Globo 145 Dulce e paz



Num bar em Buenos Aires

Estou com a escritora venezuelana Dulce Rojas, tomando um café em Buenos Aires;
discutimos sobre a idéia da paz, que tem andado muito distante do coraçćo
humano. Dulce entćo me conta a seguinte história:

Um rei ofereceu um grande pręmio para o artista que melhor pudesse retratar a
idéia da paz. Muitos pintores enviaram seus trabalhos ao palácio, mostrando
bosques ao entardecer, rios tranquilos, crianças correndo na areia, arco-íris
no céu, gotas de orvalho em uma pétala de rosa.
O rei examinou todo o material que lhe foi enviado, mas terminou selecionando
apenas dois trabalhos.
O primeiro mostrava um lago tranquilo, espelho perfeito das montanhas poderosas
e do céu azul que o rodeava. Aqui e ali se podiam ver pequenas nuvens brancas,
e, para quem reparasse bem, no canto esquerdo do lago existia uma pequena casa,
a janela aberta, a fumaça saindo da chaminé
o que era sinal de um jantar
frugal, mas apetitoso.
O segundo quadro também mostrava montanhas. Mas estas eram escabrosas, os picos
afiados e escarpados. Sobre as montanhas o céu estava implacavelmente escuro, e
das nuvens carregadas saiam raios, granizo e chuva torrencial.
A pintura estava em total desarmonia com os outros quadros enviados para o
concurso. Entretanto, quando se observava o quadro cuidadosamente, notava-se
numa fenda da rocha inóspita, um ninho de pássaro. Ali, no meio do violento
rugir da tempestade, estava sentada calmamente uma andorinha.
Ao reunir sua corte, o rei elegeu esta segunda pintura como a que melhor
expressava a idéia da perfeita paz.
E explicou:
- Paz nćo é aquilo que encontramos em um lugar sem ruídos, sem problemas, sem
trabalho duro, mas o que permite manter a calma em nosso coraçćo, mesmo no meio
das situações mais adversas. Este é o seu verdadeiro e Å›nico significado.




Como aprende a girafa

Minha geraçćo foi (bem) alimentada com as biografias escritas por Irving Stone,
retratando homens como Michelangelo, Van Gogh ou Charles Darwin. Quando lhe
perguntaram se havia algum traço que unisse estas pessoas, Stone respondeu:
“ A maioria deles foi atacada, derrotada, insultada, e por muitos anos nćo
chegou a lugar nenhum. Entretanto, cada vez que caíam por terra, tinham
capacidade de recuperar-se e tentar de novo. Os grandes gęnios sćo aqueles que
nunca deram ao inimigo o poder de destruí-los."
O comentário de Stone fez um amigo meu lembrar-se de “A View from the Zoo", um
interessantíssimo livro onde Gary Richmond traça paralelos entre o
comportamento animal e humano. Em uma de suas mais agudas observações, está a
descriçćo do processo de nascimento de uma girafa.
Para começar, o bebÄ™ despenca de uma considerável altura, batendo com toda
força no solo. A mće, com seu longo pescoço, move-se um pouco para o lado, e vÄ™
que a cria se debate para colocar-se de pé. Imediatamente, ela estende sua
longa pata, e dá um chute nćo muito delicado, de modo que a girafinha termina
rolando sobre si mesma. Vários chutes sćo dados, até que, já cansada, a
recém-nascida consegue finalmente levantar-se, de modo a fugir daquele
comportamento agressivo.
Neste momento, ao invés de ficar orgulhosa, a mće tem uma atitude estranha: de
novo chuta a sua cria, que cai e torna a levantar-se mais depressa.
Por que? Ela quer que a girafinha aprenda rápido que irá viver em um mundo
cheio de leões, hienas, leopardos, caçadores.
Se nćo aprende logo a levantar-se quando cai, jamais irá poder desfrutar a vida
que tem pela frente.


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