GRAMÁTICA
A arte de falar e de escrever bem em uma língua.
2. E. Ling. Estudo ou tratado que expõe as regras da língua-padrão (q. v.).
3. Obra em que se expõem essas regras.
4. Exemplar de uma dessas obras.
5. E. Ling. Estudo da morfologia e da sintaxe de uma língua.
6. E. Ling. Conhecimento internalizado dos princípios e regras de uma língua particular.
Recursos expressivos, figuras de linguagem, recursos lingüísticos ou estilísticos
As que vou comentar aqui não são perguntadas em exames vestibulares, mas são muito interessantes.
Palíndromo: (Mais exemplos) palavras ou frases que podem ser lidas nos dois sentidos -- de frente para trás ou vice-versa. Comecemos por algumas em inglês: Madam, I'm Adam. Em português o mais longo palíndromo é Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos.
Malapropismo: (Mais exemplos) Vem do francês mal a propós que significa algo que serve mal seu propósito. É quando se tenta dizer algo, mistura-se as palavras ou os sons e se consegue apenas um humor não intencional. O maior expoente brasileiro do malapropismo é Vicente Mateus, ex-presidente do Coríntians. Verdadeiros ou apócrifos, todos os malapropismos que se seguem a ele são atribuídos. Vejam aí alguns versículos do evangelho segundo Mateus:
Vicente Mateus 1: Como as fãs invadiam o campo e corriam atrás dos jogadores, nosso gênio malapropista produziu o seguinte cartaz: Proibido corrimento de mulheres no campo. (correria, é claro!)
VM 2: Pedindo aos sócios que apoiassem sua candidatura: “Queremos que todos compareçam para naufragrar a nossa chapa.” (queria dizer: sufragar = votar em;)
VM 3: Constatando que muitos sócios estavam em atraso com suas mensalidades, mandou afixar o seguinte aviso: “Os sócios que regularizarem suas mensalidades em atraso até quinta-feira receberão anestesia.” (anistia)
V M 4: Quando outro time tentou pegar Sócrates emprestado, VM declarou: “O Sócrates ninguém leva. O Sócrates é imprestável!” (imprestável = que não presta; inimprestável = que não se empresta)
VM 5: Como a tática de o time atacar em bloco poderia produzir tanto um bom resultado como um desastre (levar um gol de contra-ataque, por exemplo), comentou: “Essa tática é uma faca de dois legumes.” (gumes, Vicente, é uma faca de dois gumes!)
VM 6: Observando que o pato nadava na água e depois comia grama, sentenciou: “O pato, além de ser um animal aquático é também gramático.”
Metonímia: Significando “mudança de nome”, esta figura de linguagem consiste em designar um objeto por uma palavra que se aplica a outro objeto com o qual o primeiro possui uma relação de causa e efeito: trabalho por obra; de continente e conteúdo: copo por bebida; lugar e produto: bordéus com por vinho Bordéus; autor por obra: um Machado por um livro de Machado de Assis; etc.
VM 7: Comemorando uma vitória do “coríntia” com jogadores, cartolas, imprensa ... deus e o diabo, quis agradecer a fábrica de cerveja que graciosamente estava regando a festança: “ ... e nós gostaria de agradecer a Antarctica pelas brahmas que mandaram pra gente.” (É bom esclarecer para os mais novos que houve um tempo em que praticamente a única cerveja existente no mercado era a Brahma. Portanto, se pedia: “Garçom, vê aí uma brahma. (não pela marca, mas como uma metonímia para cerveja”
Pleonasmo vicioso. (Mais exemplos) Muita gente acha que todo o pleonasmo é condenável. Não é verdade. Há bons e maus pleonasmos. Um objeto direto pleonástico, por exemplo, dá mais expressividade e elegância à frase: O dinheiro, consegui-o. O pleonasmo é ruim quando repete o óbvio: Subir pra cima; descer pra baixo; laringite na garganta ... Aqui também o Vicente arrebenta. Um dia apareceu no clube com uma vista vermelha e inchada. Pergunta o Sócrates: “O que é isso aí, Vicente?” “Tô com terçol no olho.” “Ô Vicente, terçol no olho é pleonasmo.” Mais tarde outro jogador o encontra: “O que é isso aí no teu olho?” “Já não sei. Uns dizem que é terçol, outros que é pleonasmo...”
Salada mista (não mixta) de pronomes e verbos.
Eu te amo, meu bem. Você é a coisa mais importante da minha vida. Você é a cereja do meu Sundae. Tu é a azeitona da minha empadinha. Você é o chuchu da minha marmita. Quero beber a água suja do seu banho. Quero te abrir toda, te desarrumar, te chamar de gaveta ...
E por aí vai ... Perdoe-se aos amantes as hipérboles (declarações exageradas) e os solecismos (descuidos gramaticais quanto à concordância verbal e a uniformidade de tratamento, por exemplo). Ninguém é de ferro e, na alcova, no paroxismo da paixão vale até misturar tu com você, teu com seu, etc. Afinal, a quem vai misturar os corpos se perdoa uma pequena mistura pronominal. Mas os publicitários têm obriagação de utilizar a gramática da língua padrão em seus anúncios. Veja estes maus exemplos de dasapreço à pobre “última-flor-do-Lácio-inculta-e-bela”:
Pega bem fumar Dallas. Pega o seu.
Pega muito mal misturar verbos de 2a. pessoa (pega = tu) com pronomes de 3a. (seu). Corrija-se para “Pega o teu.”
Taffman E. Se você não gosta, continua no milk-shake.
Para “você” teria que ser: Continue no milk-shake.
Diga-me com que andas e te direi quem és. (anúncio da Antárctica)
Diga você. Dize tu. Corrija-se para: Dize-me com quem andas ... (Obs.: Pode-se usar diz em vez de dize; traz no lugar de traze; faz para faze; o que é até recomendável pois as formas com “e” têm um aspecto muito vetusto.)
A norma culta da língua portuguesa exige uniformidade de tratamento. Se você inicia uma frase com você, use seu, faça, abra, consulte etc. Se você a inicia com tu, é teu, faz, abre, consulta etc.
Vem pra Caixa você também. vem! - não vá, é a incompetência que o convida.
Lembre-se ainda de que os pronomes de tratamento exigem verbos e pronomes de 3a. pessoa do singular. Vossa Excelência está (nunca estais) redondamente enganado (enganada só se a pessoa a quem você estiver se dirigindo for do sexo feminino) acerca de suas (nunca vossas) prerrogativas.
Enfim, basta tomar um pouco de cuidado para evitar a incoerência pronominal. Vamos fazer um esforçozinho para preservar a beleza, a clareza e a harmonia de nossa “última flor”?
O PORTUGUÊS IMPRENSADO. A palavra impressa carrega muito peso: tendemos a acreditar no que está escrito, pois afinal verba volant, scripta manent (as palavras voam, a escrita permanece). A imprensa, os jornais, as revistas, os folhetos, os cartazes, os outdoors, as placas e sinais, todos esses meios escritos deveriam ser modelos de correção lingüística. Infelizmente, no mais das vezes, são modelos do contrário. Veja um apanhado rápido de alguns absurdos, abcegos e abmudos que nos ferem a sensibilidade lingüística diariamente.
NO VINHO, A VERDADE. NO TEXTO, O ERRO
Luiz Groff, um delicioso articulista da Gazeta do Povo, jornal muito popular em Curitiba, publica a degustável coluna In Vino Veritas. Não entendo nada de vinhos e nem os consumo (tenho “podagra” ou gota, como é mais conhecida esta dolorosa moléstia; e não posso me entregar a libações, ou seja, não posso tomar nem uma gota -- o trocadilho é irresistível -- de álcool; apiedai-vos de mim, portanto, queridos leitores, se às vezes pareço mal-humorado -- é falta de combustível!). Mas, como dizia, nada entendo de vinhos, mas entendo um pouco de português e inglês. (Por que leio a coluna então? Porque o Groff escreve muito bem e possui um ótimo senso de humor, ora essa!)
Na coluna intitulada Matusalém Aurora 1991, de 19 de agosto de 1994, o famoso enólogo pisou na uva duas vezes no mesmo parágrafo: “Não se sabe quem foi que escolheu estes nomes estrambólicos, de personagens secundárias[...] ... Sansão e, the last but not the least, Jeová.”
Primeiro problema: Não devemos usar a palavra estrambólico por ser considerada incorreta por muitos gramáticos. O Aurélio, bastante leniente, dicionariza-a com o rótulo de familiar e remete o consulente ao verbete universalmente aceito: estrambótico. A propósito, estrambótico significa ridículo, esquisito, extravagante ou excêntrico.
Segundo problema: Na verdade são dois, o primeiro é uma simples convenção, nenhuma regra divina. Quando usamos palavras estrangeiras em um texto, devemos marcá-las de modo a deixarem patente sua estrangeirice. Recomendam os manuais de redação que sejam escritas em itálico. O segundo é que a expressão correta seria “...e last but not least, Jeová.” A expressão é inglesa e significa o último, mas não o menos importante.
Em outra coluna, intitulada Quinta da Aveleda, de 7 de outubro de 1994, Groff cobrou taxa quando pretendia acusar. Escreveu “... obra de um enólogo francês, que há cem anos era taxado de louco.”
Ora, taxar = impor taxa, cobrar imposto; o sentido da frase pede tachar = acusar, apelidar, chamar de.
Já pensaram se além de receber a fama de louco, o enólogo também tivesse que pagar imposto pela sua suposta loucura?
CANAL ABERTO PARA BARBARISMOS LINGÜÍSTICOS. Os dois maus exemplos que se seguem foram encontrados na revista Canal aberto da TVA (07/95).
“Como é mais fácil centralizar o uso das funções no controle remoto da TVA, esse é um detalhe que às vezes passa desapercebido.”
O que freqüentemente passa despercebido é que despercebido não tem A! A palavra desapercebido até existe, mas não significa a mesma coisa que despercebido. Note que aquela palavra, despercebido, significa não percebido; ao passo que esta, desapercebido, denota não apercebido e aperceber quer dizer equipar, preparar, aparelhar. Quando algo passa sem você notar, passou despercebido; quando você não possui uma ferramenta ou uma habilidade adequada para realizar um trabalho, você está desapercebido desta ferramenta ou habilidade. Como dica prática, já que no segundo caso normalmente usaríamos despreparado ou desaparelhado, use somente a forma despercebido.
HOMÔNIMOS E PARÔNIMOS
01. O requerimento do aluno ainda não foi deferido.
02. Aquele que ignora é insipiente, mas aquele que começa é incipiente.
03. Não estou de acordo com a cessão do imóvel que está situado na seção norte do nosso bairro, embora isto tenha sido definido em uma sessão solene da Associação.
04. Aquilo que é isento de germes patogênicos é asséptico, e aquilo que se refere ao vinagre é acético.
05. Alunos pertencem ao corpo discente, e os professores, ao corpo docente.
06. Os garotos se portaram com muita discrição.
07. O perigo era iminente, mas o eminente cidadão não se abalou.
08. Houve um roubo vultoso.
09. De manhã acendemos o fogo e aquecemos a “bóia”.
10. Sua voz tem um acento incomum.
11. O governo cassou- lhe os direitos.
12. Escolhida a sua cela, o pobre monge entrou nela e orou.
13. O último censo indicou um aumento populacional considerável.
14. Rendamos um último preito de gratidão aos que tombaram.
15. O distraído motorista infrigiu a lei, por isso foi-lhe infligida uma pena exemplar.
16. O inimigo passou despercebido pelos guardas e tomou a cidade que estava desapercebida.
17. Os instrumentos não estão devidamente concertados com as vozes do coro.
18. Há anos vinha tentando o que só conseguiria daí a muitos anos.
19. O rufião permaneceu na cela enquanto o xeque assinava o cheque sentado sobre a sela.
20. Durante sua estada em nossa cidade mostrou-se esperto o suficiente para não criar problemas.
21. Eu mal a conheço, por que me trata tão mal.
22. Todo homem mau sabe o porquê de suas desgraças.
23. Você está mal-humorado, por quê?
24. Estou de mau humor e não sei por quê.
25. Este porquê é a razão por que odeio homônimos.
26. Ela voltou porque quis, mas não quer dizer-me por que não quer ficar.
27. No purgatório, estão os que expiam seus pecados.
28. O céu é uma abóbada natural.
29. Ela foi ao cabeleireiro.
30. Ninguém tentou frustrar os seus planos.
31. Não posso aceitar sua reivindicação.
32. O avião vai aterrissar fora da pista.
33. Ainda não tive o privilégio de conhecê-la.
34. Não seremos um empecilho em sua vida.
35. Ela ganhou cinqüenta pontos.
36. Ele é o octogésimo da fila.
Outra “regra” que gera o “erro” é a hipercorreção (excesso de correção). O usuário “erra” quando tenta “acertar demais”.
D) Se de partir é partido.
Se de sair é saído.
Então de abrir é
Então de cobrir é
Então de escrever é
Então de fazer é
Então de dizer é
E) Se de prever é prevejo.
Se de rever é revejo.
Então de reaver é
Então de precaver é
F) Se de aceitar pode ser aceito.
Se de expulsar pode ser expulso.
Então de trazer pode ser
Então de chegar pode ser
Há uma distinção, nem sempre feita, mas que temos de fazer, entre “estudar língua” e “estudar gramática”. Há professores de português que estudaram apenas apostilas. Esses não contam (ainda que possam, episodicamente, opinar). Aí há os, mais dedicados, que estudaram gramática(s). Leram que a regência é esta ou aquela, que as regras são assim e assado, e boa.
Mas não deve ser essa a nossa atividade, nosso ofício. Devemos estudar a língua, para, com isso, checar as regras que as gramáticas nos oferecerem, testar sua validade. E não me refiro sequer a estudar a linguagem atual, atentar para o uso contemporâneo, senão que estudar os próprios clássicos, dos quais, ao menos em tese, derivaram as regras.
Veja um exemplo. Dizem as gramáticas que os verbos lembrar e esquecer aceitam duas regências (cultas): lembrar algo / lembrar-se de algo.
É evidentemente para qualquer um que o uso brasileiro contemporâneo é outro. Dizemos, normalmente, lembrar de algo. Se eu digo isso, alguém pode advogar que não se trata do uso culto, que a língua escrita se altera lentamente, etc., etc.
Restaria, portanto, como pano de fundo, que o uso referendado pela tradição normativa é, ao menos, o uso culto tradicional, corrente nos autores considerados clássicos. Mas será mesmo? Nós já estudamos essa regra para ter certeza de que ela é correta (para os clássicos)? Ou apenas reproduzimos quem a primeiro formulou (talvez Leite de Vasconcelos, talvez antes, não sei ao certo)?
E hoje é relativamente fácil fazer essas pesquisas, dados os recursos de computação. Colhi alguns contra-exemplos.
Na linguagem culta contemporânea, não é difícil desbancar a regra. Basta o seguinte exemplo, de Carlos Heitor Cony (jornalista, escritor, membro da Academia):
(1) O tempo passou, esqueci dele, mas nunca esqueci aquele final de lascívia contrariada. (Folha de S. Paulo, 06/07/97, p. 1-2)
Note que Cony utiliza dupla regência, uma emparelhada à outra. Restaria dizer que Cony “errou”.
Vamos, então, aos clássicos:
(2) Pois foi a mesma coisa, leitor amigo, e se alguma vez contaste dezoito anos, deves lembrar-te que foi assim mesmo. (Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas)
Não deveria ser lembrar-te de que? Note que a fala pertence ao discurso do narrador.
Olha de novo:
(3) — Mas, Sr. José Dias, tenho visto os pequenos brincando, e nunca vi nada que faça desconfiar. Basta a idade; Bentinho mal tem quinze anos. Capitu fez quatorze à semana passada; são dois criançolas. Não se esqueça que foram criados juntos, desde aquela grande enchente, há dez anos, em que a família Pádua perdeu tanta coisa; daí vieram as nossas relações. Pois eu hei de crer...? Mano Cosme, você que acha?
Machado de Assis, Dom Casmurro
E mais:
(4) — Que público, Sr. Pádua? Deixe-se disso; seja homem. Lembre-se que sua mulher não tem outra pessoa... e que há de fazer? Pois um homem... Seja homem, ande.
Machado de Assis, Dom Casmurro
(5) — Mas tu gostavas tanto de ser padre, disse ela; não te lembras que até pedias para ir ver sair os seminaristas de São José, com as suas batinas?
Machado de Assis, Dom Casmurro
E no poema:
(6) Nas margens do Mediterrâneo,
não se vê um palmo de terra
que a terra tivesse esquecido
de fazer converter em pedra.
Nas margens do Mediterrâneo,
não se vê um palmo de pedra
que a pedra tivesse esquecido
de ocupar com sua fera.
João Cabral de Melo Neto, Poemas da cabra
Enfim, todos erram, menos os gramáticos.
Vamos, agora, ao verbo preferir (se você ainda não cansou da mensagem). A regra é conhecida. Tenho um trecho de Clarice Lispector em discordância dela. Há também inúmeros exemplos de jornal. Mas, de acordo com a tautologia corrente, são exemplos “errados”. Vamos, então, direto aos clássicos:
(7) ― Não importa. Eu prefiro confiar-me à honra dessa pessoa, antes do que aos tribunais.
(José de Alencar, Senhora)
(8) Preferia antes morrer como sua mãe, vitima das mais cruéis sevícias, do que ir por suas mãos lançar uma nuvem sinistra no céu até ali tão sereno e bonançoso de sua querida senhora.
(Bernardo Guimarães, A escrava Isaura)
Fique claro que os exemplos em conformidade com a regra são, de fato, a maioria:
(9) ― (…) Amo sinceramente sua filha, minha senhora; e esse amor dá-me forças para resistir ao egoísmo da paixão. Prefiro perdê-la a sacrificá-la. (José de Alencar, Senhora)
Mas o ponto é outro. Não é que não exista a regência preferir ... a... Não vamos, agora, inverter a regra e condenar a regência tradicional. O ponto é que essa regência é variável, já era variável desde o português tradicional. Por isso não podemos, arbitrariamente, condenar um uso, como se ele não existisse, somente porque consideramos que ele não deveria existir. Podemos simplesmente aceitar mais de um uso, ter uma regra variante, deixar de atormentar os utentes da língua com bobagens de menos importância.
Como diz o professor, gramático e dicionarista (além de poeta um pouco bissexto) Celso Pedro Luft:
Dispensar regras inúteis, reacionárias, retrógradas ― será desrespeito pela língua?
Língua e Liberdade, p. 21.
É isso aí, Cortiano, um e-mail para reflexão.
Com um abraço,
do Paulo.
Seguindo meu princípio de estudar a língua e não apenas as gramáticas, tenho procurado compreender e, se necessário, normatizar o emprego do vocábulo onde. Ensina a norma que praticamos escolarmente que só se emprega onde em referência a lugares.
Com base nessa norma, podemos, de fato, identificar toda uma série de enunciados “corretos”:
(1) No Iraque, onde o ditador Saddam Hussein elimina até mesmo seus parentes, discussões sobre impunidade também soam exóticas.
Veja, 07/02/01
(2) Meus pais nasceram e vivem até hoje na zona rural, possuem um pequeno sítio de 12 hectares onde moram e trabalham.
Folha de S. Paulo, 23/11/95
Há usos que me parecem, realmente, inadequados à escrita culta, sobretudo a tendência, que se repara nos jovens e na língua falada, de empregar onde como uma espécie de conectivo universal. É o que vemos, por exemplo, no seguinte trecho de redação escolar, selecionado pela Rosa:
(3) *Essa doença não se pega pelo beijo, pelo contato físico (com exceção da relação sexual) ou por usar objetos que um aidético usa normalmente como copos, roupas, sapatos, etc. Então não há necessidade de se ter tanto preconceito contra uma pessoa contaminada, onde é tão visível na sociedade brasileira.
Neste caso, está clara a inadequação, pois o vocábulo onde, aqui, não chega a equivaler sequer à expressão em que.
Também me parece indiscutivelmente inadequado o emprego de onde em referência à circunstância de tempo, como no seguinte trecho, de depoimento oral, que tenho gravado em vídeo, feito em São Paulo. A informante era uma mulher, na casa dos cinqüenta anos, falante culta:
(4) ... por volta dos quarenta e nove anos, onde o homem começa a querer algo mais...
Mas agora começa toda uma gama de usos intermediários, em que o pronome onde tem sentido equivalente ao da expressão em que, mas se refere a termos discutivelmente locativos.
Um primeiro exemplo são as referências a passagens de livros ou textos:
(5) De repente me lembrei onde é que eu já havia lido praticamente esse artigo de Dalton. Numa crônica de Otto Lara Resende aqui na Folha, dia 8 de janeiro de 1992.
Antônio Callado, Folha de S. Paulo, 10/12/94
Esse uso, creio, é correto. A UFPR considerou correto (haja vista a questão no material do Venícius). Mas um livro ou um texto é um lugar? Sim, no sentido, digamos, metafórico. Mas qual o limite de aceitabilidade da metáfora.
Minha questão (somente agora vou entrar na questão), que lhe proponho, é decidir se são ou não adequados à norma culta os seguintes enunciados:
Considerando-se que o pronome onde deve ser aplicado em relação a lugares, espaços, posições, regiões circunscritas física ou intelectualmente, na minha opinião todos os enunciados são adequados à norma culta.
(6) Oficialmente, a tarefa de decidir onde a Previ aplica seu dinheiro cabe tão-somente à direção do fundo.
Veja, 13/03/01
quem aplica dinheiro, aplica-o em algum lugar.
(7) Essa profunda transformação não ocorre apenas nas fábricas, mas ainda na própria administração pública, onde o funcionário adquire progressivamente maior grau de liberdade para tomar decisões como se ele mesmo fosse o proprietário dos recursos que está gerindo.
José Arthur Giannotti, Folha de S. Paulo, 02/04/95
a administração pública é vista como um local, um plano, um nível de administração.
(8) Mas o prazer maior que Jô deu a este leitor foi o da lírica evocação de um Rio de Janeiro de mais de um século atrás, onde gente como a visitante Sarah Bernhardt, como a nossa Chiquinha Gonzaga e nosso Olavo Bilac aparecem com grande naturalidade, e de ler um livro onde o visitante Sherlock Holmes é preso por conduta imoral em pleno Passeio Público, como o Hugh Grant outro dia no Sunset Boulervard.
Antônio Callado, Folha de S. Paulo, 07/10/95
O Rio de Janeiro de há um século é um lugar.
(9) A correspondência dos dois continua lacrada, trancada a sete chaves num arquivo da Alemanha, e só quando essas cartas caírem em domínio público chegaremos talvez a perceber como pôde haver entendimento e afeto entre homem e mulher onde não podia haver entendimento entre filósofos separados não por alguma idéia abstrata e sim por campos de concentração e fornos crematórios.
Antônio Callado, Folha de S. Paulo, 22/07/95
onde se refere ao “locus” de entendimento em homem e mulher.
(10) Voltaire será menos lembrado onde ele mais se esforçou por se imortalizar: no teatro, onde quis ser um novo Racine, mas onde jaz enterrado sob um montão de alexandrinos que ninguém mais recita.
Antônio Callado, Folha de S. Paulo, 22/10/94
onde refere-se a teatro (= mundo teatral)
(11) Imagine-se uma cultura qualquer, onde o valor da inteligência sempre foi mais prezado do que valores como afetividade; onde a concentração mental vale mais do que a espontaneidade e o improviso; onde a disciplina e a obediência são mais favorecidas do que a indisciplina e a desobediência.
Marcelo Coelho, Folha de S. Paulo, 02/11/94
onde refere-se a cultura, que sendo uma parte, um aspecto da vida coletiva, pode se considerada um lócus.
(12) E aí se mede até onde vai a prioridade social aos excluídos.
Gilberto Dimenstein, Folha de S. Paulo, 07/10/94
até que lugar, qual a extensão, dimensão
Não deixe de responder. A norma culta da língua portuguesa depende disso.
PELA LÍNGUA BRASILEIRA
Nossa ilustre Academia
Fez-nos a grande surpresa
De adotar a ortografia
Portuguesa.
Quer dizer, em frase breve,
Que ora, passando a adotá-la,
A nossa língua se escreve
Tal qual se fala.
A coisa não é tão “canja”…
Exemplo: curioso indago
Como na escrita se arranja
Quem for gago?
O que for tatibitate
― “A gramática” ― escrevendo
Sai de certo um disparate
Horrendo…
Mas, em tudo, o que me “rala”
É o querer que uma p'soa
Escreva como se fala
Em Lisboa.
Eu é que não me acostumo
À cacografia nova.
Em velho mudar de rumo/
Uma ova!
Indagando de qualquer
Acerca de algum assunto,
“Pregunte” lá quem quiser,
Eu “pergunto”.
Do “Piauí” boi não há
Que morto ou que vivo saia!
E Bahia sem “h”
Vira baia.
O meu bom senso repele
Esse sistema babel
De escrever mel e ler “mele”,
De escrever pele e ler “pel”.
A recepções da embaixada
“Receções”… sem “p” não vou,
E a quem “quere” não dou nada;
Pode chorar que eu não dou!
Cada terra tem seu uso;
Bom ou mau, tem o que é seu;
Deixemos falar o luso
O idioma que Deus lhe deu.
E seja por nós falado
E escrito o nosso “patuá”;
Não troquemos pelo fado
A modinha “nacioná”.
Comamos nossa feijoada
Com “pinga” de Angra dos Reis;
E que fique a bacalhoada
Com o “verdasco” ao português.
“A cana verde anda à roda”
Mas no Brasil que se lixe
Quem a quiser pôr em moda
Abandonando o maxixe.
Se assim é, por que essa míngua
De patriotismo viril?
Nossa língua é “nossa língua”
Desde que é livre o Brasil.
Tomemos, portanto, a peito
Aquilo que é nosso; e vamos
Nós falar ao nosso jeito
E escrever como falamos.
Respeito às fontes exigem
Fernão Mendes, Bernardim?
Então que indo logo à origem
Falemos todos latim…
(TIGRE, Bastos (D. Xiquote). Poesias humorísticas. Rio de Janeiro: Flores & Mano, 1933, pp.
249-253. Apud PINTO, Edith Pimentel (org.). O português do Brasil: textos críticos e teóricos: fontes para a teoria e a história (2 volumes). São Paulo: Editora da Universidade
Campos semânticos: Cigarros, cachimbos e charutos são produtos fumígenos.
Proibido Fumar - Departamento de Transportes Rodoviários (portaria no. 10 - 30/12/99)
Art. 1º Proibido o uso de cigarros, charutos, cachimbos ou qualquer produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em veículo de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros.
Parágrafo único. O não cumprimento ao disposto sujeita o passageiro usuário do produto fumígeno ao desembarque, de acordo com o art. 30 do decreto no. 2521198
Qual é mesmo a regência de preferir?
“...a choldra que paga impostos prefere dar de comer às crianças do que banquetear banqueiros” (Elio Gaspari, FSP 28.05.2000)
“Prefere pagar uma tarifa estupidamente cara do que aguardar um telefone fixo, cuja ligação, aliás, não cai” (Gilberto Dimenstein, FSP, 28.05.2000)
“Alguns operadores de cabo de lá estão preferindo passar para o MMDS do que reformar suas redes.”
Erro muito comum é julgar que o verbo preferir rege do que, quando na verdade só aceita a. Corrija-se: “... estão preferindo passar para o MMDS a reformar suas redes.”
Nunca diga: Prefiro mil vezes a morte do que estudar gramática; primeiro porque é sempre preferível estudar gramática; segundo porque o verbo preferir não aceita exageros: prefiro mil vezes, um milhão de vezes, mais, muito mais e outros. Corrija-se: A: “Prefiro a morte a estudar gramática.” (O que, na minha opinião, continua a ser um exagero!) Portanto, atenção! Estão erradas as construções:
Todos preferem um elogio do que uma crítica.
Todos preferem muito mais um elogio do que uma crítica.
Prefiro mais um filme do que uma peça de teatro.
Vou dedicar algumas páginas para preservar certos textos efêmeros que precisam ficar registrados em algum lugar como testemunho do humor quase sempre anônimo, freqüentemente inspirado, e no mais das vezes chulo, politicamente incorreto e preconceituoso que circula de tempos em tempos por fax, cópias xerográficas ou manuscritas. Os textos que se seguem podem irritar muita gente e ferir sensibilidades. Se quiser lê-los, faça-o com o espírito desarmado. PS Alguns provavelmente são impublicáveis.
Sempre em época de eleições circula um panfleto ridicularizando um determinado partido. Aqui vai:
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ELEJA O MELHOR CANDIDATO, O MAIS PURO, O MAIS FRANCO
Um pouco de etimologia não mata ninguém. Candidato vem de candidatu que significa “aquele que é cândido” e cândido, originalmente significava branco. Na antiga Roma, os homens públicos tinham que ser cândidos, ou seja brancos, puros, sinceros, e vestiam uma túnica alva para simbolizar suas qualidades e solicitar votos. Como as coisas mudam ...
Em inglês, língua onde os cognatos normalmente mantêm o componente semântico sempre mais próximo do étimo que o português, candid significa franco, aberto e, até mesmo, revelador: Candid Camera pode ser traduzido até por Câmara Indiscreta (mas uma tradução mais acurada seria Câmera Reveladora.) Em português o sentido divergiu muito do original. Cândido significa ingênuo. Será que é muito cinismo dizer que em política os puros são ingênuos?
De qualquer modo, durante a recente campanha política, um dos candidatos de um partido popular foi tachado pelos adversários de ignorante e muitas piadinhas eram contadas a seu respeito (quantas faculdade o candidato X fez? Duas, na terceira acabou o tijolo.) Depois circulou uma ficha de filiação ao seu partido que pedia entre outras coisas o estado civil (amasiado, juntado, bígamo ...), local de nascimento e outras informações (favela, zona do meretrício, delegacia ...). Sou normalmente uma pessoa muito bem-humorada e o partido em questão nem é o meu, mas tomei-lhe as dores. Achei o humor de muito mau gosto, preconceituoso e racista. E ainda por cima demonstrava que seus autores não tinham muita razão para sua suposta superioridade pois cometeram erros crassos de português: Pacaembú e comíssios são de matar! Por tudo isso, omito-me de reproduzir aqui a tal ficha. O glossário que a acompanhava, porém, é muito engraçado e merece ser preservado foi incorporado a um dicionário febeapaeano (Febeapá é um termo criado por Sergio Porto -- o Stanislau Ponte Preta, grande cronista e humorista carioca, infelizmente já falecido -- e significa Festival de Besteiras que Assola o país.) que o famoso lingüista Nário Chomski-Wigotski vem compilando. A obra denominar-se-á, provavelmente, Assim Disse o Nário. Ou por influência do nosso dicionário de inglês: Dicionariú de Portugueis Proceis. Aqui vão alguns verbetes a título de trailer:
Citações sobre Língua
Acho que estou ficando velho. Ainda uso as conjunções, admito a existência do á-be-cê e obedeço à gramática.
Carlos Drummond de Andrade
Notai bem isto: entre todas as coisas que sabemos, a nossa língua é a que devemos saber melhor, porque ela é a melhor parte de nós mesmos, é a nossa tradição, o veículo do nosso pensamento, a nossa pátria e o melhor elemento da nossa nacionalidade. Júlia Lopes de Almeida
Não há profissional sério que não sinta necessidade de utilizar a norma culta; não há profissional respeitado que não tenha suficientes razões para conhecê-la.
Luiz Antonio Sacconi autor de livros didáticos
Abolir a norma culta seria a barbárie. Escrever e ler corretamente é ter nas mãos a maior arma da vida.
Flávio di Giorgi / professor de Lingüística / Pontifícia Universidade PUC.
Quando uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que gangrena é a linguagem. Octavio Paz.
O culto do vernáculo faz parte do brio cívico. Napoleão Mendes de Almeida gramático
Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Fernando Pessoa
[...]
Os três reis fizeram um acampamento das raças
e ensinaram o povo menino
a falar a língua misturada
de Babel e da América
E assim nasceste
ágil, acrobática, sonora,
rica e fidalga
ó minha língua brasileira!
Língua brasileira, Menotti del Picchia
É mais vergonhoso desconfiar dos amigos que ser enganado. (Cortiano)
Minhocas arejam a terra e os poetas a linguagem. (Manoel de Barros)
“A língua é como um rio: sem margens, desaparece.”
O assassino era o escriba.
Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado da vida,
regular como um paradigma da primeira conjugação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético
de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E Ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
conetivos e agentes da passiva, o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.
(Paulo Leminski, Caprichos e Relaxos, Editora Brasiliense, p. 144).
A maior arma e o melhor instrumento de que dispõe o ser humano são a capacidade de articular sons e coordenar palavras para expressar seus sentimentos, pensamentos, idéias, criações, sonhos e anseios. O uso e o domínio da língua constituem o instrumento único para aprender e ensinar o que se quiser e, através da leitura, ir a qualquer conhecimento, a qualquer lugar, qualquer época, qualquer círculo, ambiente ou imaginação e ainda para projetar-se no futuro ou transmitir sensações e descobertas desconhecidas.
Roberto Dormas
Folheto do Mercadorama: e não para aí os benefícios que o Cartão CompraFácil pode lhe trazer. Nem os que prestar atenção na aula de Português poderiam ter trazido aos elaboradores deste texto.
Molição: S. f. 1. Grande esforço para alcançar um fim ou realizar alguma coisa.
aljôfar [Do ár. al-juHar.] S. m.
1. Pérola muito miúda: “chapéus de plumas bordados de pérolas e aljôfar” (Oliveira Martins, Histórias de Portugal, II, p. 7).
2. Gotas de água.
3. O orvalho da manhã.
4. Poét. Lágrimas de mulher bela.
5. Poét. Lágrimas.
[Var.: aljofre (ô). Pl.: aljôfares. Cf. aljofares, do v. aljofarar.]
Os assuntos a seguir vieram de perguntas de alunos. (Dar aulas em cursinho, para 20 ou mais turmas de 100 a 300 alunos, pode ser muito produtivo. Veja quantas perguntas interessantes nos chegam por bilhetinhos - “torpedos” ou “emails” - até o tablado)
Pergunta de Vestiba: Professor Cortiano, a palavra apostila tem formação por qual processo? Por nenhum. É uma palavra primitiva; vem do baixo latim `postilla', que significa `após aquelas coisas'. No caso do cursinho, a apostila é o material que o vestiba lê `após aquelas coisas' que chamamos aulas. O radical `postilla' sofreu uma prótese, que em lingüística é o acréscimo de uma letra ou sílaba no princípio duma palavra sem lhe alterar o sentido. (Ex.: avoar, por voar). Sabia que a apostila (ou apostilha) é chamada de caderno pelos paulista, também é conhecida como polígrafo pelos gaúchos, e que antigamente era conhecida como sebenta?
“Professor, uma palavra pode ter mais de uma sílaba subtônica? Ex.: otorrinolaringologista (considerando-se RRI e RIN como subtônicas e GIS como tônica)?”
Normalmente os vocábulos de pequeno corpo só possuem uma sílaba acentuada, em que se apóiam as demais, átonas. Os vocábulos longos, principalmente os derivados, costumam no entanto apresentar, além da sílaba tônica fundamental, uma ou mais subtônicas.
Dizemos, por exemplo, que as palavras gostosamente e indubitavelmente são paroxítonas, porque sentimos que em ambas o acento básico recai na penúltima sílaba (men). Mas percebemos também que, nas duas palavras, as sílabas restantes não são igualmente átonas. Em gostosamente, a sílaba -to- mais fraca do que a sílaba -men- é sem dúvida mais forte do que as outras. Em indubitavelmente, as sílabas -du- e -ta- embora mais débeis do que a sílaba -men- são sensivelmente mais fortes do que as demais. Daí considerarmos principal o acento que recai sobre a sílaba -men- (nos dois exemplos) e secundários os que incidem sobre a sílaba -to- (em gostosamente) ou sobre as sílabas -du- e -ta- (em indubitavelmente) .
p.67 Gramática da Língua Portuguesa, Celso Ferreira Cunha
Rio de Janeiro - FENAME, 1982.
A resposta à pergunta, é, portanto, sim: pode haver mais de uma sílaba subtônica em uma palavra, mas que o gramático Celso Cunha prefere, neste caso, chamar a tônica de principal e as subtônicas de secundárias.
1. Oficial é palavra primitiva?
2. Rosto, mesa e jogo não têm desinência de gênero porque não existem * rosta, * meso e * joga (como feminino de jogo) ou por causa do artigo?
3. Como se formou baunilha?
4. Por que hemiciclo e semicírculo não têm a mesma significação?
5. Quando uma palavra não tem desinência de gênero, não tem também de flexão?
Vamos às respostas:
1. Você deve ter estudado aí na apostila, aula 06, de Português 2A, uma série de sufixos, como -ÃO, -ANZIL, -ISCO, etc. Ali não consta, mas você pode constatar por conta própria que existe o sufixo -AL, denotando cultura de vegetais: arrozal, cafezal; noção coletiva ou de quantidade: areal, lamaçal; ou ainda relação de pertinência: campal, conjugal.
Pois bem, se você examinar a família etimológica de oficial, vai encontrar oficiar, oficioso, oficiala, oficialesco, ofício, e chegar à conclusão de que o radical da palavra é algo como ofici, certo? Vem daí a resposta: oficial é palavra derivada por sufixação de ofício (se você considerar como primitiva a palavra composta do radical [ofici] + a vogal temática o) ou do radical ofici. Inicialmente oficial denotava algo proposto por autoridade, ou emanado dela; conforme as ordens legais; documento oficial. Por derivação imprópria originou o substantivo oficial: aquele que tem um ofício ou emprego, ou qualquer militar das forças armadas ou da polícia militar de nível hierárquico acima de aspirante (no Exército, na Aeronáutica e na Polícia Militar) ou de guarda-marinha (na Marinha de Guerra).
2. Rosto, mesa e jogo não têm desinência de gênero. O o e o a adicionados aos radicais rost, mes e jog são vogais temáticas. O gênero dessas palavras só fica evidente quando elas são precedidas de artigo (um/uma, o/a) ou de demonstrativo (este/esta).
3. Baunilha < bainilha (português antigo) < vainilla (espanhol) < vanilla (latim). Planta da família das orquidáceas (Vanilla planifolia), muito ornamental, de flores verde-amareladas, e cujo fruto é uma vagem alongada da qual se extrai certa substância usada em confeitaria e perfumaria. Note que em inglês é vanilla, exatamente como o étimo latino.
4. Hemiciclo [Do gr. hemíkyklos, pelo lat. hemicyclu.] Espaço semicircular, especialmente o munido de bancadas para receber espectadores. Semicírculo [Do lat. semicirculu.] 1. Metade de um círculo. 2. Geom. Cada uma das regiões de um círculo em que um diâmetro o divide.
Basicamente, as duas palavras significam coisas diferentes porque vêm de línguas diferentes, e é importante que elas não sejam sinônimas. Para evitar uma polissemia exacerbada, criamos palavras diferentes para expressar conceitos diferentes. Também não é interessante que a língua tenha muitas palavras sinônimas porque isso dificultaria a comunicação.
Uma língua seria muito difícil se contasse com poucas palavras com milhares de significações cada uma. Ou com milhares de palavras que significassem a mesma coisa. Tanto televisão como telescópio significam o mesmo: “visão a distância”, poliglota e multilíngüe significam “muitas línguas” mas usando radicais de línguas diferentes (tele = longe, grego; scopio = ver, grego; visão = ato de ver, latim; poli = muitos, grego; multi = muitos, latim; glota = língua, grego; língüe = língua, latim), o português pôde estabelecer uma distinção formal entre dois aparelhos diferentes, no primeiro caso; e entre conceitos diferente, no segundo (poliglota = que fala muitas línguas; multilíngüe = escrito em muitas línguas), o que é muito prático e simplifica a comunicação.
5. A desinência de gênero não possui relação de interdependência com a de número. Veja minha resposta 3. Mesas não tem desinência de gênero mas tem o s de número.
Alguns fenômenos de influência de um som sobre outro:
Dissimulação: poblema, pogresso, póprio, pertubando.
Ditongação: três → treis
Monotongação: ligeiro → ligero (bombero, poera, fera - /fêra/)
Aférese(começo): você → ocê (`tá)
Síncope (tira do meio): chácara → chacra (fosfro, xicra, arvre, óclus, mor)
Suarabácti ou anaptixe: advogado → adevogado (peneu, obeter)
Metátase: estorvar → estrovar (largato)
Hiberbibasmo: tentativa de tornar um vocábulo paroxítono em um proparoxítono com o intuito de tornar a
palavra mais erudita: pudica → púdica; rubrica → rúbrica
Crase: releger, comprender, coperar.
Aglutinação: vossa mercê → voismecê → você; God be with you → goodbye
grã / paço Apócope de grande / palácio
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Resenha
Referência Bibliográfica:
BAGNO, Marcos, Preconceito Lingüístico. Como é, como se faz, São Paulo: Edições Loyola, 2003.
O livro: “Preconceito lingüistico”, de Marcos Bagno, tem como tema um tipo de preconceito pouco abordado pela sociedade: o preconceito com a língua portuguesa. Pessoas pouco letradas, analfabetas, sem escolarização e muitas outras, são criticadas pelo seu modo de falar, ao mesmo tempo em que muitos intelectuais defendem a norma culta, a gramática e julgam errado a maneira de muitos expressarem-se. O autor assume como tarefa desfazer uma confusão que existe entre a língua e a gramática normativa, confusão esta que seria justamente o motivo do preconceito lingüístico ; Segundo o mesmo: “ a gramática não é língua”, e sendo assim, é necessário considerar que a língua é algo em uso, dinâmico. Utilizando um tom político, Bagno reúne suas principais conclusões sobre preconceito lingüístico , dividindo o livro em quatro partes: “A mitologia do preconceito lingüístico”, “O círculo vicioso do preconceito lingüístico” , “ A desconstrução do preconceito lingüístico” e “ O preconceito contra a língua e os lingüistas “.
Na primeira parte: “A mitologia do preconceito lingüístico” oito afirmações chamadas de mitos, são discutidas e contestadas pelo autor. O mais sério dos mitos diz respeito a unidade da língua portuguesa: nossa língua apresenta variações, diferenças regionais, e se esse fato não é reconhecido a educação fica prejudicada, uma vez que as escolas querem ensinar uma única forma que não é comum aos milhões de brasileiros. Outro mito muito comum e afirmado, inclusive por boa parte dos brasileiros, é: “brasileiro não sabe português/só em Portugal se fala bem o português; essas idéias ainda refletem o sentimento de inferioridade resultante do período em que o Brasil era colônia de Portugal, obviamente todos os brasileiros sabem sua língua e o português do Brasil é apenas diferente do português falado em Portugal. Considerar que português é muito difícil, que as pessoas sem instrução falam tudo errado, ou que o lugar onde melhor se fala no Brasil é no Maranhão, afirmar que o certo é falar assim porque se escreve assim ou que é preciso saber gramática para falar e escrever bem, ou ainda considerar que o domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social, são os outros equívocos, abordados e contra argumentados por Bagno.
Na parte seguinte do livro, a idéia da existência de um círculo vicioso de preconceito com a língua é analisado. A gramática tradicional, os métodos tradicionais de ensino e os livros didáticos são os três elementos desse círculo; esses associados com um quarto: o arsenal de livros manuais, programas de televisões, colunas em jornais destinados a ensinar português, contribuem para o preconceito com a língua prosseguir interruptamente .
Em “A desconstrução do preconceito lingüístico”, a discussão em questão é o rompimento do circulo existente e mencionado na parte anterior. Para romper o círculo é necessário reconhecê-lo primeiramente; é necessário mudar de atitude (“aumentar a auto estima lingüística”) ; Ter consciência do que é ensinar português, saber mais precisamente o que é um erro; ter em mente como usar a língua adequadamente, de acordo com um contexto e ainda considerar a real importância da ortografia.
A última parte trata do preconceito contra a lingüística e os lingüistas. É notável a confusão existente entre a crise na educação (nas escolas) e a questão da língua, os lingüistas costumam ser bastante atacados nos discursos a favor da educação, da gramática; A lingüística, segundo alguns, enganam os alunos e os pais que pensam que seus filhos vão estudar gramática .
Sem dúvida, “preconceito lingüístico” tem uma importância relevante para a realidade lingüística brasileira. Todos os tipos de preconceito precisam ser discutidos e combatidos, o preconceito com a língua não poderia ser ignorado. Exemplos, explicações e possíveis soluções de como tratar o uso da língua falada são expostos durante toda a leitura, tornando o livro polêmico, reflexivo ao mesmo tempo que agradável.
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