rosto longo, os ombros largos e o corpo
magro, era um basco típico e possivelmente tinha a paixão que todos
os bascos têm por grandes refeições, bebidas fortes e trabalho
pesado. Mesmo assim, ele a intrigava.
- Você fala inglês muito bem. Onde aprendeu? - perguntou,
resolvida a se distrair e afastá-lo do assunto da fotografia. Queria
também saber mais sobre ele.
- Morei nos Estados Unidos muitos anos, mas já falava um pouco de
inglês antes de ir para lá - ele respondeu friamente, passando
queijo no pão.
- Você morou no Estado de Nevada? - ela perguntou. Lembrou que
Mati tinha contado que muitos membros da família Viroda tinham
imigrado para os Estados Unidos e se estabelecido em Nevada,
junto com outros bascos.
- Estive lá alguns meses - ele respondeu, cauteloso. - Coma um
pouco de queijo. Está muito bom.
- Quando voltou para a Espanha?
- Há três anos.
- E ficou aqui neste vale todo esse tempo?
- Que importa isso? - O olhar indiferente dele indicou que não

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estava gostando das perguntas.
- Você é muito misterioso - ela disse, acusadora.
- E você é curiosa demais. Como se sentiria se eu perguntasse por
que não está em Bilbao se preparando para o casamento?
- Oh!, como sabia que eu ia casar esta semana? - perguntou ela,
surpresa.
- Eu não sabia. Apenas joguei verde para colher maduro. E deu certo
- ele falou, os lábios se abrindo num sorriso muito atraente. - O que
aconteceu? Será que Billy Van Dorman tem os pés frios? Ou você se
apavorou só em pensar no casamento?Por isso estava procurando
Mati? Para chorar no colo dela e ser acariciada e confortada só
porque treme de medo antes de casar? .
A voz rouca era agressiva, deixando os nervos dela, já tensos, mais
sensíveis ainda. Caroline virou para ele com raiva, os cabelos loiros
flutuando na altura dos ombros, os olhos brilhantes.
- Não, eu não tremi de medo de casar, nem de não casar. Eu. eu... ah,
você não compreenderia.
- E Mati ia compreender, eu imagino. - Ele terminou seu terceiro
copo de vinho e serviu-se de mais, bebeu alguns goles e deu a ela um
novo olhar insolente. -
Será que ela não ia ficar desapontada com você? - perguntou.
- Por que ficaria?
- Porque a garotinha que ela conhecia se transformou em uma
mulher egoísta, que sai correndo quando a vida fica um pouquinho
difícil.
A crítica dele parecia um jato de água fria. O orgulho dela voltou a
ajudá-la. Por que ia aguentar aqueles comentários injustos?
- Você está bêbado! - respondeu acusadoramente.
- Talvez esteja mesmo, porque geralmente não me meto nesse tipo
de conversa com uma mulher. - Novamente o olhar dele pousou
sobre ela. - Há sempre coisas mais interessantes para fazer. - Os
olhos dele estavam semicerrados e Caroline sentiu um estranho
arrepio quando ele olhou sua boca e ela sentiu como se ele tivesse

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tocado seus lábios. Embaraçada, mexeu-se nervosa na cadeira.
- É fácil para você me criticar. Não sabe dos fatos - respondeu.
- Eu gostaria de saber o que você teria feito se estivesse na mesma
situação.
- Se você me contar a história toda eu talvez possa lhe dizer o que
teria feito - cie sugeriu.
Ela o olhou, cautelosa. Deveria? Poderia contar a este estranho
como se sentia ao pensar que ia casar com
Billy? Podia confiar nele como confiava em Mati? Ele merecia?
- Tente - ele falou baixinho e suave, como se tivesse lido os
pensamentos dela.
- O que você teria feito - ela começou, devagar - se descobrisse
que estava sendo forçado a casar com alguém que você não ama,
alguém escolhido pelo seu pai? - Ela respirou fundo e continuou
em voz baixa: - Eu estou sendo usada como um peão de um jogo nas
transações de negócios. Meu pai quer que os Van Dorman façam
investimentos na Companhia de Automóveis Morondo.
Compreendo. Mas isso é comum - ele comentou. - É um arrranjo
muito usado para que os negócios europeus se tornem filiados a
uma organização americana. Suponho que, em troca, seu pai se
transforme em diretor das Empresas Van Dorman com um grande
aumento de salário.
Sim, e eu me torno a esposa de Billy Van Dorman que, na
verdade, não gosta muito de mulheres.
Os olhos dele se arregalaram ao compreender o que estava implícito
na sutileza das palavras dela. Depois se suavizaram, com pena.
- Você disse ao seu pai que não quer casar com Billy? - perguntou
gentilmente.
- Sim, muitas vezes, mas ele não quer me ouvir. Ele é uma pessoa
muito decidida e, quando quer uma coisa, ninguém faz com que mude
de idéia. O único jeito de convencê-lo
a me ouvir e entender que o casamento com Billy é algo que eu não
quero foi sair de casa e me esconder durante alguns dias.

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- Para chamar a atenção dele? - sugeriu, irónico.
- É o que eu espero - ela murmurou, bebendo um pouco mais de
vinho. Isto fez com que sua cabeça se tornasse pesada, mas um
calor agradável passou pelo seu corpo, dispersando a tensão
nervosa.
- Pobre menina rica - ele comentou com um sorriso irónico. -: E não
havia mais ninguém na sua família que pudesse ajudá-la a convencê-
lo?
- A tia Margareth estava do lado dele - ela disse e observou o
reflexo dos castiçais no copo de vinho, balançando o líquido de um
lado para o outro. - Ela é irmã da minha mãe. Minha mãe morreu
quando eu tinha nove anos. Algumas vezes penso que, se ela
estivesse viva, papai seria diferente, não tão duro e rude. A perda
de alguém que a gente ama pode ser uma experiência amarga, você
não acha?
- Ele a amava? - A pergunta deixou-a espantada. - Não é possível
que ela também fosse apenas um peão no jogo de poder que ele
estava jogando naquela época? Ter uma esposa que era uma
lady inglesa, conhecida por sua beleza e por seus parentes
aristocratas, poderia ser um grande trunfo para um homem cujo avô
tinha sido apenas um pastor basco. Ele não perdeu muito tempo para
esquecer a morte dela nos braços de outras mulheres, não é
verdade?
Caroline ficou olhando para ele, espantada. O conhecimento que ele
tinha das atitudes do seu pai e dos casos com outras mulheres não a
surpreendia, mas como
ele conhecia o passado de sua mãe?
- Como você sabe tanto sobre os meus pais?
- O seu pai é uma personagem muito conhecida nesta região da
Espanha - ele replicou evasivamente. - Acho que ouvi meu pai
falando sobre ele quando ainda era pequeno.
E agora, quais são os seus planos?
Ela esfregou os cotovelos. O vinho que havia tomado fazia com que

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se sentisse relaxada e tonta. Já não tinha mais tanta importância o
que havia acontecido com ela, desde que pudesse encontrar uma
cama e dormir.
- Eu não tenho certeza - disse. - Não tinha um plano quando saí de
casa. Só queria ir embora e pensei em ficar aqui durante alguns dias
com Mati, até ser capaz de tomar alguma decisão, saber o que fazer
com minha vida.
- Está cansada da rotina de prazeres sem fim? - indagou ele,
fazendo graça, mas ela não se importou.
- Mati não teria rido de mim - reclamou. - Oh!, eu sabia que ninguém
ia compreender.
- Mas você está errada - ele disse calmamente, inclinando-se para
ela através do canto da mesa. Seu sorriso o fez parecer de repente
mais jovem. O coração dela bateu mais forte. - Você se revoltou
contra a autoridade e eu sempre compreendo aqueles que se
rebelam. A causa da liberdade individual contra a opressão sempre
foi a minha. Mas é porque já nasci um rebelde.
- Você é Pio, não é? O filho de Júlio?
Ele não se moveu, mas seus olhos se abriram num olhar duro e frio.
Caroline teve a impressão de que ele parecia um gato armando o
pulo. Depois relaxou e se encostou na cadeira, soprando a fumaça do
cigarro.
- Si. Sou Pio, o filho de Júlio - ele concordou. - Esqueci de me
apresentar. Mati falou com você a meu respeito?
- Um pouco.
- O que ela contou? - Ele parecia conter as palavras e ela se eu
nervosamente na cadeira, olhando o rosto dele. Havia linhas duras e
cansadas, cheias de hostilidade, que fizeram com que ela se
arrepiasse.
- Só. . . só que você teve que sair da Espanha às pressas por
um motivo. Acho. . . acho que esteve em alguma passeata ou algo
desse tipo. Ela me falou mais sobre o seu pai. Sabe, eu imaginava
por que Chemarc, o seu avô, era tão triste e por que costumava

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ficar horas sentado, fingindo que lia o jornal, sem nunca virar a
página. Então ela me contou que primeiro o seu pai e depois você
tinham abalado o coração dele, com seus comportamentos rebeldes.
O olhar severo de Pio pousou no rosto de Caroline.
Chemarc era muito conservador - ele comentou. Houve um
intervalo de silêncio e então ele acrescentou suavemente: - Tenho
pena de tê-lo magoado. Que mais Mati falou sobre o meu pai?
- Disse que ele havia se recusado a ficar aqui e ser fazendeiro. Foi
para San Sebastian e se envolveu no movimento para a
independência. Ela disse que ele ficou preso algum tempo. Não
tenho certeza sobre o que aconteceu, mas acho que ele foi morto
quando tentou fugir da prisão.
- Ele fugiu - disse Pio calmamente, olhando ao longe, como se
estivesse olhando para o passado. - Estava indo para a fronteira
francesa. Sabia que estava sendo seguido pela Guardiã Civil, mas
conseguiu se esconder. Infelizmente foi traído e atiraram nele.
- Oh!, que horrível. Deve ter sido terrível - ela exclamou. Quantos
anos você tinha naquela época?
- Mais ou menos onze. - Os olhos dele se dirigiram diretamente para
ela. Então, mudando de expressão e se tornando um pouco
brincalhão, ele completou: - E você tinha mais ou menos uns doze
meses.
- Como sabe?
- Porque aconteceu há vinte anos passados.
- Você sabe quem o traiu? - perguntou fascinada, apesar de todos
os detalhes violentos da história da morte do pai dele.
- Si, eu sei - ele murmurou e novamente seu rosto ficou cruel,
fazendo com que ela tremesse. Mas a tontura provocada pelo vinho
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e o calor do ambiente a acalmaram. Seus olhos estavam quase se
fechando e ela tentava controlar os bocejos. Ele percebeu e
levantou-se, empurrando a cadeira.
- Se você levar uma dessas velas, levo a sua mala. Vamos para cima,

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procurar alguns lençóis para a sua cama. Acho que esta na sua hora
de dormir - ele disse.
Era assim que Matj teria sugerido que ela fosse para a cama
Levantando-se, ela pegou uma das velas e dirigiu-se, na frente dele
para a escada que tinha sido construída próxima da cozinha. No fim
da escada estava o quarto grande, onde Chemarc, como chefe da
casa, sempre dormia. Ele ainda estava decorado com uma cama
grande com cabeceira de bronze, uma velha cómoda com gavetas e
um guarda-roupas grande e escuro. A cama estava desfeita e
Caroline achou que era ali que Pio dormia.
Na extremidade do quarto havia uma lareira de pedra e, ao lado
dela, duas portas, cada uma dando passagem para um outro quarto.
Durante alguns momentos ela hesitou, sem saber qual o quarto em
que tinha dormido na última vez em que tinha estado naquela casa,
há oito anos.
- O quarto vago é o da direita - ele explicou ao ver que ela estava
em dúvida. - A não ser que você prefira dormir no quarto de Mati.
- Não. Fico naquele outro quarto - ela replicou e a vela quase se
apagou, soprada pelas suas palavras. Sombras se espalharam pelo
teto.
A porta do quarto rangeu quando ela a abriu e sua sombra se
projetou pelas paredes, à medida em que entrava no quarto. Era um
quarto estreito, com pouca mobília. Tinha apenas uma cama de
solteiro, uma velha arca e uma cadeira antiga. O teto, como em
todos os outros quartos, tinha sido construído logo abaixo do
telhado e se inclinava em direção às paredes. Em uma delas havia
uma janela pequena com uma cortina florida.
Pio Viroda colocou a mala no chão e começou a abrir as gavetas da
cómoda, procurando lençóis. Encontrou alguns na última e pegou , um
par deles junto com uma
fronha, colocando-os sobre a cama.
- Quer que eu arrume para você? - perguntou.
- Não. muito obrigada. Posso arrumar sozinha. - Ela percebeu ironia

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na voz dele e imaginou o que estaria pensando. Ficou um pouco
irritada e respondeu: - O que pensa que eu sou? Uma
desajeitada? - indagou, desafiando-o.
- Pensei que podia ser - ele retrucou, provocante. - Afinal, vocé
sempre teve tudo que o dinheiro pode comprar, não teve? Todas
empregadas, babás, cozinheiras, sempre, desde criança. . .
- isso não quer dizer que nunca aprendi a arrumar a cama, ou
cozinhar, ou costurar! - Ela olhava para ele, furiosa. - Na escola, na
Inglaterra, tive um ótimo curso de economia doméstica e no último
ano até ganhei um prémio de culinária. Na verdade... - Caroline se
interrompeu. Por que ia dizer a ele que havia pensado seriamente
em fazer carreira com culinária? Uma idéia que seu pai logo
afastou, mandando-a para uma escola na Suíça, a fim de se
aperfeiçoar para ser a esposa de um homem rico. Se ela contasse,
Pio Viroda não ia acreditar. Ele já tinha formado uma idéia sobre o
tipo de pessoa que ela era.
- Fico contente que você não seja uma desajeitada, totalmente
incapaz. Acha que está muito frio aqui? - perguntou, olhando em
volta.
O ar do quarto estava gelado e ela achava que a cama estava úmida
por não ter sido arejada durante tanto tempo. Mas o orgulho não a
deixou admitir isso. Aquele homem diabólico fazia com que se
sentisse amedrontada.
- Não, nem um pouco - respondeu, tentando sorrir.
- Tem certeza? Sei que há uma bolsa de água quente lá embaixo.
Posso esquentar um pouco de água para colocar nela. - Ele tinha os
olhos brincalhões, agora, com um brilho que se refletia em todo o
rosto. - Tenho certeza de que Mati não ia deixá-la dormir com frio.
- Está bem - concordou Caroline, cruzando os braços numa tentativa
de diminuir o frio que sentia.
- Você lembra onde é o banheiro, lá embaixo?
- Sim, lembro - ela falou, cansada. Ele abriu a porta como se ele
fosse sair, mas depois voltou com uma chave grande na mão e a

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colocou sobre a cómoda.
- Caso você esteja preocupada com as minhas intenções - explicou -,
pode se trancar por dentro e me trancar do lado de fora.
Através do espaço, que os separava o olhar dele era desafiantc mas
ela conseguiu controlar sua irritação e ele saiu.
Só uma hora mais tarde, quando estava deitada entre os lençóis,
com os pés encostados na bolsa de água quente, Caroline se lembrou
do carro. Será que estava seguro onde o tinha deixado, com as
portas sem trancar? Um outro pensamento passou por sua mente.
Será que alguém na cidade não ia descobrir o carro e avisar a
Guardiã Civil, a polícia rural que mantinha a lei naquela região do
país? E será que a Guardiã local não ia abrir a porta e olhar no porta
luvas, encontrando lá o registro do carro com o seu nome?
Ela não queria que o carro fosse encontrado, porque ainda não
queria ser encontrada. Queria mais alguns dias para pensar. E o que
ia fazer com o carro? Empurrou as cobertas e saiu da cama. O ar
frio fez com que sua camisola esvoaçasse, e ela ficou arrepiada. Foi
até a mala,. abriu-a e lembrou, irritada, que não tinha trazido
nenhum robe. É isso que acontece quando todas as coisas são feitas
por alguém, inclusive a mala, que era sempre preparada por uma
empregada. Você perde a habilidade de pensar e planejar por si
mesma.
Sua capa de chuva ainda estava no cabide, na porta da cozinha, e ela
não tinha trazido nenhum outro casaco. Tudo o que podia colocar
sobre a camisola era um chalé de croché, que ela tinha pensado usar
nos passeios à tarde pelas montanhas. Colocou-o sobre os ombros,
procurou a caixa de fósforos que Pio havia deixado ao lado do
castiçal e acendeu uma vela. Protegendo a chama com uma das mãos,
saiu descalça.
A porta rangeu ao abrir e ela saiu para o quarto grande. Ergueu a
vela para ver se Pio estava na cama mas, aliviada, percebeu que o
quarto estava vazio. Ainda bem, ele ainda estava de pé.
A luz suave do fogo vinha da cozinha e foi fácil para ela ver o

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caminho escada abaixo. Desceu devagarinho e, ao fazer a curva,
pôde vê-lo na cozinha.
Pio estava sentado à mesa. Na sua frente havia um grande bloco de
papel e ele parecia estar desenhando. A fumaça subia do
cigarro que pendia do canto de seus lábios e havia um copo de vinho
na sua frente.
Pela primeira vez Caroline teve chance de observá-lo sem que ele
visse. Era bonito, pensou, mas não do tipo de Billy. Seus traços
eram mais duros, firmes, mesmo quando sorria. Agora ele estava
sorrindo, encostado no espaldar da cadeira, e o brilho dos olhos
avizava a severidade do rosto.
Ela pisou no degrau seguinte, curiosa para ver o que ele estava
desenhando. O degrau rangeu e ele se virou, de repente. Ao vê-la,
cobriu a folha de papel com o bloco, deixando claro que não queria
que ela visse o papel.
- O que você quer, agora? - perguntou, irritado. Ele amassou o
cigarro, pegou o copo de vinho, e bebeu tudo. Através dos olhos um
pouco fechados ela viu que ele a observava.
- Só agora lembrei do carro - ela disse, indo diretamente para a
mesa e colocando a vela sobre o tampo. - Você acha que está certo
deixá-lo lá? Esqueci de trancar as portas.
- Trancar as portas de um carro nesta cidade é como dizer a todos
os moradores que os acha ladrões - replicou ele, enquanto a olhava,
curioso. - Mas já que está tão preocupada, posso ir lá e trancá-lo
para você. Está com as chaves?
- Elas estão no bolso da minha capa. Não é com os ladrões que estou
preocupada. Não quero vê-lo encontrado pela Guardiã Civil local.
- Por quê?
- Eles podem olhar dentro e vão saber que me pertence. E eu ainda
não quero ser encontrada.
Os olhos dele se estreitaram, preocupados.
- Humm, você tem razão. E, se a encontrarem, vão me encontrar
também. E isso é muito inconveniente.

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Os olhos de Caroline se arregalaram e uma série de pensamentos
passou pela sua mente, fazendo-a chegar a uma conclusão.
- Você veio aqui para se esconder da Guardiã? - sussurrou.
- Eu vim aqui para me esconder, mas não necessariamente deles ?-
replicou com um certo humor. - E prefiro que meu esconderijo átual
não fique conhecido de todo o país basco. É o que eu acho que ia
acontecer se a filha de alguém tão importante como Joseph
Morondo fosse encontrada aqui comigo. Já imaginou os títulos dos
jornais? "Herdeira fugida é encontrada numa fazenda remota com o
conhecido filho de um conhecido pai."
- Você é conhecido?
- Muito. - Os olhos dele eram novamente enigmáticos e ela teve
certeza de que ele estava apenas se divertindo. Mas Caroline
tinha uma fascinação infantil por qualquer pessoa que estivesse
fazendo alguma coisa errada. Por isso, olhou orgulhosa e disse
friamente:
- Neste caso, agradeço muito se colocar o carro em um local onde
ele não possa ser visto.
- vou fazer o possível, senorita, para executar suas ordens
respondeu ele fazendo uma curvatura, como se fosse um
empregado.
- Quer outro copo de vinho? - perguntou gentilmente, erguendo a
garrafa e enchendo o próprio copo. - Vai ajudá-la a dormir, se
estiver com alguma dificuldade.
Ela o estudou mais de perto. Seu cabelo estava em desalinho, como
se ele tivesse passado os dedos diversas vezes por ele, e seus olhos
estavam um pouco avermelhados, como se tivesse bebido demais.
- É por isso que você bebe tanto? Para ajudar a dormir? perguntou,
numa espécie de desafio.
- Talvez. - Ele deu de ombros com indiferença e levou o copo aos
lábios.
- Você também fuma demais - repreendeu ao vê-lo tirar um cigarro
do maço que estava sobre a mesa.

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- E daí? Por que essa preocupação com o fato de eu estar bebendo
ou fumando muito?
- Por nada, mas. . .
- Mas a puritana que existe em você quer privar um pobre homem
de duas das suas extravagâncias?
- Você deve saber que nenhuma dessas duas coisas faz bem à
saúde.. .
- Por favor, senorita, dispense-me de ouvir o sermão sobre as
minhas falhas. Volte para sua cama, agora. Essa camisola que você
está usando mostra muito mais do que devia e o que ela esconde me
faz lembrar todos os prazeres que estou perdendo durante os
meses que estou passando aqui, sozinho neste vale, com algumas
galinhas e uma vaca como companhia - disse ele secamente.
Caroline não teve nenhuma dúvida sobre o que ele estava querendo
dizer, mas ficou surpresa com sua falta de reação. Não fez nenhum
movimento para puxar o xale para a frente, a fim de cobrir a
transparência que deixava ver parte dos seus seios. O olhar dele
desceu para suas cadeiras. Ela sabia que seus quadris estavam
tentadores através da camisola. Um pensamento lhe passou pela
cabeça: gostaria de ser amada por aquele homem.
No minuto seguinte, estava chocada com sua própria idéia e, como
se ele tivesse podido ler seus pensamentos, viu-o amassar o cigarro
e se aproximar dela.
- O que é que há, nina? - murmurou, erguendo as mãos até a testa
dela, afastando uns cachos que lhe caíam sobre o rosto e
acariciando-a com os dedos. - O que você quer? Um beijo de
boanoite? Imagino que Mati sempre a beijava antes de dormir.
- Não. - Ela deu um passo para trás, mas as mãos dele a seguraram
pelos ombros e ele não teve dificuldade em puxá-la para si.
Era melhor não mostrar nenhuma resistência. Ele era imprevisível,
pensou ela, ignorando a voz interior que lhe dizia: você não está
resistindo porque no fundo quer que ele a beije. Ela queria saber
como seria a sensação de ser beijada por ele.

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Por isso ficou completamente imóvel enquanto uma das mãos dele
lhe acariciava os ombros, indo até o pescoço, e sentiu que ele a
tocava com um dedo na base da garganta, fazendo com que ela
quase traísse a excitação que estava sentindo.
Ele pôs a mão sob os cabelos dela, que estavam embaraçados depois
de tanto se virar na cama. Escorregou-a até a nuca e Caroline
percebeu que nenhuma força seria capaz de afastá-lo dela.
Viu o brilho no olhar de Pio, cheio de desejo, e então seus lábios
estavam colados aos dela, quentes e firmes. A língua dele, com um
gosto doce-amargo, um leve sabor de tabaco misturado ao gosto do
vinho, tentou penetrar através dos lábios firmemente cerrados
dela. Sentiu como se um choque tivesse sido transmitido aos seus
nervos. Queria descansar seu corpo de encontro ao dele, deixar-se
levar por uma onda de paixão.
Mas, de repente, ele a afastou. Virou-se para a mesa, pegou o copo
de vinho e bebeu o que tinha sobrado. Colocou o copo na mesa e
pegou um novo cigarro, colocou-o na boca e o acendeu na
chama da vela. Endireitando o corpo, olhou em volta, encostou os
quadris na mesa e ergueu as sobrancelhas, surpreso.
- Você ainda está aqui? - perguntou. - Está esperando outro beijo?
Desculpe, nina, mas o desejo de beijá-la já passou, como a chama de
uma vela que se apaga ao ser soprada pelo vento frio. Fazer amor
com uma dama de gelo não é comigo. Prefiro uma companheira mais
quente e experiente. Vá para a cama. E tenha bons sonhos.
O sentimento de ter sido surpreendida desejando e, como
resultado, ser rejeitada foi forte e desanimador. Caroline virou-se
e subiu correndo as escadas, batendo nas paredes do quarto grande
e escuro, pois tinha esquecido a vela lá embaixo. Entrou no seu
pequenino quarto e fechou a porta. Procurou a chave que Pio havia
colocado sobre a cómoda, mas não conseguia encontrá-la. Foi para a
cama e se deitou entre os lençóis frios. Sua mente estava tensa e
preocupada com tudo o que tinha acontecido lá embaixo.
Seus dedos se apertaram contra os lábios que tinham sido tocados

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por ele. Durante um longo tempo ficou pensando no enigma de Pio
Viroda, ouvindo os pingos de chuva que batiam na janela e no
telhado. Por nenhum momento pensou em Billy Van Dorman e nos
convidados que já deviam estar chegando de várias partes do mundo
para assistir ao casamento que devia se realizar ainda naquela
semana.


CAPITULO II

Caroline acordou com o brilho dos raios de sol que passavam pela
janela e se refletiam no quarto. Abriu os olhos, viu a cortina florida
esvoaçando com a brisa, lembrou onde estava e sentiu um certo
bem-estar. Tinha dormido profundamente e sem sonhos durante
muito tempo. Esticou a mão e pegou o relógio que estava na cadeira
próxima.
Nove e quinze? Não podia ser! Os olhos dela estavam realmente
abertos, agora. Sentou-se, olhando o relógio. Não estava enganada.
É isso que acontece quando você não tem empregada para acordá-la:
dorme-se demais!
Saiu da cama e foi até a janela. O ar fresco tinha cheiro de terra
molhada. Respirou fundo e com prazer, esticou o rosto e observou a
paisagem. Algumas árvores sem folhas se espalhavam pelas encostas
dos vales, a grama era brilhante e algumas gotas da chuva noturna
ainda pingavam dos ramos e eram iluminadas pelo sol. Além dos
campos se erguia uma montanha de pedra, com blocos de granito
que brilhavam como ouro, iluminados pela luz.
Caroline tinha aprendido a amar aquela paisagem há alguns anos.
Tinha sentido muita vontade de vê-la novamente numa manhã como
aquela. Tinha esperado para estar lá, outra vez. Mas, como podia
ficar ali, agora que Mati tinha partido? Como podia ficar naquela
casa com Pio Viroda? O lugar pertencia a ele e ela não tinha nenhum
direito de ficar lá.

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Vestiu rapidamente uma blusa limpa, azul com margaridinhas
brancas, que combinava com a saia azul. Arrumou a cama e se olhou
no velho espelho que estava pendurado na parede sobre a cómoda.
Suas faces estavam rosadas, os olhos eram azuis e o cabelo parecia
ainda mais dourado. Ela não era realmente bonita, mas muito
fotogénica e sua pele clara parecia
agradável. Os olhos tinham cílios longos, os braços e pernas eram
graciosos e sempre tinha atraído a atenção dos homens, onde quer
que fosse. Por isso tinha aprendido
desde pequena a lidar com o comportamento destrutivo dos
conquistadores e a aparentar uma certa frieza, o que sempre
funcionava.
Isso até a noite passada. Ela podia até ter economizado as palavras
com um homem do tipo de Pio Viroda. Ele era completamente
arrogante e, na verdade, tinha sido uma loucura ter ido falar com
ele usando aquela camisola transparente. E depois, o beijo! Na
realidade, ela o tinha convidado a isso.
Mas o que não podia entender era a forma como tinha reagido ao
beijo, apesar de todos os esforços para não se abalar com ele.
Nenhum homem tinha sido capaz de lhe despertar tanto desejo, tão
rapidamente. E nenhum homem tinha se afastado tão rapidamente,
sugerindo que ela não era desejável.
Os lábios de Caroline se comprimiram, os olhos se estreitaram. Ela
queria se vingar de alguma forma de Pio Viroda, vingar-se daquela
impressão dada por ele, de que ela era frígida. Não sabia como
fazer, a não ser. . . a não ser. . . Sentiu um arrepio percorrê-la, um
sentimento misto de excitação e desejo. Se pudese fazê-lo desejá-
la, e no último minuto rejeitá-lo, estaria vingada.
com uma exclamação irritada, virou-se e caminhou para o outro
quarto. Abriu a porta com cuidado e olhou dentro. Na luz do dia o
quarto grande parecia sujo e desarrumado, mas, olhando melhor,
teve certeza de que ele não tinha dormido lá.
Onde Pio teria dormido? com a cabeça apoiada nos braços, sobre a

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- 30 -

mesa da cozinha, bêbado demais para subir as escadas? Os
lábios dela se entreabriram num sorriso.
Teve um impulso de arrumar a cama, afofar o travesseiro e esticar
os lençóis. Fez tudo às pressas. Quando a colcha estava esticada e
os cantos arrumados, olhou o seu trabalho com satisfação e desceu
as escadas.
A cozinha estava vazia, não havia fogo nem lenha. A mesa também
estava vazia, sem garrafa de vinho, copo quebrado ou sinal do bloco
de papel. Não havia cinzeiro sujo e nenhum homem bêbado dormindo
espichado no chão. Qualquer pessoa que vivesse naquela casa, já
tinha saído.
Olhou a porta. Sua capa ainda estava lá mas, ao procurar, não
encontrou o chaveiro nem as chaves. Será que Pio tinha fugido com
seu carro? Ou tinha apenas ido escondê-lo, tão bêbado que podia
ter provocado um acidente?
Ficou ansiosa, precisava descobrir. Pegou a capa e colocou sobre os
ombros. Já ia abrir a porta quando o trinco se mexeu e ela teve de
dar um passo para trás rapidamente, para não ser atingida. Pio
entrou, fechou a porta, virou-se, e suas sobrancelhas se ergueram
inquisitivas ao vê-la. Seus olhos verdes pousaram nela e novamente
se encostou na porta, como na noite anterior.
- Onde você estava indo? - perguntou laconicamente, em inglês. - Eu
ia procurar você. Não encontrei as chaves do carro e como
você não estava aqui, pensei que tivesse tido um acidente. Ou...
Caroline hesitou, sentindo que enrubescia ao se preparar para fazer
uma acusação. - Ou talvez você
o tivesse roubado - terminou rapidamente e estendeu a mão. - Pode
me dar as chaves? - perguntou, como se estivesse dando uma
ordem.
Pio não disse nada e continuou a olhá-la. Ele estava usando a mesma
camisa do dia anterior e tinha colocado sobre ela uma jaqueta leve
de couro preto, desabotoada. A sombra escura de sua barba já
começava a aparecer sobre o lábio superior. Os olhos estavam

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Sabrina no. 94

Livros Florzinha

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ligeiramente injetados e havia traços de cansaço neles. Parecia duro
e cansado, pensou Caroline, sentindo-se um pouco nervosa.
- Eu não estou com as chaves - disse ele vagarosamente.
- Então, onde estão elas?
- Eu as deixei na ignição do carro.
- Por quê?
- Porque sim.
- Posso saber onde o carro está?
- Eu lhe digo quando você precisar saber. Na hora em que for
embora
- Já decidi que chegou a hora - ela retrucou impetuosamente.
- Por favor, diga-me onde ele está.
Novamente ele a olhou com frieza. Um olhar que percorria o seu
corpo com insolência, parando na abertura do decote, onde aparecia
o começo dos seios.
- Mas, pensei que quisesse ficar alguns dias, para pensar melhor e
decidir o que quer fazer da vida - ele respondeu, imitando as frases
dela com um sotaque muito britânico e deliberadamente provocante.
- Eu vim aqui para ver Mati - disse ela cerrando os dentes, tentando
se controlar pois não queria ficar nervosa na frente daquele homem,
- Mas Mati não está, por isso vou embora.
- Já tomou o seu café da manhã? - ele perguntou, mudando de
assunto e deixando-a desconcertada.
- Não. Eu levantei agora.
- Bem, acho que devia comer antes de fazer qualquer outra coisa.
As decisões tomadas com o estômago vazio são sempre erradas, foi
o que descobri há algum tempo. - Ele colocou as mãos nos bolsos e
tirou seis pequenos ovos marrons. - As galinhas pretas já
começaram a botar novamente - comentou, olhando os ovos. - Aqui
há o suficiente para uma omelete, não?
- Sim, acho que sim. - Ela teve que usar ambas as mãos para ajudá-
lo a levar os ovos.
- Há um fogão a gás, no fundo da casa, como você deve saber

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- disse ele alegre, ignorando as objeções dela. Cruzou a sala e
dirigiu-se a uma porta do lado direito, que conduzia à despensa, um
pequeno quarto com um lavatório e um fogão. Depois de hesitar um
pouco, ela o seguiu. Colocou os ovos em uma tigela que estava sobre
uma mesinha.
- Se você quer um breakfast, pode prepará-lo - disse ela friamente.
- Você disse que tinha ganho um prémio de culinária - respondeu ele
enquanto pegava uma chaleira perto da pia de pedra.
- Isso não quer dizer que eu vá cozinhar para você.
- Bueno. Então não cozinhe para mim, cozinhe apenas para você
- disse ele, encolhendo os ombros e acendendo uma das bocas do
fogão. - Esta água é para eu me barbear e também para o café.
xícaras e mais xícaras de café bem forte para mim. - Ele esticou os
braços e bocejou, esfregou o queixo e perguntou: - Você dormiu
bem?
- Sim, obrigada. Mas você parece que esteve acordado a noite toda.
Estive mesmo - respondeu ele.
O que ficou fazendo?
Além de esconder o seu carro, fui ganhar a minha vida -
disse e dirigiu-se para a porta. - Você vai encontrar uma frigideira
no armário e também manteiga. Volto quando a água ferver.
- Mas. . . - ela começou e percebeu que estava falando sozinha.
Parecia que agora passava muito tempo repetindo "mas" e não
conseguia dizer mais nada. Balançou a cabeça e tirou a capa. Podia
fazer o que ele tinha sugerido, preparar um breakfast decente. E,
se ia cozinhar para si, podia também cozinhar para ele. Afinal, ele
não tinha hesitado em dividir com ela o jantar da noite anterior.
Indo para a cozinha, pendurou a capa atrás da porta, ao lado da
jaqueta de couro de Pio. Era de couro de ótima qualidade e estava
muito usada. Certificando-se que ele não estava no quarto, deslizou
os dedos para um dos bolsos, esperando encontrar as chaves do
carro. O bolso estava vazio. Procurou no outro, mas encontrou
apenas um maço de cigarros e duas caixas de fósforos. Pio tinha

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dito a verdade, as chaves estavam no carro. A não ser que
estivessem no bolso da calça.
A chaleira começou a assobiar, ela voltou e fechou o gás. Quebrou
os ovos na tigela e começou a batê-los, quando ouviu Pio chegando.
Despejou a água da chaleira dentro de um grande jarro, encheu-a
novamente e tornou-a a colocá-la no fogo. Ele não disse nada e
dirigiu-se ao lavatório, fechando a porta atrás de si.
Caroline descobriu uma frigideira de ferro fundido com cabo de
madeira e colocou nela a manteiga. A lembrança de Mati fazendo
omeletes era muito viva. As omeletes de Mati eram sempre muito
leves e fofas, temperadas com ervas da horta. Num impulso,
Caroline largou a frigideira, abriu a porta e foi para a horta. Em
algum lugar entre o mato e as folhas mortas, encontrou alcaparras.
Tinha ido lá muitas vezes para cortar cebolinhas e lhe parecia que
estava encontrando velhas amigas. Cortou algumas e trouxe consigo.
Ficou por algum tempo olhando as ervas e lembrando como a horta
era bonita durante o verão, há alguns anos.
Olhou na direção das montanhas verdes de picos azulados. A brisa
tinha parado e o ar estava calmo. O dia prometia ser quente e o sol
já aparecia por trás de algumas nuvens. Onde mais ela iria
encontrar um lugar como aquele, tão agradável, cheio de paz e
quietude? Em nenhuma outra parte. Mas agora, como podia ficar ali
com um homem tão imprevisível como Pio Viroda?
Voltou para casa devagar, a cabeça inclinada, como se algum
problema a afligisse. Só quando chegou na porta dos fundos foi que
percebeu Pio lá, de pé, descalço.
Ele estava nu até a cintura e o sol se refletia em sua pele, fazendo-
a parecer de bronze. Suas mãos repousavam levemente na cintura,
uma posição que salientava os músculos dos braços e dos ombros.
Seu peito tinha pêlos pretos e nenhum sinal de gordura supérflua.
Parecia que a pele estava esticada sobre os músculos. Mas ele
não era magro, era esbelto e ágil como um gato das montanhas.
- Qualquer um diria que você nunca viu um homem sem camisa

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- ele caçoou, espantado com o efeito de sua presença física sobre
ela. Caroline foi para dentro. - O que você estava fazendo na horta?
- ele perguntou, fechando a porta.
- Fui colher algumas alcaparras - disse quase sem fôlego e começou
a lavar as ervas na torneira. - A horta está uma bagunça. Mati a
mantinha sempre em ordem.
- Por que você não dá uma arrumada nela, enquanto está aqui? Eu
não tenho nenhuma objeção quanto a isso. Acho que a jardinagem é
uma boa terapia para qualquer um que se sinta ansioso e preocupado
- ele sugeriu calmamente.
- Mas, eu já disse a você que vou embora assim que puder ela
replicou, começando a cortar as alcaparras e cebolinhas sobre uma
pequena tábua de madeira.
- E para onde você vai? Voltar para o papai? - A pergunta fez com
que ela mordesse o lábio, mas continuou cortando.
- Não ainda. Talvez daqui a alguns dias.
A chaleira assobiou e Pio fez café para si próprio, em uma xícara
grande. Caroline pegou a frigideira e colocou-a sobre uma das bocas
do fogão, desejando que ele fosse embora, mas sabendo que estava
sendo observada em cada movimento que fazia. Ela tinha certeza
que ele não a apreciava. Tinha aproveitado todas as oportunidades
para caçoar dela. E, apesar disso, havia aquela perturbação, como se
cada um estivesse sendo atraído pelo outro.
- Então, para onde vai quando partir?
- Não sei e não me importo. E acho que ninguém mais se importa
comigo.
Ela não percebeu que ele tinha se movido, até que sentiu os dedos
dele tocarem seu queixo, forçando-a a olhá-lo. Seus sentidos
ficaram perturbados pela proximidade dele. Sentiu o cheiro de
tabaco e do sabonete antigo que ele usava, misturados ao cheiro do
seu suor. Ao erguer os olhos, viu rapidamente o formato do seu
maxilar sob a pele bronzeada e o brilho dos dentes, visíveis através
dos lábios entreabertos. Olhou o nariz dele e, surpresa, percebeu o

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olhar calmo nos olhos cinza-esverdeados.
- É bobagem o que está falando e você sabe disso. É claro que
alguém se importa com você.
- Não agora, que Mati partiu - ela respondeu, triste. - Ela era a
única pessoa que realmente se importava comigo.
- Escute, Caroline - ele falou suavemente, pronunciando o nome dela
pela primeira vez, enquanto lhe segurava o queixo gentilmente, como
se ela fosse uma criancinha precisando de afeto; depois a mão dele
caiu para um dos lados. - Você não precisa partir. Eu compreendo
por que veio aqui. Precisa ficar calma para poder tomar suas
decisões. Eu também vim para cá por motivos semelhantes.
- Você também estava com problemas?
- Si , eu também estava com problemas. - Ele deu de ombros com
um sorriso bem-humorado.
- Que tipo de problema?
- Não importa. Não faz diferença que problema era - ele respondeu
evasivamente. - Só mencionei isso para mostrar que compreendo a
sua necessidade de ter algum tempo para si própria, para pensar.
Caroline virou para o fogão e observou a manteiga derretendo na
frigideira. Mais uma vez sua mente se perdeu em pensamentos
sobre ele. Que tipo de problema teria feito com que Pio viesse viver
naquela solidão? Será que estava com problemas relacionados ao
governo do país, novamente? Provavelmente tinham permitido que
ele voltasse à Espanha, com uma porção de outros exilados, quando
a monarquia foi restaurada e teve início um regime mais tolerante.
Mas, depois do seu retorno, talvez tivesse se envolvido em alguma
passeata ou coisa mais complicada. Talvez ele tivesse voltado para
organizar as passeatas! Talvez fosse um agitador político! Se tinha
passado a noite ganhando a vida – como havia dito - o que podia
estar fazendo? Agitadores se movimentam no escuro, não? E ele
tinha dito também que não queria o país basco inteiro sabendo onde
morava agora; então devia estar se escondendo até recuperar as
forças e organizar novas agitações.

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- Matí não teria deixado você dirigir por aí, sem saber para onde.
- A voz dele interrompeu os estranhos pensamentos dela. Ele estava
encostado na pia, com os braços cruzados e olhando-a fixamente.
Então, eu também não vou deixar.
Já lhe disse ontem à noite que pode ficar o tempo que quiser.
- Mas. . . - ela começou a protestar.
- Tudo que você tem a fazer é fingir que eu sou a Mati - ele disse
com um sorriso.
- Eu não sei...
- Sei que o papel de babá é totalmente novo para mim - ele
continuou, sorrindo -, mas vou fazer o possível para desempenhá-lo
bem. Não vou ser uma babá malvada.
Você pode sair para passear, colher flores e posso até ajudá-la. vou
ouvir os seus probleminhas e tentar ajudá-la a resolvê-los. Não é
isso que Mati teria feito
se estivesse aqui?
- Sim. . . acho que sim... - Caroline virou-se para o fogão onde estava
a omelete. Como ia fingir que aquele homem sensual, atraente e
enigmático era Mati, a sua
babá tão afetuosa e agradável? Principalmente depois do beijo da
noite anterior!
- Fique, nina - pediu ele suavemente. - Fique, prometo que não
estará correndo nenhum perigo.
Ele atravessou a cozinha e ela o ouviu subindo as escadas para o
quarto. Ficar ou partir? O que ela devia fazer? Queria ficar, mas
alguma coisa lá no fundo lhe ordenava
que partisse.
Terminou de fazer a omelete, pegou um pedaço de pão, um pouco de
manteiga e pôs a mesa para dois. Dividiu a omelete em dois
pedaços, um maior que o outro, e colocou-os
nos pratos. Depois preparou duas xícaras de café, colocou-as na
mesa e dirigiu-se ao pé da escada.
- O café está pronto - anunciou.

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Ela estava sentada na mesa cortando o pão quando ele desceu.
Usava uma camisa limpa e desbotada. Apesar de todas as suas
roupas serem velhas, ele possuía uma elegância descuidada, que
chamava a atenção para a graça de seus músculos e os movimentos
do corpo.
- Pensei que não ia cozinhar para mim.
A omelete era muito grande, não podia comê-la sozinha -
ela respondeu. - E, além do mais, os ovos tinham sido trazidos por
você.
Pelo canto dos olhos ela o viu sorrir.
- As galinhas e a vaca foram emprestadas pelo meu primo Alfonso,
senão eu ia morrer de fome aqui. Juana, a esposa dele, assou o pão,
bateu a manteiga e preparou o queijo. Você acha que estão bons?
- Muito bons.
- Você lembra do Alfonso?
- Acho que sim. Ele é o filho mais velho de Pedro, não é?
- É. Ele herdou a fazenda do pai e agora está usando toda a terra
que lhe pertence. Vai levar para o pasto um rebanho de carneiros
esta manhã, para terem o que comer durante o verão. Prometi ir
com ele. - Olhou para ela de modo interrogativo. - Você já foi até
etcholak quando esteve aqui a última vez?
- Não, nunca.
- Então sugiro que venha conosco. Está um dia lindo e a vista que
terá é estupenda - ele disse, entusiasmado.
Caroline olhou pela janela. O céu estava claro e azul, cheio de
brilho. Um dia perfeito para levar os carneiros até o etcholak, o
velho abrigo construído com pedras. Era isso que Mati lhe havia
contado, dizendo que era o lugar onde o pastor vivia durante o
verão, para cuidar das ovelhas.
- É um modo bem melhor de passar o dia do que pegar o carro e sair
dirigindo Deus sabe para onde - sugeriu Pio persistente e ela
percebeu que os olhos verdes dele se tornavam mais observadores
quando encontravam os dela.

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- Gostaria de ir - respondeu simplesmente e sentiu uma sensação de
alívio porque tinha sido fácil tomar a decisão de permanecer mais
tempo. - Mas será que Alfonso não vai achar estranho eu ficar aqui
com você?
- Encontrei com ele na noite passada e contei que você estava aqui.
Ele lembra de você e, se achou estranho que esteja aqui, não
comentou nada. - Encostou na cadeira e ficou olhando
cuidadosamente para ela. - Estou contente que tenha decidido ficar.
A omelete estava muito boa. Sei que mereceu aquele prémio de
culinária. Obrigada por ter feito a minha cama. Por que teve esse
trabalho?
- Ela precisava ser feita - respondeu Caroline. - Acho que você
nunca a arruma. O quarto está uma bagunça e precisa ser espanado.
- Você é uma boa dona-de-casa e eu gostaria de saber por quê.
- E por que não? - ela contestou. - Talvez por estar acostumada a
viver num ambiente limpo e agradável, eu desenvolvi uma aversão
por negligência e sujeira.
- Está bem. Aceito isso - ele respondeu, calmo. - A não ser que você
esteja procurando um caminho para atingir e amaciar o meu
coração, com refeições deliciosas e outros confortos domésticos
que normalmente não tenho.
- Você é um cínico, pensando que só cozinhei para impressioná-lo e
arrumei a cama na esperança de amaciar o seu coração - ela
retrucou, cheia de humor.
- Eu sou sempre cínico sobre os motivos que levam uma mulher a
fazer qualquer coisa.
- Então, só posso concluir que você conheceu alguns tipos bem
desagradáveis de mulheres - ela respondeu, vendo os olhos dele se
estreitarem perigosamente. Virou de costas, sacudiu os cabelos
longos e começou a recolher os pratos usados. - Será que você vai
gostar de saber que não tenho nenhum interesse na sua pessoa? -
ela disse e ficou contente ao perceber que sua voz saía fria e
indiferente. O que há em você para me atrair? - Fez um gesto com

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uma das mãos. - Você já disse que é pobre. Obviamente, está
viciado em vinho e cigarros e odeio pensar no tipo de vida que tem
levado e com que mulheres andou. Meu pai diz que pessoas como
você, que organizam e tomam parte em passeatas, são pessoas
ignorantes, cheias de preconceitos. - Não - ela continuou, olhando-o
com desprezo.
- Dificilmente você conseguiria me atrair.
Ele se levantou vagarosamente e, vendo o brilho de ódio no seu
olhar, Caroline deu um passo para trás.
- Sua cadelinha esnobe! - A voz dele parecia queimar, era baixa,
contida, mas atingiu-a como uma bofetada.
Ela não reagiu. Encarou-o de frente, cheia de orgulho, olhando
diretamente para os olhos dele.
Durante alguns minutos ficaram se olhando como dois gatos prontos
para o ataque. Então, através da janela, chegou o som de guizos.
Respirando fundo, para controlar seu temperamento, Pio amassou o
cigarro e o jogou no fogão.
Enquanto estiver aqui comigo e se lembrar do que pensa sobre
mim, não haverá problemas, não é? - ele disse friamente. - Ouviu as
campainhas? São os carneiros a caminho. Logo Alfonso estará aqui.
E, olhando para os pés dela, continuou: - Só trouxe esses sapatos?
Eles não servem para andar por aqui.
- Tenho outros - disse Caroline, cansada. Ela tremia tanto que teve
de colocar os pratos sobre a mesa.
- Então vá trocá-los - ele ordenou rispidamente, com um olhar
insolente. - Isto é, se ainda quiser ir conosco. Faça o que quiser.
Nunca se deixe forçar a ficar em companhia de um simples pastor
de carneiros e. . . o que mesmo você disse de mim? Ah, sim, um
ignorante cheio de preconceitos.
O sarcasmo dele era demais. Enraivecida, ela subiu as escadas e
entrou no quarto. Fechou a porta atrás de si, batendo-a com força e
fazendo um barulhão que ecoou pela casa toda. Estava ofegante e
atirou-se na cama, fazendo as molas do colchão rangerem.

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O esforço de dar as costas a ele não lhe tinha trazido nenhuma
satisfação. Não se sentiu triunfante por tê-lo magoado. E por que
não? Porque sabia, no fundo do coração, que não tinha dito a
verdade. Sentia-se atraída por ele. Estava fascinada pela graça viril
do seu corpo, pelo olhar de quem não se importa com nada, que ele
às vezes lhe dava, e pelo sorriso de quem tinha feito as coisas mais
inesperadas do mundo. Ele era diferente de todos os homens que
ela conhecia e queria ficar perto dele, ficar muito mais perto e
saber mais sobre suas atividades.
Levou as mãos aos lábios e depois ao pescoço, onde ele a tinha
tocado. Oh!, Deus, ela não queria se sentir atraída por Pio, não
queria cair na armadilha que a personalidade perturbadora dele lhe
havia preparado. Estava com medo que aquela atração explodisse de
repente e que ela não fosse capaz de controlá-la.
Então não seria melhor evitar ir com ele e o primo para as
montanhas?
Não seria mais seguro ficar na casa? Ergueu-se e foi até a janela.
As curvas das colinas verdes tinham um ar misterioso, cheias de
vales azulados. Eram tentadoras.
Queria andar por lá e esquecer os problemas.
O barulho da porta sendo aberta fez com que ela pulasse de susto.
Pio estava lá, de pé. Tinha colocado um suéter azul-marinho sobre a
camisa e trazia na mão a jaqueta de couro. Estava pronto para
partir.
- Você vem, ou não? - perguntou ríspido, como se quisesse levá-la e
ao mesmo tempo preferisse que ela não fosse.
- Eu. . . eu. . . gostaria. . . tem certeza que não vou incomodar vocês?
-. A única coisa a fazer é ficar perto de nós para não se perder
- replicou friamente. - Não conseguiu trocar os sapatos sozinha?
Mati teria ajudado você?
- Não, não teria - ela respondeu, abrindo a mala e pegando um par
de mocassim inglês. Tirou as sandálias, sentou na beirada da cama e
colocou os sapatos enquanto Pio a observava da porta. Pegou a bolsa,

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pendurou nos ombros e ergueu a cabeça, dizendo: Estou pronta.
- Você não vai precisar disso - disse ele, aproximando-se e
retirando a bolsa dos ombros dela.
- vou, sim - respondeu, segurando a alça.
- Para quê? Só vai atrapalhar.
- Aqui tem coisas que posso precisar.
- O quê?
- Coisas de mulheres. Não interessam a você - respondeu,
desafiadora. Queria levar o dinheiro porque achava que tinha
chance de fugir pelo vale quando estivessem nas montanhas. Só
precisava descobrir onde ele tinha escondido o carro.
- Está bem - ele concordou. - Eu levo a bolsa para você. com todo o
dinheiro que carrega aí, ela deve estar pesada - pendurou-a no seu
próprio ombro e ela sentiu
uma certa suspeita. Tudo o que ele dizia parecia indicar que ela
estava ficando Já por sua própria vontade, mas tudo o que ele fazia
tornava a partida dela cada
vez mais difícil. Começou a sentir que tinha caído numa armadilha.
Lá embaixo, colocou a capa. Do lado de fora, Alfonso Viroda os
escperava fumando um cachimbo. Tinha quase a mesma idade de Pio,
era mais baixo e gordo. O rosto era redondo, a pele ressecada pelo
vento e os olhos tinham um olhar inocente e calmo. As únicas coisas
que os dois homens tinham em comum eram a pele bronzeada e os
cabelos negros.
Alfonso cumprimentou-a levemente quando Caroline saiu. Logo os
três estavam seguindo o rebanho de duzentas ovelhas por um atalho
que os animais já conheciam. A traseira de cada ovelha estava
pintada com tinta para marcá-la como membro do rebanho Viroda.
Eram animais delicados e graciosos, com longos chifres curvados e
lã encaracolada. Quando Caroline, que preferiu caminhar junto a
Alfonso, fez perguntas sobre o rebanho, ele lhe explicou que aquela
raça se chamava manech e era criada na região desde o tempo dos
romanos.

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Subiram por inúmeros atalhos, cruzaram riachos, pularam pedras e
o sol começou a esquentar. Caroline tirou a capa e sentiu que teria
sido melhor se não estivesse usando sua calcinha de náilon, que lhe
dificultava o andar.
Só à tarde chegaram ao etcholak. Ura um abrigo pequenino, feito
com pedras de tamanhos diferentes. A vista era maravilhosa sobre
as pastagens cobertas de sol, cheias de flores silvestres, tendo ao
longe os altos picos das montanhas.
Enquanto Pio e Alfonso estavam descarregando os sacos de
provisões das duas mulas, José, o menino pastor, levava o rebanho
para as pastagens atrás do etcholak, onde os animais se
alimentariam durante o verão. Quando voltou, havia um fogo aceso
na lareira central do abrigo e o almoço já estava pronto.
Sentaram em tapetes de lã e comeram um delicioso carneiro
defumado e assado, acompanhado de queijo, pão e vinho.
com o encorajamento de Alfonso, Caroline bebeu bastante e
começou a se sentir contente, ouvindo ao longe o riso e a conversa
dos dois homens. Sentia que toda aquela experiência lhe era
familiar e tinha esquecido os atritos e a agressividade que existiam
entre ela e Pio. Decidiu contar-lhe como se sentia e ele respondeu:
- Também sinto isso. - Ele estava encostado na parede de pedra, os
olhos um pouco fechados e os longos cílios fazendo sombras
sobre a face. Nos lábios, um sorriso doce. - Lembre-se que você
teve um avô que era um pastor basco - ele disse.
- E daí?
- Daí que ele deve ter vivido em um abrigo igual a este durante o
verão, da mesma forma que José vai fazer agora, e que o meu avô
Chemarc fez quando era jovem. É como todos os pastores bascos
vivem desde os mais antigos tempos. E isso é algo que não sai da
memória em poucas gerações. O que eu acho estranho é que você e
eu temos esta herança em comum, quando tantas outras diferenças
nos separam.
Mais uma vez seus olhares se cruzaram, mas sem raiva, agora. Havia

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um brilho carinhoso nos olhos de ambos. Prendendo a respiração,
Caroline virou-se e ficou olhando a fumaça, ouvindo Alfonso e José
conversarem.
Pensou nas diferenças que existiam entre eles. Ela sempre tinha
vivido num ambiente de harmonia e conforto. Pio sabia o que era
passar por necessidades, andar pelos becos escuros e se relacionar
com pessoas violentas. Ela pertencia ao sistema, ele era um rebelde.
O pai dela, por meio de negócios bem-sucedidos, era um dos homens
mais ricos do país. O pai dele tinha sido assassinado a bala. E,
apesar de tudo isso, havia aquela atração entre ambos. Será que era
devido à herança em comum, aos avós pastores? Ou seria algo mais
forte?
Tornou a olhá-lo. Viu que estava dormindo, com os ombros apoiados
na parede e a cabeça pendida para um lado. A noite sem dormir o
deixara cansado e agora estava relaxado sob a influência do vinho e
da companhia dos outros homens. Alfonso e José se levantaram e
saíram do abrigo. Caroline ficou onde estava, estudando Pio,
Dormindo ele parecia menos agressivo, mais jovem e vulnerável.
Imaginou como teria sido se o tivesse conhecido anos atrás, antes
dele ter sido forçado a abandonar o país. Surpreendeu-se pensando
que gostaria de tê-lo conhecido.
Imediatamente rejeitou a idéia, achando-a boba e sentimental. Ele
tinha dez anos mais que ela e isso os teria separado ainda mais do
que agora. Há dez anos ela era uma colegial inexperiente, que nem
teria compreendido aquele estudante amante da liberdade, se
tivessem se encontrado.
Então, não haveria esta atração que havia agora. Ela não teria
querido afastar os cabelos que se espalhavam pela testa dele, não
teria querido se encostar na parede para ficar ao lado de Pio e
colocar aquela cabeça inclinada sobre seu colo. Não teria querido
dormir com ele.
Deus!, o que estava pensando? Levantou-se e saiu rapidamente,
enquanto ele ainda dormia. Pegou a capa, atirou-a nos ombros e deu

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uma olhada para ver se Pio não tinha acordado. Ao virar-se,
encontrou Alfonso fumando seu cachimbo e observando os rolos de
fumaça.
- Pio está dormindo - ela explicou.
- Deixe-o dormir. Está cansado. Vamos esperar que acorde para
voltarmos ao vale - ele respondeu.
- Eu já vou indo - ela retrucou, cheia de determinação.
- Mas você pode se perder, nina - ele protestou. - E por que esta
pressa? Temos todo o resto do dia para voltar.
- Eu não vou me perder. Lembro o caminho muito bem - ela disse,
dirigindo-se para o atalho por onde tinham vindo.
- Pio não vai gostar que você volte sozinha - falou Alfonso,
movendo-se rapidamente, como se fosse barrar-lhe a passagem. É
melhor esperar, senorita. por favor, até que ele acorde. Então
voltamos todos juntos.
- Mas não quero esperar que ele acorde. Quero ir agora ela insistiu,
percebendo que parecia mimada e petulante.
Uma expressão irritada cruzou o rosto bonachão de Alfonso.
- Então vou acordar Pio - ele disse resignado, como se fosse uma
pessoa velha e tolerante tratando com uma criança malcriada. E
dirigiu-se para o abrigo.
Caroline hesitou, deu uma olhada em direção ao atalho e percebeu
que não ia conseguir chegar muito longe antes que os dois a
alcançassem. Rapidamente dirigiu-se a Alfonso. colocou a mão no
braço dele, para para-lo.
- Não, não o acorde - pediu baixinho, - vou esperar. Conte-me
alguma coisa sobre Mati.
Ele pareceu aliviado e ela suspeitou que talvez Pio tivesse avisado
o primo que ela poderia tentar fugir. Mais uma vez teve a sensação
de ter caído em uma armadilha. Tinha vindo por livre e espontânea
vontade e queria poder voltar da mesma forma.
O sol estava quente e o ar completamente parado. Grandes nuvens
se formavam por trás dos picos das montanhas e, ao longe, os

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carneiros faziam um barulhinho delicado, com seus guizos.
- Foi problema de coração, senorita - disse Alfonso. - Ela sempre
teve uma certa fraqueza e um dia, quando estava ordenhando as
vacas, o coração parou. - Ela não tinha muita idade.
- Tinha cinquenta e seis anos. Mas os trabalhos pesados que fazia e
os cuidados com o pai não lhe fizeram bem.
- Fiquei muito triste quando cheguei e não a encontrei em Esker
Ona. Por que ninguém me avisou que ela tinha morrido?
Ele ficou silencioso por alguns momentos, fumando, depois olhou
para o céu.
- Talvez porque sentimos que você não se importava mais com Mati -
disse vagarosamente.
- Por quê? Por que diz isso? - perguntou, sentindo lágrimas nos olhos
ao perceber que ele não a apreciava, por causa de sua fortuna e de
suas atitudes esnobes. Era tudo tão injusto! - É claro que me
importo com Mati. Escrevi a ela em todos os Natais e sempre lhe
mandei presentes. Talvez pudesse ter providenciado um bom médico
para ela.
Um ar de dúvida passou pelos olhos de Alfonso, mas Caroline
continuou:
- Oh!, você deve achar que eu devia ter vindo vê-la mesmo que ela
não estivesse doente. Mas era impossível, meu pai me fez... -.
interrompeu-se, percebendo que ia jogar a culpa no pai, criando uma
desculpa na qual Alfonso não acreditaria. - Eu entendo o que você e
Pio pensam. Acham que eu cresci e me transformei numa cadela
egoísta e mesquinha. E é verdade.
- Eu não penso isso, senoríta. - A voz dele era macia e o rosto tinha
assumido um ar orgulhoso. - Eu nunca teria usado essas palavras
para descrever uma mulher. E também não gosto de ouvir essas
palavras serem ditas por uma mulher.
- Desculpe - ela murmurou. Tinha esquecido como o povo basco era
puritano no que diz respeito à linguagem e às boas maneiras. - Estou
só citando o seu primo. Foi ele quem disse que eu sou tudo isso.

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Conte-me onde Mati está enterrada, por favor pediu humildemente.
- Ela está na sepultura da família Viroda, no cemitério da igreja.
.- Gostaria de ir até lá, colocar algumas flores e fazer uma oração -
disse ela, sincera. - Por favor, mostre-me onde é a sepultura quando
voltarmos ao vale?
- Peça ao Pio para lhe mostrar - ele murmurou, mostrando-se
preocupado. Ela respondeu, irritada: ,
- Por que devo pedir a ele? E o que ele está fazendo em Esker Ona?
Não está cuidando do lugar. Está tudo uma bagunça.
Agora ele a olhava espantado. Os olhos castanhos estavam bem
abertos.
- Ele é dono de Esker Ona por direito de herança. Porque ele é o
filho mais velho do filho mais velho de Chermac. E, de acordo com
os costumes bascos, a terra é dele - explicou, paciente.
- Sei disso - respondeu ela, irritada. - Mas não é por isso que ele
está aqui. Disse que veio porque estava com problemas. Você sabe
que tipo de problemas?
- Não, não sei. É a vida dele. Só posso dizer que veio para o vale
porque precisava de paz e calma durante algum tempo. Encontrou
tudo isso aqui. - Alfonso lançou-lhe um olhar crítico. - É pena que
você tenha vindo perturbá-lo - acrescentou rapidamente.
- Não tive intenção nenhuma de perturbar ninguém - ela respondeu.
- Ele me pediu para ficar, se eu quisesse. Por isso fiquei.
- Ele fez isso porque sabia que Mati gostava de você. Pio pediu a
todos do vale que não falássemos com ninguém sobre a sua estada
aqui. Escondeu o seu carro em um dos meus estábulos, para não ser
visto por ninguém que apareça, procurando-a. Ele sabe que ambos
terão problemas se você for encontrada no vale, vivendo na mesma
casa que ele.
- Por que haverá problemas para ele? - ela perguntou, escondendo o
trunfo de que agora sabia onde estava o carro.
- Porque você é a filha de um homem poderoso e conhecido -
replicou Alfonso, evasivo. - Agora desculpe-me, senorita. Tenho que

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falar com José.
Caroline achou que ele estava apenas dando uma desculpa para não
ter que lhe dar mais respostas. Controlou-se, pois queria saber
como o fato de ser a filha de Joseph Morondo podia trazer
problemas para Pio.
Dirigiu-se ao córrego e ficou observando. Uma idéia lhe surgiu: esta
era a chance que estava esperando. Virou-se e viu Alfonso
conversando com José. Falou:
- vou colher algumas flores para o túmulo de Mati. Volto logo.
Alfonso sacudiu a cabeça, mostrando que tinha ouvido e aprovava.
Ela se afastou, colhendo as flores próximas ao regato. Ali, estava
escondida de qualquer pessoa que olhasse do etcholak. Virou-se e
foi descendo, seguindo a corrente de água, atraída por novas flores.
Ia colher flores até chegar ao vale, depois seguiria até a fazenda
de Alfonso, do outro lado da estrada, pegaria o carro, passaria no
cemitério e deixaria as flores na sepultura de Matí.
Seus pensamentos não iam além disso. Não sabia para onde ir
quando deixasse o vale. Só sabia que devia partir enquanto Pio
estava dormindo. Não que a presença dela no vale fosse perigosa
para as pessoas, mas porque ele era perigoso. Caroline sentia o
perigo próximo e só queria escapar.
Foi descendo, os barrancos nas margens do riacho se tornavam mais
íngremes e o céu se abria de nuvens. Um pouco adiante as águas se
transformavam em uma cachoeira e, cheia de frustração, ela
percebeu que não podia seguir adiante, pois havia uma parede de
pedra. Parou onde estava e olhou em volta. Próximo havia um atalho
estreito e ela decidiu caminhar por ele e cruzar a correnteza,
pulando sobre algumas pedras.
Pular a primeira pedra foi fácil, mas a segunda tinha um formato
arredondado e difícil para Caroline se equilibrar. Quando decidiu
pular, perdeu o equilíbrio e caiu na água, batendo o cotovelo
esquerdo nas pedras.
A dor era terrível e ela quase desmaiou. O choque da água gelada

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batendo em suas faces, penetrando pelas roupas e nos cabelos,
trouxe-lhe um sentimento de pânico que aumentou ainda mais à
medida que foi perdendo o fôlego e percebendo que estava sendo
levada pela correnteza, em direção à cachoeira.
Escorregando e flutuando, conseguiu apoiar um dos pés na margem.
Quase sem fôlego, agarrou-se nos galhos de uma árvore e procurou
se arrastar para fora, em direção ao barranco cheio de lama e
capim molhado. Mas a dor em seu braço era muito forte. Ela perdeu
os sentidos e tornou a escorregar para dentro da água.


CAPÍTULO III

A mesma pontada de dor que a tinha feito desmaiar trouxe-a de
novo à consciência. Ela gemeu e ouviu uma voz:
- O que aconteceu, nina ,está doendo? - A voz era familiar.
Pertencia a Pio e, pela primeira vez, ele estava preocupado com ela.
Caroline estava sentada no chão, com as costas apoiadas na parede.
Primeiro pensou que estivessem no eicholak, mas depois viu uma
abertura. Não era uma porta, mas
um arco rústico, através do qual podia ver folhagens e samambaias
e ouvir os pingos de chuva pesada.
- Onde estamos? - perguntou.
- Em uma caverna, perto da cachoeira - respondeu Pio, que . estava
ajoelhado ao seu lado.
- O que aconteceu?
- Você escorregou e caiu no rio. Estava desmaiada quando chegou na
margem. Seu cabelo estava molhado e gotas de água pingavam-lhe
das faces, mas o resto do corpo
estava quase seco. Foi uma sorte eu tê-la seguido. Só assim pude
tirá-la da correnteza e trazê-la aqui.
- Quer dizer que eu podia ter me afogado?
- Si. - O olhar dele a percorreu. - E agora tire estas roupas

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- disse rapidamente, já com os dedos nos botões da blusa dela.
- Não!
- Não! - Caroline o empurrou com força. - Não vou tirar a
roupa aqui!
- Mas você está muito molhada e tremendo. Se não tirar a roupa
pode pegar um resfriado, até uma pneumonia - argumentou. Aquela
água é muito fria, está cheia de neve derretida.
Ela estava tremendo inteira. Os dentes batiam, o cabelo molhado
pingava e toda sua pele parecia arrepiada.
- E o que vou usar, se tirar minhas roupas?
- Eu lhe empresto meu suéter. Ele ainda está seco.
- Mas não me cobre toda!
- É verdade - ele esfregou o queixo, pensativo -, mas cobre a parte
mais importante para que você não fique doente - explicou.
Mal tinha acabado de falar quando a caverna foi iluminada por um
relâmpago e logo depois um gigantesco trovão sacudiu as montanhas.
-Trovões em maio? - perguntou Caroline.
- Si. A temperatura está muito alta para. esta época do ano. Você
não viu como a manhã estava quente e úmida? Ou estava muito
ocupada colhendo flores? - Ele estava ficando agressivo novamente.
- Por que não me esperou? - Seus olhos tinham um brilho brincalhão.
- Eu a teria ajudado a colhê-las.
- Você estava dormindo.
- Eu acordei enquanto você e Alfonso conversavam. Tiveram uma
conversa de comadres, vocês dois. - Ele a olhava cauteloso, como se
soubesse que tinham falado dele.
- Ele contou que eu tinha ido colher flores?
- Sim, e quando você não voltou, decidi segui-la. Chamei-a várias
vezes, mas acho que você não ouviu por causa do barulho das águas.
Não olhou para trás nenhuma vez. E agora, tire logo essa blusa e
coloque meu suéter.
- Só vou tirá-la se você olhar para o outro lado - ela respondeu.
Seus olhos se encontraram num desafio.

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- Sua modéstia me surpreende - ele respondeu. - Você não se
importou em ser fotografada com aquele biquini mínimo. . .
- Aquilo foi diferente. . . - ela replicou, furiosa - aquelas pessoas
são diferentes.
- Diferentes de mim, você quer dizer. - O olhar brincalhão tinha
desaparecido, dando lugar a uma expressão amarga, quando ele se
inclinou e disse: - Ver ou não ver você sem roupas, para mim
não significa nada, nina. Você não
significa nada para mim. E agora pare de ser teimosa e tire a roupa.
- Por favor, olhe para o outro lado - ela pediu. - Posso me
desabotoar sozinha.
- Não, não pode. Sabe que seu braço dói quando o movimentía
- ele respondeu agressivo, ao ver que ela gemia para se desabotoar.
- O que aconteceu com ele?
- Quando escorreguei bati o cotovelo em uma pedra. - Ela tentou
erguer o braço e mais uma vez sentiu a pontada de dor. - Espero
que não esteja quebrado - acrescentou, baixinho. Nunca em toda a
sua vida tinha quebrado um membro ou se machucado gravemente.
Todos os seus arranhões da infância tinham sido prontamente
curados por Mati e, mais tarde, pelas enfermeiras das escolas.
A mão de Pio segurou seu braço. Os dedos longos apalparam-no
acima do cotovelo, pressionando os músculos contra os ossos.
- Foi aqui? - perguntou, os dedos no lugar onde doía.
- Sim - ela gemeu e se agarrou ao suéter dele com a outra mão.
temendo desmaiar novamente.
- Então tire a blusa - ordenou, já com os dedos nos botões, antes
que ela pudesse protestar.
Ela estava tremendo e incapaz de reagir. Ele afastou a blusa para
os ombros.
- vou cortá-la em tiras para fazer uma tipóia - disse e ela se viu nua
da cintura para cima, com exceção do minissutiã de renda e seda
que mal lhe cobria os seios redondos e de bicos rosados.
- Está bem - ela concordou, fazendo o possível para que sua voz

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soasse indiferente.
- Isso aí está molhado também? - ele perguntou, tocando a alça de
seda do sutiã.
- Não muito.
Ela não conseguia olhar para o rosto dele. As batidas rápidas de seu
coração pareciam trovões e suas faces estavam em fogo.
- Você acha que quebrei o braço? - perguntou, rouca.
- Não. - Ele estava cortando a blusa em tiras. - Não senti
huma protuberância do osso. Mas pode ser uma rachadura na parte
superior do osso, por isso sente tanta dor. Como você sabe disso?
- Estudei anatomia.
- Você estudou para ser médico? - Ele não combinava com a
idéia que ela tinha dos médicos.
- Não, estudei arte.
Então era por isso que vê-la sem roupas não significava nada para
ele, pensou. Ele lhe ergueu o braço, colocando-o na frente do corpo,
pouco abaixo dos seios. Ela já não tremia mais. Um calor estranho a
invadira e gotas de suor estavam se formando na sua testa.
Sente-se confortável? - ele perguntou, colocando a tipóia no
braço e prendendo-a no pescoço de Caroline. Os dedos dele roçavam
sua pele. Caroline estava sem voz e só conseguiu concordar com a
cabeça. Pio avançou o rosto para amarrar as pontas atrás do
pescoço dela.
Quando o nó estava pronto, ele arrumou a tipóia, passando-a entre
os seios dela. Uma sensação perturbadora invadiu Caroline. Queria
que ele a tocasse. Não friamente,
como um enfermeiro ou um médico, mas apaixonadamente e cheio de
desejo sensual por sua pele e suas formas.
Queria que ele também quisesse o mesmo. Ergueu a cabeça e olhou-
o diretamente, sabendo que ia demonstrar tudo o que sentia. Para
ser ainda mais convidativa, entreabriu os lábios. Os olhos dele
estavam na mesma altura dos dela e Caroline viu que mostravam
surpresa, antes de escurecerem e adquirirem uma expressão

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perigosa e destruidora. O olhar dele desceu para sua boca.
Foi um momento em que ela quase perdeu o fôlego, com tanta
sensualidade. Trovões ecoaram novamente ao longe, acentuando a
tensão entre ambos. Então Pio se moveu rapidamente. Tirou o
suéter e o empurrou para Caroline, vestindo-a pela cabeça.
Espantada e cheia de desapontamento, ela enfiou um braço em uma
manga e ele puxou o resto sobre o cotovelo machucado.
Mais uma vez ela estava vestida. A lã grossa lhe fazia cócegas na
pele. O calor do suéter vindo do corpo dele agora a aquecia. Era o
melhor que podia ter, já que ele não a tinha abraçado para aquecê-
la.
- Por que você queria atravessar o riacho? - ele perguntou,
terminando a destruir a paixão que ameaçava instalar-se entre eles
- Achei que se pudesse cruzá-lo, ia seguir a correnteza até chegar
ao vale.
- Então queria fugir? Por quê?
- Eu. . . eu. . . eu estava com medo. Alfonso disse que minha presença
aqui é perigosa para o povo da cidade e do vale. Achei melhor ir
embora.
- Por que não seguiu pela trilha dos carneiros?
- Alfonso não deixou. Disse que você não ia gostar que eu partisse
enquanto você dormia. Pediu-me para esperar, que ia acordá-lo. Por
que não quer que eu parta, Pio?
Ele estudou sua face, depois inclinou-se para a frente e, com ambas
as mãos, afastou os cabelos molhados dela. Novamente uma certa
tensão se formou entre os dois. Caroline sentiu que ele sussurrou
algo, percebeu que seus dedos acariciavam-lhe o pescoço. Viu os
lábios dele se entreabrirem e se aproximarem. Os olhos dela
brilharam, triunfantes. A vingança estava próxima.
- Devo estar perdendo a cabeça - ele murmurou, sua boca tocando a
dela.
Caroline pressionou seus lábios aos dele e passou a mão no pescoço
de Pio. Seus lábios se abriram sobre os dela, cheios de sensualidade

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e erotismo, deixando-a sem iniciativa. Os braços dele a envolveram.
De repente Pio estava sentado próximo e ela agarrada em seu peito.
Deixando os lábios de Caroline, ele a beijou no rosto,
nas orelhas, no pescoço e voltou aos lábios.
Novos trovões ecoaram, mas Caroline nem os ouviu. Esqueceu a dor
no braço e o motivo que a tinha feito atraí-lo. A intensidade e a
paixão dos beijos dele tinham despertado uma paixão semelhante
nela.
Passou os dedos pelos cabelos molhados dele, pelo pescoço e pelo
peito. Estava aconchegada a ele e sentia-se lânguida; os beijos se
tornaram mais intensos e o abraço mais forte. Caroline gemeu, não
de dor, mas de prazer, quando sentiu que as mãos dele penetravam
sob o suéter e, com as pontas dos dedos, lhe acariciavam os seios.
Devagar foi sentindo um desejo que era tão grande quanto o dele.
Queria ficar cada vez mais perto, até chegar a uma união completa.
Era algo que nunca tinha sentido por outro homem.
Mas, de repente, as mãos dele a afastaram. Ele se levantou e foi
a entrada da caverna. Encostou um ombro na pedra, passou a mão
pelos cabelos e sacudiu a cabeça com força, como se tentasse
afastar a paixão. Tirou cigarro e fósforos do bolso.
O sentimento de ter sido rejeitada era ainda mais forte do que a
noite passada. Caroline estava sem fôlego. Levantou-se e seguiu-o.
Fora da
caverna tudo estava molhado e verde. A chuva tinha parado, mas a
água ainda escorria e caía das árvores.
- Pio, o que aconteceu?
Ele tinha uma expressão indiferente, cheia de hostilidade.
- Pio, o que é? Por que está me olhando assim?
- Eu não quero ser usado como um substituto.
- Substituto? - Ela estava confusa. - Não entendo. . .
- Não mesmo? Então eu explico. Agora você já teve o que estava
querendo, não?
- O que quer dizer? - ela falou baixinho.

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- Queria ser acariciada e confortada porque tinha se machucado.
Mas não vai ter mais do que isso. Não vou ser usado como um
substituto de Billy Van Dorman, nem de Mati.
À medida em que ela compreendeu o sentido daquelas palavras,
sentiu raiva.
- Você acha que eu fingia que você era Billy e por isso deixei você
me tocar daquela maneira? Que coisa mais louca está sugerindo?
- E o que mais você podia esperar de um ignorante cheio de
preconceitos? Tenho alguma outra explicação para a sua mudança
de atitude? Sabe, nem tenho certeza se estou com a mesma mulher.
Na noite passada tive a impressão de beijar uma virgem fria, pura
neve, gelada até o pescoço. Hoje à tarde. . . Uau! - Sua expressão
de espanto causou aborrecimento nela. Ele prosseguiu: - Que
diferença! De repente pensei que você queria que fizéssemos amor,
que nos tornássemos amantes nesta caverna primitiva. Por isso
concluí que gostaria de estar em Bilbao e levar avante o casamento
com Van Dorman, Para não perder todas as carícias e beijos a que
terá direito
depois da festa. . .
- Não estou sentindo falta de Billy - ela gritou. - Fugi porque
não suportei a idéia de fazer amor com ele. Billy é repugnante! -
agora ela admitia algo que há tempo vinha sentindo.
- Então, por que queria fazer amor comigo? Só pela emoção, Você
está em busca de algumas sensações pervertidas por estar
sendo seduzida neste lugar, por um homem
que não a atrai e que você acusou de levar um tipo de vida que não a
agrada? – Ele tomou fôlego e passou as mãos pelos cabelos. -
Percebeu como quase chegamos a isso? - indagou, cheio de rancor.
- Não, não, não é porque eu. . . - Caroline se interrompe percebendo
que estava gritando com ele, contrariando todas as
regrgras de educação e bom comportamento que
lhe tinham ensinado durante anos. Queria se proteger, não
demonstrar a atração que sentia, netr seu temperamento passional.

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- Por que você tem sempre que estragar tudo? - murmurou baixinho,
sem saber exatamente o que estava sendo estragado.
- Há alguma coisa para estragar? - ele indagou, andando ao redor
dela. - Diós, daqui a pouco vai dizer que se apaixonou
por,- mim. Vamos, nina, seja realista. Encare
os fatos: você queria um homem e eu estava à mão. . .
Pleft! Ela nem sabia que podia bater com tanta força. Só percebeu
quando viu aparecer no rosto dele a marca dos seus cinco dedos.
- Pare com isso! Pare com isso! Não fale mais estas coisas horríveis.
Não gosto disso! - ela gritou.
- Não? Então gosta de quê? - ele falou ríspido, tocando o rosto com
a ponta dos dedos. Ela viu que apareciam raios de ódio em seus
olhos. Ele prosseguiu: - Se não concorda com minhas conclusões, por
que me excitou tão deliberadamente para fazer amor com você?
- Eu não. . . - ela começou a negar e parou. Seu plano de vingança
tinha sido uma armadilha para ela mesma. Queria que ele a
desejasse muito, para depois recusar. E, aparentemente, tinha
conseguido, mas a que custo. Só não sabia que Pio também podia
fazer com que ela o desejasse. Agora não podia explicar seu
comportamento, a tentar ser honesta. - Pio, por favor, acredite em
mim. Você. . . é o primeiro homem que me tocou daquela forma. . .
mas. . . não foi porque eu queria fazer amor
com você. Foi porque. . . Oh!. por favor, ouça-me! - Ela começou a
chorar porque com uma expressão irritada, ele tinha se virado de
costas. - Eu ? nca me senti daquele jeito com mais ninguém antes de
você. . .
- Cale a boca! - ele gritou. - Você é uma garota toda confusa,
desorientada, porque esteve sempre afastada de uma vida normal.
Não sabe o que está dizendo. . .
- Sim, eu sei, eu sei - ela insistiu ferozmente. - Foi você que
perdeu a cabeça, e não eu. Você mesmo já disse isso - falou
desesperada, tentando fazer um pouco de humor.
- Mas, pelo menos, sei qual é o meu problema. Estou vivendo

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aqui sozinho há dois meses, sem nenhum contato com mulheres
atraentes. Então você chegou, com esse corpo bonito, e começou a
me olhar sob esses cílios compridos. Não é de se estranhar que eu
tenha perdido o controle. - Moveu-se rapidamente e empurrou-a
com violência para fora. - Vamos sair daqui! Alfonso deve estar
imaginando o que aconteceu conosco.
O que aconteceu conosco, pensou Caroline, enquanto caminhava ao
lado dele. Suas meias estavam encharcadas, o braço doía e Pio não
disse uma palavra, nem lhe ofereceu a mão nos lugares mais difíceis
do caminho. Achava que ele não queria tocá-la, era perigoso para
ambos.
O que tinha acontecido na caverna era algo que ela queria evitar.
Aquela explosão de paixão entre os dois era mais assustadora do
que os trovões. Agora sabiam que sentiam atração um pelo outro,
mas algo havia se rompido quando ele se recusou a amá-la na
caverna.
"Para sentir emoções!" O tom com que ele havia dito isso ainda
estava nos ouvidos dela. Viu-se como ele a via. Uma menina rica,
acostumada ao luxo, à admiração de todos e que apenas estava
procurando novas formas de excitação. No círculo em que vivia até
dois dias atrás, Caroline havia conhecido mulheres daquele tipo. Mas
não era uma delas. Elas a deixavam nauseada.
Quando chegaram ao etcholak o sol já tinha clareado, as nuvens
estavam se dissolvendo e revelando as montanhas de pedra
brilhante. Os pássaros cantavam e havia barulho de água por toda
parte.
Alfonso estava saindo do abrigo, onde tinha permanecido enquanto
chovia forte. Quando os viu, sua expressão foi de alívio. Fez
perguntas a Pio, no idioma basco, apontando Caroline com o
cachimbo. Pio respondeu rispidamente e entrou no etcholak.
- Que pena ter-se machucado, senoríta. Será que pode montar a
cavalo? - disse Alfonso.
- Sim, posso ir em uma das mulas, de volta ao vale.

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Ela só queria chegar a um lugar quente e seco, tomar um banho
quente, enxugar bem os pés e esquecer todos os problemas.
Pio se aproximou trazendo uma garrafa de vinho. Estendeu-a a ela
- Beba um pouco. Vai esquentá-la e talvez adormeça um pouco os
seus nervos.
- Você acha que isso cura todas as doenças? - ela brincou.
- Fique quieta e beba. Senão vai desmaiar. A dor está forte, não?
- Sim, mas prefiro tomar algumas aspirinas.
- Só que não temos aspirinas aqui. Só temos vinho. A não ser que
você tenha trazido algumas entre aquelas coisas de mulher que
estão na sua bolsa - acrescentou, com um sorriso sarcástico.
- Minha bolsa! - ela exclamou, percebendo pela primeira vex que não
estava com ela. - Onde está? O que fez com ela?
- Acho que ainda está no abrigo, onde a coloquei - respondeu ele,
sacudindo os ombros.
- Não está. Eu a levei comigo.
- Mas você não estava com ela, quando a tirei do riacho.
- Então, devo tê-la derrubado lá, quando caí - ela gemeu, colocando
a mão na cabeça e sentindo-se de repente muito fraca.
- Agora já deve ter sido levada pela correnteza até o rio Nieve.
onde possivelmente se enroscou em alguma pedra, no meio das
cachoeiras.
- Será que podemos voltar lá? - Caroline perguntou, apesar de saber
que não tinha forças para voltar.
- Não agora. O mais importante é levar você a um médico.
- Mas não posso ir a lugar nenhum sem a minha bolsa. Todo o meu
dinheiro, o talão de cheques e a identidade estão lá!
- Eu avisei para não trazê-la aqui - ele lembrou.
- Oh!, a culpa foi sua. Se você não tivesse me pedido para ficar,
nada disso teria acontecido.
- Está bem, ponha a culpa em mim - disse suavemente, com o brilho
aumentando nos olhos e os lábios firmes cheios de raiva.
- Mas não fui eu que pedi para você vir a este vale, esta história

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- 58 -

é muito mais antiga. Vem desde ontem quando você fugiu porque
não queria casar com Van Dorman. Comece falando assim: se
não tivesse fugido. . . - Ele a olhou e estendeu a garrafa de
vinho - Agora, beba - ordenou com voz firme. - Beba logo ou
vOu forçá-la a isso e deixar Alfonso todo espantado, pois ele é
muito gentil e nunca forçaria uma mulher a nada.
- Eu acho que você. .. você é o homem mais rude que já encontrei! -
Caroline teria atirado longe a garrafa se não lembrasse que ela
pertencia a José e que continha
o vinho que ele ia beber nos próximos dias.
- Mais rude do que Joseph Morondo? Tome logo este vinho e pare
de resmungar!
A dor e a fraqueza acabaram com o desejo dela de resistir. Tomou
o vinho e logo sentiu-se aquecida, até um pouco contente.
- Tome mais - Pio insistiu.
- vou ficar bêbada.
- E talvez fique menos teimosa - ele respondeu, sorrindo com os
olhos. - Vamos, beba mais. Vai tornar a viagem montanha abaixo
muito menos dolorosa.
Caroline tomou mais alguns goles e dirigiu-se para a mula que
Alfonso estava puxando. Ouviu Pio rindo e virou-se para protestar.
Estava tonta e confusa. De repente, ele a ergueu nos braços e a
colocou no lombo na mula. Estava com os olhos brilhantes, sorriu e
olhou diretamente nos olhos dela.
- Você está bêbada, nina - ele brincou. Pegou a mão direita dela e a
colocou na corda que estava amarrada ao pescoço da mula.
- Segure aqui com força - ordenou - e não deixe escapar. Se não
você pode cair novamente.
O vinho fez seu efeito, suavizando a descida da montanha. A cabeça
dela estava pesada quando tentou levantá-la, as nuvens pareciam
distantes e o céu muito azul. Tudo que sentia era a aspereza da
corda em sua mão. Olhou ligeiramente dos lados e viu que os cabelos
de Pio estavam secando e refletindo a luz do sol.

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- 59 -

Ela tinha tocado naqueles cabelos e sentido que eram macios.
Queria tocá-los novamente. Mas ele não ia deixar. Ia dizer que ela
só estava procurando emoções novas. Mas ia tocá-los. Estava
com uma das mãos livres e a cabeça dele estava bem a seu lado. Não
ia cair. Já tinha caído o suficiente por um dia. Será que ele se
importaria?
Caroline teve uma leve consciência das paredes da Esker Ono
quando cruzaram o vale. Um menino de treze anos, mais ou menos
estava sentado na porta e pulou quando
viu o grupo se aproximando. Falou excitado em espanhol e deu a Pio
um pedaço de papel dobrado. Alfonso estava cheio de ansiedade e
discutiu com o primo durante algum tempo. Depois sacudiu os
ombros e pareceu concordar.
Pio virou-se para Caroline, que ainda estava sentada na mula,
esperando que alguém a ajudasse a descer, pois suas pernas
estavam fracas.
- vou levá-la ao médico, agora - disse ele, bruscamente. Vamos no
seu carro. Concorda que eu dirija?
Seria perda de tempo não concordar. Ela sabia que seu braço
precisava de cuidados médicos. Sabia também que tinha perdido sua
independência quando se machucou e
perdeu a bolsa. Estava dependendo da boa vontade dele. Por isso,
era bobagem ofendê-lo. Não discutiu, apenas balançou a cabeça,
concordando.
- Bueno. Então fique na mula e Alfonso irá levá-la até a fazenda
onde está o carro. Sigo você dentro de alguns minutos - respondeu
com maneiras bruscas, entrando na casa e fechando a porta antes
que Caroline pudesse perguntar se podia mudar de roupa antes de ir
ao médico.
O sol se escondeu atrás de uma montanha e as sombras se
alongaram. Alfonso puxou a mula até o fim da rua que atravessava a
cidade. O menino, que parecia seu filho, caminhou junto com ele.
Passaram o campanário e Caroline pensou na mensagem de uma velha

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canção que Mati tinha lhe ensinado, falando nas pombas brancas dos
Altos Pirineus, que às vezes voam para longe pensando encontrar
prazer e só encontram dor.
Alfonso dirigiu a mula para uma estrada estreita e cheia de lama,
chegando à sede da fazenda, com seu telhado vermelho e cheio de
musgos.
Uma mulher de mais ou menos trinta anos, com o rosto longo e
magro e olhos pretos brilhantes estava parada na porta. Segurava
uma criança de aproximadamente seis meses e falou duramente com
o menino quando ele passou por ela e entrou na casa. Depois olhou
para Caroline com curiosidade e uma certa hostilidade fria no rosto.
Pio recebeu meu recado? - ela perguntou a Alfonso em espanhol.
- Si.
- Então por que você a trouxe aqui? - inquiriu a mulher, olhando em
direção a Caroline.
- Ela machucou o braço. Ele vai levá-la ao médico. Vão no carro -
explicou Alfonso e a mulher pareceu aliviada.
- Graças a Deus - murmurou ela, se benzendo. - Estou contente que
ele vai tirá-la daqui. Aquele seu primo é um louco. Não devia tê-la
deixado ficar, em primeiro
lugar. - Parou e deu um passo em direção a Caroline. - Eles lhe
contaram o que aconteceu?
Caroline balançou a cabeça negativamente.
- Então vou contar - disse a mulher -, e talvez você possa fazer
alguma coisa. Seu pai acredita que você foi sequestrada por um
grupo de terroristas. Já pediu que a Guardiã Civil fosse procurá-la
e você sabe o que significa isso. Eles vão chegar aqui com uma
porção de perguntas. É importante que a senorita fale com seu pai e
diga a ele que está segura e não foi sequestrada.
- Oh! vou falar. vou falar - respondeu ela rapidamente.
- Bueno, - A mulher não sorriu. Em lugar disso, deu-lhe outra
olhadela hostil e entrou na casa, batendo a porta.
- Ela não gosta de mim? Por que nenhum de vocês gosta do meu pai?

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- ela perguntou para Alfonso, que tinha se aproximado a fim de
ajudá-la a descer da mula.
- Eu não sei, senorita - murmurou, evasivo. - Venha sentar-se neste
banco. Pio vai chegar logo. vou procurar algo para você comer.
Ele também entrou na casa e fechou a porta. Depois de alguns
momentos, saiu com um copo de leite e um prato onde estavam duas
fatias de pão com queijo. Caroline pegou os alimentos, agradecida, e
ele levou a mula para os fundos da casa.
O sol se pôs. As montanhas ficaram arroxeadas e a lua nova
começou a brilhar. Pio chegou carregando um saco nos ombros e a
mala de Caroline na mão.
- Pio - ela falou, nervosa -, preciso achar um telefone. Quero falar
com meu pai e avisar que não fui raptada.
- Então já falou com Juana, hein? - ele respondeu friamente
pousando no chão o saco e a mala. - vou pegar o carro.
Desapareceu atrás da casa e dentro de alguns minutos ela ouviu o
motor do carro. Pio trouxe-o e parou, colocou a mala e o saco no
porta-malas e disse para ela se sentar na frente, ao lado dele.
Alfonso apareceu e abraçou Pio. Depois levantou o barrete e disse
adiós baixinho para Caroline. Em seguida, voltou para a casa.
Partiram. Ao passarem pela igreja, Caroline lembrou das flores que
tinha colhido para o túmulo de Mati. Perdeu-as ao cair na
correnteza e nunca mais ia visitar o túmulo da velha amiga. Duvidou
que passasse um dia novamente por aquela cidadezinha.
As últimas casas ficaram para trás. Pio dirigia velozmente pelos
caminhos tortuosos e logo chegaram à estrada larga e asfaltada que
descia da região montanhosa em direção ao sul.
- Onde vamos? - perguntou Caroline.
- Para San Sebastián. Iremos para o oeste quando chegarmos na
estrada de Pamplona.
- Mas deve haver um médico e um telefone mais perto.
- É possível - ele respondeu. A suspeita mais uma vez passou por ela.
Sentada no carro, toda machucada, sentiu-se presa a uma armadilha

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e completamente dominada por ele.
- Não acredito que esteja me levando a um médico - falou acusadora
e em pânico. - Você só disse isso para que eu concordasse em deixá-
lo dirigir o carro. Estava com medo que a Guardiã pudesse fazer
perguntas. Eles iam pensar que você tinha me raptado.
- Você está errada - ele replicou friamente. - Estou levando-a ao
médico em San Sebastián. Mas está certa, em relação à Guardiã.
Entretanto, Alfonso e sua esposa vão garantir que não viram você
aqui pelo vale. Não é o que queria, que ninguém a encontrasse?
- Será mais fácil para todos nós se me deixar falar com meu pai,
por telefone, e explicar que não fui raptada - ela murmurou.
Ele acendeu um cigarro e ela viu seu perfil marcante desenhado
contra a escuridão.
- Por que você não telefona de San Sebastián?
- Mas, não vamos parar antes de chegar lá?
- Para quê?
- Para pôr gasolina. O tanque deve estar vazio. Já estava no fim
quando cheguei a Elbarra.
Eu o enchi na noite passada.
- Você o encheu? Onde? Em Elbarra?
- Não, no caminho para Pamplona.
- Você quer dizer que foi para Pamplona com este carro, na noite
passada?
- Si - ele concordou.
- Você não tinha o direito de fazer isso. Não tinha nenhum direito.
Devia ter-me pedido antes.
- Sei disso. Mas só me lembrei de pedir depois que você já tinha
dormido.
- Quer dizer que saiu a noite toda. Onde esteve?
- Já lhe disse. Ganhando a vida.
A resposta dele teve o mesmo efeito de um empurrão. Ela passou a
olhar para o céu. Pamplona era famosa pela sua Fiesta de San
Fermin, quando os homens e os meninos testam sua coragem

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correndo atrás de touros soltos pelas ruas. Mas a cidade tinha
também a reputação de ser um dos principais centros do movimento
de independência.
Por que Pio tinha ido lá? Todas as suspeitas de Caroline começaram
a atormentá-la. Será que ele agora tinha recebido instruções para
ir a San Sebastian, e estava
usando o carro dela para a viagem que precisava fazer? Ela não
podia fazer nada para impedi-lo. Estava sendo levada pela vontade
forte dele.
Chegaram a um cruzamento e ele entrou à direita. As montanhas já
não estavam mais tão perto da estrada. À distância, luzinhas das
casas de fazenda piscavam, fracas.
Será que Pio a estava raptando? Não era possível. Para raptar
alguém é preciso forçar a pessoa contra a vontade dela. É preciso
amarrá-la, trancá-la, não deixar que fale com ninguém. Pio não a
tinha forçado a nada. Tudo o que ela tinha feito era de livre
e espontânea vontade, impetuosamente e sem muito planejamento.
E agora estava ferida e não podia dirigir. Tinha perdido o dinheiro e
não podia mais viajar ou ficar em um hotel. Por que não tinha
deixado um bilhete para o pai,
antes de sair? Agora estava envolvendo pessoas inocentes, como
Alfonso e sua esposa, que podiam ser interrogados pela Guardiã.
Tudo porque seu pai acreditava que ela tinha sido raptada.
- Que confusão eu aprontei - murmurou, enquanto as lágrimas
apareciam em seus olhos. - Oh!, Pio, que devo fazer?
Virou-se para ele e descansou a cabeça em seus ombros, chorando
de encontro à jaqueta de couro. Ele encostou o carro e a tomou nos
braços, e ela chorou mais, sem saber exatamente por que motivo
mas sentindo dor, frustração e ansiedade.
Aos poucos os soluços foram passando. Ela continuou de encontro a
ele, sentindo os dedos fortes que lhe acariciavam os cabelos.
- Acho que você pensa que eu não passo de uma criança mimada que
sempre chora quando as coisas não dão certo - ela sussurrou.

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- Mais ou menos - ele respondeu suavemente. - Mas sei que se
machucou, está desorientada e não sabe direito para onde quer ir.
- Pareço um cãozinho perdido - ela respondeu, sorrindo e erguendo
a cabeça.
- Um gatinho perdido. . . - ele corrigiu - com unhas que arranham.
Os dedos dele escorregaram para o queixo dela. Beijou-a de um
modo quente, abaixo dos olhos, e lambeu algumas lágrimas que ainda
estavam por ali. Ela sentiu o apelo sensual, colou-se a ele e passou
um braço pelo seu pescoço, procurando instintivamente a boca de
Pio.
Os lábios dele estavam ansiosos e colaram-se aos dela. Caroline
sentiu um enorme desejo dentro de si. Não se importava mais com o
que Pio tivesse feito ou não. Queria ultrapassar com amor todas as
barreiras que havia entre eles. Queria amá-lo. Já o amava,
ferozmente e de um modo até protetor. Por isso o estava beijando
com total abandono, deixando que ele a acariciasse, e queimando de
desejo. Queria ficar com Pio para sempre, viver com ele.
O beijo violento chegou ao fim e. devagar, Caroline voltou à
realidade. Dentro do carro estava escuro e o pescoço de Pio pulsava
de encontro à sua testa.
- Nunca vou ser capaz de fingir que você é Mati, depois disso
- ela suspirou, afastando-se dele.
- Então, não finja. Eu não estava fazendo isso para substituí-la ou
substituir outra pessoa. Fiz por mim mesmo.
Ele acendeu um fósforo e segurou-o alto, observando o rosto dela.
Ela pôde ver-lhe os olhos escuros e as sobrancelhas negras.
- Mesmo quando chora, você é bonita. Seus olhos parecem miosótis
molhados de chuva - ele murmurou.
- Ninguém nunca me disse isso. - Ela estava espantada, observando
a chama do fósforo.
- Nem mesmo Billy? - ele brincou.
- Eu duvido que ele saiba o que é um miosótis - ela afirmou e Pio,
sorriu, sacudindo o fósforo para apagá-lo.

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- Mas, o que vou fazer? - ela interrogou novamente. - É muito cedo
para eu voltar a Bilbao. O casamento deve ser amanhã e se eu voltar
hoje à noite, o meu pai, tia Margareth, Billy e todo mundo vão
acreditar que voltei porque quero casar. Vão fazer pressão
novamente e todos os meus esforços para evitar o casamento
estarão perdidos.
- Então não volte, ainda.
- Mas, onde vou, então?
- Você pode ficar comigo, no meu estúdio - disse Pio calmamente. -
Fique, da mesma forma que ficou em Esker Ona. única diferença é o
lugar. Pode ficar até se sentir
melhor e ser capaz de dirigir novamente. Então o seu pai vai
entender o que você pretendia quando fugiu.
- Mas... - começou ela.
- Tem outra sugestão? Há algum outro lugar para onde você possa
ir? Tem algum amigo que lhe ofereça abrigo e não conte ao seu pai
onde você está?
- Não, não tenho. Não tenho ninguém, agora que Mati partiu. Mas,
Pio, por quê?
- Por que o quê?
- Por que você está me oferecendo abrigo novamente? Sei que antes
foi uma homenagem a Mati, que teria me convidado para ficar. Mas
agora já não estamos mais em Esker Ona.
Ela esperou a resposta com o coração batendo, ansiosa. Talvez ele
dissesse agora que se sentia atraído por ela. Talvez dissesse que a
amava e a fantasia de viver
com ele - que tinha surgido quando se beijaram - virasse realidade.
Ele não respondeu logo, mas ficou olhando pela janela e fumando.
Depois inclinou-se para a frente, puxou o cinzeiro e esmagou o
cigarro.
- Não tenho nenhuma razão para fazer isso - explicou Pio olhando
para os vidros do carro. - Tudo o que posso dizer é
que desenvolvi uma estranha ligação a você.

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É como eu me sentiria em relação a um gatinho abandonado, com
pêlo dourado e olhos azuis do qual não quero me separar ainda -
falou suavemente. - agora, por que
você não se enrosca toda e dorme um pouco, gatinha? Ainda temos
muito caminho pela frente.
Não tinha sido a resposta dramática e romântica que ela esperava,
mas era melhor do que ser rejeitada como das outras vezes em que
ele sempre negava a atração entre ambos. Caroline ajeitou-se no
banco, encostou a cabeça no apoio e ficou pensando. Quando
telefonasse ao pai, não ia contar onde estava. Só ia dizer que não
tinha sido raptada e pedir que ele mandasse parar a busca. Era um
alívio saber que agora tinha um lugar para ficar nos próximos dias,
talvez até nas próximas semanas. Se quisesse, para sempre. Ah!, se
esse sonho pudesse virar realidade!
Logo pegou no sono e não acordou até que o carro estacionou em
uma avenida arborizada e bem-iluminada. Sentindo-se melhor,
esfregou os olhos e o pescoço.
- Aqui é San Sebastian? - perguntou.
- É. Você já veio aqui antes? - perguntou Pio.
- Sim, mas era pequena. Meu pai tinha uma casa de verão em uma
praia perto daqui. Minha mãe gostava de ficar lá comigo e com Mati.
Mas papai vendeu a casa, não sei por quê. Parece que está ventando
bastante esta noite, não?
- Primeiro vamos ao médico - disse Pio.
- Mas, não é muito tarde? Os médicos têm horário para atender
seus clientes.
- Este vai nos atender.
- Qual o nome dele?
- O nome dela é dra. Caterina Spinoza.
- Que idade tem? - Para seu próprio espanto, Caroline estava com
ciúmes e sabia que Pio tinha percebido, pelo olhar que ele lhe deu.
- Uns cinco anos mais do que eu.
Ele devia ter muitos amigos, ela pensou. Era um homem bonito,

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muito viril e tinha um certo charme que devia atrair as mulheres,
principalmente as mulheres mais velhas.
Meu Deus, ele podia até ter uma esposa! E ela, ali, pensando em ir
morar no apartamento dele. Devia estar muito enfeitiçada. Na
verdade, estava completamente enfeitiçada desde que tinha
entrado na cozinha de Esker Ona.
Entraram em uma ladeira cheia de casas grandes e muros altos. Na
metade da rua, Pio entrou com o carro por um portão de ferro que
estava aberto e estacionou em frente a um sobrado em estilo de
fazenda.
- O que devo dizer à doutora? - perguntou Caroline, impaciente,
enquanto ele tentava ajudá-la a abrir a porta.
- Sobre o quê?
- Como machuquei o braço.
- Diga a verdade. Mas não se preocupe. Ela não vai fazer muitas
perguntas. Por isso eu a trouxe aqui.
- Ela pode me reconhecer, da mesma forma que você.
- Se isso acontecer, resolveremos depois. Agora, saia.
Uma mulher baixa e gordinha, usando um avental branco sobre o
vestido preto, apareceu quando Pio tocou a campainha.
- A doutora está em casa, Emília? - perguntou Pio.
- Si, senor Viroda. - O sorriso da mulher era de boas-vindas, mas
desapareceu rapidamente quando viu Caroline, dando lugar a um ar
de surpresa. - Entrem, por favor - ela convidou.
Entraram e ela fechou a porta atrás dos dois.
- Vá direto ao salón, senor. A doutora vai ficar contente em vê-lo.
- Eu imagino - respondeu Pio com ironia e dirigiu-se para a porta que
ficava em frente.
Um sentimento de vergonha tomou conta de Caroline, porque ainda
estava com os sapatos molhados, a saia úmida e rasgada e usando o
suéter de Pio, que era muito grande. Ela o seguiu por um longo
corredor com janelas dos dois lados e quadros grandes nas paredes.
Na sala, um tapete persa vermelho cobria todo o chão. Havia sofás

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cor de marfim, e quadros de desenhos abstratos cobriam as
paredes.
Uma mulher estava em um desses sofás. Olhou para cima e jogou
no chão o jornal que estava lendo. Ficou de pé e dirigiu-se a Pio com
as mãos estendidas, abraçando-o afetuosamente.
- Onde esteve se escondendo? - ela exclamou. - Onde ficou nos
últimos dois meses?
- Vivendo uma vida simples, cortando lenha, ordenhando as vacas,
alimentando as galinhas, pastoreando as ovelhas, vivendo na
natureza - disse Pio, sorrindo.
- E melhorou muito com isso - disse a mulher. Ela era alta, tinha um
corpo bem-feito e usava uma saia longa, colorida e uma blusa
branca. Seu cabelo negro estava todo puxado para trás, mostrando
um rosto longo e muito angular, de olhos profundos e sobrancelhas
muito negras. A boca parecia estar sempre sorrindo, o que
suavizava todo o resto.
- Você não parece tão... tão...
- Gasto? - sugeriu Pio.
- Eu não ia dizer isso, mas já que você disse. . . Sim, você não parece
tão gasto - respondeu ela, sorrindo. - Mas será que era preciso sair
de cena assim tão dramaticamente para melhorar de aparência?
Marco e eu ficamos preocupados. Soubemos que tinha sofrido
ameaças por causa daquilo. . . - Caterina se interrompeu no meio da
frase e olhou Caroline, que estava encostada na porta. Parou por
alguns momentos, como se não acreditasse no que seus olhos
estavam vendo. - Diós mio! - ela murmurou, levando a mão ao queixo.
- No que você está metido agora, homem diabólico?
Pio virou-se e olhou Caroline, sorrindo.
- Esta é Caroline Morondo - falou friamente.
- Sei disso - disse ela, impaciente. - A fotografia dela está nos
jornais de hoje. Dizem que foi raptada na noite passada e o rádio
deu que o pai acredita no rapto. Onde a encontrou?
- Eu não a achei. Foi ela quem me achou - replicou Pio, com os olhos

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cheios de hostilidade.
- Você a raptou? - A voz de Caterina era cortante.
- Não. Não raptei.
Caroline achou que era hora de falar. Não gostava que ficassem
falando dela quando estava presente.
- Saí de casa por minha livre vontade, no meu próprio carro e estou
aqui por minha vontade. Como você pode ver, machuquei o braço. Por
isso Pio me trouxe aqui, para vê-la. Acho que você é a dra. Spinoza,
não?
Catarina olhou fixamente para Caroline. Estava ressentida pelo
modo como a moça se dirigira a ela. Olhou para Pio, confusa, e ele
sorriu.
- Caroline está dizendo a verdade - ele disse. - Assim, por favor,
examine o braço dela agora, veja o que aconteceu e talvez possamos
tirar uma radiografia dele amanhã.
- Aqui no hospital? - perguntou a médica.
- Sim, claro.
- Mas, você não está. . . - A médica virou-se para Caroline. Minha
querida, você não vai voltar para Bilhão?
Caroline olhou Pio hesitando sobre o que responder, pois seus planos
futuros e envolviam. Para seu alívio, viu que a expressão de
hostilidade já não estava mais nos olhos dele. Pelo contrário, ele a
olhava com intimidade, como se estivessem guardando um segredo
juntos. Sorriu e o perdoou, ergueu o rosto para ele, como se
esperasse ser beijada. Os olhos de Pio se estreitaram, o sorriso
endureceu um pouco, mas ele não desviou o olhar e respondeu à
pergunta da médica:
- Não. Caroline não vai voltar a Bilbao. Ela vai ficar comigo disse
calmamente.
A doutora respirou fundo, olhou-a cuidadosamente e seu rosto
assumiu um ar profissional, como se ela tivesse colocado uma
máscara sobre ele.
- Compreendo - disse calmamente. - Espero que saiba o que está

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fazendo. Espero que vocês dois saibam e já tenham pensado no que
Joseph Morondo pode fazer quando encontrar os dois. - Ela se
dirigiu à porta. - Venha comigo, querida. vou examiná-la no meu
consultório. Pio, por favor, espere aqui.
- Sim, eu espero.
- -Então, sirva-se de um drinque. Voltamos dentro de alguns
minutos. Tenho muitas coisas para lhe contar.


CAPITULO IV

O consultório da médica era do outro lado da casa. Estava
bemiluminado e mobiliado com uma grande mesa e várias cadeiras
de couro, um divã para exames, um armário
e algumas cómodas com portas de vidro. A dra. Spinoza ajudou
Caroline a tirar o suéter de Pio e a desamarrar o nó da tipóia
improvisada.
- Quem fez esta tipóia para você? - perguntou friamente.
- Pio.
- Hum, ele fez um bom trabalho. Agora mostre onde dói.
Os dedos da médica eram longos e frios. Apalpavam gentilmente e
logo o exame terminou.
- Não está quebrado. É só uma rachadura, eu acho. Deve tirar a
radiografia para ter certeza, mas isso só será possível amanhã. Por
enquanto, deve descansar. Logo tudo estará bem, você é jovem e
saudável. Importa-se de me contar como se machucou? Espero que
Pio não tenha sido o culpado. Ele é muito rude, às vezes.
Os olhos negros dela não se despregavam de Caroline e tinham o
mesmo ar hostil que os da esposa de Alfonso. Ali estava uma outra
pessoa que, por algum motivo, não gostava dela.
- Eu caí num riacho - respondeu, enquanto a médica pegava algumas
ataduras em um dos armários.
- Espero que Pio não a tenha empurrado - comentou a médica.

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- Onde era o riacho?
- No vale das Pombas, perto de Elbarra.
- Ah! Então foi lá que ele esteve escondido todo este tempo -
comentou Caterina Spinoza, começando a enrolar o braço de
Caroline. - Mas, por que você foi lá?
- Eu queria fugir do. . . do meu pai - murmurou Caroline. Eu tinha que
ser eu mesma por algum tempo. Sabe, tudo estava preparado para o
meu casamento, esta semana.
- Eu sei. Li nos jornais - disse Caterina Spinoza, prenden do as
pontas das ataduras com prendedores de metal. - Então você entrou
em pânico e fugiu. - Os olhos dela se tornaram mais suaves e ela
quase sorriu. - Deve ter precisado de muita coragem para desafiar
seu pai. Mas por que escolheu o vale das Pombas?
- Eu fui lá à procura de Mati. Não sabia que ela tinha morrido.
- Caroline fez uma pausa, compreendendo que a médica não iria
entender do que ela estava falando. Acrescentou: - Mati Viroda, Ela
foi minha babá. Era tia de Pio.
- E minha também - respondeu Caterina.
- Sua? Você é prima de Pio?
- Não, eu sou a sua única irmã. Ele não lhe contou?
- Não. Ele não fala muito sobre si mesmo.
- Então é por isso que você... - Caterina parecia chocada, balançando
a cabeça de um lado para o outro. - Acho que não entendi bem. Você
esteve com ele em Esker Ona na noite passada? - Ela pegou o
suéter e começou a virá-lo do lado direito.
- Sim. Ele me convidou para ficar porque eu estava muito
aborrecida com a morte de Mati.
- Que estranho ele ter feito isso - disse Caterina, sorrindo. Acho
que sentiu pena de você. Percebeu que precisava de ajuda. Mesmo
assim, você não sabe nada sobre ele.
- Ah!, eu sei quem é o pai dele e sei que está no vale porque se
meteu em algum problema - -disse Caroline, vestindo a manga do
suéter no braço que não estava ferido. Caterina estava com o rosto

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sério e Caroline perguntou: - Que tipo de problema?
A médica se virou, olhou para o outro lado, puxou uma cadeira e
disse:
- Sente-se, senorita. - Pegou alguns papéis e continuou: Um
problema do tipo que nosso pai costumava ter. Mas não tão grave.
Não tão grave como estar envolvido no rapto de uma herdeira.
Quem mais, senão Pio, iria aparecer com esta idéia de levá-la para
que fique com ele?
Olhou de modo penetrante para Caroline. Tinha os olhos brilhantes
e fizera o comentário sobre o irmão, cheia de ironia.
Caroline se sentiu pouco à vontade, mas
fez o possível para manter uma aparência de orgulho e autocontrole.
- Pio tem sido muito compreensivo - disse, e os olhos de Caterine se
abriram, surpresos. - Diga-me realmente, por que ele estava en
Esker Ona? Teve problemas com
alguma passeata contra o governo?
- Passeata? - Novamente os olhos de Caterina estavam espan tados.
- Dios mio! - disse ela, com um sorriso na voz. - Pio já não participa
mais disso. Tem métodos
muito mais sutis para mós trar que não está contente com a
opressão, as más condições dê vida as pessoas pomposas e cheias de
poder. Você nunca viu suas ca ricaturas?
- Você quer dizer que ele desenha? - perguntou Caroline, espan tada
e confusa. De repente lembrou de Pio em Esker Ona, sentado
bebendo e tendo diante de si um bloco
de papel.
- Si, seus cartoons estão todos os dias nos jornais - respondeu
Caterina. - Mas acho que você não se interessa por esta parte do
jornais.
Caroline lembrou-se de uma frase semelhante a essa, em que Pio
havia lhe respondido que se interessava por todas as partes dos
jornais. Só agora compreendia o que
tinha feito. Ousara acusá-lo de ser um ignorante.

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- Seus desenhos estão sempre nas páginas dos editoriais -
comentou Caterina -, onde são feitas as críticas ao governo. Eles
aparecem nos principais jornais da Espanha
e Pio desenhou muito também quando estava no México. Ficou tão
popular que há três anos foi convidado para voltar à Espanha e
desenhar aqui. O convite foi feito
pelo meu marido, que até pouco tempo era o editor do jornal de San
Sebastian. Só assim Pio conseguiu mostrar sua verdadeira vocação,
que é de pintor de murais. Agora
já está estabelecido como pintor e ganha a vida com sua arte.
- Os cartoons são assinados por ele?
- São assinados só com o primeiro nome. Mas todos sabem que
são dele, o filho de Júlio Viroda, que morreu porque acreditava na
teocracia - disse Caterina com um orgulho silencioso.
Assinou alguns dos papéis que tinha sobre a mesa e voltou a olhar
Caroline de modo frio e hostil.
- Você nunca viu os cartoons, viu? - perguntou.
- Não, nunca. Mas vivi muito tempo fora do país e não leio muito
bem em espanhol - explicou Caroline.
- Você nunca ouviu seu pai falar do nosso pai?
- Não, nunca. . . mas, sabe. . . - Caroline decidiu prosseguir
rapidamente - meu pai e eu não conversamos muito. Foi algum
cartoon desse tipo que causou problemas a Pio?
- Si. Um dos que trazia críticas fortes demais sobre uma figura
pública importante. Apareceu junto com um editorial do meu
marido, Marco Spinoza, falando da mesma
pessoa. Os donos do jornal foram ameaçados com um processo se
não parassem de publicar os cartoon de Pio. Meu marido se demitiu
e agora é editor de um outro jornal,
em Pamplona. É um pouco longe daqui e temos que viver separados
durante a semana toda. - Caterina deu de ombros. - Mas é possível
que ele logo volte a ser editor
do antigo jornal, quando toda esta confusão se acalmar.

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- E os cartoons de Pio serão publicados novamente?
- Sim, se ele for cuidadoso. Mas não precisava ter ido se esconder
no vale das Pombas. Podia continuar vivendo aqui, como sempre.
Nunca pensei que ele fosse desaparecer
apenas porque estivesse atravessando uma crise emocional - disse
Caterina, lançando a Caroline um olhar penetrante. - Ele não
mencionou nada a você, não foi?
O que ele devia ter mencionado? Caroline sentia uma espécie de
intuição. Queria saber tudo.
- Ele estava muito abalado quando as coisas aconteceram. Sabe,
alguém a quem ele estava muito ligado se suicidou. Nada teria
acontecido se tivesse agido de modo
diferente. Então, sentiu-se culpado.
- Essa pessoa era uma mulher - replicou Caroline com timidez,
sentindo-se novamente com ciúmes.
- Sim, era uma mulher - respondeu Caterina. - E agora, seiiorita
Morondo, que mais posso fazer por você?
Caroline olhou para o telefone e pediu:
- Posso usar o seu telefone? Quero avisar meu pai de que não fui
raptada e pedir que ele pare com as buscas. Não quero a Guardiã
Civil fazendo perguntas a todas as pessoas.
- Boa idéia. Espero que não diga a ele que está com Pio.
- Não, só vou dizer que estou segura.
- Bueno. - Caterina sorriu pela primeira vez e saiu da sala. Caroline
pegou o telefone e não conseguiu discar. Estava relutando
em falar com o pai. Sabia o que a esperava. Mas, não precisava falar
muito, decidiu, discando o número da telefonista. A ligação demorou
alguns minutos, mas logo a companhia soou do outro lado da linha.
Uma vez, duas vezes. Ela quase desligou, de tão nervosa que estava.
Então alguém atendeu e ela ouviu a voz do pai, rouca e autoritária:
- Aqui é Joseph Morondo falando. Você tem mais alguma notícia?
Caroline respirou fundo e falou, sem ter certeza de que ele iria
reconhecer sua voz.

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- Papai. . . sou eu... Caroline...
- Graças a Deus! - respondeu ele em inglês. - Onde aqueles diabos a
esconderam? E o que eles querem? - A voz dele soava como se
estivesse quase sem fôlego.
- Papai, por favor, escute. Não estou com nenhum diabo e não fui
raptada - ela falou, procurando soar o mais claro possível. Saí de
casa por minha própria vontade.
- Não acredito em você. Eles a estão fazendo dizer isso, não estão?
Alguém está aí com você, fazendo ameaças para que você diga isso.
- Ele se interrompeu, engasgando com a própria raiva e falando de
modo difícil de ser compreendido. Caroline de repente se sentiu
ansiosa e preocupada com ele.
- Papai, você está bem? Oh!, por favor, quero que me escute. Não há
ninguém aqui comigo. É verdade. Saí de casa ontem no Mercedes
porque você não quis me ouvir. Você não quer acreditar no que eu
digo, mas é verdade. Não quero casar com Billy e agora estou
telefonando a você. . .
- Onde você está? É um chamado de longa distância, não é? Ele a
interrompeu. - Diga-me, onde você está?
- Não digo até você avisar a todos que não fui raptada e mandar
parar a busca. Não sei onde foi buscar essa idéia de rapto.
- E o que eu devia pensar? - ele replicou. - Você desapareceu sem
me deixar um bilhete, sem dizer a ninguém onde ia. Onde foi?
Fui ver Mati Viroda.
- Mas ela morreu há meses.
- Você não me disse nada - ela respondeu, acusadora.
- Onde está agora?
- Ela. . .
- Onde você está agora? Responda!
- Primeiro prometa que vai mandar parar as buscas e dizer à
Guardiã que não fui raptada.
- Caroline, eu posso descobrir de onde está telefonando. Logo posso
encontrar você, onde estiver.

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Sabrina no. 94

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- Você não vai fazer isso. Se prometer fazer o que estou pedindo,
eu digo onde estou.
- Está bem, está bem. Eu prometo. vou avisar à Guardiã para parar
de procurá-la. E agora, onde está?
- Estou em San Sebastian, na casa de uma médica. Eu. . . eu. . .
machuquei o braço e me trouxeram para cá.
- Diós! Quem a levou aí? - exclamou ele.
- Não posso dizer. Mas estou bem.
- E qual é o nome da médica?
Claro que ela podia dizer o nome. Seu pai não ia ligar o sobrenome
Spinoza ao dos Viroda.
- Dra. Caterina Spinoza.
- Diós mio! - Ele estava horrorizado e ela ouviu um som, como o de
quem derruba o receptor do telefone.
- Você está bem? O que aconteceu?
- Nada. - Ele estava respirando com força novamente. - Caroline,
fique onde está, aí na casa dessa médica. Eu preciso ver você. vou
procurá-la amanhã, logo de manhã.
- Mas, eu não quero. . . - Ela parou de falar ao perceber que ele
tinha desligado. Devagar, desligou também. Atrás de si, a porta do
consultório se abriu e apareceu
o rosto de Caterina.
- Conseguiu falar com seu pai? - perguntou a médica.
- Sim, consegui.
- E o que ele disse sobre a suspeita de sequestro?
- Concordou em mandar que parem com as buscas se eu dissesse
onde estava. Disse que podia descobrir de onde estava sendo feita
ligação se eu não contasse.
- É muito possível. Ele deve estar bastante ansioso - disse Caterina.
- Eu tive de contar a ele que estava aqui. Espero que não se importe.
Ele disse que vem para cá amanhã, para me ver. Não consegui
fazer com que desistisse da idéia
porque desligou o telefone Agora, não sei o que fazer. O que ele

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pode fazer se chegar aqui e não me encontrar? Pode causar
problemas a você, se não disser a ele
onde estou?
- Isso pode ser resolvido facilmente, minha querida. Você está
convidada a passar a noite aqui e esperar até que ele chegue. Acho
que é o melhor caminho, na situação atual - disse Caterina
calmamente.
- O melhor para mim ou para Pio? - respondeu Caroline, sentindo o
ciúme invadi-la novamente. Na verdade, era uma bobagem sentir
ciúmes da irmã dele, mas Caterina conhecia Pio há muitos anos,
devia dividir com ele as experiências da infância e saber muito
sobre o relacionamento com aquela mulher que tinha se suicidado.
- Para os dois - replicou Caterina, e sentou-se na beirada da mesa,
inclinando-se para a frente.
- Eu não sei o que aconteceu entre você e o meu irmão falou
baixinho -, mas posso imaginar. Ele sempre sente pena das pessoas,
principalmente de alguém que ele acha que foi maltratado. Foi por
isso que a, convidou para ficar com ele. Estou preocupada por que,
associado a você, ele pode ter sérios problemas. Seu pai é um
homem muito poderoso e sabe-se que ele tira conclusões rápidas,
com resultados trágicos. O rapto é um crime grave e acho que
Joseph Morando não vai hesitar em acusar o meu irmão, se
encontrá-la no estúdio de Pio.
- Mas há o meu testemunho em contrário - argumentou Caroline. -
Posso dizer que fui para lá por minha livre vontade.
- Pode dizer isso, mas duvido que alguém acredite em você, em todo
o país. Lembre-se, senorita, que uma garota espanhola de classe
social alta não vai viver com um homem, a não ser que esteja casada
com ele. Mesmo nos dias de hoje, os sexos não se misturam muito
antes do casamento. É fácil imaginar a reação do seu pai ao
descobrir que esteve com Pio e que ainda está com ele. Você quer
magoar Pio desse jeito? É muito melhor que seu pai a encontre aqui,
em minha casa.

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Caroline olhou para o chão. Percebia o sentido da sugestão de
Caterina e sabia que ela estava tendo bom senso. Mas não queria
pensar que, na verdade, Pio não a queria com ele. Que só sentia pena
dela, como se fosse um gatinho perdido que ele decidisse abrigar
por uma noite.
- Você teve um dia cansativo, minha querida - falou Caterina com
simpatia. - Está sentindo dores e está confusa. Tenho certeza de
que gostaria de um banho quente. Emília pode ajudá-la. - O olhar
dela passou pelos cabelos de Caroline e pelas suas roupas rasgadas.
- Tem outras roupas com você?
- Estão no carro.
- Então, quer tomar um banho?
- Sim, por favor, mas. . ,
- Não precisa dizer mais nada. - Caterina sorriu e ergueu a mão. -
vou chamar Pio e pegar suas roupas. Emília virá ajudá-la. Enquanto
estiver tomando banho, pode pensar na minha sugestão para passar
a noite aqui.
Quase uma hora depois, com os cabelos mais uma vez brilhando,
Caroline se olhou no grande espelho do quarto para onde Emília a
tinha levado. Estava usando a saia estampada e a blusa de seda rosa
que já tinha vestido no dia anterior. Agora parecia mais com
Caroline Morondo, cheia de graça e orgulho. As mudanças que
tinham ocorrido em sua mente não estavam aparecendo.
Emília tornou a arrumar a mala e a acompanhou enquanto descia as
escadas. Colocou a mala perto da porta da frente e Caroline foi para
o salón. Pio e Caterina estava lá. Pio estava com um copo cheio na
mão e Caterina se mantinha de pé, à sua frente. Pareciam discutir
de modo violento, com muitos gestos e os olhos brilhantes. Ela
parou de falar quando percebeu que Pio não estava ouvindo mais,
nem prestando atenção, pois seu olhar permanecia preso ao rosto
de Caroline.
- Ah! Assim está muito melhor! - ela exclamou. - Tenho certeza de
que vai querer alguma coisa para comer e beber. vou pedir a Emília

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que traga alguns alimentos em uma bandeja para você.
Ela saiu da sala e Caroline se aproximou suavemente de Pio, que
estava novamente enchendo seu copo. Quando ele se virou e a viu,
seus olhos se estreitaram um pouco.
- Como está o seu braço? - perguntou, de modo educado.
- Ainda está doendo, mas a dra. Spinoza disse que vai me dar alguns
comprimidos. - Ela o observou bebendo e continuou: - Ela me disse
que é sua irmã. Falou sobre o marido e os problemas editoriais que
tiveram com o seu cartoon. - Fez uma pausa e esperou que ele
dissesse alguma coisa, mas Pio parecia mais interessado em beber. -
Você estava desenhando um cartoon na noite passada?
- Sim, e peguei seu carro emprestado para levá-lo ao meu cunhado
em Pamplona - respondeu ele, sorrindo. - Você pensou que eu
estivesse envolvido em algo muito mais perigoso do que isso,
Caterina me contou.
- Não pude evitar. Você parecia tão misterioso! Não queria me
contar nada sobre si mesmo.
- Então soltou sua imaginação - ele brincou. Colocou mais um pouco
de uísque no copo e dirigiu-se a um dos sofás, pegou sua jaqueta de
couro que estava lá e voltou para perto dela.
- Está bem diferente agora - disse suavemente. - Não parece tanto
com uma gatinha abandonada. Já está pronta para ir ao meu
estúdio? É no bairro dos pescadores, em Martinez, próximo daqui e
de Bermeo.
Caroline reconheceu o nome do bairro. Sabia que muitos artistas
moravam lá.
- Você quer que eu vá? - ela perguntou, desafiante. Se ele dissesse
que sim, pensou, iria com ele, sem considerar os avisos de Caterina,
sem se importar com seu pai e com as convenções antiquadas da
rígida sociedade espanhola.
Pio inclinou-se, colocou as mãos nos bolsos das calças e olhou-a de
modo muito fixo, os olhos brilhantes.
- Não importa o que eu quero, nina - respondeu, evasivo. Importa o

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que você quer. Agora, não temos alternativa. Caterina se ofereceu
para deixá-la ficar aqui. Ela disse que seu pai vem aqui amanhã para
vê-la. - Pio sacudiu os ombros e seu rosto assumiu uma expressão
cínica. - Ela acha que seria mais inteligente se você ficasse
aqui e não comigo. Mas. não costumo aceitar conselhos de ninguém,
entretanto, neste caso, acho que ela está certa.
Como ela tinha pensado, Pio, na verdade, não a queria. O
desapontamento tomou conta dela como uma enorme onda, fazendo
com que se sentisse vazia e inútil. Mas não queria que ele soubesse
como estava se sentindo. Ergueu a cabeça, empinou os ombros e
falou friamente:
- Estou de acordo. vou ficar aqui esta noite.
- Bueno. - Sua voz também soou fria e distante. Tirou do bolso as
chaves do carro e lhe estendeu: - Fique com isto.
Ela pegou as chaves. Seus dedos se encontraram por alguns
momentos.
- Como você vai chegar a Martinez? - perguntou. Separar-se dele
estava sendo mais difícil do que tinha pensado.
- Se sair logo, posso pegar o último ônibus - respondeu ele
indiferente, caminhando em direção à porta.
- Pio, será que não podemos ser amigos? - ela perguntou
impulsivamente, vindo atrás dele.
- Não.
- Por que não?
- Temos muitas diferenças.
- Oh!, sim, eu tinha esquecido. As diferenças. . . - replicou cheia de
sarcasmo, tentando disfarçar sua mágoa. - Mas as diferenças
podem ser superadas. ,
- Você é rica. Eu sou pobre. Esta não pode ser superada. . .
- Mas não tão pobre quanto me fez acreditar :- respondeu
rapidamente. - Você pode não ser um artista famoso, mas já é muito
conhecido como cartunista. Não sei por que não podemos nos
encontrar de vez em quando em San Sebastian, em Bilbao ou em

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Martinez. Podemos tomar um café, jantar juntos, conversar. . .
- Não! - Pio interrompeu-a rudemente, olhando-a de modo
exasperado. - Não sei o que se passa na sua cabeça, mas quero
deixar isso bem claro: agora que você já tem um lugar para ficar, o
nosso encontro terminou. Aqui, agora, esta noite. vou voltar para
minha própria casa e levar minha própria vida. Amanhã você volta
com seu pai para Bilbao. Não há motivos para que nos encontremos
novamente. Nossos caminhos são muito diferentes para se
cruzarem.
- Mas. . .
- Buenos noches, senorita - ele falou friamente. - Tenho que pegar o
ônibus. - Virou-se e foi até a porta.
- Pio, por favor! - pediu Caroline.
Ele virou-se, viu a expressão do rosto dela e seu olhar se suavizou
Voltou, inclinou-se para a frente e seus olhos escureceram. Beijou
Caroline devagar, de modo
provocante, sem toma-la nos braços, tocando-a apenas com os
lábios.
Por alguns momentos ela sentiu que flutuava no espaço. Estendeu a
mão livre e o abraçou. Só então os braços dele a envolveram
devagarinho. com o rosto colado ao
dela, murmurou "Adios" em seu ouvido e a soltou. Caroline abriu os
olhos a tempo de vê-lo saindo da sala e dizendo alguma coisa para
alguém na entrada. Depois, ouviu
o barulho da porta sendo fechada violentamente.
Ela virou-se depressa quando Caterina entrou. Não queria que a
médica visse suas lágrimas.
- Então, você decidiu ficar? Estou tão contente. Trouxe alguma
coisa para você comer. Sente-se aqui.
Sentaram no sofá. Caroline comeu um pouco e bebeu um copo de
vinho. Quando terminou, Caterina lhe deu alguns comprimidos
contra a dor e Emília a acompanhou até o
quarto de hóspedes, ajudou-a a despir-se e cobriu-a com

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acolchoados confortáveis.
Para seu alívio, as pílulas fizeram efeito imediato, tirando a dor da
cabeça e do braço. Logo sentiu-se sonolenta e dormiu.
Foi despertada pelo som de uma voz:
- Senorita Morondo, acorde! Seu pai está aqui. Ele quer vê-la.
Acorde, acorde, senorita!
Durante alguns momentos sentiu como se ainda estivesse em Esker
Ona e seu pai a tivesse seguido até lá, encontrando-a com Pio.
Talvez Pio já estivesse preso por
tê-la raptado. Então abriu os olhos e viu o rosto de Emília. As
lembranças voltaram rápidas. Pio tinha partido, estava em
segurança. Não havia possibilidade de seu pai acusá-lo de rapto.
- Vamos, senorita, levante-se. vou ajudá-la a se vestir. O senor
Morondo está muito ansioso para vê-la e ter certeza de que não
corre nenhum perigo.
Não havia como evitar o encontro com o pai, pensou, enquanto
lavava o rosto. Rezou para ter forças suficientes e resistir às
pressões que ele ia fazer, a respeito do casamento com Billy. De
volta ao quarto, Emília a ajudou
a se vestir com uma roupa macia e confortável, em estilo cigano,
florida e cheia de cores alegres. Caroline colocou o braço na tipóia e
foi para o salón.
Seu pai estava de pé, próximo a uma das grandes janelas, olhando
uma das fotografias de uma prateleira. Quando a ouvia entrar,
colocou a foto no lugar e caminhou para ela. Seus braços a
apertaram forte, por alguns momentos. Ele tinha cheiro de fumo
caro, de perfume caro, e suas roupas eram elegantes e macias.
- Caroline, passei o diabo nestes últimos dois dias. Você está bem? -
ele perguntou, enquanto se afastava um pouco para estudar o rosto
dela. O rosto dele já não tinha a aparência saudável de sempre.
Parecia acinzentado e ela ficou amedrontada. Nunca o tinha visto
tão triste.
- Estou ótima, com exceção deste braço bobo - ela respondeu.

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- Oh! Não fique assim. Estou bem e não fui raptada.
- Então, o que está fazendo nesta casa? Quem a trouxe aqui? Está
sozinha?
- Papai, por favor, não fique tão nervoso. Você chegou muito cedo.
Como veio?
- Vim de avião, esta manhã. Queria Ver você.
- Se veio tentar me persuadir a casar com Billy hoje, já posso dizer
que perdeu seu tempo. Não vou casar com ele!
Ele lhe lançou um olhar furioso e começou a andar pela sala. Depois,
voltou-se e encarou-a.
- O casamento foi adiado - disse friamente.
- Adiado?
- Si. Margareth e eu tínhamos que fazer alguma coisa quando você
desapareceu, sem deixar sinal. Tínhamos que evitar que os
convidados viessem. Adiamos o casamento
indefinidamente. Também suspendi os negócios com Van Dorman até
que tenhamos resolvido este problema entre você e Billy. - Ele veio
até ela e tomou a sua mão, segurando-a firmemente. - Eu tinha que
fazer alguma coisa, querida, para mostrar que me importo com você
- disse suavemente. - Admito que não fui o melhor dos pais. - Ele
fez uma pausa e olhou nos olhos dela, sorrindo. - Nós perdemos
contato um com o outro, não foi, querida? Isso aconteceu quando
sua mãe morreu. Eu... - A voz dele terminou em um soluço. - Por
favor, diga-me onde estevi e o que fez desde que saiu de
casa - disse ele calmamente. - O que fez quando descobriu que Mati
não estava mais lá?
- Por que você não me disse que ela tinha morrido? - Carolim
perguntou, sentando-se um pouco afastada dele.
- Pensei que tivesse contado. . . pensei que alguém tivesse contado.
Pedro, o irmão dela, me escreveu contando que ela tinha morrido e
que não era mais preciso lhe enviar o dinheiro da pensão. Você
estava fora, nessa época, na casa dos Van Dorman, na Flórida.
Tenho certeza de que pedi a Alvarez que lhe escrevesse dando a

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notícia.
- Alvarez era o secretário particular de seu pai e cuidava da
correspondência. Era um homem frio e eficiente, que sempre tinha
parecido muito distante a Caroline. - O que fez quando descobriu
que Mati não estava lá? - perguntou ele mais uma vez e ela percebeu
que ia ser difícil lhe dizer qualquer coisa que não fosse verdade.
- Fiquei na casa em que ela morava. - O olhar dele estava cheii de
suspeitas.
- Sozinha?
- Não.
- Quem estava lá?
- Um dos sobrinhos de Mati.
- Por acaso era o irmão da médica que é dona desta casa? O rosto
dele estava cada vez mais pálido. - Era Pio Viroda?
... Ela ficou surpresa que ele conhecesse Caterina e Pio. Alisando os
cabelos para trás das orelhas, enfrentou o olhar frio dele.
- Como adivinhou?
- Apenas um dos sobrinhos de Mati tem o direito de morar naquela
casa; o filho mais velho do filho mais velho do pai dela. E Pio Viroda
é o único filho de Júlio Viroda. - Os olhos dele estavam ainda mais
carregados de suspeitas. - Ele a forçou a ficar lá!
- Não! Ele apenas me convidou.
- Então ele a convidou para ficar! - repetiu ele cheio de sarcasmo. -
Não lhe ocorreu recusar o convite?
- Sim, mas era muito tarde. Eu estava cansada e não queria sair
guiando em busca de um lugar para dormir. Por isso aceitei. Não vi
nenhum problema nisso.
- Você passou a noite numa remota casa de fazenda com um artista
de conhecida má reputação, não apenas pelos seus cartoons, nias
pelos casos que tem com as mulheres, e achou que não teria
problema? - Joseph Morondo estava ficando cada vez mais
verinelho. - Meu Deus, Caroline, você precisa ser muito inocente
para ter pensado assim.

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- Eu não sabia nada sobre ele! - Ela se colocou na defensiva.
- Como podia saber?
- Você não precisava saber. O seu bom senso devia ter sido maior. E
se ele tiver encostado um dedo em você. . .
- Ele não fez nada - Caroline o interrompeu rapidamente. Mesmo se
tivesse feito, o problema seria meu. Ele não fez nada contra a
minha vontade.
- O que quer dizer com isso?
- Quero dizer que, quando machuquei o braço, ele fez uma tipóia
para mim- ela respondeu, encarando o pai. - Ele tentou me ajudar da
mesma forma que Mati teria feito, se estivesse lá. Por isso você não
precisa ir tirando suas conclusões precipitadas. A dra. Spinoza
disse que você faria isso. E eu não. . . - Caroline se interrompeu e
mordeu os lábios. Quase tinha dito ao pai que podia ter passado a
noite com Pio. Mas ele pareceu não perceber a hesitação dela, pois
seu olhar estava preso no braço machucado.
- Como está o seu braço? Não o quebrou, espero.
- Não, mas preciso tirar uma radiografia.
- Como se machucou?
Ela explicou rapidamente, não mencionando tudo o que tinha
acontecido na gruta. Ele a observava, cheio de irritação, e sua
expressão estava confusa.
- Mas, não compreendo. . . para onde você estava indo por aquele
caminho?
- Fui colher flores. Queria levá-las ao túmulo de Mati quando fosse
ao cemitério. Depois que tirasse o meu carro do estábulo de
Alfonso e...
- Você ia voltar para Bilbao? - ele perguntou, esperançoso.
- Não, não. . . bem. . . isto é, não ia voltar tão cedo - explicou
rapidamente. - Mas, depois que machuquei o braço, as coisas
ficaram muito complicadas e então Pio se ofereceu para me trazer à
médica.
- Por que ele não a levou até Bilhão? - ele perguntou, cheio de

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suspeitas novamente.
- Porque ele sabia que eu não queria voltar antes de hoje. Você ia
querer que eu casasse com Billy.
- Você tem certeza de que ele não a forçou a ficar lá?
- Certeza absoluta! E você, pare de pensar que ele me raptou ou me
forçou a fazer alguma coisa que eu não queria. - Ela abaixou os
olhos. - Ninguém precisa saber que estive com ele, não é? Não vou
contar a ninguém e você também não precisa.
- Não preciso? - Ele estava furioso. - Então o que você sugere que
eu diga para a Guardiã? O que você sugere que eu diga a toda a
imprensa?
- Pode dizer que se enganou. Que eu tinha ido passar alguns dias
com uma amiga no campo. Não precisa fazer nenhum comentário ela
disse alegremente. - É o que eu vou dizer para qualquer um que me
perguntar.
- E suponha que alguém pergunte ao Viroda? Como podemos saber o
que ele vai dizer? Meu Deus, que confusão. E eu não posso evitar de
pensar que ele a manteve lá deliberadamente, a fim de fazer
justiça.
- O que você quer dizer com fazer justiça? - Os olhos dela estavam
angustiados.
- Vingança - murmurou ele.
- Vingança do quê? - ela perguntou, sentindo um frio repentino.
- Da morte do pai dele.
Um choque atingiu os nervos de Caroline. Lembrou-se do rosto de
Pio quando contou que sabia quem tinha denunciado seu pai.
- Foi você então que. . . que. . . - Caroline não conseguiu terminar.
- Então ele contou a você! - disse o pai, defensivo.
- Não. Ele disse apenas que sabia quem tinha traído seu pai ela
murmurou.
- Foi um erro. O pior de todos que já cometi em toda a minha vida.
- Mas, o que aconteceu? Você conhecia Júlio Viroda?
- Não. Eu só tinha ouvido falar dele e o admirava muito por sua

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coragem. Mas nunca o encontrei. Se eu o tivesse conhecido, teria
lembrado dele quando o encontrei em Martinez, naquela noite, com
sua mãe. Eles estavam conversando e rindo como velhos amigos.
Alguma coisa explodiu dentro de mim. Durante os dois anos em que
tínhamos estado casados, sua mãe nunca tinha conversado e rido
daquele jeito comigo. Achei que eram amantes. Num ímpeto de raiva
e ciúmes, ordenei que ele saísse da casa. Sua mãe tentou falar
comigo, mas eu estava furioso e não quis ouvir. Júlio pediu desculpas
por ter causado tantos problemas e saiu. Foi direto para a
armadilha que tinham preparado para ele. Só soubemos alguns dias
mais tarde que ele tinha sido morto.
- Mati sabia disso? - perguntou Caroline, completamente gelada.
- Si. Mati sabia. Toda a família Viroda sabia.
Por isso havia tanta hostilidade no modo como a tratavam. Isso
explicava o comportamento de Pio.
- Mas foi tudo um engano, não foi? Você não fez aquilo
planejadamente?
- Sim, foi um engano. Tenho pago por ele das maneiras mais
diferentes. Por isso fiquei preocupado quando soube que você
estava aqui, na casa da filha de Júlio. Um dos modos de me fazerem
sofrer seria magoando você. Não confio em Pio Viroda.
Principalmente depois do escândalo da ex-esposa dele.
- O que. . . que escândalo? - Caroline estava com dificuldade para
falar.
- Uma garota americana. Ela apareceu no ano passado, no estúdio,
para vê-lo. Parece que houve uma briga. Ela partiu muito agitada e
foi encontrada, no dia seguinte, na praia, afogada.
Ele estava atravessando uma crise emocional. Uma mulher tinha
morrido e ele estava se sentindo culpado. Estas tinham sido as
palavras de Caterina na noite passada. Elas passaram rapidamente
pela mente de Caroline, que sentiu saudades de Pio.
- Como sabe disso? - perguntou, devagar.
- A investigação sobre a morte dela esteve em todas as primeiras

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páginas dos jornais. Parece que ela era filha de um milionário
americano e se apaixonou pelo Viroda quando ele esteve dando aulas
em um colégio da Califórnia. Fugiu com ele e se casaram contra a
vontade dos pais dela. Entende, querida, por que fiquei preocupado
com você?
- Sim. Compreendo. Mas não precisava ficar. Pio não gosta de mim,
porque sou sua filha. E a irmã dele, a dra. Spinoza, insistiu para que
eu ficasse aqui esta noite e esperasse. Ela não queria vê-lo
envolvido em problemas. Tenho certeza de que ela não tinha
nenhuma intenção de se vingar, magoando você através de mim.
Como poderia fazer isso?
Ele estudou o rosto dela com olhar ansioso.
- É o que vamos ver. É o que vamos ver - repetiu, devagar.
- E agora, o que vai fazer? Quer voltar para Bilbao comigo?
- Só se você me prometer que não toca mais no assunto de Billy.
- Mas, Caroline, temos que discutir isso e você mesma vai dizer a
ele que não quer casar. Não posso fazer isso por você.
- Ele está... em Bilbao?
- Não. Ele não veio. Consegui que adiasse a viagem até que
tivéssemos notícias suas.
- Então, acho que vou voltar para casa. Sabe, não tenho nenhum
dinheiro. Perdi minha bolsa quando caí no riacho. Não posso comprar
gasolina nem ficar em um hotel. Não posso dirigir com o braço
desse jeito. Você terá que dirigir.
Ele sorriu e passou um braço ao redor dos ombros dela.
- vou ficar muito contente em fazer isso, querida.
Quando o carro estava se aproximando de Bilbao, atravessando os
subúrbios e a zona industrial, Caroline descobriu que tinha apanhado
um resfriado. Sua garganta doía e ela sentia arrepios de calor e de
frio. Os ouvidos doíam e as amídalas estavam inflamadas. As
amídalas a tinham feito sofrer desde a infância. Por causa delas,
tinha ido pela primeira vez a Esker Ona, com oito anos de idade.
A casa de seu pai parecia não ter mudado nada. Os carros estavam

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na garagem e ela pensou se teria mesmo ficado ausente ou se tudo
não passava de um sonho.
Mas a dor de garganta não tinha nada de sonho, muito menos sua
temperatura elevada. Tia Margareth ainda estava em casa e insistiu
que ela fosse direto para a cama. Chamaram o médico da família e,
quando ele veio, o diagnóstico foi amidalite. Receitou alguns
remédios, repouso absoluto e proibiu todas as visitas.
Só depois de uma semana ela conseguiu engolir sem dor, mas o
médico insistiu para que não parasse com o repouso. A garganta
ainda estava inflamada e ela sabia que tinha sido por causa do pouco
sono e da grande ansiedade por que passara.
Tia Margareth desistiu de ir para sua própria casa e ficou cuidando
de Caroline, levando-a ao hospital quando precisava tirar
radiografias. Uma delas mostrou que a rachadura no seu braço
estava soldando. Mais uma semana de repouso e alguns exercícios
especiais e ela estaria com o braço novamente em ordem.
Apesar de tentar afastar o cansaço que tinha se apoderado dela
desde que voltara, Caroline não conseguiu sucesso. Todas as suas
antigas atividades já não a atraíam, pois estavam ligadas a esportes
e só podiam ser praticadas quando o braço estivesse
completamente são. Só podia sentar nas arquibancadas e assistir
suas poucas amigas espanholas jogarem ténis. Aos poucos, desistiu
disso também, pois o ténis lhe lembrava Billy e ela não queria pensar
na possibilidade de mudar de idéia e casar com ele. Não ainda.
Mas seu pai não tinha intenções de evitar o assunto. Muitas vezes
se aproximou dela e a conversa terminava sempre numa discussão
feroz, com ambos perdendo o controle.
A última discussão tinha terminado de modo abrupto. Coagida pelos
argumentos do pai, Caroline tinha explodido:
- Gostaria de não ter voltado! - ela gritou. - Nada mudou. Você
continua querendo dirigir a minha vida!
- Quero que seja feliz - Joseph gritou para ela, com o rosto
arroxeado de raiva. - Estou tentando fazer o melhor para você,

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estou cuidando do seu futuro. Como esposa de Billy, você estará
financeiramente segura. Poderá continuar vivendo no mesmo nível
de vida a que está acostumada.
- Você não percebe que não me importo com isso? Ser uma menina
rica não é fácil. Não tenho o amor que preciso e estou procurando.
Na verdade, prefiro amor ao dinheiro. Queria que você perdesse
todo o seu dinheiro. Como eu queria que fôssemos pobres!
- Caroline, isso é a coisa mais estúpida que já ouvi! - O rosto
dele tinha empalidecido assustadoramente, mas Caroline estava
furiosa demais para perceber.
- Se eu não fosse sua filha e se você não fosse rico, não estaria
tentando me proteger e me casar com um homem rico. Se eu não
fosse sua filha, teria que trabalhar para ganhar a vida. E seria
capaz de viver com quem eu gostasse. Se não fosse sua filha, Pio
não teria sentido raiva de mim, teria querido que eu fosse ficar com
ele, em vez de me deixar na casa da irmã. E eu não teria que voltar
para casa. Em vez disso.. .
- Ah! Diós mio! - A exclamação do pai interrompeu suas palavras. Ele
estava caído na cadeira, olhando para ela com uma expressão
horrorizada. Ela deu um passo à frente.
- Papai? O que foi? O que foi que eu fiz? - falou, apressada.
- A vingança! - murmurou ele. - É isso, a vingança.
- Papai, você está doente! - Caroline estava preocupada, agora.
- vou chamar o seriar Alvarez. Por favor, deite-se.
Ele a segurou pelo braço e ela viu que o orgulho mudava sua
expressão, endurecendo-a.
-: Não é nada. Já vai passar - disse friamente. - Vá para o seu
quarto. Se é dessa forma que você se sente, não podemos mais
conversar. E já que se sente tão atraída pelo Viroda, é melhor dizer
que quer morar com ele, mas não volte correndo para mim, quando
ele a mandar embora.
- Papai, desculpe-me - ela disse, desesperada -, perdi o controle.
Não queria dizer. . .

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Sabrina no. 94

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- Mas já disse, não é? A verdade já foi dita e Viroda conseguiu se
vingar. Conseguiu me atingir. Ele seduziu você, minha única filha.
Diós mio, não aguento pensar nisso.
- Não, não é verdade. Oh!, por favor, ouça-me!
- Já escutei e decidi que não quero ouvir mais nada - disse ele com
veemência, saindo da sala.
Caroline foi para seu quarto. Sentou-se e escreveu para Billy,
dizendo que não queria casar com ele. Levou muito tempo para
terminar a carta. Quando acabou, decidiu colocá-la na caixa do
correio.
Ao voltar para casa, foi até o escritório do pai e pegou uma pilha de
jornais. Levou-os para o terraço, onde o ambiente era perfumado
pelas flores.
Recostou-se em uma espreguiçadeira e começou a folhear os
jornais, precisava arranjar um emprego. Só assim seria capaz de
ganhar sua própria vida e sair daquela casa. Já não podia mais se
submeter à vontade do pai e não esperava que ele a sustentasse.
Siua intenção era olhar a seção de empregos mas, virando as
páginas, acabou encontrando um cartoon de Pio. Estava junto com os
editoriais do jornal, pio fazia caricaturas de duas conhecidas
personagens políticas e ela não conseguiu segurar o riso.
- Então, você está aí, querida - Tia Margareth entrou no terraço.
Estava vestida com a elegância de sempre e foi dizendo: Que bom
ouvi-la rindo. Parece que voltou a ser você mesma. Há algo
interessante no jornal? - Seus olhos vivos e azuis eram
interrogativos.
- Não, nada - disse Caroline, fechando o jornal rapidamente, antes
que a tia percebesse que ela estava olhando o cartoon. Você sempre
está tão chique, tão jovial. Sempre parece ter uns dez
anos a menos.
- Mas é que você não sabe quantos anos eu tenho - respondeu
Margareth, com seu rosto cheio e alegre, sentando-se em uma
cadeira próxima. - Que dia lindo está hoje. Estive conversando com

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Benjy, no telefone. Ele disse que está chovendo em Londres e que
estará no aeroporto à noite, para me encontrar. Sharon virá para
casa na próxima semana, depois de passar seis meses naquela clínica
médica, na África.
- Eu também gostaria de ter estudado para ser enfermeira ou
médica. Para fazer alguma coisa útil - disse Caroline. - Pedia sempre
a papai para continuar estudando, mas ele nunca quis me ouvir.
- Sei disso. Ele é muito espanhol, nesse aspecto. Acha que o lugar da
mulher é em casa - confirmou Margareth. - Ele sempre achou que
estava fazendo o melhor para você, quando arranjou o seu
casamento com Billy, você sabe disso.
- Sim, eu sei. Ele vive me dizendo isso. Mas não funcionou. Casar
com Billy seria terrível. Ele só ia casar comigo para acobertar suas
outras atividades. - Caroline olhou a tia, que se mantinha impassível.
- Billy não gosta mesmo de mulheres, você sabe disso.
- Hum, eu tinha percebido qualquer coisa - respondeu Margareth.
- Mesmo assim, você queria que eu casasse com ele. Chegou até a
incentivar meu pai quanto ao casamento!
- Minha querida - disse Margareth -, até outro dia, eu não tinha a
menor idéia do que você sentia por Billy. Não pensei que soubesse
que ele era homossexual! - Ela passou a mão pelo rosto e seus olhos
brilharam, cheios de humor. - Você já disse a ele que não quer
casar?
- Sim, acabei de escrever uma carta, agora.
- E que razão apresentou?
- Disse apenas que ainda não estou preparada para o casamento.
- Acho que ele vai ficar bem aborrecido. Apesar de todos os
problemas que tem, acho que gosta muito de você.
- Eu odeio esta palavra! - disse Caroline, cerrando os dentes.
- Que palavra?
- Gosta. É tão. . . tão boba. Eu não quero que um homem case comigo
só porque gosta de mim. Quero que ele me ame apaixonadamente,
além de qualquer outro sentimento - declarou Caroline com

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entusiasmo.
- Meu Deus, como você é romântica! - comentou tia Margareth.
- Parece a sua mãe quando tinha essa idade!
- Ela era assim?
- Se era! Gillian estava sempre esperando aquele príncipe encantado
que ia chegar um dia e levá-la nos braços para sempre. - A alegria
era transparente na voz de tia Margareth. - Depois de esperar
muitos anos, ela desistiu e preferiu a segurança financeira que seu
pai lhe ofereceu. - Fez uma pausa e seus olhos azuis se fecharam
um pouco, como se ela estivesse vendo algo que tinha acontecido no
passado. - Mas o príncipe encantado acabou chegando, finalmente.
Muito tarde, infelizmente, para ambos - terminou, com tristeza.
- Tia, você está tentando me dizer que minha mãe não amava meu
pai e estava apaixonada por outro homem? - perguntou Caroline,
impaciente. A imagem, construída durante anos, de sua mãe como
uma lady gentil e graciosa que não podia fazer nada errado estava
saindo do pedestal e se arrebentando em pedaços.
- Acho que estou sim, querida - disse tia Margareth, virando o
rosto para olhá-la melhor. - O que deixou você chocada? Saber que
ela não era nenhuma santa e apenas um ser humano como todos nós?
Oillian era amorosa e muito afetuosa,
gostava de ser amada, tanto quanto você, e naqueles dois anos de
casamento sofreu muito.
- Mas meu pai a amava. Ele me disse isso.
- Talvez amasse. Mas, no início, ele estava tão inseguro dos seus
sentimentos que, por orgulho, acabou escondendo esse amor. Ele a
deixava muito tempo sozinha. Estava sempre ocupado, sempre
tentando ganhar mais dinheiro. Só assim podia mante-la. Mesmo
depois que você nasceu, ela continuou sozinha. Não gostava de
Bilbao, nem das
pessoas com quem era obrigada a conviver. Costumava passar meses
naquela casa de praia, perto da costa.
- Onde Júlio Viroda costumava ir visitá-la - disse Caroline, devagar.

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- Você sabe! - exclamou Margareth.
- Papai me contou como encontrou Júlio e minha mãe rindo juntos,
uma noite, e pediu que ele saísse da casa. Disse que eram amantes.
Eram mesmo, tia Margareth? Você sabe? - perguntou Caroline,
ansiosa.
- Você quer saber se iam para a cama juntos? - perguntou
Margareth, de modo realista. - Não, não sei disso. E nunca ninguém
vai saber. Mati talvez soubesse, mas nunca ia dizer nada contra o
irmão. Ela tinha a forte ligação basca de lealdade de família. Foi por
intermédio de Mati que eles se encontraram. Júlio foi lá uma vez
visitá-la e ela o apresentou a Gillian. Ele era um homem atraente.
Tenho a intuição de que Gillian adquiriu o hábito de lhe contar seus
problemas. Ela encorajou as visitas a Mati, assim podia vê-lo
novamente.
- Mas, e a esposa dele?
- Ele era viúvo. Estava muito ocupado dando aulas na universidade.
Costumava ir a Martinez apenas para descansar. Deve ter
encontrado um pouco de paz lá, senão não teria voltado tantas
vezes.
- E durante todo esse tempo, meu pai não desconfiou de nada?
- Acho que suspeitou de que alguma coisa estava acontecendo.
Senão não teria aparecido de repente naquela noite. Infelizmente,
escolheu o dia em que Júlio fazia sua última visita. Ele ia partir para
a França. Tinha parado lá apenas para se despedir de Gillian e da
irmã. Possivelmente estava também se escondendo da Guardiã.
Joseph contou o que aconteceu depois?
- Sim, contou.
- Não compreendo por que ele contou a você.
- Ele estava muito preocupado quando soube que eu tinha estado
com Pio Viroda, o filho de Júlio - disse Caroline, em voz baixa.
- Pensou que Pio talvez quisesse se vingar e fosse atingi-lo através
de mim.
- Pobre Joseph - murmurou Margareth. - Sua consciência o tem

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atormentado muito durante estes anos. Já sofreu muito por causa
do que aconteceu. Gillian nunca mais foi a mesma para com ele, você
sabe. Culpou-o da morte de Júlio. Mas, como o filho de Júlio ia se
vingar através de você?
- Papai acredita que Pio me seduziu quando ficou comigo naquela
noite - disse Caroline, em voz baixa.
- Ah!, entendo. E ele a seduziu?
- Não, claro que não!
- Não por atos, talvez, mas certamente por intenções - sugeriu
Margareth, com os olhos azuis brilhando de expectativa.
- O que quer dizer? - exclamou Caroline.
- Quero dizer que você foi seduzida sem saber disso. Que se
apaixonou perdidamente por Pio Viroda, não foi?
Caroline olhou a tia com espanto.
- Como você adivinhou?
- Você se entregou, minha querida -- dise Margareth, pegando o
jornal e apontando a página. - Não é seu costume se interessar por
editoriais de jornais da Espanha.
E, como sua mãe, você tem a tendência de rir do que gosta. bom,
preciso ir embora. Querida, conte-me o que está pretendendo
fazer, se quiser. E se decidir partir em busca do que gosta, por
favor, deixe um bilhete para Joseph, dizendo onde vai. Será muito
melhor.
Caroline não pôde deixar de rir. Sua tia tinha senso de humor e era
sempre muito alegre.
- Gostaria que você não tivesse de partir, tia Margareth - disse ela.
- Vai ficar muito triste aqui, enquanto espero que meu braço sare.
Não tenho companhia e nada para fazer. - De repente, foi como se
ela estivesse vendo o futuro próximo, cheio de dias vazios,
preenchidos apenas pela lembrança de Pio. Escondeu o rosto nas
mãos. . Oh!, tia Margareth, o que vou fazer, o que vou fazer? -
perguntou, angustiada.
Margareth ficou parada alguns momentos, olhando para os cabelos

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loiros da sobrinha. Seus olhos se encheram de emoção.
- Acho melhor você vir comigo - disse ela com seu modo prático. -
Tenho certeza de que posso comprar outra passagem para a
Inglaterra. Diga para sua empregada fazer as malas, enquanto
converso com Joseph e fazemos os últimos acertos. Tenho a
impressão de que seu pai vai ficar muito aliviado em saber que você
está indo para longe, principalmente para fora do alcance de Pio
Viroda.


CAPITULO V

Joseph Mprondo concordou. Achou uma boa idéia Caroline ir para a
Inglaterra e ficar com a tia durante algumas semanas. Deu dinheiro
para as despesas da filha e, apesar dos seus modos reprimidos,
acompanhou-as ao aeroporto e beijou-as na despedida.
- Já escrevi a Billy - sussurrou Caroline quando o beijou no rosto.
- Então está tudo resolvido. - Ele deu de ombros, mas seu olhar era
amargo. - Divirta-se na Inglaterra.
- Vou tentar.
- Talvez você devesse ir conosco, Joseph - sugeriu tia Margareth. -
Você não me parece muito bem. Precisa descansar também.
- Estou perfeitamente bem. E não tenho tempo para descansar.
Estão chamando seu avião. Vamos nos despedir.
Apesar de preocupada com a discussão que tinha tido com o pai,
Caroline logo esqueceu seus problemas, na casa agradável de
Hamshire, onde seus tios moravam. Depois da casa elegante, mas
muito fria, onde morava com o pai, aquela velha casa de fazenda, em
estilo Tudor, era muito aconchegante. Tinha uma atmosfera de
calor humano que a casa de Bilbao nunca chegara a possuir.
E havia muito para fazer. Sharon, a garota alegre e bem-disposta
que estava nos últimos anos do curso de medicina, tinha muitos
amigos e logo Caroline se viu cercada de jovens, saindo todas as

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noites e passando os fins de semana em veleiros. Os dias alegres e
quentes de junho passaram. Seu braço estava curado. Ela já podia
montar e cavalgar em New Forest. Podia jogar ténis novamente.
Escreveu ao pai duas vezes, pedindo que fosse encontrá-la e duas
vezes recebeu como resposta uma recusa formal, escrita pelo senor
Alvares, dizendo que seu pai estava muito ocupado no momento e
não podia sair de Bilbao.
Tentou não pensar mais em Pio. Muitas vezes não conseguiu. Um
caríoon visto em um jornal inglês fez com que ela se lembrasse dele.
Algumas vezes, na cama, à noite, fechava os olhos e o visualizava,
deixando que o desejo de estar com ele a invadisse completamente.
Muitas vezes tinha vontade de fazer o que o pai havia sugerido:
voltar para a Espanha, procurar Pio e lhe oferecer o seu amor.
Mas tinha medo de ser rejeitada. Achava até que as suspeitas de
seu pai estavam certas: Pio a tinha mantido em Esker Ona durante
aquela -noite esperando vingar a morte do próprio pai.
Já estava na Inglaterra há um mês quando recebeu a notícia de que
seu pai tinha sofrido um grave ataque do coração e estava
internado no hospital de Bilbao.
Voltou depressa, de avião, e passou as duas semanas seguintes indo
e voltando do hospital, permanecendo ao lado dele. Seu coração
estava angustiado. Ele não falava, não podia se mover e não
conseguia reconhecê-la.
- Ele vai melhorar? - perguntava e todos diziam que sim. Mas que
também podia se recuperar apenas parcialmente.
Devagar, com muitos medicamentos, ele foi readquirindo seu
próprio controle. Apesar de ainda não falar, já podia reconhecê-la e
sempre sorria quando ela chegava. Um dia conseguiu sentar-se e, no
dia seguinte, deu alguns passos com a ajuda de uma enfermeira.
Dois dias depois sofreu um novo ataque, que o colocou em coma, e
do qual nunca se recuperou. Morreu na noite do quarto dia e os
convidados que não tinham vindo para o casamento, em maio, vieram
para os funerais, em julho.

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Abalada pela tristeza da sua morte, e, muitas vezes incapaz de
acreditar que ele tinha sido forçado a deixá-la aos quarenta e nove
anos, no auge da sua vitalidade e entusiasmo pelo trabalho, Caroline
foi obrigada a entrar em contato com as pessoas que trabalhavam
na companhia, a fim de cuidar dos problemas financeiros.
Depois dê ter assistido a uma reunião, sentindo-se exausta e
desligada, descobriu que seu pai estava falido e não tinha o dinheiro
que todos pensavam. Ela não era herdeira de nada.
- Por que ele não me disse nada? - perguntou, espantada, a tia
Margareth, sacudindo a cabeça. - Ah!, aquele orgulho sempre
atrapalhou tudo.
- Qual é a sua situação, querida? - perguntou a tia.
- Pelo que sei, ele perdeu o dinheiro recentemente, fazendo maus
investimentos. Em vez de cortar os gastos, começou a jogar
violentamente na Bolsa de Valores.
- Sabia que ele estava preocupado com alguma coisa - admitiu
Margareth. - Mas não adiantava perguntar nada. Eu era apenas uma
mulher e não ia entender seus problemas - disse secamente.
- O que eu não entendo é que ele continuou a gastar tanto dinheiro
comigo, com a minha educação naquela escola suíça. Me mandava
uma mesada enorme para roupas e viagens. Tia, ele não podia pagar
nada daquilo. Estava com dívidas até as orelhas.
- Era tudo encenação, eu acho - disse tia Margareth. - Ele queria
lhe arranjar um marido rico, para que tivesse segurança quando ele
morresse. Sabia que não ia poder lhe dar tudo o que todos
esperavam que lhe desse. Já tinha acontecido antes. Primeiro com
Gillian e depois com você.
- Dar-me uma segurança que eu não queria - murmurou Caroline e
começou a chorar. - Oh!, se ao menos eu não tivesse dito tudo o que
disse a ele. Eu não sabia. Se ao menos nós tivéssemos conversado
antes de ele morrer! Sua morte foi culpa minha. Eu o deixei doente.
Foi tudo culpa minha e de Pio.
- Não, não foi - respondeu Margareth com sinceridade. - E você não

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vai ficar pensando isso. Os ataques são muito estranhos. Ninguém
sabe quando acontecem, nem por quê. Mas tenho certeza de uma
coisa: uma pessoa não tem um ataque e morre só porque alguém lhe
disse algumas palavras ríspidas. Agora, pare de se culpar, Caroline.
Precisa pensar no que vai fazer. Há muitas dívidas para pagar?
- Sim. Há empresas e ações. Algumas coisas podem ser fendidas
para ajudar a pagar os débitos.
- Esta casa pode pegar um bom preço - explicou Margareth, olhando
em volta. - Há muitos quadros e antiguidades.
Assim começou o processo de venda dos bens de Joseph Morondo.
Caroline ficou com tia Margareth, na casa grande, durante a semana
seguinte, até que tudo estivesse vendido, com exceção de alguns
móveis que ela decidiu guardar para si. Nada restou para herdar.
Ela aceitou a situação calmamente. Pelo menos uma das diferenças
entre ela e Pio tinha desaparecido, pensou um dia, quando estava
arrumando a mala e se aprontando para partir para a Inglaterra no
dia seguinte. Já não era mais uma menina rica - e neste momento a
lembrança de Pio voltou, forte. Caroline viu o suéter dele na mala
que havia sido arrumada por Emília, que tinha pensado que a roupa ;
era dela.
Ergueu-o e colocou a lã contra as faces, lembrando o momento em
que ele a tinha abraçado na caverna. Se fechasse os olhos podia vê-
lo. Seus cabelos caíam na testa, uma sobrancelha era um pouco mais
alta que a outra, os olhos cinzentos brilhavam com humor ou
escureciam de sensualidade quando ele se inclinava para beijá-la.
E ele tinha sentido vontade de beijá-la, lá na caverna. Não adiantava
ter dito que a beijara apenas porque Mati teria feito aquilo, porque
ela estava machucada, perdida e confusa. Pio tinha sentido vontade
de beijá-la como um amante. Tinha acariciado seu corpo até ele
ficar cheio de desejo. Ele a tinha desejado e ela o tinha desejado.
Ela o amava. Não podia partir da Espanha sem vê-lo novamente.
Não parou para pensar se estava fazendo a coisa mais acertada.
Colocou o suéter numa sacola de papel e logo estava em seu carro,

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que ainda não tinha sido vendido. Deixou um bilhete para a tia,
dizendo que ia fazer compras e telefonaria mais tarde.
Logo estava na estrada. Apesar do tráfego de verão, Caroline
conseguiu chegar rapidamente às montanhas, tomando o caminho
para San Sebastian. Na rua em que Caterina Spinoza morava as
árvores estavam floridas.
Os portões estavam abertos, mas não havia nenhum carro na
garagem. A casa parecia deserta. Se não houvesse ninguém lá, o que
ela ia fazer? Como podia descobrir onde Pio morava?
Tocou a campainha. A porta se abriu e apareceu Emília. Quando viu
Caroline, seus olhos se abriram, espantados.
- Senorita Morondo, o que está fazendo aqui?
- Desculpe-me perturbá-la. A doutora está em casa?
- Não. Ela e o marido estão viajando, em férias. Posso ajudá-la?
- Pode me dizer onde é o estúdio do senor Viroda? Sei que é em
Martinez, mas não sei o endereço certo. Tenho algo que pertence a
ele e gostaria de devolver.
- Ah! Deixe-me pensar. Não sei o nome da rua onde ele mora. É um
bairro pequeno, onde todos se conhecem. - Emília ficou sorrindo,
como se acreditasse que seria fácil para Caroline achar Pio, depois
das indicações que havia dado.
- Obrigada - respondeu Caroline. - Você ajudou muito. Ela voltou
pela estrada costeira. Martinez era no caminho para
Bermeo. Era só seguir a costa e chegaria lá.
Dirigiu durante quase uma hora até que viu uma cruz dourada no
topo de uma igreja. Um sinal na beira da estrada lhe mostrou que
estava próxima de Martinez. Logo se encontrou em uma rua
estreita, tendo em um dos lados o mar. As casas eram pequeninas,
todas pintadas de branco, com sacadas e floreiras cheias de
gerânios.
Alguns barcos pesqueiros estavam amarrados no porto. Grupos de
pescadores usando o barrete basco pegavam mariscos e tiravam
limo do fundo dos barcos, preparando-os para pinturas e reformas.

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Do porto saía uma ruela que subia a montanha, onde edifícios
estreitos se espalhavam. Como estavam na estação turística, havia
carros por todos os lados, vindos de diferentes pontos da Europa.
Pessoas com roupas coloridas se espalhavam pela rua e pelas
pequenas lojas.
Vendo uma vaga, Caroline acomodou rapidamente o carro. Durante
alguns momentos ficou pensando onde poderia perguntar sobre Pio.
De repente, viu uma placa: Galeria de Artes.
O sol estava quente. Uma brisa fez sua blusa flutuar e desmanchou
os cabelos loiros. Ela estava muito bonita, com uma saia em estilo
cigano, blusa e sandálias brancas, de saltos bem altos. Sua pele era
cor de pêssego e chamava a atenção de muitos homens. Alguns
falaram com ela, outros assobiaram.
Dentro da galeria estava quieto e fresco. Havia muitas pessoas
olhando quadros e objetos de arte. O proprietário, um homem
baixifnho, de bigode e óculos, conversava com um casal. Caroline
ficou por lá olhando os quadros.
A galeria estava dividida em duas partes, uma com quadros diversos
e outra expondo um único artista.
Quando entrou na segunda seção, deu de cara consigo mesma.
Deixou escapar uma exclamação de espanto e olhou em volta para
ver se as pessoas tinham percebido. Rapidamente se aproximou do
seu retrato.
Não, não estava enganada. Era ela, da cintura para cima, usando
apenas o sutiã de renda. O cabelo estava solto e a cabeça inclinada
para trás. Os olhos eram azuis
e os lábios estavam ligeiramente entreabertos. Era um quadro
impressionista e a pele dela parecia brilhar contra o fundo negro.
Sob o quadro estava um cartão onde constava o nome da obra e do
artista. Estava escrito simplesmente: "Moça na Caverna - autor:
Viroda."
Outras pessoas estavam entrando e ela saiu depressa, esperando
que ninguém percebesse a semelhança entre ela e a pintura.

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O casal que tinha estado conversando com o proprietário havia
saído. Ele se aproximou, perguntando:
- Senorita, posso ajudá-la? Quer comprar um quadro?
- Sim, o da moça na caverna. Quanto custa?
- Ah!, desculpe. Aquele não está à venda. Muitas pessoas o têm
admirado e já quiseram comprar. Na maioria rapazes. Parece
romântico para eles. Ê a garota dos seus sonhos se oferecendo a
eles.
- Eu não vi nada disso - respondeu Caroline, irritada. - Quero dizer.
. . sendo mulher, não poderia mesmo ver isso, não é? - disse
rapidamente. - Mas, por que está em exposição se não é para
vender?
- Pedi ao senor Viroda que mandasse mais quadros para a exposição,
pois já havia vendido muitos. Ele é muito popular. Seus quadros
vendem bem, mas ele não faz quadros pequenos. Prefere pintar
grandes murais. Ele me mandou aquele e mais outros dois com a
condição de não vendê-los até que cheguem os outros.
- Onde posso encontrá-lo? - perguntou Caroline. - Talvez possa
convencê-lo.
- Hum, agora ele está na igreja - disse, devagar.
- Na igreja?
- Si. Foi contratado para pintar uns afrescos na igreja. Os velhos
foram destruídos pelo fogo. Agora teremos novos. Vão ficar
estupendos! Todo mundo do país basco virá vê-los, pois as cenas
religiosas estão misturadas com cenas da vida do nosso povo. Você
sabe, naturalmente, que o pai do senor Viroda foi morto aqui perto
e está enterrado no cemitério da igreja, não é, senorita?
- Não, eu não sabia - murmurou Caroline.
- Ele era um grande homem... um herói.
- Mas, quando o senor Viroda não está na igreja, onde pode ser
encontrado?
- Ah!, no seu estúdio, eu acho. É no andar mais alto daquela casa
velha que dá para o porto, do lado norte. Mas terá dificuldades

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em vê-lo. A velha senora Zobel, que também é a dona da casa, o
protege de visitantes. Vai precisar de uma boa história para que ela
a deixe passar.
- Obrigada, senor. Ajudou muito.
- De nada, senorita. É sempre um prazer ajudar uma moça bonita.
Se não conseguir persuadir o senor Viroda, posso lhe vender outros
quadros. Volte e escolha um. Deve haver algum que a atraia.
Que atrevimento o de Pio, pintá-la daquele jeito! A irritação fez
com que andasse depressa em direção à igreja. O edifício já estava
quase terminado. Lá dentro, pôde ouvir o canto suave dos padres,
ajoelhou-se entre duas pessoas e olhou, cautelosa, em volta.
Perto de uma parede estava uma escada de ferro. Subiu até o ponto
mais alto, onde a parede estava coberta com pinturas modernas e
brilhantes. Pio não estava lá.
Permaneceu alguns momentos com a cabeça curvada, como se
estivesse rezando, tentando compreender por que ele tinha pintado
aquele retrato dela. Será que era para esquecer tudo o que tinha
acontecido na caverna? Ou será que ela tinha ficado tão presente
em sua lembrança, como ele ficara na dela? Isso não queria dizer. . .
Ou será. . . Não havia respostas. Tinha que encontrá-lo e fazer a ele
as perguntas.
Saiu da frescura da igreja e foi para o sol. Andou pelo porto e viu
alguns pescadores discutindo. Seguiu a curva do mar em direção à
casa grande perto do farol.
Um portão azul e estreito dava entrada ao jardim da casa. Sentada
em um banco, estava uma mulher de meia-idade com cabelos
grisalhos, usando uma roupa preta. Tricotava um xale, mas quando
viu Çaroline colocou o tricô sobre os
joelhos e a olhou atentamente com seus olhos negros. .- Onde pensa
que vai, senorita? - perguntou, áspera.
- Vim ver o senor Viroda. Ele está? - disse Caroline friamente.
- O que quer com ele? - perguntou a mulher, cheia de suspeitas.
Veio em direção a Caroline e parou na frente do portão.

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- 104 -

- Sou amiga dele - respondeu ela, sem saber se a mulher ia
acreditar.
- Foi isso que a outra também falou. Disse que era amiga dele, mas
estava mentindo. Não era uma amiga verdadeira. Trouxe problemas
para ele. - Os olhos negros se fixaram em Caroline. - Você é
parecida com ela, alta e com cabelos loiros. Como se chama?
- Caroline Morondo. Mas não sei por que. . .
- Morondo? - As sobrancelhas da mulher se ergueram, com
surpresa. - O homem que vendeu esta casa para o meu marido
também se chamava Morondo. Você é parente dele?
- Meu pai era Joseph Morondo e ele tinha uma casa por aqui.
- Era esta á casa - exclamou a mulher. - Eu sou Teresa Zobel, meu
marido era Gabriel e ele sempre falava do senor Morondo. Ele
vendeu esta casa por muito menos do que tinha pago por ela. Disse
que lhe trazia más recordações.
Caroline olhou a casa. Era ali que sua mãe costumava ficar, onde ela
própria tinha estado quando era um bebé. Era a casa onde Júlio
Viroda tinha ido visitar sua mãe. E de onde Joseph Morondo,
atacado de ciúmes, o expulsara para a morte. Era onde o filho de
Júlio morava agora.
Olhou novamente para a senora Zobel. Não havia dúvida de que a
atitude da mulher havia mudado.
- Senorita, estou muito contente em conhecê-la - disse a mulher. -
Costumava me lembrar com carinho do seu pai. Não sabia que era
amiga do senor Viroda, ele nunca me disse. Ele mora lá no último
andar. Quando Gabriel morreu, a casa ficou muito grande para mim,
e decidi alugar uma parte dela. Nesta época o senor Viroda estava
procurando um estúdio. Chegamos a um acordo. Ele paga um bom
aluguel e eu cuido da casa para ele.
- Ficaria muito agradecida se me deixasse vê-lo - disse Caroline
- Não vou demorar muito. Tenho algo que pertence a ele e quero
devolver. Gostaria também de discutir a compra de alguns quadros.
A senora Zobel sorriu.

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- Agora sei que não é como a outra. Suba as escadas, senorita e
seja bem-vinda.
Caroline subiu devagar. Sua mente estava ansiosa. Como ele ia olhá-
la? Como estaria ele? O que ia lhe dizer?
Em algum lugar, uma porta se abriu e bateu, fechando. Passos
delicados e femininos soaram nos degraus e Caroline viu uma figura
pequenina e magra, com cabelos encaracolados, descendo a escada.
A jovem passou por ela e parou para respirar. Tinha o rosto
queimado de sol e olhos grandes.
- Se veio procurar emprego como modelo, ainda há vaga. Pio fez o
anúncio há uma semana, mas é difícil ser modelo dele. Antes era
ótimo. Agora ele acha que nada serve.
A jovem desceu o resto da escada, gritou alguma coisa para . senora
Zobel e saiu.
A porta que a moça tinha batido não ficou fechada totalmente. Pelo
vão da abertura, Caroline viu uma janela alta. Cuidadosamente, em
purrou a porta e entrou em um
grande quarto.
Não havia tapetes e a madeira do chão estava à mostra. Também
não havia muitos móveis, a não ser uma mesa redonda e algumas
cadeiras que estavam na outra extremidade do ambiente. Um divã
antigo, coberto com uma toalha vermelha, estava encostado em uma
parede. Uma cómoda em um canto servia para aparar os pincéis e as
tintas. Telas e molduras se espalhavam por todos os lados. Havia
uma janela imensa e uma tela em um cavalete.
Outra porta, do outro lado do quarto, estava parcialmente aberta e
ela pôde ver uma cama desarrumada. Ficou ouvindo e percebeu que
alguém se movia lá. Tossiu, esperando atrair a atenção da pessoa,
mas nada aconteceu. Deu um pontapé na porta e ela se abriu
completamente
- Pensei que lhe tinha dito para não voltar mais. Você é uma péssima
modelo! - era a voz de Pio, irritada. Interrompeu-se quando chegou
na porta e viu Caroline. Foi um momento de silêncio absoluto. Seus

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olhos estavam arregalados, como se não acreditasse. - Espere
um momento - ele disse, voltando ao quarto e fechando a porta
atrás de si.
A visão dele tinha sido suficiente para deixar o coração de Caroline
batendo forte. Para se acalmar, foi até o cavalete e ficou
observando a tela. Para ela, a pintura
parecia composta de nuvens de cor. Não sabia o que representavam
e ficou imaginando o que ele queria dizef com aquilo, quando a porta
se abriu e ele apareceu novamente. Não tinha mudado muito. Estava
vestido com jeans e camiseta e seus músculos chamavam muito a
atenção. Ele parou e cruzou os braços.
- O que quer? - perguntou friamente. - Por que veio aqui?
Hpara se fazer de boba?
Esta atitude hostil fez com que Caroline perdesse o controle.
CamiBnhou em direção a ele e atirou a sacola de papel aos seus pés.
- Vim devolver seu suéter - respondeu. - Achei que, como você é um
homem "tão pobre", podia precisar dele quando o inverno chegar.
- Obrigado - Pio respondeu, olhando-a com calma. - É só isso?
- Não. Não é - respondeu, com raiva. - Hoje eu vi um quadro seu na
galeria de arte daqui. É um retrato meu. Quero comprá-lo.
- Por quê?
- Para destruí-lo. Como você se atreveu a me pintar daquele
jeito, dando um espetáculo para o mundo ver? - É difícil o mundo
todo ir a uma galeria de arte em uma
pequena cidade basca e olhar meus quadros - respondeu secamente.
- O mundo não vai reconhecer você naquela moça. O quadro não está
à venda e, se veio só por causa disso, pode ir embora. Buenos
tardes, senorita.
A porta é ali. Por favor, não bata quando sair.
Ele se inclinou para pegar o pacote do chão. Caroline não se moveu.
Não podia. Estava paralisada no lugar, cheia de desapontamento
pelo modo como ele a havia tratado. Quando Pio se endireitou, ela
ainda estava lá. Seus olhos se encontraram e nenhum dos dois

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conseguiu desviar.
- Meu pai morreu de repente - ela murmurou.
- Eu sei.
- Ele estava falido.
- Também sei disso. - Ele parecia sorrir e olhou para o pacote que
tinha nas mãos. - Veio aqui por causa disso, apenas? -
perguntou, indeciso. - Ou está procurando
cama e comida, agora que está sem dinheiro?
O desapontamento era cada vez maior. Furiosa com as palavras
dele, Caroline ficou nas pontas dos pés e lhe deu um tapa no rosto.
Ele a segurou pelo pulso e torceu-lhe o braço. A dor foi tanta que
ela gritou.
Agora estavam muito próximos, com o peito e as coxas encostados.
Cheios de raiva, olharam um nos olhos do outro.
- Você é um bruto! - ela gemeu. - Oh!, é cruel e bruto!
- Por que tento me defender das suas garras? - respondeu, com
raiva. - Não quero perder um olho.
Ela tentou se libertar, mas só conseguiu se aproximar mais. Sem
fôlego, descabelada e suada, olhou-o novamente.
- Por que não vende o quadro para mim? Por que o quer? perguntou.
Ele relaxou o aperto do braço dela, suas mãos se encontraram e
seus dedos se entrelaçaram.
- Ele me faz lembrar a garota adorável que encontrei um dia em
uma caverna - respondeu com os olhos escurecendo e as
pálpebras se fechando suavemente.
- Deixe-me ir, Pio - ela sussurrou, porque o contato com ele tinha
produzido um efeito forte, derrubando todas as suas
resistências Mas sua voz não tinha nenhuma convicção.
Queria sentir o abraço forte dele em todo o
corpo, sentir o rosto dele novamente, cheio de calor, o cheiro de
almíscar que ele exalava, o gosto de sua boca agridoce, beijando-a
novamente.
- Não deixo, agora que estamos assim tão perto - ele respondeu

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calmamente, com a voz ligeiramente rouca. Encostou-se contra a
parede e puxou-a sobre seu corpo vibrante. Seus lábios se
encontraram com força e suas coxas se entrelaçaram. com um
braço em volta da cintura dela, Pio a segurava, enquanto seus lábios
desciam gentilmente para o pescoço. - Você sabe tanto quanto eu
como esperei com saudades, nina! - murmurou.
- Eu também senti saudades - ela concordou alegremente, passando
as mãos pelos músculos dos braços dele, acariciando a pele
veludada, erguendo o rosto para que ele a beijasse. Mas Pio não
beijou seus lábios novamente. Em vez disso, beijou-lhe a base do
pescoço, com a língua fazendo-lhe cócegas no pescoço e nas orelhas.
- Preciso ter tempo de arrumar a cama - murmurou baixinho,
com os lábios quentes próximos do ouvido dela. Caroline sentiu uma
excitação estranha passar-lhe pelo corpo. Ele mordeu seu pescoço,
dizendo: - Não quero que vá embora sem me dar o que queria dar,
já que teve tanto trabalho em vir aqui - disse rapidamente.
Havia algo de errado naquilo, mas Caroline não conseguia saber o
que era. Seus pensamentos não conseguiam mais se coordenar.
Estava enfeitiçada pelo ardor que sentia
em Pio. Podia perguntar o que ele estava querendo dizer, mas,
quando sua boca se abriu para falar,
foi sufocada pela dele, num beijo silencioso, cheio de desejo, que a
deixou completamente entregue. O desejo parecia fluir como lava
de uma erupção vulcânica, derretendo tudo que tentava resistir a
ele. Quando Pio a ergueu com
facilidade em seus braços e a carregou ara o quarto, chutando a
porta atrás de si, ela não resistiu. Compreenleu que não conseguia
controlar o que sentia por ele.
O quarto era alto e cheio de sol, calmo, e parecia um paraíso
secreto, ideal para trocar intimidades. Deitado ao lado dela na cama
coberta com lençóis azuis, Pio continuou com seus beijos firmes e
longos, enquanto suas mãos apalpavam a blusa dela, afastando o
tecido dos

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ombros e dos seios.
- Diós, como você é bonita - murmurou, rouco. - Mais bonita Io que
eu imaginava, com seu cabelo cor-de-ouro e a pele como um ogo
dourado. Não pude vê-la direito na caverna, só imaginar o eu corpo.
A pintura é apenas a impressão que tive de você. Nem
ihega perto da realidade.
A boca de Pio estava presa à dela. Caroline sentiu a nudez do corpo
dele. Pio murmurava o seu nome, e ela o dele, usando expressões
carinhosas que nunca tinha usado
para ninguém. Estava sendo levada por uma tempestade de paixão
que havia explodido além do controle de ambos. Ela confessou que o
amava, com voz rouca e .cheia de
desejo, apertando-o cada vez mais.
. Era por isso que tinha vindo. Era o que ela queria e ele sabia disso,
mesmo quando tinha tentado mandá-la embora. Cada nervo, cada
músculo do corpo de Pio a queriam cada vez mais perto. Ele também
a amava. Então, não podia haver nada de errado em se entregar à
paixão. Tudo o que importava agora é que estavam juntos e
as diferenças entre ambos tinham sido superadas.
- Sonhei tanto em ficarmos juntos assim. Sem mais nada entre nós -
ele murmurou, provocante.
- Eu também.
- vou tentar não magoá-la, querida. - Aquela imensa ternura dele,
depois de ter sido tão rude, atingiu o coração de Caroline.
- Não me importo. Não me importo porque estou com você. -. Ela
colocou toda sua sinceridade naquelas palavras.
- E tem certeza que é isso mesmo que quer? - ele perguntou mais
uma vez. Ela estranhou a persistência das perguntas, abriu
os olhos e viu o rosto dele banhado de
sol, os olhos escuros de sobrancelhas franzidas e, nos lábios, um
sorriso cínico. De repente comprendeu que Pio estava inseguro
sobre o desejo dela. Só o que queria naquela hora era lhe provar que
o queria mais que tudo.

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- Oh!, sim, por favor - sussurou, erguendo os braços e puxando-o
para mais perto de si. - Quero você, Pio, muito. Muito mesmo. Por
isso vim aqui hoje. Não podia partir da Espanha sem vê-lo outra vez.
- Sem deixar comigo apenas um quadro como lembrança. Acho que
devo me sentir orgulhoso - comentou, com os lábios mergulhados
nos cabelos dela.
- O que quer dizer? - ela perguntou, percebendo que alguma coisa
não estava indo bem. Havia uma barreira invisível entre ambos.
- Não tem importância. Nós dois vamos fazer o que queremos nesta
tarde e depois nos despedimos, está bem?
De repente o corpo quente dele estava se movendo contra o dela.
Todos os sentidos estavam despertos, mas a voz fria da razão falou
mais alto. O corpo de Caroline foi percorrido por um arrepio e ficou
tenso. Pio não a amava tanto quanto ela o amava! Ele ainda a via
como tinha visto na caverna, uma garota rica e cheia de homens, que
queria ter algum prazer e o havia escolhido para sua primeira
aventura sexual.
com grande frustração e desapontamento, ela o empurrou com
força. Seus pulsos bateram no nariz dele, que gemeu de dor e rolou
para longe dela. Pegando as roupas, Caroline saiu correndo do quarto
para estúdio, batendo a porta atrás de si. Vestiu rapidamente a
saia, a blusa, calçou as sandálias, pegou a bolsa e abriu a porta do
estúdio, e attrás de si a porta do quarto se abriu e ela o ouviu
dizendo, quase sem fôlego:
- Caroline, espere... Não ouviu mais nada, pois saiu batendo a porta.
Nos primeiros degraus lembrou-se da modelo bronzeada que tinha
encontrado ao chegar. Agora sentia simpatia por ela. Pio era um
cínico. Nos degraus seguintes, lembrou que a senora Zobel estava lá
em baixo. Prestou atenção para ver se a porta do estúdio se abria
novamente. Será que ele viria atrás dela? Podia querer alguma
explicação. Ela lhe diria tudo o que estava pensando. Que ele era um
depravado e atrevido por pensar que ela tinha vindo apenas para
dormir com ele; um atrevido em pensar que ela estava apenas

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procurando uma aventura.
Mas ninguém a seguiu. A claridade do sol fez com que ficasse
ofuscada, as paredes das casas brilhavam, assim como o mar azul e
as folhagens de um verde escuro. Caroline procurou seus óculos de
sol.
- E encontrou o senor Viroda? - perguntou a senora Zobel
alegremente. Estava ainda sentada no banco, tricotando com
rapidez.
- Sim, falei com ele. Muito obrigada - respondeu Caroline,
imaginando se um dia ia conseguir perdoá-lo.
Nunca, mas nunca mais mesmo, ia voltar àquele lugar, jurou a si
mesma, dirigindo-se ao portão azul. Tinha a cabeça erguida e o
corpo ireto. Nunca mais ia fazer o que tinha feito naquela tarde.
Não ia mais se entregar aos beijos de um homem, como tinha feito
com Pio. Nunca ia dizer a um homem que o amava. Nunca se
entregaria novamente ao desejo de amar Pio e ser amada por ele. O
amor era apenas uma fonte de decepções.
Quando chegou à rua, estava quase sem fôlego. Entrou num café
com mesinhas na calçada e pediu uma limonada gelada. Ficou
observando as pessoas que passavam, sem ver nada.
Não devia ter vindo. Não devia ter seguido seu impulso. Devia
obedecer apenas ao seu orgulho. Podia ter mandado o suéter pelo
correio. Não podia ter Pio, ele não era para ela.
E, mesmo assim, por alguns momentos ela tinha acreditado que Pio a
amava. Que sentia por ela o mesmo que ela sentia por ele.
Estava escrito no modo como a olhava, cheio de alegria e surpresa
antes de entrarem no quarto. Lá, então, ele tinha mudado de
atitude Logo que ficaram próximos,
ele passou da rejeição para uma grande ternura. Tinha até admitido
que sentira saudades dela durante o tempo em que estiveram
separados. E, acima de tudo, tinha acariciado seu corpo com tanta
gentileza, murmurando frases carinhosas, admirando a pele dela,
seu cabelo. Só ao lhe tocar os lábios tinha sido cruel Tinha dito

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que ia tentar não magoá-la e perguntou se ela queria aquilo mesmo.
Tudo o que Pio fez parecia o comportamento de um homem que ama
e não está apenas tendo um caso passageiro.
Então, por que tinha dito aquelas frases cínicas? O que havia
acontecido que tinha provocado tudo aquilo, dado a ele a idéia de um
encontro rápido, sem consequências?
Durante um longo tempo ela tentou achar as respostas, até que o
garçom veio perguntar se queria mais alguma coisa. Decidiu ir
embora. Pagou e foi em direção ao carro. O sol estava se pondo,
projetando seus raios nos telhados. A casa onde Pio morava, onde
sua mãe e o pai dele tinham se encontrado, estava banhada de sol. O
porto de Martinez brilhava, iluminado pelo sol poente, assim como
todo o estuário do rio que vinha de Guernica.
Quando ela chegou a Bermeo, uma bonita cidade de pescadores,
cheia de casinhas limpas e minúsculas, os barcos já estavam bem
arrumados, lado a lado no porto. O sol estava vermelho-fogo,
fazendo com que o mar também brilhasse com esta cor. O
contraste com as casas era exótico e, ao longe, as montanhas
estavam escuras e pareciam fantasmagóricas.
Amanhã ela ia partir da Espanha para sempre. Ia para a Inglaterra
e, com a ajuda de tia Margareth, haveria de encontrar algum
trabalho. Já estava pensando no que podia fazer. Falava
fluentemente três idiomas. Tinha ouvido falar de uma escola em
Londres que treinava pessoas bilíngues e trilíngiies para serem
secretárias ou intérpretes em companhias internacionais. Podia
conseguir um emprego interessante, viajando pelo mundo.
Sim, essa podia ser a resposta para aquela sensação de desespero.
Não queria mais pensar que o homem que amava considerava-a
apenas um objeto sexual. Queria se afastardele. Uma mulher não
precisa de nenhum homem para se divertir e levar uma boa vida. Os
corações partidos, assim como os ossos, logo se recuperam. Ela
estaria com o coração funcionando bem assim que esquecesse Pio.
Enquanto pensava, ia dirigindo bem devagar atrás de uma carroça

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de fazenda puxada por um burro, que ocupava toda a estrada. Olhou
no espelho retrovisor e viu um carro pequeno vindo em sua direção,
dando sinal de luz, querendo ultrapassá-la, envolvido em uma poeira
vermelha, que indicava ter saído pelo acostamento. Ela tentou
avisar que ia sair do caminho, mas queria avisar também o homem da
carroça. Tocou a buzina e apertou o acelerador. Ouviu vagamente a
buzina do carro de trás, mas era muito tarde. Tinham chegado a
uma lombada e os faróis fortes a ofuscaram. Tarde demais! Tentou
pisar nos freios e entrar novamente atrás da carroça. O carro vindo
em direção contrária a atingiu em cheio. O carro de MCaroline virou
de um lado e saiu fora da estrada, caindo em uma ribanceira.
Capotou diversas vezes e foi terminar no fundo do precipício.
Caroline sentiu que a direção estava forçando suas costelas, a testa
tinha batido no vidro e, de repente, viu tudo negro.


CAPÍTULO VI

Havia momentos em que ela tomava consciência de uma dor muito
aguda e de vozes conversando nervosamente em espanhol. Percebeu
que alguém tentava tirá-la do carro. Depois teve certeza de ouvir a
voz de Pio, rouca e concentrada. Mas, quando abriu os olhos e
tentou ver se ele estava lá, ficou ofuscada pelas luzes e fechou os
olhos rapidamente.
- Ela está viva. Acabou de abrir os olhos - disse uma voz autoritária.
- Graças a Deus - era a voz de Pio novamente. Mas será que Pio
estava ali? Ele não a tinha seguido, não se importava o suficiente
com ela para segui-la. Devia estar
imaginando que era a voz dele, porque tinha vontade que ele
estivesse ali.
- Senorita, pode ouvir-me? Se puder, balance .a cabeça - era a voz
autoritária novamente.
Caroline balançou a cabeça.

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- Bueno - disse a voz. - Você está presa atrás da direção. mas vamos
tentar tirá-la daí. Sou médico e vou lhe dar um anestésico para que
não sinta muita dor. Está pronta?
Caroline tentou responder alguma coisa. Sentiu a picada de uma
agulha e depois mais nada, até que percebeu estar deitada em uma
cama dura. Sentia o cheiro de antissépticos e achou que estava em
um hospital. Abriu os olhos com cuidado, não querendo ser ofuscada
novamente. Através dos cílios, viu que as luzes não eram fortes, que
podia abri-los totalmente.
Estava em um pequeno quarto parecido com aquele em que seu pai
tinha estado. As cortinas verdes estavam fechadas. Virou a cabeça
e viu alguém sentado ao lado da cama. A luz suave iluminava os
cabelos loiros, sob um chapeuzinho preto.
- Tia Margareth, como chegou aqui?
- Até que enfim, querida! Como se sente? - perguntou tia
Margareth.
Caroline pensou um pouco. Sentia dores nas costelas e o rosto
parecia inchado. Ergueu a mão e viu que o olhar da tia a
acompanhava.
- Tem alguns arranhões no rosto. Nada para se preocupar, graças a
Deus. Eles desaparecerão com o tempo - falou gentilmente.
- E aqui? - perguntou Caroline, tocando o peito.
- Há uma costela trincada e nada mais. O médico disse que você
teve sorte, considerando as proporções do acidente. Mas, querida, o
que estava fazendo? Onde tinha ido?
A mente de Caroline estava toda enevoada. Tentou lembrar o que
tinha feito antes do carro bater.
- Acho que tentei pegar o impossível. Mas não era para mim
murmurou, com sono. - Devo ter-me machucado quando tentei.
- Então feche os olhos e tente dormir - disse tia Margareth
gentilmente. Ela nunca parecia surpresa com nada que alguém lhe
dissesse. Caroline seguiu o conselho e fechou os olhos.
Os médicos que a visitaram no dia seguinte disseram que ela ia

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poder respirar e falar sem sentir dor na costela dentro de uma
semana. Só então poderia sair do hospital. Tia Margareth resolveu
ficar em Bilbao e ir ao hospital todos os dias. Sabendo que a tia não
dirigia e não havia ônibus nem táxis perto do hospital, Caroline ficou
preocupada e, no terceiro dia, tocou no assunto.
- Já deve estar cansada de mim. Por que não volta para a
Inglaterra?
- Porque quero ter certeza de que você está bem. Assim podemos
até viajar juntas - replicou a tia. - Você vai se sentir um pouco
zonza quando sair daqui e precisar de companhia para ir a Londres.
vou ficar até o médico lhe dar alta.
- Mas devemos entregar a casa dentro de três dias. Onde está
hospedada?
- Estou em um hotel no centro da cidade. Não se preocupe, é muito
confortável. Seus móveis já foram despachados para a Inglaterra e
suas roupas estão no meu quarto, no hotel.
- Deve ser muito aborrecido, para você, vir aqui todos os dias. Tem
encontrado táxis?
Margareth deu uma olhada estranha antes de responder:
- Não. Um jovem me traz em seu carro. Ele gostaria de vir vê-la e
eu prometi que lhe perguntaria se aceita sua visita..
- Um jovem? Não. . . não é Billy? - perguntou Caroline, levando a mão
ao peito. Sua exaltação tinha feito com que sentisse dor na costela.
- Não. Não é Billy. É alguém que você .viu recentemente disse
Margareth com os olhos brilhando de intensidade.
- Pio? - murmurou Caroline.
- Sim.
- Mas como. . . o que ele está fazendo em Bilbao?
- Ele viu seu acidente, querida. Ele a seguiu desde Martinez, mas só
conseguiu encontrá-la depois de Bermeo. Ele a viu sair do trás da
carroça para ultrapassá-la e tentou avisar, com os faróis, que havia
uma lombada adiante.
Então a voz de Pio não era apenas imaginação sua. Ele tinha estado

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lá. Mas por que a seguira? O que esperava fazer? Tudo que tinha
acontecido no estúdio voltou à sua lembrança. Sentiu novamente
raiva e frustração. Gemeu e virou o rosto para a parede.
- Não quero vê-lo - murmurou. - Diga a.ele para ir embora. Não
quero vê-lo nunca mais.
- Tem certeza, querida? - Tia Margareth não mostrava nenhuma
surpresa, novamente.
- Sim, tenho certeza - disse Caroline, firme.
- Está bem. vou dizer a ele que você não quer sua visita. Espero que
ele entenda. Volto amanhã. - Ela se levantou e beijou Caroline,
Os dois dias seguintes seguiram a rotina. Caroline decidiu descansar
o máximo e manter-se longe de Pio para sempre. Conseguiu se
recuperar logo e os médicos lhe deram alta antes do tempo
previsto, podia sair do hospital, mas não podia praticar nenhuma
atividade olenta ou agitada, nas próximas semanas.
Quando tia Margareth chegou, Caroline lhe deu umas boas notícias.
- Ótimo. Então vou voltar ao hotel, pegar algumas roupas para você
e deixá-las aqui. Assim podemos sair logo amanhã de manhã
- disse ela, toda prática.
- Podemos ir para a Inglaterra amanhã? - perguntou Caroline.
- Claro que sim, se você quiser.
- Sim, é exatamente o que quero.
Naquela noite Caroline não dormiu muito. Ficou pensando no dia
seguinte. Ia sair da Espanha para nunca mais voltar. Ao partir
daquele país, onde tinha nascido, ia deixar para trás o seu passado.
Era ali que ela tinha passado a infância toda. Muitos anos em
companhia de Mati Viroda. Tinha vivido uma vida turbulenta com seu
pai. Conhecia tão pouco sobre ele e tinha conseguido magoá-lo tanto.
Era ali que ela tinha encontrado Pio. Um encontro de paixão
atormentada, com um estranho que ela parecia conhecer há muitos
anos.
Resmungando, virou a cabeça no travesseiro. As lágrimas desceram
silenciosamente. Tinha feito tudo que não queria fazer. Agora

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pensava muito em Pio. Ele dominava completamente seus
pensamentos. Ela queria não ter dito aquilo a tia Margareth, que não
queria vê-lo. Queria muito vê-lo outra vez. Queria perguntar por
que a tinha seguido. Queria estar com ele, tocá-lo... Oh!, Deus, será
que ia conseguir esquecê-lo, um dia?
Na manhã seguinte, cansada e cheia de desânimo, depois da noite
sem dormir, Caroline vestiu uma saia cinza e uma blusa de seda azul,
calçou sandálias pretas bem altas e disse adeus às enfermeiras e
médicos. Andava devagar, bem ereta, acompanhada de uma
enfermeira. Entrou num elevador e, no térreo, seguiu por um
corredor até a entrada do hospital.
. O sol estava brilhante. Algumas pessoas estavam sentadas nos
bancos, mas ela não conseguiu ver tia Margareth. Já ia dizer à
enfermeira que ninguém tinha vindo buscá-la, quando uma pessoa se
aproximou.
Tinha os ombros largos e os quadris estreitos, o cabelo negro caído
na testa e cílios negros que escondiam um olhar brilhante. O rosto
era longo e cheio de preocupações. Estava de jeans e camiseta azul.
marinho.
Caroline deu uma olhada rápida em volta, esperando ver tia Mar
gareth mas olhou-o diretamente nos olhos, quando ele parou à sua
frente.
- Por que está aqui? - perguntou friamente, apesar de sentir que
seu coração batia rápido e com força.
- Vim buscá-la. Está pronta para sair?
Antes que Caroline pudesse responder, a enfermeira ao seu lado se
despediu e lhe desejou melhoras rápidas, entrando novamente
no hospital. Pio pegou a mala que tia
Margareth tinha trazido com suas roupas e tornou a falar:
- Está pronta para irmos?
- Não com você. Onde está tia Margareth?
- Acho que, neste exato momento, ela já deve ter chegado em
Londres. Saiu bem cedo esta manhã. Eu a levei ao aeroporto disse

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friamente, apesar de estar com os olhos
cheios de alegria.
- Ela partiu sem mim? - exclamou Caroline.
- Si.
- Por quê?
- Eu não sei por quê. - Ele sacudiu os ombros. - Vamos para o carro,
agora? - Colocou a mão casualmente no cotovelo dela, para ajudá-la.
- Ela me pediu para vir ao hospital buscar você e levá-la onde quiser
ir.
- Mas eu disse a ela que não queria vê-lo, que não queria vê-lo nunca
mais. O que ela disse a você? - Caroline se recusava a entrar
no carro.
- Si. Ela me disse tudo isso. Tivemos uma longa conversa sobre você.
Ela é uma mulher muito sábia, gostei muito dela. Margareth tem o
que nós aqui na Espanha chamamos
gracia: encanto, charme e um grande senso de humor, que reduz a
risadas todas as bobagens que você e eu fizemos. E agora, quer
entrar no carro?
com um último olhar desesperado para a entrada do hospital,
Caroline entrou no carro que Pio lhe indicava.
- De quem é este carro? - perguntou.
- Pedi emprestado a um amigo, para seguir você quando você saiu
de Martinez naquele dia - ele disse. Estendeu o braço e tocou a
marca no rosto dela. - Isto logo vai desaparecer, querida - disse
suavemente -, e então estará bonita
como sempre. Ah!, Diós, quando vi seu rosto, depois que
conseguimos tirá-la do carro, quase chorei,
estava com medo de que estivesse mais ferida. Estava com tanto
medo de que morresse! E tudo por minha culpa. Ela o olhou, confusa.
Sabia que muitas pessoas estavam indo e
vindo pelas alamedas do hospital e percebeu que o sol brilhava nos
vidros dos edifícios, refletindo nos carros das ruas.
- Mas não foi sua culpa - protestou. - Foi culpa minha. Eu não estava

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prestando atenção no que fazia. Foi um erro meu.
- Se eu não tivesse dito coisas que a deixaram aborrecida, você não
teria ido para a estrada daquele jeito, não teria me agredido, nem
ficado triste comigo. - As sobrancelhas dele estavam franzidas.
- Mas eu não estava. . . - começou. - Oh!, você está pensando que eu
sou como ela, não está?
- Como quem?
- Como a moça americana que veio ver você no ano passado e
e depois foi encontrada afogada. Bem, eu não sou como ela. Sou eu
mesma. . . faço coisas bobas às vezes. . . como me apaixonar por
um homem rude como você. Determinada
a se afastar dele, Caroline virou-se rapidamente, tentando sair do
carro, esquecendo que lhe haviam dito para fazer as
coisas com calma durante algumas semanas. Tropeçou
e viu tudo enevoado. Por alguns momentos, esteve prestes a cair.
- Quem lhe contou sobre Sílvia? - Pio tinha vindo ajudá-la, e sua voz
estava ríspida. - Diós mio, você não vai desmaiar, não mesmo? Por
favor... - A voz dele mudou do tom arrogante rã um pedido gentil.
Colocou os braços em redor dela.
- Não, não, acho que não - ela disse, empurrando-o, mas sem
condições de andar sozinha. - Estou um pouco fraca, faz muito
tempo que não fico de pé. Ele a tomou nos braços
e tornou a colocá-la no carro.
- Pio, por favor, deixe-me. Estou bem.
- Fique quieta - ordenou. - Você já falou muito. Nós dois falamos
demais. Se não tivéssemos falado tanto, teríamos nos amado,
naquele dia...
- Foi bom termos conversado, pelo menos percebi que a su atitude
comigo mudou. Agora, por favor, chame um táxi para mim
Quero ir ao aeroporto.
- Não vou chamar nenhum táxi. vou fazer o que prometi a sua tia.
vou levá-la onde quiser ir.
Pio desceu do carro para buscar a mala que tinha ficado ao pé da

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escada.
Caroline olhou em volta e viu que próximo dali havia um ponto de
ônibus. Ia pegar um ônibus, não importava o que acontecesse. Tinha
dinheiro suficiente na bolsa, tia Margareth tinha deixado. Depois
podia descer do ônibus e pegar um táxi. Ia fazer qualquer coisa
para evitar Pio.
Pio já estava voltando. Ela correu para o ponto de ônibus. Em poucos
segundos sentiu que alguém a segurava pelo braço, virou-se e deu de
cara com Pio.
- Nunca vi alguém tão teimosa quanto você - ele disse.
- Não vou com você - ela respondeu, tentando soltar o braço.
- Eu o odeio!
- E daí? Eu odeio você, também.
- Então, deixe-me ir.
- Não.
- Por quê?
- Porque não quero. . . Oh, diabos! - A impaciência fazia com que ele
quase gritasse. - Porque eu a amo, eu acho - berrou, inclinando-se
para a frente e esperando que ela não tivesse dúvidas sobre o que
havia sido dito.
- Mas você acabou de dizer. . . Pio, isso não faz sentido argumentou.
- E quem disse que é preciso algum sentido para se amar uma
pessoa? - ele respondeu. - Eu odeio você! Eu amo você! É tudo parte
de um sentimento bobo e maluco. Eu a odeio porque a amo. Agora,
por favor, venha comigo.
Ele ainda estava gritando e ela percebeu que as pessoas olhavam ao
passar, com curiosidade e espanto. Muitos carros estacionados com
pessoas dentro serviam de plateia para o espetáculo que os dois
estavam dando.
- Está bem, eu vou. Leve-me ao aeroporto - disse, baixinho.
Em poucos minutos ela deu uma olhada na bolsa para ver se Istava
com a passagem e, pelo canto dos olhos, observou Pio. Ele
tinha os lábios cerrados com firmeza

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e olhava a estrada. Parecia tão teimoso quanto ela e Caroline
percebeu que tinha encontrado uma vontade mais forte que a dela.
- Você está me levando ao aeroporto, não está? - perguntou
friamente.
Ele olhou para os lados, mas não disse palavra. Havia muito tráfego
na parte central da cidade e ele não queria começar uma discussão
naquele momento.
Olhando pela janela, Caroline viu algumas fábricas soltando fumaça
e poluindo o céu azul. Se estivessem indo para o aeroporto, a nuvem
de fumaça deveria estar atrás deles, e não na frente. Ela percebeu
que ele estava se dirigindo para a estrada costeira.
- Eu já disse que quero ir ao aeroporto. Não é esse o caminho
- ela disse, imperiosa.
Novamente ele não respondeu, mas acelerou mais para sair logo
daquele tráfego pesado. E
- Pio, o que você está fazendo?
- Estou levando você para um lugar onde possamos conversar. Não
posso deixá-la ir para a Inglaterra, sem antes. . .
- Oh!, por favor, não dirija assim tão depressa! - Ela colocou ambas
as mãos na frente dos olhos. Sentiu um aperto no estômago. Tinha
esquecido que a última vez em que andara de carro tinha acontecido
aquele acidente. Agora ele estava tentando uma ultrapassagem que
lhe trouxe de volta as lembranças de todo o horror em que tinha
sido envolvida. Estava enjoada. - Por favor, ande mais devagar.
Estou muito nervosa - implorou.
- Não me surpreende. Vi o acidente e não quero nunca mais ver nada
daquele tipo - ele disse, diminuindo a velocidade.
- Por que você me seguiu naquele dia?
- Eu não a segui logo. Ia deixá-la partir, ia ser rude e cínico até o
fim. - A ironia estava presente em sua voz.
- Eu só queria ter sabido antes que você era tão cínico - ela
murmurou. - Por que não confia em mim?
- Preciso de tempo para mudar - ele disse, em voz baixa. Para me

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ajustar à situação de ter uma nova pessoa em minha vida. Durante
muito tempo me recusei, emocionalmente. Não deixei que nenhuma
mulher conseguisse me impressionar. Tive muitos casos, mas nunca
entreguei meus sentimentos. Consegui construir uma concha que
protegia minhas emoções.
- Por causa de Sílvia? Novamente ele franziu as sobrancelhas.
- Como você sabe sobre ela? Quem lhe contou? - perguntou, desta
vez não tão irritado.
- Parece que todo mundo, menos você, me falou sobre ela. Todos
queriam que eu soubesse - respondeu rapidamente. - Primeiro foi a
sua irmã. . .
- O que ela disse?
- Disse que alguém que você conhecia muito intimamente tinha se
suicidado. Disse que você se sentia culpado, pois acreditava que se
tivesse se comportado de modo diferente, isso não teria
acontecido. Acho que ela estava tentando me dissuadir de passar
aquela noite com você.
- E conseguiu, não foi? - ele disse secamente. Diminuiu a marcha do
carro e entrou por uma estrada estreita que ia fazendo curvas em
torno de rochas. Em poucos minutos o sol poente refletido na água
do mar aparecia na frente deles.
A estrada terminava em uma praia rochosa. Alguns bangalôs de
telhados vermelhos se erguiam em volta da baía. Havia redes de
pescadores secando e a brisa do mar era pura e refrescante.
Pio parou o carro de frente para o mar. Desligou o motor e abaixou
o vidro da sua janela. Podiam ouvir o som das ondas, indo se
arrebentar nas rochas.
- Quem mais lhe falou de Sílvia?
- Meu pai.
- Como ele sabia?
- Ele tinha lido nos jornais. Disse que você tinha -se envolvido em
um escândalo relacionado com a morte da sua ex-esposa. Ele estava
preocupado quando soube que eu tinha estado com você em Esker

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Ona. Disse que você tinha uma péssima reputação e temia que
tivesse me seduzido.
Ele piscou para ela de modo irónico e pegou um cigarro no bolso da
camisa.
- E tinha uma boa razão para se preocupar. Quase aconteceu na
gruta.
- Você era casado com Sílvia?
- Si. Fui casado com ela durante seis meses, há oito anos. Acendeu o
cigarro e soprou a fumaça. - Mas você não precisa se preocupar com
ela.
- Não concordo. Se o seu relacionamento com ela afeta suas
atitudes para comigo, então devo me preocupar - argumentou
Caroline. - Você a amava muito?
- Não.
- Então, por que casou?
- Eu era um bobo - a voz dele estava ficando rouca. - E agora,
podemos mudar de assunto?
- Ela era muito bonita? - continuou Caroline, ignorando o pedido
dele.
- Era, tinha um jeito selvagem, um pouco depravado e não vou negar
que sentia muita atração física por ela - respondeu ele friamente. -
Nós tivemos um caso. Depois terminamos. Eu saí do colégio onde ela
era minha aluna. Estava lecionando pintura. Então fui viver numa
comunidade de artistas no sul da Califórnia. Sílvia me seguiu até lá.
- Por quê?
- Ela disse que estava grávida e o bebé era meu. Olhe, Caroline,
esta história do meu passado não é muito agradável. Nenhum homem
gosta de mexer em velhas cinzas, principalmente quando tem que
admitir que foi enganado - falou, com amargura.
- Você acreditou nela?
- Si. Eu acreditei nela. Era possível que fosse verdade, você sabe
como são essas coisas. - A voz dele era ríspida, enquanto tentava
fazer humor consigo mesmo.

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- Ela insistiu para que casassem?
- Ela me pediu, disse que estava com medo do pai. Fiquei com pena
dela e casei. Foi um casamento meio louco, que ela mesma
improvisou e depois me disse que era legal. Sendo um estrangeiro e
estando boquiaberto com a liberdade daquele país, eu concordei.
Então vieram os problemas. Ela contou ao pai.
- Ele não aprovava?
- Não muito. Acusou-me de estar dando o golpe do baú e cortou a
mesada dela quando Sílvia se recusou a me abandonar. Eu não me
importei, mas Sílvia não gostava de viver como pobre. Depois de
seis meses ela voltou para a casa do pai.
- E o que aconteceu com o bebé?
- Não havia nenhum bebé - a voz dele estava amarga novamente -,
ela só me disse aquilo para que casasse com ela.
- Por quê?
- Porque eu tinha feito algo que Sílvia não podia perdoar. Eu a tinha
deixado. Ela era mimada, você sabe, daquele tipo que costuma ter
todos os homens que quer. Mas, em todos os seus casos, era ela
sempre quem terminava. Não estava acostumada a ser deixada de
lado por um homem.
- O que você fez quando ela voltou para a casa do pai?
- Mudei para o México e comecei a desenhar cartoons. Ela se
divorciou de mim com muita facilidade e pensei que nunca mais
fosse vê-la. Fiquei muito surpreso quando apareceu aqui em
Martinez. Ela disse que tinha vindo para a Espanha com o terceiro
marido, diretor de cinema. Havia uma exposição dos meus quadros
na galeria de arte da cidade. Ela soube da exposição, foi vê-la e
descobriu onde eu morava. Pensou que seria uma boa idéia ir me
visitar, Deus sabe por quê. - Ele respirou fundo e soltou a fumaça
para o alto, depois apagou o cigarro no cinzeiro. - Foi uma confusão
- terminou, indeciso.
- Por quê?
- Ela estava terrível. Tinha perdido toda a beleza. Não conseguia

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parar quieta e seus olhos tinham um brilho estranho.
- O que havia de errado com ela?
- Estava viciada em um tipo de droga. Eu lhe pedi que fosse embora,
mas Sílvia não quis. Contou que estava muito infeliz no casamento,
que já era o terceiro. Tinha sido infeliz com o segundo marido,
também. Nada parecia ter dado certo para ela, desde que tinha me
deixado. Foi embora e voltou várias vezes ao estúdio. Então, um dia
me disse que tinha provas de que o terceiro marido a estava traindo
e ia pedir o divórcio. Só assim podia casar comigo outra vez. Fiquei
furioso. Disse que fosse embora e não voltasse mais. Dois dias
depois foi encontrada afogada na praia ao norte de Martinez.
- Mas não foi sua culpa! - Caroline protestou.
- Talvez não, mas fiquei pensando que, se a tivesse tratado melhor,
ouvindo o que ela queria dizer, talvez pudesse ajudar e. . . iós,
pensar nisso traz tudo de
volta à minha mente! - A voz dele foi abafada num soluço. Quando
falou novamente, já estava controlado. - Tinha que procurar um
lugar onde pudesse encontrar paz
para pensar melhor. Queria ficar sozinho. Já estava me
recuperando quando você apareceu, linda, perdida e confusa. - Ele a
olhou, cheio de ternura. Caroline sentiu-se arrepiada. - Eu me
apaixonei assim que a vi. Sem mais nem menos. Não tinha razões
nem motivos para isso, foi tudo além do meu próprio controle.
- Eu não tinha imaginado isso - respondeu Caroline, espantada.
- Não queria que você soubesse. Estava com raiva de mim mesmo
por ter sido pego tão desprevenido. Tinha certeza de que não devia
me entregar. Mas queria ajudá-la, cuidar de você, protegê-la. Ficava
o tempo todo dizendo a mim mesmo que você era filha da mulher
que tinha traído meu pai. . .
- Minha mãe não traiu seu pai - ela protestou, olhando-o, ofendida.
- Como não? - respondeu ele, amargo. - Eu acho que ela o traiu. Ela
usou toda sua beleza e charme para enfeitiçá-lo e fazer com que
ele fosse sempre visitá-la. Ela o deixou tão enfeitiçado que, em vez

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de ir direto para a França, onde era esperado por amigos, veio até
Martinez para se despedir dela.
- Mas ela não planejou isso - objetou Caroline, sentindo-se infeliz,
consciente da pior diferença que existia entre os dois, a mais difícil
de ser superada. O relacionamento de Pio com Sílvia não tinha
nenhuma importância, comparado com este problema. Agora estava
envolvida a lealdade de família. - Ela era solitária e infeliz
- continuou defendendo a mãe.
- Ele também. Ele era um homem muito sentimental. Não podia ver
ninguém sofrendo, que sempre tentava ajudar. Deve tê-la escutado
e conversado com ela. Se não tivesse ido lá se despedir estaria vivo
até hoje. Seu pai não o teria encontrado lá, nem tirado conclusões
rápidas.
- Meu pai se enganou - replicou Caroline -, ele mesmo me disse isso.
Ele a amava muito e ficou louco de ciúmes quando a viu com seu pai.
Acreditou que eram amantes. Mas não sabia que era o seu pai, não o
reconheceu, não sabia quem ele era.
- E nem se preocupou em perguntar - disse Pio, amargo.
Caroline abriu a boca para gritar com ele, mas fechou-a
rapidamente. De que adiantaria? A mágoa deixada pela morte do pai
era muito profunda. Ela já tinha idade suficiente para saber o que
tinha acontecido e isso havia influenciado toda a sua atitude em
relação aos pais. Mas não podia ficar ali sentada naquele carro e
deixá-lo puni-la pelo que tinha acontecido.
Saiu, batendo a porta. O vento fez com que seus cabelos
esvoaçassem, soprou sua saia e a blusa de seda. Seus saltos altos
escorregaram pelas pedras e ela foi andando, desajeitada, pelo
caminho que levava até uma faixa estreita de areia, longe do carro.
Ouviu bater a outra porta do carro e os passos de Pio a seguiram.
- Onde você vai? - perguntou ele.
- Para longe de você - ela respondeu. - Se você não pode perdoar e
esquecer o que aconteceu ao seu pai, não adianta conversarmos. Já
aconteceu há muito tempo e meu pai pagou caro por seu erro. Sua

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consciência sempre o acusou, porque ele admirava seu pai. Admirava
a coragem que ele tinha para defender aquilo em que acreditava.
Quando minha mãe morreu, ele sofreu muito. Sabia que ela não o
tinha amado como amara seu pai. Se isso melhora as coisas para
você, pode ficar contente, pois conseguiu se vingar. . . através de
mim.
Ela correu para longe dele e continuou a andar pela areia. Dois
barcos pesqueiros, branquinhos, balançavam na água. No céu, um
grupo de pássaros voava e mergulhava, tentando pegar peixes.
Apesar das dificuldades causadas pelas pedras, Caroline continuou
andando. Não sabia o que fazer. Olhou para o relógio e viu que
faltavam quinze minutos para o seu avião. Mesmo se voltasse para o
carro e insistisse para que Pio a levasse ao aeroporto, teria que
esperar muitas horas, até resolver o problema da troca de
passagem para outro horário e conseguir sair do país.
E, na verdade, ela não estava segura se queria partir, agora que o
tinha visto de novo, agora que sabia que ele tinha se apaixonado à
primeira vista, do mesmo modo louco que ela se apaixonara por ele.
Um amor além de qualquer raciocínio. Não era assim tão diferente,
principalmente considerando o comportamento do pai dele e da mãe
dela. Tinham se amado e criado um triângulo de tragédia. Mas não é
verdade que este tipo de amor sempre leva à tragédia?
Tentava se equilibrar sobre os saltos altos, mas estava ficando cada
vez mais difícil. Tirou as sandálias e carregou-as na mão, sentindo a
umidade da areia contra os pés. A brisa levantava pequenas ondas
que deixavam uma linha de espuma na praia.
Ao chegar ao local onde as pedras avançavam para dentro da água,
ela se sentou em uma delas e ficou observando o mar. Nem ela nem
Pio estavam preparados para fazer concessões um ao outro. Eram
muito orgulhosos para admitir qualquer erro.
Virou o rosto para olhar o caminho por onde tinha vindo e seu
coração pulou. Ele a estava seguindo, devagar, era verdade, com as
mãos nos bolsos, parando de vez em quando para olhar o mar e

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pegar alguma concha.
Veio até onde ela estava sentada, encostou-se à rocha e ficou
olhando o mar.
- vou levá-la ao aeroporto, agora - disse friamente e acendeu um
cigarro.
- Já perdi o avião - disse Caroline, aborrecida. Seria sempre assim,
se ela ficasse com ele, pensou. Pio sempre ia ser capaz de magoá-la,
dizendo exatamente o oposto do que ela queria ouvir.
- Haverá outros - ele respondeu. - Você tem mesmo que ir para a
Inglaterra?
- Não há nada na Espanha para que eu fique. Não tenho parentes
aqui e preciso achar um meio de ganhar a vida.
- O que vai fazer?
- Um curso de secretariado, acho. Falo três idiomas. Devem ser de
alguma utilidade - respondeu, cheia de dúvidas.
- Você deseja ser independente há muito tempo, não é?
Ela tinha que admitir que não. O pensamento de ter de ir trabalhar
para alguém de quem não gostasse, de ficar presa ao relógio e a um
horário rígido não a atraía nem representava exatamente uma
independência. Ela sempre tinha sido uma rebelde contra os
horários e sabia que não ia aguentar um chefe muito rígido e
exigente.
- Na verdade, não - disse, desanimada. - Mas não tenho outra
escolha, senão morro de fome.
- Você pode ficar e viver comigo - disse Pio casualmente. Ela quase
perdeu o fôlego. Virou-se para olhá-lo. Ele ainda obser
vava o mar e ela não pôde ver em seu olhar o que ele queria dize
com aquela sugestão.
- Por quanto tempo? - perguntou, tentando soar tão desinteressada
quanto ele.
- Por quanto tempo quiser.
- Pio, não entendo por que você está falando isso, mas se é porque
está com pena de mim, ou porque tem medo de que eu me comporte

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do mesmo modo que Sílvia. . .
- Não estou com pena de você, nem acredito que faça o mesmo que
Sílvia - ele respondeu, virando de frente para ela. - Agora sei que
você não se parece em nada com ela. Você tem mais inteligência,
mais orgulho, muito mais orgulho, como o seu pai. Você não admite
quando está vencida.
- E você?
Eles estavam olhando um nos olhos do outro, da mesma forma como
se olharam naquele dia, em maio, na cozinha de Esker Ona.
- Sim, eu admito. Já fiz isso - ele murmurou. - Fiz isso quando a
segui, no dia em que você saiu do meu estúdio. - Ele passou as mãos
pelos cabelos, afastando-os dos olhos. - Segui você, mas não para
impedi-la de fazer alguma bobagem. Levou alguns momentos para
acontecer, mas aconteceu, e quando entendi por que você tinha
partido, entendi também que a queria de volta. Compreendi que
tinha ficado contente ao vê-la lá, de pé .contra o sol, naquela tarde.
Quase não acreditei nos meus olhos. E de repente tinha partido.
- Por que não me disse tudo isso? Por que foi tão rude e
desagradável comigo?
- Era o meu modo de me defender. Meu orgulho também estava
presente. Estava tentando não me envolver, estava em uma guerra
comigo mesmo. Diós, por que eu tinha de me comportar daquele
modo? - ele gritou para ela. - Eu não me atrevia a esperar que você
voltasse. Não me atrevia a pensar que podia me amar. Nem tinha
certeza que a amava, mas, por Diós, eu a queria naquela tarde. Meu
instinto superou a razão, qualquer razão que eu tinha inventado para
não amá-la. Até que você disse que tinha ido me ver porque estava
partindo da Espanha.
- E o que havia de errado em dizer aquilo? Era verdade ela
respondeu. - Não podia partir sem vê-lo de novo.
- E sem ir para a cama comigo. Foi o que me pareceu, de repente -
ele falou, com voz amarga. - Eu disse o que pensei. Você me agrediu
e partiu. - Ele fez um gesto

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de desamparo. - Eu não a condeno por ter feito aquilo.
Provavelmente eu teria feito o mesmo, se me encontrasse na sua
situação.
- Se você ao menos me tivesse impedido, se ouvisse o que eu ia
dizer depois. . .
- Eu disse que nós, os dois, estávamos falando muito - murmurou
ele. - O que você ia dizer?
Caroline tinha que explicar seus pensamentos e o amor que sentia.
Tinha que reprimir seu orgulho. Não havia como esquecer as
palavras raivosas dele. Ela tinha que ultrapassar essa barreira, ou
se arrependeria pelo resto da vida.
- Eu ia dizer - começou vagarosamente - que não podia partir da
Espanha sem vê-lo novamente porque eu... eu... te amo. Aconteceu
comigo da mesma forma que com você, sem nenhum motivo, em
Esker Ona. Tentei dizer-lhe lá na gruta, mas você não quis me
acreditar. Estava muito apegado ao seu cinismo e a este estranho
modo de encarar as mulheres.
- Estava com medo de acreditar em você - disse Pio, em voz baixa e
profunda.
- com medo de ser enganado?
- Si.
- Então por que não me pediu para ficar com você em Martinez,
quando saímos do vale?
- Primeiro para ajudá-la e depois porque eu a queria tanto que não
me importava com as consequências que uma ligação com você
pudesse me trazer - respondeu ele.
- Mas depois mudou de idéia.
- Mudei? - Ele se virou para ela. - Pensei que você tivesse mudado
depois de conversar com a minha irmã e de ela ter explicado as
complicações que podiam surgir se você fosse encontrada comigo.
Por isso fiquei muito intrigado quando você apareceu no meu estúdio
em Martinez. - Atirou longe uma pedrinha. - Então estou aqui,
agora, fazendo o convite outra vez. Vem comigo?

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- Quer que eu vá?
- Si, quero que venha. Quero muito - ele respondeu, dizendo o que o
coração dela queria ouvir há tanto tempo.
- E se eu não for? - ela desafiou, em uma espécie de teste. Queria
saber o que ele ia responder.
- Então vou acabar raptando-a, finalmente - respondeu Pio, com os
olhos sorridentes. Estendeu ambas as mãos, pegou os cabelos dela e
os colocou lado a lado das faces, fazendo uma moldura para o rosto
de Caroline. - vou raptar você como qualquer ignorante
preconceituoso faria, como você me acusou, naquele dia - respondeu
suavemente.
- Desculpe-me tê-lo chamado assim - sussurrou ela. - Não teria
feito isso se não tivesse sentido medo de você.
- Estava com medo de mim?
- Sim. com medo de me apaixonar e amá-lo demais. Quero viver com
você e dividir todas as coisas. Não me importo com as diferenças
que existem entre nós. Se nos amarmos o suficiente, seremos
capazes de superar tudo. Já tentei lhe dizer isso antes, mas não
quis me ouvir ou não acreditou - Caroline disse, confiante.
A resposta dele foi um beijo que durou alguns minutos. Ela se sentiu
flutuando no espaço, com estrelas em volta. com os braços de um ao
redor do corpo do outro, eles ficaram alguns momentos observando
o mar e os pássaros.
- Você acha que é suficiente acreditar no que dizemos para sermos
felizes juntos? - Pio murmurou. - Então .tem que me acreditar
agora: quero que fique comigo para sempre.
Caroline se afastou um pouco de Pio, mas ainda estava abraçada a
ele. Olhou no seu rosto.
- Tem certeza disso? - perguntou.
- E você tem certeza suficiente para querer casar comigo? disse ele
calmamente.
- Casar com você? - As palavras saíram confusas, ela estava incapaz
de controlar a própria voz, depois da surpresa. - Por quê?

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- Porque é costume neste país, quando um homem convida uma
mulher para morar com ele, que esta união seja legalizada pelo
casamento - disse ele muito sério, com um brilho de humor no canto
dos olhos.
- Mas, você não precisa casar comigo.
- Por que não? Você tem alguma objeção em se casar? Ah! Tinha me
esquecido. Foi porque você ia se casar que fugiu para procurar Mati
- ele falou, fechando um pouco os olhos. - Então, muito mal -
considerou, dando de ombros. - Não podemos fazer mais nada. vou
levá-la ao aeroporto.
Espantada pela direção que os acontecimentos tinham tomado,
Caroline observou-o se afastar. O que tinha acontecido de errado,
agora? O que tinha dito para ofendê-lo, desta vez? Oh!, ela nunca ia
saber em que situação estavam, nunca ia saber se devia concordar
ou não. Então, para que ir morar com ele? Mas seria uma vida com
alguns momentos de alegria. Muitos mais do que se tivesse casado
com Billy. Ela sabia que podia chegar ao êxtase nos braços de Pio.
As beiradas afiadas das conchas cortaram seus pés, quando ela
correu atrás dele. Agarrou seu braço e o abraçou com tanta força
quanto Pio a tinha abraçado quando ela havia tentado fugir no
hospital. Ele parou e a olhou.
- Tem mais alguma coisa a dizer? - ele perguntou, de modo educado
e frio. - Pensei que tínhamos terminado nossa conversa.
- Sim, tenho uma coisa a perguntar! Por que não posso viver com
você se não casarmos?
- vou explicar - disse Pio, com gestos exagerados de cortesia.
- É o costume deste país. Se não casarmos, as pessoas vão dizer
uma série de coisas desagradáveis sobre nós. Você vai ser
hostilizada pelas outras mulheres da cidade
e eu a amo muito para deixar que isto aconteça. Do modo como me
sinto em relação a você, acho que logo surgirão bebés se formos
morar juntos. Quero que estes bebés sejam filhos de uma união
sólida, de um casamento. . .

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- Oh! Pare, pare com isso! - ela gritou, colocando sua mão sobre os
lábios dele. - Não diga isso nunca mais. Acontece que eu estava
sendo forçada a casar com um homem que não amava. Por isso me
revoltei. Eu o amo e serei muito feliz com você. Mas pensei que não
quisesse se casar mais, depois da experiência com Sílvia.
Algumas lembranças de sua infelicidade deixaram um brilho amargo
nos olhos dele, durante alguns momentos, mas aquilo logo passou.
- Aquilo não foi um casamento, no sentido certo da palavra disse
ele, devagar. - Foi um desastre, e é melhor que esqueçamos logo. -
Novamente Pio emoldurou o rosto dela com suas mãos e fixou os
olhos de Caroline. Os olhos dele foram se fechando, transmitindo a
ela um calor sensual que lhe penetrou na espinha.
- Sabe, querida, não mereço ser amado por uma mulher tão linda e
rebelde como você. vou criar todas as dificuldades se um dia quiser
me deixar. Quero amarrá-la a mim para sempre e há apenas dois
modos. Um deles é casar com você.
- E o outro? - cochichou ela, encostando seu corpo ao dele e
sentindo-se perigosamente próxima de Pio.
- Fazer amor com você tantas vezes quanto possível, lhe assegurar
que você é amada e que preciso de você, assim não irá procurar
outra pessoa, como sua mãe fez - ele murmurou, tocando-lhe os
lábios levemente.
- Agora já sei que tia Margareth esteve conversando com você
- disse Caroline acusadora, passando a mão por trás do pescoço
dele.
- Ela conversou - admitiu ele -, e eu entendi muito melhor o que
tinha acontecido entre meu pai e sua mãe. Ela me falou muito de
você, nas vezes em que a levei e a trouxe do hospital. Foi idéia dela
me deixar ir sozinho ao hospital hoje, para buscá-la.
Ela é muito sábia. Mas diga-me, querida, você vem a Martinez casar
comigo? Quando? Não tenho muito para lhe oferecer.
- Tudo o que quero é você - ela respondeu, erguendo os lábios para
que ele a beijasse, desta vez com paixão e abandono. Pio a carregou

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- 134 -

nos braços, de volta para o carro.
Logo estavam indo a grande velocidade de Bermeo para Martinez. À
esquerda tinham o mar azul-profundo e quente, de agosto; à direita,
as montanhas verdes, escuras e misteriosas.
Feliz como estava, Caroline só pensava em como tinha demorado a
chegar este momento, em que, com Pio, voltava para a velha e
enorme casa em Martinez. Caroline nem se lembrou de que tinha
esquecido as sandálias nas pedras perto do mar.



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