Globo 159C Kumano encostado na arvore


No caminho de Kumano
encostado na árvore (III)

(Nas duas colunas anteriores, falo da ida ao caminho de Kumano, no Japćo, onde
descubro que durante a peregrinaçćo existe uma prática espiritual, o
Shugęndo).
- Já ouviu falar em shugÄ™ndo? Disseram-me que é uma relaçćo de amor e dor com a
natureza
comento com o biólogo que Katsura me apresentou, e que agora caminha
comigo pelas montanhas.
- ShugÄ™ndo significa: “o caminho da arte de acumulaçćo de experiÄ™ncia"

responde ele, mostrando que seu interesse vai além da variedade dos insetos da
regićo - Disciplinar seu corpo para aceitar tudo que a natureza tem para
oferecer; assim vocÄ™ também educa sua alma para o que Deus nos oferece. Olhe a
sua volta: a natureza é mulher, e como toda mulher, nos ensina de uma maneira
diferente. Encoste sua coluna vertebral na árvore.
Ele me aponta um cedro de mais de dois mil anos, com uma grossa corda estendida
a sua volta. Na religićo local, tudo que está circundado por uma corda é uma
manifestaçćo especial da Deusa da Criaçćo, e considerado um lugar sagrado.
Eu encosto minhas costas no cedro, fecho os olhos, e o biólogo começa a
contar-me que naquela regićo existe apenas dez árvores como aquela. Quando as
peregrinações começaram, no ano 975, o lugar estava coberto de cedros milenares
e árvores centenárias, cujas folhas
diz o biólogo
brilhavam com o sol. No
século XIX, quando a revoluçćo Meiji obrigou a separaçćo dos templos xintoístas
e budistas (antes disso, muitos deles ocupavam a mesma área, e conviviam em
perfeita paz), florestas inteiras foram derrubadas, para que novos lugares de
culto pudessem ser construídos.
- Tudo que é vivo contem energia, e esta energia se comunica entre si. Se vocÄ™
mantém sua coluna encostada no tronco, o espírito que habita a árvore irá
conversar com o seu espírito, e tranquiliza-lo de qualquer afliçćo. Claro que,
como biólogo, devo dizer que a emanaçćo de calor, etc... mas sei que também
existe verdade na explicaçćo mágica dos meus antepassados.
Eu estou de olhos fechados, e procuro imaginar a seiva da árvore subindo das
raízes até as folhas, e ao fazer este movimento, provocando uma onda de energia
que afeta tudo ao redor. Meu espírito vai ficando em paz, deixo a fantasia
funcionar, e de repente me imagino dentro do caule, sem pensar, sem meditar,
apenas em repouso absoluto.
- Aqui perto, por exemplo, os sinais da natureza decidiram o futuro da regićo.
Ouço a voz do biólogo me contando que, no ano 1185, dois samurais lutavam
ferozmente pelo poder no Japćo. O governador de Kumano nćo sabia quem iria
vencer; certo que a natureza sempre tem a resposta, colocou sete galos vestidos
de vermelho para lutar contra outros sete vestidos de branco. Ganharam os de
branco, o governador apoiou um dos guerreiros, e fez a aposta certa: em pouco
tempo, aquele samurai dominava o país.
- Agora me diga: vocÄ™ prefere acreditar que o apoio do governador que decidiu a
luta, ou os galos deram o sinal divino sobre quem terminaria conquistando o
poder?
- Eu acredito em sinais
respondo, saindo mentalmente do meu confortável
estado vegetal, e abrindo os olhos.
Foram os sinais que me trouxeram até
aqui, embora eu ainda nćo consiga entender direito o que estou fazendo.
- As viagens sagradas a Kumano começaram muito antes da introduçćo do budismo
no Japćo; até hoje existem por aqui homens e mulheres que passam, de geraçćo em
geraçćo, a idéia de que um “casamento" com tudo que está a sua volta deve ser
feito como um verdadeiro matrimônio: com entrega, alegrias, sofrimentos, mas
sempre juntos. Utilizavam o Shugęndo para permitir esta entrega total, sem
medo.
Abro os olhos,e sinto-me repousado pela energia que a árvore me transmitiu.
- vocÄ™ pode me ensinar um exercício de ShugÄ™ndo? O Å›nico que sei é amarrar-se
numa corda e atirar-se contra as rochas de um despenhadeiro; francamente, nćo
tenho coragem para isso.
- Por que vocÄ™ quer aprender?
- Porque sempre considerei que o caminho espiritual nćo envolve necessariamente
o sacrifício e a dor. Mas, como disse alguém que encontrei nesta viagem, é
preciso aprender o que se precisa, nćo o que se quer.
- Cada um faz o exercício que a Terra pedir; conheço um homem que subiu e
desceu mil vezes, durante mil dias, uma montanha perto daqui. Se a Deusa quiser
que vocÄ™ pratique ShugÄ™ndo, ela lhe dirá como fazer.
Ele tinha razćo. No dia seguinte, isso aconteceu.
(continua na próxima semana)


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