Prazer Absoluto
Cheryl Holt
A solitária lady Elizabeth Harcourt nunca se casou e deseja com desespero algo que dê sentido a sua vida. Encontra-o quando o azar a leva ao suntuoso estúdio do pintor Gabriel Cristofore que insiste em retratá-la, com o pretexto de fazer justiça a sua arrebatadora beleza. Elizabeth não demora a dar-se conta que o que Gabriel planeja tem pouco a ver com a pintura, pois sua verdadeira paixão é a arte da sedução.
Desde que a viu pela primeira vez, Gabriel soube que a pele imaculada e os lábios de rubi de Elizabeth prometiam um prazer absoluto ao homem que conseguisse conquistá-la. Inquieto, debate-se entre o imediato desejo de seduzi-la e adiar esse impulso o tempo necessário para conhecê-la em profundidade. Gabriel está a ponto de descobrir que não é tão fácil abandonar alguns romances. Sobre tudo, quando o coração de um patife foi capturado.
Disponibilização, Tradução e Formatação: Gisa
Revisão: Ester de Paula
Projeto Revisoras Traduções
Capítulo 1
Londres, Inglaterra, 1812.
—Deliciosa. Na verdade deliciosa.
Elizabeth se deteve e inclinou a cabeça, escutando com atenção. Perto dela estava o homem que parecia estar cortejando a uma dama no meio do lotado vestíbulo do teatro. Tinha um acento pouco comum, quase exótico. Talvez fosse italiano ou francês.
—Esplêndida. Arrebatadora.
A voz voltou a ser ouvida, esta vez mais perto, e a jovem podia jurar que se encontrava exatamente detrás dela. Morria por virar-se e esquadrinhar o enxame de rostos para descobrir quem eram os apaixonados que tinham a audácia de demonstrar tanto afeto em um lugar público.
—Sua pele é como seda. Tão Lisa, tão suave.
Não cabia dúvida: ele estava imediatamente a sua esquerda. Ah! Se até podia sentir seu fôlego na nuca! O vestido da moça era soberbo, muito decote por diante e por detrás, e o ardente hálito do homem acariciou sua clavícula antes de escapulir-se por seu decote, assentando-se sobre seus seios de uma maneira desconcertante e perturbadora.
Embora o ar da lotada entrada estivesse viciado pela aglomeração dos corpos que avançavam para a escadaria e os camarotes, ela tremeu. Quem era ele? E quem era a mulher por quem estava tão apaixonado para arriscar-se a falar de maneira tão indecorosa em um lugar público?
Com cautela, olhou nessa direção, ansiosa por distinguir uma figura... e aí estava! A vaga silhueta de um homem alto e desconhecido, um torso esbelto vestido em um formal traje negro. Era a segunda semana de fevereiro, mas mesmo assim estava bronzeado, como se tivesse estado bronzeando-se.
Esforçou-se por desviar o olhar e o cravou na fila que se estendia frente a ela. Mas ele a tinha visto espiar! Quando riu, sua voz grave e sedutora a estremeceu. Morta de vergonha por ter sido surpreendida simulou concentrar-se na escadaria, que agora parecia inalcançável, a quilômetros dela. Um incômodo rubor avermelhou suas bochechas.
—Gloriosa beleza! — as pernas do homem roçavam suas saias— por favor, me diga seu nome, assim, se perecer neste instante, morro feliz.
O sotaque estrangeiro a perturbou. Estava falando com ela? Desconcertada, olhou a seu redor, procurando em vão a acompanhante do desconhecido. Havia dúzias de mulheres pulverizadas pelo vestíbulo, entretanto, nesse preciso momento, Elizabeth estava rodeada de homens. Surpreendeu-se ao notar que ela era a única mulher a quem lhe podia estar falando.
Que canalha! O que se acreditava, abordando a dessa maneira? Procurou algum rosto familiar, o de seu pai ou algum outro conhecido, que a resgatasse, mas não havia nem um amigo à vista. Embora esperasse que ninguém a visse falando com ele, voltou-se bruscamente para enfrentá-lo e afastá-lo com um olhar feroz. Mas, para seu horror, quando topou com seu rosto, sentiu-se incapaz de expressar até o menor rechaço.
Era realmente formoso. Seu cabelo reluzia à luz das velas. Tinha-o penteado para trás, o que acentuava seu nariz aristocrático, seus lábios plenos, sua pele bronzeada. Resplandecia. Os traços harmoniosos de seu rosto tentavam a qualquer artista a retratá-los na cúpula de uma catedral ou esculpi-los em mármore.
As pessoas passavam aos trancos, até que ele se chocou contra a jovem; por alguma incompreensível razão, o coração da moça começou a pulsar com força. Seus fabulosos olhos azuis se enfocavam sobre a boca dela, avaliando atentamente cada um de seus detalhes. Sem pressa, examinou seus lábios franzidos, antes de elevar seu olhar calculista, lenta e metodicamente, para o seu.
—Ah, se até o rubor de suas bochechas lhe fica bem!
Ela enrubesceu até mais e o impertinente comentário lhe deu as forças que necessitava para responder:
—Fala comigo, senhor?
—Absolutamente—admitiu desafiante—Como poderia resistir?
Elizabeth franziu o cenho e lhe voltou as costas, tratando de entender o que acontecia. Os homens jamais se atreviam a abordá-la. Sua elevada posição social como filha única do conde do Norwich a protegia de conhecer pessoas inapropriadas. De fato, não recordava quando tinha sido a última vez que tinha falado com alguém a quem não tivesse sido formalmente apresentada, à exceção de algum servente recém contratado.
O descarado que tinha em frente estava vestido de modo impecável. Seu traje era de excelente qualidade e emoldurava a camisa bem engomada e a gravata cuidadosamente atada. Parecia um elegante cavalheiro disposto a passar uma noite no teatro. Mas sua conduta estava muito longe de ser aceitável e não parecia consciente de sua própria grosseria.
Em só vê-la, teria que ter notado que ela era inacessível. Do caríssimo tecido de seu vestido até seu elaborado coque de cabelo castanho, a gargantilha de esmeralda de preço incalculável, que adornava seu pescoço, tudo nela era o vivo retrato de uma dama inglesa, de título e fortuna, regida por estritas normas sociais no concernente ao trato com o sexo oposto.
Mas as palavras que ele tinha usado e a leve inflexão de sua voz deixavam claro que era um estrangeiro, de modo que talvez não compreendesse que sua conduta era muito impertinente. Como não estava acostumada a conversar com desconhecidos, não soube como lhe fazer entender que tinha cometido um engano, assim não o tentou. O melhor que podia fazer era ir refugiar-se à segurança do camarote de seu pai.
—Não se zangue, milady. — insistiu ele com suavidade; seu exótico acento a envolveu— Não quero lhe fazer dano. Estou apenas enfeitiçado por sua beleza.
Ele falava em voz baixa, de modo que ela esteve segura de que ninguém os ouvia. Alguém o empurrou e Elizabeth pôde sentir a proximidade de seu corpo através das anáguas. Era a primeira vez que se encontrava tão perto de um homem e a proximidade a perturbava, desatando novas sensações. Seu corpo se amoldava ao do homem, como se se expandisse, desejoso de fundir-se mais estreitamente com ele. Desconcertada pela excitação que lhe causava sua proximidade, afastou-se tanto como pôde.
O homem respondeu estreitando sua cintura. Semelhante atrevimento era indecente, mas ela não se apartou. Era agradável. Pensou, surpreendida, pois não recordava se alguma vez outra pessoa pegara sua mão ou a tivera abraçado. Seu estéril e desolado mundo estava formado por conversas refinadas e mornos intercâmbios; ninguém tentava sequer aproximar-se do outro.
—Retire-se, por favor. — Lhe ordenou, apertando os dentes.
—Estive olhando-a do instante em que desceu de sua carruagem.
Tinha estado observando-a? Acaso estava louco? A curiosidade a fez voltar-se para lhe falar, embora tivesse preferido morder língua. Não pôde evitar lhe responder:
—Com que fim?
—Para saber quem é você. — Replicou ele, despreocupado. —Tinha que averiguá-lo.
Seus divinos lábios estavam apenas a um par de centímetros dos dela. Seus olhos azuis perfuraram os seus antes de baixar outra vez para sua boca e Elizabeth não pôde evitar pensar que ele morria por beijá-la. Como nunca a tinham beijado e como jamais tinha visto que um homem a olhasse com desejo, não tinha forma de sabê-lo; mas uma parte interna, isolada e feminina de seu ser, entendia suas intenções masculinas: ele queria beijá-la, e, estranhamente, ela se perguntava como seria. E se ele fechasse a brecha que os separava? Só imaginá-lo fez que seu pulso se agitasse. Seus seios se incharam e os mamilos se ergueram contra seu espartilho; as cintas que o rodeavam estavam muito ajustadas, podia apenas respirar.
Abriu seu leque com um bem praticado golpe de braço para refrescar as partes de seu corpo expostas e para dar a suas mãos algo que fazer. De repente, experimentou um perigoso desejo de acariciar seu queixo, ou, talvez, de pousar suas mãos no centro de seu peito.
Essa inexplicável debilidade a horrorizava e ficou olhando-o alarmada. Não era o tipo de mulher que fantasiava com arrumados cavalheiros. Nem sequer o tinha feito em sua adolescência, quando casar-se e formar uma família ainda era uma opção longínqua. Jamais tinha caído na desgraça de deixar-se levar pelo desejo carnal, como outras moças ridículas. Era muito sensata e racional para que a comovessem uma aparência agradável ou um físico varonil. Mas agora, em só uns segundos, tinha sucumbido ante esse patife.
Embora detestasse reconhecer, seus sussurrados elogios lhe tinham agradado muito. Eram como um doce bálsamo que conseguia derrubar sua prudente fachada e a fazia sentir uma verdadeira mulher. Durante anos, tinha permanecido à sombra de seu pai viúvo, lhe fazendo de assistente, de companheira, de secretária, até quase converter-se em um fantasma. Tanto se tinha dobrado aos desejos, necessidades e ordens de seu pai que parecia sua sombra. Não era uma mulher por direito próprio, a não ser a insossa, solteira, aborrecida, mas eficiente filha do conde.
Era maravilhoso que esse excêntrico galã visse outro aspecto dela, um melhor, mais grandioso. Sentiu-se secretamente adulada, mas não tinha sentido respirar esse comportamento atrevido.
—Está zangada comigo. —murmurou no momento em que ela se dispunha a lhe dar as costas.
Em efeito, estava zangada, mas como o tinha adivinhado?
—Não o conheço senhor. — se sentiu obrigada a dizer. — De modo que não poderia sentir aborrecimento nem nenhuma outra coisa por você. Agora, se me desculpar...
—Gabriel — ele interrompeu.
As maneiras do homem eram atrozes. Acaso não tinha discrição alguma? Apresentava-se por seu primeiro nome, como um vulgar rufião.
—Como diz?
—Meu nome é Gabriel Cristofore.
Suas palavras a fizeram evocar ensolaradas colinas e oceanos turquesa. Dias agradáveis e ociosos, bom vinho tinto. Música suave e jantares românticos. Sempre tinha sonhado visitando a Itália, mas o dever lhe impediu de aproveitar, a única oportunidade que lhe tinha apresentado para viajar a esse país encantador. Pouco depois de que terminasse sua educação formal, aos dezesseis anos, seu professor preferido e vários de seus alunos, organizaram uma viagem de estudantes, mas se recusou a ir, cedendo à pressão de seu pai, que lhe assegurou que não poderia dirigir-se sem ela.
Não ter feito a viagem ainda lhe pesava. As manipulações e a coerção de seu pai a tinham feito perder muitas oportunidades. Em vários aspectos, era como um menino mimado e exigente, que pretendia que ela estivesse sempre ao seu dispor e lhe dedicasse todas suas energias, para fazê-lo feliz, só a ele.
Ali, de pé, nesse caloroso vestíbulo, velha aos vinte e sete anos e sem nada para exibir de sua passagem pela terra, exceto uma carreira de dez anos como babá e governanta do malcriado, dominante e tirano de seu pai, sentiu-se presa de um crescente descontentamento que nunca tinha experimentado, até então. O que não daria para livrar-se das cadeias que a aprisionavam?! Para viver como quisesse, para ser livre dos deveres que lhe impunha!
O torvelinho de emoções a surpreendeu. De onde emanava esse ressentimento? Por que não o tinha notado antes? Por que surgia agora de maneira tão abrupta?
Sim, havia um motivo recente que a afligia. O apressado e inesperado casamento de seu pai com uma menina de dezessete anos, Charlotte, tinha mudado tudo. Essa espantosa criatura imatura se apropriou da até então aprazível residência. A quem não incomodaria semelhante transformação? Mas parecia que o rancor da Elizabeth era maior do que ela mesma suspeitava.
—Bem, pois... —recuperou a compostura, engolindo sua amargura que, além de inapropriada, era completamente inútil, e se esforçou por cumprir sua missão: desfazer-se daquele molesto patife—Adeus, senhor Cristofore.
—Está aborrecida porque a abordei. —Não se mostrava nem um pouco incomodado por sua grosseria; seu sorriso deslumbrante iluminou o recinto, eclipsando a todos seus ocupantes.
Nunca ninguém a tinha tratado assim antes. Contra tudo o que lhe ditavam a vontade e a prudência, desfrutou desse sorriso que lhe afrouxava os joelhos e a incitava a aproximar-se dele até mais. Conteve-se, mas se perguntou como seria deixar cair sem mais entre seus braços. O homem exsudava um perverso encanto que a capturava em sua rede.
Isso, ou estava ficando louca.
—Tem razão. Não o aprovo. —soava pretensiosa e condescendente— Sua conduta é a mais escandalosa, e não posso compreender por que decidiu me acossar.
—Como não compreende? Seu cabelo... Seu tom é muito belo. E seu rosto... Tão impecável. Sua figura... Tão arredondada, tão generosa, tão feminina.
Cada indiscreta menção assinalava uma parte precisa de seu corpo; estava segura de que, se tivessem estado sozinhos, ele haveria acariciado as partes que mencionava. A idéia a fez remover-se, incômoda. Como seria ser tocada intimamente por ele? Era a primeira vez que considerava semelhante possibilidade, e uma incontrolável excitação a reprimiu.
O rubor de suas bochechas se acentuou até converter-se em um intenso carmesim e se abanou furiosamente. Lutando por manter a calma procurou ignorar suas atrevidas declarações, mas não pôde evitar ficar pensando na forma em que ele a havia descrito, tão distinta de como ela via a si mesma.
Via-se como uma mulher comum, muito roliça e com o cabelo muito escuro. Em uma sociedade em que se esperava que as senhoritas fossem loiras e lânguidas, sempre chamava a atenção. A partir dos treze anos, quando sua generosa figura começou a desenvolver-se, começou a sentir-se torpe e inepta, uma sensação que jamais a abandonou. Quando os brutais jovens da alta sociedade tentaram cortejá-la, sendo ainda uma jovenzinha, tinham sido muito incômodos: conhecia muito bem a rudeza e a descortesia.
Seu próprio pai foi o primeiro em sugerir que, como carecia de atrativos, o melhor que podia fazer era renunciar por completo à idéia de casar-se e formar uma família, e ela o aceitou. Nas poucas ocasiões em que realmente expressou suas dúvidas a respeito, seu pai argumentava que tinha tomado a decisão correta e Elizabeth, sem pensá-lo, assentia. Aferrava-se à solidão e a agradável rotina que lhe dava sua condição de solteirona. E agora era curiosamente refrescante ser apreciada desde outro ponto de vista, por mais que a opinião do homem sobre seus atributos fosse ridícula. Acaso era cego?
—Cada vez que você abre a boca, — assinalou— diz algo mais escandaloso.
—Não posso evitar me sentir atraído pelas almas cativantes que se cruzam em meu caminho. Sou artista.
—Artista? —perguntou zombadora.
—Sim. Sou um retratista excepcional. Talvez tenha ouvido mencionar meu nome.
—Lamento, mas não. — Meneou a cabeça; ele não pareceu incômodo por não conhecê-lo.
—Me permita retratá-la. Juntos poderíamos revelar a deusa que se oculta em seu interior.
—Francamente. — Disse ela, sufocando uma gargalhada— Que disparate.
—Pintá-la me faria muito feliz.
Ela escrutinou seus espetaculares olhos azuis, parecia sincero, e lhe ocorreu que nada lhe agradaria mais que fazê-lo feliz. O que lhe acontecia? Sentia-se fora de si, havia algo neste caipira, uma atitude indefinível que a atraía e a fazia desfrutar de sua companhia. Se o fazia feliz que ela posasse para um retrato, então aceitaria de boa vontade.
Era uma loucura, repreendeu-se em seguida. Possivelmente os problemas domésticos com seu pai e com Charlotte lhe produziram mais tensão do que supunha e estivesse perdendo a prudência.
—Obrigada pelo oferecimento, senhor Cristofore, mas não poderia...
Deteve-se em meio de sua negativa, pois notou que ele já não se concentrava nela, a não ser em um ponto do outro extremo do recinto. Sentiu-se consternada ao advertir que sua atenção se desviava com tanta facilidade. Procurando descobrir o que lhe chamava a atenção, jogou uma olhada, mas não viu mais que capas e lapelas.
—Devo partir — Anunciou, mas voltou a concentrar sua intensa atenção nela— Tenho que voltar a vê-la. Permita-me que a pinte. — Repetiu apressado — Diga que sim.
Enquanto ela titubeava, procurando uma maneira cortês de negar-se, o homem lhe deslizou um bilhete na mão e lhe fechou os dedos sobre ele.
—Arrivederci!
Desesperada por lhe jogar uma última olhada, tratou de atrasar-se, mas a multidão que se apinhava as suas costas a empurrava e não demorou a encontrar-se subindo a escadaria. Pensou em procurá-lo desde esse ponto mais elevado, mas seguiu adiante, renunciando a seguir alimentando as inúteis fantasias que ele tinha despertado.
Depois de subir uns poucos degraus mais, encontrou-se ante a porta do camarote de seu pai; quando conseguiu escapulir-se em seu interior, encontrou Charlotte, que se tinha aberto passo entre a turba com mais habilidade. Já ocupava seu assento, como se fosse um trono, e se mostrava impaciente para que Elizabeth lhe rendesse homenagem.
—Já era hora. — resmungou mal-humorada como de costume— Levo uma eternidade te esperando. Onde estava?
Charlotte a fulminava com os olhos em atitude majestosa, como se levasse horas aguardando em algum lugar desolado; mas o certo era que estava convocada no centro do camarote mais luxuoso de teatro, rodeada de uma meia dúzia de jovens amigos. Em realidade, não lhe incomodava a tardança, solo gostava de queixar-se.
—Ah... retornamos à realidade —murmurou Elizabeth para si, escondendo com supremo cuidado sua aversão pela detestável harpia e sentindo-se aliviada ao ver que se sentaria em uma das poltronas do fundo, pois a horda de acompanhantes lhe impedia de localizar-se junto a sua desagradável madrasta.
— O que disse? —perguntou suspicaz.
—Que foi difícil subir a escadaria pela quantidade de gente — mentiu com descaramento.
Por uma vez, a néscia crítica não estava de ânimo para pleitos. Elizabeth se alegrou de que aceitasse sua explicação sem discutir. O habitual era que resultasse impossível passar cinco minutos em companhia da moça sem que arrumasse uma rixa.
Quando seu pai decidiu, aos cinqüenta anos, casar-se com Charlotte, Elizabeth supôs que ele tinha sofrido um passageiro ataque de loucura. Um dia viviam na rotina aprazível a que já se acostumaram e, ao outro, o conde começou a vociferar que necessitava um herdeiro e que devia casar-se quanto antes.
E sem dúvida necessitava um filho. Elizabeth não tinha discutido sua decisão nem seus motivos para tomá-la, mas nem em seus sonhos mais descabelados lhe ocorrera que ele fosse escolher uma esposa como Charlotte. A intratável mulherzinha não fazia mais que queixar-se ou estalar em birras. Nada a agradava mais do que insultar aos serventes e revolucionar a plácida casa com suas estúpidas exigências e cenas.
Era terrível, mas estava firmemente entrincheirada em sua posição de condessa, governando como uma rainha, o qual significava que, por desgraça, Elizabeth devia pagar o preço da irrefletida decisão de seu pai. Lutava diariamente por manter a paz.
O conde, absorto em seu clube, seus negócios e suas obrigações no Parlamento, raras vezes era testemunha dos embrulhos que produzia sua esposa. E, é obvio, nas ocasiões em que estava em sua casa, Charlotte se comportava de maneira exemplar. Elizabeth lhe tinha falado da constante discórdia, mas ele não estava disposto a intervir.
—Problemas de mulheres. —resmungava— Não pode te levar bem com ela? Por que haveria eu de oficiar de árbitro?
De modo que deixou de lhe suplicar que a ajudasse e perseverou como pôde. Mas que Charlotte fiscalizasse os assuntos da casa e se encarregasse, mau, das tarefas que ela tinha dirigido tão bem, amargurava-a.
Elizabeth se aborrecia até enlouquecer, pois todas suas responsabilidades tinham sido usurpadas por uma recém chegada que não entendia o que era administrar.
Mas não queria parecer mesquinha, nem ciumenta de sua madrasta. Só estava cansada de não ter nada que fazer. Cada vez mais, ansiava que ocorresse algo, algo, que a tirasse do problema em que a tinha metido a ação precipitada de seu pai.
Os lanterninhas correram pelos corredores, apagando habilmente as velas com compridos abafadores e a audiência silenciou seus murmúrios quando a orquestra executou a abertura. O pano de fundo se elevou e Elizabeth se acomodou em seu assento, com a esperança de distrair-se na ópera que se representava. Mas em poucos minutos perdeu todo interesse pelo que ocorria no cenário. Os atores eram atrozes e a música, até pior.
Em busca de distração, baixou o olhar ao papel que lhe tinha dado o senhor Cristofore, que ainda tinha no punho fechado. Pô-lo à luz e leu as elaboradas letras. Era um cartão de visita.
Artista extraordinário. "Artista extraordinário". Sorriu zombadora. O presunçoso título aparecia sob o nome dele. Muito próprio de sua natureza insolente. O patife era tão vaidoso! Irritada, dispôs-se a jogar o ofensivo cartão ao piso, mas o pensou melhor e o deslizou em sua bolsa. Por que atirá-lo? Ao menos, seria uma divertida lembrança do encontro.
Gradualmente, sua atenção se distraiu. Começou a olhar os outros camarotes e o fosso da orquestra. Levou os binóculos aos olhos, investigando por igual a nobres e plebeus, em busca de alguma pequenez que a mantivesse entretida até que chegasse o intervalo.
Frente a ela havia um camarote vazio, parcialmente oculto por uma cortina. Um feixe de luz de vela se vislumbrava por detrás daquela e Elizabeth se deteve, sentindo curiosidade sobre o que podia haver nesse recinto afastado. Olhou com atenção e divisou a um homem e uma mulher que se abraçavam entre as sombras. Moveu-se até ficar sentada no bordo de sua poltrona: beijavam-se apaixonadamente.
Jogou uma furtiva olhada a quem a rodeava, perguntando-se se algum integrante da absorta audiência também olhava nessa direção, mas ninguém mais parecia ter notado ao ardente casal. Ao parecer, ela era a única que se localizava no ângulo exato que permitia ver pela estreita fresta que dividia o cortinado do camarote.
Ficou contemplando-os, atônita. Nunca tinha visto uma coisa semelhante! Em seu mundo, as pessoas não se beijavam. Ao menos, não dessa maneira! Em estranhas ocasiões tinha presenciado demonstrações de afeto, apenas algum beijo roubado, um breve roce de lábios. Mãos e corpos não participavam. Isso era indescritível, definitivamente não se tratava do tipo de comportamento que tinha imaginado que podiam demonstrar dois adultos.
Os torsos do casal se fundiam. Elizabeth ajustou o foco para ver melhor. As mãos do homem estavam sobre o traseiro da mulher! Acariciava-lhe as nádegas, atraindo sua pélvis para a dele, ondeando-a em um ritmo frenético. Moviam-se agitados e, quanto mais os olhava Elizabeth, mais absorta ficava. Não podia distinguir seus rostos, estava contemplando um episódio anônimo de paixão clandestina. O correto tivesse sido apartar o olhar, mas a atividade do casal era tão lhe apaixonem, tão absorvente, que não podia fazê-lo.
A mão do homem abandonou o traseiro de sua companheira e riscou um caminho que subiu do quadril à cintura até atrasar-se no peito. Elizabeth olhava com horrorizada fascinação. Sentia uma estranha e perturbadora excitação cada vez que o homem acariciava uma nova parte do corpo da mulher. Ele acariciou meigamente a bochecha de sua amante, enquanto lhe sussurrava algo ao ouvido que a fez menear a cabeça com veemência. O homem se apartou e a luz da vela, que até então tinha protegido sua identidade, caiu sobre ele.
Gabriel Cristofore!
Elizabeth sufocou uma exclamação e Charlotte se voltou, olhando-a com expressão severa.
—O que faz? Trato de desfrutar da obra.
—Lamento-o.
Elizabeth ficou tão desconcertada que, em um intento de ocultar sua surpresa, deixou cair de propósito sua bolsa sobre o tapete. Fingindo que o buscava, inclinou-se para serenar-se e recuperar a compostura; seus pensamentos a aturdiam. Quem era esse Don Juan italiano? Era o suficientemente ousado para abordar a uma inexperiente mulher no vestíbulo lotado de um teatro e, minutos depois, fazer amor apaixonadamente à outra, à vista de todo o público.
Endireitou-se, olhou a seu redor para averiguar se alguém mais tinha detectado ao escandaloso casal, mas só ela os podia ver. Como a maior das curiosas, voltou a levar os binóculos aos olhos.
O senhor Cristofore voltava a beijar a mulher. Elizabeth estudou o ângulo e a intensidade com que o fazia; intrigou-a ver que ele abandonava a boca dela para beijar seu queixo, pescoço e busto, até ficar aninhado entre seus seios. A mulher o aferrou da nuca, urgindo-o. Obediente, ele puxou o vestido para baixo e o peito da mulher ficou descoberto.
Hipnotizada, Elizabeth avaliou cada detalhe do voluptuoso seio, seu contorno arredondado, o mamilo ereto. O senhor Cristofore contemplou com adoração a nua esfera, acariciando-a, lambendo-a e beliscando o mamilo com sua boca, escandalizando a Elizabeth até o mais íntimo de seu ser. Visivelmente extasiada, a mulher adiantou o peito, oferecendo-se ainda mais às entusiastas carícias dele, que lambia o mamilo com desenfreio.
— OH, Deus! —exclamou Elizabeth.
— Silêncio! —ordenou-lhe Charlotte, molesta.
—Sim... sim... —mordeu-se um nódulo com força, para evitar novas exclamações impróprias.
Contemplou-os sem dar-se conta do tempo que transcorria. O senhor Cristofore sugava o peito de seu amante como um bebê faminto; atirava, mordia, acariciava e jogava. Incapaz de conter-se, Elizabeth devorava cada aspecto do obsceno espetáculo. Quando ele se deteve, estava tão alterada que não sabia como faria para permanecer em seu assento, mas nem sequer tinha transcorrido a metade da obra.
O senhor Cristofore se despediu da mulher com um murmúrio, roubou um fugaz beijo, e saiu do camarote. A mulher aguardou uns poucos minutos antes de partir.
Muito depois de que ambos partiram, Elizabeth seguia paralisada em seu assento.
Capítulo 2
Gabriel Cristofore Preston entrou em silencio na casa da cidade, que compartilhava com seu pai, John. Já era tarde e os serventes se retiraram, mas não lhe importou. Seu habitual calendário de atividades, que incluía a perseguição de aristocratas solitárias, fazia que nunca tivesse nem a mais remota idéia de quando retornaria a casa e não tinha sentido esperar que seus serventes se desvelassem aguardando o momento em que ele se dignasse a retornar.
Às vezes, desaparecia durante dias.
Acendeu a vela que lhe tinham deixado perto da porta, pendurou sua capa e subiu as escadas. A noite de fevereiro era fria; estremeceu-se no escuro vestíbulo e, quando entrou na acolhedora sala, notou com prazer que o fogo ainda resplandecia no lar. Fechou a porta para conservar o calor, adicionou uma pazada de carvão e se dirigiu ao aparador, onde se serviu uma taça de seu uísque escocês preferido.
Quando se voltou para o lar, o anel que Helen lhe tinha deslizado no dedo no teatro reluziu à luz do fogo. Tinha-lhe rogado: "me recorde sempre". E ele tinha mentido: "Assim o farei".
O anel era um resplandecente aviso da encantadora velada, outra das tantas que estava acostumado a desfrutar. Tomou uma cadeira para relaxar-se; não estava disposto a deixar-se guiar pelo bom julgamento e sentir remorsos, mas a presença irritante do anel de ouro com sua gema vermelha não o deixava em paz.
Brincou com a jóia, fazendo-a girar em seu dedo antes de tirar-lhe e estudá-la à luz da vela. Pôs a prova sua autenticidade e sua pureza arrojando-a para cima e atalhando-a na palma da mão; avaliou seu peso, perguntava-se se devia tirar a pedra de seu engaste, se lhe dariam mais pelo rubi ou pela jóia completa.
Com indiferença, pois ainda não tinha intenção de refletir seriamente sobre o assunto, jogou o anel a um recipiente que havia sobre uma mesa próxima, no mesmo instante em que o piso do corredor rangia e seu pai entrava. Levava o cabelo grisalho desordenado e a bata despreocupadamente atada. Grossas meias três-quarto cinzas cobriam seus pés.
—Recusei-me a seguir te esperando e me deitei. — disse em tom resmungão ao entrar. Tinha a voz rouca e os olhos inchados pelo sonho.
Gabriel sufocou um riso. Durante o dia, seu pai era um perfeito cavalheiro inglês. Jamais tinha um cabelo desarrumado ou uma ruga no traje. Embora já fizesse quase três décadas que estava afastado de sua família, era o quarto filho de um duque e jamais tinha renunciado aos hábitos aristocráticos. Era um homem culto, de gostos caros, refinados e extravagantes. Quem o freqüentava teria se escandalizado ao ver o flanco caseiro e familiar que esse homem só mostrava a seu adorado filho único.
—Perdoa o atraso.
—Como é que não está metido entre lençóis de seda em braços de sua deliciosa condessa?
—Tive que terminar a relação —Gabriel se levou o dorso da mão à frente, parodiando à condessa contrariada— Lhe custou muito dizer adeus, mas, para ser realistas, não ficava outra opção.
—Bom, já sabia que ocorreria.
—Não me surpreendi absolutamente.
—Quando retorna a Londres seu marido? '
—Amanhã. — respondeu aliviado.
Enquanto seu pai contemplava sua taça, Gabriel o observou de soslaio. Era de supor que estaria repassando mentalmente a lista de motivos pelos quais se alegrava de que a aventura mais recente do jovem tivesse terminado em forma tão indolor, mas, por fortuna, John guardaria suas opiniões para si. Além disso, considerando seu próprio passado amoroso, dificilmente poderia dizer que se achava em posição de exortar a seu filho, e ambos sabiam.
Por outra parte, seus desacordos sobre a forma em que Gabriel ganhava a vida tinham ficado resolvidos fazia já tempo. John não sentia inclinação pelo trabalho e, até se tivesse tido uma vocação definida, jamais se teria rebaixado a dedicar-se a uma atividade comercial. O assombroso era que tinha acessado a ser o secretário de Gabriel, embora não o considerava um emprego; via-se como protetor de um artista, o qual era uma afeição válida para um homem de sua hierarquia, segundo sua opinião.
Era uma alma elegante e cortesã que desfrutava dos prazeres da vida, mas que não tinha nem idéia de como ganhar o dinheiro necessário para pagá-los. John tinha sido deserdado em sua juventude e, após, tinha vivido de sua aparência e de seu encanto, pedindo emprestado a seus amigos, ou vivendo de alguma de suas amantes, que não lhe negavam nada.
Em sua juventude, Gabriel entendeu que nunca teriam dinheiro se ele mesmo não o gerava. O moço amava a seu pitoresco e extravagante pai e estava disposto a recorrer a qualquer método para mantê-lo. Depois de anos de aperfeiçoar seus talentos, tinha chegado a se sobressair como pintor e como sedutor, e combinava ambas as habilidades para lhes tirar rendimento econômico, o que nunca deixou de afligir a seu pai.
Sua habilidade como artista o ajudava a atrair inicialmente a seus clientes a uma inocente relação comercial. Mas o que garantia a maior parte de seus lucros era o que ocorria depois das sessões de pintura. Pintava a mulheres solitárias, que procuravam amor e respeito, e que, além disso, resultavam ser generosas não só com seu afeto, mas também com o conteúdo de sua carteira. Para ele, a sedução era um jogo que lhe oferecia substanciais perspectivas de enriquecimento financeiro além de numerosos encontros apaixonados.
John não estava em posição de condenar a propensão à luxúria de Gabriel, pois ele mesmo, de jovem, tinha sido um trapaceiro aficionado às mulheres de outros homens. A idade e a sabedoria tinham aplacado boa parte de seus desejos carnais, mas seu filho se criou observando ao professor e aprendendo dele. Ele, que lhe tinha procurado sua primeira amante. E também a segunda. E a terceira. John era quem elogiava constantemente o prazer amar uma mulher, os mistérios que tinha por desentranhar, a felicidade suprema de estar entre seus braços. Utilizando a suas próprias amantes, o pai tinha iniciado ao filho nas delícias do erotismo e Gabriel, um menino obediente, esmerou-se até o esgotamento para se igualar as habilidades que seu pai procurava lhe transmitir.
Igual a ele, amava às mulheres. De todos os tipos, estilos e classes. Gostava de altas e baixas, magras e roliças, belas e feias, ricas ou pobres, embora, em momentos de debilidade, via-se obrigado a admitir que as preferia formosas e ricas.
Fascinavam-no suas personalidades, suas peculiaridades, suas formas de ser. As mulheres eram um enigma, uma perpétua fascinação. Sua afeição era quase uma obsessão; observava-as, desenhava-as, pintava-as. Ficava encantado pela visão de uma pele, o aroma de um perfume sugestivo, uma maneira de mover a cabeça, o tom de uma voz, o meneio de um andar. Amava a espreita e a caça, a tentação e a entrega, a captura e a queda final.
Não havia nada tão frutífero como topar-se com uma mulher acomodada, atrativa e desamparada, que precisasse melhorar sua auto-estima ou uma injeção que energizara seu decaído orgulho. Nada restaurava a confiança e a dignidade de uma mulher com mais rapidez que um amor breve e profundo de que podia sair convencida de que tinha sido valorada e amada.
As mulheres com quem se relacionava eram desventuradas, esquecidas, maltratadas por seus maridos ou por outros. Vítimas de bodas de conveniência e ambientes sufocantes, nunca tinham entendido nem investigado seus apetites mais baixos, de modo que as seduzir era fácil. Durante anos, sofriam em silêncio em seus papéis de responsáveis matronas, enquanto seus maridos lhes eram infiéis e jogavam com uma amante atrás de outra. Ficavam ressentidas, confundidas e insatisfeitas com a vida em geral e com o lugar que lhes cabiam.
O triste era que todas procuravam paixão, ternura e lealdade, e nunca as recebiam. Em suas sombrias circunstâncias, foram deteriorando pouco a pouco, adoecendo a espera de um pouco de atenção e de aprovação, mas também de que alguém reconhecesse que eram mulheres amadurecidas que tinham desejos, necessidades e desejos insatisfeitos.
Com muito gosto, Gabriel lhes dava tudo o que desejavam e muito mais. Fazia tudo quanto estava em seu poder para que se sentissem especiais, veneradas, femininas e únicas. Amava lhes ensinar a confiar em sua própria sensualidade, a dar rédea solta a seus desejos, a entregar-se a seus impulsos carnais.
Em troca, obtinha ampla gratificação, e não só no aspecto físico. As recompensas monetárias podiam ser significativas, algo que recordou quando John estendeu a mão e tomou o anel que Gabriel acabava de deixar.
—Que coisa mais vulgar — opinou — Isto é seu presente de despedida?
—Insistiu em que eu ficasse com algo para recordá-la — respondeu e adicionou com tom sarcástico. —E quem sou eu para a privar de um gesto que, evidentemente, encheu-a de uma imensa alegria?
—Alegria, claro — resmungou John, muito incômodo ante a atitude do Gabriel. — Lhe darão uma boa soma por ele.
—É claro que sim.
John arrojou o anel ao Gabriel, que o atalhou e o guardou no bolso. Não demoraria para vendê-lo, mas antes mandaria fazer uma reprodução com uma pedra falsa, em caso de que se voltasse a cruzar com a excelsa Helen.
—Não posso acreditar que, depois de todo o tempo que passou com ela, tenha acreditado que usaria essa bagatela ostentosa.
—Mas não se pode dizer que realmente me conhecesse verdade?
Ele era hábil para deduzir o que era o que seus amantes necessitavam de um homem, e podia transformar-se em quem quer que elas desejassem. Amável, compassivo, altruísta, firme, feroz, impulsivo, potente; sua capacidade de adotar distintos aspectos era tão efetiva que, se não tivesse sido tão bom pintor, poderia ter sido um bem-sucedido ator.
Em efeito, as mulheres se afeiçoavam com o homem que supunham que era, não com quem era em realidade. Quando as relações terminavam — algo que Gabriel planejava no primeiro momento— seguiam seu caminho. Ficavam convencidas de que ele tinha sido um sonho feito realidade.
—Ainda lhe interessa que termine o retrato que começou? —inquiriu John, sempre pragmático.
—Absolutamente.
Gabriel não acrescentou que ela tinha jurado pendurá-lo onde pudesse contemplá-lo sempre, para recordá-lo toda sua vida. Se confessasse a seu pai quão profundos eram os sentimentos da condessa por ele, ficaria zangado e inquieto; mas se sentiria orgulhoso ao inteirar-se de que à dama ficaria fascinada com o retrato terminado. John tinha a esperança de que as recomendações de mecenas prósperas como Helen serviriam para aumentar a clientela de Gabriel. Nas poucas ocasiões em que tinham discutido seriamente sobre o tema, John alegava que os ganhos de Gabriel só deviam consistir nas modestas somas obtidas graças aos contratos que seu pai negociava para ele. Mas o que teria isso de divertido?
Gabriel não demorava a aborrecer-se de pintar aos malcriados filhos e mal educadas filhas da nobreza. Era tão mais atrativo retratar as esposas. Muito antes de começar a pintar, passava incontáveis horas conversando e desenhando, procurando capturar a essência da mulher. Ia tirando suas capas meticulosamente, em busca da pessoa escondida atrás do vestido elegante, do custoso perfume, do elaborado penteado. E, é obvio, à medida que lhes tirava as capas, também lhes tirava a roupa.
Como poderia resistir a receber o que lhe oferecia de maneira livre e espontânea? Adorava as mulheres nuas, a forma em que se curvavam seus quadris, suas coxas se amoldavam, seus seios se erguiam. Sua idéia do paraíso consistia em estar toda a eternidade com um caderno nas mãos e uma modelo nua frente a ele, enquanto lutava por captar com exatidão uma expressão fugaz, um sutil olhar, uma repentina mudança de ânimo.
John, sempre realista, arrancou-o de seu sonho.
—Assim já pode voltar a começar. Teve ocasião de repassar a lista que te preparei?
Os dois homens tinham vivido no continente europeu durante quase os vinte e sete anos de vida de Gabriel. Só tinham retornado a Londres fazia dois anos. Tinham passado a maior parte de seu tempo no sul da Itália, com algumas breves estadias em Paris, Viena, Madrid. Gabriel considerava que a Itália era seu lar; entretanto, apesar das desditas que tinham motivado o desterro do John, nunca tinha tido o valor de cortar os fortes vínculos que ainda o ligavam a Inglaterra. Ainda se interessava nos assuntos da aristocracia britânica, cujos ardis seguia com atenção. Com a dedicação de uma mãe que apresenta a sua filha em sociedade, sabia à perfeição que posição ocupava cada integrante na alta sociedade.
—Sim.
—Decidiu quem será seu próximo objetivo?
—"Objetivo" é um término muito desagradável, pai, não te parece? Preferiria que não o empregasse. —Ele só tomava o que as mulheres lhe davam por vontade própria, nunca aceitava mais do que elas se podiam permitir.
—Bom, seria parvo se referisse a elas como "clientes".
—Suponho que tampouco seria apropriado.
—Me diga, quem é a afortunada?
Gabriel agitou o licor que continha sua taça, recordando vividamente à fabulosa mulher a quem tinha abordado no vestíbulo do teatro.
—Seguirei sua recomendação. Lady Elizabeth Harcourt.
—A filha de Norwich — observou John, pensativo. O nome lhe trouxe muitas lembranças, mas se limitou a dizer com tom zombador— Excelente eleição.
—E a quem mais poderia ter elegido, segundo seu acertado critério?
—Se se parecer um pouco a sua mãe, viverá uma experiência deliciosa.
—Imagino que assim será.
John e o duque de Norwich tinham em comum uma sórdida história que ele nunca quis confessar. Gabriel não conhecia os acidentados detalhes, mas sabia que, como ocorria com quase todos os pecados do John, relacionava-se com a já defunta esposa do duque. O mais provável era que tivessem tido um breve romance que o duque descobriu, mas o certo é que, a sua maneira, John seguia certas normas. Solo se teria embarcado em uma relação como essa por um motivo elevado: que a mulher vivesse na maior infelicidade matrimonial.
Apesar de que ao John gostava de gabar-se de que, em sua juventude, tinha abandonado de boa vontade sua privilegiada posição familiar, no fundo era um perfeito cavalheiro. Era incapaz de aceitar nem o mais mínimo desprezo, o que o levava uma e outra vez a todo tipo de desagradáveis situações. Preocupava-se com as mulheres e não podia suportar as ver desconsoladas nem atormentadas. Se o conde maltratava a sua mulher, John teria intervindo e, embora tivessem transcorrido três décadas, ainda desfrutaria da possibilidade de vingar-se.
—Viu-a?
—Sim. E falei um bom momento com ela.
—É bela?
—Deliciosa — Gabriel recordou como tinha sussurrado essa palavra ao ouvido dela, e o havia dito a sério.
Era uma mulher clássica. Tinha um rosto em forma de coração, um gracioso queixo, maçãs do rosto altas, sobrancelhas curvas e nariz arrebitado. Seus lábios, generosos e carnudos, eram sua melhor qualidade. Tinha uma boca que imediatamente levava aos homens a desejar algo mais que beijá-la. Era uma boca que não devia perder o tempo falando, pois havia coisas muito mais agradáveis às que podia dedicar-se. Também seu cabelo era excepcional. Tinha-o penteado para trás, mas algumas mechas acobreadas com matizes dourados lhe escapavam e caíam sobre os ombros.
As mulheres inglesas que seduzia eram aborrecidas, ordinárias, loiras e pálidas; anos de imaculada criação haviam tornado seus rasgos insípidos e despojado toda sua autenticidade. OH, encontrar com tão precioso original! Estava ansioso por começar a pintar... e algo mais. Seu incrível corpo, tão bem desenvolvido e voluptuoso era precisamente do tipo que ele preferia. O tecido de seu vestido ocultava boa parte de suas formas, mas ele tinha uma viva imaginação, e podia imaginar claramente suas largas e sensuais pernas, suas bem torneadas coxas, seu seio exuberante.
Pela maneira em que lhe rodeava o espartilho se via que estava generosamente dotada. Não havia enchimento nem apliques para aumentar seu tamanho e as curvas femininas de sua figura ofereciam um magnífico espetáculo. Estava impaciente por vê-la nua em todo seu esplendor. Seria um festim para os olhos e também para as mãos e a boca.
Ao recordar seus encantos, embriagou-o uma deliciosa sensação que sempre experimentava ante uma nova conquista. Para ele não existia prazer mais intenso, nem sequer na pintura, que a euforia dos primeiros dias de um romance.
—Disse que tem vinte e sete anos — recordou Gabriel.
—Segundo meus cálculos, sim.
—por que será que seu pai não a casou?
—Porque é um imbecil.
Para o John, com essa explicação alcançava, mas Gabriel queria saber mais.
—Não poderia te espraiar um pouco?
—Não, mas uma vez que te familiarize com ela, verá a que me refiro. —John levantou-se e foi até o aparador, onde depositou sua taça vazia para que a donzela a retirasse pela manhã—. Quando crê que deverá perguntar pelo retrato?
Gabriel recordou o rubor de suas bochechas, sua cautela inicial, a curiosidade. A mulher tinha estudado cada um de seus movimentos com candura, até que, ao final do diálogo, já existia uma afinidade, um vínculo entre eles. Sentiu que poderia havê-la beijado e que ela não se teria resistido muito.
—Presumo que dentro de dois ou três dias.
—Tão logo?
—Sem dúvida — repôs Gabriel, crédulo. Em matéria de mulheres, era estranho que se equivocasse.
Elizabeth estava sentada frente a sua penteadeira, olhando-se ao espelho. Não sabia quanto tempo levava ali estudando seus rasgos, procurando perfeições e sobre tudo defeitos.
Com um suspiro de resignação, meneou a cabeça por sua vaidade, maravilhando-se ante esse novo interesse por seu aspecto. Desde sua adolescência, quando essas frivolidades lhe importavam, não se aplicava com tanto afinco a julgar-se a si mesma: rosto encantador, pele imaculada, olhos brilhantes. Entretanto, seu cabelo era muito escuro, algo que detestava sendo até uma adolescente, quando tratava de não se sobressair entre o asfixiante enxame de moças loiras.
Embora em geral costumasse se arrumar com meticulosidade, nunca se incomodava em observar suas qualidades físicas, mas depois do encontro com Gabriel Cristofore, desenvolveu um novo interesse pelos detalhes de seu aspecto.
O que era exatamente o que tinha visto para adulá-la dessa maneira?
Um calafrio lhe percorreu todo o corpo. Recordou quão prazenteiros lhe tinham resultado seus elogios. Podia permitir-se um pouco de vaidade verdade? Nunca ninguém a tinha cortejado, dificilmente os homens a notavam alguma vez; parecia algo absurdo, estranho, que um homem de aparência tão agradável a escolhesse. Uma e outra vez repassou em sua mente a cena, saboreando cada uma das palavras que lhe havia dito, cada uma de suas respostas.
Naturalmente, tampouco tinha podido deixar de pensar na mulher a que lhe tinha feito o amor. Embora observá-los tinha sido impróprio, não lamentava havê-lo feito. Sua indiscrição lhe tinha revelado um mundo totalmente novo, tinha descoberto um segredo proibido; jamais voltaria a ser a mesma.
Não podia deixar de imaginar o que sentiria ao estar nos braços do Cristofore. Moveu-se, agitada, imersa na cena erótica, enquanto revivia o momento em que o senhor Cristofore lhe lambia o seio de sua amante. A lembrança fez que um quente tremor percorresse seu corpo. Seus mamilos se ergueram, sua respiração se agitou, as bochechas lhe ardiam e ela, só em seu closet (quarto de vestir), se abanava com frenesi para combater a repentina elevação da temperatura. E se a mulher que estava com o Gabriel Cristofore tivesse sido ela? Estava obcecada por saber mais, fantasiava sobre o que poderia ocorrer. Não podia deter seus pensamentos.
"Poderia visitá-lo para que pinte seu retrato". Em seguida se ruborizou ante tão perversa idéia. O cartão que lhe tinha colocado na mão estava apoiado contra o espelho, estudou-o com atenção, procurando qualquer indício sobre o misterioso homem.
Por desgraça, o cartão não lhe deu indício algum e, quanto mais refletia sobre o assunto, mais se convencia de que esse insolente libertino estava fora de seu alcance. Nunca teria a coragem de visitá-lo em seu estúdio. Pedir-lhe que a retratasse! Que idéia descabida! Entretanto, fantasiar era um entretenimento. Não magoava a ninguém com suas insinuações românticas e desfrutava muito ao imaginar-se como uma mulher aventureira e atrevida.
Um relógio deu a hora no vestíbulo, lhe recordando que era tarde e que seguia atrasando-se em seus aposentos. Levava horas acordada, mas não se decidia a descer ao andar inferior. Nos últimos tempos, invadia-a uma estranha letargia, e nada lhe parecia importante, menos até suas obrigações cotidianas.
Antes, levantava-se a mesma hora que os serventes e estava vestida e pronta para enfrentar um dia atarefado para o momento em que seu pai aparecia à mesa do café da manhã. Em geral, começava suas manhãs organizando os compromissos do conde antes que partisse. Mas agora não podia enfrentá-lo e, em realidade, não precisava fazê-lo. Não tinha nada que discutir com ele e, para falar a verdade, não era o mais afável dos companheiros de mesa.
Desde suas bodas, mostrava-se rude e mal-humorado. Além disso, o café da manhã estava acostumado a ser um desastre, graças aos arranques de Charlotte, que regularmente despedia o pessoal de cozinha. Os empregados se renovavam com tanta freqüência que Elizabeth não conhecia os nomes de muitos de seus criados, mas, como sua madrasta sempre lhe recordava, a organização do pessoal já não era assunto dela. Estava farta de inventar desculpas para explicar ao conde por que a comida era horrível e o serviço, ruim, de modo que já não o tentava. De todas as maneiras, nunca lhe tinham interessado os assuntos domésticos.
Ouviu-se um alvoroço do vestíbulo. Titubeou. Os chiados de Charlotte eram fáceis de reconhecer, mas a outra pessoa lhe respondia em voz baixa, assim Elizabeth não discernia quem sofria os açoites da afiada língua da mulher de seu pai. Uma vasilha se estilhaçou contra o chão e Elizabeth se incorporou a contra gosto, amaldiçoando o papel que cumpria agora na casa: atuar de árbitro entre sua cáustica madrasta e os serventes o suficientemente leais para seguir trabalhando ali a pesar do caos. Uma segunda explosão a fez apressar-se para o lugar da disputa. Chegou à porta dos aposentos de Charlotte no momento mesmo em que uma colher era jogada e caía sobre o tapete. Deteve-se para escutar e a avaliar a situação. A condessa brigava com alguém.
—Disse-te cem vezes que quero os ovos bem cozidos!
—Assim é, senhora — respondeu com serenidade Mary Smith, ama de chaves e boa amiga da Elizabeth— mas esta é a terceira cozinheira que contrata no mês e...
—Cala! Já lhe adverti isso muitas vezes. Está despedida.
Este anúncio era pronunciado com tanta freqüência e naturalidade que Elizabeth começava a suspeitar que a odiosa moça o praticava frente ao espelho.
—Como desejo.
Mary não expressou emoção alguma, apesar de ser despedida do cargo que ocupava desde fazia vinte anos, mas Elizabeth estava furiosa quando irrompeu na habitação.
—Não está despedida!
—Não interfira, Elizabeth! —advertiu Charlotte.
—Sim o farei! —respondeu com igual aspereza, avançando para a cama sobre a que Charlotte estava estendida como uma rainha, apoiada sobre uma pilha de travesseiros— Foste muito longe.
Charlotte, vestida em sua cara camisola, tremeu de indignação; seu cabelo, cheio de ridículas pinças para frisá-lo, agitava-se de um lado a outro. A bandeja que tinha tido no regaço estava no piso; utensílios, pratos e cristais estavam pulverizados, e a comida tinha arruinado o muito caro tapete.
Várias donzelas tremiam em um canto, enquanto que Mary, com os ombros bem direitos e o orgulho intacto enfrentava à pequena déspota. Elizabeth não separou seu olhar indignado do de Charlotte quando disse:
—Mary, pode se retirar.
—Eu não disse que pudesse fazê-lo!
—Vá, Mary. —repetiu Elizabeth— As demais também podem retirar-se.
Aliviadas, as faxineiras se escapuliram. Elizabeth e Charlotte se fulminaram uma à outra com o olhar, silenciosas e imóveis, até que a porta se fechou. Então, Charlotte saltou da cama.
—Como te atreve a me contradizer diante das servas!
—E você como te atreve a tratar a Mary dessa maneira desprezível?
—Adverti a essa mulher seus enganos em incontáveis ocasiões. Não continuará a meu serviço.
—Isso já o veremos.
—Falarei com meu marido — ameaçou, fazendo estalar os dedos em um gesto teatral.
—Pois me faça saber como foi.
As ameaças da mulher mais jovem eram inúteis, sobre tudo porque ambas sabiam que não poderiam discutir o incidente com o conde. Até se ela se atrevesse a fazê-lo, ele não a escutaria nem lhe daria importância. Charlotte ficaria como uma incompetente por lhe expor o que ele consideraria um mesquinho assunto doméstico.
—Quando o fizer, vai lamentar.
—Não posso esperar para ver qual será meu destino. — disse Elizabeth, sarcástica— Enquanto isso se tiver interesse em que lhe façam bem o café da manhã, possivelmente deveria tirar seu preguiçoso traseiro da cama e tomá-lo antes da uma da tarde.
—Ninguém me insulta em minha própria casa!
—Te comporte como se deve! Está dando um espetáculo. Neste preciso instante, o mais provável é que os serventes estejam mexericando sobre seu temperamento incontrolável. Em uma hora, toda a vizinhança estará falando de ti.
Como última palavra, não estava mal. As aparências eram tremendamente importantes para Charlotte. Sugerir que os serventes não eram discretos, que falariam e difundiriam a permanente questão que reinava nessa família era um dos poucos métodos que Elizabeth sabia que funcionavam.
Saiu ao corredor, fechou a porta e se apressou a subir as escadas para a habitação de Mary, para evitar maiores desastres. Se Mary se dava por vencida e partia, quem sabe o que poderia ocorrer? A influência estabilizadora da governanta era o único fator que tinha impedido que se produzisse uma catástrofe absoluta.
Com o recente episódio, Elizabeth não poderia culpá-la se partisse, tal como o vinha anunciando. A aberrante cena tinha sido uma a mais na infinita sucessão de calamidades que vinham estalando ao longo dos seis meses de conflitos transcorridos das bodas. Mary tinha suportado com heroísmo cada explosão, desviando a fúria de Charlotte, intervindo quando lhe era possível ou aceitando a culpa por enganos que não eram sua responsabilidade.
Elizabeth abriu a porta sem golpear antes. Tal como supunha, Mary estava sentada, rígida, na borda de sua cama, absorta em sua malha. As agulhas se entrecruzavam em um rápido ritmo que delatava seu nível de agitação. Embora aparentasse frieza e compostura, havia tensão na postura de seu queixo, raiva em seu olhar, resignação em seu porte. O governanta tinha sido uma espécie de mãe, irmã e companheira para a Elizabeth desde que tinha perdido a sua mãe aos três anos de idade. Seus sábios conselhos a tinham guiado desde sua mais tenra infância.
Ao longo de gerações, o cargo de governanta tinha sido hereditário na família da Mary, como o título de conde na da Elizabeth. Mary, virtualmente, tinha nascido para esse trabalho e tinha tão poucas possibilidades de renunciar a ele como as teve o pai de Elizabeth de rechaçar seu título de conde de Norwich. Aos seus quarenta e cinco anos, o cabelo loiro da mulher se embranqueceu, tinha sulcos em torno da boca e sua figura não era a mesma; já não era feliz. Seus olhos azuis já não cintilavam de alegria nem de surpresa, sua risada já não ressoava na casa.
—Não pode permitir que ela te afete. Lhe aconselhou Elizabeth com suavidade.
—Muito tarde, querida Beth.
—Já sabe que Charlotte é muito obstinada.
—Isso foi algo mais que uma birra. Foi pessoal. — Depois de uma desconcertante pausa, acrescentou: — Talvez suspeite.
—De que falas?
—De nada — suspirou com cansaço. — Decidi apresentar minha renúncia. Pedirei demissão a seu pai esta noite.
—Não diga bobagens. Não poderíamos nos dirigir sem ti. Especialmente, pela forma que ela se comporta.
—Não suporto mais a tensão nem os incessantes escândalos.
—Falarei com meu pai.
—Já o tentou e não serve de nada. Como dizem, ele arrumou sua própria cama. Agora não tem mais remédio que deitar-se nela.
—Tem que haver uma melhor solução que sua renúncia.
—Não me ocorre qual pode ser.
—Mas aonde iria? Do que viveria? — Mary sempre tinha vivido e trabalhado no seio da família Harcourt. Que partisse era impensável. Elizabeth a abraçou. — Está alterada e não sabe o que diz.
—Sim, estou alterada, mas sei o que devo fazer.
Um novo estrépito chegou de abaixo e, até desde esse isolado lugar do quarto piso, ouviram os gritos de uma nova rixa. Mary, sentindo-se obrigada a arbitrar, fez gesto de sair, mas Elizabeth a deteve.
—Já fez muito por hoje. Fique aqui. Eu me ocupo dela.
Correu escada abaixo e encontrou Charlotte brigando com uma criada no vestíbulo. Depois de suportar um ataque de insultos, conseguiu acalmar a situação. Mal-humorada, desanimada, subiu a seus aposentos, perguntando-se quantos conflitos mais poderia suportar. Sem dinheiro próprio, nem capacidade de ganhar a vida, estava como Mary, a mercê do conde. O futuro parecia tão sombrio! Se tão só pudesse trocar de vida! Mas suas opções eram limitadas; as oportunidades ao seu alcance, incertas.
Voltou a sentar-se em frente a sua penteadeira. Encontrou o cartão que lhe tinha dado Gabriel Cristofore. Abatida, tomou e acariciou a tinta com o polegar.
Capítulo 3
Gabriel se aproximou em silencio à porta entreaberta de sua sala de espera. Espiou pela fresta e não pôde evitar desfrutar-se. Sabia que viria!
Lady Elizabeth estava sentada em um sofá, acompanhada por uma imponente mulher de cabelo prateado; seu vestido e seu porte conservadores faziam supor que se tratava de uma dama de companhia ou uma governanta.
John estava com elas e, consciente da elevada hierarquia de lady Elizabeth, preparou-se para a ocasião com esmero. Seguia sendo arrumado aos seus cinqüenta anos, e se pavoneava e exibia. Seu traje estava meticulosamente escovado; a branca gravata engomada, firmemente atada e seus sapatos, lustrados até reluzir. Levava vários anéis luxuosos, as unhas cuidadas e bem cortadas, seus movimentos eram sedutores. Não deixava de fazer extravagantes gestos enquanto falava e as damas não podiam deixar de contemplá-lo.
Gabriel tinha herdado o talento artístico de sua mãe italiana, morta fazia muito. Tinha recebido sua aguda apreciação da cor, a substância e a forma, mas estava convencido de que seu pai lhe tinha legado a graça nos gestos.
Lady Elizabeth desviou a atenção do John para olhar a seu redor e Gabriel a estudou. As damas solteiras que vinham a retratar-se sempre se mostravam inquietas e ela não era a exceção. Olhava furtivamente tudo, avaliando a decoração, como se tratasse de elucidar se era um autêntico estudo de pintura ou a fachada de um plano perverso. Fazia bem em desconfiar, mas ele já tinha realizado esse exercício dúzias de vezes. Se a manipulava com habilidade, quando chegasse o momento, à moça já não se importaria com as intenções dele.
Quando entrou na sala com passo ágil, as duas mulheres fizeram gesto de ficar de pé para lhe dar boas-vindas, mas ele lhes fez gesto para que ficassem sentadas, enquanto avançava para lady Elizabeth. Em sua ansiedade, tinha esquecido quão bela era e se surpreendeu ao descobrir que lhe era impossível falar, que não podia fazer mais que contemplá-la como um moço apaixonado ao que lhe faltam as palavras.
—Ah, —interveio seu pai— aqui temos o senhor Cristofore.
Os homens jamais se apresentavam como pai e filho. Em honra a sua mãe, Gabriel usava seu sobrenome italiano, pois ambos acreditavam que realçava seu mistério e atrativo para as damas. Um benefício adicional era que, como John se apresentava como seu secretário, ninguém fazia perguntas sobre o passado ou o nascimento do jovem.
John estava convencido de que Gabriel não poderia abrir-se caminho na Inglaterra se alguém se inteirava de que tinha retornado a seu país com um filho ilegítimo e adulto. A preocupação de John, de que sua duvidosa reputação ainda o espreitava mesmo depois de trinta anos, não estava de todo infundada. Em sua juventude, tinha sido verdadeiramente terrível.
—Lady Elizabeth, —saudou John, saindo com graça do momento de desconforto— já conheceu senhor Cristofore faz umas noites.
—Assim é — respondeu ela, e um atrativo rubor avermelhou suas frescas bochechas.— É muito agradável voltar a vê-lo.
—O prazer é todo meu.
Ao parecer, ela não notava o impacto que sua proximidade lhe tinha produzido. A três metros da jovem, o corpo dele se esticou. Seu pulso se agitou, a pele começou a lhe arder, seus sentidos se aguçaram. Podia ouvir até o mais mínimo ruído, cheirar até o aroma mais suave. A tarde parecia mais luminosa; o ar, mais fresco, só por estar perto dela.
Tomou a mão para saudá-la, mas fazê-lo foi um engano. Embora ela levava luvas, o leve contato fez que todo seu corpo se estremecesse e teve a repentina sensação de que as calças lhe ajustavam muito. Demorou-se ao lhe beijar a mão. Seu aroma particular era incomparável, hipnótico. Se tivesse estado em uma habitação lotada, com os olhos enfaixados, teria reconhecido-a por sua fragrância. Sabia que seus corpos deviam fundir-se.
Quando se endireitou, inquietou-se ao descobrir que lady Elizabeth o estudava com atenção. Evidentemente, também ela havia sentido o fugaz impacto; mas havia algo mais em seu olhar, algo desafiante e inquisitivo, como se conhecesse seu segredo. Por um momento fugaz, suspeitou que ela soubesse exatamente que classe de patife era ele e que mesmo assim tinha ido visitá-lo. Era possível? Teria-lhe chegado algum rumor ou, Deus não o quisesse, teria falado com alguma de suas anteriores amantes?
Com um esforço, descartou essa espantosa possibilidade. Um dos critérios para escolher suas amantes era que não pudessem contar a ninguém onde e com quem tinham estado. Ele, por sua parte, era absolutamente discreto. E, entretanto...
John pigarreou, fazendo-o retornar à realidade com um sobressalto. Seguia sujeitando a mão da dama, enquanto a contemplava com a boca aberta como um panaca, de modo que retrocedeu um passo, ficando a uma distância prudente, enquanto procurava dissimular sua falta de delicadeza.
A maior parte de suas clientes trazia uma acompanhante nas primeiras sessões e era conveniente tranqüilizar a que vinha com esta dama. Quanto mais cômoda se sentisse a acompanhante com a situação, mais se serenava a cliente e tomava a confiança suficiente para vir sozinha.
Luzindo seu melhor sorriso, dirigiu-se à outra mulher.
—E quem é sua encantada amiga?
—A senhorita Mary Smith — respondeu lady Elizabeth.
—Encantado, senhorita Smith. — lhe dedicou a mesma reverência que a sua cliente, embora esta vez retrocedesse com decoro— Também retrataremos você?
—Céus, não — se ruborizou— Vim apenas acompanhar lady Elizabeth.
—Pior para mim, então. —Dizia-o a sério. Ela tinha um belo e interessante rosto que os anos tinham sulcado escrupulosamente ao seu passo.
A senhorita Smith se voltou para o John e disse:
—Você disse que era um excelente retratista, mas não que se destacava como adulador.
—Não pode evitá-lo: é italiano — afirmou John em tom afável, e ambas as mulheres riram.
—Vocês dois são parentes?
—Não — agora era John que sentia-se incômodo — Por que o pergunta?
—Parecem-se muito. Só supus que... —deteve-se, arrependida do teor pessoal de sua pergunta — Desculpe.
—Não tem por que. — Se apressou a responder. No tempo que levava em terra inglesa, a ardilosa senhorita Smith tinha sido a primeira em notar o quão parecido eram, o que eles sempre procuravam dissimular. Sua perspicácia era perturbadora— Não sou mais que o encarregado de seus assuntos — insistiu, cravando um olhar cúmplice ao Gabriel— De fato, estávamos discutindo o contrato, os honorários e....
Tal como o tinham praticado, o jovem o interrompeu:
—Já sabe que não me interessam os aspectos comerciais do acerto. —Sua treinada atenção se centrou em lady Elizabeth— Em particular, quando há tantos outros aspectos interessantes que considerar.
Com ensaiada habilidade, John insistiu:
—Mas precisamos decidir se...
—Não, não. Estou seguro de que o que lady Elizabeth considere adequado pagar será mais que justo.
—O que posso dizer? —John se encolheu de ombros, fingindo magnanimidade na derrota— Tem alma de artista. Nunca lhe interessaram as finanças.
—Sou afortunado de te ter para que me cuide.
—Sim, é — coincidiu John. Como se lhes confiasse um precioso segredo, inclinou-se para as damas e adicionou: — A pintura é sua paixão. Às vezes, absorve-se tanto em seu trabalho que tenho que lhe recordar que pare e durma.
Tal como Gabriel esperava, ambas as mulheres riram. O seguinte passo consistia em olhar a sua cliente com exagerado arroubo, mas, neste caso, não tomou muito esforço.
—Não há nada tão satisfatório como criar uma grande obra de arte.
Lady Elizabeth não se envergonhou de lhe devolver seu ousado olhar e, uma vez mais, ele se sentiu embargado pela sensação de que ela sabia exatamente quais eram suas intenções e que estava preparada para vencê-lo em seu próprio jogo.
—Ouço dizer com freqüência —comentou Elizabeth, enquanto se molhava delicadamente o lábio inferior com a ponta de sua língua até fazê-lo brilhar— que uma dedicação intensa é essencial para obter reputação como artista.
—Assim é.
Gabriel se perguntou se tinha molhado os lábios só para excitar sua sensibilidade masculina. O ato, ao parecer inocente, tinha sido executado com a habilidade própria de uma cortesã que tenta atrair a atenção para sua boca. Não podia concentrar-se em nada mais.
Era uma boca impecável. Tão sensual que poderia extasiar a qualquer homem. Com extraordinário desfruto, imaginou à mulher ajoelhada, desabotoando suas calças, explorando-o. Introduziria a mão e o encontraria ereto e preparado, acariciaria-o com seus dedos e, depois, sua língua adorável percorreria a ponta. Ele tremeria e gemeria quando ela começasse a sugar e...
Gabriel se endireitou de repente, obrigando-se a sair de seu libidinoso sonho. Estava desconcertado pelo potente efeito que ela tinha sobre ele. Não podia recordar que a só presença de alguma mulher o pusesse nesse estado. Uau, já se tinha excitado e nem sequer tinha tido ocasião de estar a sós com ela! Como se sentiria depois de umas poucas horas? De uns poucos dias?
Estremecia-se de só pensá-lo!
Concentrou-se, exigindo-se seguir a rotina que seu pai e ele tinham ensaiada. Era tão simples como se lessem um guia.
— Será você uma modelo grandiosa, senhora. Estou terrivelmente ansioso por começar. —Ousado, tomou o queixo e a fez elevar o rosto para estudá-lo melhor. Com uma leve pressão, rodou-lhe a cabeça por volta de um e outro lado, como se procurasse algo nela. Elizabeth não mostrou nenhuma inquietação— Que retrato faremos! Essa pele é imaculada. Os olhos são maravilhosos. A estrutura óssea é extraordinária.
— Francamente, senhor Cristofore — o arreganhou— diz muitos disparates.
— Você tem uma beleza muito especial, que brilhará no tecido. Com traços tão magníficos, a perfeição é o único resultado possível.
Ela elevou a vista suplicante, com seus impactantes olhos verdes e os pensamentos de ambos pareceram conectar-se. Estranhamente, durante apenas um instante ele pôde vislumbrar o lugar onde a solidão e o desespero da moça moravam em silêncio. Suas ânsias de amor clamavam por ele, e Gabriel se irritou. O muro que tinha construído em torno de seu frio e calculador coração era a única maneira de preservar sua consciência tranqüila em ocasiões onde o sentido do bem o espreitava. Não podia permitir que ela o afetasse. Se não era prudente, começaria a lhe ter lástima e terminaria por atuar em forma cavalheiresca. Retratá-la-ia só por prazer e não pelo ganho que lhe contribuiria.
Que ridículo! Apenas tinha trocado umas poucas palavras com essa mulher, mas já fazia que seu instinto de protegê-la florescesse. Não podia permitir que os problemas pessoais dela o perturbassem!
Evidentemente, ela teria preferido que seus elogios fossem genuínos —sem dúvida não tinha recebido muitos em sua vida, embora muito os merecesse— e isso o fazia sentir-se como o maldito patife que em realidade era. A jovem necessitava com desespero uma verdadeira amizade e aproveitar-se dela era incorreto, mas estava tão habituado aos truques e ao engano que não sabia como atuar de outra maneira.
Ainda sustentava o queixo dela, que apartou a cabeça, rompendo o frágil contato. Imediatamente, o feitiço se quebrou; Gabriel se perguntou como podia ter sido tão tolo. Ocultando o quão comovida estava, Elizabeth olhou a John.
—Estou de acordo com Mary: é um adulador incurável.
—Ele é. —assentiu John com amabilidade.
Gabriel lutou por recuperar o equilíbrio e seguir adiante com a farsa.
—Querem as damas ver algumas amostras de meu trabalho?
—Em realidade — lady Elizabeth ficou de pé— sinto curiosidade por ver como é seu estúdio. Tinha a esperança de que começássemos a trabalhar hoje.
O pintor ficou sobressaltado. Seus clientes nunca queriam começar em seguida! Era crucial as enrolar até que se relaxassem um pouco.
—Hoje? — perguntou atônito.
—Sim — e o deslumbrou com um sorriso aterrador, que o fez revisar a toda pressa os motivos pelos quais tinha pensado que lhe convinha envolver-se com ela— Se suas obrigações o permitem, claro. Não queria incomodá-lo.
—Jamais poderia me incomodar.
Meneou a cabeça, consternado. As coisas não partiam absolutamente como as tinha planejado. Supunha-se que ela devia mostrar-se apreensiva, temerosa, indecisa. Sua reticência permitiria a ele parecer persuasivo, irresistível, fazendo-a perder gradualmente o controle até que vencesse suas inibições.
—Por que adiá-lo, então? —perguntou ela.
—Sim, não há motivo para fazê-lo — olhou a seu pai franzindo o cenho, mas John não fez mais que elevar uma sobrancelha, perplexo ante a impaciência da jovem. Quando se tratava de mulheres, que homem pisava em terreno firme?— Que obrigações tenho esta tarde, John?
—Por agora, nenhuma.
—Excelente — Gabriel não tinha planejado receber a ninguém essa tarde, mas fingiu entusiasmo. Não se tinha preparado, assim teria que improvisar— Meu estúdio está em uma cabana no jardim, que tem melhor luz. Acompanha-me?
—Com prazer. —audaz Elizabeth se aproximou e enlaçou seu braço ao do Gabriel— Quanto demoraremos?
—Farei uns esboços detalhados. Provavelmente, umas duas ou três horas.
—Três horas me parece estupendo — fulminou com o olhar à senhorita Smith, que também se pôs de pé— Mary, por que não termina o que tem que fazer e vem me buscar aqui às quatro?
A senhorita Smith titubeou. Era evidente que se opunha a que lady Elizabeth ficasse sem ninguém que a vigiasse e a mercê dele. Mas o significativo intercâmbio de olhares entre ambas fez que se desse por vencida sem defender-se.
—Se estiver segura — disse suspicaz.
—Estarei bem. Não se preocupe — ao perceber que sua acompanhante não estava de tudo convencida, voltou-se para o Gabriel— estou em boas mãos verdade?
—As melhores — nada pôde a não ser assentir.
—Vê-o? —dirigiu-lhe outro olhar penetrante, esta vez um pouco mais suplicante, a sua acompanhante.
—Retornarei às quatro —terminou por aceitar a senhorita Smith.
Gabriel se dispôs a lhe tirar proveito a essa situação inesperada e se apressou a fazer sair a lady Elizabeth da sala antes de que trocasse de idéia.
Detrás dele, ouviu a voz do John, que se ocupava de sossegar qualquer inquietação que pudesse preocupar à senhorita Smith, enquanto se ocupava de ajudá-la a partir quanto antes. Em segundos, John a teria envolta em sua capa e sentada na carruagem dos Norwich.
Gabriel acompanhou a Elizabeth à porta traseira da casa. O desejo antecipado lhe dava asas e virtualmente se precipitou pelos três degraus que levavam ao caminho do jardim antes de advertir que ela quase devia correr para seguir o ritmo de suas pernadas.
—Esqueci minhas boas maneiras — murmurou, compungido, detendo-se para que ela o alcançasse— não tinha intenção de fazê-la correr.
—Não se preocupe — lhe devolveu seu penetrante olhar com confiança— eu também tenho bastante pressa.
Permaneceram frente a frente estudando-se, procurando algo oculto no outro. Ah! outra vez o notava: uma evidente sensação de que ela sabia mais do que devia. Algo estranho os unia, algo que permitia a Gabriel adivinhar as intenções da mulher, que parecia tão ansiosa como ele por que se encontrassem a sós. Cristofore se deteve e pensou: "Estarei fazendo o correto?".
Desprezou a absurda dúvida tão rápido como esta foi a sua mente. É obvio que incitar uma relação clandestina com lady Elizabeth era o correto! Seduzir era a forma em que ganhava a vida e lhe provia segurança econômica a seu pai. Ela não sairia ferida; de fato, possivelmente obtivera mais que ele do ilícito romance.
Assim e tudo, tinha-o comovido, fazendo-o duvidar de suas razões para levar a cabo o engano. A verdade não ocupava um lugar muito elevado em sua lista de admiráveis características pessoais e, até então, nunca o tinha incomodado deturpar ou manter uma mentira, sempre e quando lhe servisse de algo. Mas a idéia de enganá-la, de conspirar para ganhar seu afeto, deixou-lhe um sabor amargo na boca. Até mais, sentiu uma estranha pontada de culpa que o surpreendeu.
Que sentimentos novos e desconhecidos lhe infundia essa mulher! O efeito que lhe produzia o confundia, mas o excitava e reafirmava sua decisão de havê-la escolhido. Seria um romance fora do comum, que o estimularia até ultrapassar suas fantasias mais descabeladas. Simplesmente, deixaria que a trama seguisse seu curso e desfrutaria da aventura enquanto durasse. Pela primeira vez, não estava seguro de como terminaria a história.
Capítulo 4
Observava-a com atenção, procurando algum indício. Sem dúvida o tinha escandalizado com sua audaz conduta. E também a Mary. A pobre mulher tinha ficado espantada e desconcertada quando Elizabeth a jogou.
Antes, a Elizabeth nem lhe tivesse ocorrido reunir-se a sós nos aposentos privados de um cavalheiro, embora fosse seu lugar de trabalho. Mary era a única pessoa com quem podia arriscar-se a atuar dessa forma tão escandalosa; ela era sua confidente.
Lady Harcourt tinha sido criada sob as estritas normas da etiqueta, mas, de repente, parecia haver-se fartado de sua própria vida. Desejava saborear um pouco de liberdade, ao menos por um momento. Em seus vinte e sete anos de vida, jamais tinha atuado em forma extravagante, nunca tinha infringido uma regra nem violado um só inciso dos muitos códigos estúpidos e frívolos que regulavam seu mundo. Não podia perdoar-se ter sido tão virtuosa, tão obediente, tão amável. Por uma vez, queria ser um pouco travessa, saborear algo da picardia e a diversão que outras mulheres, menos recatadas, possivelmente experimentassem diariamente.
Tinha passado as últimas quarenta e oito horas refletindo sobre o senhor Cristofore. Não podia pensar em outra coisa. Não tinha podido comer e quase não tinha dormido. Em um arrebatamento de loucura, tinha-lhe escrito um bilhete em que lhe pedia entrevista e, quando chegou a resposta com a proposta de um encontro imediato, sentiu que se desvanecia de alívio. Se ele tivesse mudado de idéia a respeito de retratá-la ou devia adiar a entrevista porque tinha compromissos prévios, Elizabeth simplesmente não o suportaria. Ansiava com todas suas forças que o artista mudasse sua vida monótona e aborrecida, que se transformasse na cura de seu mal.
Nunca tinha sido muito imaginativa, mas não lhe custava nada fantasiar com o senhor Cristofore. Embora não podia conceber a idéia de lhe mostrar alguma parte de seu corpo, certamente podia imaginar-se que ele a beijava. A idéia era escandalosa, mas, como nunca ninguém a tinha beijado, também era muito tentadora. Tarde de noite, deitada em sua cama fria e solitária, olhava fixamente o teto, analisando o caso. Era tão excitante, tão extremo, tão... tão selvagem.
Suas reflexões noturnas lhe provocavam intensas emoções; incorporando-se de um salto, ficava a percorrer seu dormitório. Explodia estranhas erupções de energia, que a faziam sentir calor e confusão, comichões que a estimulavam, e o coração lhe pulsava a toda velocidade sem motivo aparente. Seus mamilos se endureciam até converter-se em dois magníficos brotos que penetravam a camisola. Sentia dores e palpitações em distintos lugares completamente desconhecidos para ela.
O senhor Cristofore entenderia por que estava tão atormentada e saberia como aliviá-la. Estava ansiosa por desfrutar de sua companhia. Não é que acreditasse que em realidade algo fora a acontecer, ou que acessaria em caso de que ele se tomasse certas liberdades. Embora se esmerasse em atuar como se estivesse louco por ela, Elizabeth estava convencida de que fingia. Ao fim e ao cabo, tinha-o visto em ação e sabia a classe de sujeito que era. Reconhecia suas próprias limitações e a nua realidade não a incomodava: não era a classe de mulher que atrairia a um homem como ele, do mesmo modo que ele não era o tipo de homem ao que uma mulher como ela pudesse entregar-se. Eram como a água e o azeite.
Mas, mesmo assim, podia sonhar, ou não? Com beijos ardentes e caprichosos. Que dano podia lhe fazer pensar em divertir-se um pouco? E se recebia um ou dois beijos, tão melhor! Se deixasse levar por sua amável personalidade masculina, talvez quando as sessões terminassem e a maldita pintura ficasse concluída de uma vez, seus infernais desejos se aplacariam.
Com um coice, advertiu que se achava ao pé da escada, lhe aterrando o braço e olhando-o como uma menina apaixonada. Umas gélidas gotas de chuva lhe caíram sobre o cabelo e os ombros. Tinham saído com tanta pressa da casa principal que deixaram suas capas ali. Ele devia acreditar que era uma parva sem experiência. Morta de calor voltou-se, tratando de aparentar tanta naturalidade como foi possível. Sufocou um suspiro de deleite quando viu o jardim murado que os três pisos da casa ocultavam da rua.
No centro havia uma acolhedora casita, construída em pedra cinza, com os marcos e persianas pintadas de branco. Grandes janelas de vidro se abriam na frente. Dentro, ardia um fogo. Os muros estavam adornados com trepadeiras e roseiras. Agora não tinham folhas e seus ramos estavam murchos pelo inverno, mas os caules nus antecipavam a explosão de cor que decoraria o lugar na primavera. Era um lugar de conto de fadas, uma morada para descobrir uma tarde do verão em algum vale sombrio.
—É muito formoso. — murmurou — Uma cabana encantada.
—Assim a considerei sempre.
—E o que faz aqui, em meio de Londres?
—O antigo proprietário a construiu para sua sogra. No momento em que a vi, apaixonei-me. Necessitava que fora minha.
—Entendo por que — OH, que maravilhoso seria ter um refúgio como esse, tão sereno e pacífico, sem preocupar-se com rixas nem conflitos. Sentiu um inexplicável ciúme. — Trabalha aqui?
—Durante largas horas, todos os dias — ele também estudou o recinto, como se logo acabasse de advertir sua peculiaridade— O interior é até mais maravilhoso. Entramos?
—Sim! —já não podia esperar para ver tudo.
Avançaram pelo atalho e sentiu que o frio e a umidade a tomavam. A temperatura era glacial; a chuva, intensa e, com remorso, perguntou-se quanto tempo se teria demorado nas escadas. Quando estava com o senhor Cristofore, sua sensatez e sua prudência desapareciam. "Retrocede — se disse — antes que cruzes a soleira e a porta se feche detrás de ti!".
Embora tivesse intenção de desfrutar do encontro, não pensava fazer nenhuma tolice. Talvez ele a fizesse sentir como uma moça, toda sorrisos e despreocupada, mas era uma adulta e já tinha sido testemunha de sua capacidade de seduzir. Não estava disposta a ser uma conquista mais em sua larga lista de enredos amorosos.
Mas quando a porta se abriu, sua vontade fraquejou. O salão principal era um verdadeiro paraíso do pecado, um reduto de depravação, uma luxuosa celebração para os sentidos. Sim, não cabia dúvida de que era a oficina de um pintor. Havia cavaletes e prateleiras talheres de distintas coleções de pinturas, pincéis e outros elementos de trabalho. Evidentemente, o artista tinha frenéticos arranques de inspiração que não podia conter, pois havia pinturas ao óleo sem terminar, retratos, animais, paisagens pastorais, atarefadas ruas urbanas, apoiados contra as paredes e empilhados nos rincões. Todos tinham um colorido vibrante e intenso, com ricos detalhes que testemunhavam seu talento.
A habitação mesmo era uma festa para os olhos, destinada a estimular sensorialmente tanto ao pintor como a seus modelos.
No piso, ou pendendo do teto, havia planta em vasos, muitas com festivas flores. Havia tapetes e toalhas de mesa em distintos matizes de azul e de verde, pulverizados em qualquer parte. Uma deliciosa luz enchia o ambiente; era difícil recordar o melancólico do clima que reinava no exterior. Elizabeth sentiu que tinha sido transportada a Itália. Tinha o piso de mármore de estilo antigo, além de uma lareira. O fogo ardia transformando o ambiente em um lugar muito acolhedor. Um fofo canapé ocupava o centro do recinto. Estava cheio de suaves almofadas e parecia lhe suplicar que se estendesse nelas, incitando-a a ficar mais cômoda que o conveniente.
Como faria para conservar a prudência em tão indecente ambiente? E por que teria que fazê-lo?
A mão do senhor Cristofore, apoiada em sua cintura, incitou-a a entrar. Enquanto que qualquer mulher em seu são julgamento tivesse deslocado em direção oposta, ela estava excitada, maravilhada, pronta para o que pudesse passar nessa atmosfera perigosa. Tinha vindo em busca de diversão e, ao parecer, tinha-a encontrado.
—O que lhe parece? —perguntou Gabriel desde atrás. Sua voz era grave e íntima e lhe atravessou a pele, fazendo-a tremer. Era uma loucura, mas ansiava participar de qualquer ato que lhe propôs-se.
Ele lhe aproximou mais, ao ponto de que suas pernas tocaram seu vestido e as ponteiras de suas botas de cano longo ficaram sob a barra de sua saia. Elizabeth inspirou profundo, desfrutando de seu aroma, de seu calor.
—É extraordinário — o olhou por sobre o ombro e o flanco de seu braço lhe roçou o peito, enquanto que seu quadril se amoldava entre as coxas dele— Você é muito afortunado.
—Assim acredito.
Seus olhares se encontraram. Elizabeth ficou sobressaltada pela potente reação que lhe produzia sua proximidade. Uma energia tangível se acendeu entre eles; nunca tinha vivido nada nem remotamente parecido. O pêlo de seu pescoço e seus braços se arrepiou. O ar vibrava com uma peculiar intensidade, como quando se aproxima uma tormenta elétrica. Se o tocasse, não se surpreenderia se brotassem faíscas de sua pele.
Também ele o sentia. Sua anatomia se amoldava à perfeição com a dela; seu torso se inclinava, procurando uma conexão que a jovem não soube definir, mas que, até em sua ingenuidade, soube que era o vínculo que enlaça aos amantes.
Com languidez, Gabriel contemplou extasiado sua boca. Seus lábios estavam apenas a uns centímetros de distância. De maneira imperceptível, aproximou-se um pouco mais, rondando-a, e, durante apenas um segundo, ela sentiu uma labareda que lhe percorreu todo seu corpo e acreditou seriamente que a beijaria. Que ocorrência absurda! Com um impulso, apartou-se. Seu coração deixou de pulsar durante um instante. O sobressalto evitou que Gabriel continuasse com o que fosse que estava por fazer.
Ele se afastou um pouco e franziu o cenho preocupado, como se exigisse uma explicação das extraordinárias respostas corporais de ambos. Elizabeth advertiu certo desagrado nele; parecia confundido, desorientado e um pouco zangado. Seu rosto expressava uma consternação tão evidente que ela quis rir, mas preferiu ter piedade. Unia-os uma desconcertante e significativa afinidade mútua, enquanto que ele tinha calculado que não existiria nenhuma. E o descobrimento não lhe agradava.
Que esplêndido era fazer sofrer a esse atrativo e sofisticado sedutor!
Mesmo assim, não devia esquecer nunca que se tratava de um patife de primeiro nível. Tinha-a convidado para retratá-la impulsionado por escuros interesses. Provavelmente, seu plano incluía um cenário onde ela relaxasse e suspirasse por um romance entre eles. Elizabeth ainda não podia deduzir com segurança o que estava tramando o senhor Cristofore, mas podia intuí-lo.
Uma mulher menos ardilosa se deixaria enganar com uma intriga como essa, mas não em vão todos consideravam lady Harcourt uma moça muito sensata. Tinha a cabeça firmemente plantada sobre os ombros e estava disposta a usá-la. Os dois podiam jogar o jogo do romance fictício, embora, para ela, a fascinação fora genuína. Talvez o senhor Cristofore tivesse encontrado uma rival de sua mesma talha!
—O que ocorre, senhor Cristofore? De repente, parece dolorido.
—Quem, eu?
—Ocorre algo?
A introspecção que o tinha embargado se desvaneceu. O desconcerto e a irritação, que tinham sido tão evidentes, ficaram mascarados, substituídos por seu sorriso encantador, cuja intensidade e ardor a fizeram arder. Que delicioso era gozar de sua atenção exclusiva! Sua confiança feminina cresceu de repente. Depois de umas poucas horas em sua companhia, seria uma mulher nova!
—Só a olhava —explicou— para estudar seus atributos faciais. Estou acostumado a fazê-lo. Incomoda-a?
—Não, de maneira alguma. Mas não estou acostumada a que me observem assim.
—Ninguém o está.
—É inquietante.
—Não se preocupe, vai acostumar-se.
—Estou segura de que o farei.
—Quer sentar-se? —assinalou o suave e incitante sofá.
—Certamente.
Dirigiu-se com aprumo ao sofá, disposta a sentar-se na borda com a atitude mais apropriada que uma dama pudesse adotar. Inclinou-se com as costas retas e as mãos cruzadas sobre o regaço, mas, quando finalmente se sentou, não conseguiu permanecer direita. O desenho do móvel a fazia reclinar-se, obrigando-a a se estender para não escorregar até o piso. E, é obvio, uma vez que ficou cômoda, ficou envolta pela opulência do luxuoso tecido, e não encontrou nenhum motivo para endireitar-se. Abandonou toda idéia de demonstrar compostura e se estendeu de flanco, apoiando um cotovelo em uma almofada. Seu comportamento despudorado lhe parecia muito natural. Em minutos seria capaz até de soltar o cabelo!
—Posso lhe oferecer uma taça de vinho?
Que loucamente romântico era estar encerrada com ele, bebendo elixires embriagantes em meio da tarde! Sem dúvida, devia ser precavida.
—Você beberá?
—Não. Adormece meus sentidos, e necessito que estejam afiados.
—Então, não.
—Está segura?
—Por completo.
Sustentou-lhe o olhar uma vez mais, antes de baixá-lo e percorrer seu peito, sua pélvis, suas pernas. Quando chegou a seus pés, empreendeu o caminho inverso, detendo-se em alguns pontos; seu olhar era tão evidente que lhe pareceu que a estava tocando. Deteve-se muito tempo em seus quadris e seguiu subindo. Ousado, atrasou-se em seu seio, julgando seu decote.
Decidida a não mostrar-se tímida nem abalar-se, suportou com valentia a silenciosa inspeção, renunciando a encolher-se ou ocultar-se. Que olhasse quanto quisesse, ela não se oporia.
Com meticulosa informalidade, ele estudou o tamanho e a forma de seus seios. Calculava seu peso e seu contorno, como se decidisse como os tocaria no futuro. Ela sentiu um ardor em suas partes íntimas e se retorceu no sofá, tratando de aliviar um pouco a intensa perturbação que a embargava.
—Está inquieta por avaliar-te com tanto detalhe? —seu olhar penetrante abandonou o peito e passou ao rosto.
Não queria parecer débil, assim que lhe devolveu o olhar com determinação. Estava decidida a que ele a comparasse com suas peritas amantes (pois sabia que tinham sido muitas) e que a considerasse amadurecida e mundana.
—Você tem um corpo fabuloso — assinalou ele com irreverência.
—Obrigada. — respondeu fingindo indiferença, como se receber tais elogios fosse algo habitual.
—Se verá formosa na tela.
—Me alegro de que assim o creia.
—Não acredito, sei.
Ante essa veemente afirmação, ela assentiu com a cabeça.
—Aceito sua perita estimativa de artista.
Gabriel riu com um som encantador, cativante, e Elizabeth se afundou mais no divã, pensando que lhe agradaria ficar ali para sempre, contemplando-o e ouvindo sua risada.
—Começarei fazendo uns esboços — sentia que o alagava uma poderosa energia, e tomou um tamborete, que colocou justo em frente dela— De cima abaixo. Da cabeça aos pés. Desde atrás, de adiante, de flanco. Devo capturar cada um dos aspectos que a fazem única.
Sem lhe dar ocasião de adiar o momento nem de refletir, dirigiu-se a toda pressa a uma prateleira e pinçou entre seus elementos de trabalho até extrair uma pasta cheia de folhas em branco e um grosso lápis de carvão. Retornou ao tamborete e o aproximou do sofá, de forma que, ao sentar-se, suas pernas tocaram as dela e os pés ficaram junto aos seus.
Seu comportamento era desavergonhado, mas o certo era que do primeiro encontro tinha atuado em forma pouco convencional e ela se habituava com rapidez a suas maneiras impertinentes. Não se parecia com nenhuma pessoa das que conhecia e adorava sua audácia. Entretanto, por mais que tivesse aceito sua perigosa proximidade mais fácil do que nunca tivesse suposto, não estava disposta a deixá-lo avançar.
Uma vez que ele dispôs seus materiais e apoiou a negra ponta do carvão sobre a cremosa folha, Elizabeth se aterrorizou. Quando sonhava estando a sós com ele, fantasiava com entusiasmo em contemplá-lo desenhar, pintar e trabalhar. Mas agora, a ponto de embarcar-se no assunto, os nervos a traíam. Não punha em questão sua habilidade. Ele reproduziria sem engano cada um de seus traços, de suas feições, de suas imperfeições. O homem tinha olho crítico, nada escapava a seu escrutínio. Mas como se veria ela? Em realidade queria sabê-lo?
Seu sorriso se desvaneceu, e Gabriel o notou imediatamente.
—Algum problema?
—Nenhum — mentiu ela.
—Não é certo, senhora — ele podia discernir seu estado emocional como nunca ninguém o tinha feito e ficou estudando-a, como se pudesse entender o que lhe ocorria com apenas olhá-la.
Por desgraça, estar em presença do artista desatava sentimentos desconhecidos por ela. Do encontro no teatro, Elizabeth tinha começado a experimentar uma sensação de desejo e culpa. Tudo o que tinha lutado por ocultar agora brotava sem controle. O senhor Cristofore se inclinou para ela com familiaridade. Seu rosto amável lhe inspirava confiança e sentiu um repentino desejo de lhe contar sobre os problemas que a afligiam.
—Pode confiar em mim — lhe assegurou— Nunca lhe contarei nada a ninguém. Juro-o.
—É tão difícil — se sentiu enojada ao notar que gaguejava e se ruborizava como se fora uma adolescente insegura, confundida por seu corpo recém desenvolvido. Sua atitude decidida fraquejou e cravou o olhar em seu regaço.
Gabriel posou uma mão sobre a dela com gesto tranqüilizador.
—Tem medo de como aparecerá no retrato?
—Sim — detestava que ele percebesse o que a turvava— Nunca estive muito de acordo com minha aparência.
Ao admiti-lo, elevou um pouco os olhos, ele a contemplava com o que parecia ser uma sincera compreensão e autêntico afeto. Mas mesmo que suspeitava que a expressão dele era ensaiada, seu coração se estremeceu ao pensar que, talvez, estava ganhando embora fora um pouco de sua estima. Se não se mostrava precavida, que presa fácil seria!
—Quero que recorde algo — lhe advertiu ele.
Gabriel a enrolava com uma voz tão suave que Elizabeth estava a ponto de lhe acreditar qualquer disparate que lhe dissesse.
—Tentarei.
—O tempo que passemos juntos criará um vínculo especial. Seremos amigos. Mais que amigos. Seremos confidentes, companheiros; é o que ocorre em sessões como estas. Florescerá uma relação pessoal. Não há por que opor-se lhe apertou brandamente os dedos; seu ar sincero insistia à confissão—. O que teme? Acaso não lhe disse uma e outra vez que é muito bela?
"Sim — pensou ela— mas não lhe acredito". Como não podia expressá-lo com palavras, admitiu:
—É que tudo é tão distinto. Estar a sós com você. Posar. Sinto-me um pouco inquieta.
—É normal. Mas me diga a verdade, dúvida de meu talento?
—Não — seu talento era o único fator do que não duvidava. Bastava olhar essa habitação para dar-se conta.
—Então, confie em que a retratarei tal qual é. Vamos obter-lo e lhe prometo que ficará encantada com o resultado — colocou a mão da moça sobre a dele; o branco de sua luva se via imaculado e casto sobre a pele escura de Gabriel— Me permita mostrar por onde começaremos. Assim se sentirá mais cômoda.
Seu polegar riscou lentos círculos sobre a palma da mão. Embora suas peles não se tocassem, o fino tecido apenas a protegia e o contato lhe produziu uma labareda que lhe subiu pelo braço. Uma fileira de pequenos botões fechava a luva em um flanco. Gabriel a tirou da boneca e desprendeu o primeiro.
—Permite-me? —passou ao seguinte antes que ela pudesse formular uma resposta, e, em questão de segundos, a luva já não estava em sua mão.
Não podia recordar quando tinha sido a última vez que um homem tinha visto sua mão nua. Sempre tinha considerado ridícula a proibição social das mostrar, mas obedecia ao mandato invariavelmente. Que excitante era vê-lo transgredir o proibido!
O artista a examinou com meticulosidade, percorrendo com a gema de seus dedos a delicada estrutura óssea. Esfregava e acariciava com insistência, até que ela sentiu cócegas e ardor em sua pele. E só porque ele a acariciava! O resto de seu braço estava protegido pela manga do vestido. Como seria descobrir mais pele? Como faria para suportar a agitação?
Tomou uma almofada e o deslizou no regaço dela para que apoiasse seu punho. Logo, posou ali a pasta e, com poucos e amplos traços, tão velozes que Elizabeth logo que pôde seguir seus movimentos, desenhou sua mão. A fez trocar de posição e voltou a desenhá-la uma e outra vez. Continuou até que as folhas, antes vazias, folhas tomadas de numerosas formas do corpo da mulher. Para o momento em que chegou a sexta folha, tinha delineado seu braço, depois seu ombro e seu pescoço. Ajustou sua postura com uma pressão sutil antes de continuar, incorporando um perfil de seu peito e de seu abdômen.
Hipnotizada e impressionada, observou os esbeltos dedos que empunhavam o carvão, o abundante e viçoso cabelo que lhe caía sobre a frente. Nunca tinha visto ninguém tão absorto em uma tarefa. Não era de surpreender que fosse tão hábil! Gabriel estava imerso em seu trabalho, apenas consciente da presença dela, havia algo elegante e divino em contemplá-lo.
Quando a retratou inteira, Elizabeth se viu obrigada a reconhecer que ele tinha razão: através de seus olhos, via-se muito bonita, bem formada, cheia de curvas e extremamente feminina.
Realmente a via assim? Que maravilhoso!
Desde muito longe, chegaram-lhe as badaladas de um relógio; suspirou. O encontro terminava, mas lhe parecia que tinha passado muito pouco tempo com ele. Já eram as quatro da tarde? Tão logo? A eficiente e confiável Mary já devia aguardá-la com impaciência na casa principal. Todas as horas que passasse com ele transcorreriam em uma piscada? Então, os agradáveis encontros seriam tão fugazes que, quando o retrato estivesse terminado, apenas se teria lembranças para levar-se.
Assim que o relógio bateu as quatro, o som penetrou nele. Olhou para a janela. Ofuscado e desorientado, perguntou:
—Já são as quatro?
—Sim — lhe agradou descobrir que o tempo também tinha passado depressa para ele.
—Sua amiga é pontual?
—Sim.
—Então, diria que devemos terminar por hoje.
—Acredito que sim — assentiu, voltando a entristecer-se por ter finalizado tão rápido.
Gabriel olhou com o cenho franzido a folha em que trabalhava. Os desenhos estavam pulverizados pelo piso e ao seu redor, olhou-os como se não os reconhecesse. Então, centrou sua atenção em um em particular, uma silhueta do torso dela, e o recolheu. Estudou o esboço, depois a Elizabeth, como se a comparasse com a obra.
—Que atraente é você! —opinou ao fim.
Entregou-lhe a folha, que ela estudou de maneira tão exaustiva como ele o fez. Era assombroso: via-se bonita e jovem, inocente e compassiva.
—Sinto-me adulada.
—Não vejo por que. No desenho, aparece tal como é — recuperou o esboço e o jogou junto aos outros— Você é muito severa consigo mesma.
—Possivelmente — reconheceu, assinalando a pilha de assombrosos desenhos executados com tão pouco esforço— Posso conservá-los?
—Ainda não. Devo estudá-los antes de começar a pintar.
Tinha a esperança de levar uma lembrança do mágico momento, mas ocultou sua decepção, recordando-se que haveria novos encontros, outras tardes que ela adoraria e enfeitiçariam como esta.
—Quando quer que retorne?
Enquanto Gabriel pensava o que responder, examinava-a com tal intensidade que se sentiu segura de que a convidaria a retornar ao dia seguinte, assim ficou completamente desconcertada quando o ouviu dizer:
—O que lhe parece na sexta-feira? Não tenho compromissos esse dia.
Dentro de quatro dias! Uma eternidade! Mas voltou a ocultar seu desgosto, tratando de ignorar o fato de que a espera seria um período vazio, cinza e estéril, em que não teria nada que fazer, nem responsabilidades das que ocupar-se. A próxima sessão se erigia como um farol em seu horizonte pessoal, o único ponto de luz em seu universo sombrio. A ansiedade com que esperava o evento não fazia mais que acentuar o penoso estado no que sua vida se afundou.
—Na sexta-feira está bem. Às duas?
—O que lhe parece a uma?
Uma hora mais!
—Maravilhoso. O que faremos?
—Seguirei com os esboços — dando por terminado o encontro, ficou de pé e a ajudou a levantar-se. - Na próxima vez quero que se vista de outra maneira.
—Desculpe?
—Preciso ver mais de seus braços. Também seu pescoço e suas costas.
Posou-lhe a mão sobre o ombro, massageando a parte carnuda por cima da omoplata, e se sobressaltou pela pressão que exerciam seus dedos. Nunca ninguém a tinha acariciado assim, nem sequer de menina, quando adoecia e o médico a examinava, de modo que era uma sensação desconhecida, mas também tranqüilizadora, e se perguntou como serias se a acariciasse em forma mais íntima.
—Entendo que é fevereiro —prosseguiu ele, interrompendo a massagem— mas não tem um vestido do verão disponível?
—Estão guardados no armário, mas é fácil se localizá-los.
Voltou a tocá-la. Sua mão direita recomeçou a sedutora massagem, mas a esquerda riscou o contorno de sua frente e de seu queixo, baixando até sua garganta, aproximando-se de seu peito, mas se deteve antes de acariciá-lo.
Elizabeth estava paralisada pela expectativa. Seu coração pareceu deter-se durante um longo tempo, deixou de respirar, esperando a que a mão seguisse baixando, mas não foi assim. Em troca, simplesmente moveu a mão para um lado, como se nunca tivesse tido outra intenção.
—Traga um vestido com as costas descoberta. Um que usaria para uma festa ao ar livre. Algo amplo e informal. É necessário enfatizar sua feminilidade.
—Como você diz.
Nunca lhe tinha emprestado muita atenção à cor nem ao desenho de seus trajes e os luxuosos vestidos de festa jamais tinham sido seu estilo, mas em sua mente já se formavam redemoinhos as perguntas a respeito do que seria o mais adequado de seu guarda-roupa. Furtivamente, jogou-lhe uma olhada a seu pardo vestido de dia. Cobria-a de pés a cabeça e, o que antes considerava funcional, agora lhe parecia opaco e próprio de uma solteirona. Talvez devesse pensar em comprar um novo vestuário.
—Até na sexta-feira, então. — a saudou com frieza.
—Até na sexta-feira —repetiu ela.
—Me permita que a escolte até a casa.
—Não, não faz falta. Já conheço o caminho.
Ao ver que ele se dispunha a insistir, dirigiu-se à porta, abriu-a e saiu a passo rápido, fechando-a a suas costas. Queria que sua última lembrança da sessão fora o do Gabriel agasalhado em seu sensual refúgio.
Na soleira, depois de abandonar o ar quente e sufocante e o exótico cenário, estremeceu-se. Uma grossa e fria gota de chuva lhe caiu na testa.
—Ah, retornamos à realidade — resmungou e notou que sempre dizia essa frase; é que a realidade se tornou insuportável. De repente, sentiu que se congelava, e se apressou a cruzar o jardim em direção à casa principal.
Já contava os minutos, as horas, que faltavam para a tarde da sexta-feira.
Capítulo 5
John Preston se dirigiu ao saguão onde Mary Smith aguardava lady Elizabeth.
Era evidente que a senhorita Smith se perguntava, inquieta, o que estariam fazendo exatamente sua amiga e Gabriel. Mostrou-se relutante em deixar sozinha à dama e John teve que recorrer a todo seu encanto para aliviar sua preocupação.
Ele mesmo estava sobressaltado ante a liberdade com que a distinguida dama tinha aceitado levar adiante a primeira sessão em privado. Apesar de sua reconhecida habilidade com as mulheres, em geral Gabriel devia deixar acontecer várias sessões antes que suas amantes em potencial se sentissem o suficientemente cômodas para posar sem uma dama de companhia. O surpreendente era que lady Elizabeth parecia muito ansiosa de estar a sós. Mas John não estava disposto a tirar conclusões apressadas. Nunca tinha compreendido às mulheres, a forma em que pensavam, nem seus motivos; por isso, graças a elas, tantas vezes se viu enredado em situações difíceis.
Era um verdadeiro galã, no sentido antiquado da palavra e, quase sempre, terminava por envolver-se nos problemas delas, em suas penas e tribulações.
Para ele, as mulheres eram o mais fascinante dos mistérios. Era estranho que alguma não lhe parecesse incrivelmente atrativa, à exceção dessa harpia com quem seu pai tinha pretendido obrigá-lo a casar-se quando tinha apenas dezoito anos. Seu mau caráter e sua natureza brusca lhe tinham produzido um feroz rechaço.
Com os anos, as reminiscências cobravam cada vez mais força e se encontrava pensando, nos momentos mais inesperados, naquela moça, e no deprimente episódio que seguiu logo depois de opor-se a essas bodas. O rechaço significou um terrível abalo para sua família, causou uma ofensa irreparável que o deixou sem um centavo, à deriva e longe de tudo o que conhecia e amava. Depois de ver-se ameaçado pela pobreza, primeiro, e deserdado, depois, protagonizou vários escândalos da sociedade daquela época; alguns dos senhores mais distintos e puritanos ainda recordavam indignados os romances ilegais, os duelos, as dívidas de jogo e as noites de vícios nas que se viu envolto.
Fugiu ao continente, expulso da Inglaterra pelos credores, a lei e algum ou outro marido ofendido. Como muitos dos jovens empobrecidos e desterrados da aristocracia inglesa que percorriam a Europa sem nada que fazer e nem meios de ganhar a vida tinha suportado penúrias e desastres.
Mas se não tivesse viajado a Itália, nunca teria conhecido a Selena, a mãe do Gabriel. Nunca se teria apaixonado loucamente, nunca teria arriscado tudo por estar com ela, nunca teria engendrado a esse filho carismático, talentoso e dinâmico. Na vida, sempre terá que escolher. Suas desditas o tinham levado a Selena, assim não lamentava nada do ocorrido, embora sim lhe preocupasse as conseqüências que tudo isso conduziria na vida do Gabriel.
Seu filho provinha de duas famílias nobres: uma italiana, outra inglesa. Mas nenhuma das duas o reconhecia, porque John nunca tinha podido casar-se com Selena. Ela já se casara com outro. Nenhum integrante de ambas as famílias tinha conhecido a Gabriel, e isso era exatamente o que John queria. Até onde sabia, nenhuma das duas famílias tinha um herdeiro. Seus três irmãos maiores já contavam entre cinqüenta e sessenta anos e careciam de descendência. As esposas dos irmãos da Selena não eram férteis. Gabriel era o único homem jovem, mas um vergonhoso bastardo, concebido no meio do pior dos escândalos. As lamentáveis circunstâncias de sua procriação asseguravam que todo vínculo com a linhagem de ambas as famílias tivesse sido rapidamente negado.
O que significava que podiam ir-se todos ao demônio. Para eles, Gabriel, esse moço maravilhoso, talentoso, extraordinário, era um mero exemplo de como os julgamentos errados e o comportamento tresloucado de John tinham arruinado sua vida. Mas John sentia justamente o contrário.
Tinha conhecido tanto amor e felicidade como poucos chegam a experimentar, tinha suportado turbulentas e penosas adversidades, tinha sobrevivido a horrível morte de Selena, brutalmente assassinada pelos homens de sua própria família, e, contudo, conseguiu seguir adiante. Ele e Gabriel, sós contra o mundo. Não se arrependia de nada, embora não lhe teria incomodado dispor de um pouco mais de dinheiro. Uma boa dose de dinheiro teria ajudado grandemente em todas essas desigualdades. Seus romances teriam sido mais fáceis de arrumar e Gabriel não se empenharia todo o tempo em melhorar suas finanças recorrendo a métodos duvidosos.
Embora o jovem assegurasse que persistia em suas perversas intrigas só porque desfrutava de uma boa fraude, ele sabia que seus motivos eram mais complexos. Seu ardiloso filho enganava a mulheres solitárias e crédulas, para ganhar uma "reparação financeira" que seu pai merecia em compensação por todas as penúrias que tinha tido que suportar.
Gabriel conhecia bem cada sórdido detalhe da triste e célebre descida de John à perdição, e considerava que cada uns deles era uma ofensa que devia ser reparada.
Quando John era jovem, seus inimigos se encarregaram de lhe criar uma reputação vergonhosa; ainda tinham boa memória e eram implacáveis. Em parte, o homem merecia um pouco de desdém. Mas não tudo. Agora, vivia em paz, afastado da sociedade, e não fazia nada por sossegar as vozes que tanto o condenavam pelo ocorrido anos atrás. Já não lhe importava o que pensassem outros, mas os desprezos e a censura ainda mortificavam a Gabriel. Não estava disposto a esquecer, pois lhe tinham arrebatado o que por direito lhe pertencia.
Entretanto, Gabriel se desforrava com as pessoas equivocadas. Por mais que John insistisse em que ele mesmo era responsável por muitos de seus problemas, seu filho perseverava em levar adiante suas diversas intrigas e, finalmente, o pai terminava por acessar e ser cúmplice delas. Como a que tinha lugar nesse preciso momento.
Aproximou-se da porta da sala e espiou a sua convidada sem que ela o notasse. Estava nervosa, e jogava furtivas olhadas ao relógio; era evidente que se preocupava com a Elizabeth. Seu trabalho, se assim podia chamar-lhe consistia em entretê-la, para que deixasse de alarmar-se. Não era questão de que retornasse a casa com contos. Em particular, quando o objetivo em questão era Elizabeth Harcourt, filha de seu antigo inimigo, Findley Harcourt, duque do Norwich.
Norwich era um imbecil, um pacato egoísta, um pomposo e arrogante infeliz que tinha maltratado terrivelmente a sua primeira esposa, Pâmela, a mãe de lady Elizabeth. John tinha sido seu amigo e, em uma agradável ocasião, inclusive tinha chegado a propor dar a Findley uma tremenda surra pelas graves falta que cometeu contra ela. O sujeito não tinha mudado. Isso era evidente, pois não lhe tinha conseguido marido a Elizabeth a quem, com segurança, tinha explorado e utilizado para seus propósitos; assim que sua relação com o Gabriel não podia mais que beneficiá-la. Mas não podia permitir que Mary Smith arruinasse a sacanagem antes sequer começasse.
Tinha gentil sua habilidade para o flerte e a sedução nas maiores cortes da Europa e era um professor da distração. Entrou na sala com passo grácil, acomodando-os punhos da camisa. Freqüentemente lhe haviam dito que, com seu encanto, era capaz de persuadir a uma árvore que se tirasse a casca, o qual era quase certo.
—Senhorita Smith, é um gosto tê-la outra vez por aqui.
—Olá, senhor Preston — começou a incorporar-se, mas lhe fez gesto de que permanecesse sentada.
—Nem lhe ocorra levantar-se, querida minha — lhe aproximou, dedicou-lhe uma atenta reverência e se levou sua mão a seus lábios, onde a manteve durante muito mais tempo do que permitia a decência— Que encantado voltar a vê-la tão rápido.
—O mesmo digo.
Deteve-se durante um instante para deslumbrá-la com um sorriso, feito para desarmar e apaziguar, mas quando seu olhar se encontrou com a dela, a surpresa que ele aguardava foi dele. Sua respiração se deteve, seu pulso se acelerou e advertiu que o que sentia era desejo sexual. Tinha passado tanto tempo da última vez que tinha ficado enfeitiçado por uma mulher que logo que recordava o que se sentia.
Ela era na verdade imponente, com seu cabelo loiro prateado pelas cãs e sua figura arredondada e voluptuosa. Era evidente que tinha sido uma beleza, e ainda o era; uma mulher excepcional que tinha amadurecido bem e que levava seus anos com refinamento e dignidade. Seus olhos excepcionais, de um azul profundo e hipnótico, revelavam sabedoria. Eram olhos que tinham visto o melhor e o pior da vida e, durante um fugaz instante, ele sentiu que tinha dado milagrosamente com uma alma gêmea, com alguém que, como ele, tinha seguido avançando sempre, apesar das penas e sofrimentos.
Mas isso era um disparate. Depois da tragédia de Selena, que sua atitude temerária desatou, não se permitia desfrutar de fantasias românticas. Era uma estupidez que só levava a dor e ao desastre.
—Desculpe-me por ficar olhando-a. Se incorporou com estupidez, sem lhe soltar a mão, até que se forçou a fazê-lo. Sentou-se na cadeira que estava justo frente a ela
—OH, não é nada. — o desculpou, passando por cima sua grosseria. Além disso, ela também o observava com atenção, como se compartilhasse a mesma estranha sensação.
Era possível que ela também o desejasse? Parecia perplexa e confundida ante a possibilidade.
—Cheguei cedo — se desculpou.
—Isso nos dá a ocasião perfeita de conversar.
—Em realidade, senhor Preston...
—Por favor, me chame John — a interrompeu, sentindo uma absurda necessidade de ouvi-la pronunciar seu nome.
Mary titubeou incômoda por essa amostra de familiaridade, mas inclinou cortesmente a cabeça.
—Como queira..., John.
—Posso lhe chamar Mary?
Uma vez mais, estudou-o, mas como não havia nada de indecente no pedido, assentiu.
—Suponho que seria aceitável.
—Bem, bem — respondeu ele, sem saber que mais dizer. O que tinha essa mulher? Sua presença o emudecia por completo.
Produziu-se um silêncio incômodo, ambos seguiram olhando-se e avaliando-se. Por fim, Mary quebrou o embaraçoso momento:
—Acredita que lady Elizabeth demorará muito?
—Não, estou seguro de que já quase terminaram — movendo-se em seu assento, percebeu com assombro que sentia as calças incomodamente ajustadas. Estava-se excitando, só por estar perto dela! Exalou muito lentamente— Apesar da tendência do senhor Cristofore à excentricidade, é pontual. Encarrego-me de que assim seja.
—De modo que a sessão deveria concluir às quatro em ponto?
—Às quatro em ponto —prometeu ele, o qual, possivelmente, resultasse uma mentira—. Quer que vamos ver como vai? —convidou-a, embora o certo era que não tinha intenção alguma de lhe permitir que se aproximasse do estudo.
Embora fosse a primeira sessão, era impossível saber com o que podiam chegar a topar-se na sensual cabana. A fim de contas, lady Elizabeth era uma mulher formosa e encantadora, e Gabriel, um homem arrumado e viril. Levavam quase três horas a sós; podia ter ocorrido algo.
Nesse preciso instante, entrou a donzela com a bandeja de chá. Depositou-a sobre uma mesa e se retirou.
—Que tarde triste — observou ele— Vamos nos aquecer antes de ir, o que lhe parece? —dedicou-se a lhe preparar uma taça de chá a Mary, sem voltar a mencionar sua proposta anterior.
Quando a alcançou, seus dedos se tocaram e seus olhares se voltaram a encontrar; ele ficou imobilizado por essa armadilha visual, paralisado por sua expressão sagaz. O fogo crepitava no lar, uma chuva glacial golpeava a janela. Ele poderia haver ficado toda a eternidade no acolhedor salão, contemplando-a e sentindo como o percorria seu agudo olhar.
Mary rompeu o contato sentando-se no sofá e sorvendo a bebida quente. Deixou-o confundido ao lhe perguntar com voz firme:
—Há algum motivo pelo que você não quer que eu visite o estúdio do senhor Cristofore?
—Por que deveria o ter?
—Diga-me isso você.
—Se o que a preocupa são as intenções do senhor Cristofore, posso lhe assegurar que...
—É seu filho, não? —interrompeu-o ela— Por que fingem que não estão aparentados?
Gaguejou e balbuciou incapaz de responder com coerência. Não havia uma maneira simples de explicar o perdurável amor que Gabriel e ele sentiam por Selena, nem a necessidade de seu filho de honrar a memória de sua mãe. Ambos se consideravam responsáveis por sua morte prematura. John, por havê-la arrancado de sua desventurada vida matrimonial e enfurecer a seus irascíveis parentes; Gabriel, por ter nascido. Sua existência mesma tinha sido o motivo que precipitou o assassinato de sua mãe.
—É tão evidente que é seu pai — assinalou— Não insulte minha inteligência negando-o.
Baixou o olhar, sentiu-se estúpido. Não tinha sentido defender o indefensável. Essa mulher não era tola. Sem maior entusiasmo, esclareceu:
—Para não ter que dar explicações.
—E o que é o que terá que explicar?
Não tinha intenção de entrar nos dolorosos detalhes, assim simplesmente assegurou:
—Gabriel nunca lhe faria mal à lady Elizabeth.
—Há distintas maneiras de fazer mal, John — o insistiu ela em tom amável— Entende a que me refiro?
—Sim, entendo-o.
—Lady Elizabeth foi criada em um ambiente muito protegido. A um cavalheiro desonesto não custaria nada abusar-se dela.
—Compreendo.
—Seu filho parece muito... mundano.
—É-o.
—Elizabeth é importante para mim. Conheço-a desde que era um bebê. Teve uma vida difícil, em especial, nos últimos meses. Não quero que seja maltratada. Por ninguém. —Titubeou durante um instante antes de acrescentar:— Seu filho a fará feliz?
—Sim, assim é.
—Jure-me isso.
—O juro.
Ela assentiu com a cabeça, aceitando seu compromisso, mas a ameaça era evidente: se Gabriel fazia algo que machucasse lady Elizabeth, Mary interviria. Seria uma catástrofe! Sentiu uma incontida curiosidade pela relação entre elas, que, conforme lhe acabava de dizer Mary, prolongou-se durante toda a vida da Elizabeth.
— Você é uma amiga de lady Elizabeth?
—Eu? Por Deus, não. Sou sua empregada. Sempre fui governanta da casa, mas não que...
—Você é o ama de chaves do conde do Norwich? —Estava espantado e esqueceu suas boas maneiras—Então, também é sua... —não se atreveu a prosseguir.
—O que é que sou? —perguntou com expressão severa.
John não tinha tido intenção de referir-se ao conde, tampouco queria revelar a confidência que décadas atrás lhe tinha feito Pâmela, a primeira esposa dele, mas tinha ficado assutado ao inteirar-se da identidade de Mary: uma destruidora de lares, uma qualquer, uma desavergonhada. Quando por fim encontrava uma mulher com quem tinha uma poderosa afinidade corporal, esta resultava ser pouco mais que uma prostituta.
—Nada — disse, recuperando a compostura. O que tinha ocorrido com suas maneiras? Apesar de seu temperamento aventureiro, ainda era um cavalheiro— Desculpe-me. Saí do limite.
—Sim, assim foi — repôs ela com aspereza.
Claramente furiosa, ficou de pé. Ele a imitou. Mary avançou pelo vestíbulo, disposta a irromper na cabana e resgatar a sua empregadora, mas a aparição da Elizabeth lhes economizou a embaraçosa cena. A via eufórica e cheia de energia, com o ânimo trocado, evidentemente algo tinha acontecido. Um abraço, possivelmente? Um beijo ardente? Sem dúvida quereria assistir a outra sessão, mas o permitiria Mary Smith? Que influência tinha a ama de chaves sobre a nobre? E, dada as recentes bodas do conde, como seguiria a relação entre eles? Continuaria ocupando esse lugar tão íntimo que despertou todo tipo de falatórios?
—Lady Elizabeth — disse, resolvendo o momento de perigo— espero que a sessão tenha ido bem.
—Foi maravilhosa — respondeu, animada — O senhor Cristofore é um artista fabuloso.
—É seu filho, Elizabeth — acusou Mary, cáustica.
—O que?
—Seu verdadeiro nome é Gabriel Cristofore Preston. O senhor Cristofore é filho do senhor Preston — Mary o fulminou com o olhar. Já não havia admiração em seus olhos, só desdém e desprezo— É só uma sacanagem que fazem a mulheres despreparadas.
—Mary... —tentou explicar, sentindo-se horrivelmente mal.
—Senhorita Smith para você!
A jovem estava tão eufórica, e seus sentimentos, tão alvoroçados, que não compreendeu a importância da revelação da Mary nem seu desgosto contra John. Em tom amável, comentou:
—Bem, pois, seu filho é um artista fabuloso. Apenas posso esperar à próxima sessão.
—Necessitam-me na casa, milady — observou Mary—O chofer espera na porta. Vamos? —manobrou com eficiência a Elizabeth e a conduziu para a porta, onde o mordomo lhes alcançou suas capas. Quando John fez gesto de as acompanhar até a carruagem, jogou-lhe um olhar depreciativo por cima do ombro.
—Não necessitamos sua ajuda, senhor Preston. Podemos encontrar a saída.
Ele se deteve na soleira do vestíbulo, as vendo partir e lamentando a forma em que tinha dirigido a situação. Que efeito teria sua estupidez nos planos do Gabriel? Teria arruinado todo o plano com sua imprudência? Ou, mais importante até, como poderia reconciliar-se com a Mary logo depois de semelhante tropeção?
Charlotte Harcourt, condessa do Norwich, olhava-se ao espelho, fazendo uma última revisão de seu penteado e seu vestido.
O vestido azul estava desenhado na moda e acentuava quão pouco desenvolvidos eram seus seios. Ajustou-se o objeto, puxando o espartilho para ver se conseguia fazê-lo avultar um pouco. O colar de diamantes, que o conde lhe tinha obsequiado como presente de compromisso brilhava sobre seu peito, refletindo a espetacular virada que tinha dado sua vida. Girou para um lado e ao outro, examinando-se de todos os ângulos.
—Preciosa — lhe atirou um beijo a seu reflexo.
Com seu reluzente cabelo loiro, que se erguia em um alto penteado e seu rosto delicadamente colorido pela maquiagem, luzia majestosa, como correspondia a uma das mais importantes mulheres do reino, que se dispunha para jantar com seu ilustre marido.
—Me olhem agora, idiotas — murmurou, pensando nas dúzias de outras moças que tinham aspirado a casar-se com o conde. Mas ela tinha desejado ser uma condessa com mais afinco, e ali estava.
Muitas de seus antigas rivais ainda estavam verdes de inveja, em especial as que não se casaram e que agora se consideravam condenadas ao celibato. Seu ressentimento era tal, que pulverizavam rumores sobre suas bodas com o conde: Ela, a filha de um simples barão— tinha conseguido ascender a escala social, aproveitando-se de sua beleza de tal maneira que ele nem se preocupou em avaliar a quantia de seu dote. Chegavam ao extremo de asseverar que, em realidade, o conde só tinha pressa por casar-se, sem importar a quem desposasse. Segundo essa versão maliciosa, ele se teria conformado com qualquer moça e que, como ela se mostrava mais interessada que as outras, a decisão tinha sido fácil.
Bom, tinha ganhado todas. Além disso, como estava acostumada a dizer sua mãe, o nível de suas fofocas era diretamente proporcional ao de suas mesquinhas invejas, assim que ela não tinha por que atormentar-se pelas histórias que difundiam. Entretanto, doía-lhe dar-se conta de quantas pessoas ambiciosas e ressentidas havia no mundo. Havia tantos que invejavam sua boa fortuna que ela tratava de não desfrutar-se por sua ascensão, mas, para falar a verdade, quem podia pretender que uma moça ocultasse o que se ganhou à força de planejamento e trabalho duro?
Casou-se com um dos homens mais ricos e respeitados do reino. Acotovelava-se com os venerados chefes do governo e da indústria. Se até o príncipe regente se fazia aconselhar e assessorar pelo conde! Todos o honravam, elogiavam, adulavam e procuravam seu favor. E ela era sua esposa. Sua condessa. A mulher mais bela e deslumbrante de toda Londres, o que fazia até mais difícil compreender por que não tinha sido bem-vinda na alta sociedade. Do momento mesmo em que se anunciou seu compromisso, deveria ter sido catapultada ao topo da escala social como convidada de honra em jantares, veladas musicais e chás, nos melhores bailes e festas. Mas a ignoravam constantemente.
Ao começo, sentiu-se desconcertada. Logo, ferida. Morta de raiva. A única conclusão a que podia chegar era que a apartavam deliberada e intencionalmente. Sua mãe insistia em que, agora, já deveria estar estabelecida como a principal anfitriã de Londres. A cidade inteira teria que falar de seus jantares e todos deviam esforçar-se por que os convidasse. Mas o certo era que apenas se chegava a reunir suficientes convidados para ocupar todos os lugares de sua mesa.
Um brilho malévolo apareceu em seus olhos. Era todo culpa da Mary Smith. A ineficiência da incompetente ama de chaves já tinha arruinado três banquetes. Elizabeth também era culpada, por resistir aos intentos de Charlotte de despedir à inepta. Quem se acreditava sua enteada para dar ordens? A casa já não lhe pertencia, mas ela se negava a aceitá-lo.
Se tão só Charlotte obtivesse que o conde escutasse suas queixas! Uma vez, por um breve instante, tinha tratado de tirar o tema da demissão da ama de chaves, mas o conde a tinha interrompido, arreganhando-a em forma brutal. Cada vez que recordava como a tinha humilhado, estremecia-se. Era um assunto vital para seu bem-estar, mas ele não a defendia. Lhe teria gostado de lhe dizer o que pensava de todo o assunto, mas sempre se continha, pois, embora detestava admiti-lo, tinha-lhe medo a seu marido.
Era tão velho, tão corpulento, tão intimidante! Exsudava poder e autoridade e os exercia de uma maneira aterradora. Seu mau caráter era legendário e usava o desdém como arma letal, fazendo uma e outra vez que ela se sentisse como uma menina de dez anos, indefesa e que a ninguém importava. Detestava que lhe faltasse o respeito assim, mas o que mais odiava era o que o fazia quando a visitava em seu dormitório de noite.
Sua mãe lhe tinha advertido o que ocorreria no leito nupcial, mas, mesmo assim, escandalizou-se; as incursões noturnas do conde lhe causavam um profundo rechaço. Estremeceu-se ao recordar as degradações às que a submetia diariamente. Trazia um abajur, que mantinha acesa; a fazia despir-se a obrigava a tocá-lo, a dar-se volta, a fazer coisas asquerosas com as mãos e a boca. Mas sabia qual era seu dever e o cumpria sem queixar-se. Como lhe tinha explicado sua mãe: era o preço que devia pagar por todo o resto, mas a obsessão dele com as relações maritais certamente voltava difícil lhe falar de maneira educada durante o dia.
Se ao menos ficasse grávida! Durante os últimos seis meses, entregou-se a ele cada noite, mas sua esforçada submissão não conseguia fazê-la conceber nenhum menino.
Cada mês que passava, o conde se mostrava mais aborrecido; não deixava de lhe recordar sutilmente que não estava cumprindo com a única obrigação do matrimônio. O que mais lhe afligia era que outros começavam a opinar o mesmo. Podia advertir as olhadas compassivas do pessoal, ouvir os sussurros de quem se dizia seus amigos. Sempre que ia visitar algum lugar, as pessoas lhe lançava olhadas a seu ventre e ela desejava lhes gritar que a deixassem em paz. Estava fazendo tudo o que podia! Em todos os aspectos!
Se só pudesse lhes arrebatar o controle da casa a Mary Smith e a Elizabeth! Traria sua mãe do campo, para que lhe desse bons conselhos para atuar em sociedade e fiscalizar à servidão. Quando sua mãe chegasse, todos entenderiam em pouco tempo que não estava brincando.
O relógio deu a hora e, como levava quarenta e cinco minutos de atraso, decidiu baixar. O conde e Elizabeth já se estariam impacientando por sua demora.
Era certo que seu marido lhe dirigisse a palavra, assim que o atraso era uma técnica segura de ganhar sua atenção. Quanto a Elizabeth, ao Charlotte adorava irritá-la e chateá-la. A pontualidade era uma das virtudes inalteráveis de sua enteada e Charlotte se ocupava de que o jantar se adiasse sempre, só para mortificá-la.
Deixou o dormitório e caminhou até o patamar, medindo com cuidado cada um de seus passos para que parecesse que baixava flutuando pela curvada escada. Aproximou-se do vestíbulo com passo sereno. A porta estava entreaberta e se sentiu muito ofendida ao comprovar que não havia nem sequer um criado aguardando para anunciar sua chegada: tinham-lhe arruinado sua majestosa entrada. Sob a lamentável administração de Mary Smith, o pessoal era uma desgraça. Os serventes eram pouco mais que caipiras que deveriam ser expulsos para que se buscassem a vida nos vis bairros onde se criaram. Bom, já se ocuparia do assunto. Por agora, deixou de franzir o cenho e adotou uma forçada expressão de calma ao entrar em salão.
—Desculpe meu atraso, milord, só estava...
O recinto se achava vazio. Não a estavam esperando. Não se atreveriam a jantar sem ela! Ou sim? Furiosa, foi em pontas de pé até a porta entreaberta que dava sala de jantar. Espiou pela fresta: tampouco havia ninguém ali, exceto um criado que vadiava junto ao aparador.
Escapulindo ao vestíbulo notou com alívio que nenhum de seus ociosos empregados a estava espreitando. Deslizou-se para a parte traseira da casa e subiu, sem que ninguém a visse, as escadas que levavam a terceiro piso, onde havia um quarto de hóspedes pela que passava, convenientemente, o cano de uma estufa. O prático conduto transmitia todo tipo de conversas interessantes. Uns dias depois de suas bodas, topou-se por acaso com ele no transcurso de uma de suas explorações. O descobrimento lhe tinha resultado útil em muitas ocasiões.
Elizabeth e seu pai deviam estar na biblioteca, o precioso refúgio do conde, onde sua nova esposa tinha sido proibido de entrar. Logo que atracou à sombria mansão, seu marido lhe informou que tinha o acesso proibido e ela sempre o tinha obedecido. Mas Elizabeth sim entrava e o desprezo fazia que Charlotte se sentisse ardendo de humilhação. O conde e sua filha desapareciam nessa câmara reservada quando queriam falar em privado e, em geral, Charlotte era o principal tema da conversação.
Fechou a porta com sigilo e se apoiou contra a parede, procurando o ponto exato de onde escutar melhor. Ouviu umas vozes que subiam pelo conduto.
—... não sei se poderei suportá-lo muito tempo mais, pai —se queixava Elizabeth, e Charlotte apertou os punhos—, sua conduta se volta mais escandalosa com cada dia que passa.
—Só é uma menina —replicou o conde, exasperado, e Charlotte se enfureceu. Detestava que a menosprezasse!— Não posso entender que não tolere seus caprichos e sua frivolidade. Aprende a te levar bem com ela.
—Não se trata só de mim, mas sim de toda a casa.
Produziu-se um comprido silencio antes que o conde replicasse com aspereza:
—Já te disse que não darei ouvidos a essas recorrentes queixas. Os problemas domésticos não me concernem. Vocês, as mulheres, devem aprender a resolver seus próprios assuntos e...
—O outro dia tratou de despedir a Mary outra vez.
—Fez o que? —sua ira se sentiu por todo o salão e provocou que Charlotte se endireitasse.
—Intervim e não o permiti.
—Qual foi o motivo?
—Não gostou de como estavam cozidos os ovos de seu café da manhã.
—Mary... está bem?
—Sim, mas tampouco ela pode suportar muito mais. Advertiu-me que procurará um novo emprego.
Charlotte não pôde conter seu regozijo. O conde era inflexível quando defendia a Mary, apesar de sua conduta insolente e sua administração defeituosa. Que bom seria que se fora por própria decisão! Sua Partida solucionaria muitos problemas.
—Imagino que a terá dissuadido.
—por agora, mas não sei se conseguirei fazê-lo uma segunda vez. Passou toda sua vida conosco. Não tem por que suportar suas faltas de respeito.
A ira do Charlotte se voltou até mais intensa. Como podia o conde lhe permitir a Elizabeth comentários tão insolentes! Deveria mandá-la a açoitar por menosprezar a sua condessa! Mas, em troca, ignorava por completo a ousadia de sua filha e só se preocupava com a Mary Smith, sua rival.
—Já adverti a Charlotte que desistisse —informou ele— e deixei claro a Mary que não aceitarei sua renúncia.
—Se estes disparates continuarem, duvido que sua opinião importe a Mary no mais mínimo.
—Já o veremos!
—Deixa-a partir — rogou Elizabeth— Me deixe partir também. Compra uma casinha, não necessito nada luxuoso, e me levarei a Mary comigo. Charlotte poderá administrar a casa como melhor lhe pareça e não lhe incomodaremos mais.
—Nunca foi uma moléstia e não poderia prescindir da Mary. Sabe.
—Por favor, pai. Isto não pode seguir assim.
—Não é para tanto.
—E como sabe? Se nunca esta aqui para observar sua conduta!
—Já me fartei desta discussão. Não permitirei que vivas sozinha, como se fosse uma mulher de má reputação. Toda Londres falaria de nós. Seria um escândalo.
—Mas já não pertenço a este lugar!
—Se tanto quer uma casa para ti, talvez devesse procurar um marido.
—Para que? Para viver desventurada como você?
Charlotte fervia de ressentimento. Suas bodas com o conde era o maior de seus lucros. Como ousava Elizabeth menosprezá-la?
—Não seja impertinente — replicou, irado, o conde. Produziu-se um prolongado intervalo, enquanto ele, evidentemente, aguardava um pedido de desculpas. Mas não chegou. Charlotte imaginava, frente a frente, furiosos, obcecados— A discussão chegou a seu fim — anunciou o conde em tom terminante— e não voltarei a escutar suas queixas. Nem me mencione o tema. Tive um dia difícil e quero jantar de uma vez. E pretendo fazê-lo em um prazenteiro silêncio. Não tolerarei mais cenas.
Vários minutos depois de que o conde e sua filha abandonassem a biblioteca, Charlotte ainda permanecia encolhida junto ao conduto da estufa, refletindo sobre o que acabava de ouvir. Elizabeth e o ama de chaves estavam ressentidas e decididas a escavar seu mandato, a debilitar sua autoridade acusando-a ante o conde. Muito bem, ela não se dobraria ante seus queixa nem suas críticas. Ela era a condessa e ambas necessitavam que lhes recordassem quem era a verdadeira soberana do lugar.
Faria que partissem. Imediatamente. Primeiro, Mary Smith. Logo, Elizabeth. Não as toleraria em sua casa e tomaria medidas necessárias para assegurar-se de sua rápida partida. Ao parecer, ambas estavam ansiosas por irem-se, assim, com um pouco de astúcia, poderia obter que o fizessem sem maiores problemas. Mas qual era a melhor maneira de começar?
Capítulo 6
—Solte o cabelo.
Elizabeth ficou olhando como se lhe acabasse de brotar uma segunda cabeça.
—O que?
—Já me ouviu.
Que bela era! O vestido rosado, com sombrinha, sapatos ligeiros e luvas o tom que ela tinha selecionado para a sessão vespertina, coincidia exatamente com o estilo que ele mesmo teria escolhido, se o tivessem permitido. A viva cor realçava seu cabelo deslumbrante e seus lábios de rubi. O decote descobria seus ombros e seus braços. Atava-se ao corpo, enfatizando seus túrgidos seios, antes de abrir-se em uma vaporosa saia que enfatizava os quadris arredondados e as longas pernas. Parecia recém chegada de uma luxuosa festa ao ar livre, dessas que organizava a nobreza para entretê-los nos dias de verão.
Levava um chapéu de palha com aba larga e uma fita verde amarrada sob o queixo. Uma bandagem do mesmo tom, atada em um grande coque que lhe caía pelas costas, rodeava seu esbelto talhe, acentuando até mais suas generosas curvas. Os metros de cinta cor esmeralda intensificavam o verde de seus olhos.
Quando lhe sugeriu que usasse algum objeto festival para o seguinte encontro, em realidade não acreditava que fora fazê-lo. Parecia tão imersa na etiqueta que supôs que lhe levaria semanas vencer suas inibições e começar a vestir-se com mais graça. O opaco e funcional traje marrom que estava acostumada a vestir tinha desaparecido. Jovem, bela e atrativa, converteu-se em uma mulher totalmente distinta. Era assombroso o que podia fazer uma mudança de vestuário.
—Solte o cabelo. — repetiu.
—Não estou segura que seja apropriado.
—Faça-o por mim.
Ansiava ver seu cabelo solto e livre. Nas passadas noites tinha divagado com ele, imaginado sua textura aveludada, fantasiado até onde lhe cairia. Em sua mente, percorria-o com os dedos, embriagava-se com seu aroma, roçava as suaves mechas com as bochechas.
—De acordo. Farei-o.
Ele suspirou quando seus gráceis e cuidadosos dedos se levantaram para desatar languidamente o laço que tinha sob o queixo. Tirou o chapéu pela aba, e tirou os pentes que prendiam seus cabelos. Enquanto o fazia, o espartilho lhe rodeou contra o peito, tentando-o com a cremosa pele que deixava ao descoberto.
Imaginou como seriam seus mamilos. Deviam ser alargados e eretos, com aréolas rosadas que contrastariam com o branco de seus seios bem formados. A imagem era tão estimulante que seu sangue fluiu para seus quadris, inflando seu membro de maneira obscena. Incômodo, excitado, aflito pela prontidão com que ela o avivava, ocultou-se depois das prateleiras onde guardava seus cadernos.
Ali, fingiu mexer entre seu equipamento, e aproveitou o momento para acalmar suas ânsias. Elizabeth tinha uma incomum capacidade de excitá-lo e ele não estava acostumado a isso. Se só pensar nela tinha esse efeito sobre ele, o que ocorreria quando sua relação se voltasse física? Como suportaria o contato de seu corpo sem enlouquecer de prazer?
Perturbado por essas reflexões, transtornado por ela, sufocou o desejo que o envolveu ao ver que bela estava. Olhava-o com tanta inocência que parecia disposta a fazer algo que lhe pedisse. Se soubesse dirigir a situação com astúcia, poderia persuadi-la a cometer muitos atos pecaminosos. Estava preparada. O receio que tinha demonstrado a primeira vez tinha desaparecido. Poderia convencê-la de fazer algo, mas, pela primeira vez, não queria fazê-lo. Sentia-se um rufião, um miserável por enganá-la para seus vis propósitos.
A só idéia de aproveitar-se dela era desagradável. Sua habitual inclinação à sedução e ao proveito econômico tinha ficado esmagada. Havia algo nela, seu ânimo tranqüilo, possivelmente, que o intrigava e atraía. Percebia que era diferente de todas as mulheres que tinha conhecido até então. Envolver-se com a Elizabeth era um presente que devia ser entesourado, um prêmio; ela merecia algo melhor que ser enganada por um descarado como ele. Vendo como seus incríveis seios se amoldavam ao vestido, adivinhando os mamilos que se erguiam sob o tecido, teve que aceitar que tinha sido ferido com um dardo de amor e que Elizabeth se entregaria por completo a ele. Ter uma relação com ela seria maravilhoso.
Ela se movia com muita lentidão, e ele, sem poder suportar mais o suspense, lhe aproximou e, localizando-se detrás dela, apartou-lhe as mãos.
—Me permita que a ajude.
—Você é muito impaciente.
—Quando se trata de você, não posso evitá-lo.
Para esta sessão, ele tinha colocado um tamborete no meio da cabana. A moça estava sentada tratando de manter o equilíbrio. Ao voltar-se um pouco, balançou-se. Gabriel se inclinou para sujeitá-la e essa posição mais íntima fez com que ela ficasse apoiada contra ele. Apenas se pôde evitar estreitá-la contra si, apertar-se contra ela para aliviar a tensão de seu membro. Ficou deleitado ao ver que a jovem não se separava de um salto, embora suas sobrancelhas se franzissem com preocupação. Olhou-o surpreendida pela descarga elétrica que ambos sentiram quando seus corpos se tocaram. Se ele entendia essa nova sensação, seguramente ela devia estar absolutamente perplexa.
—Como pode ser que lhe deixe tomar tantas liberdades comigo? —perguntou, relaxando-se de modo em que os corpos de ambos ficaram ainda mais unidos— Por que não me parece mal que me toque?
—Porque temos uma afinidade muito particular.
—Sim, assim é. Mas por quê? —girou no tamborete. Agora, apoiava uma perna na dele e lhe punha a mão na cintura. — Faria sem titubear algo que me sugerisse. Se soubesse que classe de pessoa sou, se entendesse como é meu ambiente, de onde provenho...
—Sim que o entendo.
—Então, se dará conta de quão incomum é para mim estar aqui. Meu comportamento é tão estranho, tão pouco próprio de mim.
Suplicava-lhe que o explicasse, mas o certo era que tampouco Gabriel entendia muito a respeito da química secreta que os atraía.
—O que está ocorrendo aqui não tem nada de estranho — riscou com dedo um caminho da maçã do rosto até o queixo. Sua pele era suave como a seda, e ela ronronou e se estendeu como um gato que pede uma carícia.—Às vezes, simplesmente se desenvolve um magnetismo entre um homem e uma mulher. A primeira vez que a vi, essa noite no teatro, senti que havia uma conexão especial entre nós.
—Eu também.
—Foi como se você me atraísse ao seu lado. Sei que a escandalizei quando lhe dirigi a palavra, mas não me aproximar de você me teria resultado tão impossível como deixar de respirar.
—Quando partiu, senti-me muito sozinha, como se o mundo tivesse menos brilho.
—Também me senti assim.
—E desde esse momento, não pude deixar de pensar em você.
Ele sorriu com amargura; teria que estar celebrando a facilidade com que avançava a relação, mas o certo era que estava desconcertado. Nenhuma de suas conquistas tinha começado com tanta pressa, nunca uma mulher se mostrou tão disposta a passar à etapa seguinte com tanta facilidade. Ela estava preparada, entusiasmada.
—Sempre nos sentiremos assim?
—Suspeito que sim.
Até esse momento nunca tinha sentido para uma mulher uma atração que aumentava com o correr das horas. Percebeu que estava a ponto de envolver-se em algo mais que uma simples aventura e decidiu ser mais precavido. Como faria ele, o mais consumado dos rufiões, para lutar com essa situação? As relações duradouras não lhe interessavam. A lealdade e o compromisso intenso eram absurdos.
Se tivesse alguma dúvida, não tinha mais que recordar a história de seus próprios pais. O amor eterno era uma fantasia, uma desculpa que se usava para justificar os transbordamentos passionais; além disso, segundo sua experiência, a paixão terminava por extinguir-se. Em forma rápida e inequívoca. Seu pai lhe dizia que era um implacável pessimista, carente de romantismo; Gabriel se considerava um realista atento aos fatos, que nunca perdia de vista seus objetivos permitindo que o ardor ou o carinho o cegassem.
Elizabeth Harcourt o obrigava a questionar suas arraigadas crenças. Embarcaria em uma relação incontrolável? Acaso era possível que um homem como ele pudesse apaixonar-se? Experimentaria ao fim a classe de relação que destroçava a alma, que tinha levado a seus pais até a loucura por sua frenética compulsão de estar juntos?
A idéia o aterrorizava e a separou de sua mente. Lady Elizabeth era um objetivo, uma conquista, ao igual às dúzias de outras mulheres que tinham passado por seu estúdio ao longo dos anos. Tinha um notável efeito físico sobre ele, mas não era mais que um fim, e Gabriel sabia, por experiência, que os apetites sexuais podiam ser dirigidos. Entretanto, detestava que ela o obrigasse a questionar as certezas que regiam sua vida. Farto de tediosas especulações, decidiu retornar ao que melhor fazia: a sedução.
Voltou a se localizar-se detrás dela, tirou-lhe o último pente de prender cabelo de um puxão, e a pesada massa de cabelo ficou livre. As brilhantes mechas emolduravam seu corpo, caindo até por debaixo de suas nádegas.
—Seu cabelo é magnífico.
—Você é o único homem que o viu solto.
—Me alegro.
Gabriel tomou um pequeno tamborete e o colocou justo detrás dela. Sentou-se com as pernas separadas, de modo que seu corpo rodeava parcialmente ao da mulher. Envolveu-a com suas coxas e seu membro pulsante ficou apenas a uns centímetros do traseiro dela, a proximidade era excitante, perturbadora. Apoiou seu peito nas costas da jovem. Elizabeth se estremeceu e ele enlaçou sua cintura com os braços, incitando-a a reclinar-se.
—vou tocar seu cabelo. — lhe explicou— Quero descobrir sua textura. Não tenha medo.
—Não o tenho.
—Melhor assim. '
—Simplesmente não estava pronta para... tanto, tão rápido.
—Sei. Isto é muito novo para você.
—Se for por mim, não se detenha — lhe disse olhando-o aos olhos e ele voltou a perceber que ela conhecia suas intenções, que já tinha deduzido que as sessões não seriam só de pintura.
Concentrou-se em sua boca, nesses lábios úmidos que o enfeitiçavam. Sentia sua respiração morna contra a bochecha, seus penetrantes olhos verdes o olhavam maravilhados, espectadores. Se ele se atrevesse, a beijaria. Era evidente que ela o ansiava; mas, de repente, preferiu esperar um pouco mais antes de descobrir o que sentiria ao beijá-la. Sem dúvida, seria maravilhoso. Desejaria fazê-lo uma e outra vez, até que fosse impossível deter-se, e a perspectiva o aterrava. Tornar-se tão insaciável podia levar a um homem à ruína.
Rodou a cabeça da jovem para que ficasse olhando para frente; não queria tentar-se com essa voluptuosa boca, com esses olhos penetrantes, e se dedicou à tarefa, mais inofensiva, de explorar seu cabelo. Penteou-o com os dedos, separando suas mechas, elevando-o e deixando-o cair como uma cascata mogno, provando sua flexibilidade. Inalou o perfume do sabonete, o aroma de sua pele.
Ela suportou a investigação com estoicismo, inclinando a cabeça ou o pescoço para que visse melhor sua cabeleira e a tocasse com mais facilidade.
—Farei uns esboços por atrás. —Ao ouvir essas palavras, ela se estremeceu de novo. A pele lhe arrepiou.—Eu adoro esse vestido. Tinha a esperança de que escolhesse exatamente um desse tipo.
—Foi difícil escolher sem saber qual gostaria.
—Parece que sabia. — Sua perspicácia o turvava. Como fazia para discernir com tanta precisão seus gostos e preferências? Não queria que o entendesse tão bem!— A cor e o estilo são impecáveis. Acentuavam seus atributos à perfeição.
Enquanto falava, pousou-lhe as mãos sobre os ombros, massageou-a com suavidade, insistindo-a a soltar suas tensões acumuladas e aceitar as carícias. Quando sentiu que os músculos se afrouxavam, deslizou sua mão até chegar ao bordo do decote; baixou o vestido apenas, descobrindo um pouco mais seu deslumbrante seio. Elizabeth respirava agitada e, cada vez que inalava, seus imaculados seios se elevavam, pareciam a ponto de escapar do espartilho. Por Deus, que esplêndidos eram! Não podia esperar para contemplá-los em toda a espetacular glória de sua nudez. Ansiava ter esses mamilos eretos entre suas mãos, a mercê de sua língua.
Seguiu acariciando-a. Percorreu lentamente suas costas com as pontas dos dedos, baixando até seus quadris e chegou até seu traseiro. Embora seu corpo estivesse protegido por saias e anáguas, podia discernir sua figura bem feminina. Era voluptuosa, cheia de curvas, que alimentavam suas fantasias masculinas.
—Adoro seu corpo. — sussurrou — Você é voluptuosa, soberba em todos os aspectos em que uma mulher deve sê-lo.
Com intenção de escandalizá-la e provocá-la, passou-lhe a cabeleira por sobre o ombro, para descobrir a parte superior de suas costas antes de desprender habilmente os dois botões mais altos do vestido. A manobra fez que se afrouxasse imediatamente e deixasse seu seio descoberto por completo.
Ante sua audácia, ela sufocou uma exclamação de espanto e cruzou os braços sobre o peito, enquanto se volteava furiosa para fulminá-lo com o olhar. Estava arrebatadora. Parecia estar despindo-se para um amante ou, possivelmente, ter sido surpreendida em sua penteadeira logo depois de um encontro sexual furtivo.
—Não se mova — ordenou —, fique tal como está enquanto desenho.
Começou a esboçá-la a toda pressa, mas não desenhava a suficiente velocidade. Como lhe tivesse gostado de capturar sua imagem com um só risco! Embora se sentisse frustrado pela lentidão do procedimento, sua mão voava sobre a folha. Era uma modelo incrível, concentrada, imóvel, serena. Com linhas simples, representou escrupulosamente o que seu olho notava com tanta intensidade: sua beleza, sua sensualidade, seu erotismo oculto.
Desenhou mais do que ela em realidade revelava, recorreu à licença artística para fazer desaparecer a parte traseira de seu vestido. Assim, delineou suas costas e suas nádegas nuas, provocativamente ocultas por sua cabeleira. Moveu o tamborete para olhá-la de perfil, e se tomou novas liberdades estéticas. Fez que seu vestido parecesse mais baixo do que realmente estava para descobrir o mamilo. Examinou-a com detalhe, podia descobrir muitas coisas e deduzir outras tantas. Em seus anos de estudo, tinha investigado com meticulosidade a forma humana e desenhado milhares de pessoas. Além disso, não lhe custava imaginar como seriam se estivessem despidas.
Desenhou até que lhe cansou a mão e, ao elevar a vista, descobriu que a moça estava exausta de manter a pose. Deteve-se na metade de um risco.
—Suficiente por agora — Declarou, encurvando-se.
Como sempre lhe ocorria quando se inundava no frenesi de seu trabalho o arranque de inspiração o deixava esgotado. Tinha os braços intumescidos, e seus dedos exaustos deixaram cair o lápis ao chão. Como testemunha de sua estimulante explosão de criatividade, ficaram pulverizadas a seu redor as ilustrações como as folhas caídas de uma árvore. Inclinou-se para recolher algumas e avaliar seu grau de habilidade ou precisão. Ela parecia tal como ele queria, tal como a via.
Satisfeito, as ofereceu.
—Olhe! —ordenou.
Nervosa e atemorizada, Elizabeth jogou uma olhada: aparecia excepcionalmente sedutora em cada um dos esboços.
—Olhe — repetiu, esta vez com mais suavidade.
Ela observou o primeiro, um perfil no que a via bonita e sensual em extremo. Contemplou-o por um comprido momento, encantada e impressionada de que ele a visse em forma tão distinta de como ela mesma se percebia.
—Realmente sou eu?
—Sim.
Indagou-o com o olhar, em busca de algum indício de falsidade ou equívoco, mas não encontrou nada. Gabriel era sincero: ela era na verdade assim, embora o escondesse com esmero. Um rubor tingiu suas bochechas e retornou sua atenção ao desenho.
—Não parece possível.
Era inconsciente de seu encanto. Sua beleza tinha sido desdenhada e ignorada durante tanto tempo que não podia considerar-se nem remotamente atrativa. Gabriel sofria por ela. Como teria sido crescer sob a direção e a autoridade de Findley Harcourt? Elizabeth contemplava os esboços com tristeza, parecia tão sozinha, que sentiu um repentino desejo de protegê-la.
O artista tinha o dom de detectar as inseguranças de uma mulher e as combater para reforçar seu orgulho e independência, mas sempre o tinha feito sem perder de vista seu objetivo final: seu próprio enriquecimento financeiro. Entretanto, ao contemplar lady Elizabeth, viu-se obrigado a reconhecer que, em realidade, importava-lhe e que desejava que fosse feliz.
Com a esperança de aliviar sua dor, deslizou o tamborete para ficar junto a ela. Tomou a pilha de esboços que a moça tinha em suas mãos.
—Não minto, Elizabeth. — saboreou chamá-la por seu nome de batismo.
—Senhor Cristofore...
—Gabriel. —corrigiu— Fazia muito tempo que não me encontrava com uma mulher tão extraordinária.
Registrou os esboços, procurando um de seus favoritos, o mais fiel a sua essência: um perfil de seu ombro nu e da curva de um seio. Era um desenho comovedor e cativante que afetava sua sensibilidade masculina.
—Quando a vejo assim — confessou, assinalando a folha— sinto-me excitado e estimulado. Como homem. Como potencial amante. Sua natureza sensual me atrai. Estou completamente enfeitiçado.
—Se tão só fosse verdade... —murmurou ela.
—É-o.
Ao fim, ela reuniu valor suficiente para deixar de observar o esboço. Olhou-o a ele, tão ingênua, tão endemoninhadamente atrativa. De repente, foi impossível recordar por que tinha preferido ser cauteloso. Sem deter-se para analisar a loucura que estava por cometer, nem tratar de persuadir-se de não tomar o caminho da imprudência e o perigo, lhe aproximou mais.
Sua boca roçou a dela. Elizabeth aceitou doce, deliberadamente, a tenra proposta. Seus lábios se amoldaram aos seus, como se tivessem sido criados só para beijá-lo. Com os sentidos embriagados, o sangue martelando em suas veias e inflamando sua masculinidade, fechou os olhos e desfrutou.
Capítulo 7
Quando os lábios do Gabriel se posaram sobre os seus, Elizabeth não se escandalizou. Durante os quatro dias anteriores com suas noites, inclusive antes — talvez, durante toda sua vida,— tinha sonhado com esse momento e descobriu, deleitada, que a realidade era muito mais maravilhosa que suas fantasias.
Ele a estreitou contra si com suavidade e ela acessou de boa vontade a esse gesto íntimo. Seus olhos se fecharam em forma automática e seus sentidos se dispuseram a desfrutar. Podia sentir as distintas fragrâncias que alagavam o ambiente: o perfume de sua pele, o cheiro de sua camisa, o frescor do ar. Sentiu a comichão de uma barba incipiente sob sua pele barbeada. A sensação a pôs eufórica. A experiência era tão deliciosa que as palavras não podiam descrevê-la. Não queria que terminasse nunca. Com a facilidade do perito, lhe ensinou, veloz e claramente, como reagir, como responder. A jovem se surpreendeu ao descobrir que tinha uma extraordinária aptidão para beijar, como se o tivesse feito mil vezes. Seu mundo parecia ter perdido o equilíbrio ante essa rajada de estímulos novos. Sentia-se viva, vigorada até a mais diminuta partícula de seu corpo. Seus seios se expandiram, seus mamilos palpitavam. Sentia-se ofegante e inquieta. O misterioso núcleo feminino que tinha entre as pernas se contraía, seu corpo clamava por um alívio que ela não sabia lhe dar. Abraçou-o com força, em um gesto desesperado para que lhe desse mais e Gabriel não a decepcionou.
Aumentou a pressão e, fazendo que ela se estremecesse até mais, aprofundou o beijo, lambendo seus lábios com urgência. O movimento a fez retroceder, mas como o tamborete não tinha respaldo, ele a sujeitou com força em seu lugar, sem deixar de beijá-la. Apertou seus seios contra o peito dele. O contato desencadeou um torvelinho de agitação. Sentia que o espartilho a aprisionava e por um instante quis liberar-se do estúpido objeto. Ansiava sentir seus ágeis dedos percorrendo cada centímetro de sua pele nua. Seus seios pediam a gritos que os acariciassem.
Se não a tocava imediatamente, morreria! Como se tivesse intuído sua crescente confusão, Gabriel a beijou com mais intensidade. Sua língua lhe acariciou a boca, lhe separando os lábios. Instintivamente, ela os abriu e o deixou entrar. Ele tinha sabor de vinho e tabaco, e Elizabeth se deleitou com os novos sabores. Enjoada, estreitou-o com mais força; ele respondeu elevando-a do tamborete e sentando-a em seu regaço. Acomodou o quadril da moça em seu regaço, enquanto lhe introduzia a língua até mais profundamente. Explorava-a e ela se voltava mais audaz. Com sua própria língua, acariciou ansiosamente a do Gabriel seguindo o ritmo que lhe marcava. O intrépido gesto lhe arrancou um grunhido gutural. O gemido a insistiu a continuar. Investigou a curva de seu ombro, a largura de seu peito, a força de seus músculos. Procurava gravar cada impressão em seu corpo e em sua mente para recordá-las quando estivesse sem ele.
Pouco a pouco, o beijo chegou a seu fim. Mas Gabriel não se apartou em seguida, deslizou sua boca pela suave bochecha da Elizabeth, passando pelo queixo até chegar a morder sua nuca. A mulher sentia como se arrepiava sua pele à medida que ele a explorava com sua boca.
Enrodilhada contra Gabriel, sentiu seu calor, sua masculinidade. Ficou assim, desejando permanecer ali para sempre, não ter que partir nunca, mas o maldito relógio começou a dar as quatro, assinalando uma vez mais o fim de seu idílio escapamento. Em um instante, sua aventura no paraíso tinha terminado.
—Começo a detestar esse relógio. — murmurou contra a camisa dele.
—Também eu.
Sua risada, plena de evidente prazer, a fez sentir conectada com ele de uma maneira que nunca tivesse acreditado possível.
Devia apartar-se, separar-se dele, mas não se podia mover. Uma vez que se separassem, já não teria um motivo para permanecer na cabana. O deprimente era que deveria retornar a essa solitária e sombria casa cheia de rancor e rixas. E agora que Gabriel a tinha beijado, não podia imaginar-se retornando ali.
Mas no que estava pensando? Tinha que conter esse comportamento desenfreado! Entretanto, e apesar de que condenava sua conduta indecente, sabia que voltaria a visitá-lo, e que muito provavelmente cooperasse com os temerários atos que ele propusesse.
—Devo partir.
—Sim assim é — concordou, mas não a despediu, e ela sentiu certo alívio ao ver que não tinha pressa.
Entretanto, não ficava mais remédio; não podia atrasar-se. Mary devia estar esperando-a na casa principal e, considerando o estado em que se encontrava, levaria vários minutos para reparar o dano que o arrebatamento da paixão tinha causado em seu cabelo e sua vestimenta. Esclareceu sua mente e foi acomodar se no tamborete onde se sentou em primeiro lugar.
Como era a primeira vez que intimava com um homem, não sabia como comportar-se agora que o ardor tinha minguado. Não podia olhá-lo, assim cravou a vista no piso.
—Ajuda-me com meu vestido?
—Será um prazer. — disse, mas não ficou de pé. Em troca, inclinou-se para ficar justo frente a ela, de modo que não pôde evitar olhá-lo.
—O que acabamos de fazer não tem nada de mau.
—Sei — murmurou; pois, embora seu comportamento tenha ido contra tudo o que alguma vez lhe tinham ensinado, não o lamentava. Cada instante do episódio tinha sido excepcional, e, se ele o pedia, estava disposta a voltar a começar em qualquer momento.
—Não se sinta envergonhada.
—Não o estou. É só que...
Só que o que? Como podia explicar quão especial tinha sido essa tarde para ela? Gabriel a fazia sentir como se tivesse descoberto a luz do sol, logo depois de ter vivido em um quarto escuro. Agora, não poderia sobreviver sem ele. Tudo lhe parecia sombrio. A separação a abatia, e, ao parecer, não pôde ocultar sua aflição.
— Por que está tão triste? —perguntou ele.
— Sou um livro aberto? Lê-me com muita facilidade.
— Não posso explicá-lo. É como se sempre nos tivéssemos conhecido, como se sempre tivéssemos estado perto. Posso me dar conta de que pensamentos alberga quase antes que cheguem a sua mente.
Como ela sentia o mesmo, sua confissão a aliviou. Possivelmente, a estranha atração que sentia por ele não era tão absurda, depois de tudo.
— Não estou triste. — lhe esclareceu— Estar contigo é maravilhoso. Sinto como se este fosse meu lugar, que não deveria partir.
Além disso, a idéia de ir-se a casa era tão desagradável que não podia suportá-la, mas era muito orgulhosa para admitir o lamentável estado de seus assuntos pessoais. Se pudesse fazer algo mais para mudar sua vida que aferrar-se a uns poucos minutos roubados, ilícitos, com um arrumado libertino!
—Oxalá pudesse ficar mais tempo! —lhe disse ele, surpreendendo-a.
—O mesmo digo.
—Ah! Que embrulhada! —murmurou, expressando com exatidão os sentimentos dela.
—Sim.
—Há tantas coisas que queria te mostrar; tenho tanto por te dizer.
Que frase romântica! Que parva se sentia por sentir-se tão encantada!
—E o que me diria. — perguntou, ousada— se tivesse todo o tempo do mundo para fazê-lo?
—Que até este momento não tinha compreendido bem o que pode passar entre um homem e uma mulher — a tirou da mão com ternura— Nunca me tinha acontecido nada parecido.
Elizabeth se tomou um instante para entender suas palavras e vacilou. Esperava algo que a fizesse sentir especial e única, mas, por desgraça, o comentário soou a uma fórmula de sedução ensaiada. Tratou de soltar sua mão, mas ele a oprimiu com mais força.
—Não me diga essa estupidez.
—O que?
—Ambos sabemos que não é verdade e...
Depois de uma larga pausa, ele perguntou:
—E... o que?
—E... faz-me desejar que o fosse —confessou, zangada, e lhe deu as costas.
OH, todo isso não tinha sentido! O que estava fazendo ali? O que tratava de fazer? Nunca poderiam gozar de uma relação duradoura. Ele não era o tipo de homem que corteja a uma mulher e ela não era da classe de mulher que ele escolheria se lhe interessasse algo mais que um flerte inofensivo. Paquerar com ele era uma tortura, uma lenta e sistemática tortura que não servia para nada.
—Por favor, me abotoe o vestido.
Gabriel ficou de pé e lhe apoiou as mãos nos ombros.
—Por que não confia em mim?
—Porque estou muito segura —murmurou com amargura— de que sussurraste essas mesmas palavras a uma grande quantidade de mulheres aqui mesmo, nesta mesma habitação. É muito difícil estar contigo — lhe cravou o olhar por cima do ombro, enquanto lhe acomodava o vestido— e me dar conta de que isto é só o que pode chegar a ocorrer entre nós. Não me dê falsas esperanças. Fere-me.
Respondeu-lhe com um olhar tão sincero que facilmente poderia havê-la convencido.
—Disse-o a sério.—asseverou— Embora não o creia.
Como se não pudesse tolerar entrar em questões tão espinhosas, o homem se aproximou a revisar o piso para recuperar os pentes de prende os cabelos. Elizabeth se endireitou no tamborete, enquanto ele se colocava detrás para lhe acomodar o cabelo com um hábil movimento; penteou-a com tanto profissionalismo quanto um cabeleireiro.
Agora só lhe restava incorporar do assento. Mas não obtinha que seus pés percorressem os poucos passos que a separavam da porta. Estudou o que a rodeava como se nunca fosse retornar.
—Voltará a me visitar, verdade? —Acaso estava nervoso? Inseguro?
—Sim, farei-o. — não lhe ocorria se tinha outra alternativa — Quando?
—O que te parece na segunda-feira?
Dentro de três dias! Uma eternidade, outra vez! Com voz calma, respondeu-lhe:
—Na segunda-feira está bem. A que hora te resulta mais conveniente?
—Muito mais cedo que hoje. — a urgiu— O que te parece pela manhã? Poderia almoçar comigo. Passar o dia.
—OH, Gabriel...
A tomou pela cintura e a atraiu com força para seu peito. O inesperado movimento lhe impediu de terminar de lhe responder. Seus dedos estavam muito abertos e quase lhe tocavam os seios, e durante um agonizante instante Elizabeth não soube se desejava, ou não, que os subisse um pouco mais.
—Diga meu nome outra vez.
Beijou um ponto sensível de seu pescoço, justo por debaixo da orelha, e ela se estremeceu.
— Gabriel. —Dizer seu nome em voz alta era entregar-se por completo, reconhecer quanto tinha começado a significar para ela e quanta importância cobraria no futuro. — Não quero partir.
—Pois não o faça. Fica comigo. Jantaremos juntos. Falaremos, comeremos e nos amaremos.
—Não posso — gemeu ela, frustrada.
Apoiando as costas contra seu peito, fechou com força os olhos para afastar as indecentes imagens que suscitou o convite. Se pudesse fazer o que ele sugeria; que sublime seria desfrutar de sua companhia em privado por umas poucas horas mais, observá-lo em atividades tão cotidianas como comer e beber. E fugir dos problemas que a aguardavam em sua casa.
Mas não podia aceitar. Não podia justificar uma ausência prolongada. Podia escapulir-se para uma breve sessão de pintura com um pretexto o suficientemente inócuo, mas teria que inventar alguma desculpa bem pensada se se ausentava por mais tempo.
—Por que te inquieta tanto voltar para sua casa? — indagou ele com suavidade.
Com que precisão identificava suas penas! Não tinha ninguém em quem confiar e só lhe tinha confessado a Mary quão desventurada a fazia sua vida doméstica e, entretanto, Gabriel Cristofore tinha adivinhado sem esforço o mais guardado de seus segredos.
—Recentemente se produziram algumas mudanças drásticas. — confessou— Meu pai voltou a casar-se faz uns seis meses. Com uma menina, em realidade; é dez anos mais nova que eu. Foi difícil para todos.
—Por que não te parte? É uma mulher adulta, poderia viver em sua própria casa.
De novo, seus pensamentos coincidiam. Embora a muitos a opção pudesse lhes parecer escandalosa, que uma mulher solteira vivesse sozinha não era algo inaudito. E não é que fora a viver sozinha; estaria rodeada de dúzias de serventes e Mary a protegeria.
—Se tivesse uma só libra em meu nome, faria-o.
Gabriel ficou estupefato.
—Não tem recursos próprios?
—OH, um pouco de dinheiro para gastos pequenos, mas nada substancial. Nem sequer minhas jóias me pertencem; são da família. Estou completamente a sua mercê.
Gabriel resmungou algo que ela não pôde decifrar. Consolo? Comiseração? Incredulidade?
—Há alguma forma em que possa te ajudar?
—Não, a não ser que tenha uma fortuna e queira compartilhá-la comigo.
—Temo-me, querida minha, que justamente isso é o que não tenho. — suspirou. Sua crítica situação financeira pareceu abatê-lo mais que a ela— Encontra uma desculpa para na segunda-feira, passa o dia comigo.
—Não sei como fazê-lo.
—Diga que sim, Elizabeth.
Quando o ouvia pronunciar seu nome, derretia-se como manteiga. Estava disposta a mandar ao diabo a cautela.
—Tentarei. —Imediatamente, atreveu-se a repassar uma lista de possíveis álibis que lhe permitissem prolongar o encontro por mais tempo.
—A próxima vez —se inclinou para ela, lhe havendo em um pícaro sussurro— os desenhos serão mais íntimos.
Uma secreta excitação feminina a atravessou e soube, sem duvidar, que participaria de boa vontade em qualquer indecência que lhe propusesse.
—É um libertino.
—Nada me dá tanto gosto de que me portar mal.
—Já me dava conta.
—Traz este mesmo vestido, faz por mim.
Brincalhão, tirou-a das mãos e a fez girar. O semblante jovial e alegre dele varreu a depressão e a desesperança que a tinham alagado durante um momento. Sorriam como um par de parvos apaixonados e, se o relógio não tivesse dado o quarto de hora, Elizabeth teria permanecido ali para sempre.
—Me alegro de que tenha vindo —tomou seu chapéu do piso, calçou bem centrado antes de atar o laço com um elegante gesto— e estou contente pelo que fizemos.
—Também eu.
—Agora, vai — ele ardia de desejo por Elizabeth, que logo começava a compreender os apetites carnais. Enjoada, descobriu em seu olhar penetrante que Gabriel a desejava.
—Sentirei saudades a cada segundo até segunda-feira — paquerou.
— Vai! —repetiu ele, rendo— Antes que pegue a chave e te encerre. Eufórica, saiu a passo vivo e sem olhar atrás, se não fosse assim aceitaria o convite sem vergonha alguma.
Mary Smith permanecia de pé no vestíbulo da casa de John Preston, golpeando impaciente com a ponta de um pé os ladrilhos do chão. O mordomo lhe tinha convidado acomodar-se na sala para que aguardasse em um lugar mais cômodo, mas ela não aceitou. Depois do ocorrido em sua visita inicial, não tinha intenção de relaxar-se, como se lhe agradasse estar ali. Não era assim. Queria procurar a Elizabeth e partir, sem ter que ver nenhum dos Preston.
Aborrecida, irritada e sem nada melhor que fazer, estudou o que a rodeava. As casas e seu mobiliário eram sua especialidade. Não pôde evitar escrutinar a mesa que havia em uma esquina, o tapete, a pintura das paredes. Os acessórios e adornos eram agradáveis, bem dispostos e acolhedores, mas as peças eram velhas e, se as olhava de perto, estavam um pouco puídas. Havia pó acumulado e se perguntou qual desses dois caipiras fiscalizava e permitia que a criada trabalhasse com tanto relapso.
Como ganhavam a vida? Faziam um grande desdobramento, fingindo riqueza e linhagem, vestiam-se e comportavam como cavalheiros refinados. Viviam em uma vizinhança de gente enriquecida, tinham um razoável número de serventes e uma carruagem, mas Mary supunha que todo isso não era mais que uma fachada.
Logo depois de pensar no assunto, advertiu que tinha conhecido ao John Preston fazia muitos anos. O arrumado e ardiloso canalha tinha visitado a mansão Norwich em várias ocasiões. Acostumava prolongar suas estadias mais que o aceitável para intimar com a mãe de Elizabeth, aproveitando-se de sua solidão e de seu isolamento no campo.
Tinha sido um Don Juan imprudente e tinha obtido que toda Londres falasse dos escândalos que gerava em qualquer lugar que fosse. Mary suspeitava que, por fim, estava pagando por seus pecados. Nunca tinha conhecido os detalhes, só um punhado de rumores, mas sabia que o ocorrido tinha sido o suficientemente grave para que sua família o deserdasse e desaparecesse da cidade sem deixar rastros. Sentia uma decidida curiosidade por saber o que tinha estado fazendo todos esses anos. Como tinha conseguido retornar a Inglaterra com um filho adulto, incrivelmente talentoso e que nem sequer levava seu sobrenome?
A imagem que ambos projetavam era muito cara, o que era evidente considerando o estado de seus pertences. Estava absolutamente segura de que John Preston não tinha recebido nem um centavo de seu irmão mais velho durante anos, assim do que viviam? Embora lhe intrigasse o mistério, não sentia o suficiente interesse por averiguar mais sobre a vida desse cavalheiro detestável. Em sua opinião, o muito arrumado e excessivamente sofisticado John Preston podia ir-se ao demônio. Se não fosse por seu traiçoeiro filho que estava apanhando lady Elizabeth em suas redes, Mary não teria tolerado nem um minuto mais a esse asqueroso caipira.
O relógio da sala deu as quatro e quinze horas e Mary ficou rígida de indignação. Considerou a possibilidade de cruzar o jardim e recuperar a moça, salvando-a de sua própria loucura. Mas fazia já tempo que não velava pela segurança de Elizabeth. Agora, a filha do conde era uma adulta responsável, sem dúvida capaz de tomar suas próprias decisões. Mas, nesse assunto, Mary tinha sentimentos contraditórios.
Apesar da inteligência e a maturidade de Elizabeth, criou-se em um meio protegido, com raros contatos com homens. Menos até com alguém tão elegante e vivaz como o senhor Cristofore. Era uma presa fácil e Mary não conseguia decidir que papel devia assumir ela nessa situação que se ia complicando cada vez mais. Devia atuar como uma espécie de árbitro moral e irromper na cabana para resgatá-la das lascivas maquinações dele? Se o fazia e se encontrava com que —como Elizabeth dizia— só estava pintando seu retrato, ficaria como uma parva. Mas se os surpreendesse beijando-se, ou algo pior, o que poderia fazer? Envolver a jovem em uma manta colocá-la na carruagem e levá-la a casa? E depois, o que?
Em outro momento de sua vida, teria recorrido ao pai de Elizabeth e atuado segundo o que lhe ordenasse. Mas não agora. Findley e ela haviam sustentado por muito tempo uma relação mais estreita do que o conveniente.
O conde, dominante como sempre, tinha-a eleito quando era muito jovem para poder tomar decisões ajuízadas; ele se converteu, então, na obstinada força que dominava seu mundo. E a jovem não tinha tido suficientes forças para escapar a sua sutil conquista.
Tinha passado os últimos vinte anos à sombra de Findley, incapaz de escapar. Mas isso tinha mudado. Talvez o que lhe infundia força e decisão eram seus quarenta e cinco anos. O que aos vinte anos parecia uma idéia estupenda se converteu, duas décadas mais tarde, em um desastre. Por fim, enfrentava-se ao desalentador feito de que deveria enfrentar sua velhice em solidão.
Quando Findley se comprometeu com Charlotte, Mary cortou seu vínculo com o conde, expulsando-o de sua vida e de sua cama, e fazendo quanto pôde por restaurar a deteriorada relação de empregador e empregada. Mas essa reorganização tinha resultado impossível de obter. O maldito orgulho e pompa do conde tinham feito tão desventurada a Mary que agora nem lhe ocorreria ir expor-lhe suas preocupações. Preferia afogar-se com suas palavras a dizer a ele.
Não tinha idéia de como Elizabeth tinha caído nas garras do senhor Cristofore, mas supunha que seu encontro não tinha sido acidental. Era um desumano libertino que, sem dúvida, enfeitiçava às mulheres para que se despojassem de suas roupas e quem sabe de que mais. Mary nunca tinha conhecido a um homem que fosse tão atrativo. Lástima que tivesse esse detestável pai. Ainda estava furiosa por sua arteira menção de seu romance com Findley. Embora tivesse sido clandestino durante muitos anos, e não podia dizer-se que fosse conhecido por todos, ela se havia sentido profundamente incômoda. Como se atrevia a mencioná-lo! Estava furiosa, mais que farta de todos os homens e dos desastres que provocavam nas vidas das mulheres. Que se fossem todos ao inferno! Todos e cada um deles!
Ouviram-se uns passos na sala e supôs que seria o mordomo, disposto a lhe apresentar alguma outra estúpida explicação da tardança de Elizabeth. Voltou-se bruscamente, só para encontrar-se frente a John Preston. Era mais arrumado do que recordava, reconheceu indignada.
Com seu espesso cabelo escuro orvalhado com alguns fios brancos que o faziam até mais atrativo, seus notáveis olhos pardos, seu corpo esbelto e seu rosto aristocrático, era a classe de homem ao que a idade volta mais distinto. Vestido com seu traje de impecável corte, irradiava encanto e elegância.
Em seu anterior e desastroso encontro, ela tinha percebido espantada que se sentia fisicamente atraída por ele. Embora fosse uma solteirona, sua relação com Findley a tinha feito familiarizar-se com as inclinações sexuais de homens e mulheres. Desfrutava e ansiava esses intercâmbios e já tinham passado muitos meses sem que lhe permitisse ao conde deslizar-se em seu dormitório. Foi o dia que lhe anunciou, como um fato consumado, que estava comprometido com Charlotte. O ardente desejo que sentiu por John Preston a tinha deixado perturbada e atônita. Ele também se sentiu atraído, o que fez que Mary se emocionasse e ficasse eufórica ao ver que ainda era capaz de atrair um homem galante e viril como ele.
Mas então, quando a mulher revelou sua função na residência Harcourt, seus grosseiros comentários revelaram sua verdadeira personalidade. Seu refinamento não correspondia absolutamente a sua educação. Talvez tivesse viajado muito e experimentado muitas coisas da época em que era o admirado quarto filho de um conde, mas nada o diferenciava de Findley nem de todos outros sujeitos como ele. Acreditava que podia fazer ou dizer algo, que, como ela era uma mulher de modesta condição, podia insultá-la, afrontá-la ou ofendê-la de qualquer outro modo sem repercussões.
—Mary... —parecia sinceramente deleitado de vê-la, e se apressou a aproximar lhe tendendo ambas as mãos em um gesto de bem-vinda.
—Senhorita Smith para você — ladrou ela, e o sorriso dele se fez incerta.
—Não a esperava hoje e me dá gosto vê-la, pois assim posso me desculpar por...
—Lady Elizabeth está preparada? —interrompeu-o.
—Venho da cabana. Gabriel passou a tarde fazendo esboços dela.
—Assim agora lhe dizem "fazer esboços", né?
O teve o bom gosto de ruborizar-se.
—Já terminam.
—Deveria lhe dar vergonha ter criado a semelhante canalha e lhe permitir aproveitar-se de mulheres inocentes. E sob seu próprio teto!
—Seriamente a está retratando. E fazendo-a feliz — se encolheu de ombros com uma expressão virtuosa como a de uma coroinha— o que tem de mau?
Aproximou-se pouco a pouco, como se temesse que a mulher o fosse morder como um cão raivoso.
—Diz-me você que seu filho é inofensivo? Que seus motivos são de tudo legítimos? — seu olhar podia ter fundido chumbo; logo, baixou olhos para acomodar as luvas— Lhe dou cinco minutos mais, depois. Irei procurá-la.
—Não se zangue comigo, Mary.
Pronunciou seu nome com um murmúrio íntimo, uma súplica que ressonou nela, golpeando seu isolamento e seu desespero, ferroando o centro de seu coração quebrado. De forma indecorosa, ]ohn lhe posou uma mão na cintura. Mary sentiu que o calor de sua palma lhe queimava através do tecido do vestido. Tratou de apartar-se, mas seu corpo não obedeceu a ordem de sua mente. Ficou cravada ao chão, imobilizada com a sensação de que essa mão estava exatamente onde devia. E uma pequena, enlouquecida parte dela, desejava relaxar-se, lhe confessar suas penas e descarregar suas dores.
—Por favor... —implorou, sem saber o que lhe estava pedindo.
—Ofendi-a. Sinto muito.
Não recordava que um homem lhe tivesse pedido desculpas jamais por nada. Percebeu tal remorso em sua voz que ficou desarmada. Umas poucas e embaraçosas lágrimas apareceram em seus olhos e piscou para as ocultar.
Agora, ele tinha suas duas mãos em sua cintura, e a atraiu para si sem esforço. Ela não resistiu. Se tivesse tido suficiente coragem, teria sepultado o rosto em seu largo peito. John teria podido conduzir sem esforço seus problemas sobre seus robustos ombros. De repente, ansiou com desespero confiar nele, embora fosse uma loucura. Talvez tivesse perdido a razão por tudo o que tinha sofrido nos braços de Findley.
—O outro dia, —continuou compungido— eu não tinha direito a fazer insinuações sobre você.
—Não, não o tinha. Não me conhece.
—Mas queria conhecê-la.
Agarrou-a com mais força. Mary podia sentir seu calor, seu corpo viril. Suas pernas se tocaram e saltou como se a tivessem cravado.
—Está dizendo disparates.
—Comportei-me como um imbecil. Quero compensá-la de algum jeito.
—Não poderia.
—Posso visitá-la?
—Não, não pode.
Não era justo que um homem fora tão perfeito, e se soltou, negando-se a olhá-lo com desejo.
—Há uma afinidade entre nós, Mary Smith.
—Não, não a há.
—Você também percebe. Não o negue.
Ficou livre de participar da desagradável discussão pelo som dos apressados passos de Elizabeth na sala. Aliviada, Mary se afastou, esperando que suas bochechas não estivessem tão ruborizadas como as sentia, rogando que não houvesse sinais visíveis da perturbação que John lhe tinha produzido.
—Mary — saudou a jovem— atrasei-me outra vez.
—Acabo de chegar — mentiu, educadamente.
Jogou-lhe uma rápida olhada a sua empregadora e amiga. Bem penteada e vestida, parecia estar bem, mas se notava que algo importante tinha ocorrido. A alegria que Elizabeth irradiava era quase tangível. A via vibrante, satisfeita, viva, como nunca antes; estalava de felicidade. Mary meneou a cabeça, desgostada.
—A sessão foi tão fascinante —comentou Elizabeth, encantada— que perdi toda noção do tempo. O senhor Cristofore...
—Meu filho — a corrigiu Preston.
—Sim, isso me disse Mary. Que fantástico! Bom, seu filho é um gênio — estava tão eufórica por sua tarde de paixão que não advertiu o que ocorria entre eles. John Preston cravou um apaixonado olhar em Mary, confiando que, por admitir seu vínculo paternal, tinha comprado sua absolvição. Seus olhos suplicantes rogavam um perdão que ela não ia conceder lhe— eu adoro vê-lo trabalhar — continuou lady Harcourt.
—Entendo-o. É todo um espetáculo. — Preston nem se incomodou em olhar em direção a Elizabeth.
—Vamos, milady? —sugeriu Mary, quando o mordomo trouxe a capa— Temo que me necessitem em casa.
—OH, é obvio. —assentiu de boa vontade— Me diverti tanto que esqueci todo o resto.
Elizabeth saiu com passo dançante, tão entusiasmada que esqueceu de despedir-se do senhor Preston. Estava em um perigoso transe, parecia que flutuava no ar. Mary a seguiu, mas não sem lhe lançar um último olhar acusador ao senhor Preston. Ele a suportou com estoicismo.
Mas lhe respondeu com outro pleno de ânsia sexual, tão audaz que a aterrorizou.
—Que tenha bom dia, senhor Preston.
—Me chame John — rogou ele, mas ela já partira, fechando a porta detrás de si.
Capítulo 8
Gabriel estava frente ao espelho, estudando o intrincado nó de sua gravata. Estava por embarcar-se no que esperava fora uma bem-sucedida noite para seduzir a uma nova cliente. Era evidente que não podia seguir adiante com Elizabeth Harcourt. À luz do ocorrido, e do que tinha aprendido durante o processo, prolongar a relação não tinha sentido.
De modo que voltaria a fazer sua ronda social e apanharia alguma outra presa, embora não considerasse um fracasso cruzar com alguma antiga amante interessada em um encontro sexual. Se não, teria que visitar algum dos bordéis aos que ia de forma esporádica. Embora, em geral, detestava o sexo sem sentido, já estava desesperado e precisava aplacar suas necessidades masculinas. Nesse momento, ter um encontro puramente sexual com uma desconhecida parecia uma idéia formidável.
Depois das horas que tinha passado com Elizabeth, estava em apuros. O corpo lhe ardia, seus testículos lhe doíam e seu membro ereto protestava por acalmar sua frustração. Necessitava alívio e se acomodou as calças sem poder dissimular o embaraçoso inchaço. Enojado, estudou seu estado, perguntando-se como faria para andar pela cidade em semelhante estado.
Como tinha obtido lady Elizabeth excitá-lo dessa maneira? Com só beijá-la tinha enlouquecido de paixão e agora devia circular pelas ruas com uma ereção nas calças, como se fosse um moço de treze anos. Beijar Elizabeth tinha sido excitante, estimulante, tinha sido uma das tardes mais agradáveis, como fazia tempo que não passava, o curioso era que, em realidade, não tinha querido ir mais à frente. Poderia ter insistido em lhe dar uma lição mais avançada das artes carnais, mas tinha preferido não entrar nesse caminho.
No passado acostumava precipitar-se. As possuir não só era o objetivo principal, mas também o único. Com a Elizabeth, o estranho foi quão doce era limitar-se a beijá-la, abraçá-la, explorar cada um dos detalhes que a voltavam única e especial. Quando ela partiu, seu corpo se rebelou, lhe recordando com voz forte e clara que ardia por ela e que devia havê-la possuído.
Tratou de distrair-se, mas nada funcionava. Em geral, obtinha distração em sua arte para esquecer suas preocupações, mas não pôde desenhar nada. Só era capaz de pensar nela, de modo que trocou de tática e se obrigou a revisar os esboços que tinha feito. Mas vê-la com o cabelo solto e o vestido desabotoado alimentou o fogo que já ardia em suas vísceras. Como a desejava! Ansiava fazê-la sua, acariciá-la e possuí-la, pervertê-la e lhe roubar sua virgindade. Rápido primeiro, devagar depois. Brutal, cru, tenro, gentil, a guiaria ao reino físico onde ele governava.
Mas Elizabeth Harcourt era perigosa. Para sua segurança financeira. Para sua tranqüilidade. Para seu modo de vida. O fazia desejar estupidamente algo que nunca tinha conhecido nem desejado. Por exemplo, uma esposa, uma família, uma vida doméstica estável. O fazia desejar (atreveria-se a admiti-lo?) amar e ser amado.
Durante um comprido momento depois de sua partida, ficou em seu estúdio, refletindo. Frustrado, incômodo, sexualmente excitado, refletiu em silêncio, contemplando o lugar onde ela se sentou. O sol se escondeu, o fogo já não crepitava e a habitação estava em penumbras. Tinha frio, mas não se moveu.
Nesse instante, deu-se conta de que estava sozinho. Que estava farto da existência libertina que fingia adorar, cansado de ser um estelionatário, de tanta sedução e imoralidade. Queria equilíbrio e perseverança. O mais aterrador era descobrir quanto lhe agradava Elizabeth. Como mulher, como pessoa. E não queria vê-la ferida, não queria maltratá-la.
Gabriel amava a seu pai e, embora não tinha conhecido a sua mãe, também a amava com desespero e honrava sua memória. Tinha crescido escutando a história do trágico amor de seus pais e seu fatídico destino. A seu modo, estava reproduzindo a história deles: era um homem que só vivia o momento presente, capaz de envolver-se em qualquer situação escandalosa que lhe brindasse prazer, sem importar as conseqüências. Além disso, movia-o o desejo de vingar-se das duas famílias que o tinham rechaçado desde seu nascimento. Não se enganava: muitas de suas aventuras não eram mais que pueris intentos de desforrar-se contra a horrível classe de gente que tinha condenado a seu pai ao ostracismo e matado a sua mãe.
Desde que conheceu a Elizabeth, tudo isso lhe parecia mesquinho. Ela não encaixava dentro da imagem que Gabriel formou dos desprezíveis aristocratas. O rancor e a vingança eram uma perda de tempo. A moça o fazia suspeitar de seus motivos, questionar suas idéias, duvidar de suas convicções. Sobre tudo, fazia que desejasse trocar de vida. Algo nele desejava um pouco de tranqüilidade e normalidade, e isso o atemorizava. Seu mundo de superficialidade e caprichos o tinha satisfeito até que ela entrou em cena. Não tinha feito nada específico para perturbá-lo, mas Gabriel não tinha intenção de seguir adiante com esse jogo. Devia cancelar o contrato para pintar seu retrato, inclusive a própria lady Elizabeth lhe tinha dado a desculpa perfeita, pois não tinha dinheiro nem nada de valor.
Sobre a mesa havia uma lista com os nomes de mulheres cujas características faziam supor a John que podiam ser candidatas a um romance. Gabriel entendia bem a realidade. Só lhe interessava manter-se mediante o vício e a corrupção. Jogando uma olhada final aos nomes, que tinha revisado muitas vezes antes de decidir-se por lady Elizabeth, saiu ao patamar e baixou as escadas no mesmo momento em que John saía do saguão.
—Vai sair? — Perguntou seu pai. Quando Gabriel planejava seduzir a uma nova mulher, não havia razão para que recorresse às diversões que oferecia a cara vida noturna de Londres.
—Há reunião em casa de lady Carrington.
—Vá, vá!
A dama era famosa por suas festas luxuosas e libertinas, nas que a conduta licenciosa não só era tolerada, a não ser respirada.
—Faz tempo que não vou. — esclareceu com fingida indiferença— Pensei ir ver o que acontece.
—Disse-te que seria um bom contato.
—É-o — reconheceu a seu pai, quem alguma vez soube ser um afamado mulherengo, mas que agora em raras ocasiões voltava a cabeça para observar a uma mulher— Não estiveste com uma mulher em anos. Não quer me acompanhar?
—À festa de lady Carrington? — levou-se a mão ao peito com ar melodramático— Não acredito que meu coração esteja em condições de resistir tanta excitação.
—Só tem cinqüenta anos. Não acredito que um pouco de sexo termine contigo.
—Toda essa carne nua, todas essas fêmeas desenfreadas e vorazes! —John fingiu estremecer-se — Acredito que ficarei em casa, terminarei o livro que estou lendo e me irei dormir.
—Está se tornando aborrecido.
—Todo um puritano — assentiu.
—Ha! —mofou-se Gabriel. Seu pai seria muitas coisas, mas nunca um pacato moral e virtuoso— Não esqueça que sou o homem que viveu contigo no apartamento de Paris.
—Como poderia esquecê-lo? Não me permite isso.
Sorriram ao recordar seus dias mais desmedidos e suas exóticas experiências européias, antes que sua Inglaterra natal o fizesse retornar ao lugar onde tudo tinha começado. Gabriel se dirigiu ao vestíbulo, seguido de seu pai. Conversaram sobre trivialidades até que se dispôs a partir.
—Por certo — anunciou— decidi que com lady Elizabeth não funcionará.
—O que?
—Convidei-a para outra sessão na segunda-feira, mas a vou cancelar. Lhe envie uma nota amanhã, por favor. Lhe diga que não retorne —se calçou o chapéu— Com amabilidade, é obvio.
—Mas por quê? Eu... eu... acreditei que estava tudo bem.
— Estou seguro de que posso seduzi-la, mas não tenho vontades.
— E que pretexto uso?
— A que melhor te pareça. O que te parece se lhe diz que te acaba de dar conta de que tenho muitos compromissos prévios? Problemas de agenda, esse tipo de coisas — saiu à soleira, com a esperança de partir depressa para evitar um interrogatório mais exaustivo— E lhe devolva o adiantamento, se já lhe pagou isso.
—Enviei-lhe a conta a seu pai logo ontem.
—Então, será fácil cancelá-la — John o fulminou com o olhar indignado com a que estava acostumado a ameaçá-lo quando era menino.
—Sente-se bem?
—Sim, por quê?
—É a primeira vez que abandona um projeto. Jamais o fez.
—Bom, há uma primeira vez para tudo.
—Não tem sentido.
—Para mim, sim.
John estava alterado. Sentia-se culpado pelos apuros econômicos nos que sempre estavam inundados. Mas Gabriel lhe dizia uma e outra vez que não se afligisse que não estavam morrendo de fome e a ponto de ser jogados à rua.
—Olhe, papai — usou o término afetuoso com que o chamava em sua infância— lady Elizabeth não tem dinheiro próprio. Inteirei-me esta tarde. Não há um incentivo para seguir adiante — Ao inteirar-se dessa perturbadora informação, John se mostrou perturbado: — Sabia! —acusou Gabriel.
—Considerava que havia uma possibilidade certa de que assim fora. Nunca conheci ninguém tão avaro como Findley Harcourt.
John não exibia nem um pingo de remorso e Gabriel lhe perguntou exasperado:
—Então, por que me incentivou a seduzir sua filha?
—Velhos hábitos — se encolheu de ombros. Estava claro que não se arrependia — Queria esfregar-lhe a ele pelo rosto, nada mais.
—O que ocorreu entre vocês?
John, o perfeito cavalheiro, manteve um impassível silêncio.
—Me deixe adivinhar: teve a ver com uma mulher.
Voltou a encolher-se de ombros.
—Bom. Não vou participar de uma questão de vinte anos. Contate a senhora pela manhã. Já terminamos com ela.
—Mas não...?
Gabriel elevou uma mão para dar por concluída a discussão. John o olhou franzindo o cenho, o que o fez parecer muito mais velho, e se deixou cair em uma cadeira.
—Mas se cancelas com lady Elizabeth, Mary nunca mais... —interrompeu-se.
—Quem é Mary?
Durante um instante, pareceu que estava por confessar algo, mas depois meneou a cabeça.
—Esquece-o.
—Enviará o cancelamento, pois?
—Sim — concedeu, abatido— farei.
—Obrigado.
Gabriel saiu, fez-lhe um gesto ao chofer e subiu de um salto à carruagem, onde se revolveu incômodo. Tinha a esperança de que sua ânsia sexual logo se visse aplacada. Se tinha sorte, talvez desfrutasse inclusive de vários encontros, o que teria um beneficio dobrado: saciar seu desejo e aliviar o de seus estúpidos desejos sentimentais. Suas reflexões eram intoleráveis e não podia permitir que reflexões tão ridículas o estorvassem.
Mas até enquanto se aproximava da residência de lady Carrington e seu membro se estremecia e seu corpo ardia ao perguntar-se com quem se encontraria ali, o único tema no que podia concentrar-se era Elizabeth.
Findley Harcourt, conde do Norwich, subiu nas pontas dos pés pela escada de serviço de sua mansão. De repente, tropeçou e fez que a vela que levava quase se apagasse. Protegeu a chama com a palma da mão até que voltou a arder com força.
—Como um ladrão — resmungou— andando em segredo por minha própria casa.
Tinha subido furtivamente pela escada de serviço, transbordante de expectativa e de desejo, durante muitos anos de sua vida. Quando era muito mais jovem, desfrutava da clandestinidade, dessa ascensão proibida. Suas urgentes necessidades masculinas o impulsionavam a fazê-lo, por mais que sabia que prejudicava a todos. Entretanto, nunca deixou de fazer o percurso. O prazer que o esperava era muito para renunciar a ele. O fazia uma e outra vez, com alegria no coração e uma ereção nas calças e, OH, a que paraíso chegava, ali, sob seu próprio teto!
A emoção da perseguição, da caçada, do clímax, os encontros secretos, os saltos proibidos! Logo, depois de anos, quando o desejo inicial minguou, ficou com a rotina, deleitando-se com a gratificação que produz um compromisso de longo tempo. Descobriu que o familiar e o costumeiro têm seu próprio encanto. Uma amante, sem os habituais problemas que estas trazem, era o sonho de todo homem. Uma concubina arrebatadora e desinibida, que aceitava de boa vontade qualquer proposta luxuriosa, que se ocupava de suas necessidades e caprichos, mas que não estava em situação de resmungar nem queixar-se porque lhe parecia que tinha muito pouco ou porque considerasse que tinha direito a mais do que lhe oferecia.
Tinha tido a fortuna de desfrutar de um acerto tão conveniente durante duas décadas. Estava acostumado a gabar-se de sua sorte, e nunca esquecia quão afortunado era nesse aspecto.
Mas, agora, sentia-se esgotado. E mal-humorado. E farto de imposições.
Acaso não se davam conta de que era um conde? Um par da realeza. Um ilustre membro do Parlamento. Uma luminária, que cada uma de suas palavras era lei. Amigos e inimigos disputavam seus favores por igual. Entretanto, em sua própria casa tinha que suplicar e rogar como um mendigo em um banquete nupcial. Como um cão faminto, gemia e pedia umas poucas migalhas de atenção feminina. A condenada mulher tinha sido absolutamente intratável desde que lhe anunciou seu compromisso com Charlotte.
Se até tinha chegado a lhe dizer que sua decisão a ofendia! A ela! Depois de tudo o que tinha tido que suportar! E exatamente o que era o que teria encontrado tão insofrível? Que lhe desse teto? Que pudesse comer quanto quisesse? Que lhe subministrasse uma elegante habitação e um invejável salário? A tarefa de levar adiante uma das mais nobres casas da Inglaterra? A avaliação de um nobre rico e respeitado? Sempre lhe tinha parecido que não entendia às mulheres e a ingratidão dela foi como um bofetão que confirmou suas suspeitas.
Tinha-o expulso de seu leito e continuou com sua vida, excluindo de forma tão decisiva que parecia que ambos nunca se conheceram. Se a ouvia dirigir-se a ele com um frio "lorde Norwich" uma vez mais, não responderia de seus atos.
Sim, casou-se com Charlotte. E isso o que tinha que ver? Era imperativo que tivesse um herdeiro. Engendrar um filho era uma responsabilidade que já adiava fazia muito tempo. Mary sabia as responsabilidades que tinha por ser conde. Tinha-o assessorado e aconselhado, consolado e confortado, quando as esporádicas tensões de sua elevada posição se voltavam difíceis de suportar. Sua capacidade de consolá-lo era o que mais lhe agradava nela.
Fazia frio na escada e se ajustou o cinto da bata, cobrindo-se bem as calças. Por deferência a Mary, ia visitá-la o suficientemente vestido para não escandalizar a algum sonolento servente que pudesse andar perambulando pelos corredores. O assombroso era que isso nunca tinha ocorrido. Ou tinham o sono muito pesado ou não queriam circular pelos sítios onde podiam topar-se acidentalmente com alguma atividade secreta do senhor da casa. Ninguém tinha detectado suas escapadas noturnas, nem adivinhado qual era sua verdadeira paixão.
À exceção de Pâmela.
Sua primeira esposa nunca tinha questionado suas discretas aventuras, suas muitas infidelidades, mas estava seguro de que tinha descoberto seu eterno, invencível ardor pela Mary Smith. Pouco tempo depois de casar-se, de algum jeito se inteirou de sua relação com o a governanta. Jamais se rebaixou a interrogá-lo, mas sabia e, com sua atitude mesquinha, tinha conseguido lhe fazer a vida impossível de mil maneiras distintas.
Pâmela, nascida e educada na nobreza, detestava seus deveres maritais, mas os cumpria cada noite. Para ele, dormir com ela era uma obrigação que acatava com estoicismo, mas necessitava mais do que sua esposa podia lhe dar. De modo que complementava essa indiferença recorrendo a uma companheira de sangue quente e boa disposição, uma plebéia que não temia despir-se e exibir sua natureza lasciva.
Quem poderia culpá-lo por preferir à bonita e complacente Mary?
Como em seu anterior matrimônio, tinha a obrigação de ter relações todas as noites com Charlotte. Embora, sem dúvida, seu corpo juvenil era excitante e a idéia de visitá-la em sua cama o avivava, mas não demorou em aborrecer-se de seu comportamento passivo.
Se ao menos ficasse grávida! Se isso ocorria, poderia renunciar ao desagradável ritual. Mas a condenada menina estava resultando tão infértil como Pâmela.
O que ele necessitava, além de introduzir seu membro em uma cavidade úmida e acolhedora sem ter que rebaixar-se enrolando e suplicando para fazê-lo, era um pouco de compreensão e comiseração.
Necessitava a Mary, mas se mostrava infernalmente obstinada. Quem se acreditava que era? Desafiá-lo a ele! Negar-lhe seus direitos senhoriais!
Seu rechaço o enfurecia, e agora que Elizabeth lhe tinha dado a nova de que pensava renunciar, que preferia ficar na rua antes que na casa onde ele sempre cuidou dela, estava mais encolerizado que nunca. Não lhe permitiria envergonhá-lo com sua partida. Era hora de que lhe recordasse seu lugar. Era seu amigo, mas, o que era até mais importante, também seu amo. Não o voltaria a desprezar. Não o permitiria.
Entretanto, estava tremendo quando elevou a mão para golpear a sua porta. A mulher tornou se obcecada. Já não era a jovem maleável e inocente que ele tinha seduzido. Devia dirigi-la com cuidado, com prudência. Mas, depois de sua última, amarga discussão, não sabia como fazer para recuperar seus favores. Bom, mau caráter ou não, lágrimas ou não, inteiraria-se de quão implacável sabia ser ele.
Ninguém respondeu quando golpeou à porta. Voltou a fazê-lo e ouviu com agrado as pisadas da Mary que se aproximavam. A porta se abriu e ali estava ela, com seu voluptuoso corpo impecavelmente realçado pela bata que, rodeava a sua diminuta cintura, lhe aderia ao peito.
—O que quer, Findley? — perguntou, chateada. Não havia nenhuma faísca em seus olhos, nem o menor indício de hospitalidade, nem nenhum sinal de que sua presença lhe agradasse.
Vacilou. Sua indignação e sua coragem minguavam.
—Posso passar?
—Não.
—Mary...
—Já falamos disto cem vezes.
—Bem, que seja a cento e um, então — abriu a porta e entrou. Ao fim e ao cabo, tinha estado em sua penteadeira em numerosas ocasiões. Não podia dizer-se que era um intruso—Não vou ficar no corredor como um maldito criado.
Irritada, aceitou seu ingresso com um resignado encolhimento de ombros e fechou a porta, suspirando.
—Não há nada que discutir. — insistiu.
—Sim há. Quanto tempo seguirá com isto?
—Seguirei com o que?
—Isto de insistir em que estamos separados! É suficiente, advirto-lhe isso. Já tive o bastante.
—Ah, sim? —lançou um estranho riso— bom, possivelmente também eu tive bastante já.
—Bastante do que? —pôs os braços em jarras e se ergueu em todo seu metro e oitenta e cinco de estatura, mas ela permaneceu impávida nem sequer seu tamanho lhe preocupava muito— O que é tão terrível em sua vida? Tudo ia tão bem! E, de repente, empenha-te em dizer que o nosso caso terminou e atua como se nunca tivesse existido. — Não a amedrontaria, e trocou de estratégia: — Esqueçamos nossas diferenças. Não recorda como eram as coisas antes deste... este...? — que palavra devia usar para terminar a frase? Caos? Desastre? Pandemônio? Matrimônio?
Tanto Mary como Elizabeth insistiam em que essa era a causa de todos os problemas. Mas o conde sabia que suas bodas não eram mais que uma das muitas obrigações de sua lista. O que queriam que fizesse? Que não se casasse? Que não engendrasse um sucessor? Que não se ocupasse de legar seu título? Mulheres! Nenhuma só delas conhecia as pressões e obrigações que deve enfrentar um homem. Ele sabia, melhor que ninguém, que o matrimônio é um horror, e, portanto, não se tratava de uma decisão que tivesse tomado à ligeira. E já estava farto de suportar a carga da desaprovação de ambas.
—Mary — trocou de tática, enfocando-se mais nela que nas frustrações que havia trazido a chegada de Charlotte - sinto sua falta.
—Eu não, Fim — disse ela com hostilidade— nem por um segundo.
Ele se consolou um pouco ao notar que o chamava por seu apelido.
—Não o diz a sério.
—Digo sim.
Tratou de não soar manhoso e a enlaçou entre seus braços, mas ela se mostrou tão indiferente que ele sentiu que estava abraçando uma parte de madeira.
—Não posso viver sem ti, Mary.
—Sim pode — replicou ela com aspereza— É como um menino Fim. Está zangado porque te digo que não e porque, pela primeira vez, não pode fazer o que te agrada.
—Tenho necessidades — se inclinou, aspirando seu familiar aroma e beijando-a na bochecha, mas ela o apartou— Necessidades masculinas
—Volta com sua esposa, Fim. Que ela as aplaque.
—Mas não sabe me dar o que necessito, é fria como uma pedra; já sabe.
— Pois, não, não sei absolutamente — se soltou, dirigiu-se à porta e empunhou o trinco— e me nego a emprestar um ouvido compassivo aos problemas sexuais de ambos.
Estava o suficientemente encolerizada para jogá-lo outra vez, mas ele se precipitou para ela e posou sua mão sobre a sua, frustrando o intento. Quando estava sozinho, era-lhe fácil fazer a lista das coisas que queria lhe dizer. Mas, quando estavam juntos, seus encontros eram tão ásperos que não chegava a lhe explicar o que queria e sempre ficava balbuciando como um idiota.
—Acaso nossa história não significa nada para ti?
—A que período te refere? —cravou-lhe seu impávido olhar— A quando enganamos a Pâmela? A quando escapulíamos cada maldito ano? Sem afirmar nunca nossa relação em público. Sem nos reconhecer o um ao outro à luz do dia — sua veemência o fez apartar-se— Que parte foi tão condenadamente estupenda para mim como para que queira voltar a começar tudo?
—Não pode ter a certeza de que Pâmela soubesse de nossa relação — mentiu; era a única torpe desculpa que pôde pronunciar— Inclusive se suspeitava o que importa? Não tem nada ver com Charlotte. Nada que ver conosco.
—Que imbecil você é! Pensa que estou disposta a voltar a ter uma situação tão desagradável.
—E o que foi exatamente o...? —Mary o interrompeu:
—Quando começamos, eu era uma menina. Não sabia o que fazia. Sentia-me tão adulada por que você me notasse, o grande conde! —cuspiu o título como se fosse um insulto — por te dignar a dedicar sua exaltada atenção a uma pessoa como eu. Sentia-me adulada e não entendia quão equivocada estava. Mas agora sou adulta.
Avançava sobre ele, impulsionada por sua ira, e, a cada passo que ela dava, ele retrocedia um.
—Minha atenção, como tão severamente o diz, era real. Meu afeto sincero. Sempre esteve quando te necessitei; sempre foi minha amante e minha amiga. Foi minha verdadeira esposa, em todos os aspectos que contam.
A frase saiu de seus lábios com eloqüência, pareceu-lhe que lhe tinha dado forma adequada a seus sentimentos. Mas a fervorosa raiva que se apoderou dela lhe deixou claro que, uma vez mais, tinha avaliado mal a situação.
—Sua verdadeira esposa, Fim? OH Deus, não tem idéia de nada! —dirigiu-se à porta a grandes pernadas e a abriu de par em par, como para que qualquer que andasse por ali ouvisse o odioso final da rixa— Por isso não me permitiu ter teus filhos? Por isso estou assim só aos quarenta e cinco anos? Poderia ter esperado cem anos e jamais você teria se rebaixado a pedir minha mão.
—É obvio que não — se mofou — como te pode ocorrer que o tivesse feito?
—A isso refiro — enojada por sua falta de perspicácia, assinalou-lhe o corredor— Sai, antes que chame um dos criados para que me ajude a te expulsar.
—Olhe — não entendia como tinha perdido o controle da discussão e para recuperar o domínio, esclareceu com soberba: - Esta é minha casa, e não suportarei que ninguém me dê ordens. Sairei quando me agrade.
—Fora! —gritou, fazendo-o dar um salto, e o empurrou até o outro lado da soleira — Não é bem-vindo aqui!
Em um abrir e fechar de olhos tinha sido jogado. Por detrás dele, escutou-se como Mary, terminante, girava a chave de um ferrolho que até recentemente não existia. Confundido por seu rechaço, por sua apaixonada reação, dispôs-se a golpear a porta, a fazer um escândalo e exigir que lhe permitisse entrar. Mas preferiu não protagonizar o tipo de espetáculo sentimental que detestava. Além disso, estava farto de implorar.
Conseguiria uma maldita amante, isso faria. Uma nobre respeitosa e bem disposta, que usasse sua boca para algo mais que para proferir insolências e rabugices. Furioso, baixou as escadas em direção a seu dormitório. Estava indignado, mas procurou tranqüilizar-se para não descarregar sua ira em alguma de suas posses.
O relógio deu as duas e o conde ainda não tinha desfrutado de seu habitual pulo entre os lençóis. Desde o dia em que fez quatorze anos e seu pai o surpreendeu lhe levando uma perita cortesã como presente, Findley nunca se foi a dormir sem descarregar antes suas tensões e não tinha intenção de começar a fazê-lo justamente nessa detestável noite.
Já que Mary não cedia! Pois muito bem. Na habitação junto à sua tinha uma esposa que o faria.
Embora apenas podia tolerar à jovenzinha, agradava-lhe penetrá-la. Só em pensar nisso o punha duro como uma pedra. Essa noite não era exceção. Mas bem, estava mais desejoso que nunca, pois a ira que sentia por Mary lhe acrescentava um fio especial a seu desconforto carnal.
Tirou-se as calças e pantufas e, vestido unicamente em sua bata, dirigiu-se à habitação de sua esposa. Ao parecer, dormia, mas não tinha a certeza de que assim fora. Cada tanto, fingia dormir, acreditando que assim o dissuadiria de exercer seu privilégio, mas o patético ardil nunca funcionava. Tinha a obrigação de lhe prodigalizar seus favores íntimos em forma rotineira até que cumprisse com seu dever de lhe dar um filho.
Ao aproximar-se da cama, descobriu molesto que ela verdadeiramente dormia. Sabia que não era razoável pretender outra coisa, dada a hora, mas a jovem tinha ordens estritas de aguardá-lo. Depositou sua vela sobre a mesa antes de inclinar-se e sacudir a sua esposa. Dormitada, Charlotte se voltou até ficar de barriga para cima. Enquanto lutava por despertar, ele a contemplou, impassível. Tirou-se a bata e se introduziu na cama, quando ela recuperou a consciência se encontrou com seu corpo nu colado ao dela.
—Lorde Norwich? —perguntou.
—Sim, maldita seja. A quem esperava? —Apalpou sob os lençóis— Tem a camisola posta.
—Tinha frio.
Tinha ordens de esperá-lo nua!
—Tire isso já!
Tinha-a treinado bem. A jovem se apressou a elevar a camisola por cima de seu quadril e seu peito. O conde a ajudou a tirar-lhe antes de jogá-lo no chão e ficar olhando-a. Que homem não se excitaria ao ver a bela, adolescente, Charlotte? Mas tinha os peitos muito pequenos para seu gosto; gostava das mulheres voluptuosas. Seu corpo miúdo o fazia sentir que dormia com uma menina, uma perversão que ele, a diferença de outros homens, nunca tinha desfrutado.
O desagrado que sua mulher sentia pelo ato acentuava a discórdia marital, mas tinha um lado bom: mostrava-se tão tensa e inflexível que cada vez, era como desflorar a uma virgem. Sem dúvida tinha algo de excitante! Cobriu o corpo imaturo que resistia ao dele, muito maior e velho. Pô-lhe as mãos sobre os seios, massageando-os com ferocidade. O frio da habitação converteu os mamilos em minúsculos casulos, que ele mordeu e chupou, balançando-se, pinçando.
Em geral, tratava de mostrar-se mais tolerante, considerando a juventude e a ingenuidade de Charlotte. Mas não esta noite. Já tinha tolerado muitos insultos femininos. Ficou de lado, tomou a mão de Charlotte e a fez fechar os dedos sobre seu membro.
—Me acaricie. — ordenou — Já sabe o que fazer; dei-te suficientes instruções — ela vacilou e ele, impaciente, beliscou-lhe um mamilo— Faz.
Vacilante, obedeceu, mas tomou tão fracamente que ele apenas se a sentia. Deu-lhe um ou dois minutos para que melhorasse seu desempenho e, ao ver que não o fazia, fincou-se, ficou escarranchado sobre seu peito e lhe levou o membro à boca.
—Chupa-o.
—Por favor, não me obrigue — suplicou-lhe ela abrindo muito os olhos— Eu não gosto.
—Não me importa. Não estou de humor — lhe pôs a ponta sobre os lábios fechados, sabendo como gozaria assim que a forçasse a abri-los— Beija-o.
Lhe deu um breve beijo. O conde estava muito irritado para lhe exigir mais.
—Agora, abre a boca — ordenou, mas ela se negou e lhe cravou um olhar temeroso e desafiante que só serviu para enfurecê-lo ainda mais — Coloque isso na boca agora mesmo! Se não, te açoitarei e terá que fazer de todas maneiras.
De fato, tinha-lhe dado com o cinto em várias ocasiões, assim compreendeu que lhe falava a sério. Seus lábios se entreabriram e ele o aproveitou, colocando primeiro um par de centímetros, depois outros tantos. Com um sorriso triunfal ficou em ação, possuindo a da maneira que mais lhe agradava. Ia se entusiasmando com a tarefa sem lhe importar o que ela sentisse. A Charlotte tudo parecia desagradável de modo que ao conde não lhe preocupava ou o que pensava dessa imposição. Além disso, embora estivesse acostumado a lhe pedir que o sugasse, nunca chegava até o fim, e não estava disposto para ouvir queixas por um pouco de ação.
Sua indiferença era um capitalista afrodisíaco. Quanto mais resistia a moça, mais se excitava. Quando sentiu que estava perto do limite, apressou-se a trocar de posição, apartou-lhe bruscamente as coxas e a penetrou. Ela estava seca e relutante, mas ele ignorou seu gemido de dor.
Nunca tinha sido muito aficionado a tomar pela força a uma mulher, mas, nesta ocasião, agradava-lhe. Tinha-lhe devotado sobradas oportunidades de aclimatar-se e não havia motivo para mostrar-se amável se ela era assim de odiosa.
Acelerou seus movimentos e, por fim, uma ardente corrente a alagou.
Pouco a pouco, seu pulso se fez mais lento e seu corpo se foi relaxando. Tinha completado com seu dever. Saiu da cama e se colocou a bata. Ela tinha ficado como um novelo, lhe dando as costas. O conde, sem incomodar-se em lhe dar boa noite, saiu do dormitório. Já em sua habitação, procurou recapitular como tinha chegado a tão desventurado e miserável estado: sem a Mary, em desacordo com a Elizabeth e discutindo constantemente com ela, e sem mais que a incompetente e imatura Charlotte para saciar seus apetites masculinos.
—Triste consolo — murmurou — Sim, bem triste.
Capítulo 9
A carruagem se deteve e Elizabeth espiou pela janela, feliz de ver que tinha chegado tão rápido à residência de Gabriel. Não tivesse podido sobreviver um minuto mais de atraso.
A horrível nota que tinha recebido fazia um momento rangeu em seu bolso quando se moveu, lhe recordando vivamente a implacável insensibilidade do artista. Nem sequer levava sua assinatura! Ao parecer, não podia incomodar-se por um detalhe tão menor como lhe romper o coração. Seu pai a tinha escrito. As cruéis, impessoais, palavras de desculpa, ressoaram em sua cabeça: "Lamento lhe informar que já não será possível...". Surpreendentemente, tinha-as aprendido de cor. Talvez porque tinha lido a nota cem vezes. Tinha ficado tão sobressaltada pela decisão de Gabriel que precisou ler uma e outra vez para entendê-la.
Como lhe podia fazer isto? Tinha idéia de quanto significavam esses encontros para ela? Nunca antes se havia sentido tão excitada e feliz com respeito ao futuro. Estar junto a ele lhe dava confiança; fazia com que amadurecesse, mudasse, e não estava disposta agora a voltar a ser a mesma de antes. A transformação tinha sido rápida. Se ela e Gabriel seguiam adiante, como seria daqui a um mês? Em seis meses? Dentro de um ano, seria irreconhecível! A perspectiva era atemorizante e tentadora.
Inquieta, removeu-se no assento, o que lhe fez recordar os transtornos corporais que lhe produzia. Durante o encontro anterior, a interminável noite, examinou uma e outra vez cada delicioso segundo do comprido beijo e isso só serviu para perturbá-la ainda mais. Lembrando com intensidade tinha exacerbado sua excitação, até o ponto em que, em um momento de particular desespero, chegou inclusive a acariciar os seios, lutando por aplacar sua inquietação. Mas suas mãos só aumentaram seu desgosto.
Nas primeiras horas da alvorada, percorrendo a pernadas seu gelado dormitório, pensou que Gabriel devia saber como remediar suas estranhas ânsias corporais, assim decidiu lhe permitir que se tomasse novas liberdades. Estava disposta a aceitar qualquer conduta depravada, sempre e quando lhe prometesse que isso a aliviaria. Exausta, tinha baixado a tomar o café da manhã, só para que lhe entregassem a ofensiva carta que cancelava toda entrevista vindoura.
Como podia retratar-se? Elizabeth pensava que as coisas iam bem, assim agora ele teria que sofrer que o interrogasse. Talvez ela parecesse complacente e bem disposta, mas também era filha de seu pai. Tinha toda a intenção de seguir adiante com a relação, assim que ele estava a ponto de ser testemunha de um aspecto dela que poucos conheciam. Em seu mundo tedioso e rotineiro, tinha poucos motivos para exibir sua obcecação; resultava-lhe mais fácil render-se aos desejos alheios.
Mas, com o Gabriel, as coisas eram muito distintas.
Voltou a espiar pelo guichê, enquanto o chofer baixava o estribo e se dispunha a abrir a portinhola. Ao parecer, ninguém da casa tinha notado sua chegada. Voltou-se para a Mary, que estava sentada junto a ela.
—Talvez me leve um momento. Não quer entrar?
—Não. Entra você.
—Se resfriará.
—Estarei bem. Tenho as mantas e o casaco.
—Bem, se assim o preferir.
—Sim, prefiro-o — insistiu com menos vigor.
Elizabeth titubeou. Mary se via alterada ultimamente, mas estava muito preocupada com sua própria aflição para interessar-se pelos problemas de sua amiga. Estudou-a, perguntando-se se devia indagar. Mary era uma pessoa reservada, rara vez discutia as coisas que a perturbavam muito. Mas o certo era que, sob a luz cinza dessa tarde de inverno, parecia doente.
—Sente-se bem?
—Sim. Só estou cansada.
—Bem, então — Elizabeth vacilou, desesperava-se por baixar-se, mas perguntando-se ao mesmo tempo se não devia acompanhar a Mary de volta à casa e ocupar-se de que se metesse na cama — Vou me apressar.
—Está segura de que quer fazer isto?
—Por que não teria que está-lo?
—Talvez seja o melhor que o senhor Cristofore não te retrate.
—Não te cai bem, verdade?
—Julgá-lo não me incumbe.
—Mary — a interpelou — me diga o que te preocupa tanto.
—Não lhe importam seus interesses.
Elizabeth sorriu e lhe deu um tapinha na mão.
—Não me faço ilusões a respeito; já sei que é um canalha.
—Que seja consciente de suas debilidades — aconselhou Mary com prudência —não significa que não vai sair gravemente ferida.
—Isso não ocorrerá.
Mary lhe jogou um agudo olhar que a fez sentir-se ingênua e inexperiente a seu lado. A própria Elizabeth queria entender que forças a impulsionavam a atuar assim, mas logo que entendia os motivos pelos que tinha chegado ali, assim dificilmente poderia explicar-lhe a alguém mais. Não lhe ocorreu dizer mais que:
—Não demorarei muito.
—Tome todo o tempo que necessite — Mary se reclinou no assento e fechou os olhos. — Não tenho pressa por retornar a casa.
Elizabeth queria indagar mais, mas em sua relação não havia lugar para as confissões íntimas. Intrometer-se nos assuntos privados de Mary seria o cúmulo da descortesia.
O chofer abriu a portinhola, lhe economizando ter que tomar uma decisão. Baixou, enquanto ele a tomava pelo braço para evitar que escorregasse no chão gelado. Cheia de dúvidas, ficou olhando a casa e se perguntou se devia bater na porta ou não. Não tinha desejos de ver o senhor Preston, nem paciência para suportar seu encantador bate-papo, nem tampouco para interrompê-la. Era imperativo que falasse com o Gabriel, e não permitiria que o senhor Preston o impedisse.
Nervosa, cruzou o portão de entrada. À esquerda, um atalho empedrado se perdia detrás da casa. Levava ao jardim onde a cabana do Gabriel estava discretamente escondida. Se estava trabalhando, devia encontrar-se ali. Depois de um breve instante de deliberação, empreendeu o caminho para o fundo da casa. Embora o que fazia era uma loucura desde todo ponto de vista, não podia conter-se. Nem sequer a possibilidade de que Gabriel pudesse estar ali com outra mulher a deteve.
Contendo o fôlego, espiou pela janela e sentiu que o alívio a alagava ao ver que não havia nenhuma mulher tendida no canapé. Com renovada decisão, foi à porta e golpeou com força. Ouviu que uma voz masculina murmurava uma resposta e entrou sem esperar a ser convidada ou rechaçada.
Para seu deleite, encontrou-o sozinho... e logo que vestido.
A habitação estava esquentada, como lhe gostava. De costas à porta, ele estudava o muro, onde havia dúzias de esboços desordenados. Elizabeth entreabriu os olhos, procurando distinguir se algum era dela. Gabriel vestia um par de calças pardas que chegavam ao joelho; não levava camisa, sapatos nem meias três-quartos. Escrutinou curiosa, esse corpo quase nu. Seus ombros eram largos; sua cintura, esbelta. As calças rodeadas realçavam suas nádegas e coxas arredondadas.
—Coloca a bandeja no piso e marcha te —ordenou ele em tom imperioso.
—Perdão, mas não trago comida.
Ele ficou paralisado durante um instante antes de voltar-se bruscamente. Tinha o cenho franzido e a fulminava com o olhar como se não a reconhecesse.
—Lady Elizabeth?
—Olá, Gabriel — embora ele a chamou por seu título, ela seguiu sorrindo com firmeza, negando-se a lhe permitir perceber que o desprezo a feria. Em troca, concentrou-se no maravilhoso feito de que estavam a sós, e em que ele estava magnífico.
De frente, era até mais cativante. Seu amplo peito estava coberto de pêlos que continuava como uma magra linha que percorria todo o torso até esconder-se em suas calças. Os dois botões mais altos estavam abertos, convidando-a a adivinhar que mais podia esperar encontrar. Seu olhar sensual e inquisitivo percorreu o descendente caminho de pêlo. Desejava que uns poucos botões mais estivessem abertos, para contemplar seus segredos masculinos em todo seu esplendor. Parecia o deus da luxúria; tinha uma mancha de pintura azul na bochecha e giz nos dedos, seu cabelo estava despenteado e emaranhado, mas isso o fazia parecer mais adorável e ao mesmo tempo incitante. O desejo de passar suas mãos por toda essa carne nua lhe fez cócegas.
Gabriel a olhou com severidade.
—O que está fazendo aqui?
Tinha que falar contigo — ousada, lhe aproximou, como se afastar-se da porta fora a evitar que ele a expulsasse.
—Estou terrivelmente ocupado. Não recebeu minha nota?
—Sim, sua carta era muito explícita, mas — lhe aproximou até ficar tão perto que podia cheirar o suor de sua pele— não acreditei em suas palavras.
—E por que mentiria sobre um assunto tão corriqueiro?
Ele esquivava o olhar da Elizabeth, olhando um ponto fixo por sobre o ombro dela. Sua proximidade o incomodava, o que lhe pareceu muito bom.
—Por algum motivo, trata de te liberar de mim, mas não entendo o que posso ter feito ou...
—Já não é bem-vinda aqui — a interrompeu bruscamente, antes de lhe dar as costas e dirigir-se à prateleira onde se empilhavam seu equipamento. — Por favor, vá embora.
—Não o diz a sério.
—OH, digo sim — fingiu estar muito atarefado reacomodando os pincéis que continha em um frasco — Eu não gosto das correntes de ar. Por favor, fecha a porta ao partir.
Despedia-a como se não fosse mais que uma donzela de serviço. Mostrava-se tão frio e indiferente como se fossem desconhecidos, e a mulher sentiu com horror que as lágrimas iam a seus olhos. Como podia esquecer o ocorrido entre eles?
Elizabeth tinha acreditado que lhe agradava, embora não fora um muito, mas possivelmente se equivocou. Talvez, depois de provar uma minúscula amostra dos deleites que ela tinha para oferecer, Gabriel tinha chegado à conclusão de que não justificava que gastasse suas energias. A revoltante idéia era tão alarmante como deprimente. Já não pôde conter a corrente de lágrimas que alagavam suas bochechas. Mortificada, as enxugou, mas eram muitas.
—Está chorando! —exclamou ele, com um olhar de temor e chateio.
—Lamento-o.
—Por que está tão alterada?
—Porque — tragou para dissolver o nó que se o fazia na garganta sinto saudades. Não posso suportar a idéia de não voltar a ver-te. E acreditei que você sentia o mesmo.
Se o que queria era enternecê-lo com sua resposta, ele se encarregou de fazer pedacinhos suas esperanças.
—Simplesmente, tratou-se de uma decisão de negócios, devida a minha excessiva quantidade de compromissos. Não tinha intenção de te ofender.
—Já vejo — abatida, estudou o chão— De modo que já terminamos? Como se nada tivesse acontecido?
Era uma mulher adulta, e não necessitava resposta. Sentindo-se estúpida e ridícula, dirigiu-se à porta, arrependendo-se pela impetuosidade que havia insistido em mergulhar dessa maneira sem pensar nas conseqüências. Quando recebeu a mensagem, nem por um momento lhe ocorreu que não iria que não falaria com ele, que não tentaria dissuadi-lo, e não prévio nem avaliou as distintas possibilidades. Creu que ele sentia o mesmo torvelinho de emoções que ela. Que estúpida foi!
—Tem razão — murmurou — Não teria que ter vindo. Me desculpe.
No momento mesmo em que estava por tomar o trinco, ele a deteve.
—Lady Elizabeth — seus passos se aproximavam dela— Cara, espera.
Em seguida, esteve detrás dela; suas mãos a rodearam e, ao dar-se volta, encontrou-se entre seus braços firmes.
—Não me peça que me parta — suplicou afundando o rosto em seu quente peito peludo.
—Não o farei — lhe cobriu de beijos o cabelo, as bochechas, sussurrando uma e outra vez:— Não o dizia a sério, sinto muito.
Enquanto a beijava e acariciava, seus hábeis dedos lhe tiravam a capa. Seus lábios se encontraram, tenra e cautelosamente ao princípio; depois, a urgência se impôs e se enlaçaram em um beijo apaixonado. A língua dele invadiu sua boca, saqueando e exigindo tudo o que ela era, tudo o que podia ser. Ela respondeu com entusiasmo, e sua língua se uniu a dele em um ritmo constante que fez que seu pulso se acelerasse e os mamilos lhe doessem.
Iniciaram uma animada dança; as mãos dele percorriam todo seu corpo, procurando e explorando, pegando e seduzindo, levando-a à loucura, enquanto lhe sussurrava ao ouvido indecentes e deliciosas frases de amor em italiano. Estreitou-se contra ele e sentiu a pressão em seu peito.
Até o menor movimento fazia que seus corpos se fundissem, aliviando em parte a crescente e dolorosa tensão.
— Me toque — ordenou Gabriel com aspereza, — com suas mãos, com sua boca. Toque todo o meu corpo.
Ante essa tensa ordem, entendeu que estava parada como uma estátua, aceitando seus suntuosos cuidados, mas sem prodigalizar nenhuma. Como se seu mandato tivesse sido uma permissão, dedicou-se com esforço à tarefa de investigar sua celestial anatomia. Seus ávidos dedos vagavam, inspecionando com veemência cada centímetro do nu torso de Gabriel. Nem a menor extensão de pele escapou a sua exaustiva investigação. Riscou o contorno dos ossos, músculos e tendões, encantada por sua robustez, por seu tamanho.
Cada vez mais audaz com cada minuto que passava, acariciou os pêlos do torso. Era a primeira vez que via o peito de um homem e nunca supôs que era tão tentador. O arrepiado pêlo fazia cócegas nas mãos e desfrutou da nova sensação apoiando as palmas sobre seu peito, sentindo como se endureciam os bicos do peito.
O gesto produziu um efeito instantâneo ao Gabriel. Esticou-se, fez chiar os dentes e aprisionou a moça contra a porta.
— Me acaricie. Assim — lhe pôs os dedos em seus mamilos, lhe ensinando como os beliscar com a pressão justa, o que o fez proferir um ressonante gemido de prazer.
Que exótico! Que satisfatório! Tinha ao canalha completamente a sua mercê e não pôde a não ser maravilhar-se de quanto tinha aprendido em tão poucas lições. Se lhe ensinava bem, não demoraria para converter-se em uma verdadeira professora das artes sexuais. Que emocionante!
—Me lamba —ordenou ele— Ali, onde me toca —se inclinou para lhe aproximar o bico da mamadeira aos lábios— me toque com a língua.
Sobressaltada, recordou à mulher a que ele tinha acariciado com sua língua no camarote escuro. Também os homens desfrutavam dessa perversa manobra?
Ao parecer, sim.
Tirou a língua e umedeceu o mamilo, e a agitada respiração de lhe indicou que o estava fazendo corretamente. Repetiu o procedimento uma e outra vez, voltando-se mais audaz e atrevida a cada momento.
—Agora, suga-o — urgiu ele.
Fervorosamente, obedeceu-o. Seus lábios se fecharam em torno do delicioso bocado.
—Mais forte.
Ela aumentou a pressão enquanto as mãos de lhe aferravam a nuca, urgindo-a. Percorreu-lhe o cabelo com os dedos, os pentes de prender cabelos voaram e a espessa massa de cabelo se soltou. Com outro gemido de prazer, ele apartou o peito. Tinha a respiração agitada e o coração o martelava nas costelas. Pegou-a pelo traseiro e a elevou, apertando-a contra a parede. Fogosamente aferrou-lhe as coxas e lhe subiu as saias, fazendo-a abrir as pernas de modo em que ficassem em torno da cintura dele; Elizabeth aceitou com ardor. Então, arqueou-se de maneira que seu membro se apertou contra ela. O movimento acendeu um indescritível frenesi em suas vísceras.
—Põe-me tão duro. — Gemeu ele, lhe roubando um ardoroso beijo— Tem alguma idéia do que quer dizer isso?
—Não.
—Que estou desesperado por te penetrar.
O término retumbou lascivamente por todo o corpo da Elizabeth.
—Faz o que queira.
—Não me diga — grunhiu isso ele — ou será precisamente o que farei. Merece isso por vir aqui.
—Não pude evitá-lo.
—Não — suspirou, resignado — Imagino que não.
Voltou-se e a levou em seus braços até o outro lado da habitação, como se não pesasse nada. tombou-se no sofá, de modo tal que ela ficou sobre ele com as pernas abertas.
Elizabeth estava em seu regaço, fincada e com as saias levantadas. Separou-lhe as pernas até mais para que suas partes íntimas tocassem a parte inferior do torso dele. Estavam enlaçados de uma maneira que ela jamais teria imaginado, mas seu corpo agradecia essa união e desejava o que estava por acontecer. Ele estendeu para frente seus quadris e ela se adaptou ao ritmo de seus movimentos. Pouco depois, ele murmurou algo ininteligível e, com ar dolorido, deteve seus esforços.
—Faço-te mal? —inquiriu ela, preocupada.
—Só de um modo agradável.
Como não entendeu sua resposta, quis mover-se para lhe dar mais espaço, mas ele a manteve em seu lugar, lhe deslizando as mãos sob as saias e segurando-a pelas coxas para evitar que se retirasse. Subiu mais as mãos, até que lhe aferrou as nádegas para atraí-la para si. Elizabeth se inclinou para ele, apoiando seu peso em um só braço.
—Tem um traseiro estupendo. Algum dia te retratarei nua. Me permite isso, verdade?
A idéia era escandalosa, mas não a descartou imediatamente. Imaginar-se posar nua já não lhe parecia tão indecente. De fato, não podia esperar, e, se tivesse sabido como despir-se com naturalidade, já o teria feito. Seus ajustados objetos, em particular o espartilho, eram uma prisão da que estava mais que disposta a escapar.
—Acredito que sim.
—Não te permitirei que me negue nada.
—Começo a me dar conta disso.
Ao vê-la submeter-se de tão boa vontade, sorriu com arrogância, lhe dizendo sem palavras que nunca tinha duvidado de que assim seria. Obteria o que queria, e ela se deixaria seduzir gostosamente. Com habilidade, desabotoou-lhe as costas do vestido e lhe afrouxou as cintas do espartilho. Com vários ardilosos movimentos, que não lhe deram ocasião de preparar-se nem de assustar-se, deixou-a nua até a cintura, com seus seios voluptuosos que apontavam exultantes para ele.
—Gabriel!
Recolheu os objetos, seguindo seu instinto inicial de esconder o que ele não devia ver, o que ninguém tinha visto nunca. Nem sequer se banhava nua! Banhava-se vestida com uma camisa! Impediu-lhe de ocultar-se lhe agarrando as mãos e sujeitando-lhe à costas, e assim ver sem obstáculos os seios que sempre lhe tinham parecido muito grandes e incômodos. Com a atenção minuciosa própria de um artista, analisou-os com um olhar que era tão capitalista como o tivesse sido o contato de suas mãos. Logo, acariciou-a. Seu índice e seu polegar foram roçando os mamilos, o contorno dos seios.
—Arrebatadores. Tão magníficos como o supus. —Elizabeth sentiu uma comichão que lhe chegou até os dedos dos pés— Foi criada para que um homem como eu te apreciasse, — obedecendo a uma leve pressão dele, inclinou-se, levando-lhe a boca. Ele saboreou vorazmente o mamilo com sua língua. Tiroteava e brincava, provocava e mordia, até que ela se retorceu de prazer. Precisava aliviar seu ardor, mas ele não cessou. Dedicou-lhe as mesmas ferozes cuidados ao outro peito. Como tortura adicional, enquanto sua boca o lambia, seus dedos tocavam e manipulavam o outro.
Eram muitas sensações para que uma mulher de carne e osso as suportasse!
—Não resisto mais! —protestou— Basta!
—Não — repôs com insolência.
Trocou sua posição, para ficar estendido em cima dela. Seguia concentrado em seus seios, embora seus mamilos já estivessem, em extremo, sensíveis e inflamados. Mesmo assim, não se deteve. Gabriel se foi acomodando até se localizar-se entre suas coxas. O tecido da saia se interpunha entre eles enquanto, lenta, languidamente, ele arremetia contra a moça, cujos quadris, como por vontade própria, foram ao encontro das suas.
Um alarme soou em sua cabeça quando se deu conta, intuitivamente, de que acabava de cruzar o limite do aceitável e que o que ele faria a seguir seria precisamente aquilo que ela não devia lhe permitir.
—Gabriel...
Antes de começar, pensava que estava disposta a seguir até onde ele desejava. Mas a realidade era muito mais complexa que suas fantasias, e ele ia tão depressa que sua ânsia os precipitava à temeridade.
—Gabriel — tentou outra vez, com mais energia — Por favor.
Ele estava tão concentrado em sua tarefa que não respondeu; só persistiu em sua conscienciosa flexão, que fazia que o vulto de suas calças se incrustasse justamente onde ela o necessitava. Só se afastou quando ela começou a debater-se a sério. Gabriel tratou desesperadamente de manter o controle, enquanto ela contemplava maravilhada sua expressão de ardor.
—Isto vai muito depressa — ofegou — Me assusta.
—Bom. Tem muito que temer.
Rodou, apartando-se, embora mantivesse uma coxa sobre ela. Com um último olhar de fervente desejo, subiu-lhe o corpo do vestido e o espartilho para ocultar seu peito, mas incrivelmente, pegou sob suas anáguas e colocou a mão sobre sua pélvis. Sua mão estava... ali! Ela se retorceu incômoda.
—Está muito molhada.
—Sim.
Ruborizou-se ao admitir o humilhante detalhe. Desde que o tinha conhecido, sentia que suas partes íntimas estavam úmidas, como nesse preciso instante.
—Está tão lista para mim. Eu adorarei te tocar ali, beijar ali e muito mais.
Esfregou a área umedecida com o polegar, fascinando-a e perturbando-a.
—Não!
—Sim! — Ofegou ele.
—Por que teria que fazê-lo?
—Porque me agrada. E a ti também. Por isso não queria que viesse hoje — a beijou na testa, como se lhe pedisse desculpas— Estou seguro de que não me acreditará, mas ao te enviar essa nota, minha intenção era te proteger.
—Do que?
—De mim.
Elevou-a até fazê-la ficar sentada e se fincou detrás dela, lhe atando o espartilho e abotoando o vestido. No momento, tudo indicava que tinham finalizado. Aguardou a que terminasse de lhe acomodar a roupa e lhe colocar os pentes de prender cabelos em sua cabeleira. A habilidade com que o fazia lhe recordou, uma vez mais, sua extensa experiência amorosa. Uma vez que a deixou apresentável, incorporou-se, ajudou-a a ficar de pé, e, com um olhar inescrutável que fazia impossível adivinhar seus pensamentos, perguntou:
—Quer ser minha amante, bela?
—Sim, quero.
O assentiu com a cabeça, sombrio.
—Temos uma entrevista na segunda-feira. Pensa bem se virá, porque se o faz, não poderá te retirar. Ficará arruinada e totalmente comprometida.
—Diria que já vai sendo hora. Tenho vinte e sete anos.
—Quando terminar contigo, jamais poderá te casar.
—Não me importa.
—Talvez sim te importe. Algum dia.
—Sinceramente, duvido-o.
Ele se mofou.
—Não entende que o que está aceitando será irreparável uma vez que ocorra.
—Correrei esse risco.
—Por hoje, vou me conter, mas não voltarei a fazê-lo. Se cruzar minha porta na segunda-feira, não permitirei que nada me detenha — lhe acariciou um seio, lhe recordando vividamente o que acabavam de fazer, o que fariam se ela se atrevia a visitá-lo outra vez — Não aceitarei que me rechace só porque ofendo seu pudor virginal.
—Entendo.
—Não, não entende. Mas já entenderá. —Tomou sua capa, e colocou sobre os ombros e a abotoou— Sou um homem adulto e meus desejos sexuais são vigorosos. Se for tão temerária para te oferecer, tomarei e tomarei até que não fique nada, e não sentirei remorsos por nada do que faça.
—Não acredito que tente me fazer algo perverso.
—Então, é parva — se encolheu de ombros e lhe posou as mãos na cintura— Nosso namorico não durará muito. Entende-o, não?
—Claro que sim — sentiu que o coração lhe contraía ante essa advertência, mas resistia a pensar em coisas negativas. Ele estava empenhado em fazer que ela perdesse interesse, enquanto que Elizabeth preferia concentrar-se na possibilidade de estarem juntos.
—Quando me aborrecer de ti, seguirei meu caminho sem olhar atrás.
—Talvez eu também o faça — mentiu, com esperança de parecer experimentada e sofisticada.
—Não é muito provável — se burlou ele, meneando a cabeça, vexado ante sua obstinação — mas recorda isto: jamais te pedirei desculpas por nada do que ocorra aqui, nem o lamentarei quando tiver terminado. Por mais ferida que se sinta. Essa é a classe de homem que sou.
—Nunca me convencerá de que é tão vil.
—Bem, não pode dizer que não te adverti.
—Não, não posso — sorriu trêmula, desfrutando de sua proximidade, do calor de seu corpo e de seu aroma — estou nervosa.
—Tem por que. Na segunda-feira, tenho intenção de te despir até a cintura. Quero desenhar seu peito nu.
—Não sei se estarei pronta para...
—É o que quero e o que espero de ti. Você deve decidir se está preparada.
—O que você quizer — seu lado racional rechaçava a impudica proposta, mas a parte desenfreada de sua pessoa, essa mulher em que, ao parecer, estava-se convertendo sentia uma secreta excitação— Não quero partir.
—Deve fazê-lo, agora mesmo, ou existe a possibilidade de que te retenha aqui toda a noite.
—Me diga que fique.
Durante muitos, compridos, segundos, estudou-a. Ela quase podia ler os pensamentos que se formavam redemoinhos em sua cabeça. Era um conflito de emoções; sentia-se indeciso, irritado, excitado e se preparou para ouvi-lo dizer que a convidava a ficar.
Mas, então, ele abriu a porta de par em par. O ar frio entrou.
—Vai-te —lhe ordenou com voz firme.
—Estarei aqui na segunda-feira.
Ele elevou uma sobrancelha, pondo em dúvida sua determinação. Era evidente que não acreditava que voltaria a recebê-la. Bom, não a conhecia bem, mas já teriam tempo de intimar muito mais.
Eufórica, ardendo, passou frente a ele, não sem antes deter-se para lhe dar um apressado beijo de despedida. Logo, saiu, ansiosa e enlevada, mas também abatida ante o tédio que trariam as horas vindouras.
Capítulo 10
Ao passar frente a uma das janelas do piso de acima, John notou que havia uma carruagem na rua. Deteve-se, olhou com mais atenção, e distinguiu o brasão do Norwich. Não era o grande, atirado por quatro cavalos, a não ser um menor, que utilizava a filha do conde.
John não tinha ouvido que o mordomo anunciasse a um visitante. Tampouco se tinha aproximado nenhum criado a lhe informar que lady Elizabeth tinha chegado de maneira imprevista, sem entrevista prévia, e que o aguardava no saguão.
—O que faz aqui? —resmungou.
Tinha enviado com um lacaio a nota que Gabriel lhe ordenou escrever lhe informando em forma cortês, mas firme o cancelamento do contrato. Nem lhe tinha ocorrido que devia estar atento a uma visita inesperada. Uma mulher tão bem educada não ousaria apresentar-se sem ser convidada.
Entender quão apegada estava a seu extraviado filho foi perturbador e irritante. Gabriel tinha um dom para escolher ao tipo de amante mais apropriado: as que não pediam mais do que ele podia lhes dar. Seus namoricos não afetavam sua vida fora de seu estúdio, de modo que John nunca se viu envolto em um conflito emocional. E esperava com ardor que esta não fora a primeira vez.
Lady Elizabeth era amável e formosa, mas a só idéia de ter que tranqüilizar e consolar à filha de Findley o incomodava. Não porque a jovem não lhe agradasse, mas sim porque não suportava o seu pai. Talvez ela se tivesse mostrado muito carinhosa, e isso influiu de maneira decisiva na necessidade do Gabriel de terminar com a relação.
Bom, agora terei que lutar com um problema.
Suspirou e começou a baixar as escadas, rogando por não topar-se com uma chorosa e mal-humorada lady Elizabeth, que lhe suplicasse notícias de Gabriel, rogasse-lhe que a ajudasse ou interviesse de algum jeito impossível para ele. Seu filho estava perfeitamente capacitado para começar e terminar sem assistência as relações em que se embarcava. John sabia fazer muitas coisas, mas entre elas não estava explicar a conduta incompreensível de seu filho, acalmar ânimos furiosos nem consolar um coração quebrado.
Mary teria acompanhado à dama? Essa possibilidade fez que todos seus músculos se esticassem pela expectativa. Estava acostumado a pensar nela, e se apressou a descer, ansioso por ter uma oportunidade de lhe falar.
Ainda não tinha entendido o que era que tanto o intrigava na mal-humorada governanta, mas não podia deixar de pensar nela. Era bonita, inteligente, amadurecida. Arredondada onde uma mulher deve sê-lo, e magra onde corresponde. E não podia tirá-la da cabeça, embora fosse absurdo. Apesar de seus conflitos econômicos, seguia sendo filho de um conde e tinha padrões particularmente altos. Ela era uma plebéia, com uma personalidade bruta e terminante, absolutamente oposta às nobres suaves, bem dispostas e complacentes que ele estava acostumado a escolher.
O que impulsionava essa desconcertante atração era a crua luxúria. Sabia por experiência com quanta rapidez e facilidade o desejo pode avassalar a prudência de um homem. Combatê-lo não tinha sentido. A luxúria sempre vencia. Passou-se as últimas noites em vela, avaliando as eventuais complicações se se envolvia com ela.
A triste verdade era que se sentia sozinho. Depois de seu trágico romance com a mãe de Gabriel, tinha sossegado sua culpa e seu desespero embarcando em uma série de temerários amores, alguns mais prolongados que outros. Mas nunca tinha chegado a entusiasmar-se muito por nenhuma das mulheres que seduzia. Jamais lhe tinha interessado uma relação a longo prazo, mas acabava de fazer cinqüenta anos e, além desse magnífico filho, o que tinha obtido em todo esse tempo?
Tinha seduzido e possuído a dezenas de mulheres por todas as majestosas cortes da Europa, inclusive podia gabar-se de estar satisfeito de mulheres arrebatadoras e refinadas. Depois da morte de Selena, já não aspirou a nada mais que a fugaz conexão que dá o sexo apaixonado. Entretanto, com o correr dos anos, começou a desejar algo mais que inúteis e esporádicos encontros sexuais com mulheres elevadas.
Por isso tinha deixado de acompanhar ao Gabriel a suas rondas noturnas. John queria companhia, confiança e alegria, as emoções próprias de um verdadeiro romance. Mas nunca tinha tido a fortuna de encontrar-se com uma mulher que agitasse seu coração e excitasse todos seus sentidos.
Até que conheceu a Mary Smith.
Não podia recordar de nenhuma mulher que tivesse excitado sua imaginação a tal ponto, e sua fascinação ia além de seu habitual procura de alívio sexual. Ela o tinha enfeitiçado, despertando nele uma série de perguntas que necessitavam resposta: quem era Mary Smith? Quem era John Preston? O que procurava ele na vida? A ela, possivelmente?
Sim, queria convertê-la em sua amante. Se alguma vez conseguia enrolá-la o suficiente para que se aproximassem de uma cama, seria fabuloso, incrível. Mas o surpreendente era que também queria conversar com ela. Desejava segurar sua mão e passear pelo parque, passar uma noite tranqüila lendo frente ao fogo, desvelar cada mínimo detalhe sobre suas preferências: sua cor preferida, sua comida favorita, o que gostava de fazer em seu tempo livre, que roupa usava para dormir. Sua falta de respeito e seu fingido desinteresse por ele desempenhavam um papel chave em sua fascinação. Seu declarado desdém desafiava a vaidade do John e só acentuava mais as ânsias de persegui-la e fazê-la sua. Ele supunha que, embaixo dessa áspera capa de frieza, havia uma mulher doce e apaixonada.
Ao chegar à porta do saguão se deteve, empenhavam-se em estar calmo e composto quando a visse. Uma vez que se sentiu sereno, entrou... mas não havia ninguém. Sua decepção foi enorme.
Uma donzela apareceu no outro extremo do corredor, e a interrogou:
—Lady Elizabeth está aqui?
—Não, senhor. Ninguém golpeou à porta em toda a tarde. Estou segura.
Foi à janela e espiou. O chofer do Norwich e um lacaio estavam do outro lado da rua, metidos em um portal de onde podiam ver a casa e a carruagem, mas que os protegia da glacial garoa.
Acaso estava Elizabeth no interior dessa fria e úmida carruagem juntando coragem para entrar? Ou teria entrado por sua conta na cabana? Por fortuna, não estava prevista uma sessão com outra cliente para esse momento. Não tinha por que preocupar-se nesse aspecto, embora fosse provável que se arrependesse de ter entrado na cabana enquanto Gabriel trabalhava. John não conhecia ninguém que se concentrasse tanto como seu filho.
John se sentiu obrigado a averiguar onde estava Elizabeth. Ao fim e ao cabo, não podia ter a uma nobre apostada na porta de sua casa; - adoecendo durante horas. O que diriam os vizinhos!
O céu sombrio projetava sombras invernais que anunciavam o crepúsculo. Quando avançou para o veículo, gotas de chuva glacial caíram sobre sua cabeça. O estribo estava desdobrado, indício de que lady Elizabeth tinha descido, mas de todas as maneiras abriu a portinhola para assegurar-se.
Atônito, encontrou a Mary Smith amassada sob uma pilha de mantas, descansando tão placidamente que suspeitou que dormia.
—Elizabeth... por fim! —disse, piscando— Pensei que já não voltaria.
Endireitou-se no assento e se enxugou discretamente os olhos. Tinha estado chorando? O coração lhe deu um tombo ao pensá-lo. Alguém a tinha ferido? Quem? E por quê?
—Mary — murmurou, feliz de ter a oportunidade de pronunciar seu nome—, sou eu, John Preston.
—Senhor Preston? O que faz aqui?
—Eu poderia lhe perguntar o mesmo — respondeu, com mais aspereza do que quis.
—Aguardo lady Elizabeth. Já não os incomodaremos muito mais.
A voz parecia quebrada. John esquadrinhou a escuridão do interior da carruagem e viu que ela introduzia um lenço branco na manga, esperando que ele não o tivesse notado.
—Leva muito tempo esperando lady Elizabeth?
—E, se assim fora, o que? —perguntou irada— É minha obrigação e não vejo que possa ser assunto seu.
Seus olhares se encontraram e o tempo pareceu deter-se. John se excitou em só olhá-la.
—Queria que entrasse. — Estendeu-lhe a mão, mas ela a olhou com tanto horror como se se tratasse de uma serpente venenosa.
—Muito obrigado, mas não.
O rechaço o surpreendeu e chateou.
—Segue zangada comigo.
—Não se faça ilusões. Não pensei em você.
—Pedi-lhe desculpas por minha grosseria. —Condenada mulher! Não conhecia as normas da conduta civilizada?— Algum dia me perdoará?
—Não posso imaginar por que é tão importante para você que perdoe; para mim, não o é.
—Mary, não seja ridícula. Exijo-lhe que entre na casa. Já mesmo.
—Não me dê ordens, senhor Preston. Fui maltratada por homens mais importantes que você e não estou disposta a tolerá-lo.
Tendeu a mão para a portinhola, que ele mantinha aberta, para fechar-lhe no rosto. Mas, para sua imensa irritação, ele a manteve à distância justa para que ela não chegasse a agarrá-la. OH, que sensual era vê-la zangada! O que ocorreria se toda essa emoção contida saía à luz?
—Bem, pois — repôs ele em tom amável— ficarei aqui com você.
—Senhor Preston, nem lhe ocorra! —sobressaltou-se.
Ignorando a resposta, ele entrou e fechou a portinhola detrás de si com um estalo do ferrolho; dentro da carruagem estava escura, mas se sentia coberto do frio. Com deleite, sentou-se no mesmo assento que ela. Em resposta, Mary se moveu até o lado oposto do veículo. John se cobriu com um extremo da manta. Ela o olhou com receio, franzindo o cenho.
—O que faz?
—Acompanho-a.
—Não necessito sua companhia.
—Não me importa — a proximidade revelou o inchaço de seus olhos avermelhados pelas lágrimas; já sem poder conter-se, perguntou-lhe: — Esteve chorando?
—Por Deus! É você o mais grosseiro e insensível de todos os caipiras! Acaso não deixará de fazer perguntas descorteses?
—Não, se for você quem deve as responder — tendeu a mão e lhe acaricio uma rosada bochecha. Estava muito fria— Se está congelando!
—Estou perfeitamente bem — replicou, mas um estremecimento agitou seus ombros, de modo que deslizou um braço por debaixo dos seus joelhos e outro por detrás das costas e, fazendo caso omisso de seus protestos, subiu-a a seu regaço antes de reacomodar apressadamente as mantas para que conservassem o calor corporal de ambos.
Imediatamente, Mary sentiu sua masculinidade vibrante contra seu traseiro. Ele a atraiu para si e a fez perder o equilíbrio, pois se viu obrigada a apoiar-se nele. John sentiu seus mamilos eretos contra seu peito.
Quando se recostou, abraçou-a até mais forte para que sentisse seu membro inflamado em todo seu esplendor. Ela respirou pesadamente. Sua voluptuosa e suculenta boca estava apenas a uns centímetros da dele, que se atreveu a eliminar a distância que as separava. Beijou-a com paixão, e ela sufocou uma exclamação de horror e, sobressaltada, voltou-lhe o rosto, lhe apresentando a bochecha, que ele acariciou e beijou.
—Por favor, John, não — rogou, mas se tinha depravado por completo e lhe afundava o rosto na nuca.
—Cala-te, Mary — lhe beijou o cabelo, a orelha, o pescoço— isto tem que ocorrer.
—Não podemos fazê-lo.
—Sim podemos — se inclinou até voltar a localizar sua boca. Totalmente entregue, esta vez não tentou mover-se. Com um som que era quase um soluço de prazer, abriu-se a ele e uniram seus lábios em um beijo embriagador, como nunca tinha desfrutado do começo de seus amores com a Selena. Teria a sorte de encontrar essa classe de paixão total, enlouquecedora, pela segunda vez?
—Deus, fazia tanto tempo... —murmurou como para si mesmo, quando ele tomou um de seus seios.
—Também para mim — se alegrava de levar tanto tempo sem estar com ninguém.
Fora, a chuva começou a cair copiosamente, repicando no teto, e a abraçou mais forte, desfrutando da sensação. Era uma mulher de sangue quente, hábil em seus movimentos. Seus dedos femininos exploravam com tanta avidez como os dele, percorrendo seu peito e seu ventre até abaixo até tocar desinibidamente seu membro ereto através das calças.
Ansioso de pele nua, lhe desprendeu os primeiros botões do vestido para poder introduzir a mão e acariciar um mamilo. Em seguida, ela cedeu à estimulação, recebendo com gosto as carícias. Mas quando John começou a lhe desabotoar o vestido e quis baixar-lhe dos ombros para poder sugar seus seios, resistiu. Apartou-se com um gemido de desespero.
—Não posso — afirmou— não posso ir mais longe.
—Mary, preciso de você.
—Sei, mas não posso.
—Ao menos, me deixe verte; não me negue esse delicioso espetáculo
Antes que pudesse detê-lo, baixou-lhe o vestido e descobriu seu erguido mamilo; baixou a cabeça, tomou com sua boca. Viu-se recompensado pelos gemidos de prazer que ela deixou escapar. Ficou a trabalhar com dentes e língua, enquanto ela se esticava contra ele e o urgia a seguir adiante.
Ao vê-la tão bem disposta, não pôde evitar investigar sob sua saia; chegou até o úmido refúgio se apressou a mergulhar seus dedos em sua luxuriosa cavidade. Era evidente seu grau de excitação por quão úmida estava. Arqueou as costas quando John tocou seu centro, que aumentava seu tamanho à medida que ele o acariciava. Ele se atou com ânsias a seu mamilo e, com um travesso polegar, precipitou-a sem esforço ao abismo de um profundo orgasmo.
Ela se arqueou e debateu, e ele a estreitou contra si, deleitado ante a forma em que aferrava seu membro duro como uma rocha. Navegou a tempestade junto a ela, até que a tormenta amainou. Mary se derrubou sobre ele e estalou em pranto.
John se comoveu. Fazia tempo que não consolava a uma mulher angustiada. Em realidade, não lhe importava o que era o que a perturbava, pois já tinha atravessado a muralha que a rodeava; suas defesas estavam destruídas e agora chorava em seus braços.
Confortou-a com palavras amorosas e suaves carícias. Por fim, ela se sossegou e, junto com a calma, chegou a vergonha que ele tinha antecipado. Era uma mulher orgulhosa, que não se entregava livremente; sentiu-se orgulhoso de que Mary confiasse nele o suficiente para baixar o guarda.
—Sente-se melhor?
—Sim, mas não me olhe com essa expressão agradada! Não posso acreditar que te tenha permitido me fazer isto.
—Cala, cala. Foi maravilhoso e não aceito reclamações.
—Mas deve acreditar que sou uma chorona. Ou uma prostituta — brotaram novas lágrimas — Ou ambas as coisas.
—Mary — lhe beijou a ponta do nariz, como se fosse uma garotinha— não penso nada disso.
—Aflige minha sensatez!
Enquanto dizia isso, acomodava-se o vestido, ocultando seus esplêndidos seios; ele suspirou decepcionado, ao vê-la abotoar-se com estupidez.
Tremiam-lhe os dedos e não podia fazer acontecer os botões pelas casas. John lhe apartou as mãos e assumiu a tarefa; mas não pôde resistir a sepultar o rosto em seu decote uma última vez. Imediatamente, voltou a arder o fogo de suas vísceras e se arqueou, lhes recordando a ambos que só a gente tinha sido satisfeito.
—Segue excitado.
Ao contemplar a atroz protuberância que lhe avultava as calças, ficou sobressaltada, como se não compreendesse como tinha chegado ele a semelhante situação. Apertou a palma de sua mão contra a ponta, fazendo-o chiar os dentes ao não poder aliviar sua tensão. Desejava com desespero que lhe abrisse as calças e tomasse com sua mão ou com sua boca, mas percebia que, por agora, não iria mais longe. Além disso, se as coisas saíam como ele desejava, e estava decidido a que assim fora, teria ocasiões sobradas de alagá-la com sua quente corrente.
—Excita-me tanto — lhe disse, com um pecaminoso sorriso— Me põe muito duro.
—Mas não posso lhe satisfazer — se lamentou ela — Não posso fazer que você chegue ao clímax. OH, já não posso fazer nada bem!
A curiosa confissão desencadeou um novo ataque de pranto e ele a estreitou contra seu peito, deixando-a soluçar um pouco antes de lhe perguntar:
—Me conte o que ocorre.
—Não há nada que contar.
—Não o há? — levantou-lhe a cabeça para que o olhasse— Se trata do Findley?
A singela pergunta deixava bem em claro que conhecia muitos segredos ocultos. Anos atrás, Pâmela Harcourt lhe tinha contado sobre o namorico entre sua governanta e o conde, e John suspeitava que essa relação fizesse Mary infeliz.
—Não sei o que vou fazer. Já não posso seguir como antes.
—Ama-o? — John se preparou, sem saber o que faria se ela respondia que sim.
—Alguma vez acreditei que assim era, mas agora acredito que possivelmente me equivoquei
—Por acaso, essa revelação te chegou mais ou menos para a época em que ele voltou a casar-se com uma moça que poderia ser sua neta
—Desgraçado! — escandalizada por sua própria veemência, ruborizou-se — Perdão.
—Não te desculpe por detestar ao Findley Harcourt. Eu sempre o considerei um desgraçado.
A revelação a aplacou. Uma vez que o tema saiu à luz, já não parecia tão doloroso.
—Sempre compreendi seus deveres e responsabilidades — confessou — e também entendia claramente qual era meu lugar em sua vida; ao menos, assim o supus. Mas a noite em que se meteu em minha cama e se gabou de que voltaria a contrair matrimônio, teve muita sorte de que eu não tivesse uma pistola a meu alcance.
—Anunciou-te seu compromisso quando estavam juntos na cama?
—Sim! Pode imaginá-lo?
—É um imbecil! — riu feliz de que ela também o fizesse.
—Expulsei-o e nunca voltei a recebê-lo.
—Assim, eu gosto disso — lhe deu uma palmada no traseiro, enquanto calculava o tempo transcorrido desde que Findley e ela tinham deixado de ser amantes. Seis meses? Um ano?— Assim que sua relação com ele terminou?
—Sim, mas ele desejaria que não fosse assim.
—Por quê?
—Eu lhe resultava muito conveniente.
—Suponho, então, que nem tudo anda bem com sua esposa.
—Têm seus problemas — resmungou com raiva — não sei o que outra coisa podia esperar. Essa menina é insuportável.
—Como se comporta contigo?
—É espantosa. Uma vez esteve a ponto de me esbofetear.
—Brinca!
—Por desgraça, não.
—O que fez Findley?
—Elizabeth e eu decidimos não lhe informar.
—Mary...
—Agora sou mais cautelosa. Não me cruzo em seu caminho, e Elizabeth me ajuda.
—Não está a salvo ali. Deve partir.
— Não posso imaginar voltando, mas não tenho aonde ir. Trabalho para os Harcourt desde minha infância e nem sequer sei como se busca trabalho. Em particular, um que seja a altura de minhas capacidades. Não posso imaginar voltando a começar como assistente de cozinha.
—Não, não. Isso seria terrível para ti. E estaria abaixo de suas habilidades. — Sua mente trabalhava a toda pressa, procurando alternativas possíveis.
—Eu poderia renunciar, mas Findley nunca me daria sua permissão. Se insistir, seria capaz de me jogar à rua com a roupa do corpo e nada mais.
—Seriamente crê que o faria?
—Sim, é capaz de qualquer conduta inescrupulosa.
—Sim, sei. — Não queria seguir pensando em Findley nem em sua velha briga com ele, de modo que se concentrou em abraçar a Mary e em refletir sobre sua situação, advertindo que tinha a solução ideal — Por que não trabalha para nós? Necessitamos um governanta profissional, e um toque feminino não viria mal à casa.
Ela ficou rígida antes de apartar-se.
—John, deveria te dar vergonha
—Por quê? — perguntou desconcertado — Qual o problema?
Zangada, Mary se deslocou à outra ponta do assento.
—Já fui ama de chaves de um nobre, e olhe aonde vim parar.
—Eu nunca te maltrataria!
—O mau trato pode tomar muitas formas — ele quis lhe replicar, mas ela o deteve — Já está planejando onde localizar meu dormitório, assim pode te escapulir pelas escadas de serviço para me visitar de noite.
Ele se moveu inquieto, pois isso era exatamente o que estava pensando. Maldita seja, que ardilosa era! À defensiva, perguntou: — Mereço tão pouco respeito teu?
—Pessoas como você tem suas próprias normas de conduta.
—Pessoas como eu! A que te refere?
—Refiro-me a que sei muito mais sobre ti do que pensas; muito mais do que queria saber. Lembro quando visitava Pâmela em Norwich. Paquerava com ela, jogava com suas inseguranças e aflições. Enquanto assolava Londres, dedicado ao jogo e às mulheres. Ouvi muitas coisas.
—E, é obvio, acreditou. —embora a maior parte delas fosse certas, estava farto de dar explicações por coisas ocorridas trinta anos atrás.
—Não se trata se acredito ou não. Simplesmente sei como são pessoas de sua classe, sua família.
—E o que? Não tenho contato com nenhum deles. Há décadas.
—Sim, mas que esteja afastado não significa que tenha deixado de ser quem é. No profundo, segue sendo o quarto filho de um conde.
Não podia discutir isso, era absolutamente certo, de modo que respondeu:
—Mas o que tem que ver minha linhagem conosco?
—Tudo — o olhava como se fosse um idiota — Eu merecia algo melhor que Findley Harcourt. E mereço algo melhor que você. Se voltar a me unir a um homem alguma vez, será porque sei que me fará sua esposa, que me dará minha própria casa e todo o respeito que isso suporta. — se deteve, analisando-o minuciosamente. — Você alguma vez te rebaixaria a me oferecer essa classe de segurança?
Sob esse implacável escrutínio, ele se moveu, inquieto. Suas palavras eram um flagrante desafio, uma provocação que John não podia responder. Ter-lhe-ia encantado desposá-la, envelhecer a seu lado, e tinha a proposta na ponta da língua, mas não conseguia pronunciá-la. Um homem de sua linhagem jamais se casaria com uma mulher da dela. Servia como amante, não como esposa. Nunca poderia ser para ele mais do que tinha sido para o Findley. Que humilhante era pertencer à mesma categoria de tão detestável sujeito!
—Quando voltarei a ver-te? — já sentia que iriam separar-se, e ficou atônito de como parecia difícil aceitar isso.
—Nunca. Nossos caminhos não têm por que voltar a cruzar-se.
Ele tomou as suas mãos.
—Não quero que termine assim. Antes de ter sequer uma ocasião de começar. E você?
—E para que serviria que seguíssemos nos encontrando? Para pular em uma carruagem como adolescentes fervorosos? — meneou a cabeça, desdenhosa— Não, quero algo mais. Mereço-me um futuro distinto.
—Mas... mas... não quer que sejamos amantes? — ver-se rogando o desconcertou, mas não podia evitá-lo.
—Não, não quero.
—Mas foi extraordinário!
—Asseguro-te que, no que a mim respeita, tratou-se de uma loucura passageira. Já passará — estendeu a mão com ousadia para sua virilha e lhe deu um condescendente tapinha ao duro membro que lhe avultava as calças e que, a seu pesar, ergueu-se ante o estímulo. — Está excitado, e por isso confunde seu estado físico com uma elevada estima. Quando me partir, se esquecerá de mim. Por certo, estou segura de que em sua casa tem umas quantas donzelas de serviço que se sentirão felizes de poder intimar contigo.
O insulto o indignou, mas não o rebateu. O que tinha feito ele para que Mary se formasse tão péssima opinião de sua personalidade? Por que descartava toda possibilidade de uma relação entre ambos? Como podia rechaçá-lo com tal negligência?
—Equivoca-te sobre nós, sobre como poderiam ser as coisas. — insistiu com estupidez.
—Parte, John. Elizabeth não demorará a retornar e não quero ter que lhe dar explicações sobre sua presença aqui.
Quis protestar, convencer a de que se equivocava, mas a forma em que ela erguia os ombros o persuadiu de que prolongar a discussão seria em vão. Além disso, tinha razão: que mentira diriam à lady Elizabeth se aparecesse em forma repentina? Em sua pressa por aliviar as tensões sexuais de ambos, tinha esquecido a incorrigível nobre. As circunstâncias domésticas da Mary já eram bastante complicadas sem que ele as exacerbasse envolvendo no embrulho à filha de seu empregador. Com um suspiro de frustração, foi à portinhola e a abriu.
—Isto não terminou — declarou ao descer. Afastou-se sem esperar sua resposta.
Apressou-se a retornar a sua casa e, uma vez que esteve dentro, espiou a carruagem pela janela até que viu lady Elizabeth retornar para ele depois de sua estadia na cabana. O chofer e o lacaio se aproximaram para ajudá-la a subir antes de ocupar seus lugares. O veículo se afastou, estralando, e John ficou olhando, na esperança de ver a Mary uma vez mais. Possivelmente aparecesse pelo guichê ou o saudasse com a mão. Mas, por desgraça, não fez nenhum gesto de despedida, um desprezo que o feriu profundamente.
Gabriel entrou no vestíbulo dando insolentes pernadas, como se fosse o dono do mundo. Quando seu filho se aproximou, voltou-se para olhá-lo, mas não abandonou seu posto. Não podia separar do lugar de onde tinham visto a Mary por última vez.
—O que estás olhando?
—A partida de lady Elizabeth — respondeu John— O que queria?
—O que você acha?
—O contrato para retratá-la segue em pé?
—Foi muito persuasiva.
John emitiu um riso de repugnância.
—Depois de sua decisão de ontem, esta não pode ser uma boa idéia. O que planeja fazer com ela?
—Acaso precisa perguntá-lo?
—Mas não tem dinheiro. Por que persistir?
—Por que não?
—Então, só o fará pelo sexo?
—Sim — se encolheu os ombros com rabugice — Só pelo sexo.
—Se continuar vais lamentar.
—Talvez. — Concedeu.
—Garanto-lhe isso.
Deu-lhe as costas. Que o jovem fizesse o que tinha vontade, e ao diabo com as conseqüências. Sua vontade era forte e, uma vez que se embarcava em algo, a influência de John era escassa. Ignorou o seu filho, quão único queria era estar sozinho, mas sentia que o ardiloso olhar de Gabriel lhe cravava nas costas.
Sem dúvida se estava comportando de maneira excêntrica, mas não podia defender-se nem explicar por que o fazia. Só podia pensar em Mary e no que lhes proporcionaria o destino. Por fortuna, o outro tampouco estava interessado em continuar a discussão e seguiu seu caminho.
John podia sentir o aroma da Mary em seus dedos e em sua boca, recordava vividamente a forma de seus seios, o sabor de seus lábios, a umidade de suas partes íntimas. Algo era indiscutível: voltaria a vê-la.
Capítulo 11
Gabriel estava parado firme, com as pernas bem plantadas e os braços detrás as costas, como o capitão de um navio. Do outro extremo da habitação, Elizabeth o tentava. Como desejava que não tivesse vindo! Depois de seu último encontro, chegou a acreditar que nunca a voltaria a ver; ou que, se ela tinha a temeridade de retornar, ele seria o suficientemente forte para salvar a de si mesmo. Retrataria-a, tal como tinham combinado, mas depois a enviaria a sua casa. Mas, ao encontrar-se frente a esses maravilhosos seios, viu-se obrigado a reconhecer o erro de seus cálculos: quando estava em sua presença, não podia resistir.
Bom, o tinha advertido verdade? Havia descrito com toda exatidão quais eram suas intenções. Ao fim e ao cabo, era humano e não estava disposto a renunciar ao que lhe oferecia de tão boa vontade.
Esta vez, não levava o vestido rosado. Ia embelezada com um severo e sóbrio, vestido cinza. Parecia uma missionária sensata ou talvez uma lavadeira de caminho a seu trabalho.
—Detesto verte vestida de cinza e branco. Tira-lhe a cor a seu rosto.
—Sei, mas é o traje adequado para a desculpa que dava para partir de casa todo o dia.
—O que disse?
—Obras de caridade. Foi a única mentira que me ocorreu em tão pouco tempo.
Ele assentiu com a cabeça, impaciente por vê-la desfazer-se dos horríveis objetos.
—Comecemos com seu cabelo, essa austera trança tem que desaparecer.
A jovem se apressou a obedecer a severa ordem, tirando os pentes de prender cabelos de modo que a massa castanha se derramou em uma onda cintilante.
—Esparrama-o, separa-o com os dedos.
—Assim?
—Exatamente — sem separar os olhos dela, tomou uma taça de vinho e bebeu um pouco. —Seu vestido. Desabotoe o primeiro botão. Mas sem pressa. Agrada-me olhar. Excita-me.
Como não estava acostumada a esse tipo de bate-papo, ruborizou-se, o que lhe sentava bem, e obedeceu. Lutou com o primeiro botão antes de conseguir abri-lo. Ficou imóvel, sem saber como continuar.
—O seguinte, por favor.
Abriu o seguinte.
—Não leva espartilho, verdade?
Ela meneou a cabeça, mas Gabriel já sabia a resposta. O elástico movimento de seus seios tinha feito que seu membro despertasse e se endurecesse.
—É a primeira vez que não me ponho isso. Produz-me uma sensação estranha.
Que tivesse deixado de lado esse objeto era uma incrível façanha de coragem e ousadia. Que o tivesse feito instigada por ele, para lhe agradar, era emocionante. Confiava em Gabriel de maneira incondicional, embora ele não o merecesse.
Se aproximou e elevou a taça em direção a ela.
—Outro.
Um terceiro botão se abriu, lhe apartou as lapelas e revelou uma boa porção de seu seio. O ardente artista introduziu a mão para acariciá-lo.
—Quando veio na sábado, eu adorei beijar seus seios, — a massageou com mais força— você desfrutou muito.
—Já sabe que sim.
—Quero voltar a te beijar ali. Me permitirá isso, verdade?
—Por isso estou aqui.
—O que sentia seu corpo estes dias? Necessitava-me?
—Claro que sim.
Também ele tinha tido saudades, embora jamais o admitiria.
—Mostrarei como se faz amor um homem a uma mulher. Agradaria-te? — apertou um pouco mais, fazendo-a mover-se e conter o fôlego.
—O que implica?
—Importa?
—Suponho que não.
Olhou-o com seus olhos verdes, lhe implorando que fora gentil, que avançasse pouco a pouco, mas ele não podia diminuir o passo. Se o fizesse, terminaria estreitando-a entre seus braços, amando-a e confortando a de uma forma que faria perigar sua liberdade e sua autonomia.
—Termina com os botões — lhe tirou as mãos de cima, bebendo um sorvo de vinho para distrair-se.
Ela tragou saliva, com dúvida, antes de continuar sua tarefa, enquanto ele a observava com avidez. Quando chegou à cintura, afrouxou a parte superior de seu vestido, fazendo mais pronunciado seu decote. Mas não conseguia reunir coragem para tirar-lhe de tudo, então ele a ajudou, atirando das ajustadas mangas e despojando a de sua blusa.
O objeto interior era singelo e funcional, mas estava belissimamente desenhada e se aderia à perfeição a cada delicioso centímetro de seu peito, sem deixar nada escondido à imaginação.
—Muito bonito — murmurou ele.
Languidamente, deu uma volta em torno dela, estudando suas formas. Ao ficar detrás, aproximou-se, avaliando-a. Sua proximidade a pôs nervosa, e tratou de olhá-lo por cima do ombro.
—Não gire — se inclinou e se recostou sobre ela, apertando sua masculinidade ereta contra o traseiro da Elizabeth.
Desde esse ângulo, os seios se viam estupendos. Sobressaíam-se com os mamilos erguidos. Mordiscou-lhe a nuca e ela inclinou a cabeça para oferecer-lhe segurou seus quadris e atraiu seu bem formado traseiro para sua furiosa ereção, arqueando-se de forma deliberada.
—Pensou em mim?
—Sim, mas nem penso te dizer quanto. Já conhece muito bem que efeito devastador produz nas mulheres. Não necessita que aumente sua vaidade.
Ele sorriu.
—Pensou no que fizemos? Em como nos beijamos? Em como acariciei seus seios com minha língua?
—Cada minuto. Sofri muito, canalha!
—Em seu sofrimento sonhava que estava comigo, para poder fazê-lo uma e outra vez?
—Sim, confesso-o — disse ela, zangada— Desde que te conheci, transformei-me em uma libertina.
Com uma risada, ele completou seu percurso. Voltaram a ficar frente a frente.
—Sente-se— a levou de retorno ao sofá, e, ao princípio, ela obedeceu. Mas quando sentiu as almofadas sob as coxas, resistiu.
—Vamos a...?
—Ainda não. Só quero te desenhar.
Tranqüilizou-se, e se recostou nas almofadas. Dispunham de todo o dia e Gabriel tinha intenção de prolongar o prazer; assim, quando chegasse o instante de experimentá-lo, ambos estariam ardendo de paixão. Desenhá-la adiaria o momento, faria- mais fácil a Elizabeth despir-se por completo, e o distrairia por um tempo para não lançar-se sobre ela como uma besta selvagem. Um benefício adicional era que ficaria com uma quantidade considerável de desenhos eróticos.
A fez sentar-se para que seu cabelo pendesse a um lado, lhe cobrindo um braço, e lhe fez elevar o queixo para lhe dar uma expressão altiva e indomável, antes de tomar suas ferramentas de desenho e um tamborete.
—Desça a blusa.
Ela obedeceu, mas apenas se deslocou o objeto.
—Mais — voltou a tentá-lo, mas ainda não o suficiente, assim Gabriel interveio. Baixou-lhe a manga até o ombro, descobrindo quase todo um seio. A camisa ficou em um precário equilíbrio, sustentada unicamente pelo erguido mamilo.
—Muito melhor. Umedeça-te os lábios.
Passou-se a língua por seu lábio inferior, e o gesto foi tão sensual, tão carnal que Gabriel o sentiu na ponta de sua já estimulada virilidade.
—É uma zorra.
—Por quê? Não o faço de propósito.
—Não faz falta que faça nada em especial. É tentadora tal como é. Quando lhe vejo, quero te fazer minha. De todas as maneiras possíveis.
—E isso lhe...? —deteve-se, perplexa ante sua incipiente sexualidade.
Ao ver que não terminava a pergunta, ele a completou.
—Se me dará prazer?
—Sim.
—Sem dúvida. Agora, não te mova. Devo capturar sua essência.
Desesperado por registrar a provocadora pose, ficou a desenhar com frenesi. Cada novo esboço era mais sugestivo que o anterior. Elizabeth se via sensual, arrebatadora, uma sedutora feiticeira a ponto de despir-se para um amante. Ansioso por ver mais, puxou a blusa, descobrindo um seio perfeito.
Seu olhar era tão evidente como um contato físico, e o mamilo se ergueu até mais.
—Quer que te beije o peito?
—Por favor, Gabriel... — rogou.
—Ainda não — lhe decretou — Aperte-o.
—Não posso!
—Insisto.
Obedeceu, acariciando-se com acanhamento. Gabriel estava seguro de que era a primeira vez, pois apenas se beliscava o mamilo.
—Com mais pressão —ordenou— e faz rodar seu índice e seu polegar para que a sensação seja mais intensa.
—Não me agrada a forma em que me faz sentir.
—Que forma é essa?
—Inquieta. Descontrolada.
—Baixa o olhar. Observa o que te faz.
Esteve a ponto de negar-se, mas baixou os olhos a seu peito e o proibido espetáculo que contemplou fez que sua mão ficasse imóvel. Seu cenho se franziu em uma expressão de surpresa.
—É muito atrativo, verdade? O seio de uma mulher. Nunca me tinha dado conta.
—Os teus são particularmente deliciosos.
Voltou-a a acomodar, de forma em que ela ficou sujeitando o precioso montículo com a mão cavada. O mamilo aparecia desavergonhado, entre seus dedos e ele a retratou com uns poucos traços velozes, representando à perfeição seu temperamento sensual.
Que rápido evoluía!
—Olhe — lhe estendeu o esboço— Quem te disse que não é bela?
—Meu pai.
—É um idiota — proferiu, feliz de não conhecê-lo— A partir de agora, minha opinião será a única importante.
Deixou seus lápis no piso, tendeu-lhe a mão para ajudá-la a ficar de pé. Tirou-lhe a blusa. Depois, aferrando suas nádegas, inclinou-se, e apenas roçou os seios com as pontas dos dedos. Queria que a tensão aumentasse até que nenhum dos dois pudesse tolerar mais.
—Tire o vestido.
—O que? Disse que solo queria ver meu peito.
—Já o vi, e agora tenho vontades de ver o resto.
—Parece muito.
—Prometeu que faria tudo o que te pedisse.
—Sim, mas não pensei que tinha intenção de... de...
—Do que? De te corromper? De te perverter?
Era muito descortês de sua parte ao não lhe dar oportunidade de adaptar-se nem acostumar-se, mas já não podia esperar. Estava ansioso por seguir adiante, por possuí-la grosseiramente.
—Se tiro — disse ela, dúbia — o que você fará?
—O que imagina? Te desenhar nua —se fincou e lhe apoiou a palma de sua mão sobre seu monte de Vênus— Quando terminar, estarei tão excitado que te tocarei aqui e te beijarei lá.
Ela jogou a cabeça para trás e gemeu.
—Por que me toca dessa maneira? É tão incrível, e tão horrível ao mesmo tempo.
—É seu centro de prazer. Aliviarei algo da angústia corporal que te esteve atormentando. —Substituiu a mão por sua boca, respirando através de sua saia e Elizabeth se agitou, inquieta— Isso é o que esperas de mim ou não?
Seus dedos se elevaram e foram deter-se em seus mamilos. Ela se queixou:
—Não joga limpo.
—Jamais — riu. Ficou sério outra vez. — Deixe-me te fazer amor. Garanto-te que será formidável. — Suas mãos descenderam até a cintura e se atrasaram ali, esperando que ela permitisse, o que não demorou a acontecer.
—Descarado! — o arreliou, mas sorria.
Uma fileira de minúsculos botões descia por seu quadril. Enquanto a jovem se aproximava a interminável tarefa de desprendê-los, ele observava ansioso cada movimento de seu braço. Finalmente, o último botão se abriu e o vestido lhe caiu ondeando pelos quadris. Elizabeth o aferrou como se disso dependesse sua vida.
—Deixa que caia ao piso.
—Não levo nada por baixo — protestou.
—Quanto me alegro!
Exasperada por seu tom luxurioso, ela duvidou, mas ele não tolerava demoras. Como se estivesse a ponto de inundar-se em um lago gelado tomou uma grande baforada de ar e abriu seus dedos, deixando que o vestido caísse.
Gabriel seguiu sua descida com o olhar antes de retroceder para avaliar seus suaves sapatos de couro, suas meias brancas, as ligas de encaixe que as sujeitavam aos joelhos. Continuou a inspeção deleitando-se com suas coxas lisas e suaves, seus quadris arredondados, seu plano abdômen, seu adorável monte de Vênus. Não pôde resistir a deslizar um polegar na secreta, suave fenda, que estava úmida de desejo. OH, não via a hora de penetrar essa estreita cavidade!
—Tenho-te feito molhar muito.
—Gabriel! —Ele tirou o dedo e a acariciou desde fora, deixando que se adaptasse ao incomum estímulo— O que faz?
—Acaricio-te como os homens acariciam as mulheres. Faço-te o amor com a mão.
—Sente-se... horrível.
—Mentirosa —s e alegrou ao ver que seus quadris começavam a responder. — Estou te ajudando a chegar ao fim.
—Que fim? —gemeu ela— Para esta tortura!
—Logo. —Sua suspeita de que ela nunca tinha chegado ao orgasmo ficou confirmada, e não lhe agradou — Já passará.
—Mas como?
—Já lhe mostrarei isso. — a conduziu até o sofá para que se recostasse.
Impulsionada pelo pudor, seu primeiro instinto foi cobrir-se. Cruzou um antebraço sobre o peito, outro sobre seu regaço, mas Gabriel os separou, colocando-os ao lado.
—Quero te olhar.
—Me dá muita vergonha.
—Não tem por que a ter. — estimulado além de todo limite, seu membro rugia, desejando uma saciedade imediata. — Algo... tudo... está permitido quando estamos aqui a sós. Recorda-o.
Tirou-lhe os sapatos, mas lhe deixou as meias e ligas, e, tomando a dos tornozelos, colocou-a em uma posição insinuante. Até esse momento, sua verdadeira intenção tinha sido retratá-la nua, mas ao vê-la assim exibida, suas intenções artísticas se desvaneceram. Separou-lhe bem as pernas, para poder ver claramente seu centro. Seus lábios femininos se abriram em todo seu esplendor como uma rosa virginal. Estava escorregadia e brilhante, pronta para que Gabriel saciasse sua sede masculina.
O espetáculo o inflamou e não pôde resistir a lhe beijar a panturrilha, o joelho, a parte interna da coxa..., ela ficou rígida e procurou fechar as pernas, mas a posição dele a impedia.
—Não pode seguir subindo. — franziu o cenho. — Ou sim?
—Claro que posso.
—Não estará por... por...
—Absolutamente. — ardia de luxúria e cada um de seus poros pedia que aliviasse seu desejo. —Deite-se de costas. Fecha os olhos.
Foi aproximando de seu objetivo, e o corpo dela se esticou.
—Gabriel! Me solte!
—Não — seu olhar de fogo riscou um caminho apaixonado, insolente, por seu torso, até que tropeçou com o dela. — Confia em mim, verdade?
—Decididamente, não!
Ele lançou uma larga e estonteante gargalhada.
—Melhor assim. Sua ansiedade te fará cair a um abismo até mais profundo.
—Não te entendo. Deixa de falar com enigmas.
—Estou afligido pelo desejo, já não me importa o que quer. Assim somos os homens. Por isso não deve te oferecer se não está disposta a se entregar.
—Tenho medo.
—Do que?
—Do desconhecido.
Se houvesse algo cavalheiresco nele, teria cedido, tomando em conta o temor dela. Por desgraça para ela, nunca tinha sido um cavalheiro, e seus apetites masculinos exigiam ser saciados.
—Te adverti que haveria conseqüências se me visitasse hoje. Não brincava — em tom mais amável, acrescentou: — trata de te relaxar.
Abriu-a antes de baixar e entrar em sua úmida profundidade, acariciando-a com a língua. Sumindo-se no suculento abismo, introduziu-se muito dentro, até que Elizabeth começou a tremer e a balançar-se contra sua boca.
—Sim — a consolou — assim se faz.
—O que ocorre? Isto não me agrada. Faz-me... OH, não posso descrevê-lo.
—É sua paixão que cresce. Vai subindo a uma cúpula de prazer. Eu te levarei ali.
Passou-lhe os braços por debaixo das pernas e as colocou sobre seus ombros, no entanto suas mãos subiam até o peito. Massageou-lhe ferozmente os mamilos enquanto seguia lambendo seus lábios com afã. Elizabeth se esticava e debatia, procurando — sem sabê-lo— o alívio que Gabriel tratava de lhe dar. Lambeu-lhe o centro de prazer, que estava inchado e palpitante. A cada movimento de sua língua, ela ficava rígida e sufocava uma exclamação.
—Já chega, deixe ir.
—Não posso.
—Sim pode. Faz por mim.
Prendeu-se a ela, lambendo com força enquanto atormentava seus mamilos, e com uma exclamação de alarme, precipitou-se a um poderoso orgasmo. Retorcendo-se e arqueando-se, tentou escapar de suas garras e da sobrecarga de excitação, mas ele não estava disposto a retroceder em seu ataque. Sujeitou-a, compartilhando as tumultuosas ondulações que a sacudiam.
Elizabeth subiu até um zênite assombroso antes de descender gradualmente, flutuando, à terra, onde se achava Gabriel. Tinha deixado seu lugar entre suas pernas e beijava todo seu encantador corpo empapado em suor. Quando ela recuperou a consciência, ele a olhou, abraçou e a beijou, para que saboreasse sua própria essência.
Ao vê-la tão turvada, Gabriel começou a sentir como seu coração palpitava agitado em seu peito. Elizabeth tinha conseguido derreter a couraça de gelo que o recobria, e assim liberado sentimentos dolorosos.
O que tinha combatido durante tanto tempo, o que tinha evitado e esquivado com habilidade, o que tinha jurado que nunca ocorreria, começava a acontecer: um absurdo, insensato, apego por ela. O vínculo se estreitava como se tivesse tentáculos que se cravassem em seu peito, unindo-os com tal força que já não poderiam separar-se jamais. Enquanto que uma parte dele se rebelava e dava o alarme, outra o impelia a dar as boas-vindas à circunstância, a deleitar-se nela, a entesourá-la para sempre. "Estou perto do amor"— pensou. Ela o comovia de uma maneira incompreensível. De repente, todas as coisas impossíveis que tinha desejado alguma vez pareciam ao alcance de sua mão.
O qual era ridículo. Não tinham feito mais que compartilhar um estimulante episódio sexual. Isso era tudo. Estava confundindo lascívia com sentimentos românticos. Entre eles nunca haveria mais que um breve, ardente, namorico. Até se Gabriel enlouquecia em forma temporária e decidia que Elizabeth era o amor de sua vida, e ignorava o fato de que nenhum dos dois tivesse dinheiro, o pai dela e muito provavelmente o dele, oporiam-se.
Não podia dizer-se que um bastardo, um estelionatário, um playboy e contumaz sedutor de mulheres fora o tipo de homem indicado para casar-se com a filha de um conde. Quão único os unia era o sexo e, por sua larga experiência, sabia que isso não demoraria tornar-se rotineiro e aborrecido, e sem dúvida o mesmo ocorreria com Elizabeth. Não eram mais que duas pessoas desventuradas, cujo único fator de união era a paixão, e, se ficassem juntos para sempre, seriam infelizes.
Mesmo assim, era entretido sonhar, pensar no que poderia ter ocorrido. Mas só era isso: um sonho. Embora esporadicamente tivesse a fantasia de ter esposa e família, não era uma forma de vida que fora a abraçar jamais. Sacudiu-se para voltar para a realidade; apartou suas caprichosas idéias com só um pingo de remorsos. Por que entristecer-se por algo que alguma vez poderia ocorrer? De todas as maneiras, nenhuma vez tinha querido ter filhos, ou sim?
Estava se comportando como um estúpido. A mulher tinha tido um orgasmo. Nem mais, nem menos, e ele devia ver as coisas em sua justa medida.
Decidido uma vez mais a manter uma firme distância, separou-se dela e se sentou. Arrumou-se a roupa e o cabelo e se acomodou as calças, tratando de encontrar uma posição cômoda para seu insatisfeito membro que pulsava contra sua prisão de tecido.
Embora sua intenção original tivesse sido lhe fazer o amor de maneira implacável durante todo o dia, agora reconhecia sua loucura: tinha esquecido por um momento as inerentes conseqüências de apegar-se a ela, assim não haveria alívio sexual. Não hoje, e talvez nunca. Precisava manter a sensatez. Seu desejo por lady Elizabeth o tinha levado a novas alturas de excitação, e não podia lançar-se a esse caminho de loucura.
Decidido, controlado, registrou a habitação, procurando seu equipamento.
Retratá-la era o melhor método para reduzir seu ardor, para manter a raia seus impulsos libidinosos. Centrou o tamborete e voltou a sentar-se. Concentrado em sua tarefa, elevou a vista, pigarreou e disse:
—Poderia subir as almofadas? Se fica deitada assim, não fica bem iluminada
Capítulo 12
—O que te acontece?
—Nada. Por quê?
Desconcertada, com a cabeça lhe dando voltas e o corpo palpitando pelo prazer que logo que começava a minguar, Elizabeth se sentou e cravou o olhar em Gabriel. Ela procurou, com desespero, ocultar a evidência de seu total desenfreio, pois era evidente que ele preferia não presenciá-la.
Um momento atrás a estreitava contra si, sussurrando suaves palavras de amor; agora, mostrava-se distante, como se apenas a conhecesse. A mulher não podia entender como tinha chegado a estar nua e estendida em um sofá em meio de seu estúdio. Confundida, não pôde menos que perguntar-se se sua recente ascensão às cúpulas do prazer significava que sua castidade já não existia. Durante toda sua vida, tinham-lhe advertido que os homens desprezam às mulheres que se deixam possuir facilmente. Acaso ele já tinha obtido o que queria e, ao igual a todos os homens, tinha perdido interesse nela?
—Ainda sou virgem?
—Sim, é obvio que o é.
—De modo que quando... eu não... você não...
Não estava em condições de levar adiante esse interrogatório tão íntimo. Não estava segura do que significava ser virgem, nem de como se deixa de sê-lo.
—Não se preocupe. Sua virtude segue intacta.
Quando estavam nas garras da paixão, havia-se sentido formosa e adorada, mas agora que ele se mostrava distante e altivo, o esplêndido laço que os unia se desvaneceu. Só sabia que estava nua e que se sentia estúpida e com frio! Sua pele se esfriava a toda pressa. Passeou o olhar a seu redor, procurando uma manta para cobrir-se, mas não viu nenhuma. Estava exposta, em exibição, e não lhe agradava.
Ficou de pé, com a intenção de ir por sua capa.
—O que faz? —perguntou Gabriel, surpreso.
—Quero minha roupa.
—Bom, mas estou por te retratar outra vez. Sente-se.
—Não estou de ânimo para posar. E estou gelada.
Estava sentado tão perto que não podia evadi-lo. Não tinha por onde escapar. Com arrogância, Gabriel lhe posou a mão na cintura e a obrigou a sentar-se; a jovem teve que admitir que era melhor assim, pois o que acabava de acontecer lhe tinha deixado as pernas trementes.
—Fique onde está — ordenou, com seu modo imperioso e tirânico. Foi à habitação do fundo, e retornou com uma larga gaze vermelha. Em uma vã tentativa de abrigá-la, a colocou no regaço, mas o tecido era tão fino que apenas a protegia.
O esforçado artista se dedicou a cobrir sozinho as partes íntimas da tremente moça. Irritada, o arrebatou de um puxão e se cobriu por completo, destruindo a esmerada disposição com um golpe de braço.
—Elizabeth! Já o tinha preparado para a pose!
—Não tenho intenção de ficar aqui recostada enquanto me olha dessa maneira.
—De que maneira?
—Como se nunca me tivesse visto antes. Como se estivesse zangado comigo — se tragou as lágrimas que ameaçavam brotando. Como podia passar de amante ardente a artista reservado em um abrir e fechar de olhos?— O que fiz para te incomodar?
—Nada.
—Então por que te comporta assim?
—Assim, como?
—Não te faça de idiota. Não fica bem.
Impaciente, Gabriel lhe voltou as costas e se dirigiu a sua prateleira de equipamento, ignorando-a. Fingiu registrar terrinas e jarros em busca de um objeto não identificado que ela sabia muito bem que não necessitava.
—Nunca estive com um homem antes; se fiz algo inapropriado, diga-me isso ardo em desejos de aprender. Solo me diga o que é o indicado e farei quanto possa.
Ele emitiu um estranho som afogado.
—Esteve muito bem — insistiu. Mas a forma em que evitava o diálogo a convenceu de que tinha cometido um engano imperdoável.
Por desgraça, ignorava como se relacionava um casal de amantes e não podia sequer intuir qual tinha sido seu engano.
A sensualidade de Gabriel a tinha impulsionado a uma desenfreada viagem de erotismo que lhe tirou fôlego, mas tudo terminou de maneira tão repentina que não pôde avaliar seu próprio desempenho. Os olhos da Elizabeth se cravavam como adagas nas omoplatas dele, desafiando-o a enfrentá-la, mas não o fez. Estava rígido como uma estátua, à exceção de uma mão que se movia incômoda à altura da virilha.
—Bem, pois — se levantou e se envolveu no tecido escarlate, decidida a chegar a suas roupas com a cabeça levantada. —Vou partir. Lamento não ter estado à altura de suas outras amantes.
—Minhas outras amantes! —voltou-se como uma tempestade, ardendo de cólera, mas ela não soube por que o fazia. Chegaria a entendê-lo alguma vez?
—Não sou idiota, Gabriel. Imagino que dúzias de mulheres terão pulado contigo nesse maldito sofá. Me parece, que sabe algo que eu ignoro sobre este tipo de atividade. Peço-te desculpas por não ter satisfeito suas expectativas.
Claramente furioso, ele lhe aproximou dando pernadas até que ficaram frente a frente.
—Acredita que me decepcionou?
—O que outra coisa poderia acreditar?
—Está louca! —tomou a mão e a colocou sobre o proeminente vulto. —Te parece que isto é decepção?
Ela apoiou a palma contra a estranha protuberância, que pareceu cobrar vida.
—O que é isso?
Quase com violência, lhe apartou a mão. O delicado tecido se deslizou e ela voltou a ficar nua. Gabriel a segurou pelos quadris e apoiou sua virilha contra a dela, que separou as pernas de forma automática, lhe dando acesso a suas partes íntimas. O desenfreado artista aproveitou a ocasião, arremetendo lenta e meticulosamente. A precisa investida desatou uma miríade de explosões em seu interior.
—É meu pênis.
—Para que serve?
—Para fazer sexo. Para copular contigo.
—E como...?
Antes que pudesse completar a frase, ele segurou pelas nádegas, elevou-a e a fez voltar-se. De repente, encontrou-se estendida no sofá, com Gabriel encravado com insolência entre suas pernas. Baixou seu corpo, esfregando-se nela com mais força da que nunca tinha empregado até esse momento. Era evidente que a ação lhe resultava dolorosa. Apertando os dentes, murmurou:
—Desejo-te tanto!
—Então, me mostre a que te refere. — declarou ela, audaz.
—Não me tente.
Ele se afirmou, apoiando-se em seus braços, enquanto movia seus quadris em um ritmo brutal. O corpo da jovem reconheceu a manobra e separou as coxas, convidando-o.
Com cada impacto, suas ásperas calças lhe raspavam o montículo ainda sensível pelo episódio ocorrido apenas uns instantes atrás. Algo se acendeu entre eles, e Elizabeth reconheceu com deleite o primeiro indício do fogo da paixão, advertindo que a maravilhosa incursão que ele tinha iniciado fazia uns minutos podia repetir-se. Sua anatomia respondia com ávido entusiasmo, desejosa de uma segunda ronda.
—Por que te move assim? O que tenta?
—É o prelúdio antes de te penetrar — explicou ele com crueldade. Com seus dedos, atravessou seu pêlo de mulher e a acariciou com intensidade. — Está bem disposta para que te possua.
—Disposta? —gemeu, abrindo as pernas instintivamente.
—Sim. —murmurou com voz rouca, enquanto seguia acariciando sua ardente feminilidade. — Me faz desesperado.
—Por quê? Estou fazendo algo mal?
—Mulher! Puseste-me tão duro que estou por romper as costuras de minhas calças!
Seguiu arremetendo, fazendo-a perceber o tamanho e a forma de seu membro. Produzia-lhe uma agitação indescritível, sentia cócegas de excitação por todo seu corpo e um renovado palpitar em seus seios.
—Desejo-te. —ofegou— Só penso em você. Só desejo você. Ouve-me?
—Sim. —assentiu com a cabeça— ouço-te.
—Pois, então, não diga mais disparates.
O que queria lhe dizer? O maldito sujeito era um enigma vivente. Adivinhações! Isso eram suas palavras! Estava zangado ou não? Insatisfeito ou não? Infeliz ou não?
—Se tanto me deseja. — aventurou com cautela— por que me desprezou recentemente?
—Porque eu... eu... — suas bochechas se avermelharam. Foi incapaz de explicar o que o tinha levado a tão insensato comportamento.
A mulher o observou, em atônito silêncio. O canalha se sentia envergonhado! Que curioso rumo estavam tomando as coisas!
—Me diga. — Insistiu.
Todas as emoções possíveis, arrependimento, ira, desejo, preocupação, ternura, cruzaram seu formoso rosto. Parecia perdido, perplexo, incapaz de racionalizar seu flagrante desconcerto, e isso fez desaparecer a consternação da jovem. Acaso era possível que ele sentisse as mesmas emoções que a acossavam a ela?
Estava convencida de que, apesar de que Gabriel se empenhasse em fingir desinteresse, sentia afeto por ela. Mas era um homem orgulhoso, vaidoso, exigente. Era de supor que numerosas mulheres elegantes e encantadoras teriam passado por sua vida, mas o mais provável era que nunca tivesse chegado a afeiçoar-se com nenhuma delas. Talvez o afeto que começava a sentir era tão novo e desconcertante como para ela.
Deu-lhe pena e decidiu ajudá-lo a sair da difícil situação.
—Acredita que foi muito depressa para mim?
—Exato. — admitiu, lançando um suspiro de alívio.
—Sabe, — procurou manter um tom despreocupado. — Quando penso em minha relação contigo, dá-me medo.
—Por quê?
—O que sinto por ti é entristecedor. Nunca me ocorreu algo assim. E não me refiro só ao físico, mas também ao emocional. Quero-te muito, mais do que deveria.
—Sim — afirmou Gabriel em tom neutro.
—Mas não me privaria do prazer de passar um tempo contigo nem de te conhecer melhor — lhe acariciou o peito e ele sentiu que o coração se agitava— Te preocupa que eu possa me converter em um problema?
—Às vezes.
—Bom, não se preocupe. O dia que estiver farto de mim, só me diga isso e te prometo que me retirarei em paz. Nunca voltarei a te contatar.
—Bela...
—Cala. — lhe posou um dedo nos lábios, interrompendo-o. Já resultava difícil lhe oferecer semelhante maneira de terminar a relação para ter que escutar suas justificações, fossem quais fossem, de por que seus sentimentos não eram recíprocos.
—Faz-me parecer um sujeito de sangue-frio.
Não se tratava de que lhe parecesse insensível. Simplesmente Elizabeth não se iludia sobre a relação. Não tinham futuro, era um fato indiscutível, de modo que não tinha sentido desejar algo que nunca aconeceria. Se ele podia fingir serenidade, ela também o podia, lhe concedendo uma via fácil para terminar seu namorico. Queria que se concentrasse nela aqui e agora, sem importar o manhã. Decidida a não deixá-lo pensar em assuntos que simplesmente não tinham solução, baixou a mão até a protuberância de suas calças.
—Como disse que se chama isto? Pênis?
—Sim...
Massageou-o. Agradou-lhe ver como se retorcia.
—Dói quando se aumenta assim?
—Às vezes, sim.
—Como se alivia essa dor?
—Friccionando, até que broto um líquido leitoso de meu corpo. — ofegou.
—Eu poderia fazer que isso ocorresse?
—Quase sem te esforçar.
—O que teria que fazer?
— Me acariciar com sua mão ou com sua boca. Ou poderia pô-lo aí. — lhe roçou sua cavidade, que até o momento ela nunca tinha estudado de verdade — mas, se o fizesse, te tiraria a virgindade.
—Dói?
—Só a primeira vez. Talvez sangres um pouco.
—Não soa muito agradável.
—Ao princípio não está acostumado a sê-lo... para a mulher.
—E para o homem?
—É o prazer que ânsia mais que qualquer outro.
—Por que me faria sangrar?
—Porque se rompe a fina membrana que protege a entrada de sua vagina. É o que faria seu marido na noite de núpcias.
—Não é uma possibilidade que deva nos preocupar. — riu.
—Pode te arrepender dessa decisão mais adiante.
—Duvido-o.
Lançou um riso de repugnância. Como se algum galã fosse pedir sua mão! Além de que não tinha pretendentes, desde que tinha conhecido ao Gabriel e compreendido no que consistiam os deveres de uma esposa, não podia imaginar-se entregando-se a outro. A idéia de que um homem que não fora Gabriel a fizesse sua era absolutamente desagradável. Começava a considerar-se propriedade dele e de ninguém mais, e nunca poderia unir-se a outro. Lhe teria parecido um pecado.
—Se lhe suplicasse. — inquiriu isso, desavergonhada— me tiraria a virgindade agora mesmo?
—Não acredito.
Olhou-a com o cenho franzido, ruminando sua própria negativa. Evidentemente esta não era a forma habitual em que progrediam seus namoricos. Parecia desconcertado, como se o que acabava de dizer fora quão último podia esperar que saísse de seus lábios.
—Por que não?
—Nossa relação me confunde. Não estou seguro de que deva te arrebatar sua virtude.
Se não lhe interessava comprometê-la, o que estavam fazendo?
—E por que não o está?
—Porque não podemos predizer o futuro. Uma vez que perde sua virgindade, não pode recuperá-la, e não quero que lamente que tenha sido eu quem lhe tenha tirado isso.
—Isso é muito doce, Gabriel.
Ruborizou-se ante o elogio, como se ser galante não fora o que lhe correspondia. Talvez fora certo.
—E... agrada-me. —adicionou, com um sorriso que derreteu sua determinação e suavizou sua resistência a um compromisso mais sério— Nunca poderia te fazer dano.
Depois de semelhante declaração, que mulher poderia evitar apaixonar-se? Tinha passado largas horas dando-se conselhos a si mesmo, recomendando-se moderação, estabelecendo prioridades e obrigando-se a recordar que ele não era o homem para ela. Que não podia contar com ele nem antecipar uma relação perdurável. Que não podia permitir que seus sentimentos se vissem afetados. Mas, por desgraça, seu coração parecia ter cobrado vontade própria. Estava-se apaixonando, e muito depressa. Mas jamais o reconheceria ante ele.
Se ele suspeitava que suas emoções estivessem comprometidas, possivelmente não queria voltar a vê-la nunca. Embora o momento da separação fosse chegar um dia, a vida sem Gabriel lhe parecia insuportável e não estava disposta a que sua própria precipitação acelerasse o inevitável.
Trocou de tema, e se centrou no corpo viril do artista.
—Posso te olhar?
—Será melhor que não me dispa.
—E por que não teria que fazê-lo?
—Estou terrivelmente excitado. Não estou seguro de que me possa controlar.
Que excelente noticia! Se já tinha chegado a um ponto do que não podia dar volta atrás, quem poderia imaginar o que ocorreria uma vez que ficasse nu?
—Ao menos, te tire a camisa. — cuidou de que sua voz não delatasse sua ansiedade, queria que se despisse e, se devia atuar de maneira audaz para obter seu objetivo sem dúvida o faria!— Não me diga que te parece muito perigoso.
Gabriel refletiu durante um instante sobre o pedido antes de assentir.
—Acredito que poderia fazê-lo.
A tirou por cima da cabeça, enquanto ela examinava com avidez o movimento de seus músculos, a extensão de seus braços. A camisa caiu ao piso, a moça lhe roçou o peito, acariciando seu suave pêlo. Brincou com seus mamilos, as oprimindo e as beliscando até que ele lançou um gemido. Então, baixou a mão até seu pênis, incitando-o.
—Te mostre. Quero ver como parece.
Olharam-se aos olhos e ele titubeou, mas lhe era tão impossível evitar obedecê-la, como a ela conter seus incorrigíveis impulsos. Desafiando-a, desprendeu-se o primeiro botão da calça.
Como se ela fosse amedrontar-se! Aceitou de boa vontade a oportunidade que lhe oferecia, apressando-se a desprender os botões faltantes com movimentos torpes. A forma em que o membro estirava a calça fazia difícil sua tarefa. O corpo dele estava tenso, oprimido, parecia um animal selvagem lutando por escapar dos limites de sua jaula.
O último botão se desprendeu, e a jovem ficou olhando seu membro, perguntando-se o que fazer agora. Mas ele não estava para demoras.
—Não seja tímida.
—Não o sou—respondeu, mas não se moveu.
—Me toque —ordenou ele, irritado.
Ao ver que ainda não se decidia, tomou a mão e a meteu nas calças, fazendo-a fechar os dedos sobre seu membro. Fascinada, deteve-se, avaliando suas proporções exatas. Parecia imenso, apenas podia rodeá-lo com os dedos. A mão dele envolveu a sua, e a dirigiu, lhe mostrando como apertá-lo mais e sustentar um ritmo vertiginoso. As calças impediam que ela o manipulasse na forma que ele exigia. Frustrado, apartou-se com brutalidade e se baixou as calças até o quadril.
—me olhe —ordenou.
—OH, Deus! É tão grande!
Assombrada, não conseguia separar os olhos do espetáculo. O sexo, avermelhado e inchado, aparecia feroz e palpitante. Ele se sentou no outro extremo do sofá, levando-a consigo. Elizabeth ficou de joelhos, contemplando-o. Esta vez, não duvidou. Com ambas as mãos consagrou-se com ardor a indecente tarefa. Era uma boa aluna e não demorou em descobrir o que lhe agradava, o que o excitava mais. Alternava a velocidade dos movimentos... mais rápido, mais devagar, e cada uma de suas manobras fazia que se inchasse; parecia crescer e tornar-se mais exigente com cada manipulação. Incitou-o até que um líquido viscoso brotou da ponta carmesim; Gabriel pareceu a ponto de estalar pela tensão.
Tomou sua mão e a posou em seu testículo. Ensinou-lhe a acariciá-los com menor pressão.
—São muito suaves. — murmurou a jovem.
—São muito sensíveis. Agora, me coloque em sua boca.
—O que?
Inicialmente, não entendeu o que queria, mas lhe fez baixar a cabeça para que os lábios da Elizabeth roçassem sua lubrificada sexualidade, deixando bem clara sua intenção. Ficou paralisada, sem saber como proceder uma vez mais.
—Não agüentarei muito mais. — revelou ele — E quero estar dentro de ti ao menos uma vez antes de chegar ao fim.
—Vai A... —não podia formular as perguntas para as que necessitava respostas explícitas em forma tão repentina: que sabor teria? O que sentiria?
—Não te alagarei a boca — lhe assegurou, interpretando sua introspecção.
Não soube se sentir-se aliviada ou não.
—Por quê?
—A primeira vez pode ser... desagradável. Estou excitado, assim não serei suave. Pode levar algum tempo acostumar-se a esta classe de jogo sexual. Ao menos, para a mulher.
Era evidente que não para o homem.
—E, então, por que me pediria isso?
—Porque me agradaria mais que nenhuma outra coisa que pudesse fazer. — detestava a maneira em que ele escavava sua vontade, fazia muito difícil que lhe negasse algo. Mesmo que lhe requeria semelhante ato libidinoso, ela se sentia tentada além de todo limite.
—Te detém, se lhe peço isso?
—Chupa-me! foi a única resposta.
Elevou a vista a seus reluzentes olhos azuis. Escrutinava-a quase com violência, como se não soubesse o que fazer se ela se negasse. Não tinha medo de prová-lo; simplesmente, duvidava pela novidade do ato. Embora devesse reconhecer que tudo o que lhe tinha mostrado até agora era interessante.
Lambeu-o, lhe umedecendo a ponta e, no momento mesmo em que o tocou, alegrou-se de ter feito. Em um instante, levou-o muito além do que nunca tivesse imaginado.
—Assim?
—Exatamente assim. —gemeu ele.
Dedicou-se a sua tarefa, desfrutando de seu sabor, seu aroma. Com grande desfruto, lambeu o suco que seguia brotando, mas não podia terminar de bebê-lo. Quanto mais lambia, mais úmido ficava.
—Agora, abre a boca.
Já não sentia temor nem preocupação, assim obedeceu a seu pedido, quando lhe deslizou a ponta entre seus lábios. Abriu-se para lhe dar capacidade e, assim que ele franqueou a entrada, adiantou seus quadris, solo um pouco ao princípio, mas metendo-se cada vez mais profundamente com cada novo arremesso. À medida que penetrava com mais profundidade, emitia exóticos murmúrios em línguas estrangeiras que a jovem não reconheceu; mas lhe pareceu que sussurrava palavras de amor, de elogio e adulação, e fingiu compreender seu significado.
Recostou-se nas almofadas, voltando-se de lado e apoiando-se no sofá para que ele pudesse penetrar mais. Adaptava-se rapidamente ao ato, e seu mundo se reduziu aos elementos mais simples: Gabriel, seu pênis, sua boca. A manobra era tão rudimentar, tão essencial, que poderia ter seguido praticando-a para sempre.
Então, de repente, ele se retirou. A jovem quis retê-lo com a mão, mas Gabriel a arrastou até pô-la debaixo dele e acomodou o membro entre suas pernas.
—Tenho que fazê-lo. Agora.
—O que está...? —começou a dizer, mas ele interrompeu seu interrogatório com um ardente beijo.
—Eu adoro o sabor de meu sexo em sua boca —se apertava contra seu ventre— Está feita para a paixão. Feita para mim.
Meneava-se, aproximando-se de uma cúpula, em forma muito parecida com a que ela tinha brigado por alcançar, e sorriu, feliz de havê-lo levado a tal estado.
—Me diga o que devo fazer.
—Me rodeie com seus braços. —Instruiu ele. — Me estreite com força.
—Farei.
—Não me solte.
Abraçou-o com toda sua força, e ele sepultou o rosto no travesseiro, antes de investir uma vez, logo outra. Seu corpo ficou rígido. Um gutural gemido lhe retumbou na pele e os ossos. Abaixo, o morno líquido estalou sobre seu abdômen, e um penetrante aroma alagou o ar. Gabriel se derrubou sobre a jovem. Seu peso a afundava nas almofadas, e ela o estreitou entre seus braços, adorando cada instante da tórrida exibição.
Jamais imaginou que fazer o amor incluía uma revelação íntima da alma. Teria sentido ele essa mesma, estremecedora, sensação de conexão?
Depois de tão ardente episódio, não sabia o que esperar, assim, quando sentiu que o coração de Gabriel pulsava com mais calma e que todo seu ser se serenava, tratou de recuperar a compostura, preparando-se para o que faltasse.
Quando, ao fim, ele rodou até ficar a seu lado, ela o interpretou como um muito bom sinal: não se apartaria. Tinha a coxa cruzada sobre a sua, seu braço lhe massageava as costas, e descendia para lhe acariciar preguiçosamente seu traseiro nu.
Cobriu-lhe de beijos o cabelo, a testa, a bochecha, e, ao fim, seus lábios se encontraram. As línguas se uniram em uma delicada dança de afeto, talvez amor? Embora, quando se tratava de Gabriel Cristofore, sabia que não tinha sentido pôr nomes a suas emoções. Bastava-lhe vê-lo tão comovido pelo ocorrido, sentiu-se eufórica por ter compartilhado com ele uma experiência tão única e privada.
Seus lábios se separaram, viu que ele sorria com acanhamento. Parecia jovem, encantador, desorientado. Sua arrogante confiança tinha desaparecido, no momento. Com a gema de seu dedo percorreu o contorno dos lábios da Elizabeth.
—Não te machuquei, verdade?
—Não.
—Quando estou excitado, nem sempre tenho bons maneiras.
—Já o notei, mas não posso dizer que me incomode.
—Minha pequena desavergonhada! —deu-lhe um tapinha no traseiro.
Ela riu, mas o coração lhe doía. Como tivesse querido lhe confessar o que sentia! Entretanto, não conseguia descrever os sentimentos que a alagavam e, de todos os modos, ao Gabriel não agradaria descobrir que ela o amava.
Além disso, se fazia algum estúpido juramento de fidelidade onde os levaria? A experiência que acabavam de compartilhar os tinha sensibilizado a ambos. Uma só palavra de afeto e se encontrariam imersos em uma armadilha de amor da qual não haveria escapatória. Era melhor calar.
—Foi diferente do que imaginava.
—Como?
—Mais físico, suponho. Mais especial.
—Espera a que esteja dentro de ti... Realmente dentro. É mil vezes mais íntimo.
Só lhe pensá-lo produzia uma comichão de expectativa.
—Fará hoje?
—Não sei. — disse ele de modo vago.
Sentou-se e, durante um aterrador momento, ela acreditou que partiria, mas só tomou sua camisa para enxugar o líquido derramado sobre seu ventre e voltou a tombar-se.
—Não tinha intenção de fazer nada hoje. Exceto, talvez, te enviar de retorno a sua casa logo que chegasse. Asseguro-te que não ia fazer nada nem parecido a isto. — assinalou os torsos nus de ambos, como se não pudesse explicar-se sua conduta. — Quando estou perto de ti, por mais que tenha planejado outras coisas, é impossível me comportar.
—Me alegro.
—Eu também.
—No sábado, parecia tão seguro de que nós... nós... —como tivesse querido encontrar as palavras adequadas!— O que te fez mudar de idéia?
—Passei-me o fim de semana refletindo atentamente sobre nossa situação e decidi que não tínhamos que ser amantes. Mas então — escrutinou seu peito, seu ventre, suas coxas — posei meus olhos em ti e senti que simplesmente tinha que te fazer minha. Está-me fazendo louco.
Localizou-se debaixo dela, os seios da Elizabeth se balançavam muito perto de sua boca. Escandalizada, notou que seu corpo se preparava para a ação com rapidez.
—Bendita loucura. —ronronou.
—Desejo-te o tempo todo. — a segurou com força pelo traseiro e a sujeitou sobre sua ereção, perplexo ante a intensidade de sua própria paixão. — Mas temo que, se persistir, terminarei por abusar de ti de uma forma terrível.
—Nunca o faria. — replicou com suavidade.
—E como sabe? Não sabe do que...
Alarmada pelo que ele pudesse revelar, sossegou-o com um beijo, negando-se para ouvi-lo confessar seus pecados. Não necessitava que lhe advertisse de todas as maneiras em que podia lhe romper o coração porque sabia que muito em breve as conheceria.
—Nos concentremos no que temos — sugeriu — e será suficiente por agora.
Ele procurou seu olhar antes de dizer:
—Quero-te.
A declaração tinha sido arrancada de algum lugar de seu interior onde tinha estado sepultada. Elizabeth assentiu com prudência, aceitando-a como uma dádiva que não podia avaliar.
—Então, estou segura de que tudo sairá bem.
—Você me pôs duro outra vez. Outra vez! Tão rápido!
Parecia severamente perturbado por seu descobrimento, e ela não pôde a não ser rir ante sua confusão. Que bom era vê-lo tão incômodo!
—Então, me faça tua, parvo. — se inclinou, fazendo que um de seus mamilos lhe roçasse os lábios— e deixa de preocupar-se pelo amanhã. Chegará antes do que esperamos.
Evidentemente, ele esteve de acordo, pois o meteu na boca e esqueceu sua consternação com toda facilidade.
Capítulo 13
Mary se passeava pelo saguão um pouco puído de John Preston. Não tinha tido intenção de visitá-lo e, entretanto, ali estava, ansiosa, inquieta, aguardando sua chegada com impaciência. Suspender o iminente encontro lhe teria sido tão difícil como deixar de respirar. Tinha-lhe apresentado um futuro e, para sua grande surpresa, reconheceu afligida que John parecia ter algo que ver com ele.
Desde seu encontro sensual, fazia uns dias, não podia comer nem dormir, e logo que podia cumprir com suas tarefas na casa Norwich. Só podia pensar em John. Mentiu quando se negou veementemente a relacionar-se com ele. A ele e a si mesma.
Era a única pessoa que a entendia de verdade, que lia sua mente, que compreendia suas preocupações e penas. Sentia-se desesperadamente sozinha, e era um alívio haver-se topado com alguém que se preocupasse com seu bem-estar. Além disso, embora suas intenções não fossem de tudo decentes, estava convencida de que seus sentimentos eram genuínos, e ela estava bem disposta a aceitar a proposta. Em seu atual estado, desejava a atenção e a companhia que lhe daria (por não mencionar o grau de erotismo de sua relação ilícita).
Ao longo dos anos, tinha ouvido muitas histórias a respeito do John Preston e seus hábitos lascivos. Embora em seu encontro anterior o tivesse condenado com arrogância por seu comportamento, agora estava feliz de que ele tivesse tanta experiência nas artes amorosas. Depois de provar uma pequena amostra das indecentes delícias nas que era perito, não via a hora de submeter-se a novas lições.
Não era uma menina boba nenhuma cândida virgem e, certamente, tampouco a dama decente que sua mãe pretendia que fosse. Para sua eterna vergonha, converteu-se na amante de Findley Harcourt. Embora fosse uma mulher inteligente e decidida, tinha-lhe permitido aproveitar-se dela de formas humilhantes. Foi seu único amante, e tudo o que sabia dos jogos amorosos o tinha ensinado ele.
Mas seu breve encontro com o John lhe deixou muito claro que muitos aspectos sexuais tinham sido contemplados ou, simplesmente, omitidos, em sua educação erótica. Findley era um homem egoísta e Mary se adaptou a seus gostos e necessidades, assumia à tarefa de consolar e confortar. Nunca tinha tido a ousadia de procurar sua própria gratificação, pois jamais lhe ocorreu que suas necessidades pudessem equiparar-se às dele. Cada vez que ficava saciada, assombrava-se, inclusive chegava a lhe ocultar ao conde o ardoroso de sua resposta, para não interferir com a dele.
Mas John, no primeiro momento, empenhou-se em satisfazê-la; ele sentia prazer em propulsá-la a novas alturas de êxtase. Logo depois de descobrir esta nova maneira de fazer o amor, ficou completamente enfeitiçada e não pôde esquecê-lo.
Ouviu umas pegadas no vestíbulo. Reconheceu seu passo decidido e sua ansiedade se disparou. Estaria contente de vê-la? Era um homem orgulhoso e se havia sentido gravemente ofendido quando ela rechaçou sua proposta.
John se deteve na soleira, estudando-a com semblante inescrutável, como se ainda não lhe acreditasse no criado que anunciou sua presença.
—Lady Elizabeth não está aqui. — foram suas primeiras palavras.
—Sei. Vim sozinha.
Entrou na habitação e lhe aproximou tanto que podia sentir sua respiração.
—Por que está aqui?
Não havia nem rastro de emoção em sua voz, e ela sentiu temor. Mas nunca tinha sido tímida, e vacilar podia ser fatal. Estava disposta a tomar o que desejava.
—Sentia saudades e queria voltar a ver-te. —Ele não respondeu, mas sim a observou com expressão enigmática. O coração lhe deu um tombo. Nervosa, temendo que a jogasse, apressou-se a acrescentar: — Pensei que poderíamos...
Antes que pudesse finalizar, John se levou um dedo aos lábios, lhe indicando que calasse, e a tirou da mão. Em voz muito alta, se por acaso havia algum servente, disse:
—Há muitos quadros do Gabriel espalhados pela casa. Eu adoraria lhe mostrar alguns.
E se precipitaram escada acima. Arrastava-a com tal velocidade que seus pés mal tocavam o chão; não demoraram para subir dois lances de escadas e, quando chegaram a um silencioso corredor, conduziu-a a uma habitação que havia ao final. Só teve um breve instante para notar que era seu dormitório antes que ele a fizesse entrar e fechasse a porta detrás de ambos.
Sem vacilar, a tomou entre seus braços, lhe aferrando o traseiro, e a apertou contra a porta. Lutando por manter o equilíbrio, sustentou-se em seus ombros quando lhe elevou saias e anáguas. Mary lhe rodeou a cintura com as coxas. Firmou-a, abrindo-a para que suas partes íntimas ficassem pressionadas contra seu membro.
—Você! —estava desesperado por ela, lhe cobrindo a boca com beijos ferventes e selvagens. —Tem idéia de quão furioso estive contigo!
—Sim, sim. Não tive intenção...
—Rechaçou-me! Insultou-me! Pôs em dúvida minhas intenções!
—Sinto muito. Sinto-o muito.
—Amaldiçoei-te mil vezes.
Tinha-lhe introduzido a mão entre as pernas e a acariciava, com fortes movimentos que a faziam gemer e rogar. O prazer era tão intenso que mordeu os lábios para evitar que algum servente a ouvisse e adivinhasse o que faziam. O polegar de lhe acariciava sua crista de prazer em um movimento circular e, em seguida, sentiu-se ao bordo do clímax. Esticou-se, tratando de evadir-se, mas John não a soltava.
—Diz que me ama. —ordenou.
—Não... não posso... não quero...
—Diga-o!
—John... —ele aumentou a pressão e o ritmo de seus movimentos. Uma vez. E outra. Até que Mary não pôde agüentar mais e se deixou alcançar por uma ardente explosão de prazer.
John sossegou seus gemidos com sua boca, apanhando seu êxtase e compartilhando com ela sua prolongada ascensão ao paraíso. Quando recuperou a prudência, viu que ele se estava desabotoando as calças. Abraçado a ela, seus quadris a investiram apenas.
—Diga-o — repetiu, mas com suavidade. — Quero que o admita.
—Amo você.
Com um suave arremesso, penetrou-a, e ela deu um coice ante a inesperada invasão. Era muito maior do que esperava, e se sentia condenadamente maravilhoso. Retirou-se antes de enterrar-se em toda sua longitude.
—OH, Deus..., John...
—Eu também te amo.
Ambos permaneceram imóveis. O tempo pareceu deter-se. Mary olhou seus formosos olhos pardos e sentiu que conhecia esse homem de toda a vida. A magnífica percepção fez que uma quebra de onda de euforia a embargasse.
—Me mostre quanto. — sussurrou a extasiada mulher.
Respondeu com uma gargalhada, um som pleno e vigoroso, sem deixar de olhá-la aos olhos. Inclinando-se, agarrou-a pelos quadris e se pôs em ação com grande entusiasmo, prolongando o encontro, até que alcançaram o prazer juntos. Quando encheu o corpo da Mary com seu morno elixir, ela se contraiu em um espasmo, sentindo o calor que a alagava. A mulher pressionou seus lábios contra os dele, recebendo o gemido de satisfação.
—Pelo amor de Deus, mulher, tenho cinqüenta anos. — o pulso lhe galopava e tinha a respiração agitada. — Me matará.
—Espero que não muito rápido. Tenho intenção de desfrutar de ti umas quantas vezes mais antes que expire.
—Devo me recostar. Estou tão esgotado que as pernas apenas me sustentam.
Caminhou cambaleando-se até a cama, levando-a em braços. Depositou-a no leito e se deixou cair junto a ela. A cama rangeu sob seu peso e ambos riram como adolescentes.
Ele se incorporou e se colocou entre as suaves coxas da mulher. As calças lhe penduravam debaixo dos quadris e sua proeminente e impressionante virilidade se erguia, pronta para entrar em ação outra vez. Deleitada ante seu considerável tamanho, ela o empurrou, obrigando-o a recostar-se antes de introduzir-lhe na boca. John lançou um gemido ante sua inesperada iniciativa. Mary não tinha intenção de atuar com tal temeridade ao menos, não no começo! Mas não se pôde resistir ao desejo de saboreá-lo.
Ao cabo de uns segundos, ele se apartou, atirou-a sobre os travesseiros e se tombou sobre ela.
—Desavergonhada. —a provocou.
—Ainda não tinha terminado.
—Tampouco eu, mas quero que te dispa.
Ele tirava sua roupa com tal frenesi que ela temeu que rasgasse o tecido; não teria modo de explicar sua aparência se retornava a casa nesse estado.
—Devagar. — lhe apertou os dedos. Não recordava a última vez em que tinha brincado e jogado. Tinha transcorrido muito tempo. Muito.
—Não posso esperar.
—Bom, temos todo o dia. Não devo retornar até as quatro.
Ele arqueou as sobrancelhas em um travesso convite antes de aproximar-se de lhe desatar o espartilho. Agora que tinha a certeza de que tinham abundantes horas de luxúria por diante, despiu-a languidamente. A cada parte do vestido que ia tirando, fazia comentários de prazer e de assombro, beijava e acariciava, provocando e deleitando em igual medida. Continuou despindo-a até que ela ficou só em meias e ligas.
—Eu adoro seus seios —declarou, tomando um entre suas mãos.
—Não estão tão firmes como antes. — se ruborizou ante seu próprio comentário que a denegria. Não podia entender por que o tinha feito. O que lhe importava se lhe pareciam ou não atrativos ao John? Tinha quarenta e cinco anos; não necessitava que ninguém a tranqüilizasse em relação a sua aparência, ou sim? Talvez as bodas do Findley com sua jovem e bela esposa a tinha afetado mais do que supunha!
—Parece-te que me importa? —destacou-se grosseiramente a virilha.
—Não, já vejo que não. —riu.
—Então, não me insulte com observações estúpidas. Parece-me formosa. — se inclinou e começou a lhe lamber um mamilo, mas ela o apartou.
—Ainda não — lhe aproximou, e ambos ficaram de joelhos com os corpos unidos e as coxas entrelaçadas— Quero que você também te tire a roupa.
—Bom, que não se diga que John Preston se negou ao pedido de uma dama.
Estendeu os braços, exibindo-se, para que ela fizesse o que queria. Mary tomou sua vez, lhe tirando pouco a pouco a jaqueta, as abotoaduras, a gravata, a camisa, os sapatos, atrasando-se entre um objeto e outra para beijá-lo e acariciá-lo. Ao fim, ficou despido, e os torsos nus de ambos se uniram.
—OH, Mary — murmurou com doçura— que afortunado me tornei de um dia para outro.
Beijou-a com carinho, quase castamente, e, enquanto a fazia estender-se, ela sentiu que os olhos lhe enchiam de lágrimas. Não estava segura de se o que a tinha comovido tinha sido o singelo beijo ou suas adoráveis palavras, mas, de repente, sentiu-se embargada por um gozo tal que lhe pareceu que ia explodir.
Antes que pudesse derramar uma só lágrima, ele as enxugou a beijos, enquanto a penetrava pouco a pouco, centímetro a centímetro. Atrasava-se, lhe dizendo palavras de amor e mimando-a, e, quando alcançaram o clímax, as lágrimas desceram e lhe correram pelas bochechas. Abraçou-a e acariciou suas mãos, seus lábios, seu corpo. Mas nada detinha seu arranque de emoção.
—O que ocorre, minha querida?
—É que sou muito feliz. —morta de calor, passou-se a mão pelas bochechas. John tomou um extremo do lençol e se ocupou de lhe enxugar o rosto.
—Eu também.
—Sinto-me como... como... —não podia descrevê-lo. Tentá-lo a teria feito explodir em pranto outra vez.
—Como se caminhasse sobre nuvens?
—Todo o tempo.
—Devo te confessar algo, querida.
—O que?
—Apenas um momento antes de que me informassem que estava no saguão, tinha decidido que iria a casa do Findley a falar contigo.
—Não te acredito!
—Estava a ponto de fazê-lo.
Tombou-se em cima de John e lhe lançou seu olhar mais severo, mas a fingida expressão de aborrecimento não teve o menor efeito nele.
—Com que propósito?
—Tinha que te convencer de que atuasse com sensatez . — sorriu com desenvoltura — Se me proibisse entrar, estava disposto a derrubar a porta.
—Os vizinhos teriam pago por presenciar esse espetáculo! John Preston exigindo ver governanta do conde!
Deixou de sorrir e ficou sério.
—Detesto absolutamente que me considere um esnobe. Lamento como me comportei o outro dia na carruagem.
—O que lamenta? Ter me dado prazer?
—Não. Não te haver dito o que pensava, embora, em minha defesa, devo confessar que nem eu mesmo estava seguro do que era. Levou-me um tempo me dar conta do que é exatamente o que quero.
—E o que é?
—Casaria comigo?
—O que disse? —começou a tremer. Aterrava-lhe que ele falasse a sério; mais, que não o fizesse.
—Já me ouviu, Mary Smith. — repetiu com voz grave, enquanto a olhava com o semblante sério— Estou louco por ti e quero passar o resto de minha vida contigo. Sei que não sou o melhor candidato, mas nunca permitirei que te falte nada, sempre te serei fiel e nunca deixarei de te amar.
Deteve-se e pigarreou à espera de uma resposta, mas ela era incapaz de dar-lhe porque as palavras não lhe saíam. Tentou e voltou a tentar, mas não conseguia armar uma frase coerente.
—Agora vem a parte em que me recompensa com uma resposta e espero que seja sim!
Nesse preciso instante, a porta do dormitório se abriu. Tinham estado tão concentrados que nenhum deles ouviu os passos que se aproximavam; entretanto, Mary sim tinha advertido que, quando irromperam na habitação, John não jogou chave. Suas cabeças giraram ao uníssono para descobrir a identidade de seu inesperado visitante; era Gabriel.
—Pai, necessito que... Por Deus! —exclamou ao vê-los.
Os três ficaram paralisados. Gabriel se via particularmente sobressaltado e escandalizado, e Mary se sentiu um pouco aliviada ao notar que era evidente que não estava acostumado a encontrar a seu pai com uma mulher, em sua própria casa e de amanhã. Totalmente atônito, passeou a vista dela ao John e do John a ela, uma e outra vez; Mary supôs que a cena devia ser ridícula. Teria se rido, de não ter sido porque estava profundamente mortificada.
—Merda!—amaldiçoou John, fazendo que todos recuperassem o sentido.
—Me desculpe, pai; senhorita Smith... não tinha idéia... só estava... estava... — Gabriel não pôde terminar a frase. Sua segurança e seu aprumo tinham desaparecido. Ruborizando-se, deixou a habitação a toda pressa, fechando a porta de um golpe.
Titubearam, enquanto ouviam sua apressada retirada. Então, John se voltou para ela, desfrutando-se como um gato que acaba de engolir a um canário.
—O que? —perguntou Mary ao ver o turbador brilho de seus olhos.
—Meu filho é muito oportuno.
—Não, não o é! —sentia-se tão morta de calor e estava tão ruborizada, inclusive mais que o pobre Gabriel, que se sentia a ponto de arder de vergonha— O que pensará! Deixe-me levantar! Tenho que sair daqui!
Mas ele não fez mais que rir. Era muito pesado para empurrá-lo. Estava apanhada.
—Terá que me aceitar Minha Mary. Não pode dizer que não.
—Está muito seguro disso?
—Se rechaças minha proposta, meu filho acreditará que é uma mulher fácil!
—Uma mulher fácil? —repetiu, indignada.
—Toda uma Jezabel. Terei que me desculpar lhe explicando que me seduziu, que me apanhou com suas argúcias femininas.
—Que eu seduzi a ti? Canalha insolente!
—Sim. —murmurou ele, irritante— terá que me redimir. Para salvar minha reputação.
—Descarado! Não tem uma reputação que salvar!
—A isso referia, Mary. — lhe roubou um beijo, depois outro— Agora, aceita minha proposta, e serei o homem mais feliz do mundo.
Charlotte estava sentada em sua cadeira à cabeceira da mesa do salão de jantar familiar, em teoria, um lugar prestigioso e distinto, adequado a seu elevado posto de condessa. Como de costume, o homem com quem se casou fazia sete meses estava na outra cabeceira, lendo o periódico e ignorando-a por completo. Em silêncio, ela brincava com seu café da manhã, sem comer, furiosa por certas circunstâncias recentes que tinham escapado de seu controle sem que pudesse fazer nada por evitá-lo.
O jantar da noite anterior, a que tinha assistido nada menos que o primeiro-ministro, tinha sido um desastre total. A comida, insossa e mal servida; os serventes, desalinhados e desatentos. Até a ordem dos assentos estava mal disposto, e o filho de um barão se sentou antes que um conde. Nunca tinha sido tão humilhada. Claro que o fiasco era culpa da maldita governanta. Mary Smith tinha tido semanas para preparar o grande evento, mas tinha feito todo mal, e tinha obtido que ela ficasse como uma estúpida ante seus pares. Irava-se enquanto olhava a seu desprezível marido.
Embora já lhe tivesse mencionado sua intenção de desfazer da governanta, não lhe tinha explicado com precisão as razões que a motivavam. Logo que tinha começado com sua lista de queixa, quando o conde a interrompeu para lhe informar que Mary Smith nunca seria despedida. Logo, teve o atrevimento de asseverar que Charlotte não tinha idéia de como administrar uma grande casa e que necessitava uma guia perita, e lhe proibiu voltar a tocar o tema.
O conde responsabilizou a Charlotte por todo o desastre, enquanto que ela não podia entender como podia ser culpa dela. Para que lhe pagavam à governanta a não ser para ocupar-se de organizar as recepções importantes? Além disso, farejando um pouco, inteirou-se de que Smith nem sequer estava na casa a maior parte das tardes. Evidentemente, apropriava-se da carruagem da família e partia com rumo desconhecido, para retornar a qualquer hora sem explicar suas prolongadas ausências.
Mas a proprietária da casa não podia dizer nada sobre uma de suas empregadas!
A noite anterior, o conde tinha ido a seu leito para aliviar com aspereza suas necessidades masculinas, não sem antes lhe jogar uma feroz reprimenda pelo jantar arruinado. Charlotte tinha suportado tudo com estoicismo e ainda estava muito zangada, mas escolheu manter um sorriso sereno, uma educada moderação. Nunca permitiria a esse Pomposo imbecil que soubesse quanto a tinha alterado. Como o desprezava! Sua ira era tão profunda que, se tivesse sido homem, teria saltado ao outro extremo da mesa e o teria apunhalado com a faca da manteiga. Com uma folha enterrada em seu escuro e frio coração, não Poderia ignorá-la.
Nos meses prévios ao seu casamento, a jovem estava acostumado a fantasiar o maravilhoso que seria ser condessa, sempre respeitada e estimada. Nem em seus sonhos mais descabelados podia imaginar a espantosa realidade!
Enquanto segurava sua taça de chá com tanta força que temeu quebrar a frágil asa, concentrou-se em seu prato ao ver que Elizabeth entrava com passo grácil. Embelezou-se em forma estranha para um dia tão frio e escuro. Levava um vestido de uma intensa cor rosa, que deixava os ombros ao descoberto, tinha encaixes, pontilhas e uma ondulante e ampla saia. Não se tinha prendido o cabelo. Um chapéu de palha de aba larga, adornado com uma cinta verde que combinava com os detalhes do vestido, balançava-se entre seus dedos. E um alegre e delicado xale pendia de seu braço.
Charlotte a examinou com supremo cuidado. Algo estranho ocorria. Parecia mais jovem, mais bonita, mais contente. Seus penteados eram mais soltos, menos severos. Gastava uma fortuna em vestidos novos, mais coloridos e modernos, claramente escolhidos para realçar sua voluptuosa figura. Com profundo pesar, descobriu que assim embelezada era indiscutivelmente formosa. Cada dia trazia alguma sutil transformação. Elizabeth estava acostumada a ser uma mulher aborrecida, confinada em casa; agora, saía, conhecia gente, fazia coisas. Em vez de ficar zangada, lamentando sua triste situação, trabalhava em excesso em uma constante atividade, ia cedo e retornava tarde, sem dizer a Charlotte uma palavra de explicação nem de desculpa por sua conduta.
Quando a conheceu, desfrutou-se ao ver com que facilidade eclipsava a insignificante solteirona, e a despojava de seu papel e de suas responsabilidades. Não cabia dúvida de que a condessa era mais bela, mais refinada e que tinha mais aptidão para os assuntos domésticos, mais influencia e presença na sociedade. Mas, agora, os destinos de ambas se alteraram de forma espetacular, e não entendia bem como tinham chegado a essa situação. Ela ficava cada vez mais sombria e seu ânimo se voltava lôbrego, enquanto que Elizabeth estava radiante, luminosa, vivaz. Decididamente, bulia de entusiasmo e excitação.
—Bom dia, Charlotte —a saudou em tom animado—. Que manhã esplêndida! Pai, te vê particularmente elegante. Esse traje é novo?
O conde resmungou algo ininteligível, e sua esposa notou com agrado que nem sequer se incomodava em elevar a vista.
—Está vestida de uma forma muito peculiar, Elizabeth.
—É claro que sim.
A moça se deslizou para o aparador e se serve uma bandeja; o criado a assistiu sem que o ordenasse e a jovem condessa voltou a arrepiar-se — Para que esses folgazões movessem um dedo para ela, tinha tido que açoitá-los! Bebendo sua taça de chocolate matutina, fingia desinteresse pelos assuntos da Elizabeth, embora o certo era que a curiosidade a consumia.
—Vai a uma festa ao ar livre com este clima?
—Eu? Por Deus, não! —aproximou-se uma cadeira e se dedicou a sua comida com o entusiasmo de um marinheiro faminto, sem mostrar absolutamente nenhuma inclinação para a delicadeza própria de uma dama— Estou posando para um retrato. Acreditei que sabia.
Retrato? Que exótico! Que romântico! Uma nova ocupação que detestar!
—Não, não sabia — sua resposta revelou seu chateio, mas odiava não inteirar-se do que acontecia em sua casa. Como queriam que se ocupasse de tudo se não lhe informavam de nada? Outra falta da Mary Smith!
—Estou posando há semanas. O artista esteve fazendo os esboços e agora, por fim, está preparado para começar a pintar.
—Vestida de festa? —mofou-se.
—Está-me representando em uma cena pastoral. Sobre os degraus da pérgula do Norwich. —O ilustre imóvel familiar que ainda não lhe tinham dada permissão para visitar!— Não fiz mais que descrever o lugar e ele o recriou com exatidão. Seu talento é assombroso.
—Como se chama?
—Gabriel Cristofore.
—Nunca ouvi falar dele.
—Seriamente? —a condescendência da Elizabeth era evidente — é um dos pintores mais reputados da cidade.
Como ia ser tão renomado se uma condessa não tinha ouvido falar dele?
—Parece divertido. Possivelmente lhe solicite que me retrate quando terminar contigo.
Elizabeth emitiu um curioso gorgolejo, e Charlotte teve a certeza de que ria dela. Que harpia!
—Boa idéia. Estou segura de que estará mais que disposto a discutir a possibilidade contigo — já tinha engolido com toda pressa sua comida e, apartando seu prato, ficou de pé — Vou a minha sessão. Que passem um bom dia.
Por algum motivo, sua despedida despertou a atenção do conde. Baixou seu periódico e a escrutinou como se nunca a tivesse visto.
—Elizabeth, ah, que bonita está!
—Parece-te? —alegre, passeou-se de um lado a outro para exibir seu traje.
—Nunca te vi tão bela. Eu adoro.
Charlotte esteve a ponto de obstruir-se de indignação. Tinha começado a tratar ao conde fazia um ano e ele jamais a elogiou. E, quando se dignava a conceder uma servil adulação, não era para ela! Que caipira!
—OH, obrigado, pai.
—Com esse vestido, vê-te igual a sua mãe.
Elizabeth se ruborizou, o que lhe sentava de maravilhas, e Charlotte, atônita, advertiu que sua enteada era decididamente impactante, atrativa e gráciosa de uma forma que nunca tinha notado até agora.
—Sai? —perguntou o conde, como se estivesse na verdade interessado.
—Estou-me fazendo retratar — repetiu ela.
—Me alegro por ti.
—É muito entretido.
—E quando verei a soberba obra mestra?
—Não sei. O pintor está muito ocupado, assim que talvez transcorram umas semanas.
—Espero com ânsias esse dia.
—Também eu — repôs — Adeus — e partiu com passo dançante.
A sua partida, produziu-se um significativo silêncio. O conde retornou a sua leitura. Os criados se foram à cozinha. Charlotte fulminou seu prato com o olhar e uma inesperada quebra de onda de lágrimas encheu seus olhos.
Odiava a seu marido! Odiava a sua enteada! Odiava sua vida!
Ao pensar na Elizabeth, partindo feliz e sem preocupações rumo a uma aventura, o ciúmes a embargaram. Oxalá pudesse lhe fazer pagar por sua alegria! Se conseguisse derrubá-la de seu pedestal! Não era justo que estivesse tão contente, enquanto ela era tão desventurada! Que agradável seria poder lhe revelar ao conde alguns defeitos de Elizabeth.
Atuava como se sua filha não pudesse fazer nada mau. Bom, já encontraria o momento de fazê-lo enfrentar a verdade.
Levantou-se e se retirou plácida e serenamente do salão, rumo às escadas. Mas ninguém notou sua partida.
Capítulo 14
Gabriel estava de pé junto à janela, vestido unicamente com calças. Tinha que pintar, mas não conseguia fazê-lo. Com um braço apoiado no batente, contemplava o dia chuvoso, sem distinguir nada mais que a lembrança de seu pai e Mary Smith. Não podia esquecer a cena. Cada vez que fechava os olhos os voltava a encontrar: John, depravado e feliz; a senhorita Smith, desalinhada e recém amada.
Não conseguia compreender por que o turvava tanto. Ao longo dos anos, seu pai tinha tido muitas amantes. Sua vida amorosa nunca tinha sido um segredo, nem sequer quando Gabriel era pequeno, mas tinha transcorrido muito tempo desde que John mostrasse algo mais que uma atração passageira por alguma mulher.
Seu pai já tinha cinqüenta anos: suas satisfações tinham sido escassas; suas penas, inconcebíveis. De modo que devia haver-se alegrado de que ele encontrasse a alguém com quem compartilhar seu futuro. Entretanto, a idéia de que John contrairia matrimônio lhe doía.
Por algum motivo, Gabriel atribuía sua perturbadora reação à morte de sua mãe. Era apenas um bebê quando a assassinaram, não a recordava, embora, de muitas maneiras inexplicáveis, tinha influenciado mais que John na conformação de sua personalidade. A vida dela foi uma tragédia que seu pai estava acostumado a narrar nos momentos de melancolia, assim Gabriel sentia que a tinha conhecido, tinha sofrido por ela, e a tinha amado.
Casou-se aos quatorze anos com um ancião e amargurado conde italiano e tinha sido uma talentosa pintora, mais talentosa, ao parecer, que o próprio Gabriel. Mas seu marido não lhe permitia praticar sua arte. A necessidade de criar a levava a escapulir-se a oficinas ocultas, pintar com equipamentos obtidos de qualquer maneira, e, cada vez que ele a descobria açoitava-a antes de encerrá-la em sua habitação. Aos dezenove, conheceu o John e se apaixonou por ele. Seu pai sempre se considerou um cavalheiro andante empenhado em resgatar raparigas em apuros, e tinham fugido juntos para desfrutar de seu condenado e agridoce amor.
Mas os irmãos da Selena os localizaram e a assassinaram por ter envergonhado a sua família. Também teriam matado ao Gabriel, evidência vivente de tão grave pecado, mas, por fortuna, nem John nem ele estavam na casa quando os assassinos chegaram.
Este episódio, e os difíceis tempos que seguiram, tinham-no aproximado muito a seu pai. E, embora Gabriel sabia que o que sentia era absurdo, parecia-lhe que John traía a memória de Selena ao sucumbir outra vez ao ardor da paixão.
Não podia discutir seus sentimentos com ele. Nunca o tinha visto tão eufórico e não podia feri-lo lhe demonstrando que não compartilhava sua alegria. Amava a seu pai e, se Mary Smith o fazia feliz, então Gabriel devia alegrar-se por ele.
Por desgraça, Selena Cristofore e Mary Smith se mesclavam em sua cabeça. Ambas tinham desejado e recebido a lealdade de John, que, conforme sabia por própria experiência, era absoluta. Não podia sobrepor-se à convicção irritante, infantil, de que Mary Smith roubaria ao John, de que a eterna devoção que ambos tinham jurado à memória da Selena desapareceria quando se casassem. Pai e filho tinham lutado sozinhos contra o mundo durante muito tempo, fugindo, viajando, tomando tudo o que a vida lhes oferecia, nutrindo sempre sua união com a lembrança da Selena. Não podia predizer de que forma mudariam as coisas agora que Mary Smith tinha aparecido.
Estava se comportando como um menino. Um menino malcriado, mimado e egoísta. Não podia evitá-lo. Não queria que essa mulher se entremetesse em sua família. Como nunca teve mãe, não sabia como responderia à presença constante de uma mulher em seu lar. Tampouco queria que ela interferisse, entremetendo-se em assuntos de homens. Sem dúvida, insistiria em que modificasse seus métodos e hábitos, tanto os públicos como os privados, e já se sentia mesquinhamente disposto a não lhe dar o gosto.
A porta se abriu, e, ao olhar por sobre seu ombro, sentiu um enorme prazer ao ver a Elizabeth. Sentia-se muito feliz de que tivesse vindo cedo, e que passassem juntos a maior parte do dia. Talvez, depois de todas essas horas em sua doce companhia, sua agitação e seus temores diminuíssem um pouco.
Ela era sua melhor amiga.
O pensamento apareceu de forma inesperada, uma revelação refrescante, tranqüilizadora. Era alguém em quem confiar. Não julgaria nem ridicularizaria; compadeceria-se e lhe ofereceria algum conselho útil. Como não o tinha notado antes! Concentrou-se tanto no aspecto sexual, em sua crescente habilidade para a paixão, que não viu além da superfície.
Necessitava consolo, queria desfrutar do apoio da Elizabeth durante sua visita, receber seus preciosos cuidados.
Estudou-a meticulosamente enquanto ela se tirava a capa e a pendurava de um cabide. Via-se tão formosa com o vestido rosado, o chapéu amarrado encantadoramente ao queixo e seu maravilhoso cabelo solto! Era difícil acreditar que aquela mulher excitante era a mesma moça muito recatada e insignificante que tinha conhecido fazia tão pouco tempo.
—Olá, bela! — a saudou, lutando por recuperar a compostura, a tranquilidade, esperando ter sido o suficientemente amável para ocultar sua angústia.
—Encontra-te bem?
Elizabeth percebeu imediatamente sua inquietação, e Gabriel deveu havê-lo adivinhado: tinha uma incrível capacidade de discernir seu estado emocional. Abraçou-o pela cintura e o escrutinou com intensidade. Estava muito turbado para suportar um exame detido, assim que a estreitou contra si, afundando o rosto em sua nuca, respirando seu aroma, para que o familiar perfume o tranqüilizasse.
—Estou bem. — assegurou uma vez que recuperou um pouco a serenidade.
—Mentiroso.
Elevou o olhar para ele, que se encolheu de ombros.
—Bom, talvez não me sinta de todo bem.
—Diria que não. —ficou nas pontas dos pés para lhe roçar os lábios com um suave beijo.
— Quer me contar o que te ocorre?
Era-lhe impossível falar do incidente que tinha presenciado. Deu-lhe as costas para escapar de seu agudo olhar e saiu para a pequena habitação do fundo da cabana. Ela o seguiu, contemplando todos seus movimentos. Gabriel se dirigiu a uma pequena mesa ao lado de uma cama. Dormia ali quando trabalhava até tarde, inclusive tinha levado a uma ou duas amantes. Enquanto mexia na gaveta, perguntou-se se ela suspeitava algo.
—O que faz? —perguntou-lhe quando ele encontrou o que procurava.
—Eu gostaria que usasse esta jóia com esse vestido. — lhe estendeu uma gargantilha de prata com um relicário em forma de coração.
—OH, Gabriel, é muito belo.
—Quero te retratar com ela.
Gabriel se aproximou por detrás e lhe colocou a jóia. O relicário adornava o começo de seu decote, caindo entre seus adoráveis seios.
—Guardas algo especial aqui? —depois de esforçar-se um pouco, abriu o relicário, e descobriu duas miniaturas de um mesmo rosto feminino, uma de frente e outra de perfil. — Quem é?
—Minha mãe. — logo que revelou sua identidade, sentiu-se terrivelmente abatido e o embargou a ansiedade.
Não deveria haver pedido a Elizabeth que posasse com algo de tanto valor emocional! Era um legado muito excepcional! Devia tirar-lhe e guardá-lo? Conhecia ela a história de seus pais? E se fazia um comentário depreciativo? Não, claro que nunca o faria. Estava-se voltando louco.
—Era muito bonita.
—Sim, era-o. Meu pai sempre diz que era a mulher mais formosa que conheceu.
—Você a retratou?
—A partir de suas descrições. Não a conheci; foi assassinada quando eu era um bebê.
—Assassinada?
—Por seus irmãos. —estranhamente, ruborizou-se, como se revelar o fato o fizesse um pouco responsável.
—OH, Gabriel, quanto o sinto. — lhe acariciou a bochecha com tanta doçura que ele não pôde conter as lágrimas. Esfregou-se os olhos com violência para que ela não o notasse.
—Obrigaram-na a casar-se muito jovem, era muito infeliz. Fugiu com meu pai e... bom...
Não pôde terminar. Não sabia por que tinha começado. Nunca lhe tinha segredado essa historia a ninguém. Mas a relatou a Elizabeth com quase todos seus horríveis detalhes, como se quisesse que ela entendesse toda a dor que sentia, embora fosse uma estupidez. Não era dos que andam por aí golpeando o peito e suplicando compaixão!
A suas costas, ouviu que ela fechava o relicário.
—Obrigada! —murmurou— Me honra que deseje que o use.
—Quero que o conserve. — propôs ele de repente —É teu.
—Gabriel, parece muito valioso. Está seguro?
—Agradaria-me imensamente.
Abraçou-o, apertando-se contra suas costas nua.
—O que ocorre? Pode falar disso?
Ele aspirou uma grande baforada de ar. Se não se controlava, e logo, ela tomaria por louco! Mas as seguintes palavras que pronunciou confirmaram que estava perdendo a razão.
—O que sabe da Mary Smith?
—Mary... Smith? —curiosa, rodeou-o para se localizar-se frente a ele— Nossa governanta?
—Sim, ela.
—É uma valiosa empregada e uma amiga respeitada. Diria que é uma pessoa muito reservada; tem sua própria vida.
—Sim, sim .—fez um gesto de impaciência— mas que classe de pessoa é?
—Boa, inteligente, generosa, paciente. Por quê?
—Esteve casada alguma vez?
—Não. É uma solteirona.
—Esteve apaixonada alguma vez?
—Bom, ouvi rumores de que, em sua juventude, esteve apaixonada por um cavalheiro, mas que não puderam casar-se porque provinham de estratos sociais muito diferentes.
—Assim... não seria o tipo de mulher que jogaria com o afeto de um homem, ou tentaria...
—Vamos, Gabriel do que se trata tudo isto?
—Meu pai vai se casar com ela.
—O que?!
—Ela rechaçou sua proposta, mas John insiste em que a fará mudar de idéia. Estou seguro de que o obterá.
—Mary... e John Preston? —escandalizada, deixou-se cair sobre o bordo da cama— Não posso acreditá-lo.
—Asseguro-te que é verdade. — Elizabeth seguia incrédula, assim a Gabriel não ficou outra saída mais que confessar: — os surpreendi nus. Na cama de meu pai.
—Não!
—Sim!
—Que embaraçoso! Para todos! —atônita, meneava a cabeça— Não me dava conta de que existia uma relação entre eles. Como? Quando ocorreu isto?
—Bom, suponho que quando você vem de visita, não éramos os únicos amantes.
—Evidentemente, não.
Ela riu um pouco e se tombou sobre o colchão, olhando o teto e tocando distraidamente as mantas. Gabriel subiu à cama para ficar junto a ela.
—Acredita que será uma boa esposa para ele?
—Absolutamente, Gabriel. — se viraram e ficaram de frente — Isso é o que te preocupa?
—Estou completamente confundido.
—Sua relação reviveu a lembrança de sua mãe, verdade?
—Sim. — reconheceu. Acomodou-se para reclinar-se sobre os travesseiros e, com um movimento ágil, acomodou a Elizabeth sobre ele. — Morria por lhe contar isso! Deteve-se, refletindo sobre o que acabava de admitir. Quando sua desdita e sua confusão aumentavam, a única pessoa com quem desejava discutir a situação era Elizabeth. Era um frívolo sonho acreditar que podia recorrer a ela em momentos difíceis, mas o fato era que estava flechado, cativado, enfeitiçado. Atreveria-se a dizer essa palavra? Que o que sentia era amor?
—Eu teria gostado de estar contigo para lhe acompanhar. — lhe acariciou o peito à altura do coração, como se soubesse quanto lhe doía.
—A mim também.
As palavras ficaram flutuando no ar. Eram perigosas, arriscadas, estúpidas. Procurou dizer outra coisa para preencher o silêncio, mas o único tema que podia pensar era no estupendo que seria se ela realmente fosse sua. —Detesto ver que está sofrendo. Deixe-me te consolar.
—Não faz falta.
—Para isso estou aqui, não? Para te fazer feliz.
Sim, mas se tinha transformado em tão mais que isso! Muito mais que sexo e conversações lascivas. Gabriel desejava lhe confessar seus sentimentos, mas ela tinha o rosto contra seu peito e lhe lambia um bico do peito. Riscou um caminho de beijos que descia por seu abdômen e apoiou o rosto em suas calças, esfregando e mordiscando. Ansiosa, desprendeu os botões, e ele esteve a ponto de gritar de alívio quando ela colocou a mão e o liberou da prisão.
Sem demora, roçou com a ponta da língua sua parte mais sensível, atormentando-o até que o fez retorcer-se na cama. Separou os lábios e ele penetrou em sua boca, sujeitando-a forte enquanto a jovem o agradava.
Tinha aprendido a desfrutar daquela prática, dominando à perfeição seus matizes e sutilezas, empregando dentes e língua como uma perita. Como costumava fazer, e ao bordo do desespero, ele se apartou com brutalidade quando esteve por estalar de prazer, desiludindo-a com sua reticência. Por mais que ela se desempenhasse como uma cortesã, ele se negava a lhe dar de beber seu elixir mais íntimo.
—Nunca me deixa tomar se queixou ela.
Abraçou-a e a cobriu de beijos. Quando ela o excitava dessa forma terrível, nunca podia controlar-se e o ato finalizava muito antes do que ele planejava. Enquanto ela o chupava, tinha ido despindo-a pouco a pouco, até que não ficou mais que a gargantilha de sua mãe. Riscou um caminho desde sua garganta até seu peito e começou a brincar com seus mamilos. Quando os quadris dela responderam, seguiu baixando, até seu umbigo, até seu monte de Vênus.
Beijou suas partes mais íntimas, umedecendo-a com sua boca, ela separou suas coxas para lhe facilitar o acesso. Lambeu e saboreou levando-a à cúpula do êxtase, enquanto Elizabeth ofegava e se movia com frenesi, até que não agüentou mais e experimentou uma avalanche brutal de sensações, que nunca tinham sido tão intensas.
Quando a mulher começou a relaxar-se, Gabriel, impulsionado pelo capitalista afrodisíaco do sabor de seu sexo, viu-se embargado pelo desejo frenético de aproveitar o momento sem pensar nas conseqüências. Já se tinha contido muito e agora estava disposto a arriscá-lo tudo. Não lhe importava violentá-la, lhe arrebatar cruamente sua virgindade, lhe tirar mais do que ela estava disposta a lhe dar.
Até agora, sua férrea disciplina tinha evitado que cruzasse o prezado limite. Mas o recente conflito familiar unido ao seu estado de excitação o fazia ansiar apoderar-se pela força de seus últimos vestígios de castidade, a pesar do dano que isso pudesse lhes causar a ambos.
Como se uma raivosa besta selvagem o possuísse, esfregou a ponta de seu sexo contra o úmido centro de sua feminilidade. Estava escorregadio, lhe convidando, e ele se introduziu apenas uma fração de centímetro. Os olhos da Elizabeth se abriram, cheios de virginal alarme. Nunca tinham chegado tão longe, mas do que servia negar-se a tal gratificação? Isto era o que lhe tinha implorado uma e outra vez. Pressionou um pouco mais, e ela ficou rígida de temor ante a iminente penetração.
—Está por...?
—Sim. Te recoste.
Aumentou a pressão e, instintivamente, ela começou a resistir.
—Não podemos discuti-lo...?
—Não. Teria que ter feito isto faz muito.
—Gabriel...
Estava verdadeiramente assustada. Ele teria que haver-se detido para aplacar seus medos de donzela, mas estava mais à frente do raciocínio, além da possibilidade de convencê-la a se entregar.
—Trata de relaxar. —foi o melhor que conseguiu dizer. Voltou a investir, topou-se com seu hímen e já não pôde retirar-se.
Sentou-a sobre suas coxas. Ao olhar para baixo, regozijou-se com o excitante espetáculo dos sexos unidos, incitando-o a seguir adiante, a penetrar mais.
—É minha. —declarou— Não importa o que acontecer no futuro, eu terei sido o primeiro em te possuir.
Ela assentiu com a cabeça, duvidando.
—Doerá?
—Sim. Sou um homem bem dotado e você é virgem. É inevitável.
Mais inquieta, resistia à novidade, mas ele não a soltava.
—Não me parece que vá caber.
—Seu corpo resiste. —explicou— É natural. Vai se adaptar.
—Me...?
—Cala! —já não podia esperar e lhe pôs as mãos nos quadris para firmá-la.— Não te esqueça nunca: és minha!
Com um gemido de prazer, penetrou-a profundamente. Elizabeth arqueou as costas com um grito, mas ele a abraçou com força, imobilizando-a, e sufocou sua exclamação de dor com um beijo ardente. Manteve-se imóvel tanto tempo como foi possível, enquanto o corpo feminino se acostumava à incursão. Mas no instante mesmo em que sentiu que ela afrouxava a tensão, seguiu adiante.
Encheu-o de prazer senti-la tão cálida, tão úmida. Procedendo com suavidade, primeiro, com mais força, depois, empurrou, impulsionando-se até que um espasmo o sacudiu e o tórrido manancial foi à ponta de seu membro. Voltou a investir uma vez. E outra. Seu orgasmo começou e, com seu último vestígio de energia, retirou-se, salvando a da calamidade e da vergonha definitiva.
Com a cabeça contra seu pescoço, empapado em suor, com os músculos fatigados pelo esforço, procurou acalmar-se. Impulsionado pela luxúria, tinha atuado em forma escandalosa, como o desgraçado que em realidade era. Nunca tinha desejado a uma mulher tão ferozmente como a esta. Seu clímax tinha sido estupendo, assombroso, mas agora que seu ardor minguava, a culpa o alagou. Apartando-se, obrigou-se a olhá-la.
Estava chorando!
Sentiu-se profundamente alarmado. Por que a fazia chorar sempre? Ele... Amava-a! E se odiava por comportar-se em forma tão detestável, por maltratá-la.
—Sinto muito —lhe beijou a boca, as bochechas— Eu sinto muito. Não sabia que te doeria tanto.
—Não me doeu. — repôs ela, valente, mas Gabriel advertiu que mentia.
Era um maldito rufião! Uma besta selvagem! Nunca se aproveitava de moças inocentes! Suas amantes eram mulheres amadurecidas, sofisticadas e peritas nas artes sexuais. Evidentemente, tinha esquecido quão importante era a primeira vez para uma mulher.
Espantado de si mesmo, apartou-se. O ar frio o envolveu enquanto se dirigia dando pernadas para o jarro de água que se elevava sobre um pé junto à porta. Verteu o afresco líquido em um recipiente, umedeceu um pano e retornou onde estava ela. Começou a esfregar o pano com suavidade pelo abdômen. Ela o contemplava em silêncio, enquanto ele pegava o pano antes de aplicar-lhe a sua dolorida e torcida intimidade e enxugar as gotinhas de sangue de suas coxas. Ao fim, asseou-se ele mesmo, antes de tomar uma manta e encolher-se junto a ela.
—Devi ter ido mais devagar; devi...
Assombrosamente, ela o beijou, sossegando suas desculpas e explicações.
—Não estou machucada. —declarou— Bom, não muito.
—Então, por que chorava?
—É que foi tão diferente do que imaginava. Muito mais... pessoal. Mais íntimo. —Com acanhamento, confessou: — Me agradou muito.
Gabriel lhe enxugou as lágrimas, feliz ao ver que desapareciam tão rápido.
—É difícil descrever.
—Agora entendo por quê.
—Por isso fui tão precavido até agora.
—Perdôo sua demora.
Estendeu as pernas com uma expressão de dor no semblante tal, que fez que o coração dele desse um tombo.
—A dor se irá. —se sentiu obrigado a esclarecer— e logo não te voltará a incomodar.
—Melhor. Porque tenho pressa por tomar mais lições.
—Zorra!
Inesperadamente, ela adotou uma expressão morta de calor, ruborizando-se e olhando-o de soslaio.
—Não queria me comportar como uma covarde. Mas, ao final, dominou-me o medo.
—Teria que te haver dado mais tempo.
—Não fazia falta. Deu-me exatamente o que procurava e muito mais. — arqueou as sobrancelhas, divertida.— Estou começando a entender como se faz. Quando podemos repeti-lo?
—Desavergonhada! Me dê um minuto para recuperar o fôlego.
—Só se me promete não te demorar muito.
Esfregou sugestivamente seu sexo contra o dele, que respondeu instantaneamente ao estímulo.
—Vire-se —grunhiu.
Sem esperar que ela assentisse, a fez virar, suas costas ficou apoiada contra o torso dele e seu magnífico traseiro apoiado contra seu membro.
—Não parece que necessitasse um descanso. — riu e se apertou com mais força.
—De todos os modos, vou fazer isso. —Excitava-o tanto que o mais provável era que pudesse lhe fazer o amor o dia todo. Mas Elizabeth se sentia dolorida, apesar de estar bem disposta para fazê-lo outra vez— Descansemos.
—Não estou cansada.
—Eu tampouco.
—Então por que...? —Tratou de olhá-lo por cima do ombro, mas ele a fez recostar-se.
—Porque quero te ter entre meus braços.
—Seriamente?
—Sim. Não sei quantas vezes poderei fazê-lo.
Assentindo, ela sorriu. Sua respiração se fez mais lento e casal, Gabriel notou que se dormiu. Esperou uns minutos para ter certeza de que Elizabeth não ouviria a inútil declaração antes de sussurrar:
—Amo-te.
Transbordante de alegria e de satisfação, fechou os olhos e acompanhou seu sonho.
Capítulo 15
Elizabeth despertou em uma cama desconhecida, mas em seguida soube onde estava e que fazia ali. Gabriel estava agarrado detrás dela e sentia sua respiração regular e serena em seu ouvido. Gozou do maravilhoso momento, desejando que durasse para sempre.
Quantas vezes mais poderia escapulir-se? Quantas desculpas mais poderia inventar para explicar suas ausências? Poderia seguir evitando as perguntas de Charlotte? E, o mais perturbador, quanto tempo mais a receberia Gabriel em sua pecaminosa cabana? O pretexto que tinha empregado para começar o namorico e também para continuá-lo, não resistiria durante muito tempo mais. As sessões de pintura não podiam prolongar-se em forma indefinida. Até se conseguia encontrar uma razão para explicar a lentidão do projeto, de nada lhe serviria: Gabriel jamais aceitaria um romance sem término.
Depois de muito refletir, a suspeita de que ele procurava amantes para tirar proveito financeiro a roia. Em efeito, quando se inteirou de que ela não tinha dinheiro próprio, procurou cancelar o contrato, mas Elizabeth se negou a render-se sem lutar. Não estava segura do que havia dito ou feito para convencer o de seguir adiante. Possivelmente, simplesmente, agradava-lhe mais que outras mulheres.
Ou, talvez, oxalá! Suas doces palavras fossem genuínas.
Moveu-se para poder analisar seu formoso rosto, seu esplêndido físico. Doíam-lhe os músculos das pernas e sentiu uma pontada em suas delicadas partes íntimas, que lhe recordou quão audaz tinha sido seu comportamento apenas umas horas atrás.
Dormido, ele se via mais jovem do que era, inclusive inocente; se fazia difícil acreditar quão apaixonado e intenso era, recordar que utilizava seu corpo de formas tão lúbricas, fascinantes, ousadas. Sorriu, com sabedoria e astúcia femininas, recordando o excitado que estava ele, como lhe tinha sido impossível conter-se. Não tinha idéia de que os homens pudessem descontrolar-se dessa maneira.
Agora era uma adulta e conhecia os segredos da relação entre homens e mulheres; um conhecimento que não teria trocado por nada do mundo. Além disso, que fosse Gabriel a ensiná-la sobre o tema fazia que o episódio fosse até mais maravilhoso.
Sentiu cócegas no estômago ao recordar com quanta agressividade a havia possuído. Tinha desfrutado de cada eletrizante, estimulante segundo do magnífico evento, e não via a hora de repeti-lo; ainda ficava muito por aprender, técnicas que experimentar. Nunca se aborrecia, nunca se cansava das sugestões de seu amante, e a emoção de unir-se a ele nunca diminuía. Cada nova manobra era mais deliciosa e satisfatória que a anterior.
Sua intimidade tinha forjado um vínculo profundo, inquebrável. Esse homem talentoso e extravagante tinha seduzido a dúzias de mulheres, mas também era uma pessoa extremamente reservada. Mostrava a outros só os traços que queria que vissem, mas, com ela, tinha baixado a guarda. Se até lhe tinha dado o relicário de Selena! Sem dúvida não podia haver melhor evidência de seus sentimentos por ela. A forma em que a abraçou antes de dormir... se tão só estivesse tão comprometido como ela!
OH! O que faria quando já não estivessem juntos? Gabriel se tinha convertido em todo seu mundo. Quando estava com ele, transbordava de gozo e serenidade. Quando estavam separados, passava cada hora pensando nele, perguntando-se onde estava, que fazia, se, por acaso, sentia saudades mesmo que fosse só um pouco.
Sua melancolia, seu aborrecimento, sua irritação ante sua falta de responsabilidades, nada disso importava agora. Inclusive sua madrasta se converteu em apenas um inseto molesto. Não sabia como faria para suportar sua separação definitiva, que sem dúvida ocorreria logo. A idéia do adeus fazia as palmas de sua mão suarem e palpitar o coração.
Perturbada, sentiu necessidade de distrair-se. Mas Gabriel dormia profundamente e não queria despertá-lo. Pela porta que dava ao estúdio, viu o cavalete com um tecido. Detrás, dúzias de esboços cravados à parede. Intrigada, decidiu explorar. Movendo-se com cuidado, desceu-se da cama. Ele não despertou, mas sim tocou o espaço vazio que ela tinha deixado no colchão e, apesar de estar dormido, franziu o cenho ao notar
Entrou no estúdio sem fazer ruído. O fogo se extinguiu e a temperatura era mais baixa. Procurou algo com o que cobrir-se. Viu a camisa dele atirada no piso e a pôs. Ficava como um vestido. As abas lhe penduravam por debaixo dos joelhos, e a envolveu em torno de seu corpo enquanto se aproximava para ver o que havia sobre o cavalete.
No instante em que chegou ali, os esboços capturaram sua atenção. Havia representações suas por toda parte. A parede inteira estava coberta de uma quantidade de estudos, desdobrados e organizados como se Gabriel tivesse passado muitas horas inspecionando-os. A via de todos os ânimos: alegre, triste, zangada. Em alguns, estava parcialmente vestida; em outros, nua. O surpreendente era que o conjunto incluía as peças que ele tinha desenhado quando ela posava, mas também muitas outras. Era como se fantasiasse com ela e se desesperasse por registrar suas lembranças. Sempre se perguntava se Gabriel pensava nela alguma vez e aqui estava a feliz resposta.
Enquanto percorria as filas de desenhos, avaliando e estudando, topou-se com uns quantos nos que o artista se incluiu. Eram ilustrações eróticas de ambos fazendo o amor. Reconheceu algumas situações, mas havia outras que ainda não tinha experimentado. As representações eram tão vividas e gráficas que a fizeram ruborizar-se.
Ali estava ela, agachada ante ele, com seu membro na boca, algo que na verdade desfrutava. Mas também aparecia recostada debaixo dele com as pernas abertas, tal como o acabava de fazer na habitação contígua. Em outra, a via em quatro patas, com os seios pendurando e o cabelo para um lado, enquanto ele a montava como a um animal. Os desenhos eram perturbadores, excitantes, provocadores. Autênticos, precisos. As expressões faciais e as posições dos corpos tinham uma beleza indescritível. Ignorava que existisse uma arte tão perturbadora, mas, ao examinar as obras, sentiu-se enfeitiçada pela indecência, cativada pela depravação.
Incômoda com a forma em que os esboços a hipnotizavam e os impudicos pensamentos que lhe suscitavam, obrigou-se a desviar o olhar. Voltou-se para o cavalete para contemplar a obra em que ele trabalhava.
Inesperadamente, encontrou o retrato para o que estava posando. O fundo estava completo. Via-se o jardim sul do Norwich, verde e viçoso sob um céu do verão de um azul assombroso. A pérgula branca também estava terminada e contrastava com a erva, os arbustos e as rosas em flor que subiam por suas colunas. Só faltava completar o centro do quadro. Era um espaço em branco, como se ela estivesse por aparecer por arte de magia em meio da cena pastoral. Não sabia que ele tinha começado o retrato e menos até que o estivesse por terminar. O espanto a alagou. Estava a ponto de pintar a última parte. Quando essa seção estivesse preparada, já não teria motivo para seguir visitando-o.
Olhou de novo as dúzias, ou talvez centenas, de esboços antes de voltar a contemplar o tecido. Seu exótico idílio tinha ficado reduzido a essas composições em carvão, giz e óleo, e tremeu ao compreender que era quão único subsistiria de sua relação. Só um punhado de esboços que se dignaria a lhe dar, e a encantadora tela, que se esmeraria por terminar e que seu pai pagaria.
De repente, parecia-lhe terrível que seu grande amor pelo Gabriel ficara reduzido a isso.
Inesperadamente, Mary Smith e John Preston foram a sua mente e uma imensa onda de ciúmes a afligiu. Que injusto seria que Mary se casasse e vivesse feliz para sempre, que tivesse a oportunidade de trocar de rumo, enquanto ela se via obrigada a ficar entupida em sua insuportável situação doméstica! A idéia de não voltar a ver Gabriel era mais do que podia suportar. O abatimento a invadiu e, nesse preciso momento, ele falou da outra habitação.
—O que te parece? —perguntou.
—Tem um talento admirável.
Elizabeth apareceu desde atrás do cavalete. A sesta o tinha deixado desalinhado. Tinha o cabelo em desordem e se reclinava contra a porta, deliciosamente nu.
—Eu não gostei de despertar e descobrir que não estava na cama. Temi que te fosse embora sem se despedir.
—Nunca o faria.
Aproximou-se e a abraçou.
—Agrada-me como fica minha camisa.
Uma mão travessa se meteu sob as abas e esfregou seu traseiro nu. Ela riu. Em realidade, era o mais doce dos homens, por mais que tentasse ocultá-lo com tanto vigor.
—Agrada-me usá-la. —admitiu— Me faz sentir mais perto de ti.
—Agora, me diga que você adora o que tenho feito até agora com seu retrato.
—É muito bonito.
—Não te ocorre nada melhor que "bonito"? — se mofou ele, fingindo-se ofendido — Estou seguro de que o que quer dizer é "magnífico!, estupendo!, brilhante!". A melhor pintura que tenha visto em sua vida. Correto?
—Absolutamente.
Ao notar sua preocupação, ele reagiu, balançando-a brandamente:
—O que ocorre?
—Não sabia que já tinha começado com a pintura. Acreditei que ainda estava com os esboços.
—Comecei a trabalhar com os óleos ontem pela tarde e não pude me deter.
—Trabalhou toda a noite?
—Sim.
—Está quase completo. — não precisava esclarecer nada mais.
—Muito em breve o estará. — respondeu a sua tácita observação. Acrescentou, com suavidade: —Não podemos seguir para sempre. Você sabe, não?
—Sim, claro que sei. — seu ânimo se afundou ante a realidade que a enfrentava de maneira tão abrupta. — Mas queria que não fosse assim.
—Cada vez que vem, arriscamo-nos a que nos descubram.
—Talvez — se desfrutou audazmente com a fantasia— não me importa que nos descubram.
—Mas se isso ocorrer, seu pai pediria minha cabeça; possivelmente exigisse que nos casássemos. Agradaria-te que nossa relação se resolvesse dessa maneira?
Casar-se! Com o Gabriel! A provocadora possibilidade flutuou entre eles. Elizabeth sorriu ante a idéia, que até então tinha conseguido desprezar. Ela seria tão intrépida como Mary. Podia arriscá-lo tudo em nome do amor eterno. Ou não?
—E se eu o desejasse? —desafiou-o, rogando manter a compostura e mostrar-se valente.
—Seriamente pretende que acredite que está disposta a te rebaixar assim? Sou um bastardo, e não me envergonho de sê-lo, e ficaria condenada à vergonha e a desgraça se caísse tão baixo. Não esqueça que não só te uniria a mim, mas também a meu pai, que está manchado pelo escândalo. Teria que te mudar a nosso lar e viver em pé de igualdade com sua ex-governanta. Seria o bobo de sua preciosa alta sociedade. Ridicularizariam e se burlariam de ti, se é que ainda se dignassem a te notar. Vá, provavelmente seu próprio pai não te falasse mais. Não poderia ir mais a Norwich, te proibiria visitar seus parentes ou entrar na casa familiar. Rechaçada e deserdada. —se deteve para enfatizar suas palavras— Seriamente quer isso? Recorda que sou pobre. Exceto quando tenho a estranha fortuna de vender um quadro, dificilmente tenho sequer um par de centavos no bolso. Nunca poderia te dar a vida a que está habituada.
Endireitando-se, contemplou-a com uma expressão estranha, e ela não soube se lhe estava falando a sério ou não. Seu insolente olhar parecia desafiá-la a responder, a emitir sua opinião sobre a origem familiar de Gabriel ou a lhe negar que era um mal partido, mas ela não conseguia dar com uma resposta que não soasse depreciativa ou vaidosa.
Odiava admiti-lo, mas ele tinha razão. Seu otimismo se extinguiu ao reconhecer que estava atuando de maneira ridícula. Havia dito a si mesma uma e mil vezes: não tinham futuro. Ele era uma estrela brilhante em seu opaco universo. Seus dias e noites transbordavam de romances ilícitos, enredos amorosos e encontros ardentes. Que homem seria tão desenquadrado para renunciar a semelhante aventura em troca da estabilidade e a monotonia da vida doméstica?
Por mais que agora estivesse apaixonado por ela, era impossível que seu interesse perdurasse. Deu-se conta da classe de mulher com a que ele acostumava tratar e sabia que não estava a sua altura. Cansaria-se dela e morreria se descobrisse que Gabriel já não a desejava. Qualquer relação duradoura era impensável, e fantasiar com outro final era um esbanjamento de tempo e de energias. Precisava concentrar-se no presente, e nas lembranças perduráveis que pudesse construir junto a ele.
—Tem razão; nunca poderíamos nos casar. — recuperou a compostura e sorriu com paquera, como se só estivesse brincando— mas quero que saiba: não significa que não me agrada.
Durante apenas um segundo, ele entreabriu os olhos e se esticou, como se tivesse recebido um rude golpe. Elizabeth sentiu que Gabriel a estava pondo a prova para averiguar seus verdadeiros sentimentos. Suas depreciativas observações sobre si mesmo e sobre seu pai, sobre aquilo ao que ela deveria renunciar para estar com ele não tinham sido mais que um experimento, uma prova em que tinha fracassado.
Piscou, e o que lhe pareceu ter visto durante um momento desapareceu por completo. Seguramente, estava tão desesperada por ganhar o amor do Gabriel que tinha começado a acreditar que a amava, quando em realidade não era assim. Como uma menina boba, fantasiava com o impossível. Já era hora de que retornasse à realidade.
Decidida, deu-lhe as costas, não queria que percebesse sua visível aflição, e se dirigiu aos desenhos eróticos.
—Estes são magníficos. O que te levou a fazê-los?
Durante um momento, ele titubeou, sem lhe responder. Logo, lançou um pesado suspiro cheio de decepção, como se não pudesse acreditar na atitude negligente dela. Compreendeu que o tinha ofendido gravemente, embora não entendia como nem por que. No momento mesmo em que ela percebeu seu aborrecimento, Gabriel trocou de ânimo e a abraçou por detrás, lhe pondo as mãos na cintura.
—Penso em ti todo o tempo.
—Seriamente? —sorriu ante a inesperada confissão e se deu volta para olhá-lo por cima do ombro.
—Sim, e meus pensamentos nem sempre são castos.
—Já o vejo.
Apoiou o quadril contra o seu e, imediatamente, sua virilidade se endureceu.
—Quando estou sozinho aqui, vão a minha mente imagens tuas, de como te vejo ou como espero verte e sem me dar conta...
—Começa a desenhar indecências.
—Sim.
—Tem uma imaginação muito vivida.
—Assim dizem. — excitado, arqueou-se contra ela.
—Se pudesse escolher alguma e fazê-la realidade agora mesmo, qual seria? —assinalou uma ilustração em que ela, de joelhos, lambia-o enquanto ele a tirava do cabelo com uma expressão de delicioso prazer neste rosto?
—Sem dúvida, uma de minhas favoritas. — sua respiração se agitou e a estreitou com mais força.
—E o que me diz desta?
Assinalou o desenho no que Gabriel a possuía desde atrás. Afirmando suas coxas, ela se abria quanto podia enquanto ele a penetrava extasiado.
—Escolher é muito difícil.
—Esta excita minha imaginação. — o via convexo no canapé, com a moça sobre ele. Sua língua lhe roçava um mamilo, a mão lhe acariciava o flanco do seio—. Me agradaria...
—Elizabeth...
—Sim? — voltou-se tudo o que lhe permitia o tenaz abraço dele e descobriu o desejo em seus olhos ardentes. Desejava-a com loucura. Ao menos por agora.
—Retornemos à cama.
—Acreditei que nunca o diria.
Elevou-a entre seus braços, movendo-se com tanta pressa que se sentiu enjoada. Estreitando-a contra seu peito, levou-a até a pequena cama, como se não pesasse mais que uma pluma, como se fosse terrivelmente frágil. Depositou-a com suavidade sobre o colchão antes de recostar-se a seu lado. Quando seus lábios se uniram em um beijo tenro e amoroso que não demorou para voltar-se mais animado, Elizabeth fechou os olhos, e rezou, irracionalmente, por que esta vez, só esta vez, todos seus sonhos se fizessem realidade.
Capítulo 16
Mary aceitou um último abraço de apoio; logo, levantou-se do regaço do John e se dispôs a sair da carruagem.
—Está segura de que não quer que entre contigo? —perguntou ele por décima vez, mas ela estava decidida a fazê-lo sozinha. Além disso, considerando os antecedentes da relação entre o John e Findley, sua presença só pioraria as coisas.
—Muito segura.
—Temo que te machuque.
—Eu não. —insistiu Mary. John bufou com um som que a fez sorrir.
—É um imbecil.
—Sim que o é, mas nunca cairia tão baixo para me ultrajar. Sem importar o que eu faça ou diga.
—Há uma primeira vez para tudo. Lhe perder —tomou as mãos e lhe roubou um beijo— levaria a qualquer homem ao bordo do desespero.
—É muito doce, meu querido marido. — o coração lhe deu um tombo ao chamá-lo assim.
Ainda não entendia como tinha conseguido convencê-la com tanta pressa, nem por que ela o tinha aceitado. Mostrou-se muito insistente e, sem refletir sequer, encontrou-se frente ao altar de uma pequena capela próxima a sua casa, tomando os votos. Suas únicas testemunhas foram Gabriel e a tímida e jovem esposa do pastor.
As duas semanas anteriores tinham sido um torvelinho de pânico e indecisão. Ignorava como pôr fim à perseguição de John sem ferir seu obstinado orgulho. Mas uma noite, só em sua cama, desejando com desespero que estivesse com ela, ou ter a coragem de escapulir-se para encontrar-se com ele, compreendeu que se estava comportando como uma estúpida.
Por que negar-se? Por que deixar fugir a oportunidade que John lhe oferecia? Durante toda sua desventurada vida tinha ansiado uma casa própria, uma família. Embora o mundano e sofisticado John Preston e o extravagante Gabriel Cristofore não eram exatamente o ideal para uma mulher simples e convencional como ela, pôs a um lado suas dúvidas.
Amaram-se, conversando e escutando. Inteirou-se dos grandes problemas que ele tinha sofrido e aos que tinha sobrevivido. Tinha criado com dedicação um filho magnífico, mas considerava que sua tarefa de pai estava concluída. Queria algo mais para seus últimos anos de vida que envelhecer a sós.
Era divertido, bondoso, inteligente, interessante: todas as qualidades que ela admirava. E, além disso, tinha um intenso amor pela vida que ela nunca tinha visto em ninguém mais, à exceção, possivelmente, de Gabriel. Tinha ido a lugares e feito coisas que Mary só podia imaginar. Sua visão do mundo era muito mais ampla, e lhe preocupava que pudesse aborrecer-se junto a uma pessoa reservada e sem brilho como ela.
Mas, ao mesmo tempo, gostava de pensar que tinha valiosas qualidades com que recompensá-lo. Sua influência tranqüilizadora, seu equilíbrio, seu amor pela rotina e os prazeres simples introduziriam em sua vida a estabilidade e harmonia que claramente necessitava. John Preston tinha suportado muitos vaivens, alegrias e penas, fortuna e misérias, e saberia como aproveitar a moderação da Mary.
Isso não significava que não fosse haver tormentas. Os dois que agora eram sua família tinham um evidente talento para criar caos e gerar alvoroços, mas, logo depois de tantos anos tediosos na casa Norwich, um pouco de agitação não parecia tão mau.
Não, a vida com os Preston nunca seria aborrecida. Estava entusiasmada, ansiosa por viver seu futuro. Mas, antes de começar, tinha que dizer ao Findley. Não podia nem imaginar como se desenvolveria a horrível conversação. Estava disposta a entrar e terminar com todo o sórdido assunto, mas não pôde evitar deter-se durante um momento para admirar a seu arrumado marido. Uma quebra de onda de lágrimas nublou seus olhos; inclusive na penumbra da carruagem, ele as notou. Tranqüilizou-a lhe massageando os ombros e os braços.
—O que ocorre, querida?
Tragando-se sua emoção, ela murmurou:
—Obrigada.
—Por quê? —perguntou surpreso.
—Por me querer.
—OH, Mary...
—Tem-me feito tão feliz.
—E descido te fazer até mais feliz. Todos os dias.
Estreitou-o com tanta força como pôde antes de apartar-se. John percebeu a aflição e abatimento de Mary, assim que a abraçou um momento mais. Como se fora uma menina, acomodou-lhe o vestido e o cabelo para que recuperasse a compostura.
—Não acredito que demore muito. — prometeu ela.
—Esperarei-te meia hora, mas se não retornar. — advertiu— entrarei, e não estou disposto para ouvir objeções. Oponho-me totalmente a que dirija este assunto você sozinha.
—Muito bem. —assentiu. Que maravilhoso era ter um defensor!
—E se disser ou faz algo inapropriado, parte imediatamente e busca-me. — desfrutando-se ante a possibilidade, adicionou: — lhe darei uma boa surra.
—Não fará falta. — ao menos, isso esperava. Findley era um maldito orgulhoso, de modo que lhe custava imaginar que se rebaixasse a proferir insultos ou ameaças.— De todas as maneiras —se burlou— dá-me a impressão de que você gostaria muito poder golpeá-lo.
—Estou seguro de que o merece.
—Bom, não tenho intenção de te dar essa oportunidade. Especialmente, não no dia de minhas bodas. Necessito que esteja em boas condições esta noite.
Ele riu e repetiu:
—Volta logo, meu amor.
—Farei-o.
Com decisão, avançou para a porta principal e entrou. Por que não ia entrar por ali? Já não era só uma governanta, a não ser uma mulher que se casou com o quarto filho de um duque. Sem dúvida, o ouro já se havia embaçado no anel dourado que John tinha recebido em sua juventude, mas sua linhagem era extremamente elevada. A senhora Preston se ergueu com ar majestoso, ansiosa de lhe contar de sua boa fortuna a quem quer se cruzasse em seu caminho.
Concentrou-se no que a rodeava e examinou o impecável saguão. Desde dia em que nasceu, tinha sido treinada para administrar e cuidar as muitas propriedades do conde de Norwich. A tarefa resultava uma carga imensa e também uma incrível honra que amava e respeitava. Dedicou-se com diligencia a cumprir com suas obrigações tão bem como podia e estava de acordo com seu desempenho e pelo que tinha feito pela renomada família.
Mas esse êxito não lhe bastava. O frio mármore e a madeira polida que agora resplandeciam ante ela tinham sido seus únicos companheiros. O piso de ladrilhos e a curvilínea escadaria cintilavam à luz dos abajures. De repente, notou que a satisfação que estava acostumada a lhe produzir contemplá-los tinha desaparecido. O amor de John fazia que nada mais lhe importasse.
Ao princípio, perguntou-se se sentiria saudades seu cargo na gélida mansão, mas logo compreendeu que não tinha por que preocupar-se. Nada do que deixava nessa luxuosa pilha de tijolos podia sequer começar a comparar-se com o que lhe davam em troca.
Sorriu ante a idéia e subiu pelas escadas até seus modestos aposentos sem cruzar-se com ninguém. Tomou sua mala e, em poucos minutos, empacotou suas coisas. O diminuto espaço que ocupavam todas seus pertences reunidos era revelador. Que pouco tinha recebido em troca de seu esforço!
Depois de uma última, nostálgica inspeção, desceu ao andar inferior, para dirigir-se à parte traseira da casa, onde Findley devia estar, metido na imensa biblioteca, à espera de que o mordomo anunciasse que o jantar estava servido. Por desgraça, no momento mesmo em que terminou de baixar as escadas, viu lady Norwich avançar pelo vestíbulo.
—Onde diabos se colocou? —ladrou a jovem.
—Condessa — respondeu educadamente, celebrando em seu íntimo não ter que ver nunca mais à espantosa harpia.
—Estive-a procurando todo o dia.
—Desculpe-me. — resistiu o olhar como uma igual, sem dizer uma palavra para defender-se nem para explicar sua ausência. A dama se encolerizou.
—E bem? Que explicação tem para me dar?
—Em realidade, nenhuma. Agora, se me permitir...
—Não, não lhe permito!
As bochechas da condessa ardiam e respirava agitada, indícios seguros de uma birra iminente. Qualquer cena abominável podia produzir-se de um momento a outro. Talvez fizesse pedacinhos algum objeto de valor, atirasse comida ou esbofeteasse a alguém. Mary já o tinha presenciado em várias oportunidades e estava feliz de que esse fosse o episódio final. Nunca mais deveria proteger, nem a ela nem a outros dos imerecidos insultos, nem passar-se horas aquietando os ânimos e remediando o desastre que Charlotte Harcourt se dignou provocar.
—Tenho entrevista com o conde —Mary rodeou à condessa para seguir caminho— e, por uma vez, dar-me-ei o gosto de lhe dizer que não tenho tempo para sua estupidez.
—O que...! Prostituta desrespeitosa e insolente! — balbuciava, incapaz de dar com as palavras que expressassem com suficiente claridade sua indignação.
—Adeus, lady Norwich.
—Quanta rabugice! Não pode me falar nesse tom! Farei que te açoitem antes de jogá-la à rua!
—Tremo de medo.
Provocava à moça. Sabia que tivesse sido preferível manter a boca fechada, mas já tinha tido que suportar muitas coisas sem protestar. De todas as formas, não tinha trocado drasticamente sua posição social, hoje, aos onze da manhã? Não tinha intenção de mostrar-se servil com essa desprezível menina.
Mesmo assim, não queria prolongar a discussão, de modo que deu um passo mais. Mas lady Norwich a pegou pelo braço e a obrigou a voltar-se. Apertando-a com força, elevou sua outra mão para lhe dar uma bofetada, mas Mary reagiu em seguida, bloqueando o ataque antes de que a alcançasse.
—Nem lhe ocorra! — advertiu-lhe com voz grave.
Ouviram-se umas pegadas no patamar e Mary elevou a vista e, morta de calor, descobriu que Elizabeth estava ali, observando cada detalhe da deplorável cena.
—Charlotte! —ordenou, espantada— Solta-a agora mesmo.
Assombrosamente, a condessa obedeceu. Por algum motivo, estava acostumado a ceder à influência da Elizabeth, e se apartou enquanto esta descia a toda pressa.
—O que faz? —interrougou-a Elizabeth— E se te visse algum servente? Imagina o que diriam depois de ver-te em semelhante estado!
—Lhe pergunte onde esteve! —bramou Charlotte.
—Farei isso — para impedir novos ataques, Elizabeth se interpôs entre a Mary e a encolerizada condessa— Vai para cima. Mandarei te chamar quando o jantar esteja servido.
Charlotte titubeou, como se fosse negar-se, mas se sentia insignificante frente a essas duas mulheres adultas. Mary e Elizabeth, convertidas em um inexpugnável bastião de ataque e condenação, olhavam-na com o cenho franzido. Foi dando pernadas, detendo-se para vaiar por cima do ombro:
—Farei que te encarcerem, bruxa! Já verá!
Contemplaram a retirada da condessa, que subiu as escadas ruidosamente antes de desaparecer. Ao cabo de um momento se ouviu um estrépito ensurdecedor. Um dos caríssimos vasos de cristal que adornavam o corredor tinha sido atirado contra o chão. Permaneceram em silêncio, até que Elizabeth perguntou:
—Encontra-te bem?
—Sim. — respondeu Mary, embora tremia— O lamento, mas foi impossível lhe responder de maneira cortês.
—Não te culpo.
Apareceu uma donzela para ver que se devia o alvoroço. Elizabeth lhe ordenou que retornasse à cozinha imediatamente e arrastou a Mary a uma sala contígua.
—Onde estava? —perguntou sinceramente preocupada.
—Vêem. Sente-se. —Mary a conduziu até um sofá junto ao fogo, e se tirou a luva da mão esquerda. O anel de bodas que John Preston lhe tinha colocado emitiu um brilho maravilhoso—. Fugi para me casar com o John Preston.
—Assim tinha razão. —murmurou.
—Quem? —perguntou Mary em tom amável.
—O senhor Cristofore disse que talvez se casassem.
—Seriamente?
Assombrada, Mary elevou uma sobrancelha. Causava-lhe graça que Gabriel tivesse falado dela. Esteve-se perguntando como fazer amizade com ele e procurava qualquer tema que lhes permitisse aproximar-se.
—Morria por te perguntar se era verdade —confessou — mas não estava em casa.
—Estive ocupada tomando decisões e organizando alguns assuntos.
—Quando foi a cerimônia?
—Esta manhã.
—Por que não me avisou? —sentiu-se afligida pelo desprezo— Teria ido.
Como explicar-lhe? Elizabeth era sua amiga e, em certos aspectos, era como uma filha. Mas prevalecia sua relação de empregada e empregadora, e o absurdo, prolongado namoro com Findley a tinha obrigado a erigir barreiras para garantir uma distância que nenhuma das duas pudesse derrubar.
—Aconteceu muito depressa, Elizabeth. — explicou tratando de aplacar sua frustração— Não houve sequer tempo de enviar convites a ninguém — mentiu. Podia ter convidado a quem quisesse, mas a cerimônia era tão especial para ela que não tinha querido compartilhá-la com ninguém. Nem sequer com Elizabeth.
—Que planos tem? —parecia perdida, confundida ante esta última transformação. Mary lamentou não haver-se mostrado mais amistosa.
—Deixo meu trabalho e me mudo.
—Agora?
—Bom, é minha noite de núpcias. — Um sorriso involuntário se desenhou em seus lábios.
—Onde viverá?
—Com John e o senhor Cristofore, onde mais?
—Que afortunada é. — murmurou, sem pensar nas implicações do que acabava de ouvir— Mas do que viverão?
—Gastei pouco de meu salário ao longo dos anos. Tenho algumas economias, e Gabriel tem sua pintura, embora — ao aludir ao espinhoso tema, moveu-se inquieta— agora retratará mais famílias e meninos, não tantas mulheres. Além disso, John e eu decidimos que lhe buscaremos um mecenas, um nobre que aprecie e respalde seu talento.
—É uma excelente idéia.
—Verdade que sim? E persuadi ao John de que chegue a um acordo financeiro com sua família. Faz quase três décadas que não recebe nem um centavo.
—Por Deus! —exclamou Elizabeth— os Preston nunca voltarão a ser os de antes.
—Não, não o serão, mas, como pode ver. — lhe deu um tapinha na mão— para mim está perfeitamente bem assim.
—Sim, para ti, sim, mas o que faremos sem ti?
—Estou segura de que se arrumarão. — observou o salão cuja ordem tinha estado a seu cargo durante tantos anos. Não sentiria saudades. — Já faz tempo que não tenho nenhuma influência sobre este lugar.
—Não é certo. É o melhor que temos.
—OH, Elizabeth... —afligida pelo elogio, ficou de pé, desesperava-se por partir o quanto antes, pois temia ficar sem energia para o conflito que ainda devia enfrentar— Devo partir. Ainda não falei com seu pai.
—Está na biblioteca. Quer que te acompanhe?
—Não. Tem que ser uma conversação privada.
Saíram ao vestíbulo, sentindo-se incômodas com a situação, e de repente Elizabeth perguntou:
—Virá nos visitar?
—Não. Mas sabe onde me encontrar. Sempre será bem-vinda.
—Obrigada.
A jovem envolveu Mary com um quente abraço, que respondeu com todas suas forças. Quando se separaram, a Elizabeth corriam lágrimas pelo rosto.
—Não posso acreditar que realmente te parta. — soluçou.
—É o melhor que podia ocorrer.
—Sei que sim. — concedeu, mas estava muito abatida ante a perspectiva de enfrentar a Charlotte sem o respaldo da Mary.
A senhora Preston sentia pena por ela, mas não podia lhe oferecer uma solução. Fazia meses que Findley deveria ter posto ordem na casa, talvez encontrando um marido para sua filha. Entretanto, considerando a relação que lady Harcourt mantinha com certo pintor italiano, provavelmente essa já não era uma opção válida.
—Adeus, querida. — Mary a abraçou uma vez mais— Trata de ser feliz.
—Tentarei.
Mary a deixou chorando no saguão. Não se voltou a olhá-la. Não sabia como responder aos problemas da Elizabeth, nem tampouco como remediá-los. Estava além de seu alcance, e, além disso, tinha assuntos mais urgentes de que ocupar-se. Golpeou a porta com o toque especial que empregava para que ele a reconhecesse e, imediatamente, ouviu sua voz, que a convidava a passar.
—Mary — estava bebendo uma taça e a elevou em uma saudação— que gosto ver-te.
—Olá, Findley.
Estava sentado na cadeira de respaldo alto, detrás de sua impressionante escrivaninha lustrada. A mulher lhe aproximou com confiança. O custoso tapete persa amortecia o repico de seus saltos. Deteve-se diretamente frente a ele e depositou a mala no piso. O conde a estudou com nervosa atenção.
—Vai a algum lado?
—De fato, sim. — tinha escrito uma carta de renúncia, que colocou sobre o escritório— Renuncio a partir deste momento.
Tomou a carta, jogou-lhe uma olhada e depois, tal como ela tinha suposto, rasgou-a em pedaços. Com gesto teatral, arrojou-os por cima do ombro.
—Pois bem, não a aceito. Retorna as suas tarefas.
—Não é assim de simples, Findley.
—Por certo que é "assim de simples". Como se eu fora a permitir que me abandone! O que te acreditaste? Tornaste-te totalmente louca?
Como em nenhum momento contemplou a possibilidade de que ela o desobedecesse, inundou a pluma no tinteiro e continuou escrevendo o documento que o tinha ocupado toda a manhã.
Mary o observou, pensando em quão rápido pode surgir o amor, em quanto se está disposto a tolerar e em como pode extinguir-se. Alguma vez havia sentido algo por ele? Algo mais que uma errada paixão? Agora que tinha conhecido John, agora que sabia em realidade o que eram o amor e o desejo, não podia recordar o que era o que lhe tinha atraído ao conde em princípio. Seu namorico tinha começado fazia tanto tempo que lhe era difícil recordar como se permitiu envolver-se dessa maneira com ele.
—Findley, me escute. — a severidade de seu tom o fez elevar os olhos. Fulminou-a com o olhar, como se desse por sentado que já se partiu. — Não há uma maneira simples de te dizer isto.
—Me dizer o que?
—Casei-me hoje.
—O que disse? — incorporou-se com toda a intenção de dar a volta ao escritório para ir onde ela, mas lhe cederam as pernas e se deixou cair em seu assento.— Não o diz a sério. Me diga que não é verdade.
—É. — estendeu a mão para que visse o anel.
—Como pôde fazê-lo? —agora sim lhe aproximou a toda pressa, tomando ambas as mãos — Está zangada comigo desde que me casei com Charlotte, mas acreditei que te passaria. Supus que terminaria por me perdoar.
—Não há nada que perdoar. Era seu dever.
—Então por que?
Estava verdadeiramente perplexo, como lhe ocorria cada vez que tinham uma discussão acalorada. Mary sentiu pena por ele, mas não podia salvá-lo. Findley era o artífice de seu próprio destino.
—Simplesmente, necessitava mais da vida.
—Mas te amo, Mary! Sempre te amei! —apertou-lhe os dedos com tanta força que temeu que lhe rompesse um osso. Prosseguiu, como se não tivesse ouvido uma só palavra: — Sabe que ainda te amo! Amei-te do primeiro dia! Recorda o dia que cheguei a Norwich, verdade? Sua mãe tinha morrido e você herdou seu posto. Eu não tinha te visto em anos, desde que era uma menina, e ali estava, convertida em toda uma mulher. Levava esse vestido azul que adoro e tinha o cabelo recolhido. Decidi, nesse mesmo instante, que era a criatura mais bela que tinha visto em minha vida.
—Findley. — ordenou — para com isso.
—Como poderia fazê-lo? Estive esperando que mudasse de idéia. Todos estes meses, esperando ansioso que voltasse a me receber em sua cama, em sua vida! Fui tão paciente! Não pode me dizer que já não tenho mais oportunidades. Pedi-te desculpas mil vezes, e lhe pedirei isso mil vezes mais se isso for o que quer! —quase suplicava— me casar com Charlotte era meu dever.
—Entendo-o. Charlotte nunca foi um problema para mim.
—Então, por que insiste? Já sabe como é minha esposa: é uma menina, uma menina consentida e malcriada que nunca pôde me satisfazer como homem. Não deixa de repetir que entende por que me casei. Se for assim, por que não me perdoa?
Como de costume, Findley se negava a reconhecer, ou sequer a compreender, a insustentável situação dela. Mary já tinha desperdiçado muitas palavras procurando fazê-lo entender, mas já era suficiente! Para a senhora Preston, era história antiga. Seu futuro aguardava na carruagem frente à casa. Não havia motivo para seguir discutindo. De todos os modos, Findley nunca a tinha escutado.
—Adeus, Fin — tomou sua mala e se obrigou a dizer sua seguinte frase: — agradeço as oportunidades que me deu e sua confiança em mim. — em grande parte sua gratidão era sincera, se deixava de lado tudo o que ele tinha obtido a seu custo.
—Não deixarei que te parta. — veemente, audaz, ergueu-se em toda sua estatura. — Te farei encerrar em sua habitação até que recupere a prudência.
—Não diga disparates. — elevou os olhos ao céu, farta dele. Era tão previsível. Nunca ninguém o contradizia. — Meu marido me espera fora.
—Seu marido! —pigarreou com despeitada mofa. Parecia convencido de que só um idiota podia casar-se com ela— Quem é o afortunado? Alguém que conheça?
—Sim, ambos se conhecem bem. — com ar desafiante se ajustou a luva, cobrindo o anel. Estava ansiosa por saber como reagiria o conde a suas seguintes palavras: — sou a esposa de John Preston. Recorda ao John, verdade? Faz anos, os dois brigaram. Se mal me recordo, foi pela forma abominável que tratava a Pâmela.
—John... John Preston? —cambaleou-se, e teve que tomar do bordo do escritório para não cair— Casou... com o Preston?
—Sim. Não é estupendo?
—E o que faz esse patife na Inglaterra? As esposas de todos correm perigo! Teria que fazer deportarem-no! — desconcertado, perguntou: — O fez intencionalmente para me ferir?
—Quando tomei minha decisão, não pensei em ti. — se dirigiu à porta. Voltou-se. Ele se via mais velho, débil, derrotado— Durante todo esse tempo, Findley, em que te escapulia pelas escadas de serviço para te introduzir em minha cama, insistiu em que a discrição era fundamental para proteger minha reputação. Mas não acreditará em que conclusão cheguei.
—Qual foi?
—Protegia só a tua. Nunca quis que ninguém soubesse que éramos amantes —cruzou a soleira— Deveria te dar vergonha. Sempre vali à pena.
Como frase de despedida, não estava mau, e cruzou o vestíbulo luzindo um amplo sorriso. O conde bramou seu nome com voz estrondante, mas por fortuna não a seguiu. Quando chegou ao saguão, alegrou-se ao ver que nenhum de seus subordinados andava por ali. Economizava-lhe ter que dar explicações ou despedir-se. Estava a ponto de sair, e sua mão já se posava sobre o trinco, quando a porta se abriu de par em par e John irrompeu, impaciente e furioso.
—Terminaram-se seus trinta minutos!
Rindo, ela ficou nas pontas dos pés e o beijou na boca. Não lhe importava se Findley ou algum outro viam seu comportamento.
—Vamos para casa —disse, e tomando sua mão, o fez sair.
"Mas te amo, Mary! Sempre te amei!"
Charlotte conteve o fôlego, horrorizada, como se lhe tivessem dado um murro no estômago. Seus ouvidos a enganavam! Não podia ser certo!
Quando Elizabeth a despediu com brutalidade, estava tão furiosa que se negou a permanecer em sua habitação como uma menina castigada. O que em realidade queria fazer era romper coisas, descarregar sua fúria irrefreável. Nunca tinha estado tão indignada, e se dispunha a tramar uma vingança de proporções colossais. Dirigiu-se à habitação onde conseguia inteirar-se de tantos segedos. Mas como podia esperar semelhante horror?
Eram amantes! Seu marido e a governanta!
O conde estava acostumado a desprezá-la por sua inépcia nas relações maritais, mas inteirar-se de que esse odioso caipira tinha ousado revelar suas intimidades a essa prostituta! Como podia rebaixar-se a tão monstruosa violação da lealdade e a privacidade? Como se suas críticas não a afligissem o suficiente!
Enjoada, incapaz de seguir escutando a aberrante conversação, engatinhou até uma poltrona próxima e se levantou apoiando-se em um de seus braços. Furiosa e envergonhada, saiu ao corredor e baixou precipitadamente as escadas. Entrou em seu quarto cambaleando-se e nem sequer lhe importou que algum servente a visse nesse estado. Aproximou-se do assento que estava junto à janela e permaneceu olhando a chuva e o sombrio jardim, lutando por recuperar o equilíbrio. Pouco a pouco, recuperou a compostura, e, com ela, uma deslumbrante lucidez.
Seu marido era a classe de porco desprezível que coabitava com uma mulher de baixa índole, enquanto sua esposa dormia tranqüilamente, ignorando seus pecados. E, além disso, pretendia que sua manchada esposa tolerasse a degradação de que sua rameira a servisse à vista de todos.
Enquanto ele e Mary Smith desfrutavam de sua paixão ilícita se teriam rido e burlado dela? Brincavam e ridicularizavam sua inépcia para as relações sexuais? Quantos segredos de Charlotte tinha compartilhado o adúltero conde?
Não podia acreditar que tinha sido tão ingênua. Tão insensata. Tão estúpida. Enquanto vivesse, não perdoaria esta mortificação ao Findley Harcourt. As pagaria. Ah! Se as pagaria.
Capítulo 17
Frente à parede de seu estudo, Gabriel estudava a parede onde tinha colocado os numerosos esboços da Elizabeth. Tratava de discernir matizes e formas, mas, como estava habituado a lhe ocorrer ultimamente, sua excepcional capacidade de concentração lhe falhava, e não conseguia enfocar-se em sua obra.
Detrás dele, estava o retrato que tinha começado a pintar. A ambientação pastoral estimulava os sentidos; era tão vivida que até quase se sentia o perfume das rosas que subiam pela pérgula. Mas o centro estava em branco, como se a pessoa que tinha estado ali tivesse saído. Não podia terminá-lo. Embora fosse absurdo, estava convencido de que assim que incorporasse a Elizabeth à cena, tudo finalizaria de maneira abrupta. Simplesmente, não podia apoiar o pincel no tecido.
Mas, se pretendia cobrar, em algum momento terei que lhe apresentar o quadro ao conde de Norwich. E logo, a que artimanha recorreriam para seguir encontrando-se?
Elizabeth era inteligente e certamente podia inventar outros pretextos para sair da casa, mas essas desculpas eram limitadas e logo não ficaria nenhum álibi válido para dizer. Suas ausências já tinham chegado ao limite do passível. Sua madrasta adolescente a olhava consternada. Só era questão de tempo que as circunstâncias os obrigassem a separar-se.
Com o olhar sombrio, contemplou os esboços, perguntando-se como faria para seguir adiante sem ela quando tudo terminasse. Graças a Deus, ainda faltavam algumas semanas, por mais que seu pai e Mary insistissem em que devia finalizar quanto antes.
Sorriu ao recordá-los. Viam-se tão apaixonados que estar em sua presença era embaraçoso. Gabriel se alegrou profundamente quando partiram na manhã seguinte as bodas para passar sua lua de mel no campo. Tinha a esperança de que, quando retornassem, tivessem satisfeito em parte sua evidente paixão. Seus beijos e carinhos, abraços e carícias o incomodavam. Tinha sido visto seu pai seduzir a muitas mulheres. Mas vê-lo com a Mary era desconcertante. Sempre sentia como se os espiasse em um momento de intimidade.
Seu pai estava acostumado a envolver-se com tediosas mulheres da aristocracia, nunca com plebéias. E só as seduzia para saciar seus desejos carnais. Gabriel nunca o tinha visto apaixonado. Não entendia nem se sentia cômodo com as exultantes demonstrações de afeto de John, embora, logo depois de passar muitas horas em companhia de Mary, tinha descoberto que ela era muito diferente do que tinha imaginado.
Mary demonstrou sua astúcia desde o começo. Era virtualmente um gênio em matéria de finanças e para organizar a casa. Opunha-se à tendência de seu enteado de ganhar dinheiro por meios mais que duvidosos e insistia para que mudasse seu método. Tinha muitas idéias a respeito de como John e ele podiam sustentar-se, mas Gabriel não estava seguro de querer adotar nenhuma delas. Por respeito a seu pai, não as tinha desprezado ainda, embora detestasse admitir que esperavam respostas a respeito.
Ela tinha convencido facilmente a John de que boa parte de sua situação financeira ficaria arrumada se Gabriel conseguia um mecenas. Também lhe suplicava que solicitasse a seu irmão maior um pagamento mensal ou chegar a um acordo pelo dinheiro da herança que lhe correspondia. Sua ousadia não conhecia limites. Até chegou a propor contratar a um advogado para que contatasse à família da Selena na Itália e obrigasse aos tios enriquecidos do Gabriel a lhe passar uma indenização em compensação pela morte de sua mãe.
Como lhe ocorriam tão diabólicas idéias?
Agradava-lhe seu estilo, mas, por desgraça, opunha-se com veemência a suas três propostas. De aceitar seus conselhos, John teria que acudir, com humildade, a quem o desprezou quando era jovem. Gabriel se veria obrigado a ganhar seu dinheiro atuando como um animal de circo para os mesmos desgraçados que tinham denegrido e desdenhado a seu pai. E ter qualquer tipo de contato, embora fosse por meio de um terceiro, com seus parentes italianos, era uma terrível aberração.
Entretanto, uma de suas facetas, seu lado mercenário, corrupto e ambicioso, compreendia em seguida esses planos e os considerava justos e lógicos. Se conseguiam tramitar um financiamento regular, ganharia uma imensa, perdurável satisfação, pois o dinheiro que receberiam viria dos vilões que sempre tinha odiado.
Não cabia dúvida de que Mary Smith Preston tinha condições inatas para ser uma verdadeira enganadora. E Gabriel notava que cada vez se sentia mais atraído por sua persistente determinação para que ele modificasse sua conduta. Embora possivelmente, simplesmente, estava disposto a lhe seguir a corrente. Estava tão eufórico ante seu evidente, inegável amor pelo John que estava disposto a fazer quase qualquer coisa que lhe pedisse.
Devia reconhecer que faziam um excelente casal, pois ambos se complementavam à perfeição. Entretanto, seu pai se mostrava reticente a dar os detalhes de sua relação —algo incomum nele— e Gabriel, por uma vez, morria por averiguar o que o tinha feito sucumbir com tanta facilidade. Lhe teria agradado ter a valentia de perguntar-lhe e recorrer a esses mesmos recursos para ganhar a Elizabeth, para que compreendesse que havia esperança para eles.
No último encontro algo entre eles mudou de maneira crucial: embora Elizabeth se comprometesse emocionalmente com ele, não estava pronta para aproveitar a oportunidade de construir uma vida juntos. Gabriel esperava que mudasse de opinião. Mas não foi assim, e seu rechaço lhe doía.
Se ela tivesse lhe dado algum um indício de que estava interessada, teria saltado qualquer obstáculo para estar junto a ela. Mas quando ele repassou bruscamente os motivos pelos quais não podiam estar juntos — suas diferentes posições na aristocracia, a pobreza dele, a desaprovação do conde. — Elizabeth desdenhou sua proposta. Ele albergava a esperança de que o amasse o suficiente para desafiar ao destino, para arriscar-se ao desconhecido, para embarcar-se temerariamente nos perigos turbulentos do amor. Mas ela se mostrou distante e indiferente; ele não falaria do tema nunca mais.
Não podia negá-lo: era um homem orgulhoso e não lhe daria uma segunda oportunidade para que voltasse a desprezá-lo.
Embora tivesse gostado de zangar-se com ela, sentia-se amargurado e desiludido por seu desprezo, entendia as imposições que a governavam. Ele não podia lutar contra todas as rígidas crenças sociais com as que tinha sido doutrinada na infância.
Tinha que deixar de pensar nela! Tinha ficado como um idiota, mas não repetiria seu engano. Conduziria-se como com suas amantes anteriores: desfrutaria dela enquanto pudesse e depois seguiria seu caminho. A separação seria mais dolorosa que as demais, mas preferia não pensar nisso.
A porta se abriu e Elizabeth entrou, seguida de uma rajada de vento que fez que o fogo se avivasse. A primavera se aproximava a toda pressa, sentia-se o aroma da terra fértil, ar vistoso, flores frescas. Por todo o jardim apareciam brotos verdes e, infelizmente, o mais provável era que, quando aparecesse a primeira flor, seu namorico com Elizabeth Harcourt já não fora mais que uma lembrança.
—Olá, Gabriel. — sorriu, fechando a porta para evitar a entrada da inclemente brisa.
—Me deixe ver-te.
Levava seu vestido rosa, como sempre. O traje lhe seguia funcionando de álibi, pois ficaria imortalizada no retrato vestida dessa maneira. Não era do todo mentira, embora Gabriel ultimamente preferisse desenhá-la nua, porque dessa maneira podia enfatizar melhor sua beleza e sua encantadora feminilidade.
Ansioso, feliz, deu-lhe um ardente beijo, desfrutando da maneira em que seu torso se amoldava ao dele, suas costas nua, a forma em que suas línguas se entrelaçavam, a lenta investida de seus quadris contra os seus. Converteu-se em uma amante perita e hábil! Dominava as técnicas do amor. Gabriel estava ansioso por começar outra sessão de luxúria desenfreada.
—Por Deus! — disse ela, rendo, quando ele interrompeu o beijo para lhe mordiscar o pescoço— diria que sentiu saudades.
—Cada minuto que estivemos separados.
Tirava-lhe a parte posterior do vestido, desprendendo os botões. Obrigou-se a ir mais lento para não rasgar o tecido em seu desespero por contemplar seu voluptuoso peito. Nunca tinha visto uns seios tão excitantes. Os mamilos eram pecaminosamente sensíveis aos seus dedos. Cada vez que os acariciava, Elizabeth gemia de prazer implorando por mais.
Impaciente, enlouquecido, abandonou os botões. Aferrando-a do traseiro, elevou-a e se apertou contra ela para lhe fazer notar quão excitado estava de tanto esperá-la. Ela riu ao notar seu desenfreio.
De repente, soltou-a e se afastou. Tomou uma taça de vinho e se reclinou no sofá.
—Quero que te dispa para mim, muito lentamente, enquanto lhe olho. Depois, quero te desenhar nua.
—Excelente idéia.
—Assim acredito.
—Por certo. —lhe dedicou uma luxuriosa piscada— eu também senti saudades.
Ele tinha afrouxado o vestido o suficiente para que continuasse com a tarefa sem sua ajuda e a observou com avidez enquanto a jovem acatava sua indecente solicitude. Acentuando cada movimento do braço, cada deslocamento de seus dedos, deixou que o vestido se deslizasse por seus quadris até suas coxas. Depois, afrouxou as cintas da anágua e os cordões do espartilho. Ela se atrasava, voltando-se e se localizando de modo que ele desfrutasse da vista mais estimulante. Movia-se como uma cortesã perita; deslumbrado, Gabriel roçou a taça de vinho por seu pênis inflamado.
Sua roupa interior caiu. Tirou-se a camisa e, durante um momento, ficou vestida só com as méias. Com deliberada provocação, colocou o tamborete justo frente a ele e posou ali um pé. Seus hábeis dedos magros jogaram com a liga, desatando-a antes de baixar a meia pela perna e exibir uma ampla porção de seu sedosa pele.
Agachou-se, e seus seios arredondados oscilaram deliciosamente. Contemplar seus mamilos eretos o levou a novas cúpulas de excitação. A posição que tinha adotado deixava exposta a feminilidade que escondia entre as pernas, que o tentava e paquerava com ele. Quando começou a baixar-se lentamente a outra meia, ele apenas se conseguiu manter-se sentado. Todo seu corpo lhe exigia satisfação, rogava-lhe que fizesse algo, mas ele não fez conta. Queria que a tensão aumentasse, que a ereção crescesse.
—Você gosta do que vê? —perguntou ela, deixando cair sua meia ao chão. Não tinha necessidade de perguntá-lo. Ele a desejava, sentia fome dela, e o vulto de suas calças confirmava amplamente.
—Já sabe que sim.
—Se pudesse me pedir algo, o que é o que mais te agradaria?
—Que usasse sua boca.
—Que boa idéia.
Com um travesso sorriso, sentou-se no sofá, colando seu quadril ao dele. Começou a desprender os botões de suas calças, com tal resolução que, para o momento em que introduziu suas mãos e agarrou seu membro ardente, ele se sentia a ponto de explodir.
Deu-lhe pequenas lambidas que o enlouqueceram, antes de baixar e tomar primeiro a ponta, depois mais e mais, até que ele ficou quase completamente dentro de sua boca. Como sempre ocorria quando ela o agradava desse modo, Gabriel perdeu o controle, experimentando uma instantânea necessidade de ser satisfeito. Mas não queria que o final chegasse tão logo.
A fez recostar-se sobre seu corpo. Separou-lhe as coxas, acomodou-se e a penetrou com tal velocidade que ela se viu obrigada a sufocar uma exclamação. Retorceu-se, ajustando-se a seu imenso tamanho. Ele se concentrou em seus seios, acariciando-os, roçando seus mamilos com a boca. Chupava e jogava com um, incitando-a, mas sem lhe permitir saciar de tudo. Acariciou com a ponta de seu dedo o ponto onde seus sexos se uniam. Estava úmida e bem disposta.
—Está tão pronta —lhe tocou seu centro de prazer com o polegar, fazendo-a arquear-se e esticar — Quer gozar?
—Sim... por favor —procurou arquear-se, forçar o movimento que a levaria ao êxtase, mas lhe segurava as coxas para mantê-la em seu lugar, e não o permitiu.
—Ainda não.
—Gabriel! —suplicava, exigia-lhe. Ele se retirou. Sua vara se deslizou pela ardente fenda antes de sair. Elizabeth franziu o cenho. Ansiosa, queixou-se: —Detesto estes jogos!
—E eu adoro verte assim alterada — a fez voltar-se de lado, ficou de pé, e a deixou sozinha no sofá. — Te vê muito bela quando te zanga.
—Não pretenderá me deixar assim!
—Só uns poucos minutos, minha pequena desavergonhada.
—Besta!
Lhe acomodou umas almofadas detrás das costas, rendo enquanto ela resmungava e se queixava de sua baixeza. Mas em seus olhos havia um brilho e em seu corpo uma tensão como ele nunca tinha visto. Queria desenhá-la assim, perturbada pela paixão, utilizar o impulso de sua própria excitação que lhe brindaria uma criatividade nova.
Elizabeth contemplou com avidez como ele se tocava seu membro latente, antes de introduzi-lo de novo em suas calças.
—Quer que me ocupe disso? —perguntou lambendo-se lábios e lhe recordando como acabava de afetá-lo, de que maneira o tinha deixado em seu palpitante estado.
—Logo — repôs com fingido desinteresse. O certo era que ansiava estender à tigresa de costas e terminar com o que tinha começado— Te introduza o dedo na boca.
—Assim?
—Sim. Agora, esfregue os teus mamilos com ele.
Já estavam muito estimulados, mas o dedo úmido os contraiu ainda mais; Gabriel ardia de excitação enquanto a via acariciar-se. Não o pedia muito freqüentemente, porque a punha incômoda, mas ele se sentia tão pressionado ao perceber que lhes acabava o tempo para desfrutar de sua relação, que queria levá-la tão longe como o fora possível.
—Te belisque o mamilo.
Duvidou um momento, mas obedeceu. Estava tão excitada que o procedimento teve um efeito instantâneo; gemeu e se recostou nas almofadas, arqueando as costas.
—Toca-te assim de noite, quando está sozinha?
—Não.
—Quero que o faça. Esta noite. Quando estiver na cama, na escuridão, sob as mantas, te acaricie e pensa em mim.
—E você? Também te tocará na escuridão e pensará em mim?
—Faço-o todas as noites.
O olhou com ceticismo.
—E por que teria que fazê-lo?
—Para que me dê prazer mesmo que não esteja comigo. Meu desejo por ti nunca diminui, assim, quando não está, fecho os olhos e imagino que me lambe com sua deliciosa boca, até que me derramo.
—E assim alivia essas terríveis urgências corporais?
—Por um tempo. Fico satisfeito até que posso estar contigo outra vez. Volta a te tocar — ela obedeceu de boa vontade e ele ordenou — Não te mova.
Tomando seu caderno de esboços, sentou-se em seu tamborete e começou a desenhar. Elizabeth tinha a cabeça arremesso para trás e o cabelo lhe caía sobre os ombros. Tinha as coxas abertas, revelando o encaracolado pêlo que lhe cobria o sexo. Tomava um seio com a mão cavada, como lhe oferecendo o mamilo. Era uma ninfa procaz, uma fada erótica, uma formosa sereia cujo canto o levava a perdição.
Ansiava um ponto de vista mais íntimo, desceu-se do tamborete e se localizou entre suas pernas. Levantou a vista e se deleitou com tudo o que tinha para lhe oferecer: sua feminilidade, a parte interior de suas coxas, seu ventre, seu peito. Retratou-a desde esse ousado ângulo. A pose o excitava, e se atrasou nessa parte dela que só ele tinha visto. Sua mão voava desesperada sobre a página, ansiosa por apagar a ardente excitação que tinha despertado.
—Feito. — murmurou ao fim, mais para si mesmo que para ela.
Escrutinou sua obra. Percorreu-a com olho crítico, e um sorriso iluminou seu rosto. Extraordinária. Tinha capturado com exatidão sua expressão de expectativa e excitação. Assim disposta e preparada para o amor, estava arrebatadora.
A representação era sensacional, terrivelmente erótica. Gabriel ansiou ser o suficientemente inescrupuloso para vendê-la. Podia transformá-la em uma pintura de tamanho completo e ganhar uma fortuna, mas nunca o faria. Tinha muitos defeitos, mas era incapaz de semelhante depravação.
—me deixe ver. — ela estendeu a mão, mas ele deixou cair a ilustração ao piso. Elizabeth estava tão sensual que ele não podia resistir mais — Me dê isso! —queixou-se, mas ele interrompeu seu protesto ao inclinar-se sobre ela. Respirando fundo, inalando seu aroma, lambeu a fenda, perfurando-a com a língua, saboreando-a. Lambeu a crista da feminilidade e, em instantes, Elizabeth começou a retorcer-se de gozo. Enquanto lhe massageava os mamilos com fúria, a mulher começou a subir à cúpula do prazer.
Sua intenção original tinha sido acompanhá-la enquanto a tormenta a envolvia, mas já não podia conter-se. Só podia procurar sua própria satisfação, a gratificação definitiva. Enquanto ela seguia tremendo pelo gozo, colocou-a de barriga para baixo e começou a penetrá-la grosseiramente. Em cada investida sentia seu arredondado traseiro, até que tampouco pôde conter-se mais e seu manancial começou a fluir.
Frenético, aferrou-a, procurando retirar-se e verter-se sobre suas costas Mas não chegou a tempo. Além disso, a feminina caverna parecia reter-lo à força, pressionando seu interior contra ele, e os gritos de prazer da mulher eram muito intensos. Já não pôde resistir.
Uma feroz corrente alagou o interior da Elizabeth. Gabriel não podia recordar quando se permitiu fazer algo assim pela última vez. Em geral, terminava o ato sexual na boca de seus amantes ou sobre seu peito, embora lhe suplicassem, pois o perigo de engendrar um menino era muito grande.
Sua imprudência era absoluta, e, entretanto, sentia-se delirar de felicidade. Inclusive a perspectiva de que seu descuido pudesse resultar em um filho não diminuiu sua euforia. Agora, tinha-a feito sua de todas as maneiras possíveis. Já haveria ocasião para recriminações e arrependimentos, mas, com o membro ainda latente e os músculos internos dela que o apertavam, estava muito afligido para preocupar-se de nada.
Os impactantes efeitos foram cedendo, e ele, sem soltá-la, se agachou, até que ambos ficaram de joelhos sobre o sofá.
—Nunca tinha feito isso. — comentou um pouco temerosa— Não haveremos...?
—Não. —se apressou a interrompê-la— Não com uma única vez.
Embora soubesse que o que acabava de dizer não era certo, não queria começar a discutir agora que se sentia tão feliz. Sufocou as palavras de gozo, queria gritar aos quatro ventos quão maravilhosa tinha sido a experiência, mas do que serviria? Só podia ficar assim, beijando o pescoço de sua amante, deleitado por completo.
—Agradou-me. Muito — disse ela com um sorriso de satisfação.
—A mim também.
Estudava-o com uma expressão estranha, como se também ela tivesse ficado extremamente comovida pelo ocorrido. Mas seu silêncio era tão significativo como o dele. Separando-se de seu regaço, voltou-se de modo em que ficaram enfrentados. Abraçou-o com ternura e lhe deu um beijo celestial, interminável. Quando se separaram, ele não foi capaz de olhá-la aos olhos. Alagou-o um acesso de melancolia tão capitalista que, incrivelmente, encheu-lhe os olhos de lágrimas.
—Terminou meu retrato?
—Não. Mas logo o farei.
Obstinada, a moça queria obrigá-lo a olhá-la, mas Gabriel não podia lhe permitir que notasse quão perturbado estava.
—Alguma vez quis que...?
Deteve-se em metade da frase.
—Quis o que? —perguntou intrigado
—Nada. —suspirou— Tem idéia de quando terminará?
—Não, embora deva confessar que meu pai me exigiu que o fizesse quanto antes, pois assim o exige minha nova mãe.
—Mary?
—Sim. O dia que se casaram, suplicou-lhe que interviesse.
—Ambos sabem o que estivemos fazendo?
—Sim.
—E seu pai como se...?
—Sempre soube, bela. — confessou ele com suavidade, esperando que Elizabeth não tentasse averiguar como sabia, desejando não ter que lhe explicar nunca que, ao princípio, ela era uma mulher a mais na lista.
—E ele disse a Mary? —perguntou enquanto o rubor coloria suas bochechas.
—Não. Ela o adivinhou.
—Fará o que lhe pedem?
—Disse-lhes que pensaria. —tomou a mão e lhe deu um beijo em meio da palma— mas não tenho pressa.
—E o que tem seus outros compromissos? —ruborizou-se até mais— Também os deixará de lado? Ou só o meu deve terminar?
Não pôde entender o que a fazia supor que ele mantinha relações com outras mulheres, mas claro que sempre foi muito ardilosa. Por uma vez, dizer a verdade o aliviou.
—Não há outros contratos. Não trabalhei em novos retratos desde que te conheci.
—Jure! Exigiu com ardor.
—Juro.
Ao ouvi-lo, ela se aninhou contra ele, sepultando o nariz no pêlo de seu peito.
—Me alegro.
—Prometi a eles que seria a última. — lhe beijou a cabeça. — Estou completamente decidido a encontrar uma forma mais lucrativa de ganhar a vida. Mas, por agora — se recostou sobre ela— não há pressa. Temos todo o tempo do mundo.
Capítulo 18
Charlotte golpeou a porta pela terceira vez. Estava impaciente por ouvir as pisadas da pessoa que a receberia. Mas não se ouvia nada, e não podia entender por que. Elizabeth tinha insistido em que Gabriel Cristofore gozava de uma posição moderadamente cômoda e, a julgar por sua casa e pela vizinhança, tinha razão. Embora certamente a residência não estivesse na rua mais elegante de Londres, tampouco se encontrava em um bairro baixo. De seguro um artista tão famoso não vivia sozinho, sem um séquito de serventes!
Havia sentido a necessidade de manter em segredo essa visita, de modo que foi sem donzela. Arrepiou-se, irritada, quando umas poucas gotas de chuva ricochetearam sobre a aba de seu chapéu antes de cair nos ombros.
—Acaso o condenado cavalheiro não tem serventes? —resmungou para si.
Estudou as janelas que davam à rua, com a esperança de ver alguma atividade, alguma cortina que se corresse: não parecia haver ninguém na casa. Mas Elizabeth tinha que estar dentro, sua carruagem a esperava fora. O folgazão do chofer tinha descuidado suas obrigações ao ver uma moça bonita. Estava tão concentrado que nem notou a carruagem de aluguel que se deteve detrás dele.
A condessa golpeou pela quarta vez antes de renunciar a seus intentos. Chutou o piso, zangada, estudou a residência, seu jardim, as grades de ferro forjado que o protegiam da curiosidade dos passantes, enquanto se fazia pergunta sobre o misterioso artista e o curioso e crescente apego da Elizabeth por ele.
A filha do conde se transformou em outra pessoa desde que o tinha conhecido, e Charlotte não podia deixar de perguntar-se que papel jogava o senhor Cristofore nessa mudança surpreendente. Embora ela asseverasse que o único propósito de suas visitas era posar para seu retrato, Charlotte duvidava de que fosse assim. Para que um artista gerasse semelhantes mudanças só aplicando o pincel ao tecido, tinha que ser um feiticeiro.
Claro que não deveria ter seguido a Elizabeth, mas seu comportamento a intrigava até a insônia. Tudo parecia suspeito, suas palavras: "Você não entende. — conforme lhe dizia— é um verdadeiro gênio da arte", sua atitude atrevida. Seguro que se colocou em algum assunto indecente.
Até se por fim se inteirasse de que dizia a verdade, Charlotte estaria satisfeita por ter ido averiguar o que acontecia. Não podia suportar mais a curiosidade. Detestava que Elizabeth guardasse secretos. A condessa morria de ciúmes e não tolerava que sua enteada a ignorasse. De repente, já nem sequer lhe importava que Charlotte tivesse ocupado seu lugar na casa.
Era evidente que ninguém iria à porta e que devia partir, mas devia averiguar algo ou se voltaria louca. Jogou uma olhada e descobriu o atalho que dava ao jardim pelo flanco da casa. Sem deter-se considerar se era correto entrar sem que a convidassem, ou o que se diria se a condessa do Norwich fosse surpreendida bisbilhotando, dirigiu-se para o jardim traseiro pelo caminho.
Com surpresa, descobriu que ao fundo havia uma diminuta cabana. Saía fumaça da chaminé. Olhou para a casa principal por cima do ombro; por fortuna, ninguém tinha notado sua presença. De modo que se aproximou da cabana e olhou pela janela.
Sufocou uma exclamação ao ver um sórdido espetáculo.
Elizabeth estava de joelhos sobre um sofá, completamente nua. Um homem incrivelmente arrumado — tinha que ser Gabriel Cristofore! — encurvava-se detrás dela. Também ele estava nu. Com uma mão lhe acariciava o peito, e com a outra... estava-a tocando ali!... entre as pernas! Pela forma em que seus corpos se enlaçavam, teve a certeza de que o patife a estava penetrando. Elizabeth abria as pernas para que ele gozasse de seu repulsivo prazer a seus gastos.
A reação inicial do Charlotte foi de horror. Acaso o pintor a estava ultrajando? Por que não gritava? Por que não pedia ajuda? Por mais que sua enteada não lhe simpatizasse, estava disposta a derrubar a porta, se era necessário, para resgatá-la do pior dos destinos. Mas, no momento mesmo em que se dispunha a ir ao resgate, notou que a mulher arqueava as costas com uma estranha expressão no rosto, enquanto gritava.
Estava gemendo de prazer!
Charlotte se estremeceu de brincadeira e de repugnância. Acaso essa desavergonhada não tinha moral? Nem princípios que guiassem sua conduta? Que classe de dama se emprestaria voluntariamente a um procedimento tão sujo e perverso? Como podia tolerar que esse homem se tomasse semelhantes liberdades? Que escândalo! Que vergonha! Elizabeth não era mais que uma rameira!
Concentrou-se nos detalhes do espetáculo. Cristofore se inclinou mais, parecia lhe sussurrar algo ao ouvido enquanto lhe mordiscava o pescoço. Ela murmurou uma resposta antes de dar-se volta e abraçá-lo. Quando o fez, Charlotte pôde ver o membro do homem. Era enorme, estava lustroso e erguido como um poste.
Com ousadia, Elizabeth deu a seu amante um comprido e ardente beijo que o outro lhe devolveu de boa vontade, enquanto lhe apertava sua ereção contra o púbis. Suas mãos percorriam todo o corpo dela detendo-se em seus mamilos, em seu traseiro.
Quando os amantes concluíram seu apaixonado beijo, o coração do Charlotte palpitava a toda pressa. Vê-los assim era obsceno, mas, ao mesmo tempo, completamente excitante. Desconcertada, a condessa se debatia entre a repulsão e a fascinação por esses movimentos estranhamente harmoniosos.
O que lhe chamava especialmente a atenção era o físico esbelto e elegante do cavalheiro, que concentrava toda sua atenção na Elizabeth. Charlotte ficou atônita ao descobrir com quanta ternura se podia levar a cabo o ato sexual e —sobre tudo— advertir que seu próprio corpo reagia ante as manobras que observava. Não sabia que a anatomia masculina podia ser tão magnífica, nem que contemplá-la podia despertar os instintos mais baixos de uma mulher. Era desagradável admiti-lo, mas seus mamilos respondiam ao que ele fazia. Removeu-se, incômoda.
Os amantes conversavam, e a condessa se aproximou mais à janela, desejando poder escutar o que diziam. Mas não se ouvia nenhuma palavra, de modo que analisou a cena: a inclinação de uma cabeça, a carícia de uma mão, a profundidade de um olhar. Estavam concntrados em uma discussão séria e intensa. Era evidente que se tinham afeto, e isso a zangou até mais. Mas ao fim havia revelado o delicioso e obsceno segredo de Elizabeth Harcourt.
Cristofore a fez tombar-se e lhe separou as pernas; sem consideração por sua delicadeza feminina, penetrou-a brutalmente com seu repulsivo membro. A condessa sentiu náuseas ao ver as arremetidas dele, que procurava sua repugnante conclusão. Charlotte apartou o olhar, já não podia seguir presenciando isso.
Enojada e inexplicavelmente excitada, correu a sua carruagem de aluguel, sem preocupar-se se por acaso alguém tinha visto sua indecorosa e apressada fuga. O chofer a ajudou a subir. Estava tão alterada que não podia falar, nem sequer para dar a singela ordem de partida.
Um torvelinho de imagens perturbava sua mente, enquanto viajava em sua carruagem com a vista perdida nas ruas de Londres. Desde o dia de suas bodas, tinha ansiado com desespero encontrar um método que lhe permitisse vingar-se dos desprezos e insultos dessa moça desprezível. Além disso, desejava lhe demonstrar a seu pomposo, cruel e velho marido que ela era uma pessoa a que terei que respeitar. Não era uma menina, como ele a havia descrito a sua desprezível querida, a não ser uma mulher adulta a que não apreciava em sua justa medida. Seus implacáveis comentários a seguiam ferindo como uma adaga cravada em seu peito, sentia sua traição como uma ferida que sangrava. Nunca o perdoaria e queria feri-lo de igual maneira. Mas parecia tão poderoso e onipotente que lhe tinha sido impossível conceber alguma vingança que pudesse afetá-lo.
Mas, agora, sua própria filha lhe tinha dado as ferramentas necessárias para vingar-se. O conde acreditava que Elizabeth era perfeita e a apresentava como o modelo ao que Charlotte devia aspirar. Devastaria-o inteirar-se de quanto se equivocou. O conde devia ser informado da classe de prostituta que tinha criado.
Havia muitas maneiras possíveis de atuar. Mas qual a beneficiaria mais?
A carruagem se deteve com estrépito na mansão Norwich, mas ela apenas se notou que tinham chegado. Uma vez mais, o chofer a ajudou a baixar, e se apressou a entrar na casa. Subiu as escadas a toda pressa e, uma vez em seus aposentos, fechou a porta com chave para ter privacidade e refletir sobre sua seguinte jogada.
Findley Harcourt estava sentado à cabeceira da mesa familiar, bebendo as últimas gotas de vinho enquanto fulminava seu prato com o olhar. Não estava de seguro do que lhe tinham servido para comer. Por fortuna, essa noite não tinha convidados que tivessem que padecer tal atrocidade culinária.
Depois do segundo prato, interrogou a sua esposa a respeito. A cozinheira (a oitava desde sua chegada à casa) partiu-se sem razão alguma ao dia seguinte a partida de Mary. A condessa estava entrevistando a várias candidatas ao posto, mas se o fazia difícil, pois suas obrigações se multiplicaram desde que se viu obrigada a procurar uma boa governanta.
Ele voltou a indignar-se ao recordar o desprezo da Mary. Era a mais desleal, pérfida e traiçoeira das mulheres! Como se atrevia a abandoná-lo! Por esse libertino John Preston! A isso tinha chegado o mundo! Depois de tudo o que tinha feito por ela, retribuía-lhe indo-se quase sem despedir-se. Se ela tivesse continuado em seu posto, como lhe correspondia, agora ele não estaria passando fome em seu próprio refeitório. Sem ela estava perdido! Totalmente perdido!
Cuspiu em sua taça e as duas mulheres o olharam de soslaio. Talvez tivesse bebido muito. Não era de surpreender; certamente, não tinha o ventre cheio de comida.
Criticou a péssima qualidade da comida e abandonou o assunto. Charlotte não faria mais que jurar que não tinha culpa, que os enganos alheios não era algo que pudesse controlar e que todos os serventes eram uns imbecis. Não podia suportar mais suas desculpas. Além de lhe dar um herdeiro, tinha uma só responsabilidade: ocupar-se da casa. Tinha-a censurado em muitas ocasiões, mas isto já era o cúmulo. Se um homem respeitável não podia retornar a sua casa, logo depois de uma árdua jornada de trabalho, e desfrutar de um jantar agradável, que sentido tinha retornar?
Antes de comprometer-se com o Charlotte, interrogou à mãe da jovem a respeito da educação e o treinamento que tinha recebido Para dirigir as diversas e exaustivas responsabilidades de condessa. A dama insistia em que sua filha tinha recebido a melhor instrução possível. Mas agora, contemplando-a por sobre o bordo de sua taça, devia reconhecer que essas garantias não tinham sido mais que uma descarada artimanha para casá-la a toda pressa com o primeiro que fosse tão estúpido para pedir sua mão.
Bem, o único culpado era ele. Quando decidiu voltar a contrair matrimônio, embarcou-se na tarefa com seu habitual desenfreio. Quando conheceu Charlotte, pareceu-lhe que era a escolha óbvia. Estava tão apressado por fazer o contrato, e os pais dela pareciam tão amáveis, que rápido averiguou sobre sua educação e hábitos.
Evidentemente, deveria ter sido mais ajuizado, mas quem teria imaginado que essa mocinha era capaz causar tanta discórdia?
Tinha a linhagem apropriada, por mais que não fosse tão elevado como ele tivesse querido, e era sem dúvida a mais bonita das moças disponíveis de sua idade, o qual, é obvio, fez mais agradável a perspectiva. As poucas ocasiões em que estiveram juntos antes das bodas, ela se mostrou cortês e respeitosa, lhe dando a impressão errada de que seria uma esposa razoável, diligente e obediente. O certo era que nunca era amigável, estranha vez se mostrava agradável e que não tinha nem um ápice de capacidade para cumprir com suas obrigações. Estudou-a furtivamente, tratando de recordar por que lhe teria parecido atrativa.
Como se não fora suficiente, nos últimos dias, comportava-se de maneira muito estranha. Estava de mau humor, seus caprichos pioravam, não o escutava e o ignorava por completo quando ele entrava em uma habitação sempre tinha sido difícil, mas agora se mostrava até mais obstinada. Inclusive tinha chegado a ter o topete de rechaçá-lo quando ele a visitou em seu leito, mas a tinha feito entrar em razão com uma bofetada e, a partir de então, não teve que suportar mais sua estupidez.
E que motivo tinha para estar tão enfastiada, a maldita menina?
Justo quando deveria sentir-se mais contente que nunca, sua atitude se azedou. Passou-se meses brigando com a Mary, exigindo que a despedisse, que a jogasse à rua. E agora que Mary foi-se... Quem entendia às mulheres!? O que queriam? O que necessitavam? Nunca tinha conseguido elucidá-lo e, obviamente, já não o descobriria agora, aos cinqüenta anos.
Incapaz de tirar alguma conclusão, deslocou sua atenção a sua filha. Tampouco sabia nada sobre ela. Elizabeth também tinha mudado de forma notável. Tinha adquirido um brilho que ele antes não percebia. Vestia-se com trajes chamativos e de alegres cores, que realçavam seu porte e seu encanto. Estava acostumada a ser calada e sombria, mas agora se mostrava feliz, ligeira e alegre. De fato, pensando-o bem, a mudança de ânimo das duas mulheres tinha acontecido quase ao mesmo tempo.
Que estranho.
Estendeu a mão com a taça e um servente a voltou a encher em forma automática. Bebeu-a de um sorvo para afirmar sua resolução. Agora sim que interrogaria a desprezível moça. Mas no momento em que abriu a boca, Charlotte se apressou a falar:
—Elizabeth, como foi sua tarde? —havia algo inexplicavelmente rancoroso, intrigante e malicioso em seu tom.
—Minha tarde? —a jovem estava distraída e se sobressaltou quando Charlotte lhe falou— Foi excepcional.
—Que bom. Aonde foi?
—Estive posando para meu retrato. — evidentemente, o interrogatório a exasperava— Charlotte, expliquei-te uma e outra vez aonde vou. Por que insiste com isso?
Findley passeou o olhar de uma à outra. Havia algo entre elas que não conseguia decifrar de tudo. Ambas estavam alteradas: Charlotte, brigona e hostil; Elizabeth, animada e eufórica.
—E como vai saindo seu "retrato"? —bebeu um pouco de vinho para ocultar um sorriso malévolo.
—Maravilhosamente bem.
—Já está quase terminado?
—Quase.
—Que pena.—assinalou com ironia— Logo lhe acabarão as desculpas para visitar seu distinto amigo.
—Sim, é uma lástima. Foi maravilhoso comigo, e aprendi muito sobre o processo criativo. Oxalá tivesse dinheiro para me fazer mecenas. Ajudaria a todos os artistas que pudesse.
—Mecenas! De dúzias de artistas! —a condessa sufocou seu tom de rechaço apoiando seus lábios na taça— Pois sim que é vigorosa!
—O que diz? —perguntou Elizabeth, confundida.
Charlotte se voltou abruptamente para seu marido, transbordando de um inexplicável veneno.
—Milord, queria falar com você em privado depois do jantar.
Surpreso por sua expressão malévola, ele pigarreou e se endireitou:
—E eu quero falar contigo agora mesmo.
Sua ira cresceu ao mesmo tempo da dela. O excesso de vinho o fez estalar por assuntos que, em geral, não lhe importavam nem um pouco.
—Esta comida é atroz.
—Mas já expliquei...
—Basta de desculpas. —deu um murro na mesa, fazendo que a baixela e também as duas mulheres se estremecessem. — Têm uma semana para corrigir sua ineficiência como administradora desta casa. Se no jantar da próxima sexta-feira tiver que suportar algo parecido a isto, tirarei suas responsabilidades e as devolverei a Elizabeth. —Isso! Que a agüentasse! O orgulho era uma das poucas virtudes de Charlotte, de modo que acabava de insultá-la da maneira mais degradante— Já não tolerarei suas falhas. Está claro? Se não mostrar uma melhora, não terei mais opção que fazer que Elizabeth se ocupe da casa.
—Em realidade, pai. —interrompeu ela com o mais irritante dos sorrisos— não me agradaria ter que voltar a me ocupar dos assuntos da casa nunca mais. Tal como me aconselhou isso, comprometi-me em diversas atividades, e me levam muito tempo. Estou muito ocupada para fiscalizar a casa ou ao pessoal. Não me interessa voltar a me encarregar de minhas tarefas anteriores.
Ele a estudou com atenção. Quem era essa moça insolente? Não a reconhecia. Não queria ocupar-se da casa? Estava... muito... ocupada? Passou-se meses queixando sem cessar de que as bodas dele tinha provocado um vazio em sua vida!
—Se eu o ordeno que faça —disse imperiosamente— fará. E não vou escutar objeções. Minha residência deve ser posta em ordem! — Furioso, ficou de pé, jogando com violência seu guardanapo— Agora, se me desculparem....
—Posso lhe falar, milord? — Charlotte repetiu sua solicitude, incorporando-se de um salto e interpondo-se em seu caminho, decidida a importuná-lo com algum estúpido problema.
—Não, não pode.
Tomando a dos cotovelos, elevou-a no ar e a fez a um lado antes de ir-se dando pernadas pelo vestíbulo rumo a sua biblioteca, o único refúgio que ficava nesse lugar de mulheres dementes.
Quando passou frente ao mordomo, vociferou:
—Que ninguém me incomode! Ninguém!
Encerrou-se dando uma portada, serviu-se uma boa medida de uísque. Como não tinha jantado, só tinha vinho no estômago e lhe ardeu ao tragar. Deixou-se cair na poltrona de seu escritório, esfregando-se seu dolorido abdômen enquanto amaldiçoava a Mary. E a Charlotte. E também a Elizabeth.
Cansado e farto, fechou os olhos, desfrutando do silêncio, quando, para seu horror e consternação, a porta chiou.
Sua ira ressurgiu. Acaso já não exercia autoridade em sua própria casa? Não ficava nenhuma pessoa disposta a obedecê-lo? Quem se atrevia a contradizer suas ordens? Abriu os olhos, furioso, e viu que o visitante era Charlotte. Atrevia-se a enfrentá-lo! A pesar do mau humor que tinha! Não poderia suportar mais nenhuma corriqueira reclamação feminina.
—Tenho que acrescentar a surdez a sua larga lista de defeitos, esposa? —Todo seu corpo estava tenso pela raiva— Juraria que acabo de te dizer que não estou de humor para lutar com o que for que pretende compartilhar comigo. Fora! Já!
—Mas, milord...
—Sai! —rugiu, interrompendo-a. — me deixe em paz!
—É urgente.
—Não me importa!
—Tem que ver com a Elizabeth —i gnorando suas ordens, apressou-se a entrar e se sentou frente a ele, em uma de suas cadeiras favoritas.
—O que ocorre com a Elizabeth? —perguntou, apertando a mandíbula.
—Devo lhe advertir sobre o artista que está freqüentando.
Irradiava tanto despeito que Findley compreendeu a malícia de suas intenções. As intrigas eram seu forte, de modo que ficou em guarda imediatamente.
—O que tem que ele?
—Chama-se Gabriel Cristofore.
—E o que há com isso?
—Não a está retratando.
De repente, Charlotte sentiu que se ruborizava. As bochechas lhe ardiam tanto que desejou estalar em chamas e terminar de uma boa vez todo o assunto.
—E o que ocorre com ele? Se tiver algo que dizer, diga o de uma vez!
—Ele... ele... —balbuciou— tem relações maritais com ela.
Findley a estudou, enquanto avaliava a magnitude do que acabava de ouvir.
—Está-me dizendo que Elizabeth e esse pintor...?
—Sim — se apressou a assentir com a cabeça— Em meio da tarde, em sua oficina, onde qualquer um poderia surpreendê-los — o conde sentiu uma pontada, talvez era um intento mais da vil moça por semear a discórdia.
—Despem-se e... e... copulam? Isso é o que quer dizer?
Para ouvi-lo usar o término, tão preciso, mas tão vulgar, a audácia lhe falhou. Cravou a vista no piso, enquanto seus dedos, nervosos, brincavam com sua saia.
—Sim, lorde Norwich.
—E como sabe?
—Vi-os.
—Hoje?
—Sim. Por isso houve problemas com o jantar. Estava tão afligida! Não podia fiscalizar a cozinha.
—Não, é obvio que não. —jogou com a cadeia de seu relógio— E como foi que os descobriu?
—Bom, Elizabeth não deixa de falar do talento do senhor Cristofore, assim decidi visitá-lo para lhe solicitar que me retratasse, mas quando cheguei..., eu... eu...
Não pôde terminar a frase e seguiu olhando o piso. Descrever o que tinha presenciado a envergonhava e não podia inventar uma mentira satisfatória de um momento para outro. O conde não pôde elucidar qual era seu problema, e insistiu:
—Entrou e...
—Bom, ao parecer não havia ninguém na casa, mas a carruagem da Elizabeth estava ali, assim olhei pela janela.
—Minha condessa de Norwich espiava da rua como um maldito bisbilhoteiro?
—Não foi assim. —s e defendeu ela.
—E, então, como foi? —com a paciência esgotada, jogou com crueldade: — Copulavam como as bestas no bosque? Como os cães na rua?
—Ela estava de joelhos e ele a possuía brutalmente por detrás.
Deus! Podia ser verdade? Não podia acreditar que sua esposa inventasse uma história tão horrenda, a pesar do mútuo desagrado que se tinham ambas as mulheres. Nem sequer Charlotte cairia tão baixo ou sim? E Elizabeth, o que? Sempre tinha sido moderada e confiável. Se comportaria dessa maneira tão reprovável? Completamente consternado e albergando uma leve esperança, perguntou:
—Não te terá equivocado? Possivelmente ele a estava forçando.
—Não. Ela participava de boa vontade.
A perversa jovenzinha tinha presenciado todo o ato! Precisava estar sozinho para assimilar as espantosas notícias.
—E bem? —espetou com desprezo— O que sugere que faça? —não lhe interessavam seus conselhos, mas sentia curiosidade por averiguar que solução tinha ideado sua mente ruim.
—Bom, ao princípio pensei que deveríamos lhe buscar marido, mas então... — por fim, encontrava-se em seu elemento e o olhava fixamente, como se ambos fossem cúmplices — me dava conta de que está arruinada. Nenhum cavalheiro a aceitaria.
Vã ironia. Sua filha solteirona talvez tivesse concebido o filho do pecado, enquanto que sua jovem e saudável esposa demonstrava, mês detrás mês, sua decepcionante incapacidade de conceber.
—Se não ser o matrimônio então, o que sugere?
—Deve ser enviada de Norwich para sempre, e terá que mantê-la afastada das pessoas decentes.
—De ti, por exemplo?
—Exato — Charlotte não percebeu o sarcasmo—Não quereria que sua perversa presença me manchasse.
—O que outra opção te ocorre?
—Podemos confiná-la em casa. — a condessa falava a toda pressa, exaltada, enumerando todos os castigos possíveis— Em seus aposentos. não deixá-la sair. Nunca. Nem para fazer compras, nem para passear pela cidade, nem para ir aos eventos de caridade, nem a esses concertos que tanto gosta.
—E quem seria seu carcereiro? Você?
—Se você me pedisse. — abaixou então a cabeça, pretendendo aparentar compaixão e obediência. — Eu o ajudaria de boa vontade.
O conde observou a sua esposa. A idéia de encarcerar a Elizabeth a punha eufórica. O encarcermanento e suas possíveis conseqüências a alegravam. Sua esposa era um enigma, um mistério desconcertante composto de intrigas e maquinações. Se dedicasse a metade das energias, que usava para bisbilhotar nos assuntos de outros, para corrigir seus próprios defeitos, talvez alguma vez alcançasse algum equilíbrio.
Tal como estavam as coisas, ele não podia predizer o que seria dela. Nem dele. Como passaria o tempo que ficava de vida se tinha que compartilhá-lo com ela? A idéia era tão deprimente que não suportava contemplá-la.
—Pode ir a sua habitação.
—Mas o que tem que...?
—Investigarei suas acusações. — assinalou o vestíbulo com um gesto— Descobrirei a verdade dos fatos e espero, por seu bem, que o que há dito seja certo.
—É-o. Já o verá.
Sua veemência o persuadiu de que dizia a verdade, e o coração lhe deu um tombo. Mesmo assim , sentiu-se obrigado a acrescentar:
—Se me mentiste, não terei misericórdia. Não terá maneira de te redimir.
—Sim, milord.
—Uma terrível surra será só o primeiro de seus castigos.
—Não tenho medo.
O certo era que suas respostas o convenciam cada vez mais de que dizia a verdade.
—Eu me encarregarei disto. Enquanto isso, não deve dizer nada a ninguém.
—Mas deveria me permitir que...
—Não deve dizer nada a ninguém! Sobre tudo, a Elizabeth. Nem te ocorra tirar o tema. Nada de comentários sarcásticos. Nem de observações insinuantes. Você e eu tampouco voltaremos a falar do assunto.
—Não é justo. —respondeu a jovem, rebelde— Eu sou quem descobriu seu pecado. Deveria me dar permissão para...
—Não voltaremos a discutir do assunto! Agora, sai.
Ela titubeou, como se quezesse responder ou discutir, mas, ao ver sua expressão, decidiu ser prudente. Zangada, elevou-se um pouco as saias e saiu.
Logo, o conde se aproximou do aparador e se serviu outro gole de uísque antes de se deixar cair, abatido, em uma poltrona.
Capítulo 19
Quando o criado anunciou ao visitante, John acreditou não ter ouvido bem.
—Findley Harcourt? —perguntou, atônito— O conde do Norwich? Está seguro?
Ocultando sua indignação, pois ao criado não lhe agradava que sua capacidade fosse posta em dúvida, tendeu-lhe o cartão do conde.
—Bom, quem diria. —murmurou John, passando-lhe a Mary— Que demônios quererá?
—Só Deus sabe — resmungou. Incorporou-se e, acomodando-a saia e o cabelo, dirigiu-se à porta.
—Aonde vai?
—Eu me ocuparei disto.
—Não, não o fará.
—É óbvio que deve falar contigo. Sobre mim. —Estava tão zangada que John quase sentiu piedade do Findley— Não se preocupe, querido. Desfarei-me dele em um minuto.
—Em realidade, senhora Preston.— interrompeu o criado antes de que ela pudesse baixar a enfrentar Findley— não veio ver a senhora nem ao senhor Preston. Perguntou pelo senhor Cristofore.
—Gabriel? —Mary se deteve em seco e se voltou, fulminando ao John com o olhar— Disse para que queria vê-lo?
—Não, senhora. Mas solicitou uma entrevista em privado, disse que se trata de um assunto grave que não pode esperar.
—Deus, era o que faltava? —suspirou John. Detestava ver-se miserável ao inevitável desastre. Incorporou-se e se localizou junto à Mary, a quem dirigiu um furioso olhar que claramente dizia: "Disse-lhe isso". Só para averiguar quanto se zangaria, sorriu e lhe perguntou: —Te parece que isto terá algo que ver com a Elizabeth?
—Tem muito a ver com Elizabeth, como bem sabe.
—Detesto ir a seu encontro sem saber o que esperar. O que exigirá?
—Ao fim, seu filho tem que enfrentar as conseqüências de sua má conduta. Diria que estamos a ponto de ganhar uma filha.
—Acredita que Findley quererá que se casem?
—Você acredita?
—Não pensei seriamente no assunto.
—O que outro remédio fica?
—Não posso imaginar que Findley esteja disposto a cair tão baixo. Gabriel é bastante menos do que ele sempre pretendeu como genro.
—Me acredite —afirmou ela com um azedo sorriso— Gabriel está a ponto de converter-se em marido. Entendo Findley melhor que ninguém. Não deixará acontecer este ultraje sem exigir a reparação dos danos. Há um casamento a porta.
—Eu não estaria tão seguro.
—Por quê? Não te agrada Elizabeth? —olhou-o, franzindo o cenho— É uma grande mulher.
—Isso não o duvido, querida, mas Gabriel nunca se casaria com ela.
—Como poderia negar-se? Ele a fez cair em desgraça. — estava tão furiosa que teria sido capaz de apunhalar a qualquer homem que ficasse a seu alcance.
—Não é que não esteja de acordo. — se apressou a dizer ele— Só estou esclarecendo coisas. Apesar do que fez, nunca aceitará casar-se. Especialmente, se um infeliz como Findley o exige. —sorriu, com a esperança de aplacar um pouco a ira de sua esposa. — Gosta dos desafios.
—A Findley também.
—Isto não será agradável.
—Não, não o será. E Findley se mostrará totalmente resistente a entrar em razões.
—Igual a Gabriel.
Voltou a suspirar, perguntando-se como teriam feito seu filho e ele para dirigir-se durante tantos anos sem ter que enfrentar diariamente calamidades desta índole. Mas, claro, Gabriel não costumava seduzir mocinhas castas e inocentes. Procurava viúvas ou esposas infelizes, assim evitava enfrentar-se com um pai enfurecido.
—Será desagradável, mas não se preocupe, estaremos juntos.
—Claro que não!
—Não seja ridículo. Claro que te acompanharei.
John estudou sua feroz atitude, a rigidez de seus ombros. Embora Mary detestasse Findley e o desprezasse pela forma horrível que a tinha tratado, estava disposta a lutar com ele. Não imaginava nem por um instante que podia abandonar a seu marido em um momento como esse.
Que afortunado era! Cada manhã, ao despertar com ela aninhada contra ele na cama, felicitava-se por sua decisão.
Tinha esquecido quão satisfatório era ter uma mulher na casa. Embora lhe agradasse compartilhar com o Gabriel sua residência de solteiros, não era igualmente gratificante. Era muito bom ser mimado, acarinhado e cuidado, que houvesse alguém que o notasse que se preocupasse se não dormia o suficiente, ou se saía às frias ruas sem chapéu. Mary avançava pela casa a toda velocidade, solucionando problemas, reparando tudo o que necessitava acerto, incluídos ele e seu obcecado filho.
Abraçou-a, beijando-a com suavidade, agradecido por sua boa fortuna. Quando seus lábios se separaram, ela o olhou com seriedade.
—Não vais convencer-me com carinhos.
—Nunca me ocorreria tentá-lo.
—Sei como funciona a mente de Findley, John. Deixa que te acompanhe.
—Doce esposa —pediu ele— fique aqui. Por mim.
—Mas...
—Provavelmente se digam coisas espantosas, indignas de seus ouvidos.
—Não sou uma menina. Não me deprimirei por ouvir uns poucos palavrões.
—Isso eu já sei. —respondeu ele com um risinho— Mas Elizabeth é sua amiga. Ela será o principal tema da conversação e, se subisse de tom, não seria agradável para ti.
—Precisamente por isso tenho que estar presente.
—Para defender sua honra?
—Alguém deve fazê-lo.
—Eu o farei por ti. — a estreitou com mais força— Mary, não quero lhe dar ao Findley a desculpa para que te ofenda.
—Não temo ao Findley Harcourt.
—Já me dei conta —voltou a beijá-la—, mas se se mostrasse grosseiro contigo, me veria obrigado a cometer um homicídio.
—Julgariam-no e condenariam.
—Pendurariam-me.
—Eu ficaria viúva.
—Exato.
—Homens! —queixou-se, enquanto ele cruzava a soleira sem ela—Dê a seu filho uma mensagem de minha parte, por favor.
—O que lhe digo?
—Se não se comportar como corresponde com ela, não pode seguir vivendo conosco.
—É sua casa. — replicou John.
—Então, iremos nós.
—O direi, mas não te garanto que vá surtir algum efeito.
John ansiava equivocar-se. Quanto mais envelhecia, mais atrativa lhe parecia a idéia de ter uma família estável. A idéia de ouvir os pezinhos de seus netos brincando de correr pela casa era muito agradável. Mas embora desejasse em segredo que Gabriel desposasse a jovem, sabia que isso nunca ocorreria.
Cruzou o vestíbulo, resmungando para si:
—Por que não se dedicou a ser vendedor? Ou banqueiro? Um sólido, aborrecido banqueiro.
A suas costas, Mary riu, e o som aliviou seu ânimo enquanto descia pelas escadas rumo ao inevitável enfrentamento. Pensou em advertir Gabriel antes, mas decidiu não fazê-lo. Não era muito que podia aconselhar.
De todas as maneiras, o jovem não faria conta. Era o indivíduo mais teimoso e obstinado que conhecia. Faria o que lhe desse vontade, sem importar quem o pressionasse, inclusive se alguém tão elevado como o conde do Norwich pedia sua cabeça. A esta altura, a John só ficava acompanhá-lo na funesta batalha, e intervir se Findley ficava muito severo. Mas se o conde era incontido e implacável, Gabriel também o era. Talvez Norwich tivesse encontrado seu mais digno rival!
O criado o seguiu até o vestíbulo; quando chegaram, John lhe sussurrou que fosse procurar ao Gabriel a seu estudo e lhe informasse que o conde o aguardava.
—Te assegure de lhe dizer que eu também estou aqui e que se não vir em quinze minutos, trarei-o pela força.
O servente sorriu discretamente enquanto se afastava. Todos os empregados conheciam as aventuras noturnas de Gabriel e seus curiosos hábitos diurnos. Respeitavam seu talento e seu gênio, e contribuíam à sua criatividade obedecendo as instruções de não incomodá-lo enquanto trabalhava, quer dizer, quase sempre. Às vezes, passava dias encerrado na cabana, e eles depositavam bandejas com comida na porta sem incomodá-lo. Quando saía a tomar ar, uma donzela se apressava a limpar as instalações para que tudo estivesse em ordem quando se voltasse a encerrar.
John avançava preocupado. Se Gabriel estava concentrado em uma nova composição, não teria vontades de conversar com o conde e ignoraria sua presença, mas isso era inadmissível. Este embrulho devia ser resolvido. Entrou no saguão. Para ouvir seus passos, Findley acreditou que era Gabriel e se voltou bruscamente. Piscou várias vezes desconcertado, procurando elucidar quem era essa pessoa.
Seu desconcerto era compreensível. Fazia mais de vinte e cinco anos que não se viam; além disso, desde sua volta a Inglaterra, quase não tinha saído e muito poucas pessoas sabiam que estava ali. Estudou a seu antigo inimigo. Viu-o grisalho e gordo, tão petulante e desdenhoso como sempre, seguia sendo um ser desprezível, e com apenas um olhar voltou a ir às nuvens como se os anos não tivessem passado.
—Preston? —ao reconhecê-lo, Findley o olhou com tal repugnância que John advertiu que a antipatia era recíproca.
—Em pessoa.
—Que demônios faz aqui?
—Vivo aqui.
—Mas eu vim ver a esse... pintor —murmurou a palavra como se fosse um insulto— Cristofore.
—Já vem a reunir-se conosco.
—E você o que tem que ver com ele?
—Não é teu assunto.
Não lhe importava que Norwich se inteirasse de que Gabriel era seu filho, embora sentia um pueril prazer em lhe ocultar informação a esse imbecil arrogante.
—Assim que o ajuda com suas intrigas. — se mofou Findley— Devi havê-lo suposto! Esta classe de manobra é ao que te dedicaste sempre.
—Que demônios quer dizer? —John se dirigiu ao aparador e se serviu um uísque, mas não ofereceu uma taça a Findley. Não ia beber com essa besta como se fossem amigos. Não o eram.
—Sempre foi um delinqüente. — O conde olhou a Preston com o cenho franzido antes de lhe mostrar uma carteira que tinha deixado sobre a mesa— Fiz investigar a Cristofore. Descobri várias de suas fraudes. Estou seguro de que vocês se levam muito bem.
—E que pecado cometeu o senhor Cristofore para ofender assim a um reputado defensor da moral como você?
—Aproveita-se de mulheres ingênuas. — inchou o peito e elevou a cabeça. — Sua especialidade é as seduzir e lhes tirar o dinheiro.
—Seriamente? —John sorriu, malicioso— Assim que lhes rouba o coração e a bolsa?
—Sem dúvida é um maldito rufião.
—E o que têm que ver suas supostas confabulações contigo?
—Bom, eu... eu... —ruborizou-se, furioso. Não desejava revelar o motivo de sua visita, expondo a Elizabeth, e John desfrutou ao vê-lo envergonhado. O conde gaguejava. Ainda não tinha reunido a força suficiente para falar claramente, de modo que trocou de tema: —Onde está Mary?
A pergunta, que John devia ter previsto, o tomou de surpresa.
—Vamos, assim não corre perigo de ver seu desprezível rosto.
—Não posso acreditar que tenha rechaçado meu amparo para meter-se neste antro de imoralidade masculina. —Olhou a seu redor, enojado.
—Casou-se comigo porque a amo.
—Amor ora! —burlou-se— Se não sabe o que significa isso.
—Que me tenha escolhido e não a ti indica que devo ter alguma idéia a respeito. — O provocou.
—Como se eu o tivesse pedido! Certamente tem decido bastante, verdade? Sempre foi um dos sedutores mais impertinentes que eu jamais conheci, e o irresistível John Preston termina enrolado a minha governanta! Ha! Não vejo a hora de contar a todos em meu clube! —inclinou-se para John, sorrindo com desprezo— Ainda sou membro e você? Sua queda nos fará rir durante semanas.
—Pelo menos fui o suficientemente cavalheiro para me casar com ela. — disse John com voz firme. A conversação se aventurava em terreno perigoso. Uma coisa era que Findley denegrisse a Gabriel, pois ignorava o parentesco que o unia a John, e outra, que insultasse a sua Mary— Não sou como alguns descarados —acrescentou, sem poder resistir— esses canalhas que são capazes de cometer qualquer ato abominável contra uma mulher respeitável sem pedir desculpas nem oferecer algum tipo de compensação.
Norwich calou. Se duvidava de que Mary tivesse confessado suas indiscrições, aqui tinha a resposta. Com prudência, trocou de tema. Preferiu voltar para um terreno firme.
—Mary conhece sua sórdida história?
—Que parte? —perguntou Preston, impertinente.
—Quando fomos jovens, foi o maior rufião da cidade. Nenhuma esposa estava a salvo quando andava perto.
—Em especial, a tua. — John não pôde conter o sarcasmo, embora o certo é que sua relação com Pâmela só se limitou a tardes de conversação.
Findley fez uma careta. A antiga inimizade entre ambos revivia com renovado vigor.
—Agora que te casaste conterá suas tendências licenciosas? Ou insistirá em te deitar com todas as prostitutas que chamem sua atenção? Embora, dadas as inclinações de Mary, talvez não necessite...
John não o deixou terminar. Deixou sua taça sobre o aparador e, cruzando o recinto a pernadas, pegando Findley pelas lapelas.
—A última vez que te dei uma surra, tinha vinte e um anos. — o levantou e se ouviu o som das costuras de sua jaqueta ao rasgar-se. — Agora tenho cinqüenta, mas não vou desperdiçar esta oportunidade de descobrir se tenho a força para repeti-lo.
—Maldito desgraçado! — cuspiu Findley.
—Não mudou em absoluto. É um imbecil prepotente, se acredita que pode entrar em minha casa e insultar a minha esposa. — o sujeitou com maior força e começou a sacudi-lo. — Se voltar a ouvir o nome de Mary sair de seus lábios por qualquer motivo, mato você.
Findley acabava de abrir a boca para lhe responder, e John se preparou. Fazia anos que não se metia em uma boa rixa. Mas Gabriel escolheu esse preciso instante para entrar.
—Vá, vá, o que é isto? Caramba, pai, esse não é modo de tratar a um visitante.
John olhou por cima do ombro, fulminando a seu filho com a vista notou com alívio que ao menos se tomou o trabalho de vestir-se. Entretanto, distava muito de ser um traje adequado.
Gabriel vinha do estúdio, depois de ter passado todo o dia e a noite anterior pintando. Parecia um cigano, com calças largas e uma camisa ampla e solta meio abotoada e com as abas pendurando. Tinha o cabelo revolto e arrepiado de tanto percorrer-lhe com as mãos enquanto trabalhava. Seus dedos e uma bochecha estavam manchados com pintura de distintas cores e cheirava à terebintina que usava para limpar seus pincéis.
John estava acostumado a vê-lo desalinhado, mas, nesta ocasião tão especial, superou-se a si mesmo. Era todo um espetáculo. O que pensaria lorde Norwich de seu aspecto? O mais provável era que supusera que Gabriel era um lunático.
De fato, nos olhos do jovem havia um brilho próprio de um maníaco, que aparecia sempre logo depois de passar-se horas trabalhando com intensidade. Ao limite, inquieto, tenso, não estaria de ânimo para estupidez. Nunca tinha tido paciência com os idiotas como Findley, nem tampouco para as tolices de um bate-papo ocioso. Em seu atual estado, dificilmente poderia tolerar a altivez do conde.
O conflito nem sequer tinha começado, mas parecia ir tomando a forma de uma catástrofe. Todas as fantasias de John sobre a possibilidade de que Gabriel se casasse, sentasse cabeça e lhe desse muitos netos se desvaneceram. Quão único poderia fazer era procurar evitar que o encontro se transformasse em uma horrível briga.
Dando uma última sacudida em Findley, soltou-o. O outro se cambaleou, recuperou o equilíbrio e se voltou para dirigir um sombrio olhar a Gabriel. Embora não os tinham apresentado, estava muito claro quem era.
—Chamou-te "pai"! —acusou, voltando a concentrar sua fúria no John. Horrorizado, acomodou-se a roupa antes de apontá-lo com um dedo acusador— Você é o pai deste homem?
—Sim.
—Você o planejou!
—O que?
—Por que o fez? Para te vingar? Por despeito? Por pura maldade? Que demônios podia te importar depois de tanto tempo? —A cara lhe avermelhava o semblante, que estudava ao jovem como se fosse um insignificante inseto. —O senhor é Gabriel Cristofore? —perguntou formalmente.
—Sim, signore! — respondeu, exagerando seu acento.
Findley soprou.
—Que classe de filho é você? Tão pouco respeita a seu pai que nem sequer leva seu nome?
John se alarmou. Gabriel era suscetível sobre o tema dos sobrenomes, pois o considerava um assunto muito pessoal que dificilmente discutiria com um desgraçado aristocrata como Norwich.
—Você tem alguma objeção a meu sobrenome?
Avançou sobre o Findley com ar ameaçador. Levava-lhe uns centímetros e se aproximou até ficar pego a ele. Sem que a elevada posição do outro o acovardasse, mediu-o insolentemente com o olhar, negando-se a retroceder ante a evidente hostilidade do conde.
Gabriel dava leves saltos sobre as pontas dos pés. Seus anos de esgrima tinham incrementado sua agilidade, e estava preparado para estalar ante a menor provocação. Zangava-se com facilidade e Findley era exatamente o tipo de inútil que o fazia ir às nuvens. No passado, Preston se tinha visto obrigado a intervir em muitas rixas que podiam machucar as preciosas mãos de seu filho, assim que os olhou, nervoso, disposto a interpor-se entre ambos assim que parecesse que algum lançaria o primeiro murro.
—O que o traz por aqui? —perguntou quando terminou de estudá-lo. Embora intuía muito bem qual era o motivo de sua presença, mostrava-se excepcionalmente sereno.
O assombroso foi que Norwich se amedrontou ante a atitude belicosa do Gabriel. Deu um passo atrás, aumentando a distância entre ambos.
—Devo falar com você em privado. É um assunto de certa urgência.
—O que quer que seja, pode dizê-lo diante de meu pai.
—Preferiria não fazê-lo.
—Então, retire-se. —Gabriel se encolheu de ombros e se sentou em um sofá. —Não me importa.
—Tem idéia de quem sou?
—Sim, lorde Norwich, e estou ocupado. Está-me fazendo perder tempo.
—Poderia destroçá-lo assim! —exclamou Findley estalando com força os dedos.
—Homens melhores que você o tentaram. —respondeu e logo se dirigiu a John. — Fecha a porta, pai. O conde tem algo que dizer.
—Me ouça bem, pequeno bast...
—Um momento, Norwich. — o admoestou Gabriel, interrompendo-o. — Se me insulta , ou a minha querida mãe, farei que meus criados o expulsem.
—Não se atreveria. —repôs furioso.
—Fazemos a prova?
Findley estava a ponto de explodir. Nunca antes alguém o tinha desafiado dessa maneira. O capitalista nobre tinha sido mimado e obedecido desde seu nascimento e, em qualquer lugar que ia, havia gente disposta a cumprir suas ordens com toda devoção. Não conhecia o descaramento nem a insolência.
Durante um instante, John temeu que Gabriel houvesse extrapolado os limites; mas recordou que seu filho tinha passado toda sua vida perto de homens dessa índole. Conhecia-os bem. Por isso os detestava.
—Findley. — intercedeu para terminar com o enfrentamento verbal. — Pode falar com franqueza. Sou o secretário de Gabriel.
—Por que não me surpreende? Estou seguro de que lhe ensinou tudo o que sabe.
—Nem tudo. — interveio Gabriel, cínico. —Algumas coisas aprendi por minha conta.
John procurou arbitrar.
—Não há segredos entre meu filho e eu. — Rodeou ao conde e fechou a porta antes de retornar a seu lado e lhe indicar uma cadeira. — Por que não nos sentamos e nos diz qual é o problema?
—Não me sentarei com esse canalha.
—Bem, pois. Ficaremos todos de pé. — John dirigiu ao Gabriel um olhar carregado de intenção, mas foi em vão. Manteve-se grosseiramente reclinado no sofá. —O que te tem tão alterado?
Findley calou, resistente. Parecia que incendiaria as cortinas com a intensidade de seu olhar furioso. Gabriel a devolveu sem retroceder, firme e ousado. O silêncio se fez opressivo, e Norwich murmurou:
—Sabe por que estou aqui. — concentrou sua atenção em Gabriel: — Não há necessidade de que entremos em detalhes, verdade, Cristofore?
—Não, nenhuma. — Concordou o jovem com um sorriso que fez John sentir desejos de estrangulá-lo.
—Ela não tem dinheiro. — Disse bruscamente Findley. — É pobre como um camundongo.
—Assim me informou. No início.
—Então, por que persiste?
—E por que não? — Gabriel bebeu um pouco de uísque, sem preocupar-se com a indignação do conde. —É muito bela.
Norwich se enfureceu tanto que não pôde responder, mas o certo era que possivelmente também estava um pouco desconcertado. Estava zangado pelo opróbrio que sofria sua filha. Mas não via nem o menor indício de remorso no vilão responsável pelo ocorrido. John sentiu pena por ele; depois de tudo, Findley era um pai ofendido, contrariado pelo destino de sua filha. Por mais que fosse um bufão, Elizabeth era uma jovem encantada e merecia essa exibição de preocupação paterna.
—Findley, estamos falando de sua filha Elizabeth? — John procurava lhe dar à conversação um toque de racionalidade antes que se convertesse em um assunto totalmente emotivo. —Gabriel está pintando seu retrato e eu...
—Te cale! —vaiou o conde com voz venenosa.
—Sugere que existe uma relação mais íntima entre nossos filhos?
—Não sugiro nada. —declarou. —Estou acusando abertamente a seu filho de havê-la manchado. —Voltou-se para seu antigo inimigo, assombrando-o com a intensidade de sua fúria: —Seu filho é um descarado fornicador, um repugnante violador, um libertino da pior espécie.
—São acusações sérias.
—Queria ouvir suas explicações antes que sigamos adiante.
—O que diz destas acusações? —perguntou John a seu filho.
—Não tenho nada que acrescentar.
—Então, o que diz o conde é verdade? —implorou inutilmente.
—Todas e cada uma de suas palavras. — admitiu, impassível.
—Tem algo que responder?
—Sim. Não peço desculpas, nem dou explicações.
—Lixo imundo! —amaldiçoou Findley com os dentes apertados— Te farei enforcar por isso!
—Findley! —John, assustado, admoestou-o. O conde era um aristocrata poderoso que podia usar suas influências para fazer o que melhor lhe parecesse— Não irás fazer isso!
Mas Gabriel já tinha começado a falar e piorou muito sua situação:
—Se for assim, terá que reconhecer o que ocorreu. — esclareceu. —Como sua filha se degradou de boa vontade. Será humilhada, ridicularizada e desdenhada publicamente. Será um opróbrio para a família. — revolveu sua taça com arrogância. — Isso é o que quer?
—Findley, te tranqüilize — interveio John— Aceitamos a solução apropriada à conduta de Gabriel. Você tramita a licença especial, e Mary e eu nos ocuparemos de planejar a cerimônia.
—Este canalha, — a veemência de Findley era atroz. — jamais se casará com Elizabeth. O matarei com minhas próprias mãos antes de permiti-lo.
—Não quer que se casem?
—Nunca.
John ficou confundido. Findley não era o tipo de homem que se entrega passivamente, queixando de seu destino. Era de esperar que quisesse ação, resultados.
—Então a que veio?
O conde assinalou ao Gabriel com a cabeça.
—Que lhe diga isso seu filho.
—Acredito que sei do que se trata.
—O que? —John estava sobressaltado. Os dois opositores pareciam comunicar-se em um código desconhecido para ele.
—O conde está disposto a me dar dinheiro para que me afaste dela. —Gabriel imitou com condescendência a amarga expressão de Findley. — É algo assim?
—É exatamente isso.
Ante a resposta de Findley, John elevou os braços em um gesto de desespero e se deixou cair em uma cadeira.
—Como vai beneficiar lady Elizabeth um acerto como esse? Ela é a parte ofendida, mas nenhum de vocês dois pensa em seu bem-estar.
—Eu só penso nela. — replicou o conde—Quero resgatá-la das malditas garras de seu filho. Hoje mesmo!
Tomou a carteira que havia trazido, tirou uns papéis e os estendeu sobre a mesa frente a Gabriel. Era um contrato. O pintor os recolheu e os estudou com cuidado antes de levantar a vista para o conde, com um sorriso perverso que aterrou a seu pai.
—Só isso vale a reputação dela para você? Ha! É apenas uma esmola.
—Não darei nem um centavo mais.
Gabriel atirou os papéis sove a mesa.
—Então, estou-me por converter em seu genro. — repentinamente pensativo, tamborilou-se os lábios com um dedo. —É obvio que se dará conta de que posso persuadi-la para que se case comigo virtualmente sem esforço. Como nem ela nem eu temos fortuna, você terá que nos manter. O mais provável é que devamos nos mudar à casa Norwich. —lançou um malévolo riso — Meus equipamentos de pintura são terrivelmente caros. Pergunte-lhe ao John, ele me leva as contas. Me manter durante anos lhe custaria muito caro.
—Não se atreveria! —resmungou Findley.
—E por que não?
—Cem mais.
—Será melhor que me parta. —Anunciou, ficando de pé. — devo ir ver meu alfaiate. Tem que tomar as medidas para meu traje de bodas.
—Quinhentas.
Gabriel se dirigiu à porta.
—Mil!
O jovem o estudou com ar calculador.
—Dez mil mais. Nem um centavo menos.
—E desaparecerá de sua vida?
—Para sempre.
—Nada de encontros furtivos a meia-noite? Nenhuma mensagem irradiada através de sua donzela? Nenhuma carta de amor que a faça adoecer? Nenhum contato de nenhum tipo?
—Nada.
—Jure-o.
—Juro-o. — disse elevando a mão direita.
—Como se sua palavra valesse! —espetou Findley com desdém— Deve acreditar que sou um idiota! Assinará um acordo modificado.
—Naturalmente. — Gabriel assinalou o fatal documento. — Acrescente outras dez mil e nenhum integrante de sua família voltará ouvir o que seja de mim.
—De maneira nenhuma! —exclamou John, incorporando-se de um salto. — Essa soma é um escândalo! Não o permitirei! —mas os outros dois o ignoraram.
—A partir desta tarde? —perguntou o conde a Gabriel.
—Farei minhas malas assim que terminemos.
—É dinheiro bem gasto. —resmungou Findley.
—Gabriel. — suplicou Preston, procurando contribuir com prudência ao debate. — não o faça. Não lhe faça isso a ti mesmo e, sobre tudo, não o faça à lady Elizabeth. Sempre o lamentará.
—Duvido-o.
—Não pode dizê-lo a sério! —John estava escandalizado pela insensibilidade de seu filho. Por mais que Gabriel pudesse fazer o papel de enganador, no fundo, tinha bom coração. Conhecia a diferença entre o bem e o mal. O que lhe ocorria? Tentou outra tática. —Há coisas piores que casar-se com alguém que te ama.
—Não me ocorrem quais podem ser.
—Não aceite este suborno.
—Por que não teria que fazê-lo? É uma fortuna. Mais do que ganharia pintando durante muitas vidas. Seria um idiota se deixasse passar esta oportunidade.
—Bom moço. — respirou Findley em tom condescendente.
—Cala Findley, por favor. —Estava desesperado por dissuadir ao Gabriel e tentou encontrar um argumento que penetrasse sua dureza. — E se lady Elizabeth se inteira do que fez? Ficará terrivelmente ferida.
—Alguma vez saberá a verdade, Norwich?
—Morrerei antes de dizer-lhe.
—E se souber? O que recordará de ti será esta traição! Acreditei que te agradava. Ao menos um pouco.
—Só era pelo sexo, pai. Já sabe que só as busco pelas riquezas que me possam procurar, e, como ela não tem fortuna, dei procuração de seu único artigo de valor. Mas agora que serei remunerado por meus esforços...
—Seus esforços? —perguntou John, horrorizado.
—... não vejo por que persistir.
—Já não sei quem és. — se sentia doente, deprimido por todo o repulsivo episódio. Como o explicaria a Mary?
—Aí tem, Preston. — espetou Findley— O trato é satisfatório para ambos.
O conde passeou o olhar pela habitação, viu um tinteiro e uma pluma sobre um escritório e se apressou a tomá-los. A toda pressa, modificou o documento original, assinou-o ao pé e tendeu a pluma ao Gabriel. Ele inspecionou as modificações antes de estampar sua assinatura com um gracioso gesto. O conde voltou a tomar a pluma e riscou uma linha ao pé do texto antes de tender-lhe ao John.
—Assina como testemunha.
—Não o farei. Vocês dois estão loucos.
—Até se não ratificar nosso transação, reservo-me o direito de te considerar testemunha. Seu filho jurou que aceitava estes términos. Nunca permitirei que nem você nem ele o neguem.
—Nunca formarei parte desta infâmia.
—Já veremos. —extraiu uma folha em branco e a tendeu ao Gabriel—Escreva uma nota para ela.
—Dizendo o que?
—Adeus. Ou acaso o que acreditava?
John contemplou atônito como seu filho fazia exatamente o que o conde lhe pedia. Foi ao escritório e se atrasou durante um instante, organizando as palavras em sua mente antes das transladar ao papel. Com uns poucos traços, selou seu destino. E o de Elizabeth.
Começou a pregar a carta, mas Findley lhe aproximou.
—Não confio em você. Quero lê-la. —Analisou-a e um sorriso seco se desenhou em seu rosto—Breve e concisa. Servirá.
A incredulidade do John aumentou.
—Não irás mostrar-lhe esse cruel lixo?
—Só se me vejo obrigado a fazê-lo.
—Não te preocupa o que sinta Elizabeth?
—Justamente. —asseverou Findley. — O único que me preocupa são seus sentimentos, nada mais.
—E se estiver grávida?
—Não o está. — afirmou o jovem, com muito menos confiança da que lhe tivesse agradado ao John, que sentiu que o coração lhe dava um tombo. Que Gabriel engendrasse um filho ao que não vissem crescer era impensável.
Voltou-se para o conde, suplicando:
—Se nascer um bebê, me prometa que o trará aqui para que Mary e eu criemos. Sei que não te agrado, mas alguma vez sentiu algo por ela. Me diga que o fará como favor a Mary.
Findley deu um coice, como se o pedido o houvesse meio doido no mais vivo, mas se recuperou em seguida.
—Se ocorrer o pior e nasce um bastardo, preferiria deixá-lo na soleira de uma igreja antes que lhe dar isso a ti.
John ficou atônito. Seria o único neto para ele e para o Findley! Como podia desprezá-lo dessa maneira?
—Não o diz a sério!
—OH, claro que sim! — disse, fazendo a um lado as objeções do John com um gesto.—Terminemos de uma vez.
Extraiu outro documento. Era uma ordem de pagamento bancário em nome de Gabriel. Tão seguro tinha estado de que poderia comprá-lo que tinha preparado tudo. Findley a completou com a soma pactuada antes de tender-lhe ao jovem, que estudou as cifras com muita mais alegria que a apropriada para tão deplorável momento. Uma vez obtido seu objetivo, lorde Norwich guardou seus desprezíveis papéis com ar satisfeito e se dispôs a partir.
—Esta tarde, Cristofore?
—Assim que tenha o dinheiro.
—Vá a meu banco quanto antes. Têm ordem de lhe pagar. —disse antes de partir.
John olhou a seu intratável, incompreensível filho com o cenho franzido. Produziu-se um ensurdecedor silêncio enquanto ouviam como o conde recuperava seus objetos e o casaco. Saiu assobiando, feliz por como tinha resultado tudo. Quando a porta se fechou a suas costas, John não pôde conter-se mais.
—Está orgulhoso do que fez?
—Não de tudo.
—Bom, eu diria outra coisa: estou completamente envergonhado de ti.
—Fiz o que me pareceu melhor.
—Seriamente? Devo recordar dizer-lhe a lady Elizabeth a próxima vez que a veja.
Pesaroso, retirou-se antes que Gabriel pudesse lhe responder com alguma fútil desculpa. Subiu pelas escadas, sentindo-se intensamente feliz de que Mary o estivesse aguardando.
Capítulo 20
Elizabeth baixou as escadas a toda pressa. As saias de seu vestido rosado ondulavam detrás dela. O relicário do Gabriel pendia de seu pescoço. Era um complemento singelo e bonito para seu alegre traje. Tocou-o distraidamente. Agradava-lhe o ter, a fazia sentir mais perto dele.
Três dias! Três compridos, opacos, intermináveis dias sem vê-lo! Seu encontro da sexta-feira parecia ter tido lugar fazia uma eternidade e agora que se aproximava a entrevista da segunda-feira, logo que podia suportar a expectativa. Logo estaria no estúdio de Gabriel, em seus braços, em sua cama, e se estremecia de deleite.
Por que significava tanto para ela esse descarado? Converteu-se nas estrelas de seu céu, no ar que respirava. Que parva devia ser por ter sucumbido a seus encantos e manipulações! Aceitava com todas as fibras de seu corpo que o que fazia era uma loucura, mas não podia evitá-lo. Uma hora, um só minuto, sem ele era uma tortura. Tinha dado sentido e direção a sua vida, obrigou-a a avaliar seu presente e seu futuro. Tudo tinha mudado depois.
Suas corriqueiras preocupações por Charlotte, sua irrelevante aflição pela perda de sua hierarquia, seu aborrecimento e tédio, nada disso importava. Só havia uma única coisa importante: amava ao Gabriel, com toda sua alma. O resto não era mais que mesquinhas distrações, comparadas com a grande paixão que sentia por esse patife audaz.
Com pé ligeiro, quase se deslizava, enquanto pensava em seu último encontro glorioso. Faziam o amor uma e outra vez. Duro e forte, doce e amável, e de todas as maneiras imagináveis, lhe tinha demonstrado quanto a desejava, inclusive quanto a queria. Com doces declarações e tenros cuidados, tinha-lhe provado que seu coração estava comprometido, por mais que dissesse que seu amor nunca seria para sempre.
De pé ante sua porta, Elizabeth queria não partir nunca. Ambos estavam desalinhados e saciados, e se tinham demorado em um comprido beijo de adeus, incapazes de deter-se até que o relógio deu a hora, assinalando o fim do encontro. Teve que partir a toda pressa, como a Cinderela no baile, mas seu príncipe a tinha estreitado com força e sussurrado algo em italiano lhe tocando o cabelo e o rosto como se não fossem ver-se nunca mais e queria memorizá-los.
—Se de mim depende, isso não ocorrerá nunca! —jurou-se ela.
Por mais que ele dissesse que o romance estava por terminar, ela não renunciaria tão facilmente. Tinha que haver uma maneira de persuadi-lo de que combinavan um para o outro. Não podia recordar em que momento tinha entendido solução óbvia, perfeitamente adequada: queria que Gabriel fosse seu marido e não aceitaria um "não" como resposta.
Certamente, a artimanha de Cristofore para atemorizá-la em relação ao matrimônio tinha funcionado de mil maravilhas. Em um princípio, Elizabeth reconheceu envergonhada que só podia pensar em tudo o que perderia se se convertia em sua esposa. Mas terminou por dar-se conta de que, se se casavam, não renunciaria a nada que fora importante para ela.
O que lhe importava se outros a desdenhavam por seu marido? Por que teriam que lhe afetar as opiniões alheias? E, se seguia adiante, a que renunciaria? A uns poucos amigos frívolos. A um pai que jamais se interessou em sua felicidade. A uma espantosa situação doméstica que não deixava de deteriorar-se e que jamais se comporia. Se a alternativa era ter uma vida e uma família junto ao Gabriel, a resposta era evidente, perfeita.
Sim, no passado, Gabriel fazia coisas das quais ela não se sentia orgulhosa. Alguns o chamariam estelionatário, enganador ou enganador, um libertino. Mas de seguro ele estava disposto a trocar... só por ela. Em várias ocasiões, tinha-lhe dado a entender que se sentia sozinho, farto de sua existência precária e ansioso por começar de novo; parecia tão sincero, bondoso e confiável que Elizabeth estava convencida de que não poderia encontrar um marido melhor.
O único que lhe faltava era convencê-lo!
Quando chegou ao saguão, sorriu, imaginando os métodos impudicos e travessos que poderia empregar para persuadi-lo. Gabriel não podia resistir aos jogos sexuais e, como ela tinha comprovado do começo, quando estava excitado se convertia em uma branda argila para suas mãos. Isto era o amor e também a guerra, e estava decidida a ganhar todas as batalhas.
Terminaria por entregar-se, embora Elizabeth tivesse que recorrer a todas as artimanhas eróticas que lhe tinha ensinado. Decidida a triunfar, riu, incapaz de conter sua euforia. Este era um aspecto dela que Gabriel Cristofore não conhecia! Teria a esse pícaro frente ao altar antes que se desse conta sequer do que estava fazendo!
Estava por partir quando viu com desgosto que Charlotte avançava pelo vestíbulo, pavoneando-se. Gemeu para seus botões. Não tinha paciência para suportar outra desesperadora conversação com a detestável moça! Não podia compreender o que ocorria a Charlotte. Sempre foi difícil, mas agora se tornou decididamente mais estranha. Não deixava de espreitá-la e de fazer curiosas insinuações. Parecia ciumenta das novas diversões de Elizabeth. Inclusive se mostrava vigilante e suspicaz em relação a sua conduta, e ela não conseguia entender por que o fazia. A condessa era tão orgulhosa que não registrava os fatos nem as pessoas que não a afetavam em forma direta. Até agora, nunca tinha demonstrado interesse por ela.
—Sai? —perguntou com ironia.
—Sim — respondeu Elizabeth, sem espraiar-se.
Estudou o traje da filha do Norwich.
—Irás visitar você... o pintor?
—Tem algum problema com que me faça retratar?
—Eu? Por que teria que está-lo?
—Parece terrivelmente preocupada com minhas atividades. —Elizabeth se colocou as luvas, lhes dando um feroz puxão para enfatizar suas palavras.— Se houver algo que queira me dizer, diga-o e termina com isto.
—Não tenho nada que te dizer, embora... — havia um brilho particular em seus olhos, um sorriso cruel em seus lábios— chegou o conde e talvez ele sim tenha um par de coisas que falar contigo.
Maravilhoso! Justo o que necessitava! Uma entrevista com seu pai! Levava dias sem vê-lo. Sua ausência tinha sido notória, pois nem sequer ia a sua casa para jantar. Agora que se dignou aparecer, ela não tinha vontades de que a incomodasse com quem sabe que problema corriqueiro. Que se ocupasse Charlotte, para isso era sua esposa.
—Bom, verei-o minha volta.
Por desgraça, seu pai escolheu esse momento para emergir do fundo da casa, e a jovem se sentiu extremamente frustrada; não conseguiria escapar.
—Elizabeth, tenho que te falar.
—Agora não posso pai. Tenho um compromisso.
O conde estudou seu adorno com uma careta dolorida.
—Irás posar para seu retrato?
—Sim — em geral, seu pai fazia caso omisso de suas atividades e a assombrou que o recordasse.
—Não poderá assistir.
Charlotte lançou uma malévola risada e Elizabeth a ignorou.
—Mas me esperam.
—Terá que cancelar o encontro. Temo-me que isto não pode esperar.
—Lhe disse. — interveio isso Charlotte, pueril.
Como se logo notasse a presença de sua esposa, o conde franziu o cenho, enquanto Elizabeth fervia de chateio. Diabos! Por que se tinha casado com ela com tanta precipitação se agora, ao cabo de sete meses, nem sequer a notava?
—Vai para a sua habitação, Charlotte. —ordenou o conde.
—Mas eu...
—Vai! —gritou com tanta veemência que ela se voltou sem dizer mais e começou a subir pelas escadas.
Antes de desaparecer, olhou a Elizabeth por sobre o corrimão com ar zombador.
—Que desfrutes da conversação.
O conde aguardou a que suas pegadas deixassem de ouvir-se e então, sem dizer nada, empreendeu a retirada, seguido pela Elizabeth. Notou que ele tinha envelhecido nos últimos dias. O via macilento e mais débil. Tinha perdido parte de seu porte majestoso, e ela teve a repentina certeza de que estava doente. A idéia a perturbou; para ela, sempre tinha sido uma poderosa figura de autoridade, a quem considerava invencível.
Entraram na biblioteca, e ele se sentou detrás de seu escritório.
—Por favor, fecha a porta.
A mulher obedeceu, tomou uma cadeira, aproximou-a do escritório e se sentou frente a ele. Seu pai brincava com uns papéis, ordenando-os distraidamente, como se não soubesse como começar. Decidiu lhe facilitar o que, ao parecer, era uma revelação que lhe custava fazer.
—Encontra-te bem, pai?
—Perfeitamente bem. — franziu o cenho com um ar indeciso— Em realidade, não estou bem. Tenho que discutir contigo certo assunto extremamente delicado, vital, embora não sei por onde começar.
—Pode me dizer tudo, já sabe.
Ele a estudou de uma maneira inquietante e desconcertante.
—Sempre fomos francos o um com o outro, verdade? — começou a dizer o conde.
—Sim. — a ansiedade lhe acelerou o pulso. Acaso estava por morrer?— O que ocorre?
—Recebi uma nota durante o fim de semana. Foi entregue por engano, e a abri sem me dar conta de que era para ti.
—Uma nota? —sua mente, frenética, procurou respostas. Quem lhe teria escrito? E que tema podia ter reduzido a seu pai a tal estado?
—Sim. Lamento havê-la lido. Não era minha intenção.
Tomou a misteriosa carta de uma gaveta e a alcançou, mas ela só a observou. Dava-lhe medo tocá-la, o que era uma estupidez, mas a alagava uma entristecedora sensação de que, se a lia, sua vida mudaria para sempre. Fazendo a um lado a absurda idéia, olhou-a e sentiu que lhe cortava o fôlego. Reconheceu a elegante caligrafia do Gabriel e, com uma pressa próxima à loucura, leu o breve texto.
—Não é possível... —interrompeu-se. A habitação pareceu obscurecer-se e deixou de ser consciente de seu pai e do que a rodeava.
Gabriel não queria voltar a vê-la nunca mais. Tinha outra amante! Dizia que tinha conhecido a uma viúva proprietária de uma considerável fortuna e que não podia deixar acontecer a oportunidade de se intimar com ela. Com brutalidade, ordenava-lhe que não se atrevesse a aparecer por sua casa, porque não podia lhe garantir que não fosse encontrar-se com a outra e não queria feri-la.
Podia ser tão cruel? Tão implacável? Tão pouco significava para ele? Enquanto ela se empenhou em conciliar todas suas diferenças para que ao fim pudessem estar juntos e enfrentar a difícil realidade, ele se tinha dedicado a percorrer os vestíbulos dos teatros procurando a outra mulher despreparada para seduzir.
Não. Gabriel a amava. Nenhuma ridícula carta obteria que desconfiasse dele. A inexplicável nota não tinha sentido. Todo o incidente —a carta, apressada, a despedida— se desenvolveu de uma forma tão suspeita que a fazia duvidar. Mas, ao mesmo tempo, uma turbadora vozinha a atormentava: o que sabia em realidade do Gabriel? Podia renunciar a ela com tanta ligeireza? E se suas palavras eram certas?
—Investiguei um pouco, Elizabeth. — a voz de seu pai soou em meio de seu desespero, interrompendo o curso de seus pensamentos com o sermão que, sem dúvida, ansiava lhe dar. —E me inteirei de todo o referido ao senhor Cristofore e sua inclinação à libertinagem. Assim tenho que te perguntar...
—O que? —piscou como se emergisse de uma habitação escura à luz do sol.
—... Quão íntimas foram suas relações com ele. —Quando não lhe deu o gosto de lhe responder, insistiu brandamente: — Queria que você mesma me dissesse isso, filha.
Elizabeth lhe sustentou o olhar com insolência. Não podia falar de seu romance. Não porque se sentisse envergonhada nem incômoda, mas sim porque os encontros na cabana do Gabriel se contavam entre suas poucas lembranças felizes, e não queria compartilhá-los com ninguém.
—Como se inteirou? —perguntou ofendida.
—Admite-o, então?
—Me diga como o descobriu!
—Não tem importância.
—Para mim, sim! —fulminaram-se com o olhar, e ela compreendeu que já sabia a resposta— Foi Charlotte, verdade? Você a incitou a me espiar, ou o fez por própria iniciativa?
—Não a notificações por te haver descoberto em uma falta que é de sua exclusiva responsabilidade.
Pensou com amargura que essa afirmação era certa. As lágrimas foram a seus olhos, mas não pela perfídia de Charlotte nem pela censura de seu pai, mas sim pela entristecedora sensação de perda que a invadia ao advertir que talvez nunca mais veria o Gabriel.
—E agora, o que?
—Não há uma forma fácil de expor isto... —nervoso, tamborilou com os dedos sobre o escritório—. É possível que... esteja grávida?
—Não sei, como me daria conta?
—Assim que a possibilidade existe.
Ante a pergunta, ela tinha fixado os olhos no tapete, muito afligida para lhe seguir sustentando o olhar de seu pai. Envolta na paixão que a unia a Gabriel, qualquer resultado, inclusive um menino, tinha-lhe parecido aceitável. Mas com seu pai, obviamente decepcionado e aborrecido, estudando-a com atenção no silêncio da biblioteca, só se sentia imprudente e imatura, como uma jovenzinha que, impulsionada pela temeridade, colocou-se nessa situação sem pensar nas conseqüências.
Bom, agora teria que enfrentar as conseqüências e, como assinalou seu pai, não tinha a ninguém a quem culpar mais que a si mesma pelo opróbrio que fosse sofrer, pelo castigo que o conde considerasse adequado lhe infligir.
—Bom querida. — a consolou. — Não se preocupe. Em umas semanas saberemos.
Elizabeth só pôde concentrar-se no término afetuoso. Em seus vinte e sete anos de vida, ele jamais a tinha chamado "querida", e sentiu um indício de otimismo ao pensar que, talvez, as coisas não terminariam tão mal.
—Partirá a Norwich — anunciou. — Se as coisas pioram. — era claro que se referia a se resultava que estava grávida. — Teremos que encontrar outra solução.
—Por quê?
—Deveremos encontrar outro lugar onde te confinar. Um sítio afastado e privado, assim ninguém se inteira de nossa vergonha.
Quando o ouviu referir-se a seu romance com Gabriel como uma humilhação que devia ser escondida do mundo e nada mais, as lágrimas que alagavam seus olhos correram profusamente. As enxugou. Como podia terminar assim esse grande amor?
—Pois bem — continuou ele em tom consolador, incrivelmente compassivo, mais do que ela nunca teria imaginado possível. — Fará suas malas e partirá para Norwich hoje. Permanecerá ali ao menos um mês. Possivelmente dois. — deu a volta ao escritório e lhe aplaudiu o ombro— Queremos lhe dar ao senhor Cristofore tanto tempo como necessito para que parta e não volte a nos incomodar.
Ela seguia olhando o piso, mas ante essa afirmação se endireitou de repente.
—Viu-o. —acusou— Falou com ele.
Ficou de pé de um salto e ele, alarmado ante sua veemência, se escapuliu e se encarapitou detrás de seu escritório outra vez.
—Não diga disparates. Jamais falaria pessoalmente com esse bastardo!
—Mentira. —repentinamente furiosa, apoiou as mãos sobre o escritório e se inclinou para ele— Pai, o que tem fez?
—Nada. Não sabe o que diz.
Afastou-se um pouco, zangada por haver-se apressado a duvidar de Gabriel.
—Não acredito nada do que me acaba de dizer.
—Deve acreditá-lo, Elizabeth.
—Forçou-o a escrever esta carta, verdade? — presa de pânico, alarmada, podia imaginar à perfeição a maneira em que devia haver-se comportado seu infame pai. —Tenho que falar com ele.
—Não lhe posso permitir isso.
Olhou a seu redor, tão afligida que nem sequer via a porta. Antes de recuperar a suficiente compostura para partir, o conde estava junto a ela, lhe apoiando uma mão sobre o braço para contê-la.
—Elizabeth, me escute. Ele não é como você acredita.
—Não me explique como é ele! —replicou, quase gritando— Não sabe nada sobre ele.
—Sei mais do que queria saber. —Lhe segurava o braço com força, lhe impedindo de retirar-se, e a aproximou do escritório. —Olhe o que tenho aqui! Só olhe! Esta é a estima que te tem!
Tão afligida estava, que ao começo foi impossível ler, mas pouco a pouco, começou a decifrar as palavras. Ficou devastada ante sua crueldade.
"Eu, Gabriel Cristofore, admito que tive relações sexuais ilícitas com lady Elizabeth Harcourt, filha do conde do Norwich..."
Frenética, foi lendo às tropeções:
"... a relação foi instigada por mim... sou plenamente responsável por todos e cada um dos danos produzidos, incluindo a perda de sua castidade..."
Não lia tão rápido como queria seu pai, que lhe arrancou os papéis das mãos e salteou todas as páginas até chegar à última.
—Aqui. Lê isto.
"Como compensação por me comprometer a não voltar a ver lady Elizabeth, consinto aceitar a seguinte soma..."
Sua atenção se fixou na última linha, onde sua assinatura o condenava. Mas embora a rubrica estava aí e a via com claridade, não podia acreditá-lo.
—Isto é falso. Tem que sê-lo. E a carta também. Você a falsificou! Inventaste-o. Para me confundir. Para me dissuadir.
—Seu prezado artista se ofereceu voluntariamente a escrever a condenada carta e se mostrou impaciente por assinar o contrato.
—Pressionou-o de algum jeito para que o fizesse.
—Confesso! Fiz-o! Com dinheiro! Mas ele fixou o montante.
—Não, não. —gemeu ela— Gabriel nunca me faria isto.
—Surpreenderia-te se soubesse quantos pecados é capaz de cometer um homem se lhe oferecerem suficiente dinheiro.
—Está-me dizendo que tudo foi idéia dele? Que estava ansioso por levá-la a cabo? —estava furiosa, incrédula.
—Eu fiz a oferta, e ele se precipitou sobre a oportunidade.
—OH, pai! Como pôde fazê-lo? Ele era o único que me importava. A única pessoa que significava algo para mim. —As lágrimas lhe corriam pelas bochechas e tinha um nó na garganta— O único que me dava alegria.
—Nunca te mereceu! —asseverou o conde com veemência. —Não mereceu sua lealdade nem seu amor, e sem dúvida não os merece agora, não depois desta traição. —Segurando-a pelos ombros, sacudiu-a com violência. —Não entende? Foi uma presa, um artigo para leiloar quando chegasse o momento justo. É um maldito delinqüente.
—Não foi assim! Ele não é assim! —deu um passo, logo outro. —Nunca te perdoarei isto enquanto viva.
Voltou-se e correu tão rápido como foi possível.
—Elizabeth! — bramou ele.
Esgotado, atrasou-se durante um comprido momento, e sua tardança a fez ganhar vantagem. Então, o conde se lançou em sua perseguição. Seus pesados passos retumbaram no vestíbulo, mas a raiva e a angústia a impulsionavam a uma velocidade que fazia impossível que a alcançasse.
Devia ver o Gabriel frente a frente. Tinha que olhá-lo aos olhos e lhe perguntar se o que seu pai dizia era certo. Se a tinha de frente a si não poderia lhe mentir, vacilar, nem escapulir-se. Se não queria que lhe partisse o coração, ela devia certificar-se dos fatos: como se tinha produzido o encontro, em que términos se desenvolveu, como se tinha assinado o acordo. Gabriel a teria traído? Ou foi seu pai? Teriam se tramado os dois, sem sentir nenhum tipo de compaixão ou afeto por ela?
Ferozmente agitada, precipitou-se ao exterior e subiu à carruagem de um salto, lhe ladrando a direção ao chofer. Ao notar sua confusão, o homem fez estalar o látego, e os cavalos se lançaram ao galope pelo caminho de entrada em direção à rua. Já estavam longe quando o conde saiu, sem deixar de gritar seu nome.
Charlotte abandonou seu posto junto ao cano da estufa e, com sigilo, espiou o corredor. Não havia serventes à vista, assim que se dirigiu a seus aposentos com ar despreocupado. Enquanto recordava, deleitada, a rixa que acabava de ouvir, um sorriso malicioso cruzou seu rosto. Que doce era a vingança!
Havia uma donzela ordenando sua habitação.
—Ei, você! Avisa que me tragam minha carruagem. — ordenou.—É um dia esplêndido. Acredito que irei às compras. Sim, quero um novo vestido. Possivelmente também um chapéu novo.
Enquanto a inepta faxineira se escapulia, Charlotte se atrasou frente ao espelho, acomodando-os cachos de cabelo e esperando que lhe anunciassem que a carruagem a esperava.
Capítulo 21
Gabriel arrojou os últimos objetos à mala antes de dirigir-se às escadas. Fazia tempo que não empacotava e partia de imprevisto. Durante sua infância, John e ele tinham escapado de muitos lugares, perseguidos por parentes enfurecidos, credores ou maridos furiosos, o que lhe parecia uma grande diversão. Ao recordá-lo em sua vida adulta, entendeu que tinha sido muito perigoso. Mas John sempre atuava como se fossem embarcar em uma fabulosa aventura, lhe ocultando a gravidade do assunto.
Estava acostumado a arrumar-lse com o que cabia em sua mala, mas, quando chegou ao saguão, notou com pesar que não sentia saudades nem um pouco esses tempos de loucura. A estabilidade, a perseverança, o equilíbrio, não eram coisas más e, embora esperasse que sua ausência fosse temporária, lamentava ter que abandoná-lo tudo.
Mas não podia permanecer ali. Estava seguro de que Elizabeth iria vê-lo. Norwich poderia contê-la por um tempo, pelas boas ou pelas más, mas ela se escapuliria. De seguro quereria averiguar por que Gabriel tinha decidido romper com ela outra vez. Acaso não tinha irrompido, exigindo explicações, quando ele tratou de pôr distância entre eles? E isso foi antes de que se fizessem amantes! Acossaria-o para que lhe desse uma resposta, e ele, como um covarde, não se atrevia a enfrentá-la. Não tinha forma de justificar o que tinha feito. Só podia correr a esconder-se, como o tinha feito durante a maior parte de sua vida.
Além disso, também devia ter em conta que, dado o atual estado de ânimo de seu pai, o melhor seria desaparecer da vida de todos. Ele e John eram dois indivíduos de vontades fortes, que tinham tido suas diferenças, suas rixas e brigas, mas duravam pouco; tinham passado muitas coisas juntos para distanciar-se. Entretanto, esta vez, John estava furioso. Não parecia disposto a perdoá-lo. Pela primeira vez, Gabriel tinha ido além do que seu pai estava disposto a tolerar.
Mas foi ele, e não seu pai, quem se viu obrigado a tragar os insultos e o desdém de Norwich. Ele, quem se viu obrigado a morder a língua enquanto esse arrogante imbecil se pavoneava em seu saguão. Finalmente, ele, percebeu que se apresentava a ocasião perfeita de enriquecer-se e a aproveitou. Norwich se tinha partido convencido, em sua idiotice, de que tinha sido o triunfador. Mas certamente era muito imbecil para dar-se conta de que Gabriel o tinha extorquido por vários milhares de libras... e sem fazer nenhum esforço. Mas John nem sequer lhe tinha dado uma palmada nas costas pela velocidade com que pensou, nem pela maneira ardilosa em que aproveitou uma situação desesperada.
O namorico com Elizabeth ia chegando a seu fim, mas ele não tinha sido o suficientemente forte para terminá-lo, nem tampouco ela tinha tido a integridade de despedir-se. E, ao final, lorde Norwich se encarregou de que tudo concluíra de maneira repentina. Mas Gabriel estava seguro de que era o melhor que podia lhes haver ocorrido. De modo que John podia ir-se ao diabo.
Norwich era um homem ardiloso. Trataria Elizabeth com cautela, ela jamais se inteiraria do acordo que tinham assinado. Por um tempo, lamentaria por ter sido descoberta e por não ter recebido nem sequer um adeus dele. Mas sua aflição passaria, e ela se resignaria a que a relação tivesse terminado, como sempre disseram que ocorreria.
Então o que tinha feito de mau? Gabriel estava farto de tratar de justificar seu comportamento ante seu obcecado pai. De modo que partia. Não sabia quando retornaria. Talvez nunca.
No preciso instante em que estava por tomar seu casaco, Mary apareceu no vestíbulo. Embora lhe agradava e considerava que John fazia uma boa eleição, em realidade não tinha confiança com ela nem se sentiria cômodo lhe falando do assunto. Além disso era amiga da Elizabeth! Sem dúvida que John já lhe teria contado os pormenores de sua vergonhosa conduta.
Que mais podia dizer em sua defesa sem que soasse espantoso?
Até agora, não lhe havia dito nada a respeito, talvez porque considerava que suas opiniões não seriam bem recebidas. E não lhe entusiasmava que viesse às expressar agora. Não estava de humor para ser cortês e evitar ofender sua sensibilidade feminina.
—Foi se despedir?
—Não.
—Nem sequer de John?
—Especialmente dele.
—Suponho que a nenhum dos dois dará o braço a torcer. —sorriu. —Tem idéia de quando retornará?
—Não, nenhuma.
—Aonde vai?
—É primavera, eu gosto da praia. Possivelmente vá a Brighton. Ainda não o decidi.
—Pode pintar as paisagens e vendê-las aos ricos que passam suas férias ali. — inclinou a cabeça com ar meditativo. —Não é má idéia.
Que curioso que ela deduzira suas intenções quando nem ele mesmo tinha decidido que estratégia adotar! Quão único sabia era que tinha que partir. Já se ocuparia dos pormenores.
—Talvez o faça — disse em tom vago. — Ou talvez não.
—Em sua ausência, queria mostrar suas obras a alguém que conheço. Estou segura de que pode nos conseguir um mecenas.
Esta mulher era um constante torvelinho de atividade. Apesar de seu mau humor, sorriu.
—Faz o que melhor te pareça, Mary. Não tenho objeção.
—Maravilhoso.
Ficou surpreso ao ver que ela tomava o casaco e o ajudava vestir. O amável gesto maternal o comoveu imensamente. Sentiu uma pontada no peito, e com profunda dor se perguntou quantas coisas perdeu por não ter crescido junto a sua mãe. Seria um homem distinto, melhor, se Selena tivesse vivido?
—Cuida do John.
—Cuidarei.
Mary lhe sorria com tal doçura que ele se sentiu um menino de oito anos desesperado pelo amor de uma mãe. Não queria partir! Desejava ficar em casa com Mary, reconciliar-se quanto antes com o John.
"Te domine!" —admoestou-se com severidade. Obrigou-se a adotar um tom indiferente.
—Me alegro de que te tenha.
—E eu me alegro de tê-lo! — ficando nas pontas dos pés, beijou-lhe a bochecha— Nos envie umas linhas quando puder. Só para que saibamos onde está e se te encontra bem.
Estudou-a, pensando quão afortunado era seu pai por havê-la encontrado e, como um bobo impulsivo, balbuciou:
—Estava seguro de que vinha a me criticar.
—Por quê?
—Bom... —ruborizou-se, incapaz de verbalizar seus pecados.
—Uma reprovação teria servido de algo?
—Não.
—Isso supus. — riu com amabilidade. —Amo a Elizabeth como a uma filha e só quero o melhor para ela, mas não acredito que você o seja. Se fosse assim, não te escaparia.
—Não me escapo.
—Não?
Sentia um frenético desejo de explicar-se e desculpar-se ante essa mulher que compreenderia ao menos algo de sua confusão e sua angústia. Ansiava contar sobre Elizabeth, como tinham sido as coisas entre eles, lhe confessar que a amava, que preferiria tirá-la de sua vida antes de maltratá-la. Mas não tinha razões válidas para lhe expor.
Justificar-se era esbanjar palavras. Tinha dado a Elizabeth a ocasião de unir sua sorte à sua, e ela a tinha rechaçado. Lady Harcourt nunca estaria disposta a rebaixar-se tanto. Ele se tinha resignado esse desumano feito. Não lhe agradava, mas não podia fazer nada por mudá-lo.
—Eu também quero o melhor para a Elizabeth. —asseverou. —Mas não demorará para vir a me buscar. O melhor será que não me encontre.
—Estou de acordo. — afirmou Mary, abrindo a porta. — Vá diretamente ao banco a procurar seu dinheiro — Lhe deu um tapinha no bolso que continha a ofensiva ordem de pagamento de Norwich. — Conheço muito bem ao Findley Harcourt. Não confie nele.
—Adeus, Mary.
— "Adeus" não. —declarou— "Até mais tarde" seria melhor.
—Sim, seria melhor.
A carruagem o aguardava, e saiu à ensolarada tarde. Fazia semanas que o sol não saía. Como ousava iluminar o céu nesse dia terrível?
Estava a ponto de arrojar sua mala sobre o porta-malas quando ouviu o som de uns cascos de cavalos que se aproximavam pela rua. Com horror, reconheceu um dos veículos do Norwich. Não tinham transcorrido nem sequer duas horas da partida do pai da Elizabeth, e Gabriel fazia sua bagagem tão depressa como pôde, mas, evidentemente, não tinha sido suficientemente rápido.
O que lhe passava ao conde? Era incapaz de reprimir os impulsos de sua filha embora fosse por uns poucos minutos? Como podia fazer tão mal as coisas? E agora o que se supunha que devia fazer? Não podia justificar-se nem lhe dar desculpas. Tampouco podia ser testemunha de sua dor. Por Deus! E se a moça lhe pedia que trocasse de idéia? Não poderia ignorar suas súplicas. Como faria para manter-se firme se a via sofrer?
Depois de todo o ocorrido, simplesmente não podia tolerar outra cena emotiva. Sua paciência se esgotou, e uma desacostumada fúria o embargou. Contra Elizabeth. Contra o pai dela. Contra o seu. Contra ele mesmo.
A carruagem estralou até deter-se atrás do dele, e, com enorme alívio, Gabriel viu ao longe ao Norwich, a cavalo e flanqueado por um criado também montado, que vinha perseguindo a sua filha. Tinha saído de sua casa com tanta pressa que nem sequer levava o chapéu. Gabriel ficou rígido, rogando por que se produzisse alguma demora quando ajudassem a Elizabeth a descer do carro, assim o conde chegava a tempo de ocupar-se do desastre. Mas ela estava muito urgida para esperar ao lacaio. No instante em que a portinhola se abriu, desceu de um salto.
Levava o vestido rosa e o relicário de Selena. A saia se amontoava e flutuava em torno de suas pernas. Era evidente que já estava embelezada para sua entrevista quando Norwich lhe anunciou que não poderia ir. Tinha estado chorando; tinha o nariz vermelho e as bochechas úmidas de lágrimas. O coração lhe deu um tombo ao vê-la, mas ficou firme.
—Elizabeth! —gritou o conde, que ia chegando à esquina, mas ela não o ouviu. Seu penetrante olhar se cravava no Gabriel, na mala que tinha a seus pés.
—Assim que te parte de verdade.
—Sim.
—Não acreditei quando me disse isso. Como pode ir assim?
—Tinha algum motivo para não fazê-lo? — A pergunta era áspera e a formulou com brutalidade, mas não sabia do que outra maneira podia comportar-se.
Lorde Norwich reprimiu seu cavalo e desmontou no momento mesmo em que Mary, ao notar o iminente conflito, decidiu intervir. Tanto ela como o conde se aproximaram de Elizabeth, e aquele a tirou do braço.
—Vêem comigo, filha. —lhe ordenou em tom severo, mas compassivo.
Soltando-se com violência, a jovem se negou a ceder terreno. Fulminou a Gabriel com o olhar, até que o obrigou a baixar a vista.
—Me diga uma só coisa. —exigiu.
—Se puder... —Gabriel pôs as mãos detrás das costas e entrelaçou os dedos para conter seus desejos de abraçá-la ou de apartar a Norwich de um tranco. —
—Alguma vez sentiu algo mais que desejo por mim?
Sentiu que a ira o alagava. Como podia pôr em dúvida seu afeto? Em particular, diante de seu pai! Desse dissimulado insuportável!
—É uma formosa mulher.
—Isso é tudo o que tem para dizer?
—O que quer de mim?
—A verdade.
Ah... a verdade. Um interessante e incerto conceito.
—A que verdade te refere?
—Meu pai admite que ele te fez uma oferta. Que insistiu em que rompesse comigo.
—Discutimo-lo.
—Diz que se ofereceu a te pagar.
—Sim, isso fez.
—Mas jura que você fixou o montante. Que estava ansioso por fazê-lo.
Estava claro que tinha acreditado as palavras do conde, e não seria ele quem a faria mudar de opinião.
—Assim é.
—Assegura que o nosso tempo foi uma fraude, do princípio ao fim. Que nunca te importei absolutamente.
Mary interveio, aproximando-se um pouco e dizendo:
—Os transeuntes nos olham. O que lhes parece se entrarmos?
Elizabeth nem sequer olhou em sua direção.
—Meu pai não mentiu, verdade?
—Não.
—Tudo foi fingido. Tudo. — Meneou a cabeça com desdém, profundamente afligida. —Deve acreditar que sou uma idiota.
Gabriel queria gritar. Mas não disse nada. Não fez nada.
—E essa viúva... Procurava uma candidata como ela enquanto me seduzia? —Quando ele não respondeu, acrescentou: — claro que sim. Sou estúpida em perguntá-lo.
Seu desprezo lhe cravava como uma faca, ferindo seu orgulho, e não pôde evitar responder:
—Tenho que ganhar a vida de algum modo.
—Bastardo! —A maldiçoou-o a beira do pranto.
—Elizabeth! —repreenderam-na Mary e o conde ao uníssono, tão espantados como Gabriel ante seu ardor.
Embora reconhecia que a moça devia estar tão alterada como ele e que o término que escolheu para insultá-lo tinha um sentido geral, se ela tivesse sido um homem, lhe teria dado um golpe aí mesmo ou, talvez, desafiado a duelo. Como fora ela, não via como poderia lhe perdoar a ofensa.
—Alguns somos vis desde que nascemos. —disse, impassível, ocultando com cuidado o muito que o tinha ferido. —Não depende de nós.
—Por que me escolheu entre todas as mulheres do mundo?
Sabia que era uma mesquinharia, mas queria feri-la tanto como ela o tinha ferido. Denegri-la, ofendê-la, afligi-la. Encolheu-se de ombros e respondeu:
—Estava sozinha. E foi fácil.
Mary sufocou uma exclamação. A reação da Elizabeth foi um pouco mais vigorosa: esbofeteou-o com tanta força como pôde. A violência do golpe lhe fez arder a palma, mas a cabeça dele quase não se moveu. Então, a jovem aferrou a delicada cadeia da que pendia o relicário e, arrancando-se a de um puxão, a jogou em Gabriel. A jóia ricocheteou contra seu peito antes de cair à calçada. Elizabeth lhe deu as costas e retornou a sua carruagem dando pernadas. O lacaio a ajudou a subir e fechou a portinhola. O chofer empreendeu a marcha e partiram.
Mary, o conde e Gabriel ficaram olhando, paralisados, até que a carruagem deu a volta à esquina e se perdeu de vista. Norwich os fez voltar bruscamente para a realidade:
—Minhas desculpas. Isto foi desagradável.
Gabriel não estava disposto a conversar com o imbecil a quem considerava responsável por todo o sórdido incidente.
—No futuro, senhor, sugeriria que exercesse você algum controle sobre sua filha. Ocupe-se de que eu não volte a ser incomodado... por ela, nem por você.
Voltou-se para partir, mas Norwich o impediu, tomando-o do braço. Gabriel olhou com o cenho franzido a mão que lhe sujeitava o braço, antes de lhe cravar um olhar tão virulento que o conde o soltou imediatamente.
—Honrará você nosso acordo, verdade? Tomará o dinheiro e partirá, apesar deste... desafortunado incidente?
—Findley! Pelo amor de Deus! —Mary estava indignada.
—Não pode trocar de idéia agora. — se queixou Norwich. — Não o permitirei.
—Não se preocupe com nosso valioso acordo, — lhe assegurou Gabriel— neste preciso momento me dirigia a seu banco. Agora — deu um passo atrás, pondo uma ampla brecha entre ele e o desprezível porco. —Saia de minha propriedade.
O conde pigarreou. Incômodo e desconcertado, dedicou uma torpe inclinação a Mary, retornou onde estava seu cavalo, montou e partiu.
Quando se perdeu de vista, Gabriel se desinflou como se todo o ar abandonasse seu corpo. Suas pernas não suportavam seu peso. O detestável espetáculo tinha sido terrivelmente perturbador. Estava tenso, fatigado, esgotado. Doía-lhe a bochecha pela bofetada da Elizabeth, e seu orgulho e sua confiança pareciam pedacinhos. Nesse estado de fragilidade, desejava estar sozinho para recuperar parte de seu aprumo e seu equilíbrio. Mas Mary seguia estudando-o. Seu penetrante olhar absorvia cada matiz de sua aflição. Detestou que essa mulher pudesse perceber que tinha o coração feito migalhas.
Não podia compreender as acusações cheias de ódio da Elizabeth, nem as suas próprias. A única explicação era que a amava com um ardor tão intenso que o levava além da razão e a sensatez.
Sem dizer uma palavra, inclinou-se e recolheu a danificada jóia antes de arrojar sua mala à carruagem. Dispôs-se a subir quando Mary avançou desde atrás. Com um gesto consolador, posou-lhe a mão na cintura e lhe deu uns tapinhas. Ele se apartou bruscamente, não queria que ninguém o consolasse.
—Vem para casa.
—Não, obrigado.
—Não pode partir nesse estado. Não o permitirei.
—Esquece-o? — fixou a vista diretamente para frente, resistindo a voltar-se para olhá-la. —Tenho que ir ao banco de Norwich a procurar meu condenado dinheiro.
—Ao demônio com o dinheiro! Não te interessa.
—Não, não me interessa.
Suspirou, fatigado, desgastado pelos abomináveis episódios. Se tão somente pudesse adiantar o relógio para saltear-se esse dia terrível! Sabia que, logo depois de um tempo, tudo passaria, mas agora só era capaz de sofrer... e fugir.
—Por favor, não vá. — voltou a tentar ela. — Não desta maneira.
—Deixemo-lo assim, Mary. — Desprezando sua compaixão, subiu à carruagem: — Só deixemo-lo assim.
O veículo empreendeu a marcha. Gabriel se reclinou no assento e posou seu olhar perdido nas atarefadas ruas de Londres.
Capítulo 22
Elizabeth passeava pelo serpenteante atalho, contemplando, sem ver os extensos jardins. Junho sempre era um mês formoso em Norwich. As flores irradiavam todo seu esplendor, as sebes e arbustos estavam meticulosamente podados. Mas sua persistente melancolia lhe impedia de desfrutá-lo.
Antes que pudesse refletir sobre o que fazia, encontrou-se de pé junto à pérgula e recordou por que nunca passeava pela parte traseira do imóvel. A pérgula branca, a que Gabriel tinha pintado em seu retrato, encontrava-se no fundo do jardim e, se saía a caminhar, podia topar-se com ela. Como agora. Mas esta vez não se afastou depressa, como o fazia sempre. Enfrentou-a, estudando-a friamente.
Tinha estado muito alterada desde essa atroz tarde de março em Londres em que enfrentou a Gabriel. O evento lhe tinha produzido tal sofrimento que preferia não rememorá-lo. Mas, ao longo das últimas semanas, recuperou-se até o ponto em que era capaz de evocar o episódio sem sentir um absoluto desespero. A partir de então, começou a analisar o incidente, a reviver cada detalhe.
Havia-lhe dito coisas absolutamente terríveis, comentários dos que ansiava poder retratar-se. E, é obvio lhe tinha respondido da mesma maneira. O tempo e a distância a faziam compreender que era impossível que as palavras de Gabriel fossem certas. Simplesmente, estava tão aflito e furioso como ela. Conhecia seu pai e, de seguro, tinha tratado ao artista de maneira abominável, antes que ela irrompesse e também o ofendesse.
Por mais que tentasse justificar suas próprias ações, não havia defesa possível. Havia se sentido muito ferida pelo que ele fizera... e pelo que não fez. A sensação de ter sido ultrajada e traída a levaram a um estado temporal de loucura. Tinha chegado a golpeá-lo! A ele, a Gabriel! Ao homem que amava além do imaginável! Jamais tinha golpeado a ninguém, ignorava até esse momento que albergasse tendências tão apaixonadas e violentas. Ainda podia sentir o impacto de sua mão estrelando-se contra a bochecha dele. Estava tão furiosa que, se tivesse tido uma adaga, o teria fundo em meio de seu negro coração.
Que conduta monstruosa!
Cada tanto, perguntava-se se Gabriel sabia quanto o sentia, como a afligiam a culpa e os remorsos. Embora talvez jamais a recordasse. Possivelmente ela não tinha sido mais que um detalhe irritante e fastidioso em uma vida tão plena, e já não recordasse seu nome.
A pérgula se elevava frente a ela, ameaçadora. Aquele objeto de madeira a feria no mais profundo de seu coração, pois se burlava dela lhe recordando um vestido de festa rosa, um bonito chapéu de palha com uma cinta atada em um coque. Recordava-lhe que alguma vez foi uma mulher bela e feliz que ria enquanto o pintor a representava junto a uma roseira.
Às vezes, quando seu ânimo era mais sombrio, perguntava-se o que teria ocorrido com a pintura. A teria terminado? Ou, possivelmente, depois do terrível episódio, Gabriel tinha ido à cabana para destruí-la ou arrojá-la ao fogo? Às vezes se atormentava imaginando o futuro longínquo, topando-se com seu retrato exibido em alguma galeria como mostra do estilo inicial do já célebre e renomado artista Gabriel Cristofore. Como seria o titulo? A mulher do vestido rosa? Mulher no jardim? Ou, talvez, simplesmente A pérgula?
Também recordava com freqüência as dúzias e dúzias de esboços que ele tinha esboçado, alguns inocentes, outros sugestivos e outros abertamente eróticos.
Sua aventura tinha sido excitante, e se desfrutava tendo sido o suficientemente audaz. Mas agora que seu namorico tinha terminado, não podia evitar obcecar-se por esses desenhos. O que teria feito Gabriel com eles? Não acreditava que os tivesse mostrado a ninguém, mas se sentiria mais cômoda se soubesse onde estavam.
Pensou com desdém em seu pai. Morreria se inteirava-se de que existiam! Nunca lhe tinha falado deles, como tampouco lhe tinha falado de Gabriel. Amava muito a seu antigo amante para lhe contar a respeito a seu desprezível pai. Seguia sentindo-se tão humilhada por sua conduta que fantasiava com a publicação dos esboços só para fazê-lo zangar.
Entretida e obcecada por suas rebeldes reflexões, caminhou para a galeria. Notou que estava farta do campo, e isso era um claro indício de que se recuperou. Mas o que faria agora? A idéia de retornar a Londres para compartilhar o teto com Charlotte e com seu pai lhe parecia tão detestável que não podia nem contemplá-la.
Por fortuna, não se tinha topado com sua madrasta quando retornou a sua casa logo depois da briga com Gabriel. Provavelmente, o conde a tinha encerrado na habitação para que a serpente não andasse por aí lançando seu veneno. Se a tivesse visto, Elizabeth estava convencida de que, nesse momento, estaria sendo julgada por assassinato. Se tinha podido esbofetear Gabriel com tal naturalidade, não teria tido nenhum problema em estrangular Charlotte.
Seu pai não se atrevia a visitá-la em Norwich, embora sim lhe tinha escrito algumas cartas; melhor dizendo, alguns interrogatórios impertinentes, que Elizabeth respondia com lacônicas notas nas que assegurava encontrar-se muito bem. Uma vez que o conde soube com certeza que sua filha não estava grávida, sua hipócrita correspondência começou a minguar, graças a Deus, até extinguir-se. Ao parecer, agora que sabia que não havia um escândalo as portas, não estava disposto a tomar o trabalho de averiguar como ela estava.
A única maneira que seu pai tinha para averiguar sobre um tema tão delicado era por meio da servidão. Mas a Elizabeth não importava como se inteirava das coisas. Já nada lhe interessava, nem sequer o fato de que os criados que conhecia desde sua infância a espiassem ou abrissem sua correspondência.
O único motivo que a entristecia era não estar grávida.
Sua donzela lhe explicou a situação uma tarde tranqüila, quando lhe trouxe compressas para as regras. Depois dessa conversação privada, Elizabeth tinha ficado devastada. Se tivesse estado grávida, sempre teria uma parte de Gabriel com ela! Um bebê. Uma garotinha com seus olhos azuis e seu talento artístico. Ou um garotinho com sua personalidade extravagante e carismática. Via a criatura com toda claridade quando fechava os olhos.
Não lhe tinha ficado nada de Gabriel. Nem um filho, nem nenhuma outra coisa. Nem sequer o relicário com o retrato de sua mãe. Como queria voltar a ter esse testemunho daquele mágico período de sua vida!
Unicamente tinha suas lembranças, que se foram desvanecendo.
O que recordaria em seis meses? Em um ano? Em dez? Olhou o caminho e se horrorizou ao pensar que talvez, em algum momento, começaria a duvidar de que tudo isso realmente tinha ocorrido.
Suspirou e se dispôs a entrar em casa. Pela primeira vez, sentiu que a atmosfera era sufocante. Deteve-se a entrada. Seguia com seu passeio sem rumo? Ou se encerrava em sua habitação, para lamentar-se junto à janela?
Que tristes alternativas! Assim transcorreria o resto de sua vida? Erraria para sempre por Norwich, convertida em sua própria sombra? Não podia retornar à casa de seu pai. Não tinha recursos para comprar uma residência própria. A única opção que ficava era lhe pedir a seu pai que lhe conseguisse marido, e jamais o faria.
O que ficava, então? Permanecer no campo, no ócio e na inatividade, até envelhecer e voltar-se louca? Quase podia ouvir os comentários dos vizinhos: "Que triste. Que tragédia!". Seria o bobo e o tema das fofocas nos salões de Londres: a filha de Norwich, demente, desterrada e afastada da sociedade para sempre.
Elizabeth aspirava muito mais que a ser a lunática filha do conde. Antes, agradava-lhe levar uma vida opaca e aprazível. Mas, agora, a perspectiva de ser uma desamparada solteirona era a possibilidade mais melancólica e humilhante que pudesse conceber.
Abatida, ficou a cruzar o vestíbulo no momento mesmo em que o mordomo se aproximou com o inesperado anúncio de que tinha um visitante.
A notícia lhe fez pulsar com força o coração. Gabriel! A idéia retumbou em sua mente sem que pudesse contê-la. Por fim tinha vindo! A teria perdoado? Então a amava? Daria-lhe outra oportunidade? Os frenéticos pensamentos a enjoavam, tanto que, quando o mordomo lhe tendeu o cartão do visitante, teve que ler as letras uma e outra vez antes de conseguir as decifrar.
"Dudley Thumberton". O nome não lhe resultou familiar e o pronunciou em voz alta, como se, para ouvi-lo, fora a recordar de quem se tratava. "Advogado... habilitado ante o Alto Tribunal da Chancelaria?" Recitou o impressionante título em tom interrogativo, e o mordomo se encolheu de ombros para indicar que não conhecia o propósito da visita de tão ilustre personagem.
Receosa, lutou por recuperar a compostura enquanto se apressava a dirigir-se ao salão. Apesar de que lhe tinha dado a permissão para retirar-se, o mordomo lhe adiantou e abriu as portas do salão para anunciar sua entrada em tom retumbante. O senhor Thumberton ficou de pé e, tomando a mão, fez-lhe uma graciosa reverência. Era um homem calvo e roliço, de uns sessenta anos. Tinha um ventre proeminente, grandes costeletas e olhos incrivelmente bondosos.
—Sente-se, por favor, senhor. —disse aliviada. Não parecia um severo funcionário de justiça.
Embora sentia-se terrivelmente intrigada e impaciente, ocultou sua inquietação e se concentrou em seu papel de anfitriã. Mas, por fortuna, ele não quis tomar nada; Elizabeth não estava de ânimo para perder o tempo com trivialidades. Depois de tudo, quantas oportunidades teria de falar em privado com um advogado?
—Estou seguro de que o motivo de minha presença a intriga.
—Em efeito.
—Atuo em representação de um cavalheiro de Londres. Acredito que você o conhece. —Com uma insuportável sensação de expectativa, a jovem conteve o fôlego enquanto ele tirava uns papéis de uma pasta e os desdobrava sobre a mesa. —Meu cliente é o senhor Gabriel Cristofore Preston.
—Gabriel... —sussurrou ela em forma audível, desfrutando do som. Desde sua partida da cidade no meio do opróbrio, nunca havia dito seu nome a ninguém.
O curioso foi que lhe perguntou:
—De modo que sabe a quem me refiro?
Acaso Gabriel supunha que lhe diria ao senhor Thumberton que não o conhecia? Como se fosse capaz de fazê-lo! Como podia supor que seguiria furiosa? Sentiu-se profundamente magoada.
—Em uma época. —reconheceu— Foi meu melhor amigo.
—Me alegro por você. — demarcou o advogado. — parece uma excelente pessoa.
—Ele é. —assentiu ela. — Um homem admirável.
—Alegra-me ouvi-la admiti-lo. O senhor Cristofore temia que você tivesse opinião diferente sobre ele. Talvez, por algum desacordo entre ambos.
—Foi horroroso. — confirmou, surpreendendo-se por admiti-lo dessa maneira. —Foi tudo por minha culpa. Estava alterada e disse algumas coisas espantosas.
—É curioso. — Assinalou o senhor Thumberton com um sorriso. — Mas o senhor Cristofore me fez exatamente o mesmo comentário quando me reuni com ele em Londres.
—Ambos somos obstinados.
—Também disse isso.
—A que devo a honra de sua visita, senhor Thumberton? —não estava com ânimo para dar voltas. Suas esperanças cresciam, sua confiança voava. Gabriel queria fazer as pazes?
—O senhor Cristofore me encarregou que lhe entregasse vários artigos que lhe pertencem.
—O que? —estava confundida. Não tinha deixado nada de sua propriedade na cabana.
Ele indicou com um gesto um ângulo da habitação; atrás do sofá, havia um grande pacote envolto em papel pardo, que ela não tinha notado, apoiado em uma cadeira.
—Você lhe encarregou ao senhor Cristofore que lhe pintasse um retrato?
—Sim. —De modo que isso era tudo: uma transação comercial. Seu ânimo se derrubou. Sentia como se lhe tivesse rasgado a alma e seus sentimentos se estivessem derramando pelo piso. —Muito obrigada. — conseguiu murmurar.
—Meu cliente espera que você saiba desculpá-lo por haver-se demorado tanto, mas o atrasaram alguns problemas pessoais.
—É obvio.
Apenas se podia concentrar-se em suas palavras, e Thumberton, com consideração, fingiu não notar seu mal-estar. Tiramos outro pacote também envolto em papel pardo e amarrado com um barbante que tinha vários nós, para que ninguém espiasse seu conteúdo.
—Meu cliente considerou oportuno que milady conservasse os esboços preliminares de seu retrato.
Estendeu-lhe o pacote e ela o olhou inquisitiva, perguntando-se se o advogado tinha alguma noção do que ocultava o discreto envoltório, mas lhe devolveu o olhar com inocência. Se suspeitava algo, tinha a suficiente experiência e era o bastante cortês para dissimulá-lo.
—Obrigada de novo.
—Não tem por que. Agora bem. — Repassou seus papéis como se os verificasse. — tenho uma proposta que lhe apresentar.
—Uma proposta?
—Bom, talvez "proposta" não seja o término exato. Acontece que o senhor Cristofore recebeu uma considerável soma em dinheiro.
—De verdade? —perguntou surpreendida.
—Não me informou das... né... —pigarreou—... circunstâncias que rodearam a aquisição dos recursos, mas me assegurou que você sim as conhece, de modo que não requererá de documentação a esse respeito.
A forma em que ele vacilou e pronunciou a palavra "circunstâncias" a persuadiu de que ele sabia muito bem de onde saíam os recursos ou suspeitava que sua origem era duvidosa e, portanto, devia ser discreto.
—Que eu sei de onde provêm?
—Conforme me informa, foi um tema que ambos discutiram a fundo durante seu último encontro.
Repassou todos os aspectos do último e grotesco encontro. O único tema financista que mencionaram foi o suborno que seu pai lhe tinha dado a ele para que... Ficou paralisada. O senhor Thumberton a estudou.
—Então, recorda a que se refere.
—Sim. —Respondeu com cautela. Sentia como se estivesse caminhando ao bordo de um precipício.
—O senhor Cristofore lhe transferiu essa fortuna a você.
—A mim?
—Sim.
—Quanto dinheiro?
—Tudo.
—Não o quero! —Sentia-se indignada, enojada, ofendida. Um típico gesto altivo desse canalha! Bom, ensinaria ao presunçoso vilão um par de coisas sobre o orgulho, sobre o desdém e o respeito próprio. — Não aceitarei nem um centavo. Pode retornar a Londres e dizer-se o de minha parte.
—O senhor Cristofore me antecipou que era possível que você o recusasse. — Esclareceu, ignorando seu rompante.
—Ah, sim? De maneira que disse isso? —perguntou, veemente.
—Mas o dinheiro já pertence a você.
—O que? Como é possível?
—Foi posto em fideicomiso.
—Bom, não o quero!
Ele volteou os papéis de modo que ela pudesse ler o cabeçalho, e ali dizia, claramente: "Contrato de fideicomiso".
—O senhor Cristofore queria deixar resolvido o assunto quanto antes, de modo que tomei a liberdade de designar uma procuração a uma pessoa de confiança no banco de Londres.
Ela contemplou o documento franzindo o cenho, enquanto tamborilava com as unhas sobre o braço de sua poltrona.
—Poderia me explicar o que significa este fideicomiso?
—O que significa é que você se converteu em uma mulher muito enriquecida.
—Quão enriquecida? —olhou-o com incredulidade.
O advogado assinalou uma cifra ofensivamente elevada ao pé da página, e ela sufocou uma exclamação.
—Agora, você dispõe de um valor substancial, que poderá dirigir como melhor lhe pareça. Não terá acesso à soma total, mas receberá uma mesada regular e sem dúvida que seu procurador não terá problemas em adiantar as somas adicionais que pudesse requerer. Para uma casa modesta, por exemplo. Roupa. Comida. Uns poucos serventes. Nada tão magnífico como isto. —Assinalou com um gesto o elegante saguão. — Mas, certamente, tampouco nada para desdenhar. Se você administrar bem seus gastos, terá mais que suficiente para viver confortavelmente.
Uma casa própria! Uma valor mensal! Sem preocupações sobre o futuro nem sobre sua sobrevivência! Estava-lhe oferecendo tudo o que sempre tinha desejado. Condenado Gabriel. Conhecia seus sonhos secretos, e por isso sabia quanto lhe custaria rechaçar sua generosidade. Com solo murmurar a palavra "sim", seria livre. Livre de seu pai. De Charlotte. Da prisão, da monotonia e do tédio.
Ao parecer, o senhor Thumberton era muito perspicaz, pois em seguida adicionou:
—Lady Elizabeth — perguntou com amabilidade — Posso lhe falar com franqueza?
—Sim.
—Ignoro o ocorrido entre você e o senhor Cristofore para produzir este... distanciamento, mas me dá a impressão de que você continua desgostada. Talvez haja um pouco de orgulho ferido. É assim?
—Poderia dizer-se que sim. —Respondeu a contra gosto.
—Pois bem, milady. Sou um homem velho e vi muitas coisas. —se reclinou e suspirou. — Os anos me ensinaram não misturar-me nos problemas pessoais de outros, e tenho por norma deixar que cada um resolva como melhor lhe pareça. Mas, neste caso, não posso deixar de emitir minha opinião.
—E o que me diria?
—Que não seja tola.
Ficou rígida ante o insulto.
—Não sou tola. É só que não quero nada dele. — Mentiu. Se tão só pudesse ter a certeza de que a tinha perdoado, que isto não era um cruel ato comercial para tranqüilizar sua consciência!— Enviou alguma carta? Algo que explique por que o faz?
—Não, nada. Mas a madrasta de meu cliente, a senhora Preston, deu-me uma carta para você.
Quando a entregou, o bilhete lhe fez notar quão isolada tinha estado desde que tinha deixado Londres, quão triste e desamparada. Uma nota de Mary! Experimentou a estranha sensação de que estava abandonada em uma ilha deserta e que a tentadora missiva lhe tinha chegado em uma garrafa. Ansiava notícias, mas se conteve e se limitou a colocar a carta sobre o regaço para desfrutá-la depois.
—Que amável de sua parte. —agradeceu— O que opinou da decisão do senhor Cristofore?
—Não falei do tema com a senhora Preston.
—Está inteirada da intenção de Gabriel?
—Não sei.
—Provavelmente diria que ele está mal da cabeça.
—Sem dúvida. —Assentiu o senhor Thumberton, rindo. —Devo confessar que, quando me confiou seus planos, não me mostrei muito entusiasmado.
—Ah, não?
—Para ser franco, milady, tratei de dissuadi-lo. Trata-se de uma soma considerável e me pareceu que ele poderia aproveitá-la. Sugeri-lhe que, ao menos, ficasse com uma parte. Mas respondeu: "Lady Elizabeth o necessita muito mais que eu".
—Já vejo.
Não sabia que decisão tomar. O que seria o melhor? Aceitava a proposta de Gabriel? Renunciar a sua generosidade seria uma tolice. Sua confusão era evidente, e o senhor Thumberton interveio:
—Procure não relacionar a proposta com as faltas que o senhor Cristofore tenha cometido. Isto é independente.
—Mas por que a faz? Isso é o que não posso entender.
—Importam as razões?
Importavam? Aceitar a dádiva significava o final definitivo da relação entre ambos, mas, ao fim das contas, seu namorico tinha terminado fazia meses. O que esperava? Que a separação o convencesse de que a amava? Que sentia tanta saudades que iria a Norwich para suplicar seu perdão? Ruborizou-se ante suas próprias fantasias descabeladas.
—Milady, é uma fortuna. —asseverou com ardor— Não permita que a arrogância ou o mau- humor a façam perdê-la. Isto mudará sua vida para sempre.
—Mas me pergunto se quero que seja o dinheiro que mude a minha vida.
—Só você pode responder. — afirmou ele. — Me permite lhe expor uma última sugestão?
—O que?
—Se você fosse minha filha. — Aproximou-se com ar conspirativo. — Diria para aceitar e fugir. Tão rápido como pudesse!
—Assim que isso me diria? —riu.
—Absolutamente. Seria uma loucura não fazê-lo.
—Acredito que tem razão.
Sem mais reflexões nem questionamentos, assinou ao pé da página. Ele repassou alguns dos aspectos legais do contrato. O mais curioso, e o mais importante, era o inciso que lhe proibia lhe revelar a alguém a origem dos recursos. Fora disso e do fato de que os desembolsos deviam ser autorizados pelo procurador, podia fazer o que lhe desse vontade.
Ao cabo de um momento, o senhor Thumberton partiu, embora o tenha convidado para pernoitar na mansão. Teria lhe agradado compartilhar o jantar com ele, pois poderia interrogá-lo a fundo sobre Gabriel. Onde estava? Que fazia? O que ele sabia de Mary e John Preston? O advogado disse que tinha muitas coisas que fazer e não lhe deu ocasião para que ela o interrogasse sobre assuntos que, provavelmente, não queria ou não podia divulgar. Evitou o mau momento retornando à cidade.
Quando se foi, o saguão pareceu muito silencioso.
Elizabeth estudou os documentos do fideicomiso antes de jogá-los sobre a mesa. Surpreendeu-a descobrir que não estava exultante de felicidade, a não ser justamente o contrário: se algo sentia, era mais dor que antes. Deprimia-a sentir uma mulher independente, com recursos para viver por sua conta como melhor lhe parecesse. Mas todos seus desejos se fizeram realidade. Todos seus sonhos se cumpriam. Que mais podia desejar? O que necessitava para ser verdadeiramente feliz?
"Ao Gabriel"! — respondeu-lhe uma vozinha.
Do que lhe serviam todas essas riquezas se a única coisa que ficava era uma casa vazia, por cujos salões despovoados erraria? O que lhe proporcionava o futuro, além de converter-se em uma solteirona solitária e excêntrica?
Desejosa de distrair-se com algo, foi onde estava o retrato e rasgou seu pacote. Ao vê-lo terminado, embargou-a uma emoção tal que as pernas lhe tremeram; incapaz de manter-se em pé, desabou-se em uma cadeira.
A pintura era magnífica. Das pétalas das rosas até cada uma das folhas de erva, passando pelos cavalos que pastavam ao longe, cada pincelada tinha sido aplicada com somada precisão. O efeito geral era tão encantado que quase não podia suportar olhá-la. Ela estava no centro do quadro, sobre as escadas da pérgula, recostada sobre o corrimão. Com um alegre sorriso, olhava de soslaio, como se alguém que lhe agradasse muito acabasse de chamá-la de um lugar que não se via no quadro.
Sabia como a retrataria, que objetos vestiria e como teria o cabelo penteado. Mas, mesmo assim, ficou atônita ao descobrir como a percebia Gabriel: atrativa, vibrante e muito formosa. Não havia outras palavras Para definir o retrato, e não podia deixar de olhá-lo. Apesar do quanto a tinha feito sofrer, sob sua tutela se transformou em uma mulher confiada e não teria mudado nem um minuto da experiência...à exceção, possivelmente, de sua conclusão. Se tão só pudesse voltar a converter-se nessa mulher interessante e audaz!
Voltou-se e se topou com seu reflexo no espelho. Estudou-se com atenção pela primeira vez em semanas. Via-se pálida e esvaída, com a pele macilenta e o cabelo opaco e sem vida. Tinha passado muito tempo sem comer nem dormir. Em algumas manhãs sentia-se muito afligida para levantar-se da cama, muito afligida para enfrentar o dia. Finalmente, viu-se obrigada a aceitar que estava deprimida, desesperava-se pela perda de Gabriel.
Bom, não era que ele tivesse morrido! Não era necessário que adoecesse como se nunca mais o fora a ver! Neste mesmo momento, se tivesse coragem, poderia arrumar uma mala e partir para Londres.
—E o que faria então? —perguntou-se em voz alta.
Que caprichosa! Que estúpida! Não aprendera com de seus enganos? Gabriel nunca a quereria depois de todo o ocorrido. Não acabava de lhe entregar tudo o que recordava a ela como se fosse lixo do qual queria se liberar?
Sentou-se no sofá. Sua mente era um caos. O pacote que ocultava os esboços a atraía, e não pôde resistir a rasgar o papel. Ficou olhando, ensimesmada, o primeiro desenho. E o seguinte. E o que vinha depois desse. De repente, apareceu um do Gabriel. Ficou atônita. Tinha esquecido que ele se representou em alguns dos esboços. Estava de pé detrás dela, e quase não se via mais que uma bochecha, um ombro, um braço. Passou rapidamente os restantes para ver se via outros onde ele figurasse. Os desenhos mais eróticos não estavam, e ele só aparecia no fundo de uns poucos. Mas mesmo assim era extraordinário!
Desconcertada, percorreu um dos esboços com um dedo, tratando de entender por que os tinha enviado. Queria que os tivesse como lembrança? Ou acaso ele não queria conservá-los? E, se era assim, por que tinha guardado alguns?
A seu lado, estava a carta da Mary, ainda sem abrir. Tomou e rompeu o lacre. Esperava uma larga missiva, mas se encontrou com uma nota extremamente concisa, como se a tivesse escrito depressa. Dizia: "Sinto saudade de você e estou muito preocupada. Por favor, me escreva, quero saber como está. Se a situação com seu pai se deteriorou, vêem viver comigo".
O bondoso interesse, o oferecimento de um refúgio, comoveram-na. Tinha estado tão atormentada, tão centrada em seus próprios problemas, que nem lhe tinha ocorrido pensar como teria afetado a Mary a horrível situação. Ela tinha estado na calçada, vendo-o tudo e, depois disso, Elizabeth virtualmente tinha desaparecido.
Havia um pós-escrito: "Gabriel está bem. Voltou para casa depois de umas prolongadas férias junto ao mar. John está muito aliviado". Que ardilosa era! Como de maneira casual, tinha-lhe revelado o paradeiro de Gabriel.
A tentadora informação parecia saltar da página, de repente sentiu uma inexplicável, absurda saudade por esse patife. OH, voltar a vê-lo! Ouvir sua formosa voz! Quanto encanto havia trazido para sua vida. Quanto mistério e quanta alegria. Como sentia saudades. Como sentia saudades!
Enjoada ante o ressurgir de seus sentimentos, sentiu um entusiasmo que fazia semanas. —não, meses!— que não experimentava. Levantou-se de um salto e começou a percorrer a sala. Por mais que tivesse riquezas, que tivesse o mundo ao seu dispor, sem Gabriel, não tinha nada. Antes, tinha arriscado tudo, tinha apostado no futuro que tanto desejava, mas tinha deixado que se deslizasse entre seus dedos.
Uma vez, tinha tido a ousadia de apoderar-se do que seu coração desejava. Atreveria-se a fazê-lo de novo?
Capítulo 23
Findley fulminou com o olhar a sua esposa e a sua sogra. Era o par de mulheres mais antipáticas e insossas que tinha visto em sua vida. Como tinha passado de compartilhar sua mesa com a agradável Elizabeth a isto?
A mãe do Charlotte se instalou. Embora não estava muito seguro de quando tinha chegado a horrível mulher, suspeitava que já levava um comprido tempo em sua casa. Não se rebaixava a perguntar-lhe a sua esposa, porque não queria lhe dar a impressão de que sentia algum interesse por seus assuntos.
Ele e Charlotte rara vez conversavam. Desde o dia em que lhe informou com tanta alegria da vergonha de Elizabeth, o conde se esmerava em ausentar-se tanto como lhe era possível. Só ia a sua casa tarde de noite para enfrentar a desagradável obrigação de cumprir com seus deveres maritais. Quem tivesse poderia predizer que manter relações sexuais com uma mulher de tanta beleza pudesse ser tão pouco atrativo? A idéia de deitar-se com ela se tornou repugnante.
Em sua opinião, sua sogra estava muito cômoda em sua cadeira, presidindo o salão como se fosse a proprietária do maldito lugar. Tampouco gostava da forma em que olhava o mobiliário, como se calculasse seu valor. Dois criados serviam a comida, e lhes gritava a cada momento, deixando-os trementes e com os nervos destroçados. Cada vez que algum lhe aproximava, o conde se fazia a um lado, pois estava seguro de que as incessantes reprimendas de sua sogra terminariam por fazer que lhes caísse uma colherada de molho ou uma taça de vinho sobre seu regaço.
A ninguém podia funcionar bem o sistema digestivo com todos esses gritos, e estava a ponto de fazer saber a desagradável mulher, quando esta rompeu o silêncio.
—Milord, poderia falar com você depois do jantar?
—Não me ocorre nem um só tema que você e eu possamos tratar.
—É a respeito de sua filha.
Ele posou a colher junto a seu prato e cravou a sua sogra um olhar de tal malevolência que a fez encolher-se e perder a segurança que exibia um instante atrás.
—O que acontece com ela?
—Charlotte ouviu os serventes rumorear que talvez retorne a Londres.
A informação era exata. Ele tinha recebido essa mesma tarde uma nota do mordomo do Norwich lhe advertindo sobre o assunto. Embora lhe agradasse inteirar-se de que Elizabeth se recuperou o suficiente para retornar a sua vida anterior, ainda não tinha decidido como faria para reinseri-la em sua casa de Londres.
Furioso ao ver que Charlotte, ou sua mãe, acreditavam que se tratava de um tema aberto a discussão, perguntou de mau modo:
—E isso o que tem que ver com você? Ou com minha esposa?
—Bom, nós... quer dizer, eu... bom... é uma barbaridade expor a minha filha à perversa influência de lady Elizabeth.
—Vocês duas têm a ousadia de falar de minha filha? —Arrojou o guardanapo, levantando-se com tal violência que sua cadeira se cambaleou. Um dos criados se precipitou a detê-la antes de que se quebrasse contra o piso. Ambas as mulheres o observaram, temerosas. — Charlotte, vá a sua habitação.
—Não desejo partir. —lhe respondeu, petulante.
Como podia ser tão desrespeitosa?
—Acaso pedi sua opinião? —gritou e, tomando-a do braço, forçou-a a ficar em pé. —Não me obrigue a lhe repetir isso: Vai para cima e te prepare. Subirei em um momento.
—O que vai dizer a minha mãe?
—Não é teu assunto! —ladrou, encolerizando-se até mais.
Tomando a da nuca, empurrou-a para a porta, enquanto sua mãe sufocava uma exclamação. Melhor! Que presenciasse a horrível cena! Que visse que filha impertinente e insolente tinha criado! Tinha sorte de que não açoitasse a Charlotte ali mesmo, nesse momento.
A jovem o olhou com hostilidade, essa expressão que o conde detestava, pois afeava seus bonitos rasgos. Partiu dando pernadas. Findley aguardou que suas pegadas deixassem de ouvir-se antes de enfrentar à outra, que lhe sustentou o olhar com uma careta de rebeldia idêntica a de sua filha.
—Senhora. — Começou, pois não recordava como se chamava. — Suponho que você está aqui porque sua filha a convidou. Mas sua estadia neste lugar chegou a seu fim.
—O que? Não me permite visitar o Charlotte?
—Partirá pela manhã. Se às dez ainda estiver aqui, farei arrumar suas malas e as jogarei na rua. Entendido?
Ela titubeou. Tinha cem insultos preparados na ponta da língua, mas, prudentemente, escolheu guardar-las.
—A uma dama como eu! —resmungou e saiu.
O conde esperou até que teve a certeza de que não a encontraria no vestíbulo e se dirigiu às escadas, que subiu lentamente, sentindo as pernas como um lastro de chumbo.
Pensar em Elizabeth lhe pesava. Sua preocupação por ela, por sua melancolia, vexava-o perpetuamente. Fazia o correto? Tudo tinha terminado tão mal que duvidava ter dirigido bem as coisas.
Onde estava Mary agora que necessitava com desespero seus conselhos? Tinha-o abandonado a sua sorte, sem lhe importar nem um pouco que ele sempre a tivesse necessitado. Ainda a necessitava. Desde que ela o tinha deixado por John Preston, só a tinha visto naquela tarde funesta em que Elizabeth enfrentou a Cristofore. Depois, seu orgulho lhe tinha impedido de contatá-la, assim não sabia se estava feliz com sua nova vida.
Às vezes, preocupava-se com ela, perguntava-se como seria sua vida junto ao Preston. Estaria contente? Lamentaria alguma vez havê-lo deixado por outro? Se ao menos estivesse ali para serená-lo neste interminável embrulho, para convencê-lo de que se comportou de maneira adequada!
Sua deserção o tinha obrigado a tomar uma amante. E, como era de supor, tinha escolhido uma moça atrativa e vivaz, que pudesse luzir nos eventos sociais, quase da idade de Charlotte. Mas era cada vez mais evidente que tinha a mesma predileção que sua esposa pelo bate-papo corriqueiro e as frivolidades. Embora a fosse visitar mais tarde, depois de cumprir seu dever matrimonial, não sentia essa alegria que sempre lhe tinha produzido Mary quando pensava no iminente encontro. Os braços de sua jovem amante não o consolavam.
Entrou em seu dormitório e fechou a porta. Do vestidor contíguo ouviu os movimentos de Charlotte e esboçou uma careta de desagrado.
Detestava estar perto dela, mas era fundamental que ficasse grávida. Serviu uma taça para dar ânimo, bebeu-a de um gole e foi a seu encontro. Enfureceu-se ao notar que ela estava vestida, embelezando-se ante o espelho de sua penteadeira. Sabia perfeitamente que devia esperá-lo nua na cama, para que ele cumprisse com seu dever o mais rápido possível.
—Por que não está preparada?
Ela o olhou por cima do ombro com uma careta de desagrado.
—Para que?
—Para cumprir com seu dever de esposa.
—É muito cedo!
—Devo sair e demorarei várias horas em retornar. Devo fazê-lo agora.
—Bom, não estou de humor.
Dando-o por despedido, ergueu seu narizinho empinado e se estudou no espelho, esponjando e acomodando seus cachos loiros. Embora fosse habitual que desafiasse sua autoridade, ultimamente havia se tornado ainda mais rebelde; se fazia imprescindível lhe recordar seu lugar.
—Fará o que te digo.
—Não me dê ordens! — Enfurecida, ficou de pé, voltando-se para enfrentá-lo. — Depois de tratar a minha mãe dessa maneira! De me obrigar a viver sob o mesmo teto que a prostituta de sua filha!
Esbofeteou-a com tanta força como pôde e a fez calar de um único golpe. Quando a jovem caiu de joelhos, o conde sentiu que uma incontida excitação o embargava ao tê-la a sua mercê. Sua vara se inflamou, e ele se sentiu eufórico ao advertir que, pela primeira vez em várias semanas, poderia chegar ao clímax sem maior esforço.
—Me desprenda as calças!
—Não quero! — Respondeu, rebelde.
Voltou a esbofeteá-la; Charlotte não pôde conter as lágrimas. Ignorando seus gemidos, desprendeu ele mesmo os botões, deixando seu membro indecentemente exposto. A moça estava tão afligida que nem se deu conta do que ele fazia. Foi fácil para Norwich pegá-la pela nuca e aproveitar seus gemidos para penetrá-la pela boca.
Ela se debateu e empurrou, procurando apartá-lo, mas ele a impediu. Arremeteu brutalmente até encurralá-la contra a parede. Sua cabeça golpeava contra a parede a cada investida de seus quadris. Sua resistência o excitava, sua luta aumentava seu prazer, de modo que se tomou mais tempo que o habitual até que uma quente corrente se derramou na garganta de sua esposa.
Sustentou-a até que tragou, logo se apartou, e Charlotte se desabou, boquejando para respirar, enquanto grossas lágrimas lhe corriam pelas arroxeadas bochechas. Detestava agradá-lo dessa maneira. Para Norwich, era a maneira mais segura de ofendê-la. Além disso, depois de tolerar suas infinitas insolências, ele não estava disposto a lhe demonstrar cortesia alguma; e mais, regozijava-se ao vê-la sofrer.
—De agora em diante, cada vez que me responda de mau modo, me atenderá desta maneira. Dada sua tendência à obstinação, suponho que, depois de algumas dúzias de vezes, aprenderá a controlar sua imprudente língua.
A jovem resmungou algo que soou como "desgraçado". Indignado, inclinou-se sobre ela e, tomando-a do cabelo, sacudiu-a como a um cão desobediente.
—Se daqui a seis meses não estiver grávida, pedirei o divórcio por sua infertilidade, estou seguro de que meu testemunho será o mais pormenorizado. Esta caricatura de matrimônio ficará dissolvida assim! —Com um insultante estalar de dedos, saiu, pavoneando-se, feliz pela forma em que tinha deixado claro quem mandava nessa casa.
Enquanto se lavava e se preparava para reunir-se com sua amante, ouviu que Charlotte vomitava. Como lhe tinha proibido esvaziar o estômago depois de manter relações sexuais, pensou em brigar e golpeá-la por sua desobediência. Mas agora que seu desejo tinha sido satisfeito, sua ira tinha minguado, e não teve ânimos para segui-la disciplinando. Com a agradável sensação de ter feito justiça e de ter o controle de seus próprios domínios, saiu ao corredor e baixou as escadas.
Charlotte estava encolhida no piso, suando e chorando, enquanto repassava exaustivamente tudo os palavrões de seu vocabulário.
—Desgraçado! —repetiu com ênfase, e um perverso sorriso cruzou seus lábios. O havia dito em sua presença e se sentia muito orgulhosa de haver-se atrevido a fazê-lo.
Como se atrevia a maltratá-la! A abusar dela de forma tão grosseira e brutal! Odiava-o!
Quando sua mãe chegou, acreditou que, ao fim, alguém teria piedade dela e lhe confessou algumas das horríveis coisas que seu marido a obrigava a fazer. Em lugar de compadecer-se, declarou que Charlotte devia tolerar tudo dele, que, quando aceitou o anel de bodas, também aceitou ceder a todas suas exigências, por mais repugnantes que lhe parecessem. Bom, ao diabo com a opinião de sua mãe! Ele não tinha direito.
Estremeceu-se e, apoiando-se em uma cadeira, ficou de pé com dificuldade e foi até o espelho. Tinha o cabelo revolto, os olhos avermelhados e a bochecha torcida onde ele a tinha golpeado. Já a tinha esbofeteado em outras ocasiões e as vezes lhe batia com o cinturão, mas nunca com tanta violência.
E ela se viu submetida a semelhante ultraje só por haver-se atrevido a falar da querida Elizabeth! Sua perfeita, bem criada, afável, desavergonhada filha. Charlotte jamais esqueceria as asquerosidades que a viu fazer com seu repugnante amante plebeu. Sua odiosa enteada teve que abandonar Londres no meio do escândalo, com sua reputação manchada para sempre. Sua vergonha podia ter sido motivo de uma monumental humilhação e, entretanto, o conde ia daqui para lá como se sua filha nunca tivesse feito nada mau. Que maneira de comportar-se! Enganava-se a si mesmo e a outros, com a história de que a moça tinha contraído uma grave enfermidade e se estava recuperando gradualmente.
Quando a condessa lhe revelou o vergonhoso sucesso a sua mãe, esta se indignou. Mas nem sequer essa intimidante matrona pôde dissuadir ao conde de que permitisse sua filha retornar.
Até agora, Charlotte não tinha contado a ninguém do pecado de Elizabeth, acatando a ordem do conde de que se mantivesse em silêncio; temia sua reação se chegasse a saber que ela tinha falado demais. Se circulasse algum rumor do escandaloso episódio, seu marido a culparia em seguida. Mas possivelmente já era hora de falar. O mundo inteiro devia inteirar-se da natureza corrompida da Elizabeth Harcourt.
—Rameira! —disse em voz alta. Resultou-lhe tão agradável gritá-lo que o repetiu uma e outra vez.
Se começava a difundir rumores sobre a queda da Elizabeth, o conde se zangaria, mas o certo era que sempre estava zangado, assim já não temia sua reação. Além disso, talvez o velho rufião enfurecesse tanto que morreria de apoplexia. Levou-se uma mão à frente com gesto teatral. Seria uma magnífica viúva doída. Todos se compadeceriam dela.
Esse idiota não a conhecia bem. Preferia assassiná-lo em seu leito antes que lhe permitir o divórcio! Sem dar-se conta, passou-se a língua pelos lábios. O sabor e o aroma dele eram tão potentes que sentiu repulsão. Tomou apressadamente sua taça de vinho, mas não conseguiu sufocar sua náusea.
Começou a caminhar para aliviar seu crescente mal-estar, procurando esquecer o que ele tinha feito, o que lhe havia dito. Mas não podia sossegar sua mente. Cobrindo-a boca, aproximou-se, cambaleante, da bacia, e vomitou uma e outra vez, livrando-se do vinho, da comida, dele.
—Deixa de te lamentar em silêncio. Vai e fala com ele.
A voz da Mary fez John se afastar da janela.
—Não tenho desejos de lhe falar.
—Mentira. Morre por fazê-lo.
Apesar de que John insistia em que não tinha nada que lhe dizer ao Gabriel, o certo era que passava muito tempo ante a janela, espiando a cabana do fundo, ansioso. O vínculo entre eles seguia sendo tão forte como sempre.
Desde que tinha retornado, sem anunciar-se, fazia duas semanas em um momento em que John não estava em casa, Gabriel se tinha isolado. A donzela encarregada de lhe levar a comida informou que mantinha a porta trancada e que não tinha respondido às poucas ocasiões em que ela golpeou. Contou que, ao espiar pela janela, viu-o concentrado, pintando.
John sabia que, inevitavelmente, se veriam obrigados a adaptar-se ao que ocorrera nesse dia horrível, mas ainda não tinha decidido como faria para reconciliar-se ou aproximar-se de seu intratável filho para que pudessem restabelecer sua antiga relação de amizade. Em especial, agora que Gabriel lhe tinha transferido todo seu dinheiro a Elizabeth. John não sabia como Mary tinha obtido tal informação, mas se sentia obrigado pela honra a fazer as pazes.
Como podia ter duvidado dos motivos do Gabriel? Conhecia seu filho e sabia que era bom moço. Teria que havê-lo apoiado em sua iniciativa de enganar ao Findley Harcourt. Teria que havê-lo ajudado, em lugar de condená-lo. Desde o começo, deveria saber que Gabriel atuaria de maneira adequada.
E o dinheiro! Tirar semelhante soma a um imbecil como Findley! Que jogada incrível, fantástica! John se sentia tão orgulhoso que só podia conter-se. Gabriel era a única pessoa com quem podia saborear cada detalhe do ocorrido. Mas, agora, não tinha com quem entreter-se e rir dos resultados do engano.
Mary lhe aproximou e o beijou, e, quando ele a abraçou, perguntou:
—Já se sabe algo de Elizabeth? Você parece ter certeza que ela virá.
—Já verá. Logo teremos uma nora e uns doces netinhos.
Tinha aprendido a não duvidar de Mary. Era capaz de fazer milagres graças a sua perspicácia. Quando voltou a olhar para fora, quase esperava ver a Elizabeth Harcourt. Talvez lhe infundisse a coragem que necessitava para aproximar-se de Gabriel,
—Estou muito feliz de que tenha retornado a casa são e salvo. — suspirou John.
—Já sei.
—É a primeira vez que nos separamos.
—Foi difícil para ti.
—Sim — sentiu com assombro que as lágrimas iam a seus olhos, mas não as ocultou. Mary era a rocha a que sua vida se ancorava com firmeza— Acredita que me perdoará algum dia?
—OH, que bobo você é. Como pode supor que não o fará? —Rindo-se de sua insensatez, levou-o até o vestíbulo e lhe deu um suave tranco. —Tem que solucionar este estúpido embrulho em algum momento. Bem poderia fazê-lo agora.
Tinha razão; com um tímido sorriso, dirigiu-se a conversar com seu filho, ao que não via fazia quase quatro meses. Mas, antes, teve a sensatez de passar pelo saguão, tomar uma garrafa de seu melhor uísque escocês e duas taças. Ao chegar à soleira da cabana, respirou fundo e golpeou à porta. Tal como o tinha suposto, ninguém respondeu, de modo que voltou a golpear, uma e outra vez, até que ouviu os passos do Gabriel que se aproximavam pressurosos à porta com um ritmo que delatava sua irritação. Furioso porque o interrompessem, abriu a porta de repente.
—O que? —ladrou.
—Olá. —saudou John inspecionando-o, feliz de vê-lo depois de sua prolongada separação. Encontrou-o magro. E cansado.
—John? —incrédulo, Gabriel piscou, ajustando a vista ao brilhante sol da tarde.
—Claro que sou John. — entrou sem esperar que o convidasse eufórico por ter tomado a decisão de aproximar-se. — Quem esperava? Ao Demolidor? —Gabriel se atrasava na soleira, olhando a seu pai como se se tratasse de um ser fantástico. —Não te incomoda que eu entre verdade?
—Não, não. — vacilava, era evidente que se perguntava se o aguardava outra repreensão. Por Deus, possivelmente até se preocupasse com possibilidade de que John o jogasse. De sua própria casa!
E se isso temia, que valente tinha sido ao retornar! E que envergonhado se sentia John por tê-lo feito sentir que não era bem-vindo! Ao fim, a curiosidade pôde mais, e Gabriel o seguiu ao interior da cabana, observando-o. Cautelosamente, perguntou:
—O que quer?
—Devíamos tomar um gole para celebrar.
—A que te refere?
—Não passou tanto tempo para havê-lo esquecido.
—Não me esqueci. Simplesmente me pareceu que preferia não... —Não terminou a frase, mas não era necessário.
Preston posou a garrafa e as taças sobre a mesa de trabalho de Gabriel. Encheu-as até a borda e estendeu uma a seu filho. Elevando a sua, proclamou:
—À saúde do Findley Harcourt. Por ser tão idiota.
Ao longo dos anos, tinham repetido muitas vezes esse frívolo ritual, brindado pela credulidade de alguma de suas vítimas, felicitando-se por seu êxito, congratulando-se por ter feito bem um trabalho. Gabriel o estudou. Custava-lhe acreditar o gesto de seu pai, procurava indícios de sarcasmo, mas só detectou um genuíno afeto. Um lento sorriso curvou seus lábios e elevou sua taça.
—Pelo Findley Harcourt. Por ser um completo imbecil.
—Por sua arrogância.
—Por sua estupidez.
—Por todo seu adorável dinheiro.
—Sim. Por todo seu muito adorável dinheiro.
—Fai IL bravo!—exclamou John, resplandecente. —Bem feito!
—Obrigado.
—À sua saúde!.
—Saúde!
De repente, era como se nunca tivessem se separado.
Elizabeth respirou fundo e reuniu suas minguadas forças antes de golpear à porta da casa de Gabriel. Uma bonita donzela de vestido cinza lhe abriu.
—Sou lady Elizabeth Harcourt. Poderia ver o senhor Gabriel Cristofore?
A criada lhe fez uma atenta reverência, mas, ao inteirar-se da identidade de Elizabeth, seu sorriso se voltou incerto e se moveu, nervosa.
—Desculpe-me, milady, mas o senhor Cristofore não recebe a ninguém.
—Está trabalhando, não?
—Bom, sim, senhora. — respondeu com entusiasmo um pouco excessivo. —Justamente disso se trata. Está muito atarefado para receber visitas.
—E quando estará disponível?
—Não saberia dizer-lhe com exatidão. Possivelmente dentro de umas semanas.
—Talvez pudesse escrever uma nota. —sugeriu Elizabeth com aspereza— solicitando uma audiência com Sua Excelência.
—Talvez funcionasse. —disse em tom serviçal; não tinha percebido o sarcasmo.
Lady Harcourt a olhou até fazê-la baixar os olhos, e a donzela se ruborizou como uma menina descobriram fazendo uma travessura.
—Você mente muito mal, senhorita.
—Sim, já sei.
—Tem ordem de não me deixar entrar, verdade?
A criada cravou a vista no piso e brincou com sua saia.
—Lamento-o.
Elizabeth nunca se havia sentido tão morta de calor e se ruborizou até mais que a pobre donzela. Bom, o que esperava? Já sabia que não seria fácil. O orgulho era um medicamento amargo e difícil de tragar.
—O senhor e a senhora Preston estão?
—Estarão ausentes todo o dia.
Suspirou.
—Quando retornarem, lhes diga que retornei à cidade.
—Assim o farei.
—Lhes diga que me alojo no hotel Carlysle. Se lembrará?
—É obvio, milady.
Não tinha nada que acrescentar, nem razão para atrasar-se, de modo que se dispôs a partir. Nesse preciso instante, Gabriel apareceu no vestíbulo. Olharam-se e Elizabeth não pôde decidir quem estava mais assombrado, se ela, ele... ou a criada.
—Ah! Olhe, milady. — assinalou com ar envergonhado. — Parece que o senhor Cristofore terminou de pintar antes do esperado.
—Certamente, assim parece.
Os três ficaram imóveis, em um incômodo silêncio.
Elizabeth tinha imaginado este momento mil vezes, mas a realidade não se parecia nada a suas fantasias. Nelas, ele se precipitava a tomá-la entre seus braços, beijava-a com paixão, perdoava-lhe todas suas ofensas, e viviam felizes para sempre.
OH, o que equivocada tinha estado!
Gabriel a estudou com frieza. Ao parecer, estava por ir a uma entrevista, pois se tinha arrumado para impressionar a alguém. Seu elegante traje realçava sua formosura e seu carisma. Não demonstrou nenhuma alegria ao vê-la. Justamente o contrário, parecia irritado por ver-se obrigado a atrasar-se para lutar com a inesperada visita. Despediu com um gesto à criada, que se apressou a desaparecer pelo vestíbulo. Ficaram sozinhos. Ele estava tão perto que podia sentir seu aroma sensual.
—Olá, Gabriel.
—Lady Elizabeth. — Respondeu, matando-a com sua formalidade.
—Passou muito tempo. — Disse com estupidez, procurando, nervosa, romper o gelo. Mas ele não respondeu, fazendo-a sentir mais humilhada.
Estudou-a com ar desconcertado e por fim disse:
—O que faz aqui?
—Vim ver-te.
—Está grávida? —perguntou sem mais, observando seu ventre.
—Não.
—Então, por que está aqui?
Mascarava tão escrupulosamente suas emoções que era difícil adivinhar o que pensava ou o que sentia. Mas a forma em que a olhava lhe indicou claramente que dispunha de pouco tempo para dizer o que queria.
—Vim agradecer pelo dinheiro.
—Não tem por que.
—E lamento o... da última vez que nos vimos. Estava zangada e...
—Desculpa aceita. — a interrompeu antes de que pudesse espraiar-se.
Desconcertada por sua brutalidade, recuperou-se em seguida.
—Quando meu pai descobriu o nosso namorico, deve ter te pressionado para que te desfizesse de mim, de modo que também te peço desculpas por seu comportamento.
Ele não respondeu a esta última desculpa. Duvidava que ele perdoaria alguma vez a Findley Harcourt. Finalmente, perguntou:
—Algo mais?
Ela desejava lhe confessar as turbulentas emoções que havia sentido quando recebeu o formoso retrato. Mas a atitude pétrea de Gabriel lhe confirmou que nada do que dissesse perfuraria essa fachada imperturbável, parecia um desconhecido. Abatida, murmurou:
—Acredito que não.
—Bem. — lhe indicou a porta com um gesto. —Estou atrasado para uma entrevista, assim não posso te entreter mais.
Intimidada por seu desprezo, cruzou a soleira. O que podia dizer? O que podia fazer? Convenceu-se a si mesma de que, durante o tempo que passaram separados, ele tinha sentido saudades dela tanto quanto ela dele. Mas, como de costume, tinha interpretado mal as coisas. Contemplou seu rosto delicioso e, com estupidez, perguntou-lhe o que mais ansiava averiguar:
—Alguma vez desejou...?
Tinha um nó na garganta que lhe impediu de terminar a pergunta. Depois de uma incômoda pausa, ele perguntou:
—Desejei o que?
—Que as coisas entre nós tivessem terminado de outra maneira.
—Pois não. Adeus.
Bom, certamente lhe tinha respondido, não? Fechou a porta com violência, para lhe informar que ela acabava de misturar-se em sua privacidade de uma maneira abominável.
Choramingou ofendida e, durante um instante, ficou estática na soleira sentindo-se desamparada. Logo, cruzou a rua com melancolia em direção a sua carruagem. O chofer a ajudou a subir, mas não lhe ordenou que partisse. Pensativa, desanimada, reclinou-se no assento e espionou pelo guichê, contemplando a casa, enquanto procurava idear uma estratégia mais ardilosa, uma que lhe garantisse o êxito. Tinha-o ferido gravemente. Estava muito mais doído do que tinha suposto.
—Como posso compor isto? —murmurou para si.
Ao cabo de uns minutos, viu com surpresa que a porta da casa se abria: era Gabriel. Estava tão absorta em sua melancolia que tinha esquecido que ele estava por sair. Endireitou-se para vê-lo melhor. Por fortuna, o veículo dele o esperava na calçada em frente, e Gabriel estava tão absorto que nem sequer notou o carro onde ela adoecia e sofria.
Muito depois que ele partiu, ficou refletindo sobre os passos a seguir. Agora, Gabriel negava que sentisse algo por ela. Mas alguma vez a quis, ela o tinha sentido em seu corpo e em sua alma. Esse sentimento não podia ter desaparecido de todo. O que podia fazer para que voltassem a amar-se?
Pouco a pouco, um plano foi tomando forma. Era ousado e arteiro, e até podia chamar-lhe desleal, mas, dada sua situação, um pouco de astúcia não lhe viria mau.
—Pobre Gabriel —disse com carinho. Ele esquecia quão decidida podia mostrar-se lady Elizabeth Harcourt quando aspirava a um objetivo. E ela o recordaria muito em breve.
Capítulo 24
Enquanto sua carruagem avançava, Gabriel fechou os olhos, procurando abstrair do ruído das ruas de Londres. A entrevista que o senhor Thumberton marcou com a marquesa de Belmont tinha transcorrido tal como Mary o havia predito. Agora, uma mulher resolvia seus gastos. Mas de uma maneira muito diferente de como estavam acostumados a fazê-lo no passado. Esta enriquecida e influente nobre ficou encantada com sua obra e se converteu naquilo ao que todo artista aspira: seu mecenas.
Gabriel nunca tinha querido que o apadrinhasse um benfeitor intrometido nem impertinente, nem tampouco embrulhar-se com esses aristocratas caprichosos que tantos males lhe tinham causado a seu pai e a ele. Mas Mary tinha insistido tanto que não queria decepcioná-la. A senhora Preston iniciou o contato, e Gabriel aceitou para lhe dar o gosto, sem supor que seus esforços resultariam tão bem-sucedidos.
Ele lembrou que isso contribuiria com um considerável ganho, muito maior do que necessitava para manter ao John e a Mary. Mais importante até, sua relação com a marquesa multiplicaria até o infinito suas possibilidades de trabalho, pois ela o apresentaria a suas importantes amizades. Com vaidosos que eram os integrantes da alta sociedade, sem dúvida todos quereriam adquirir alguma de suas obras.
O patronato da marquesa obteria que o valor de seus quadros aumentasse, que sua reputação crescesse e que seus lucros se multiplicassem. Nunca mais precisaria enganar, enganar nem defraudar para alimentar-se nem para lhes dar um teto a seu pai e agora a Mary. Lhe pagariam muito bem e com regularidade para fazer o que amava, mas não se sentia feliz. Por que não gritava de alegria e dançava na rua?
A carruagem deu a volta à esquina de sua casa e reconheceu sua vizinhança, contente de estar de retorno em Londres. Não lhe tinha agradado estar longe de sua casa e afastado de seu pai.
O veículo se deteve, mas ele não saiu. Atrasou-se contemplando as alegres flores nas janelas, as trepadeiras que subiam pela fachada. A casa luzia acolhedora, única, perfeita. E solitária. Não podia suportar a idéia de entrar e sentar-se só no saguão, bebendo uísque e fingindo que estava feliz. John e Mary não estavam em casa e retornariam tarde, assim não tinha com quem celebrar a boa nova. Ninguém com quem alegrar-se nem alardear. Ninguém que lhe aplaudisse as costas nem elevasse uma taça por sua boa fortuna.
Sem saber o que fazer, desceu da carruagem e se aproximou da porta de entrada. Notou que, se entrava, se encontraria no mesmo lugar onde tinha enfrentado a Elizabeth fazia umas horas.
Quem teria podido supor que se apresentaria apenas minutos antes que ele partisse rumo à entrevista mais importante de sua vida?
Ainda estava alterado. Jamais supôs que ela teria a ousadia de irromper de improviso depois de tanto tempo. A mulher era um mistério, e se sentia muito aliviado por ter tido a força para rechaçá-la. No transcurso dos passados meses, convenceu-se de que ela na verdade sentia cada uma das coisas que lhe havia dito na terrível discussão. Durante sua estadia em Brighton tinha procurado curar e fechar suas feridas com o revigorante ar marinho. Mas ficou apanhado em um torvelinho de autocompaixão e arrependimento, e as palavras da Elizabeth atormentavam sua mente cada vez mais.
Quando retornou a Londres, viu que ela estava por todo o estúdio: ver os desenhos lhe doeu profundamente. Pensou em destruí-los, lhes por fogo. Mas era um artista e não podia aniquilar suas próprias criações.
Algumas delas, em particular o retrato, eram muito magníficas para as reduzir a cinzas. Mas a quem podiam lhe interessar, além da Elizabeth? Então, decidiu enviar-lhe e ficou com uns poucos, seus favoritos. Cometeu a estupidez de dar por certo que ela suporia que os tinha enviado porque não lhe importavam, porque ansiava livrar-se delas, e que não fazia mais que cumprir com sua parte de um desastroso, desagradável, acordo comercial.
O do dinheiro lhe ocorreu depois. Ao princípio, quando Findley Harcourt lhe apresentou essa maravilhosa ocasião de enriquecer-se, apoderou-se do dinheiro com intenção de dar-lhe a ela. Mas, depois de seus odiosos comentários, teve a mesquinharia de querer ficar com ele. Que se fosse ao diabo! Entretanto, quando sua cólera cedeu, já não sentiu desejos de castigá-la.
Estava furioso com Elizabeth, mas sabia que necessitava esse dinheiro. Não se inventava desculpas por havê-la abandonado nem se arrependia de nada. Mas ela já não era virgem, não poderia casar-se e, portanto, tampouco escapar das garras de seu pai. O homem era uma verdadeira besta. Se Gabriel não tivesse intervindo, Elizabeth teria ficado apanhada em suas garras para sempre, incapaz de defender-se nem de fugir. Sem importar como o tinham ferido suas palavras, nunca poderia confiná-la a semelhante destino.
Mesmo assim, sua aparição o deixou perplexo. Por que tinha ido vê-lo? O que queria? Via-se tão formosa. Durante um breve instante, até pareceu que o sentia de verdade, que queria fazer as pazes e começar de novo.
Não. Não tinham nada em comum nem nada que dizer-se um ao outro. O melhor que tinha feito em sua vida foi desfazer-se dela! Nunca lamentaria ter tomado essa decisão.
Entretanto, não quis entrar pelo saguão, não queria reviver o encontro. Tomou o atalho do jardim para ir diretamente a sua cabana, onde encontraria solidão e privacidade. Possivelmente, se se acalmava um pouco, até poderia pintar ou desenhar...
Dormir. Isso era o que na verdade necessitava. Dormir bem toda a noite. Fazia muito tempo que não se relaxava o suficiente para descansar. As noites lhe pareciam eternas, seus sonhos eram erráticos e imprevisíveis sobre sua mãe, Elizabeth, Mary. Estavam em perigo e seus rostos se fundiam até que não obtinha a distinguir uma da outra. Despertava transpirando e angustiado. Seria capaz de matar em troca de muitas horas de sono ininterrupto.
Diante dele, sua cabana parecia chamá-lo. Deteve-se no jardim. O lugar era mágico, sobre tudo no verão, pois as plantas em flor o faziam particularmente delicioso. Desfrutou da vista durante um momento antes de dispor-se a entrar, mas no momento mesmo em que fez girar o trinco, notou que algo andava mau.
Havia um intruso na cabana. Não era a donzela; sempre realizava suas tarefas a toda pressa assim que ele saía. Então quem? Quem teria o atrevimento? Zangado, abriu a porta com força, fazendo-a golpear contra a parede.
Sobre o canapé, em meio da habitação, estava reclinada Elizabeth Harcourt.
Não podia acreditar o que viam seus olhos. Como se tratasse de uma alucinação, piscou e voltou a piscar, mas ela não desapareceu. Luzia tão sensual, tão excitante. Estava quase nua, coberta apenas por uma túnica translúcida e meias de encaixe sujeitas à cintura com ligas. Tinha uma taça de vinho na mão; quando se voltou para ele, seus olhares se encontraram e ela se lambeu o lábio inferior com expressão travessa.
—Olá, Gabriel. Acreditei que já não viria.
—O que faz aqui?
Desconcertado, lhe aproximou, o que foi um engano. Podia sentir o embriagador aroma de sua pele, quase via seus seios, embora se havia coberto com delicadeza suas partes mais atrativas, como se tivesse planejado excitá-lo pouco a pouco.
Em um ato pensado, deu dois passos atrás, para defender-se.
—Senti saudades. — Ronronou ela.
—Bom, eu não senti saudades de ti.
—Não te acredito. —sussurrou. Estirando-se como um felino à espreita, baixou sua atenção a pélvis dele, onde já se evidenciava sua crescente ereção.— Não me negará a oportunidade de te pedir desculpas, verdade?
—Já não me interessam os namoricos frívolos. —Assegurou em tom altivo. Sentiu-se um estúpido hipócrita.
—Seriamente? —franziu o cenho— E o que me diz de sua viúva?
—Minha viúva?
—Não te lembra de sua viúva? Disse-me que tinha que te liberar de mim para poder enganá-la e lhe tirar seu dinheiro.
—Enganá-la?
—Estava ansioso por seduzir a essa pobre mulher. Assim dizia sua carta de despedida.
—Ah, refere a essa viúva.
Maldita nota de despedida! O condenado Norwich o tinha apurado tanto que não deu tempo a Gabriel para pensar bem o que escrever. O que havia dito, exatamente? Mal podia recordá-lo.
—Ela está... eu... —muito frustrado para inventar uma boa mentira, foi para a porta e a abriu de par em par.— Não é bem-vinda aqui. Por favor, sai.
A jovem o ignorou, como se ele tivesse falado em outro idioma.
—Bom, não me importa que seja amigo dessa viúva. — murmurou.—A ti sim?
—Sim, e muito. — Mentiu.
—A amas?
—Sim.
—Com paixão?
—Sem dúvida.
—Que pena. —Se encolheu de ombros e voltou a estirar-se. — Suponho que não tem sentido insistir.
—Insistir no que?
—Estou tratando de te seduzir, mas não sei que métodos utilizam as damas para lhes fazer uma proposta assim aos cavalheiros.
—As damas não fazem isso.
—E eu que estava convencida de que te persuadiria. —arqueou as costas, fazendo que seus seios magníficos se erguessem e se sobressaíssem. —Não seria capaz de me humilhar fazendo com que me ofereça a outro, verdade? Obviamente, não sou boa nisto.
Acaso havia se tornado tão atrevida que era capaz de abordar a outro? Enfureceu de repente. Durante os meses passados, seu pior pesadelo tinha sido imaginar que classe de cavalheiro ela encontraria agora. Tinha uma natureza abertamente erótica e já tinha provado as delícias da carne, de modo que não era de supor que se mantivesse celibatária. Assim planejava assumir-se na promiscuidade e conseguir outros amantes? Como ousava exibir assim suas inclinações licenciosas! Acaso não lhe importava nada todo o acontecido entre eles?
Fechou a porta de repente e lhe aproximou, indignado, uma vez mais.
—Não irás oferecer-te pela cidade como uma rameira perita!
—Ah, não? —dirigiu-lhe uma impertinente piscada.— Quem me impedirá isso?
—O que te ocorre? —ele assinalou seu torso quase nu. — Atua como uma prostituta!
—Não é certo. Não faço mais que satisfazer minha necessidade de luxúria, tal como me ensinou com tanta diligência. — Como a mais hábil das cortesãs, passou-se uma mão pelo peito e pelo ventre antes de deixá-la repousar, lânguida e irresistível, sobre seu regaço— Aprendi com um mestre e agora quero empregar minhas habilidades em meu proveito, quase parece... ciumento. Está-o?
—Não. — Respondeu com sarcasmo, sem querer lhe mostrar nem um indício de seus verdadeiros sentimentos.
—Bom, melhor assim, porque não vejo que motivos tem para está-lo.
Acariciava-se os seios riscando pequenos círculos. Gabriel seguiu com o olhar o sensual movimento. De repente, foram a sua mente todas as imagens de Elizabeth e ele fazendo amor.
Que doce tinha sido! Seu corpo também recordou cada detalhe desse glorioso episódio passional. Foi tão espetacular que, após isso, não se permitiu voltar a desfrutar da companhia de outra mulher. E não era que lhe tivessem faltado oportunidades.
As mulheres sempre se tinham devotado a ele, talvez por seu sangue italiano, talvez porque era artista, e sua última viagem não tinha sido uma exceção. Muitas mulheres tentaram seduzi-lo, mas ele se absteve de corresponder suas insinuações sexuais. Cada vez que avaliava a possibilidade de embarcar-se em um namorico, lhe aparecia a imagem de Elizabeth Harcourt e o alagava a absurda sensação de que a estava traindo.
A mão dela baixou até mais e acariciou seu púbis. Gabriel sentiu subitamente que devia possuí-la imediatamente ou enlouqueceria. Seu membro se inflamou tanto que, para que ela não visse o efeito que lhe produzia, voltou-se, mas não o suficientemente rápido. Ela já o tinha notado e lançou um risinho ante seu desconforto, desfrutando-se do poder que tinha sobre ele.
Maldita seja, como a desejava! Acomodou-se as calças, procurando alívio, mas não o encontrou. A feiticeira sempre tinha inspirado seus apetites mais incontroláveis, e, ao parecer, a separação não tinha diminuído seu poder.
Com tom quente e cheio de erotismo, a moça perguntou a suas costas:
—Não quer que me ocupe disso?
Por que fazia isto? Acaso não entendia que não podiam voltar a começar? Nada lhe agradaria mais que desfrutar das voluptuosas e desenfreadas noitadas sexuais às que se habituaram antes de ser descobertos. Mas não podia baixar a guarda nem por um segundo, porque, se o fizesse, ela voltaria a formar parte de sua vida, embora ele tivesse trabalhado tão arduamente para assegurar-se de que partisse.
Não só era uma nobre, mas sim também gozava de independência econômica, de modo que tinham até menos futuro que antes. Que lhe oferecesse desse modo, como uma espécie de recompensa sensual, era cruel e insensível.
—Elizabeth, basta. — Disse, contemplando o verde do jardim pela janela.
—Basta do que?
—Termina com os jogos.
Depois de uma sutil pausa, ela esclareceu:
—Não estou jogando.
—Não minta. Fica mal. — Se voltou bruscamente, com olhar ardente e turbulento. Uma vez, tinha sido tão estúpido para envolver-se com ela, e como resultado tinha sofrido muito. — Fiz tudo por ti. —anunciou em tom sombrio.
—Agora, entendo que foi assim.
—E, mesmo assim, joga comigo, te exibindo e me tentando com algo que nunca será possível.
—Não é por isso que estou aqui.
—Ah, não? Te olhe! Aí estendida, te burlando e me provocando, virtualmente me suplicando que te comprometa, quando já sabe como terminaria tudo. Quantas vezes pretende que repitamos esta discussão?
—Todas as vezes que seja necessárias.
—Necessárias para que? —Perguntou, quase gritando.
—Para que lhe entre em sua cabeça dura o motivo pelo qual estou aqui.
—E qual é? Me agradecer pelo dinheiro? Já o fez. Para suplicar que me deite contigo? Não o farei. —Completamente exasperado, elevou os braços no ar. —Que outra razão poderia ter para te degradar desta maneira?
—Que... amo você.
—Amor! Sim, claro! Isso não existe.
—Eu também acreditava... até que te conheci.
Então, com cautela, estendeu a mão, convidando-o a tomá-la. Ficou no ar, como um salva-vidas jogado a um homem que se afoga. Ela o urgia a salvar-se, a agarrá-la e obter tudo o que quisesse.
Mas ele não podia apropriar do extraordinário destino que lhe ofereciam suas mãos.
Tinha muito medo de que tudo fosse uma ilusão, de que, se ele a tocasse desvaneceria-se como uma bolha de sabão. Não acreditava nas fantasias. As emoções intensas nunca duravam. O amor não era mais que uma quimera inventada pelos poetas para enganar as pessoas que confundem luxúria com afeto e romance, com avareza.
Sua súplica era um ardil para enredá-lo outra vez. Elizabeth já tinha tido a oportunidade de permanecer junto a ele, mas a tinha rechaçado. Tinha deixado muito claro que não se rebaixaria para estar com ele, assim Gabriel não abriria seu coração para ver suas esperanças feitas pedacinhos.
—Toma minha mão, Gabriel. — O olhava com afeto e compaixão, como se pudesse ler os conflituosos pensamentos que o paralisavam.
—Não posso.
—Sim pode. Sei o que necessita. Ninguém mais sabe. Só eu.
—Ah, sim? E o que é? — Perguntou, desdenhoso.
—Necessita uma família própria. Uma casa cheia de meninos.
Por Deus, meninos! Como podia ser tão desumana para mencionar essa possibilidade? A idéia era tão atrativa que lhe parecia ouvir umas felizes vozes infantis, ver os pequenos descarados alvoroçando e lutando no chão.
—Meninos! —replicou com sarcasmo. — Como se eu soubesse o que fazer com eles!
—Seria um pai maravilhoso. Não tenho dúvida.
—Algo mais, Elizabeth? —Ia zangando-se mais a cada segundo que passava.
—De fato, sim.
Atrasou-se em completar sua resposta. Ele soube que o fazia de propósito, para impacientá-lo mais. O ardil funcionou.
—O que? —Gritou.
—Necessita uma esposa que te ame. Que te respalde em sua carreira e se ocupe de ti cada dia — Se acomodou nas almofadas para poder lhe aproximar até mais sua mão. —Me Deixe que seja sua esposa, Gabriel.
—Quer te casar comigo? — Ficou tão atônito que lhe afrouxaram os joelhos. Segurou-se a uma cadeira antes de deixar-se cair nela.
—Claro que sim. Não te surpreenda.
Totalmente confundido, lutou por controlar sua respiração e acalmar seu pulso acelerado.
—Não o diz a sério. — Murmurou.
—Acredita que tenho por costume me declarar a um caipira obcecado que alguma vez terá o valor de me propor matrimônio? Recentemente me ocorreu que, se era o suficientemente idiota para aguardar que me pedisse isso em algum momento, ia ter que esperar muito.
Os pensamentos dele estavam em tal desordem que foi impossível lhe responder.
—Agora vem a parte em que você aceita, Gabriel. Fala sem medo.
Ele se esfregou o rosto com as mãos, preocupado, mortificado. Era sincera? Elizabeth permaneceu em silêncio, à espera de algum pequeno gesto ou afirmação que indicasse que ele aceitava sua proposta. Mas Gabriel não estava em condições de dizer nada. Estava muito confundido, muito desorientado.
Finalmente, retirou a mão, sentindo que seu otimismo se desvanecia.
—Talvez me tenha equivocado. — Disse com voz fraca. — Talvez não fale nada porque não tem nada que dizer. — Sentia como se ele tivesse destruído toda a esperança de um futuro juntos com um só golpe. — Acreditei que... —Elizabeth se interrompeu e lançou um pesado suspiro. —Suponho que não tem importância.
Começou a ficar de pé, e o temor de vê-la partir e que não retornasse nunca mais sufocou as dúvidas que o imobilizavam.
Estendeu a mão às cegas, frenético, e encontrou a dela. Oprimiu-a com força. Havia uma só maneira de averiguar se Elizabeth era sincera, uma maneira de interrogá-la de modo que não pudesse retroceder. Agora era o momento de saber:
—Quer te casar comigo, Elizabeth Harcourt?
—Sim, quero!
Sem vacilar. Sem acanhamento. Sem indecisão.
—Amanhã? —pressionou-a.
—Ou antes, se conseguirmos tramitar a licença especial.
Deleitado, receoso, atreveu-se a sorrir.
—Não sou um homem fácil. —Assinalou com voz rouca pela emoção contida.
—Assim me parece! —riu.
—Não te será fácil me suportar.
—Farei-o. — lhe aproximou e brincou: —diariamente.
—Meu trabalho é minha obsessão, minha paixão. Talvez passe dias e noite inteiras sem me ver. Deliro e enlouqueço. Sou malcriado e não renunciarei a minha rotina.
—Tem toda a razão: às vezes, é uma besta.
Compreendeu que ria dele.
—Não brinco, bela. No melhor dos casos, sou difícil de tolerar. Quando estou pintando ou de mau humor, bom...
—Procurarei não esquecer suas excentricidades.
—E o que há a respeito de seu pai?
—O que há com ele?
—Não lhe agradará.
—Suponho que não. —Lançou uma enigmática risada.
—Eu não lhe agrado.
—Bom, ele não se casará contigo, verdade?
—Cortará toda relação contigo. No pessoal e no financeiro. Possivelmente nunca volte a te falar.
—Ele perde. —Observou ela com desdém, antes de apoiar o braço em sua frente e gemer com sarcasmo: — Tampouco voltarei a ver Charlotte. OH, que dor!
—Diz isso agora, mas...
—Se o que quer é me assustar para que troque de opinião, Gabriel Cristofore, não o obterá. Assim deixa de tentá-lo.
Estudou-a com atenção antes de assentir com a cabeça e confessar:
—Amo você.
—Claro que me ama.
—Sempre te amei.
—Se não acreditasse nisso, não estaria aqui.
Elizabeth se mostrava tão confiada que seu otimismo era contagioso. Talvez ele estivesse cometendo uma estupidez que terminaria por esmagá-lo, lhe romper o coração e deixá-lo sozinho, mas o entusiasmo dela lhe dava esperanças. O certo era que desejava tanto o que lhe oferecia que era incapaz de renunciar a isso.
—Não sou o melhor dos partidos. — Declarou envergonhado.
O arrebatador sorriso da jovem iluminou a habitação:
—Bom, eu sim.
—Já sei.
—Tenho muitas virtudes.
—Também sei.
—Complementam as tuas.
—Assim é.
—Sou reflexiva; você, impulsivo; sou tímida; você, sociável.
—Você é serena; eu, inquieto.
—Tranqüila, e você, tempestuoso.
—Não esqueça que também é formosa. — acrescentou ele. —E sensual.
—Além de muito rica.
—Exatamente meu tipo! —estudou sua fabulosa anatomia, seu semblante delicioso, e ela resplandeceu sob seu ardente olhar. —É tudo o que nunca me atrevi a desejar. E muito mais.
—Que afortunado você é!
Elizabeth abriu os braços e se fundiram em um comprido beijo. Não era o fim; era o começo.
Fim
Cheryl Holt Prazer Absoluto
~2~