Globo 164 Da necessidade de receber



Da necessidade de receber

Tenho conhecido muitas pessoas que se preocupam com os outros, que sćo
extremamente generosas na hora de dar, e que encontram um profundo prazer
quando alguém lhes pede um conselho ou apoio. Até aí tudo bem
é ótimo poder
fazer o bem ao nosso próximo.
Entretanto, tenho conhecido muito poucas pessoas que sćo capazes de receber
algo
mesmo quando lhes é dado com amor e generosidade. Parece que o ato de
receber faz com que se sintam numa posiçćo inferior, como se depender de alguém
fosse algo indigno. Pensam: “se alguém está nos dando algo, é porque somos
incompetentes para consegui-lo com o próprio esforço". Ou entćo: “ a pessoa que
me dá agora, um dia irá cobrar com juros." Ou ainda, o que é pior: “eu nćo
mereço o bem que me querem fazer."
Por que agimos assim? Porque nos custa entender que este universo é feito de
dois movimentos. O primeiro é a expansćo, rigor, disciplina, conquista; o
segundo é a concentraçćo, meditaçćo, entrega. Basta olhar o nosso coraçćo (e
nćo é a toa que o coraçćo sempre foi identificado como o símbolo da vida) para
compreender que sćo estas duas energias que o fazem bater, contrair-se e
expandir-se no mesmo ritmo. As muitas estrelas do céu estćo emitindo luz, mas
ao mesmo tempo estćo sugando tudo a sua volta, naquilo que é conhecido pelos
físicos como força de gravidade. Assim, os atos de dar e de receber, embora
sejam aparentemente opostos, fazem parte do mesmo e continuo movimento.
Nćo é melhor quem dá com generosidade, nem é pior quem recebe com alegria. O
amor é, justamente, fruto destas duas coisas, e uma pequena história ilustra
bem o que quero dizer:
Um lenhador, acostumado ao trabalho árduo de derrubar árvores, terminou
casando-se com uma mulher que era exatamente o seu oposto: delicada, suave,
capaz de fazer lindos bordados com seus dedos gentis. Orgulhoso de sua espôsa,
ele passava o tempo todo na floresta, fazendo o seu trabalho, de modo que nada
faltasse em casa.
Viveram juntos por muitos anos, tiveram tres filhos - que cresceram, estudaram,
casaram-se e foram viver em lugares distantes, como aliás acontece na maioria
das vezes. O casal continuava na mesma cabana, mas enquanto o homem sentia-se
cada vez mais forte por causa do seu trabalho, a mulher começou a definhar. Já
nćo bordava mais, perdeu o apetite, nćo fazia suas caminhadas diárias, e viu
desaparecer toda a alegria de sua vida. Seu estado de saśde agravou-se de tal
maneira, que já nćo se levantava mais da cama.
O marido já nćo sabia o que fazer. Uma noite, quando uma febre alta fez com que
o rosto de sua espôsa ficasse de uma palidez quase mortal, ele tocou com suas
mćos fortes os dedos delicados da mulher, e começou a chorar:
Nćo me deixe
dizia, soluçando.
A mulher teve forças para dizer, no meio dos delírios provocados pela febre:
Mas por que voce chora?
Por que eu preciso de voce!
O brilho nos olhos da mulher pareceu retornar:
- E só agora voce está me dizendo isso? Eu achei que, quando nossos filhos
cresceram e partiram, minha vida perdeu o sentido. Voce sempre foi tćo
independente!
- Eu tinha vergonha de recebe-lo
disse o lenhador.
Sempre achei que nćo
merecia tudo o que fez por mim.
A partir deste dia, a mulher voltou a recuperar sua saÅ›de, recomeçou a andar na
floresta e a fazer seus bordados. Sua vida voltara a ter sentido porque alguém
precisava dela. Alguém era capaz de receber a melhor coisa que podia dar: o seu
amor.






Wyszukiwarka

Podobne podstrony:
Globo 135 Tres historias de fés (M)
Globo 175 Um pouco de budismo (m)
Globo 147 Conto de Natal
Globo 124 Guia de viagem
Globo 159D Kumano o limite da dor
Globo 141 Maneiras de Rezar (M)
Globo 139 a arte de ver (M)
Globo 165 Guerreiro da Luz 2 problemas
Globo 165 Guerreiro da Luz 2 problemas
Globo 157 Guerreiro da luz 1
Globo 194 Historia de Natal
Lorenzo de’ Medici La Nencia da Barberino
Lorenzo de’ Medici La Nencia da Barberino
Globo 130 Busca da diferença (M)
Globo 102 (M) Historias de mosteiros
Globo 181 Guerreiro da luz 3
Dick, Philip K Coto de caza
Creme de Thee

więcej podobnych podstron