Título: C
ASAMENTO
...
O
U
M
IRAGEM
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Autor: Alexandra Scott
Título original: Desert wedding
Dados da Edição: Editora Nova Cultural 1997
Publição original: 1995
Género: Romance contemprâneo
Digitalização e correção: Nina
Estado da Obra: Corrigida
Uma terrível descoberta!
Geórgia Maitland se escondeu no Oriente Médio para fugir do passado. E pensou ter encontrado seu futuro nos
braços de Nathan Trehearn. Porém, a lua-de-mel ainda não havia terminado quando descobriu a cruel realidade
do passado de Nathan: uma mulher charmosa, que se autodenominava "a sra. Trehearn". Seu casamento no
deserto havia sido uma miragem ou uma farsa
CAPITULO I
Após meia hora à beira da piscina, Geórgia sentia-se exausta e indolente. O calor era insuportável,
mesmo à sombra das palmeiras.
Foi um alívio quando entrou no bar do clube, e a intensidade do brilho do sol foi consideravelmente diminuída
por vidros fume. Além disso, o ambiente com ar-condicionado e o murmurinho da água de uma fonte interna
proporcionaram-lhe uma agradável sensação. Seus olhos ainda não haviam se adaptado à semi-escuridão,
quando um homem baixo a cumprimentou. A figura pareceu-lhe vagamente familiar.
—
Srta. Maitland? Geórgia? — Diante de seu olhar surpreso, ele se apresentou: — Sou Grev Canning.
Fomos apresentados na casa dos Kimberley, lembra-se?
—
Oh,
claro!
Desculpe-me,
não
consigo
focalizar
nada.
Minha vista ainda não se adaptou a esta escuridão.
—
Realmente, isso leva algum tempo. Que tal um drinque para ajudar? Algo bem gelado e refrescante?
—
Obrigada, Grev, mas eu já estava de saída. Na verdade, só entrei para pedir um táxi.
—
Ora, enquanto espera, poderia muito bem me acompanhar num drinque! Então, aceita?
E por que não?, Geórgia pensou. Afinal de contas, não estava com tanta pressa assim.
Tudo bem — concordou, sentando-se numa poltrona de couro verde. — Eu gostaria de um suco de laranja
natural com bastante gelo, por favor. E, enquanto Grev fazia o pedido, o senso artístico de Geórgia não
pôde deixar de analisar o garçom que os atendia: um árabe muito alto e magro, usando uma túnica comprida
de algodão cru e um turbante vermelho de veludo, colocado de lado sobre os cabelos negros como ébano. Como
tudo naquele país, ele também exibia o ar exótico que a encantava! Então, Grev se esparramou na poltrona ao
lado dela.
—
Você nadou? — ele perguntou, iniciando a conversa.
—
Infelizmente, não. Minha intenção era essa, mas criaria problemas. Sabe como são os árabes...
—
Bem, no início é sempre um choque. Somos alertados sobre os costumes, no entanto nada nos
prepara para o que realmente encontramos. Não se preocupe, acabará se acostumando.
Ele acendeu um cigarro e, entre longas baforadas nervosas, não parava de falar, contando sobre seu
trabalho no porto. Geórgia o ouvia, distraída. Sua atenção estava mais voltada para as pessoas dispersas
pelo imenso salão. Todas desconhecidas, com exceção de um homem em meio ao grupo próximo à janela...
Ela franziu o cenho, tentando se lembrar de onde o conhecia. O rosto lhe parecia familiar.
Absolutamente distraída, não percebeu quando uma mulher de postura agressiva cruzou a porta de vidro do
clube e, sem dar tempo ao porteiro de ajudá-la, marchou na direção deles.
O olhar apreensivo de Grev e o súbito movimento para se levantar alertaram Geórgia. Instintivamente,
virou-se para trás e viu a mulher fitando-os, enfurecida. Tinha cabelos ruivos e vestia uma bermuda
folgada e uma camiseta absolutamente fora de moda.
Adiantando-se, a recém-chegada segurou possessivamente o braço de Grev, obrigando-o a sentar-se de
novo.
—
Greville, não vai me apresentar à moça? — a mulher indagou, com voz estridente e tom de
desconfiança.
—
Cia... Claro, amor. Esta é Geórgia Maitland. Lembra-se dela na casa dos Kimberley?
—
Lembro-me perfeitamente de não ter ido à casa dos Kimberley! Você me convenceu a não ir, e só
agora estou percebendo o motivo.
Diante da expressão de culpa de Grev, Geórgia indignou-se. Primeiro, porque, odiava ser tomada como
cúmplice e depois, a última coisa que desejava era envolver-se em outra briga entre marido e mulher.
Somente o orgulho a impediu de pegar a bolsa e levantar-se. O murmúrio de vozes no salão diminuiu, e os
olhares voltaram-se para os três. Morrendo de ódio, Geórgia controlou a irritação. Terminou de tomar o suco e
sem pressa levantou-se com um ar de indolência. Grev parecia envergonhado, e a mulher mantinha sua
postura desafiante e agressiva.
Apesar de indignada, Geórgia sorriu, procurando falar com voz melodiosa:
—
Deixe-me ver.,. Hum... A senhora deve ser a mulher de Greville! Acertei?
—
Acertou e é melhor lembrar-se disso, mocinha.
—
Claro. — Apesar da raiva, Geórgia continuava a agir de maneira fria e afetada, ciente de que o trio
chamava a atenção do salão inteiro. — Na verdade, todos os presentes irão se lembrar de sua
recomendação. Quanto a mim, pode ficar com seu... — A expressão de humilhação estampada no rosto
de Grev a impediu de continuar. Mas a mulher merecia uma lição. — Oh, Grev, obrigada pelo suco
delicioso! Foi muita gentileza sua, e a conversa estava ótima, querido.
De queixo erguido e rebolando, Geórgia caminhou por entre as mesas até a recepção, torcendo para que
ninguém notasse o tremor em suas mãos, as faces em fogo e os olhos rasos d'água.
— Por favor, chame um táxi para mim — pediu à moça da recepção.
— Cancele
o
táxi
—
um
homem
ordenou
atrás
dela.
Geórgia
se
virou
de
súbito
e
encarou
o
intruso,
com
fúria.
Ele deu de ombros.
— Também estou de saída e vou para a mesma direção que você, senhorita...
Ela hesitou. Aquela encenação não a convenceu. Ele devia saber seu nome ou quem ela era, pois também
tinha a sensação de já o ter visto em algum lugar.
— Srta. Maitland, não é?
— Ora, mas que esperto!
Ignorando seu sarcasmo, ele se virou para a moça do balcão.
— Não precisa chamar o táxi. Estou indo para o mesmo lugar que a srta. Maitlând.
Com naturalidade, segurou o cotovelo de Geórgia e a conduziu para a saída. Assim que transpuseram a
porta, ela puxou o braço, sentindo-o queimar com o toque.
— O que o faz pensar que a srta. Maitlând pretende ir para o mesmo lugar que o senhor?
Ele sorriu, com malícia, antes de responder:
— Moramos
no
mesmo
bloco
de
apartamentos.
Naquele momento, Geórgia se lembrou de que já o vira no saguão do prédio onde alugara um
apartamento.
— Ainda assim, isso não lhe dá o...
—
Não, claro. Mas poderíamos colocar um pouco mais de lenha na fogueira que se formou lá dentro.
Seria uma pena privar todas aquelas pessoas de um pouco de especulação sobre o assunto, não acha? E,
depois, acredito que gostaria de sair daqui o mais rápido possível, e apoio moral é sempre bem-vindo.
—
Não necessito de apoio algum, especialmente moral. E, se acaso...
—
Precisasse, eu seria o último homem a quem você recorreria — ele a interrompeu e concluiu a
frase.
—
Eu não ia dizer isso.
Apesar de irritada, Geórgia teve vontade de rir. Que situação mais estúpida! O que mais a intrigava era
sua própria passividade diante da gentileza implacável daquele homem, conduzindo-a para o
estacionamento do clube.
—
Bem, eu ia dizer que, se precisasse de apoio moral, jamais pediria a um homem.
—
Hum...
Ele estalou os dedos para chamar a atenção do garagista, e em instantes uma limusine parava à frente
deles. Quando Geórgia deu por si, cruzavam os imponentes portões do clube, ladeados de palmeiras, e
enfrentavam a loucura do tráfego do centro de Raqat.
Distraída com a vista e os sons exóticos, ela nem percebeu quando chegaram ao apartamento que
ocupava havia duas semanas.
— Muito obrigada, sr...
Qual seria o nome dele? Que estranho ainda não o ter perguntado!
—
Meu nome é Nathan Trehearn. — Ele sorriu, enquanto estacionava o carro sob uma sombra.
—
Muito
prazer, srta. Maitlând.
—
Nathan! Bem que notei seu sotaque, só podia ser americano!
—
Fui pego em flagrante delito!
—
Oh, sinto muito... — Ela riu, já caminhando ao lado dele em direção ao apartamento. —Não queria
ser grosseira.
—
Não se preocupe, sou apenas meio culpado. Minha mãe é inglesa, e passei alguns anos na
Inglaterra.
—
Desculpe-me, fiquei abalada por causa daquele episó dio tolo lá no clube. Estou cansada de homens
casados que...
—
Posso entendê-la.
Geórgia entrou no elevador, lembrando-se do vexame pelo qual passara. Precisou se controlar para não
chorar. Na verdade, Nathan não entendera nada. Ninguém podia compreender sua humilhação, muito
menos um homem...
— Não,
você
nunca
poderá
me
entender
—
ela
sussurrou.
Felizmente, o elevador parou, e Geórgia saiu, apressada, estancando de repente.
— Ora, mas este não é meu andar!
De novo, sentiu no braço o toque de Nathan, responsável pelo arrepio estranho que percorreu sua
espinha.
— Tem razão, este é meu andar — ele explicou. — Como somos vizinhos, pensei que seria uma boa
ideia oferecer-lhe uma xícara de café.
Não! — Ela se soltou com brusquidão. — Obrigada, mas não estou de bom humor.
Ele abriu os braços num gesto entre divertido e exasperado.
— Tudo bem. Não vou forçá-la.
Como a porta estava aberta, Geórgia viu de relance uma pessoa limpando a sala, e hesitou. Pelo menos
não estaria sozinha no apartamento de um estranho. Percebendo sua indecisão, Nathan a encaminhou para
dentro.
O hall de entrada era revestido de mármore branco, e a sala... Geórgia prendeu a respiração. Espaçosa e
fresca terminava em arcos suaves, deixando entrever uma sacada, onde palmeiras, hibiscos e primaveras
floridas enchiam o ar com a fragrância de suas flores. Era maravilhosa e de bom gosto, um deleite para
seu senso artístico.
A simplicidade e a quietude agiram como calmante para seu espírito agitado. Sofás forrados de seda crua
e paredes brancas convidavam ao relaxamento. Dois vasos enormes de cerâmica oriental, revestidos de
mosaico azul-escuro e branco, davam o único toque colorido ao ambiente.
O olhar de Geórgia foi atraído para um nicho, onde viu uma cabeça humana entalhada em pedra polida
preta. Com certeza, tratava-se de uma antiguidade egípcia, cujos traços captavam com extraordinária
perfeição a arrogância que vira em muitos nativos.
Intrigada com a beleza da obra de arte, Geórgia deu um passo à frente. Nesse instante, ela viu a imagem
de Nathan refle tida no espelho. Em pé, atrás dela, ele a encarava.
Fingindo admirar a estátua, ela passou a examinar seu anfitrião, tentando ser objetiva. Era alto e magro,
mas emanava poder. Talvez devido à autoconfiança. Não era exata-mente bonito, com exceção dos olhos
cinzentos de brilho incomum, emoldurados por cílios longos e negros. Jamais vira olhos tão lindos!
De repente, ela se deu conta de sua indiscrição. Observava-o de modo atrevido, e ele notara. Rubra de
vergonha, fingiu ajeitar seu colar de contas de âmbar enquanto afastava do rosto uma mecha de cabelos.
—
Que sala agradável! Há quanto tempo mora aqui, Nathan?
—
Um ano e meio. — Ele lhe indicou o sofá e sentou-se numa cadeira diante dela. — Bem, eu lhe
prometi algo para beber. Gostaria de café, gim-tônica ou suco? Que tal comermos também? A esta hora
gosto de um sanduíche.
—
Oh, eu não...
—
Como não? — E sem lhe dar chance para argumentar, Nathan falou em árabe com um serviçal e depois
explicou-lhe em inglês: — Já está tudo providenciado. Ismail foi preparar o café, mas, enquanto esperamos,
que tal um gim-tônica?
— Está bem.
Geórgia ouviu a própria voz, fraca e distante. Talvez fosse um reflexo de como estava se sentindo e agindo.
Como se sua capacidade de decisão houvesse se evaporado de uma hora para a outra. Porém, não podia deixá-
lo pensar que era uma pessoa indecisa. Pelo menos nunca fora até aquele dia.
— Com
pouco
gim,
por
favor
—
ela
pediu
com
firmeza.
Após lhe entregar o copo, Nathan tornou a sentar-se na cadeira diante dela, esticando as pernas sobre a mesa de
centro.
—
Fale-me sobre você, Geórgia — pediu gentilmente, observando-a com intensidade.
—
Ah! Isso pode levar muito tempo e ser cansativo.
Na verdade, ela preferia se resguardar. Nathan a assustava. Era o tipo de homem para quem as pessoas
se abriam com facilidade, sem perceber.
—
Bem, hoje é domingo, temos tempo de sobra, não? — ele insistiu, sorrindo. — Prometo não ficar nem um
pouco entediado. Gostaria de saber o que a trouxe a Raqat, por exemplo?
—
Estou aqui para descansar... Sou estilista de moda.
No momento, sem trabalho, ela acrescentou, em pensamento. Jamais contaria sua desgraça justamente a
alguém cujo sucesso transparecia no rosto.
Bem, eu me sentia esgotada, precisava de inspiração, de novas paisagens, e como sempre tive vontade de
conhecer o deserto... aqui estou, em Raqat — Geórgia prosseguiu. — Está satisfeito?
Havia algo de enervante na absoluta concentração dele, embora inspirasse simpatia.
— Ah, entendo...
Naquele instante, Ismail entrou na sala, empurrando um carrinho que colocou ao lado de Nathan.
Obrigado, Ismail. Tudo parece perfeito.
Realmente, a perfeição era incontestável. O aroma do café recém-coado e a visão dos sanduíches, de
tamanhos variados, despertaram a fome de Geórgia. Lembrou-se então de que nao tomara café da manhã e,
sem se fazer de rogada, aceitou a xícara de café, provando um dos sanduíches.
—
E os Taylor? — Nathan perguntou inesperadamente.
—
Quem?!
—
O dono do apartamento abaixo deste, onde você está hospedada. Pertence a um professor de inglês,
mas ele e a mulher tiraram férias, pelo que sei.
—
Ah, sim... O tio dele é amigo de meu pai. Quando eu soube que estariam fora durante este mês,
propus alugar o apartamento. E deu certo.
—
Sim, mas pensei que eles...
—
O quê?
—
Ora, esqueça! Com certeza, enganei-me. Aceita mais café?
—
Sim, está delicioso! — Geórgia esticou a xícara e pegou outro sanduíche de salmão, olhando ao redor
com certa inveja de tanto espaço. — O apartamento dos Taylor é muito menor que este, claro. Há um
único quarto. Você deve ter a cobertura inteira, não? Bem, pelo menos não vi outra porta no hall
quando saí do elevador.
—
Sim, você está certa, este vasto apartamento é só meu. Mas... conte-me como se envolveu com os
Canning?
—
Oh, os Canning! Foi pura coincidência, juro. Entrei no bar do clube para pedir um táxi, e de
repente Grev surgiu em minha frente. Eu nem sabia de onde nos conhecíamos! Ele precisou apresentar-
se de novo. Bem, aí me persuadiu a tomar um suco em sua companhia, ou talvez eu não precisasse de
tanta persuasão. Acho que eu queria me sentar um pouco. Mas não vem ao caso. — Geórgia se
interrompeu um pouco e pegou outro sanduíche.
—
E você não sabia que ele era casado?
—
Não, imagine! Bem, eu mal havia começado a tomar o suco quando aquela mulher apareceu,
acusando-me de tentar conquistar o marido dela. Foi um prato cheio para os frequentadores do clube.
A esta altura, Raqat inteira deve estar sabendo do assunto.
Nathan assentiu, sorrindo.
— Não se preocupe com isso — consolou-a. — Viver numa pequena comunidade significa estar sujeito a
críticas. É como se atuássemos numa peça de teatro. Por falar nisso, a audiência quase caiu da cadeira
quando ouviu sua resposta à mulher de Grev.
—
Oh, céus! Minha intenção não era fazer um papel leviano. Na verdade, pretendia dizer outra coisa. Queria
que ela soubesse que o pobre Grev, casado ou solteiro, não oferecia nenhum perigo real. No entanto, quando
olhei para ele, humilhado, abatido, acuado, decidi virar a mesa. Pobre homem!
—
É verdade. Grev tem a reputação de ser conduzido a rédeas curtas pela mulher. Se há motivo ou não
para tanta desconfiança, não sei. Mas, pensando nas roupas estranhas e na ferocidade da sra. Canning...
acha que alguém pode censurá-lo?
—
Concordo plenamente. Entretanto, foi muito desagradável passar por aquela situação — Geórgia
confessou.
—
Claro, mas não a ponto de sentir-se desiludida com os homens em geral, como você deu a entender.
O responsável por essa sua profunda aversão, com certeza, não foi o pobre Grev, ou foi?
—
Não, claro. E não sei se concordo com essa sua colocação de aversão ou antagonismo. — A conversa entrava
num campo perigoso, e Geórgia achou melhor ir embora. Não tinha a intenção de explicar-lhe seus motivos. —
Bem preciso ir... Obrigada pela ajuda e pelo lanche. Já me sinto muito bem.
—
Ora, já vai? Justo agora que a conversa se tornava interessante?
—
Sinto tê-lo aborrecido durante tanto tempo.
—
Quem disse isso?
—
Não acabou de falar que só agora a conversa estava se tornando interessante?
—
Desculpe-me, não me expressei bem. Intrigante, seria a palavra correta. De qualquer modo, a
conversa estava tão interessante que gostaria de continuar ouvindo-a e... Que tal jantarmos fora esta
noite?
Oh, não! — ela se opôs com ênfase e depois ficou inibida diante do olhar surpreso de Nathan. ---
Desculpe-me e... obrigada pelo convite.
—Tudo bem. — Ele sorriu, acompanhando-a à porta. — O convite fica para uma outra ocasião, então.
Geórgia não via a menor possibilidade de encarar um outro envolvimento, por mais inofensivo que fosse. No
entanto, ao invés de se desapontar, Nathan pareceu achar graça da decisão dela, provocando um certo
ressentimento em "Geórgia.
Ela se despediu mais uma vez e entrou no elevador, seguida por Nathan. Apesar da recusa de Geórgia, ele fez
questão de acompanhá-la, deixando-a intrigada. Nathan era muito insistente, e isso a apavorava. Seria apenas
gentileza ou...
— Esqueci um papel no carro — ele explicou de repente, parecendo adivinhar seus pensamentos. De
certo, ria a sua custa. — Estou descendo simplesmente para pegá-lo.
Então, o elevador parou, e ela saiu, apressada.
—
Obrigada mais uma... — A voz morreu nos lábios de Geórgia, ao ver um estranho tentando abrir a
porta de seu apartamento, rodeado de malas. —Ei, moço! Onde pensa que...
—
Olá, Pete — Nathan a interrompeu, para cumprimentar o rapaz. — Tudo bem?
—
Nat! Que bom vê-lo de novo, amigo! — O moço exclamou, sorrindo. De repente, notou Geórgia e ficou
indeciso, sem saber se a cumprimentava ou não. — Como... vão os negócios?
—
Bem, mas... não esperávamos que voltasse tão cedo da viagem. — E, virando-se para Geórgia,
apresentou o rapaz: — Este é Pete Taylor.
Pete Taylor?! Ela passou a mão pelos cabelos num gesto de desespero. Será que escutara direito? Não
podia ser! Recusava-se a admitir a realidade.
—
Sobrinho de Lew Taylor?! — ela perguntou, negando-se a crer em sua suspeita.
—
Sou eu mesmo — Pete afirmou. — Por quê?
—
Você não ia voltar agora! Deveria continuar de férias durante mais duas semanas!
—
Oh, céus! Não acredito... Você é a pessoa que alugou meu apartamento... — Foi a vez de Pete passar a
mão pelos cabelos enquanto examinava o envelope que tirou do bolso da calça. Havia apanhado suas
correspondências com o zelador do prédio, antes de subir. — Esta carta é de Lew. Aposto que
confundiu a data de minhas férias.
—
Confundiu? — Geórgia indagou, incrédula.
—
Isso é típico de meu tio. Como sempre, fazendo confusões. Veja a data. Ele escreveu a carta,
informando o período de sua permanência aqui, depois que já havíamos partido para o Canadá. Sinto
muito.
Abrindo a porta, Pete gesticulou para que Geórgia e Nathan entrassem na frente e os seguiu,
depositando sua bagagem no chão do hall, antes de ir para a sala de estar, onde os outros dois já se
encontravam.
— O que vamos fazer agora? — Geórgia tornou a perguntar.
—
Para ser sincero, não sei. — Pôs a mão no queixo, pensativo. — A verdade é que estive viajando
durante trinta e seis horas, e minha cabeça já não raciocina muito bem. E Angie, minha mulher, só
chegará daqui a um ou dois dias. Ela quis ficar mais um pouco com a tia idosa e...
—
Escute, Pete... — Nathan o interrompeu. — Antes de mais nada, precisa de um bom sono para
descansar.
Ao ouvir aquilo, Geórgia ficou a ponto de soltar fumaça pelo nariz. Que ousadia a dele de querer
controlar tudo mais uma vez! Pelo visto, estava acostumado a se intrometer nos problemas dos outros,
mesmo quando não era chamado! Porém, antes que pudesse protestar, Nathan se virou para ela e
continuou:
—
E você, Geórgia, por que não pega suas coisas e sobe a meu apartamento? Assim pensamos com calma
numa solução. Tenho vários amigos na cidade. Posso ligar para um deles.
—
Mas... — Inconformada, ela ainda pensou em argumentar, pois havia pago caro pelo mês inteiro.
No entanto, ao olhar para Pete, percebeu a dificuldade com que ele mantinha os olhos abertos e desistiu,
virando-se
para
Nathan.
— Bem, não estou bem certa se quero ir para...
—
Ora, ninguém quer ir a lugar algum! — Nathan a interrompeu, impaciente. — Enfrentamos uma
situação difícil, concorda? Duvido que queira passar a noite nesse sofá minúsculo! E Pete, coitado, também
não merece dormir no sofá depois de viajar tantas horas. Então, vamos? Pegue suas coisas, e pensaremos
numa solução lá em minha casa. Contrariada e irritada, ela lhe lançou um olhar furioso. Que homem
intrometido! Quem visse aquela cena, pensaria que ela era a encrenqueira, e não a vítima. Porém, anali-
sando a situação com frieza, Nathan tinha razão. Não lhe restava outra alternativa, senão acatar a sugestão
dele. E concordar com sugestões parecia estar tornando-se um hábito, do qual não gostava nem um pouco.
— Certo— ela disse, relutante.
Enquanto tirava suas roupas do armário e apanhava no banheiro o estojo de maquilagem, Geórgia se
arrependeu de ter se comportado de forma grosseira e indelicada, porém fervia de raiva por dentro. Jogou toda a
roupa dentro da mala, ouvindo Nathan e Pete sussurrarem na sala. Do que falavam? Infelizmente, não conseguia
entender nenhuma palavra, só percebia que um sempre usava um tom mais determinado que o outro e não
precisava ser adivinha para saber quem era.
Assim que ela retomou à sala, carregando a mala pesada, Nathan a tomou de suas mãos e saiu, apressado, para
o elevador. Pete se desculpou brevemente e fechou a porta em seguida.
Na cobertura, Geórgia andava de um lado para o outro até que não aguentou mais e extravasou a
fúria:
—
Que ódio! Tudo acontece comigo. Maldição!
—
Isso mesmo, ponha para fora — Nathan a incentivou. — Tem todo o direito de estar furiosa!
—
Ora, veja só quem fala! Você me surpreende, sabia? Lá embaixo, no apartamento de Pete, eu não
tinha um pingo de razão. Ele podia dar um jeito na situação, mas... Bem, por que eu deveria esperar
alguma gentileza da parte dele? Neste país, só o sexo masculino tem direitos! Até os carros são para o uso
e o prazer exclusivo dos homens!
—
Não sei, não... — Nathan contestou, com suavidade. — Quem a trouxe para casa hoje?
— Isso é uma afronta! Pensa que sou tola? Você vinha para sua casa de qualquer forma. Eu apenas...
— Sua voz tremeu, como se fosse chorar.
—
Calma, não fique tão nervosa assim, nem se preocupe tanto. — Nathan se aproximou, tentando consolá-
la. — Pode ficar aqui o tempo que quiser.
—
Aqui?! O plano não era esse! Você disse que ligaria para alguns amigos...
—
Certo. Eu pretendia mesmo ligar, mas refleti melhor. O fato é que tenho quartos sobrando, você já
percebeu isso. Então, por que ir embora quando há a sua disposição uma suíte vazia? Encontramos a
solução perfeita, pronto!
—
Não posso aceitar, ou melhor, não quero aceitar. Na verdade, eu deveria ter ficado lá embaixo.
Por duas vezes consecutivas e num curto espaço de tempo, Nathan havia presenciado sua humilhação. Não
ficaria, e ponto final!
—
Não vê que é humanamente impossível? — ele insistiu. — Quatro daqueles miniapartamentos cabem
dentro deste aqui.
—
Irei para um hotel, então. Deve haver muitos por aí.
—
Não se iluda, Raqat é uma cidade pequena comparada a Riyadh ou Amman. Nos domínios do sheik,
existem poucos hotéis, cujos quartos são reservados com muita antecedência e a diária, meu anjo, custa uma
verdadeira fábula. Se estiver disposta a pagar...
—
Então, voltarei para casa — Geórgia o desafiou, embora interromper suas férias fosse a última coisa que
desejava fazer.
—
O que seria uma pena... — Ele sorriu, e os olhos cintilavam com malícia.
O sorriso encantador a distraiu por um instante, fazendo-a rever seu julgamento anterior a respeito da
beleza dele. Que sorriso fascinante!
—
Além do mais — ele continuou, com suavidade —, os voos também são raros e precisam ser reservados com
antecedência.
—
Pois começo a me perguntar o que vim fazer nesta terra de loucos? Será que algum dia conseguirei
escapar daqui?
— Quanto à primeira questão, eu lhe fiz essa mesma pergunta e você, se bem me recordo, respondeu
com evasivas e preferiu se despedir de mim na primeira oportunidade.
—
Perfeitamente
:
— ela falou, com sarcasmo.
—
Quanto à segunda, fique. Só então poderá desistir.
—
Desistir do quê?
—
De escapar, de fugir ou qualquer coisa do género.
—
Pois duvido muito que esse dia chegue!
—
Bem, nesse meio tempo, por que não aceita minha sugestão?
—
Sugestão?! Qual?
Nervosa e indecisa, Geórgia sentia-se uma gazela indefesa na mira de um caçador. Não via mais como se
esquivar.
— De jantarmos fora para... você continuar me contando sua vida. Reitero o convite.
Desconfiada, ela o fitou, controlando-se para não parecer uma criança diante de um doce gostoso. Afinal,
talvez fosse bom jantar fora.
—
Bem, pelo jeito, não tenho escolha — ela concordou por fim.
—
Para ser sincero, não muita — ele afirmou, sorrindo. — Mas não me parece uma sugestão terrível e
inaceitável. Bem, vamos levar sua bagagem para o quarto.
Nathan a conduziu por um corredor, abrindo uma das várias portas que havia ali. Mais uma vez, Geórgia ficou
boquiaberta. O quarto era espaçoso e bonito. Aliás, infinitamente mais charmoso do que o que ocupava na casa
dos Taylor.
— Pode ficar pelo tempo que quiser — ele informou.
—
Tanto
assim?
E
uma
oferta
muito
tentadora.
Nathan sorriu com malícia.
—
Sem
laços
ou
compromisso.
—Nesse caso... obrigada.
—
Que bom! — Ele colocou a mala que carregava sobre uma mesinha e indicou um botão perto da
cama. — Se precisar de qualquer ajuda, toque a campainha. Enna, a mulher de Ismail, virá até aqui.
E, agora que está tudo acertado, que tal um chá? Vou pedir que Enna o traga.
—
Obrigada — ela agradeceu novamente, desejando que ele saísse logo do quarto.
De repente, sentia-se exausta, como se tivesse feito uma caminhada de quilómetros. E perdera a vontade de
lutar contra a má sorte. Naquele momento, seu único desejo era dormir.
— Bem, sairemos para jantar por volta das nove horas, se você estiver de acordo e... — Ele hesitou,
antes de continuar: — Tenho uma proposta para lhe fazer, Geórgia.
Antes que ela tivesse tempo de assimilar as últimas palavras, Nathan já havia saído. Ela ainda se virou
a tempo de ver a porta se fechar, porém faltou energia para correr e pedir uma explicação.
Em vez disso, examinou o quarto. As duas camas estavam forradas de brocado salmão, o chão de
mármore continha veios cor-de-rosa e as cortinas, leves e transparentes, combinavam com o papel das
paredes.
A cúpula do abajur de cabeceira era feita do mesmo tecido da cortina, e a espreguiçadeira, forrada de
seda.
Sentando-se na banqueta diante da penteadeira localizada num canto do quarto, Geórgia suspirou, aliviada,
por estar ali.
Que dia longo!, pensou, fazendo um retrospecto. Logo ao se levantar, pela manhã, sentira-se indisposta. Por
sorte, havia se recuperado com certa facilidade. Depois, quando pensara em divertir-se no clube, acontecera
aquele incidente desagradável do casal. Por último, a afronta de ter perdido sua casa. Sua casa não, a de Pete,
lógico! Sim, os dias no Oriente Médio deviam ser mais longos que nas outras partes do mundo!
Desanimada, examinou-se no espelho. Não ficaria nem um pouco surpresa se tivesse envelhecido dez
anos naquelas poucas horas. No entanto, qual não foi sua surpresa ao constatar que não só mantinha o
aspecto jovial como estava mais corada e vibrante. O sol bronzeara sua pele macia, tornando-a dourada e
realçando os olhos verdes. Os cabelos loiros também haviam adquirido algumas mechas claras.
De novo, suspirou. Daquela vez, em completo desespero. Viajara para tão longe na tentativa de colocar a
vida em ordem, de esquecer o passado e o que lhe acontecia? Aparentemente, havia apenas trocado um
problema por outro.
Erguendo os braços, tirou o colar de âmbar, colocando-o sobre a penteadeira. Ao ficar em pé, olhou para
sua figura refletida no espelho. Apesar de tudo, o vestido ainda mantinha uma aparência decente. O tecido
leve de algodão e o modelo favoreciam seu porte esguio. Com certeza, ainda a reconheceriam como a srta.
Geórgia Maitland, ex-assistente do famoso estilista de moda, Jordan Severs.
Um pensamento inesperado quase a fez chorar. Por pouco, não se transformara na amante de Jordan. Se
não fosse o bendito telefonema, revelando a existência da esposa e dos filhos dele, naquele exato momento,
em vez de estar em Raqat, encontraria-se na cama com o cínico Jordan. E em alguma praia romântica do
Caribe...
Uma leve batida na porta a assustou. Rapidamente, pegou o vestido que acabara de tirar e o colocou em
sua frente, antes de abri-la. Ficou feliz em ver Enna com a bandeja de chá e um sorriso simpático.
Instantes depois, Geórgia bebeu o chá, tomou banho e deitou-se na cama macia. Pouco a pouco, foi
sentindo uma sonolência agradável. Estava quase fechando os olhos quando um pensamento súbito a fez
recostar-se novamente no espaldar da cama, com o olhar na parede.
Proposta?! Nathan havia dito proposta ou plano? Ela fran-. ziu o cenho, desconfiada. Em seguida, um
sorriso tímido aflorou em seus lábios. Se Nathan pretendia lhe fazer uma proposta, ficaria surpreso com
sua habilidade em esquivar-se. Fora ingénua e fraca apenas uma vez! A experiência adquirida com
Jordan a deixara afiada como uma lâmina de barbear. Contudo, se a proposta tivesse algo de positivo,
tudo bem. Do contrário, ele perderia tempo.
Afundando a cabeça no travesseiro macio, Geórgia procurou, em vão, render-se ao sono. Sua mente não
parava de pensar nas palavras de Nathan. O que ele dissera mesmo? De repente, lembrou-se: proposta! De
casamento?! Ora, seria a última coisa que ele lhe proporia! Diante do absurdo da ideia, ela riu. Como podia
ter pensado em tamanho absurdo? Justo ela que, em hipótese alguma, queria envolver-se num relacionamento,
permanente ou passageiro. Jordan a curara de toda e qualquer propensão nesse sentido. E por muito tempo!
Porém, sem querer, ela começou a analisar os dois homens. Dificilmente duas pessoas tinham tantas
diferenças. Jordan possuía cabelos grisalhos, era esguio, sofisticado e caminhava com leveza. Nathan, ao
contrário, andava com determinação, além de pentear os cabelos negros de maneira convencional. Fora isso,
inspirava-lhe segurança. Pelo menos, até aquele momento.
Sim, aquele pensamento era tranquilizador, Geórgia pensou, acomodando a cabeça no travesseiro. Na
Inglaterra, sempre apreciara a companhia de homens boémios, de temperamento alegre e despreocupado
como Jordan. Provavelmente, sua atração por ele se devia à aura de sofisticação que o rodeava, embora
fosse pura afetação. Agora, longe dele, conseguia analisá-lo sem emoção. O hábito de cercar-se de garotas
altas e bonitas havia contribuído para criar a fama de Jordan e iludi-la.
Graças aos céus, Nat Trehearn tinha um comportamento totalmente diferente. Seria impossível imaginá-
lo agindo de maneira teatral ou afetada e...
De repente, Geórgia se deu conta de que não tinha a menor ideia do que Nathan fazia ou onde
trabalhava! Que coisa estranha!
Encontrava-se sozinha no apartamento de um homem que conhecera havia apenas algumas horas, e a
única coisa que sabia sobre ele era seu nome...
O cansaço a venceu. Sem perceber, fechou os olhos, e a respiração se suavizou. Então, ela dormiu
profundamente.
CAPITULO II
Geórgia despertou depois de duas horas de sono repousante e logo começou a se arrumar.
Por alguma razão inexplicável, vestiu-se com mais capricho, escolhendo, dentre seus conjuntos, o mais
original. A calça pantalona parecia uma saia longa à primeira vista. Porém, ao andar, o tecido leve de
organza se moldava ao corpo, deixando entrever as pernas esguias e bem-feitas. O tom verde-escuro,
salpicado de bolas creme, realçava seus olhos verde-claros. A blusa, uma túnica do mesmo tecido, tinha um
bordado no decote, que lhe dava um toque especial.
Depois de pronta, examinou-se no espelho e ficou apreensiva. Embora a conjunto fosse clássico, sua figura
estava elegante e imponente demais. Parecia até que se vestira para um encontro importante, com a intenção de
conquistar Nathan!
Se ao menos não tivesse se esmerado tanto na maquila-gem... Felizmente, alguém totalmente leigo no
assunto imaginaria que a sombra verde nos olhos, o blush realçando as maçãs do rosto e o batom suave
eram meras casualidades, e não obra de uma especialista naquela arte.
Talvez o efeito devastador de sua aparência devesse ao contraste da roupa sóbria com o penteado jovial. Com
muito custo e após várias tentativas, conseguira trançar os cabelos, deixando a ponta pender sobre um dos
ombros. Sim, estava atraente!
Faltava o perfume, claro. Adorava perfumes. Distraída, pegou o primeiro frasco que viu sobre a
penteadeira e passou-o com vontade, entrando em pânico em seguida. Por que escolhera justamente
aquele perfume sensual, se não
estava saindo para um encontro romântico? Aliás, não gostaria de passar esse tipo de mensagem ao
homem que simplesmente sentia pena dela.
Talvez fosse melhor trocar rapidamente de roupa e...
Alguém bateu à porta. Com o coração disparado, Geórgia a abriu e deparou-se com Enna.
—
Meu amo mandou dizer que está pronto.
—
Obrigada, Enna. Já estou indo.
Rapidamente, Geórgia calçou as sandálias de salto alto, pegou a bolsa e olhou-se mais uma vez no
espelho. Talvez estivesse muito atraente, mas e daí? Afinal, sempre se vestira para agradar a si própria e
não mudaria os hábitos de uma vida inteira de uma hora para a outra. Sorriu com satisfação e depois saiu
para encontrar o "amo".
Nathan a aguardava, encostado numa parede do hall. Bonito ou não, certamente chamava a atenção
onde quer que fosse. Em parte, devido à altura, aos ombros largos e aos quadris estreitos, tudo em perfeita
harmonia. Como a maioria dos homens de porte atlético, ele também inspirava poder. E, como se não
bastasse, ainda sabia escolher as roupas com muito gosto.
A calça escura de pregas, a camisa branca e a gravata marrom combinavam perfeitamente. Jogado com
displicência sobre os ombros, pendia um blazer esportivo. Estava impecável e sedutor!
Será que sua admiração pelo estilo convencional de Nathan não passava de uma maneira de vingar-se de
Jordan? Talvez... De qualquer modo, não teve tempo de considerar a questão, pois Nat caminhava em sua
direção, exalando um perfume delicioso e másculo.
—
Hum... você está perfumada — ele disse.
—
Obrigada.
Geórgia não se afetou pela falta de um elogio específico a sua aparência. Afinal, não se esmerara para
ninguém e preferia passar despercebida.
Desceram em silêncio pelo elevador. Um silêncio inibidor, ela pensou, consciente das batidas aceleradas de
seu coração e da presença de Nat atrás de si.
Permaneceram calados também no carro, enquanto Nat mantinha a atenção no tráfego, desviando das
ruas mais movimentadas e atravessando o labirinto do centro antigo da cidade com seus bazares fechados.
Após meia hora, cruzaram um portal em arco e percorreram uma alameda ladeada por um jardim
florido.
Geórgia admirava tudo, não perdendo um detalhe sequer. No passado, aquela propriedade devia ter sido
uma casa de campo de algum milionário, agora reformada para abrigar o restaurante requintado. Sob um
caramanchão de videiras bem cuidadas, havia mesas ao ar livre.
—
Que lugar maravilhoso! — ela exclamou, olhando ao redor.
—
Achei que gostaria daqui. Venha, vamos dar uma volta pelo jardim antes do jantar.
Outra vez, ele a segurou pelo braço, guiando-a por um caminho entre árvores e arbustos, iluminado por
refletores. De repente, surgiu uma clareira, onde havia um lago rodeado de pedras e uma fonte no centro,
que produzia um murmúrio doce e sonoro. Esparramados pelo jardim, vasos de barro antigos, repletos de
lírios azuis em plena floração, encantavam os olhos.
Extasiada, Geórgia se sentou na beira do lago e mergulhou a mão na água cristalina e agradável. No
mesmo instante, peixinhos dourados a rodearam, beliscando as pontas de seus dedos.
—
Ei, vim aqui para jantar, e não para servir de comida! — ela exclamou, retirando a mão.
—
Esses peixes nunca estão satisfeitos, mas não podemos alimentá-los demais. Morrem de repente, se
ficarem obesos. Mas, pelo visto, você também está com fome.
Eles deram a volta na construção imponente e, através das janelas abertas, puderam ver os
frequentadores jantando. Havia um ar de esplendor e opulência na maioria, provavelmente reflexo da
recente riqueza trazida pela exploração do petróleo.
—
Essa é a sala principal, porém, se preferir, podemos comer no jardim... — Nathan explicou.
—
Oh, vamos sentar aqui fora, por favor! — E fazendo um gesto amplo com as mãos, ela indicou o
jardim. — Olhe para isto! Que maravilha!
Distraída em admirar a paisagem, Geórgia não notou o olhar embevecido de Nathan diante de seu
entusiasmo.
— Claro!
—
ele
disse.
—
Também
prefiro
ficar
ao
ar
livre.
O garçom os acomodou numa mesa afastada, de frente para o jardim, e Nathan lhe pediu para que
trouxesse uma garrafa de vinho de excelente qualidade. Geórgia não controlava o entusiasmo.
—
Perfeito! Como alguém pode preferir ficar lá dentro numa noite como esta, não acha?
—
Tem razão. Hoje em dia, com a descoberta das minas de petróleo, surgiram vários restaurantes em
estilo ocidental para atender ao paladar dos estrangeiros. Mas ainda prefiro os mais típicos. Gosto de ter a
impressão de estar no seio da civilização antiga, da velha Raqat, cercada de tamareiras.
De repente, ele percebeu que Geórgia examinava o cardápio, indecisa.
—
Espero que esteja com bastante fome, Geórgia. As porções neste restaurante costumam ser enormes.
—
Oh, estou morrendo de fome! — ela afirmou, esquecendo a inibição. — Esta é a primeira vez que
sinto fome desde que cheguei a Raqat. Fiquei indisposta no primeiro dia, durante um passeio, e não senti
mais vontade de comer.
—
Já entendi...
Percebendo o próprio erro em iniciar aquele assunto, Geórgia ficou embaraçada e olhou de relance para
Nathan, torcendo para que ele não tivesse notado seu rubor. Entretanto, a expressão jocosa no rosto dele
demonstrou o contrário.
—
Ora, não foi nada grave... — Geórgia explicou, fingindo ler o cardápio. — Apenas tive medo de comer
pratos exóticos ou picantes.
—
Que bom que já sarou! Mas seria melhor não abusar das comidas com muito tempero. Cuscuz é um
prato muito gostoso e inofensivo. Um escocês, amigo meu, disse que é tão bom quanto mingau de aveia.
Também pode experimentar um dos pratos com carneiro, todos são deliciosos.
—
Por favor, escolha por mim, sr... — Sem saber se deveria chamá-lo pelo primeiro nome ou pelo último,
Geórgia esperou o garçom servir o vinho, anotar os pedidos e sair, então brincou: — Sr. Auxílio! Na
verdade, não sei como devo chamá-lo...
—
Pretendo chamá-la de Geórgia simplesmente. E meus amigos me chamam de Nat.
—
Nat — ela repetiu na mesma entonação. — Acho que não conheci ninguém com esse nome. Bem,
muito obrigada por me trazer a um lugar tão cheio de magia, Nat. — Ela se recostou na cadeira e
admirou o céu. — Por que o céu daqui parece tão diferente do da Europa? Olhe, há milhões de estrelas
incrustadas no veludo negro sobre nós.
—
Foi esse o motivo que a trouxe a Raqat? Além da curiosidade a respeito do deserto?
—
Na verdade, é_ só uma das razões.
—
E as outras... quais são?
—
Ora, não vamos estragar a noite com bobagens. — Ela esboçou um sorriso cativante. Depois,
apoiando os cotovelos sobre a mesa, levou o copo aos lábios. — Hum... este vinho está delicioso! Sabe,
seria muito mais interessante, ou intrigante, ouvi-lo. O que faz aqui em Raqat, Nat?
—
Discordo plenamente, mas vamos lá... Fico contente em lhe contar o que quiser saber.
—
Apenas gostaria de saber o que perguntei.
—
Só isso?! Bem, sou um oceanografista biológico e, quando estudei em Cambridge, fiquei conhecendo o
atual sheik de Raqat. Freddy é um governante liberal, segue a cultura ocidental, apesar de seus
comentários revoltados.
—
A respeito de mulheres dirigirem carros?
—
Isso mesmo. Entenda, ele precisa fazer mudanças gradativas, pois as crenças religiosas estão profundamente
enraizadas no povo árabe. Por falar em crenças, acredito que muitos homens ocidentais achariam até bom que as
mulheres não...
—
Pare! Não diga mais nada!
—
Acalme-se, Geórgia — Ele fez um ar de riso. — Cuidado para não agitar sua bandeira feminista com muito
entusiasmo. Não é o momento e muito menos o lugar para certas rebeldias.
— Pois não vejo onde está a rebeldia em uma mulher querer dirigir seu próprio carro — ela
sussurrou. Em seguida, voltou a falar num tom de voz normal: — Bem, continue, por favor, Nat.
—
Obrigado. — Os olhos cinzentos pareciam sorrir, desafiando-a. — Como ia dizendo, o atual regime é
liberal. A mina de petróleo não transformará o reino num país milionário porque é pequena, mas trará
alguns benefícios para o povo. O sheik está preocupado em preservar a vida selvagem, especialmente a
flora marítima do mar Vermelho. Não quer de forma alguma prejudicá-la. E aí ele me convidou para
trabalhar aqui. Pedi dois anos de licença na Universidade de Princeton, onde lecionava, para traçar um
plano e dar assistência ao país pelo tempo que for necessário. Boa parte do projeto já está em andamento.
—
Oh, isso é fascinante!
Quando poderia imaginar que ele tinha aquela profissão?, Geórgia pensou. E que fosse um professor
universitário?!
—
Realmente, é excitante! — ele acrescentou, animado. — Mergulhei em várias partes do mundo e
nunca havia visto um rochedo com tanta variedade de vida marinha como o daqui, ao sul do porto.
Portanto, poderíamos considerar uma tragédia global se esse deslumbrante mundo subaquático fosse
danificado... Já mergulhou alguma vez, Geórgia?
—
Sim — ela afirmou e em seguida arrependeu-se. Não queria que Nathan soubesse de sua participação
numa equipe de mergulho, principalmente porque fora um ex-namorado quem a convencera a mergulhar.
— Oh, mas foi há tanto tempo, Nat! Acho que nem me lembro mais.
—
Ninguém desaprende a mergulhar. E como andar de bicicleta, uma vez aprendido, nunca mais se
esquece. Além do mais, não pode ter sido há tanto tempo, como diz. Você não é tão velha assim.
Naquele instante, o garçom trouxe a comida, e Geórgia ficou satisfeita com a oportunidade de mudar
de assunto.
—
Este cuscuz é mesmo uma delícia! — elogiou-o depois de prová-lo.
—
Também gosto. Em princípio, estranhamos os temperos exóticos dos árabes, mas com o tempo
aprendemos a apreciá-los cada vez mais. Agora, Geórgia, conte-me qual foi o verdadeiro motivo que a
trouxe a Raqat? Essa história de conhecer o deserto e ver as estrelas não me convenceu.
Ela o fitou, pensativa. O que lucrava escondendo a causa de suas férias forçadas? Talvez fosse até bom
revelar a verdade e livrar-se de uma vez por todas de sua angústia.
—
Como já deve ter desconfiado, Nat, fiz papel de tola perante um homem.
—
Acho difícil apreditar nisso. — Num gesto afetuoso, ele lhe segurou a mão, estimulando-a a
continuar.
—
Acredite ou não, é a pura verdade.
—
Não teria acontecido algo para... Bem, se não quiser, não diga nada.
—
Se pensa que fui forçada, engana-se. E não há muito mais para contar. Simplesmente quando me
conscientizei da situação crítica na qual estava metida, afastei-me o mais rápido que pude —
Geórgia interrompeu-se, com um ar distraído, e começou a traçar com o garfo uma espiral no
prato de comida. As feridas em seu coração ainda continuavam abertas.
—
E
então?
—
Nat
perguntou,
tirando-a
do
devaneio.
Ela sorriu com timidez e depois deu de ombros.
—
Infelizmente, esse homem era meu chefe.
—
O que virou sua vida de cabeça para baixo, não é?
—
Com certeza. Foi duplamente difícil porque perdi o homem... e o emprego. Oh, a confusão no
clube, hoje, deixou-me inconformada! Será possível que...
—
Foi apenas uma falta de sorte — ele a interrompeu. — Aposto como a mulher de Grev agiria da
mesma forma se, em vez de estar conversando com você, ele estivesse acompanhado de uma senhora
de sessenta anos.
—
O que não alivia em nada a situação desagradável pela qual passei.
—
Não, claro. Porém, analise o seguinte: existe uma grande quantidade de homens solteiros aqui.
—
E daí? — Geórgia o fitou, sem entender nada.
—
Você chama muito a atenção... — Inclinando-se sobre a mesa, Nat franziu o cenho, com um ar
preocupado. — Principalmente de tipos como Canning, não é verdade?
—
Não estou entendendo aonde pretende chegar. — Nathan a desconcertava, mais pela maneira como a
encaravado que pela casualidade das palavras. — Sei me cuidar muito bem em situações semelhantes,
acredite-me.
—
Oh, acredito, juro! Você foi notável, enfrentando a sra. Canning. Mas não acha que a vida se tornaria
mais fácil se os aventureiros pensassem que você tem um namorado?
—
Pode ser... — Geórgia respondeu, indecisa. No íntimo, não gostava nem um pouco do rumo da
conversa. — Entretanto, não tenho namorado.
—
Sei disso. — Ele suspirou, impaciente. — E você também, mas ninguém mais precisa saber,
entendeu?
-
— Quer dizer... — A ideia era tão ridícula que Geórgia sorriu, sem graça. — Não me diga que está
pensando que você e eu... isto é, nós dois...
—
Exatamente.
—
Ora, mal nos conhecemos! Eu nem havia notado sua presença no prédio até hoje!
—
Que importância tem isso? Se quer saber, eu a vi muitas vezes, embora você tenha se recusado a
me notar.
—
Para falar a verdade, eu o vi, sim. Apenas uma vez, de relance.
—
Ufa, finalmente confessou! Que bom!
—
Oh, sinto muito. Mas veja, eu tentava me recuperar de um coração partido e de um estômago
enjoado...
Nervosa, Geórgia riu. Acabara de fazer uma piada da própria desilusão.
— Bem, pela quantidade que comeu agora, acho que seu estômago já sarou e... — Ela fez um gesto com a
mão, querendo protestar. — Espere, deixe-me terminar. Não acha que para curar corações partidos nada
melhor do que diversão? Com muita diplomacia, isto é, usando luvas de pelica, podemos dar o troco!
Imagine como Myra Canning e a sociedade de Raqat irão se sentir quando perceber que enfiaram os pés
pelas mãos?
— Bem, eu adoraria, mas... — Geórgia hesitou. Sua cabeça estava confusa, tentando pesar todas
aquelas ideias conflitantes. E havia um ponto que a intrigava mais do que a proposta.
—
Então, estamos combinados? — ele insistiu.
—
O que você ganha com isso, Nathan? Para ser sincera, não tem cara de filantropo para dedicar-se a
uma ação humanitária e prejudicar sua reputação, ajudando-me. E tampouco me conhece.
—
Minha reputação?! — ele zombou. — Duvido que valha a pena salvá-la! No entanto, você tem razão, existe
um interesse. Além de ajudá-la, claro, há alguém que quero desencorajar.
—
Oh, certamente! Os homens são sempre perseguidos contra a vontade deles!
—
Eu não disse isso — Nathan contestou, achando graça na indignação dela. — Você tem de concordar
que, em algumas circunstâncias, os homens, assim como as mulheres, são obrigados a fugir de alguns
ataques indesejáveis. — Ele se debruçou sobre a mesa e tocou de leve a ponta do nariz de Geórgia. — O
que estou sugerindo é uma boa saída para nós dois. De qualquer forma, aí está minha proposta. Então, o
que me diz?
Ainda desconfiada, ela fixou em Nat um olhar pensativo. Só tinha uma desculpa para recusar a proposta.
Um argumento que ele não poderia negar.
—
Veja, não sei se daria certo. Vou ficar em Raqat só mais duas semanas.
—
Não necessariamente — ele falou com voz suave. — Isso só depende de você, Geórgia. Pode
permanecer aqui pelo tempo que quiser, não é?
—
Acho que não é uma boa ideia, Nathan — ela respondeu depressa. — E, com certeza, não serei abordada
novamente.
—
Não?! — Ele olhou com malícia para Geórgia. — Se eu fosse você, não estaria tão certo. Ainda
mais vestida desse jeito!
—
O que há de errado com minhas roupas? — Ela abaixou os olhos para examinar-se. A blusa era tão
fechada quanto um hábito de freira!
—
Eu não disse que havia algo errado... Muito pelo contrário, você está linda. E, se andar por aí
vestida desse jeito, todos os homens frustrados desse lugar, solteiros ou não, ficarão apaixonados.
Geórgia sorriu, enrubesceu e, sem se dar conta, gostou de ouvir o elogio, apesar de não acreditar no que
ele acabara de afirmar.
—
Ora, vesti esta roupa especialmente para...
—
Sim? — Nathan insistiu, sorrindo com malícia, diante da hesitação dela.
— Oh,
esqueça!
—
Geórgia
tentou
desconversar.
Como pudera ser tão ingénua e tola a ponto de cair na armadilha que ele preparara?
—
Não percebeu como os homens das outras mesas se viraram para vê-la quando chegamos?
—
O quê?! — Ela franziu a testa, procurando concentrar-se.
—
Esse penteado, Geórgia... — Nathan estendeu o braço para tocar a trança loira, caída sobre o ombro
dela.— Alguns homens consideram irresistível o tipo colegial.
Evitando encará-lo, ela se aprumou para fugir ao toque inibidor da mão máscula. Bebericou o vinho,
pensativa, e depois disse:
— Sabe, sempre desconfiei que alguns homens têm problemas psicológicos misteriosos.
Os lábios de Nathan tremeram com vontade de rir.
—
Bem, não venha me dizer depois que não a avisei! — Após uma breve pausa, ele prosseguiu, com
suavidade: — Mas você ia explicar por que escolheu essa roupa, e eu a distraí. Especialmente para o
quê, Geórgia?
—
Oh! — De novo, ela enrubesceu. — Ora, não sei. Creio que para enaltecer meu ego e me sentir mais
forte. Quando disse que tinha uma proposta, eu não fazia ideia do que se tratava e então resolvi usar
minhas armas femininas.
Sem sorrir, ele a observou de maneira quente e profunda, provocando-lhe um arrepio.
— Estou contente por ter pensado assim, Geórgia. Tão contente que seria uma pena...
Do que ele falava? Ela queria perguntar, mas a voz não saía. O olhar de Nathan parecia hipnotizá-la.
Talvez fosse a luz da vela sobre a mesa que causava aquele magnetismo.
—
Como? O que seria uma pena? — ela finalmente indagou, com voz fraca.
—
Esconder-se. Você precisa aparecer um pouco mais. Que tal darmos uma volta após o jantar? Em
geral, há um conjunto tocando no clube a esta hora. Poderíamos provocar a grande decepção agora mesmo!
De certa forma, a resposta de Nathan a desapontara. Mas por quê? Qual o motivo de sua expectativa?
Por mais que pensasse, não encontrava uma resposta concreta para a súbita excitação que a dominava
naquele momento.
—
Você quis dizer... — ela vacilou.
—
Apenas isso, Geórgia. Por que não terminamos a noite dando uma passada pelo clube, antes de
voltarmos ao apartamento? Proporcionaríamos ao pessoal um assunto para conversarem...
—
E se Grev estiver lá, com a mulher?
—
E daí? Acabará encontrando com eles mais cedo do que imagina. Na verdade, ficarei desapontado
se eles não estiverem no clube.
—
Acho que ainda não estou pronta para esse encontro, Nathan. Não se esqueça de que tudo aconteceu
hoje de manhã.
O lembrete servia mais para ela própria do que para Nathan, pois começava a ficar tranquila, a se
esquecer das humilhações pelas quais passara.
— Foi um dia longo para você, eu sei. Mas não está cansada, certo?
Ela deu um largo sorriso.
—
Não! Descansei bastante esta tarde. A cama de seu apartamento é muito mais macia do que a da
casa de Pete! Mal encostei a cabeça no travesseiro e já adormeci.
—
Então? Estamos decididos? Seria melhor irmos hoje, porque amanhã partirei para a Suíça por
alguns dias.
—
Suíça?!
Geórgia desviou o olhar para não demonstrar seu desapontamento. Por algum motivo inexplicável, não
se sentia eufórica, mesmo tendo consciência de que o apartamento maravilhoso ficaria só para si.
— Vou a uma conferência — ele explicou, gentil. — E eu viajaria mais tranquilo se a acompanhasse ao
clube hoje. Detesto deixá-la à mercê de Myra Canning.
Geórgia nada comentou, e ele lhe segurou as mãos, antes de questionar:
— E
então?
Enfrentamos
o
inimigo
ou
batemos
em
retirada?
A pretexto de pegar algo em sua bolsa, ela retirou as mãos de cima da mesa. O conta to com Nathan lhe
provocava sensações estranhas.
—
Bem, colocado dessa forma... não vejo como recusar o convite!
—
Não?
—
Ainda não lhe contei, mas sou filha de um soldado. E o certo é enfrentar o inimigo, como você
disse.
—
Boa garota. E assim que eu gosto!
Em seguida, ele chamou o garçom e pagou a conta. Depois, segurou o braço de Geórgia, com um sorriso
irresistível.
— Podemos ir?
Ela concordou, retribuindo o sorriso. Na verdade, o que seu coração queria o tempo todo era sentir a
segurança e o conforto de estar ao lado de um homem como Nathan.
CAPITULO III
Nathan estacionou o carro no pátio do clube, e, enquanto caminhavam para a sede, Geórgia teve vontade
de desistir do plano. De repente, ela percebeu que suava frio. Seria de covardia? Não. Pensando bem, não era
apenas covardia ou medo. Quem não se abalaria tendo passado por tantas situações humilhantes como ela nos
últimos tempos? Decepções que talvez nem o tempo curasse?
Oh, que tolice a sua em concordar com Nathan!
Logo ao entrarem na sede, permaneceram perto da porta, de onde tinham uma visão perfeita do salão e
do conjunto tocando no palco.
Apenas por um segundo, Geórgia pensou nos Canning e chegou à conclusão de que não havia motivo
para sentir-se humilhada. Uma história bem diferente acontecera com Jor-dan Severs, seu ex-patrão. A
simples lembrança daquele nome a fazia tremer de ódio e de vergonha. Devia ter suspeitado de Jordan,
claro! Tudo indicava a existência de uma esposa bem guardada em algum lugar, contudo... Como desculpar a
si própria? No fundo, evitara certas perguntas e...
Lágrimas afloraram em seus olhos, e ela imediatamente se virou para sair, porém Nathan a impediu,
segurando seu braço com firmeza. Ele devia ter notado seu ar abatido.
— Coragem! Vamos iniciar a execução de nosso plano.
Geórgia ergueu os olhos tristes e amedrontados, sabendo muito bem a que plano ele se referia. Nathan,
no entanto, sorriu com simpatia, incentivando-a. Depois, pegou-a pela mão, conduzindo-a gentilmente por
entre as mesas para a pista de dança.
Ao sentir os braços de Nat em sua cintura e a segurança com que ele dançava, Geórgia não se importou
com mais nada, aderindo à brincadeira. Dançavam de rosto colado, como se fossem namorados.
De repente, o conjunto iniciou uma música familiar, e ele falou propositadamente em voz alta para
todos à volta escutarem:
—
Geórgia, querida, escute... O conjunto está tocando nossa música!
—
Oh, sim! — Ela o fitou com um olhar sonhador e depois sussurrou: — Se essa é nossa música,
então todos terão dúvidas quanto a nosso namoro, Nat.
Por alguns segundos, ele olhou fixamente para seus lábios, e ela quase perdeu o passo, sentindo uma espécie
de vertigem.
—
Não estou conseguindo identificá-la... — ele murmurou finalmente.
—
Identificar o quê, Nat? Ah, o nome da música?
—
Não era sobre isso que falávamos, querida?
—
Bem... é algo parecido com "Por que não confia em mim, baby?" Lembra-se, fazia parte das paradas de
sucesso de alguns anos atrás? Só não consigo lembrar o nome da banda.
—
Não faz mal. O título da música é mais apropriado do que imagina.
Geórgia ia zombar, quando sentiu as mãos fortes escorregarem até seus quadris, enquanto os corpos
moviam-se em perfeita sincronia.
— De fato, não deveria confiar em mim, baby — ele sussurrou, perto de seu rosto. — Nem um
pouquinho!
Naquele instante, ela percebeu a aproximação de um casal muito agarrado e o olhar crítico e perscrutador
de Myra Canning. Sem perceber, perdeu o ritmo, mas Nat continuou como se nada tivesse acontecido.
— Ou, talvez, deva confiar, baby — Nathan sussurrou de novo. — Deu certo, Geórgia. Myra fitou-nos
com os olhos arregalados. Oh, foi maravilhoso! Vamos tomar um drinque?
Segurando-a pela cintura, ele a levou para o bar e apresentou-a a um grupo de amigos. Havia um casal
neozelandês, duas americanas e os outros eram ingleses.
Se os homens foram receptivos, as mulheres, com olhares disfarçados, examinaram-na da cabeça aos pés.
Principalmente, uma das americana. Rindo e conversando, a moça parecia analisar suas roupas e o
penteado.
Geórgia, no entanto, não deixou por menos. Por telepatia, como só as mulheres sabem fazer, as duas
passaram a medir-se sem os demais perceberem.
O olhar da americana era insistente, e Geórgia começava a ficar inquieta e sem graça quando se lembrou
do acordo que fizera com Nat. Portanto, devia-lhe um favor. Recompondo-se, Geórgia apoiou a mão
displicentemente no braço dele. No mesmo instante, Nat lhe dirigiu um sorriso sedutor e, para sua grande
perplexidade, pegou-lhe a mão, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
De repente, ela se deu conta de que a cena havia despertado a curiosidade de todos e, em particular, de
sua examinadora. Realmente, os olhos miúdos e hostis de Melaine Jacobs não perderam um só detalhe!
A agressividade da moça era tão explícita que Geórgia teve um súbito pensamento, do qual não gostou
nem um pouco. Nathan havia dito que precisava desencorajar uma mulher. E se aquela mulher estivesse ali
naquele momento? E se fosse Melaine? Nathan a apresentara como uma velha amiga! Era americana, como
ele, e ambos haviam estudado em Princeton! As coincidências eram tantas...
Dave, um dos neozelandeses aproximou-se, interrompendo seus pensamentos.
— Tenho a impressão de tê-la visto outro dia na casa dos Kimberley. Estou certo?
Geórgia lhe devolveu um sorriso amável, grata pela oportunidade de virar-se de costas para Melaine,
fugindo assim da análise persistente.
—
Estive lá, sim. Eles viajaram para Santiago, devem estar se divertindo com a filha!
—
E você... se bem me lembro, alugou o apartamento dos Taylor. Eles também foram viajar, não?
—
Oh, sim, mas...
Ela sentiu as faces quentes pelo rubor. Como iria explicar a situação sem ficar embaraçada ou demonstrar
culpa? Desesperada, olhou para Nathan, que, notando imediatamente sua perturbação, virou-se para Dave.
— Na verdade, houve uma grande confusão com as datas, Dave — explicou, com naturalidade. — Pete
regressou antes do esperado, e, por isso, adotamos a solução mais simples e óbvia. Geórgia mudou-se
para meu apartamento. — E, virando-se novamente para Geórgia, beijou-a na face. — Simples, não foi,
querida?
Ela apenas concordou com um gesto de cabeça. Se pudesse, faria um buraco no chão para fugir dos
olhares es-tupefatos que lhe foram enviados.
Aquelas palavras tiveram o efeito de uma bomba, principalmente para Melaine. Sua expressão perplexa
deixou evidente que não gostara nem um pouco da solução simplista de Nathan.
Foi um alívio quando mudaram de assunto, passando a conversar sobre teatro, por causa da chegada de
um grupo de atores da Inglaterra a Raqat. Além de se recompor, Geórgia fez comentários inteligentes e
notáveis sobre o teatro vaudeville. Explicou a todos que esse tipo de teatro, também chamado teatro de
variedades, era constituído por peças leves e situações imprevistas, com a participação do público. Melaine,
de propósito ou não, opôs-se a todos, argumentando com exaltação.
Percebendo o clima tenso, Nathan disse a Geórgia que já era tarde, e então se despediram dos amigos e
foram embora.
Imersa em seus pensamentos, Geórgia quase se chocou com Grev Canning, que tomava um drinque no
balcão do bar, na companhia da esposa.
— Olá,
Grev
—
ela
cumprimentou
e
depois
sorriu
vaga
mente para Myra, que parecia pouco à vontade.
Geórgia ficou espantada com sua própria espontaneidade. Nunca imaginara ser capaz de tanta frieza. No
entanto, irritou-se quando Nat começou a conversar com o casal e ouviu o convite de Grev para tomarem
um drinque juntos.
—Talvez num outro dia, Grev — Nat respondeu. — Hoje, estamos exaustos e loucos para nos deitar.
Mais uma vez, Nat surpreendia a todos com a resposta imprevisível, inclusive a Geórgia. A fisionomia
atónita do casal deu a ela uma vontade imensa de rir, mas conteve-se até saírem do clube.
Porém, assim que transpuseram a porta do salão, Geórgia deu um grito eufórico e, rodopiando de alegria,
fingiu hastear a bandeira da vitória.
—
Oh, foi tão engraçado, Nat! Viu a cara deles?
—
Engraçado?! — Ele a segurou pela cintura, olhando-a intensamente. — Trata-se de uma
conspiração para confundir o inimigo, Geórgia. De um plano estratégico, e não de uma diversão.
—
Oh, desculpe-me, meu amo — ela ironizou, aproveitando para se afastar. Aquele contato dava-lhe
arrepios. — Não imagina como me sinto bem agora. A raiva que sentia pela mulher de Grev desapareceu.
Viu a cara dela? — perguntou de novo e depois ficou séria. — Acha mesmo que nosso plano deu certo,
Nathan?
—
Claro! Nosso sucesso foi total, querida.
—
Tem razão.
Algo na expressão de Nát a fez recordar-se da fisionomia perplexa de Melaine quando ele contou a todos que,
com a chegada de Pete, ela havia se mudado para a cobertura. Que tipo de relacionamento existiria entre Nat e a
garota americana?
—
Quando me apresentou a Melaine... — Geórgia hesitou, não querendo parecer muito interessada —
disse que a conhecia bem, não?
—
Ela é o que podemos chamar de... uma velha amiga da família.
—
Ah, sim!
Infelizmente, suas suspeitas se confirmavam. Mas... infelizmente, por quê?, ela pensou, desanimada, ao
entrar no carro. Não havia explicação para seu desânimo e muito menos para a euforia de momentos antes!
O plano estratégico, como Nathan o chamara, havia abalado a reputação de Geórgia. E ela começava a
cair em si, abismada com a própria conivência, pois sempre dera muita importância a sua reputação, jamais
aprovando a constante troca de namorados das colegas da faculdade.
Sim, fora complacente, naquela noite, ao permitir que a sociedade a julgasse uma mulher volúvel! Mal
sabiam eles que estava bem longe de ser esse tipo de pessoa.
Durante todo o trajeto de volta, ela se manteve calada, meditando sobre sua vida e os últimos
acontecimentos. Suas incertezas e indignações haviam alcançado o ponto máximo quando desceram do
elevador.
Assim que Nathan abriu a porta do apartamento, ela entrou, furiosa.
—
O que as pessoas pensarão de mim, Nathan?
—
Ora! Exatamente o que esperávamos que pensassem que você e eu somos um só!
—
Oh, Céus! Pois é disso que estou falando!
—
É tão importante assim o que os outros pensam, Geórgia? Mesmo que fosse verdade, não se trata de
nenhuma catástrofe. Ao contrário, com o tempo, vai salvá-la de muita dor de cabeça.
—
Mas foi tudo invenção! Desonestidade!
—
Bem... — Ele suspirou, jogando a jaqueta com displicência sobre o sofá. — Só existe uma maneira de tornar
esse assunto honesto. Porém, não pretendo levantar a questão agora.
—
Uma maneira — ela repetiu, distraída, abaixando-se para pegar a jaqueta que caíra no chão. — E
qual é...
De repente, compreendeu a que maneira ele se referia e ergueu a vista, desconfiada, deparando-se com o
olhar cínico de Nathan.
—
É isso mesmo — ele afirmou, vendo-a enrubescer. — Ei, fique calma, sua virtude não está sendo
ameaçada.
—
Ora, não estou nervosa! Sei muito bem que não corro perigo e que você não pretende... — Não
estava nervosa, ela pensou, mas de mau humor. E por quê? — Por favor, não me trate como uma
adolescente ingénua, sim?
—
Então, não aja como uma.
Nathan se dirigiu ao bar, despejou um pouco de água tónica num copo e ofereceu-o a ela. Diante da
recusa de Geórgia, ele se apoiou no balcão e examinou-a com um olhar duvidoso, antes de beber o conteúdo
do copo de uma vez.
— Desculpe-me, não percebi que agia assim — Geórgia falou, sem graça.
Ele apenas continuou fitando-a, em silêncio. Pelo jeito, Nathan já se arrependera de tê-la acolhido no
apartamento, Geórgia pensou, sentindo um nó na garganta.
— Bem, obrigada pela noite... interessante e boa noite —- ela acrescentou, controlando-se para não
chorar.
Geórgia já se virava para sair na direção de seu quarto, quando ele disse, interrompendo-a:
—
Você deve estar cansada. — Suspirou e colocou o copo sobre o balcão. — Também estou, e, como já a
avisei, amanhã viajarei para Basle, na Suíça. Vou participar de uma conferência sobre ecologia. E
engraçado como os conferencistas se preocupam tanto com o futuro ecológico do planeta e viajam de
avião, sem sequer notar quanto gastam das reservas naturais na própria locomoção.
—
Realmente. Eu nunca havia pensado sobre o assunto. Vai ficar fora por muito tempo?
—
Apenas durante quatro dias. E gostaria que ficasse à vontade no apartamento, como se fosse sua
própria casa. Enna a ajudará no que for preciso e se, por acaso, quiser sair ou passear, peça a Ismail
para levá-la.
—
Obrigada, mas vou procurar não aumentar o trabalho deles.
—
Ora, não seja tão humilde! — Nathan sorriu, aparentemente refeito do mau humor. Depois, num gesto
afetuoso,
puxou-lhe
a
trança
de
leve.
—
Não
combina
com
você,
sabia?
Seria falta de personalidade!
—
Verdade?! Sabe, estou contente por não ter gasto meu dinheiro com um tratamento psiquiátrico, antes
de ter vindo para cá. Você possui uma percepção excelente.
—
Minha análise foi perfeita, não?
Ela riu, apesar de estar levemente irritada.
— Contraditória, eu diria. Num momento, diz que pareço uma adolescente ingénua e, no outro, uma
mulher diabólica que gosta de fazer charme.
—
Eu disse isso?!
—
Algo parecido.
—
Então, perdoe-me. Não costumo ser tão direto e rude.
—
Oh, agora quem está surpresa sou eu!
—
Sinto muito, mereço a repreensão. — Ele riu, deliciado. — Deixei-me levar por uma irritação
momentânea.
—
Tudo bem. Todos nós sofremos desse mal uma vez ou outra.
—
Bem, acho melhor esquecermos esse episódio. Então, estou perdoado?
—
Desde que fui acolhida nesta casa graças a sua boa vontade, sim, está perdoado. E vou procurar
seguir as regras da casa.
—
Que diplomacia!
Geórgia fez uma reverência, aceitando o elogio. Estava gostando da brincadeira. Respostas vivas e
espirituosas sempre foram seu jogo preferido. Além disso, parecia que flertavam. Seria possível?
De repente, ela ficou séria. Precisava tocar num assunto delicado. Um assunto que já deveria ter discutido
com Nathan antes de haver concordado em ficar no apartamento dele.
—
Nathan, preciso saber quanto vou pagar pelo aluguel do quarto, pelas refeições, enfim, por tudo.
—
Não se preocupe com isso.
—
E impossível.
—
Ora, está sendo antipática e sem personalidade outra vez! Só para tranquilizá-la, vou contar um
segredo. Também não pago pelo apartamento. Este prédio pertence ao sheik e moro aqui por cortesia.
Como vê, seria uma falta de ética de minha parte cobrar de você.
—
Enquanto isso, meu débito com você vai aumentando?
—
Claro. É parte de meu plano. Não havia desconfiado ainda?! Logo farei minha primeira cobrança.
—
E a ética?
De repente, ele ficou sério, fitando-a mais de perto.
— Conte-me, Geórgia, qual foi o verdadeiro motivo que a trouxe a Raqat? Para ser sincero, essa
história de passar por tola, por causa de um homem, não me convenceu.
—
Ora, é uma história simples e banal, como tantas outras! É comum isso acontecer com as mulheres,
não?
—
Acredito que todos nós passamos por tolos às vezes. Mas você?! E por causa de um homem? Acho
difícil acreditar.
—
Oh, muito obrigada pelo voto de confiança! — ela caçoou, subestimando-se. — Diga-me, então, o que
notou em mim de diferente da maioria das mulheres? Com certeza, não posso ser tão...
—
O olhar, a personalidade, o estilo... — Nathan a interrompeu, encarando-a com intensidade. — Eu
poderia continuar enumerando qualidades, mas não vou. Você mencionou algo a respeito de seu patrão e...
Geórgia suspirou, desapontando-se quando ele parou de elogiá-la.
—
Bem, foi uma dessas situações estúpidas ou ridículas, tanto faz — ela começou, com relutância. — O
fato é que, quando uma pessoa tem vinte e seis anos e supostamente deixou de ser uma garota ingénua,
acaba fazendo papel dê tola, concorda?
—
Sim — ele disse simplesmente.
—
Pois bem, trabalhei para esse homem durante seis meses. Na época, o fato de eu ter sido
contratada por uma griffe famosa parecia ser a grande oportunidade de minha vida. Ainda mais sendo
em Londres. Jordan, meu chefe, enaltecia meu ego, elogiando meus desenhos. Ele me fez crer que eram
muito melhores do que os dos outros, quando na verdade não eram. — Ela deu um sorriso triste. — Tudo
não passava de uma preparação para o golpe final.
—
E você também não sabia que ele era casado, lógico.
—
Oh, como fui ingénua! Agi tal uma adolescente, como você me comparou. Uma adolescente
perdidamente apaixonada. Acho que por isso não gostei de sua comparação. Enfim, por mero acaso,
descobri que ele tinha mulher, filhos e uma mansão no campo, de onde a família quase não saía. Não
participavam da vida glamourosa de Jordan. Ele praticamente os escondia. — Geórgia se virou de costas
para esconder os olhos rasos d'água. — É uma história banal como tantas outras, como pode ver.
Mas não fora tao banal assim, ela pensou, caminhando devagar para a sacada. Pensativa, debruçou-se
sobre a grade de proteção, admirando as luzes cintilantes da cidade e o brilho do mar ao longe.
Não, jamais dividiria com alguém seu drama íntimo e particular.
Lembrava-se perfeitamente daquele dia terrível. Logo pela manhã, bem cedo, havia acontecido uma
situação de emergência na loja, que somente Jordan poderia resolver. A secretária lhe dera um número
de telefone, pedindo a ela para chamá-lo.
Uma criança atendera à ligação e, em seguida, a mãe. Enquanto falavam, Geórgia ouvira o choro de um
bebé. Nesse momento, imaginara um lar agitado, com as tarefas do dia-a-dia, principalmente na parte da
manhã. Talvez tivesse se enganado de casa, pensara, quando a mãe pedira à criança:
— Charlotte, meu bem, corra ao quarto e diga ao papai para atender ao telefone. Alguém quer falar
com ele.
Passados alguns segundos, em estado de choque, Geórgia ouvira a voz de Jordan, alta, clara e nítida. Não
houvera engano.
Controlando-se, dera o recado da loja e depois acrescentara, com a voz embargada de ódio:
—
E, Jordan... esqueça o Caribe. Eu não sabia que você tinha outros compromissos.
—
Como?! Ora, não se preocupe, Geórgia... — ele sussurrara. — Não posso falar agora, telefonarei
numa hora mais conveniente.
—
Acho que sua mulher está preparando seu café da manhã, Jordan. Sinto o cheiro do bacon
tostado, juro.
Assim que desligara o telefone, ela recolhera de cima da mesa e das gavetas todo seu material artístico,
inclusive os desenhos, e voltara para casa.
A tarde, Jordan ligara para ela e tentara de todas as formas fazê-la voltar atrás em sua decisão de
não viajar mais para o Caribe. Até mesmo argumentara que já tinha ás passagens e que, caso desistissem,
ele perderia o dinheiro.
— Mas você não precisa perder nada, Jordan — Geórgia respondera, com candura. — Pode levar
outra pessoa com você. Sua mulher, por exemplo.
—
Não seja ridícula!
—
Bem, e por que não Wendy, sua secretária? Desconfio que ela queria que eu soubesse que é casado e que
tem filhos.
Para não ouvir mais a conversa fiada de Jordan, ela apoiara õ fone na mesa e o deixara falando sozinho.
Não quisera correr o risco de perder a cabeça e acabar gritando feito uma mulher traída e abandonada.
Não tinha a menor ideia de quanto tempo ele gastara com justificativas, sem saber que ela não o escutava.
Geórgia odiava-se por ter sido tão ingénua a ponto de não suspeitar que Jordan devia sair com Wendy
também. Fora Wendy quem havia lhe pedido para telefonar para ele! Apesar de estranhar o pedido, não
desconfiara de nada, nem por um momento sequer. Só depois, ao chegar em casa, lembrara-se de ter notado
uma expressão esquisita no rosto da secretária.
Três dias depois, Geórgia viajara para Raqat.
Nathan aproximou-se da balaustrada, trazendo-a de volta à realidade.
— Você vai superar tudo isso, prometo, Geórgia — falou suavemente.
Virando-se, ela sorriu.
—
Promete?!
—
E por que não? Todos nós nos arrependemos de algo que nunca deveria ter acontecido...
Geórgia o fitou. Talvez ele quisesse lhe contar algum segredo. Talvez até sofresse e gostaria de desabafar,
mas, naquele momento, não queria ouvi-lo. Sentia-se vulnerável e, se não fugisse dali rapidamente, faria papel
de tola outra vez.
—
É verdade, Nathan — concordou por fim. — Bem, preciso dormir um pouco. O dia foi muito
longo.
—
Oh, claro!
Ele a acompanhou até a porta do quarto e beijou-lhe a face.
—
Boa noite, Geórgia.
—
Obrigada, Nat. Você praticamente salvou minha vida hoje,
e nunca vou esquecer. Boa noite. — De repente, lembrou-se da viagem à Suíça. — Vejo-o amanhã,
antes que parta?
— Acredito que não. Vou sair muito cedo, Geórgia. Mas não esqueça que Enna e Ismail estarão a sua
disposição. E, quando eu voltar, pretendo levá-la a uma expedição de mergulho. Quero que fique acertado
desde já.
Enquanto lavava o rosto, antes de deitar-se, Geórgia pensava sobre a expedição de mergulho. Como
participaria dessa atividade, se não tinha prática? Quando ele voltasse, faria com que desistisse. E,
naquele momento, uma outra preocupação surgiu em sua mente: a causa das sensações estranhas que vinha
sentindo.
Quando Nathan se inclinara, encostando os lábios em seu rosto, num beijo inocente e carinhoso, ela
foi obrigada a controlar o desejo súbito de abraçá-lo e de se aninhar no aconchego do peito másculo.
Pobre Nathan!, ela pensou, rindo. Ele ficaria chocado com a atitude dela e, provavelmente, iria se trancar
no quarto, temendo outras investidas.
Apesar do rápido momento de descontração, Geórgia ficou acordada por muito tempo, ponderando o
significado de sua reação e, infelizmente, não chegou a conclusão alguma.
Cada vez que pensava nos lábios macios de Nat, ondas de prazer espalhavam-se pelo corpo dela. Outras
lembranças intrigantes juntaram-se a essa: o toque da mão quente de Nathan em sua pele durante o
jantar, o cheiro agradável da colónia masculina...
Aquele perfume seria a lembrança de uma noite especial para o resto de sua vida: a noite em que finalmente
esquecera Jordan Severs. E por que o havia esquecido não fazia a menor diferença. Um dia, com certeza,
Geórgia descobriria...
De qualquer forma, seria eternamente grata a Nathan Trehearn por sua contribuição.
Satisfeita por ter superado a dor, suspirou profundamente. Depois, afundou a cabeça no travesseiro,
colocando a mão na face, onde fora beijada.
CAPITULO IV
Gr
eórgia estava adorando passar alguns dias I sozinha no apartamento de Nat. Além de descansar e
desfrutar a vista maravilhosa, o fato de ter um carro a sua disposição fez uma diferença incrível no apro-
veitamento das-férias.
Seguindo ao pé da letra a recomendação do "amo", Ismail se mostrava ansioso para lhe agradar, levando-
a para conhecer o centro antigo de Raqat e lugares que nunca teria encontrado sem um bom guia. Ela
sempre carregava uma prancheta e, apoiando-a no colo, desenhava durante horas, retomando um antigo
hobby,
que interrompera ao começar a trabalhar. Adorou desenhar as casas antigas, as ruas e os becos
misteriosos, assim como os domos das mesquitas. Realmente, aquele era um mundo exótico e fascinante.
Porém, nunca descobriu o que Ismail fazia enquanto a aguardava. Uma única vez, viu-o sentado num
bar, com um grupo de homens. Tomavam café e discutiam com ênfase, como se fossem resolver os
problemas do mundo.
Sem ser vista, ela aproveitou para fazer um esboço rápido do motorista, captando apenas os traços
marcantes de sua fisionomia: os cabelos pretos sob o turbante de veludo azul, o nariz adunco e as
sobrancelhas bem delineadas. Depois de pronto, examinou o desenho e sentiu-se orgulhosa. Qualquer um o
reconheceria entre os amigos. E, quando o mostrou a ele, a caminho de casa, Ismail sorriu, eufórico, emo-
cionando-a também.
De todos os lugares que conheceu, a rua principal da cidade foi sua preferida. Parecia um caldeirão
fervente. Pessoas recém-chegadas do interior, em ônibus carcomidos, misturavam-se aos sofisticados turistas,
à procura das últimas novidades nos bazares coloridos.
Além de desenhar, Geórgia fotografava tudo o que via, para registrar as sombras mágicas e ilusórias que
a percepção humana não conseguia captar inteiramente. Infinitas nuanças de marrom colocavam em
destaque o verde e o azul intenso nas diversas paisagens. No entanto, encantou-se com a cor exótica do
amarelo-cítrico, cujo tom associou à neblina londrina: que podia ser ténue e transparente ao mesmo
tempo, permitindo a infiltração de uma luminosidade mística.
A semana transcorreu rapidamente, e, embora estivesse se divertindo, a expectativa do retorno de
Nathan despertou-lhe um excitamento estranho e amedrontador. Então, quando o telefone tocou à noite e
ela ouviu a voz forte e serena, avisando que não chegaria naquele dia, não conseguiu evitar a decepção.
—
Sinto muito, Geórgia. Terei de passar a noite no Cairo.
—
Oh,
não!
—
exclamou
e
em
seguida
arrependeu-se.
Que ridículo! Estava fazendo o papel típico da esposa que se arrumava com esmero para esperar o marido, e
este lhe dizia para ir dormir porque chegaria muito tarde em casa.
Erguendo o olhar para um espelho a sua frente, ela suspirou, vendo os cabelos brilhantes, a maquilagem
delicada e a saia reta e elegante combinando com a blusa de seda, recém-comprada.
Nat era apenas um amigo, e em hipótese alguma podia deixá-lo perceber seu desapontamento.
—
Pois é, marcaram uma reunião de última hora — ele explicou.
—
Que aborrecimento para você, não? Bem, obrigada por ter telefonado. Vou avisar Enna.
—
Está tudo bem por aí?
—
Sim, tudo em ordem. Ismail foi muito prestativo e me levou para passear todos os dias. Mostrou-me
vários pontos interessantes da cidade.
—
Otimo. E... — ele hesitou.
—
O quê?
—
Nada... Mas...
Geórgia esboçou um sorriso. Seria imaginação sua, ou Nathan relutava em despedir-se? Oh, que besteira!
Só porque estava agitada e feliz ele também deveria estar?
—
Outro dia, conversei com Pete Taylor — ela se lembrou. — Ele me ligou antes de buscar a esposa no
aeroporto. Queria saber se eu estava bem acomodada aqui.
—
E?
—
Respondi que era muito difícil tolerar o luxo de seu apartamento, assim como a responsabilidade
dos empregados e os passeios de carro.
Nathan deu uma risada sonora.
—
Você foi maldosa!
—
Imagine!
—
Bem, prepare-se, pois a partir de amanhã pretendo mudar as regras da casa. E terá de trabalhar para
continuar usufruindo o conforto. Chegarei bem cedinho, e iremos mergulhar.
—
Oh, Nat! Não tenho certeza se irei. Faz séculos desde a última vez que mergulhei.
—
Não aceito desculpas e quero que fique pronta. Preciso muito descansar, Geórgia. A semana foi
agitada, e, para mim, mergulhar tem um efeito relaxante. Se quiser, podemos alugar algumas fitas de
vídeo com documentários sobre mergulho. Garanto que terá inspiração para o resto da vida.
—
Hum... Peixes inspiram o quê?
—
Eles fascinam e incendeiam a imaginação! Quando vir as cores, os movimentos suaves...
—
Tudo bem, você me convenceu. Estarei pronta, prometo.
—
Boa menina. Agora preciso desligar, estão me chamando. Vejo-a amanhã. Chegarei aí junto com o nascer
do sol.
—
Não é nesse horário que os duelos acontecem, Nathan?
—
Com certeza — ele sussurrou. — Boa noite, Geórgia. Durma bem.
—
Boa noite, Nat.
Assim que desligou, ela suspirou profundamente, sentindo um calafrio suave percorrer-lhe a espinha. E
a única palavra para exprimir aquela sensação era alegria.
Dirigindo-se à sacada, rodopiou e suspirou de novo, inalando o perfume exótico do Oriente. Por que se
sentia tão excitada? Nunca pensara que a expectativa de mergulhar na costa de Aberystwyth pudesse
deixá-la exultante. Bem, mas a baía de Cardigan e o mar Vermelho deviam ser tão diferentes quanto os
instrutores de mergulho, Richard e Nat. E a grande diferença era que Nathan Trehearn, e só ele,
preenchia uma equipe inteira.
Rindo do próprio pensamento, ela entrou para avisar Enna da alteração de planos, como havia
prometido. Precisava fazer alguma coisa para ajudar o tempo passar.
No dia seguinte, Geórgia apenas teve a confirmação da véspera: mergulhar no mar Vermelho tinha
pouca ou nenhuma semelhança com a mesma atividade na costa do Reino" Unido.
Uma das vantagens era a água limpa, cuja temperatura morna dispensava as incómodas roupas de
borracha. A outra, e mais importante, tratava-se de Nat Trehearn, que, demonstrando um profundo
conhecimento do assunto, inspirava confiança.
Ela já devia ter desconfiado, pois, desde que o conhecera, ele sempre demonstrara a mesma
autoconfiança.
Pilotava o barco com firmeza ao afastaram-se do porto e, enquanto percorriam a costa marítima,
mostrava-lhe com igual segurança os pontos geográficos mais importantes.
Porém, mais do que com as habilidades, Geórgia surpreendeu-se com o porte atlético de Nathan. Por que
a camisa dele, aberta no peito, perturbava-a tanto, a ponto de não conseguir desviar os olhos daquela
imagem? Justamente ela que, como estilista de moda, estava acostumada a ver homens e mulheres nus?
Homens com corpos tão bonitos e bronzeados quanto o de Nathan?
De repente, ela teve uma vontade louca de desenhá-lo. Pegou o bloco e, observando-o de vez em quando,
iniciou um esboço.
—
Estamos quase chegando — Nat a avisou de súbito.
—
Como? — Geórgía se assustou e ficou feliz por estar de óculos escuros. — Em quanto tempo, Nat?
—
Em dez minutos.
Tornando a se concentrar no desenho, ela percebeu que também era observada disfarçadamente e
sentiu-se pouco à vontade.
Naquele dia, antes de saírem do apartamento, havia procurado se vestir com simplicidade. Prendera os
cabelos num rabo-de-cavalo, passara apenas um batom suave e escolhera um biquini discreto, próprio para
esportistas. Contudo, quando viu sua imagem refletida no espelho, quase desmaiou de susto. Não entendia
como um maio de duas peças, preto, que não era cavado, podia ser tão sedutor. Afinal, sempre soubera que
aquela cor era o símbolo da discrição! Desesperada, vestira uma camisa folgada sobre o biquini, com o
intuito de esconder o corpo. Mas, infelizmente, não havia escondido totalmente as pernas esguias.
—
Pronto, chegamos — Nathan avisou-a novamente. — Deixe-me ajudá-la com a aparelhagem de
mergulho.
—
Dê-me apenas um minuto.
Depressa, ela se levantou, colocou o bloco no assento que ocupava, com o desenho virado para baixo, e,
com certo constrangimento, tirou a camisa. Então, Nat se aproximou para prender em suas costas o tanque
de oxigénio.
Geórgia precisou de todo seu autocontrole para não suspirar, quando as mãos fortes encostaram em sua
pele, testando a tensão e o conforto das alças nos ombros dela. Então, virando-se para que ele verificasse o
encaixe de sua máscara, Geórgia sentiu o coração disparar ao notar que Nathan tinha os músculos do rosto
crispados, como se também estivesse controlando-se.
Ainda faltavam os pés-de-pato! Será que a agonia não teria fim, ela pensou, vendo-o se abaixar. A
serenidade dele a espantava, porque teve vontade de gritar de prazer quando Nat lhe passou o talco protetor
nos pés.
Foi um alívio quando ele se afastou para colocar seu equipamento de mergulho. E, a fim de disfarçar a
respiração acelerada, Geórgia olhou para o oceano, fingindo admirá-lo, até a pulsação se normalizar. O
esforço era tal que nem notou quando ele ficou pronto.
— Podemos mergulhar? — Nathan indagou de repente.
Sem confiar na própria voz, ela simplesmente assentiu, com um movimento de cabeça. E, com um sorriso
nos lábios, seguiu as instruções dele. Posicionou-se na lateral do barco e, firmando a máscara junto ao rosto,
deixou-se cair de costas na água.
Após alguns segundos de pânico, descobriu que Nat estivera certo. Mergulhar era como andar de
bicicleta: uma vez aprendido, nunca mais se esquecia.
Segurando-a pela mão, ele a guiou para o rochedo.
Um mundo fantástico descortinava-se a sua frente, e nada do que Nat pudesse ter dito a prepararia para
aquilo. Até mesmo um filme seria incapaz de retratar a beleza do mar Vermelho.
De tempos em tempos, ele chamava sua atenção para algum detalhe espetacular, escrevendo num
quadro à prova d'água. E, assim, ela percebeu as ferragens do esqueleto de um navio, praticamente
encobertas por corais e mariscos.
De repente, um cardume de peixes transparentes surgiu do fundo de uma caverna. Ela se assustou, e
Nathan então escreveu no quadro: "peixes de vidro", "inofensivos" e tentou abraçá-la. Geórgia esquivou-se e,
sinalizando um pedido de desculpas, observou o cardume com interesse.
Os milhares de peixinhos pareciam dirigidos por um controle remoto. Primeiro, formaram um círculo denso
e perfeito e, em seguida, o desenho de uma flecha numa coreografia digna dos mestres do bale.
Acompanhando a corrente natural da maré, Nat tornou a pegar a mão dela, contornando o navio
naufragado para mostrar as escotilhas de latão. Uma barracuda enorme nadava em espiral por entre as
ferragens. Entretida em admirá-la, Geórgia se assustou quando ele a puxou com violência para trás,
apontando para os tentáculos perigosos de uma água-viva gigante bem próxima deles.
Quando voltaram ao barco, ela não cabia em si de tão eufórica. Vibrava de excitamento, e, como Nat
previra, sua alma artística estava mais estimulada do que nunca.
Com gestos nervosos, ela tirou a máscara e tentou se livrar do tanque de oxigénio.
—
Oh, foi simplesmente maravilhoso! — exclamou, suspirando. — Mas não consigo tirar as alças do
tanque.
—
Deixe-me ajudá-la. Quando as alças estão molhadas, ficam difíceis de tirar. E então? Valeu a pena?
—
Oh, sim! Se me contassem, nunca teria acreditado. — Geórgia ergueu o olhar, agradecida. —
Obrigada por ter me trazido, Nat.
—
Bem, prometi que seria algo sensacional, não foi? — Ele pegou uma toalha e começou a secá-la,
observando-a com intensidade. O olhar e os movimentos provocaram em Geórgia uma súbita tentação de
acariciá-lo. — E, para uma garota medrosa que se dizia ignorante no assunto, você foi muito bem.
Ela não pôde impedir um sentimento de orgulho com o elogio, apesar de considerar um absurdo. Para ele,
devia ser um cumprimento banal e automático, sem nenhum significado.
—
E verdade?! — Ela pegou a toalha das mãos de Nat e enxugou o rosto, para esconder o rubor. —
Não tive medo porque... acho que me senti mais à vontade aqui no mar Vermelho. Fiquei deslumbrada
com a água morna e límpida e com as criaturas maravilhosas. Sabe o nome de todas?
Das espécies, quero dizer.
—
Da maior parte, sim. Vou começar a ensiná-la da próxima vez que mergulharmos. — Ele pegou dois
refrigerantes no isopor. — Aceita um?
—
Sim, obrigada, estou morrendo de sede.
—
Se eu fosse você, iria me sentar à sombra do guarda-sol. Para quem não está acostumado, este calor
pode provocar queimaduras terríveis. E, depois do lanche, se não estiver muito cansada, podemos
mergulhar de novo.
Ambos comeram os sanduíches que levaram em silêncio. Além de faminta, Geórgia queria meditar sobre
tudo que vira no fundo do mar.
— É muito triste pensar no navio naufragado, não acha? — ela perguntou de súbito.
—- Sim, e há centenas deles ao longo da costa. Mesmo antes do canal ser construído, já existia uma rota
de comércio intensa entre o Egito, Arábia e o Leste.
— Você...
Geórgia ergueu os olhos e, notando a expressão de puro desejo de Nat, esqueceu-se do que pretendia
falar e até do que pensara minutos atrás. O mais estranho, porém, era que jamais dera importância a
olhares daquele tipo. A não ser quando tivera o caso com Jordan. E, mesmo assim... nunca experimentara
aquela sensação de vertigem, como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo.
— Você... — ela tentou de novo, mas as palavras fugiram novamente.
Nathan sorriu com ternura, inclinando-se em sua direção. O brilho intenso no olhar dele sugeria o que ela
não ousava pensar, mas, no íntimo, desejava. Então, muito suavemente, Nat encostou os lábios em sua boca
entreaberta.
Geórgia fechou os olhos, e o mundo começou a girar em câmara lenta, como se quisesse oferecer-lhe
tempo para gozar as sensações novas que experimentava.
Enfim, o tempo parou, e apenas ela parecia viva e consciente das fraquezas inebriantes do mundo.
Fraquezas que havia pouco se gabara de não as possuir.
Entreabrindo os olhos, examinou o contorno do peito viril e bronzeado, sentindo-se novamente tentada a
acariciá-lo. Seria imaginação, ou havia um magnetismo entre os corpos...
—
O que ia falar, Geórgia? — Ele acariciou sua face rosada.
—
Oh, sim... — Ela sorriu, sem graça. — Você parece conhecer e entender muito de mergulho.
—
Hum... Você é observadora!
—
Não estou brincando. Falo sério, você parece fazer parte da vida marinha, um verdadeiro peixe
dentro
d'água!
—
Realmente, mergulhar é o que sei fazer. Mergulho desde os sete anos. Está no sangue da família
esta afinidade com a vida marinha. Meu bisavô iniciou uma firma de resgate de navios e salvamento há
mais ou menos cem anos. E, hoje em dia, com as invenções modernas e a alta tecnologia, as possibilidades
passaram a ser infinitas. Já ouviu falar da TMI, Trehearn Marine International? — Diante do gesto
afirmativo de Geórgia, ele continuou: — Nossa companhia resgatou os tesouros do galeão espanhol da Com-
panhia das índias no ano passado.
—
Acho que me recordo.
—
Mas a TMI também lida com exploração de petróleo, oceanografia, pesquisas e outras atividades
relacionadas ao oceano, claro. Meu antigo hobby, que acabou se transformando em profissão, é proteger a
vida marinha do planeta. Uma tarefa nada fácil, num mundo cada vez mais destruidor.
Geórgia estava surpresa com a nova faceta de Nathan. Mesmo já tendo ouvido falar da Trehearn Marine,
não imaginava que ele fosse tão atuante.
—
Mas estudou na Universidade de Princeton!
—
E verdade. Sou um homem de muita sorte... tive inúmeras oportunidades. Meu pai sempre tocou a
companhia sozinho e com sucesso, porém, ultimamente, começou a demonstrar vontade de descansar. E isto
quer dizer que, mais cedo ou mais tarde, terei de assumir sua posição.
—
Entendo... E gosta dessa ideia?
Ele riu, focalizando o horizonte por alguns minutos e depois a encarou novamente.
-— Eu sempre soube o que era esperado de mim. E esta, pode ter certeza, não é uma posição digna de
inveja. — Suspirando, Nat juntou os apetrechos do lanche. — Agora, chega de conversa mole, e vamos em
direção ao sul, onde existe um rochedo que gostaria de lhe mostrar. E mais espetacular ainda.
—
Duvido! Não pode existir nada mais fascinante do que já vimos.
—
Prometo a você que é a visão do paraíso! Desde a primeira vez em que a vi, prometi a mim
mesmo que seria eu, e mais ninguém, quem lhe mostraria o paraíso.
Como que hipnotizada, Geórgia não conseguia desviar a vista, consciente apenas de sua respiração
acelerada e dos olhos cinzentos fixos em seus lábios.
Finalmente, Nathan virou-se, relutante, para pegar o equipamento de mergulho.
Pelo resto da tarde, ela se deixou levar pelas mãos seguras e fortes. Ora nadavam na superfície, ora
mergulhavam nas profundezas para admirar as formações de corais, ora simplesmente boiavam, observando
os cardumes de cores vivas executarem seus bales. Com uma câmara à prova d'água, Nat filmava tudo.
O mundo submarino era tão perfeito e maravilhoso que as palavras ditas por Nat, antes de
mergulharem, sempre voltavam à lembrança de Geórgia. No íntimo, sabia que não se contentaria com a
simples visão do paraíso. Queria fazer parte dele.
Observando a figura de porte atlético nadando em sua direção, concluiu que nunca havia conhecido alguém
como Nathan Trehearn. E, se realmente existisse um paraíso na face da Terra, ele seria o homem que a
levaria para conhecê-lo.
CAPITULO V
De volta ao apartamento, Geórgia se deitou para descansar. Quando acordou, sentia-se incrivelmente
disposta e feliz. Imóvel, na cama, saboreou seu estado de contentamento por alguns instantes, antes de
analisar o motivo.
A primeira ideia que lhe ocorreu, a qual descartou de imediato, foi que seu bom humor se devia à
expedição-de mergulho. Realmente, fora fascinante, mas não podia ser apenas aquilo. Havia uma outra
explicação, e, no fundo, sabia qual era! Flertava disfarçadamente com Nat! Apesar de nunca ter achado
graça em flertar, na volta do passeio, qualquer um que os visse juntos diria...
Sim! Era melhor encarar os fatos, pensou. A explicação para seu bom humor só podia ser Nathan
Trehearn, pois até então ele não existia em sua vida. Seria tão simples assim, como dois e dois são
quatro?
Com os olhos semi-abertos e um sorriso maroto nos lábios, espreguiçou-se indolentemente. A imagem do
corpo viril e bronzeado era tão vívida em sua mente que ela deixou escapar um suspiro de frustração por
não poder tocá-lo.
Acomodando-se melhor na cama, seus olhos se voltaram para o relógio de cabeceira: estava na hora de
vestir-se. Talvez Nat estivesse precisando de sua ajuda para preparar o jantar, já que Ismail e Enna
tinham viajado.
Geórgia sentiu um arrepio na espinha, ao se dar conta de que não teria seus "anjos da guarda" por
perto. Aquela seria a primeira noite sozinha com Nat no apartamento, desde que estava ali.
Ressabiada, levantou-se e abriu as portas do armário, à procura de uma roupa prática. Talvez jeans e
camiseta? Lógico. Porém, quando esticou a mão, esbarrou sem querer em seu vestido favorito e, no mesmo
instante, ficou tentada a vesti-lo. Na verdade, admitiu em seguida, cultivava aquela tentação desde que soubera
que Ismail e Enna estariam de folga.
Um vestido simples, ela pensou, rodopiando em frente ao espelho. Oh, como era fácil enganar a si
mesma! Mas quem seria capaz de afirmar que um vestido reto, preso nos ombros por duas alças torcidas,
não era simples? O charme estava no tecido de seda pura e na estampa de cores suaves! E talvez Nat
nem notasse sua sofisticação.
Prometendo a si mesma não se entusiasmar demais, começou a se maquilar. Dispensou o blush e
escolheu um batom de cor clara para realçar a pele bronzeada.
Antes de sair do quarto, examinou-se outra vez no espelho. Realmente o vestido não apenas lhe caía
muito bem, como estimulava seu bom humor e o ar de abandono feminino em que se encontrava. Será que
estava se viciando naquele tipo de sedução? Viciando?! Que estranho! Ela riu da ideia.
Mas, afinal, o que havia de errado em ser viciada em flerte e feminilidade?
Depois de passar perfume, foi para a cozinha, deixando um rastro de Balenciaga por onde passava.
— Olá, Nathan. Já está trabalhando?
Com uma colher de pau na mão, ele se virou, mirando-a da cabeça aos pés. O olhar admirado detinha-se
em cada detalhe de sua aparência.
—
Você está...
—
Exagerei na roupa, é isso? — perguntou, nervosa. — Bem, não sabia o que usar num jantar ínt...
em casa.
—
De jeito algum! — Nathan tornou a examiná-la intensamente. — Está maravilhosa, Geórgia. No
entanto, para ser sincero, nunca imaginei que necessitasse de aprovação.
Sorrindo, ele largou a colher e, segurando-a pelo braço, dirigiu-se à sala. De um armário sobre o bar,
tirou dois copos de cristal, onde despejou vinho branco.
Então, virou-se novamente para Geórgia e ofereceu-lhe um deles, com uma expressão séria.
—
Nunca mais deixarei de ter o prazer de lhe dizer que está bonita.
—
Obrigada.
Ela aceitou o copo e imediatamente o levou aos lábios para disfarçar o nervosismo. Já havia recebido
vários elogios em sua vida, mas jamais sentira aquele efeito devastador.
—
Quem fez seu vestido, Geórgia? — Nat a fitou, demorando-se nos ombros descobertos. — Você?
—
Apenas o desenho. Não fui eu quem o costurou, se essa foi sua pergunta.
—
Oh, claro! Que ingenuidade a minha! É que sempre imaginei as estilistas de moda debruçadas horas
a fio sobre uma máquina de costura, como perfeitas escravas! Pelo visto, estou totalmente errado, não?
—
Um pouquinho, se é que está sendo sincero. E, se desconhece mesmo o assunto, nunca lhe ocorreu
que artistas também trabalham duro?
Nat ergueu uma sobrancelha, divertido.
—
Bem...
—
Eu sabia!
—
Digamos que um estilista signifique para mim o mesmo que um oceanografista para você. É como falar
grego, certo?
—
Ainda assim, acho difícil acreditar em sua ignorância, embora a comparação seja verdadeira. Bem,
durante nosso curso, além de desenharmos os modelos, tínhamos de costurar a peça. Para ser sincera,
eu detestava essa parte. Sempre me interessei mais pela história da moda porque retratava os costumes
de cada época.
—
Entendo... Como pode ver, realmente sou um ignorante nesse assunto.
—
Nat, às vezes, você me surpreende por...
Geórgia parou no meio da frase. Talvez ele não gostasse de ouvir que ela se impressionava com sua
elegância. Embora não entendesse nada de moda, como ele próprio afirmara, Nathan era a essência do
modelo do século XX. A calça de algodão escura, que usava naquele momento, não poderia ser mais
charmosa e combinar tanto com a camisa de seda de mangas largas. Aliás, a figura viril era muito mais
atraente do que supusera logo que se conheceram.
A constatação despertou sua vontade de acariciar-lhe o peito sob a camisa entreaberta. A sensação devia
ser delici...
—
De que maneira eu a surpreendo, Geórgia?
—
O quê?! — Ela corou, percebendo que seus dedos tremiam ao redor do copo. — Bem, pensei que
soubesse tudo sobre moda e confecção! Como já disse antes, tive a impressão de que você dominasse todos
os assuntos.
—
Pois, a partir de hoje, minha responsabilidade para com os alunos vai dobrar!
—
Com certeza. Aliás, eles vão adorar ter uma aula sobre moda! E, por falar em trabalho escravo, pensei
que fosse ficar debruçada sobre o fogão horas e horas, em vez de tomar vinho tranquilamente. Não
precisa de ajuda?
—
Que pena! — ele brincou. — Agradeço a boa vontade, mas Enna deixou vários pratos prontos no
congelador. Pelo visto, você está tão faminta quanto eu. Vamos comer?
A mesa de tampo de vidro já estava posta com jogos americanos de linho bordado e talheres de prata
na sala de jantar. Um candelabro no centro iluminava o ambiente, dando um toque de intimidade. Nat
puxou a cadeira para ela e serviu-lhe sopa de lentilha.
—
Hum... E um perfeito maitre também! — Geórgia brincou, quando ele finalmente se sentou.
—
Também, por quê? Trabalhei duro numa lanchonete enquanto cursava a faculdade.
—
Ora, vejam só! Você continua me surpreendendo. Eu pensava que somente jovens humildes trabalhavam
para estudar.
—
Fui um estudante pobre, Geórgia. Meu pai jamais mimou os filhos. E quanto a você? Não
trabalhava durante as férias?
—
Algumas vezes... Já trabalhei embalando frangos, acredita? Nós, as moças, ficávamos enfileiradas
perto de um balcão, colocando elásticos nas pernas dos frangos mortos.
—
Devia ser engraçado.
—
Horripilante, isso sim! Bem, também havia o lado divertido, claro. Uma das moças tinha uma vida
amorosa bem intensa, e todas as manhãs ouvíamos histórias com os mínimos detalhes do que havia
acontecido na noite anterior. Talvez fosse tudo invenção, não sei. Mas ajudava a distrair.
—
Parou de comer carne de frango nessa época?
—
Não... — ela respondeu, lembrando-se de que as histórias eróticas a afetaram mais que o trabalho.
Porém, não queria expor sua vida sexual para Nat. — Não permaneci muito tempo nesse emprego.
—
Que sorte! Quanto a mim, deixei de comer carne durante um bom tempo. E, por falar em carne,
acabo de me lembrar do forno! — Geórgia fez menção de levantar-se. —Não se levante! Hoje, o escravo
sou eu.
Pouco depois, ele voltou com uma travessa de bolinhos de carne de carneiro, conhecidos como kebabs, e
salada de alface.
—
Está cheiroso!
—
Realmente
—
ele
falou,
sentando-se
novamente.
Em seguida, comeram em silêncio, até que Nat pediu:
—
Mas me conte, Geórgia, seu pai é um oficial do Exército, segundo me disse. Vocês mudavam muito de
cidade?
—
Ele, sim, nós, não. Meus pais se divorciaram quando eu tinha nove anos, e nessa época fui estudar
num colégio interno. Tenho uma irmã, Lissa, bem mais velha do que eu, que continuou morando com
minha mãe e meu padrasto. Eu os visitava apenas nas férias.
—
E manteve contato com seu pai?
—
Três anos atrás, passei as férias de verão com papai, na Austrália. Oh, foi maravilhoso! Dessa época
em diante, ficamos muito amigos. Ele já se aposentou e mora na Inglaterra atualmente. Minha mãe e
meu padrasto moram na Escócia, e Lissa, no País de Gales com o marido. E você? Tem irmãos?
Sem responder, Nathan pegou os pratos vazios e levantou-se abruptamente.
Geórgia ergueu a vista, pronta para repetir a pergunta, mas, notando-lhe os músculos da face tensos,
achou melhor ficar quieta.
—
Tive um irmão mais novo do que eu — ele falou da porta da cozinha. — Morreu num acidente de
esqui.
—
Oh! Sinto muito.
Havia quanto tempo teria acontecido o acidente? A dor estampada na fisionomia de Nathan era tão
visível que ela sentiu um nó na garganta, incapaz de dizer mais nada.
Quando ele retornou da cozinha com o café, parecia mais calmo e convidou-a para irem à sala de estar.
—
Obrigada pelo passeio, Nat — ela agradeceu, procurando distraí-lo e retomar o clima de
descontração entre eles. — Que experiência maravilhosa! Foi muita bondade sua me levar para
mergulhar.
—
Acha mesmo que fiz isso por bondade?!
Geórgia ergueu os olhos e estremeceu. Nat, mais bonito do que nunca, fitava-a com um brilho intenso
no olhar e um sorriso estonteante. A beleza dele não tinha nada de convencional, mas era incrivelmente
atraente.
— Do jeito que você fala, até parece que o insultei — ela ironizou, para disfarçar. — Acontece que
foi bondade sua me receber nesse apartamento quando eu não sabia para onde ir e também quando
deixou de trabalhar, perdendo seu tempo precioso para passear comigo!
O tom de desafio entre eles a atraía ao mesmo tempo que despertava sua timidez. Principalmente
quando ambos estavam conscientes da provocação. Ou flerte?
Naquele momento, Nat parecia zombar de sua ingenuidade. Sentindo o rosto corar, ela desviou o olhar,
colocando a xícara sobre a mesa de centro.
—
Lembra-se do que eu disse quando nos conhecemos, Geórgia? — Ele perguntou, inclinando-se para
acariciar seus lábios trémulos. — Caso eu não tivesse tomado a iniciativa, seus admiradores teriam feito fila
para mostrar-lhe os prazeres de... Raqat.
—
E eu...
E você... — ele continuou, abaixando as mãos. —Terá de me aguardar porque vou estar ocupado nos
próximos dias. Entretanto, na próxima semana, daremos continuidade a nossa exploração, com certeza.
Próxima semana? ela pensou, sentindo uma dor súbita no peito. Sua viagem de volta à Inglaterra
estava marcada para segunda-feira! Teria de contar a ele, mas não naquele momento. E nem pensaria mais
sobre o assunto.
A claridade fraca, vinda da sacada, sombreava de forma irregular as paredes, os móveis e os objetos de
arte, transformando a sala num ambiente misterioso.
Afundada no sofá macio de couro, Geórgia tinha a exata sensação de estar dentro de um casulo. Porém,
todos os seus sentidos estavam em alerta, e até aguçados, pela influência da música escolhida por Nat. Os
sons indecifráveis de instrumentos desconhecidos provocavam uma perturbação devastadora em seu íntimo. O
que estaria acontecendo com ela?
De repente, Nathan se sentou a seu lado e apoiou o braço no encosto do sofá. Automaticamente, ela se
afastou para o canto oposto, embora seu desejo fosse procurar o aconchego do peito viril.
—
Geórgia, aquele homem... — Nat esticou o braço, acariciando de leve seus ombros nus. — Você não
deveria deixar que ele a influenciasse. Ou que a fizesse acreditar que todos os outros são predadores.
—
Oh, não! — Encabulada, ela sorriu. Será que Nat estava ouvindo as batidas fortes de seu coração?
— Nunca pensei isso.
—
Pois saiba que não tenho intenção de seduzi-la.
—
Não?
Embora pretendesse ser sarcástica, a voz soou desolada, o que de fato acontecia. E aquela constatação a
irritou. Tinha vinte e seis anos e ainda agia como uma perfeita adolescente, acanhada e frustrada, sem
coragem de encarar os próprios sentimentos.
—
O que posso fazer por você? — ele insistiu. — Diga-me, Geórgia.
—
Não faça nada, Nat — ela respondeu secamente e depois levantou-se, fitando-o com raiva. —
Não há nada que possa fazer.
Ele se levantou também, colocando-se na frente dela.
— Ainda
é
muito
doloroso
falar
sobre
o
assunto,
não
é?
O rosto de Nat estava sombreado, e, numa espécie de pesadelo, ela o imaginou um caçador prestes a
pegar sua presa. No fundo, seria aquele seu desejo?
— Geórgia. — ele chamou, notando seu olhar parado.
—
Como? — Assustada, ela percebeu que não estava numa floresta, procurando um esconderijo. — Oh,
sinto muito, não entendi...
—
Não
quer
falar
sobre
esse
homem
que
a
fez
sofrer?
Que feriu seu coração, a ponto de cruzar continentes na tentativa de esquecê-lo?
—
Hum! — Ela sorriu, só então entendendo a preocupação dele. — Para ser franca, já esqueci Jordan
completamente. Hoje, vejo que não estava envolvida de verdade.
—
Fico muito contente. Não imagina quanto, Geórgia!
—
E o que isso significa?
—
Significa... — Ele apoiou uma das mãos nos ombros dela e com a outra alisou seu rosto, fazendo-a
estremecer.
— Significa que quase morri de ciúme quando me contou sobre Jordan.
—
Nunca pensei...
Realmente, ela não havia pensado, e sim desejado e sonhado com aquela confissão. Embora o coração
batesse, descompassado, a mente se negava a acreditar que sua alegria fosse real.
Num impulso, ergueu a mão e roçou os dedos no rosto de Nat. A sensação da pele quente despertou-lhe
um prazer indescritível.
Seu lado racional jamais permitiria aquele gesto, pois fora educada num colégio de freiras. Mas,
felizmente, o instinto falava mais forte...
Nat a puxou para perto e a beijou com ardor. Momentos depois, murmurou:
— Geórgia...
Você
sabe
aonde
isto
vai
nos
levar,
não?
Ao ouvir seu nome sendo pronunciado com tal delicadeza
e
urgência, ela fez o que teve vontade de fazer a
noite inteira: começou a acariciar o peito másculo.
— Sei onde quero que termine, Nat.
E também onde queria que iniciasse, ela pensou, quando
:
ele a pegou no colo e começou a caminhar na
direção do quarto.
De repente, um barulho longo e insistente ecoou na sala, perturbando a paz do apartamento. Sem dar
importância, Geórgia resmungou e aninhou-se mais ainda nos braços musculosos que a carregavam.
Não queria se separar...
De novo, o mesmo barulho soou insistente.
— Céus, o telefone! — Nathan exclamou, colocando-a no chão, em pé, com delicadeza. — Sinto muito,
Geórgia, é um chamado em minha linha especial. Preciso atender, mas não saia daí.
Ela parou à porta do escritório, enquanto Nathan, apressado e sem acender as luzes, atendia ao
telefone.
— Alô? Freddy? Sim, isso mesmo. Entendo... Bem, estive mergulhando o dia inteiro. Não, não dê seu
consentimento em hipótese alguma. Claro, isso significa um retrocesso no planejamento todo.
Absolutamente, essa afirmativa está errada. Como? Freddy... não estou sozinho. Tem certeza? Tudo bem,
estarei aí dentro de meia hora.
Nat desligou o aparelho e permaneceu quieto durante alguns minutos, que para Geórgia pareceram
horas.
— Era Freddy, o sheik — explicou, aproximando-se dela. — Vamos ter de sair, Geórgia.
Se, por um lado, ela se desapontou porque preferia permanecer no apartamento, por outro, sentiu um
grande alívio por Nat ter falado no plural, incluindo-a no passeio. No entanto, temia demonstrar seus
sentimentos.
—
Tem certeza?
—
Infelizmente, preciso ir. — Nat a abraçou. — E gostaria que fosse comigo. Não vai se arrepender,
prometo. Mas quem resolve é você. Talvez esteja cansada e prefira ficar, afinal, tivemos um dia de muita
atividade.
A ideia do cansaço era absurda. Nunca se sentira com tanta vitalidade como naquele momento.
—
Oh, não! Não estou nem um pouquinho cansada.
—
Então, vamos juntos.
—
Aonde?
—
A um lugar muito especial. Sempre quis visitar o deserto, não é? De vez em quando, num impulso de bom
anfitrião, o sheik organiza o que ele chama de "piquenique" para os estrangeiros. Na verdade, trata-se de uma
reunião bem diferente de um piquenique. Ele a convidou também. Quer ir?
—
Claro!
—
Oh, os costumes daqui são rigorosos... Você tem alguma roupa mais fechada? A faceta ocidental de
Freddy apreciaria seu vestido, mas seus colaboradores poderiam pensar que... Tenho, sim! — ela o
interrompeu, entusiasmada. — Outro dia, comprei um cafetã num bazar do centro para dar de presente
a minha irmã. Vou vesti-lo.
Ainda bem que ela e a irmã tinham quase o mesmo corpo, Geórgia pensou, colocando o cafetã preto por cima
do vestido. Ricamente bordado com fios dourados no decote e na barra, ajustava-se levemente na cintura.
Antes de sair do quarto, deu uma olhada no espelho. Ficou impressionada com sua elegância, apesar de
a roupa ter custado uma ninharia. Reforçou o perfume e, ansiosa, foi procurar o "amo".
Nathan a aguardava no hall de entrada. Ele acrescentara às roupas que usava apenas um blazer azul-
marinho. Ao vê-lo tão alinhado, o coração de Geórgia disparou. Será que ele tinha consciência do que se
passava em seu íntimo?
Guiada unicamente pelo instinto, ofereceu-lhe o rosto para ser beijada.
— Só agora entendo a importância de uma estilista, Geórgia. Está tão atraente que chego à conclusão
de que sou um louco em querer sair daqui. Gostaria de esquecer o resto do mundo e ficar sozinho com você.
Inclinando-se, ele a beijou com paixão, explorando cada milímetro dos lábios sedosos.
—
Nathan, eu...
—
Já lhe falei que meus amigos me chamam de Nat, querida.
—
E quem disse que tenho intenção de... ser sua amiga?
Ele a fitou, com carinho.
—
Pois pensei que nossa amizade estivesse fazendo progressos!
—
Eu também, mas, como estou sendo forçada a sair, começo a duvidar...
—
Também gostaria de ficar aqui, não é?
—
Sim. — Com um olhar meigo, ela acariciou a face recém-barbeada e os lábios entreabertos. —
Muito mais do que imagina.
—
Vou me lembrar de cada uma de suas palavras, prometo. E prometo também tomar certas atitudes
mais tarde... Porém, agora, precisamos ir, meu bem, porque se continuarmos mais um minuto aqui... —
Ele
a
beijou
novamente.
— ...Posso jurar que não iremos a piquenique algum. E será uma pena você perder esta oportunidade.
Então, ele abriu a porta, e Geórgia saiu, relutante.
CAPITULO VI
Em vez do automóvel, Nathan preferiu seu jipe de trabalho, com tração nas quatro rodas.
Muito lentamente, cruzaram o centro movimentado da cidade, depois percorreram alguns quilómetros da
rodovia costeira e em seguida desviaram para uma trilha irregular e perigosa, ladeada de dunas altas.
Logo após o desvio, a lua cheia surgiu bem à frente deles, serena e imponente, destacando-se contra o céu
negro, salpicado de estrelas cintilantes.
Geórgia admirava a vista maravilhosa quando, após um morro íngreme, o deserto apareceu, como um
imenso tapete de areia, tão grande quanto a eternidade.
— Pare! — ela pediu de repente. — Por favor, Nat... Quero guardar para sempre na lembrança esta
visão.
Sem o barulho do motor, a inércia aparente do deserto era impressionante. Geórgia prendeu a
respiração, temendo perturbar o silêncio absoluto. Tinha a exata sensação de que sua existência inteira
fora apenas um prelúdio para aquele momento.
As colinas de areia esculpidas pela intempérie ora mostravam-se iluminadas, ora imersas na sombra
negra e profunda. Nenhuma obra de arte feita pelo homem jamais chegaria aos pés daquela perfeição, ela
pensou.
—
Oh! Nat! — Suspirou, segurando na mão dele.
—
Sim, é difícil acreditar e humanamente impossível expressar em palavras, a não ser para os poetas. —
Ele
beijou
sua mão com carinho. — Sentimos algo indefinível sob a pele, cuja sensação nunca mais perderemos. E
temos a impressão de estarmos diante de um verdadeiro passe de mágica, principalmente numa noite
como a de hoje, não é?
Totalmente hipnotizada, Geórgia não respondeu. Respeitando-a, Nathan deu a partida no jipe e saiu
devagar para não perturbar seu deleite.
Subitamente, porém, do alto de uma colina, avistaram um mundo diferente, semelhante a um conto de fadas.
A medida que desciam pela duna, a paisagem erma ia se transformando num vale verde de nuanças
indefinidas, apinhado de palmeiras, espelhos d'água e ruínas de construções antigas.
Um oásis! O coração pulsante do deserto e o palco de histórias durante mais de dois mil anos! Abrigo
protetor contra o sol escaldante para os viajantes das caravanas no lombo de camelos!
Com certeza, deviam ter acontecido muitas guerras para dominar aquele pedaço de terra, Geórgia
divagava quando uma visão estonteante quase lhe tirou o fôlego.
Sobressaindo a tudo, emergia da areia plana uma tenda preta de proporções gigantescas, digna dos
cenários de Hollywood. Em toda a borda do teto ligeiramente abaulado, pendiam soltos ao vento minúsculos
pingentes dourados. Pelas laterais amplamente abertas, tochas flamejantes lançavam um brilho especial
aos grãos de areia.
No mesmo instante, Geórgia imaginou garanhões árabes pastando a grama, enquanto camelos cobertos
com ricos tapetes persas, descansavam perto das ruínas.
Ao contar a Nathan, ele apenas sorriu, apontando para a frente, enquanto contornava a tenda para
estacionar o jipe. Ela olhou e então entendeu o motivo do sorriso.
Uma coleção de Rolls-Royce modernos, com as peças de cromo luzindo, enfileirava-se lado a lado no
estacionamento. No mesmo instante, associou a opulência e a ostentação ao conto As Mil e Uma Noites. E,
como não podia faltar, na entrada principal da tenda, havia uma passadeira vermelha, trabalhada em fios
de seda.
Primeiramente, Nat apresentou-a ao sheik. Bastante impressionada, Geórgia notou um certo carisma na
figura alta, elegante e de barba escura, cujos olhos negros e brilhantes a analisaram com intensidade.
Embora usasse cafetã e turbante, o sotaque inglês e as maneiras eram de uma pessoa recém-chegada de
Oxbridge.
— Bem-vinda a Raqat, srta. Maitland. Peço desculpas pela minha intromissão em sua noite, mas fiquei
muito contente por terem atendido prontamente a meu chamado.
Será que havia um quê de ironia no tom dele?, Geórgia se perguntou, descartando a ideia em seguida.
—
Foi muita bondade ter me convidado, Excelência.
—
Espero que se divirta. — O sheik inclinou a cabeça num cumprimento sério e depois virou-se para
Nathan. — Nathan, por favor, leve-a até Mina.
Mina, a irmã mais velha do sheik e que também falava inglês fluentemente, apresentou Geórgia às
demais mulheres da festa, na maioria, moças jovens e bonitas, usando o tradicional vestido longo e véu,
encobrindo parcialmente o rosto. Uma ou outra vestia-se à moda europeia, mas com extremo recato, sem
nunca deixar à mostra os braços, as pernas ou o colo.
Graças à orientação de Nat, Geórgia não se sentiu vulgar no meio delas.
Enquanto bebericava o coquetel, um exótico suco de frutas e licor, seus olhos procuravam Nathan
constantemente. E, apesar de conversar nas rodas masculinas, ele correspondia a seus olhares clandestinos
com mensagens secretas. Uma experiência nova e excitante que ela considerou sugestiva dentro daquele
ambiente.
Pouco a pouco, os convidados foram se acomodando nos sofás de couro, e Geórgia os seguiu, preferindo as
almofadas de aparência confortável, colocadas sobre o tapete.
Mal acabara de sentar-se, sentiu uma carícia extremamente sensual nas costas. No mesmo instante, seu
coração disparou, e um arrepio percorreu-lhe a espinha. Sabia muito °em de quem se tratava, mas não o
deixaria perceber sua reação ridícula.
Controlando-se, Geórgia olhou para trás e deu um sorriso discreto.
—
Olá, Nathan.
—
Olá! — Ele se sentou a seu lado, fixando o olhar em sua boca. — Está sobrevivendo?
Por que ele tinha de olhá-la daquela maneira?, ela pensou, sentindo a resolução de esconder seus
sentimentos evaporar num segundo.
— Mais do que isso. — Num gesto amplo, ela indicou os principescos tapetes persas das paredes e os
metais dourados, refletindo as tochas incandescentes. —Você estava certo, Nat. Seria uma pena se eu
tivesse perdido tudo isto e...
Naquele momento, um garçom aproximou-se, depositando uma bandeja de canapés em uma mesa
próxima. Geórgia se serviu, procurando ignorar a centelha de desejo nos olhos atentos de Nathan.
—
E? — ele insistiu, ao ficarem a sós.
—
Estou muito contente, porque finalmente encontrei a fonte de inspiração que me faltava. O estímulo
para minha criatividade! — Diante do olhar surpreso, ela sorriu com ar de pura inocência. —Afinal,
como já disse, foi por este motivo que fiz a viagem.
—
Oh, sim, claro! Foi justamente isso que pensei quando a levei para mergulhar e quando decidi trazê-la
comigo. Aliás, tenho em mente várias outras ideias que vão lhe inspirar ainda mais... — Então, ele
pegou um canapé da bandeja e colocou-o delicadamente entre os lábios de Geórgia.
Enquanto o saboreava, ela pensou que talvez devesse mudar de assunto. Alguém mais próximo poderia
perceber que flertavam.
—
Nat, você... resolveu o problema com o sheik? — perguntou, indecisa.
—
Não era propriamente um problema. — Ele sorriu, notando sua confusão. — Na verdade, ele
queria apenas meu apoio para uma decisão que havíamos tomado há algum tempo. Alguém estava
sugerindo mudanças. Porém, está tudo sob controle agora.
—
Que bom — ela falou, prestando atenção num grupo de homens que conversavam, animados, do
qual participavam o sheik e a irmã, que parecia enfrentá-los de igual para igual. — O sheik também é
oceanografista, Nat?
—
Não. — Nathan acompanhou-lhe o olhar. — Freddy se graduou em matemática, e Mina se formou
em química. Aliás, ela é muito competente. Foi nomeada há poucos dias para ocupar o cargo de
conselheira-chefe do Departamento de Desenvolvimento da Indústria do Petróleo.
—
Puxa! Eu nunca teria imaginado!
—
Admite então que este reino não é retrógrado como pensava? Que aqui não existe nem machismo nem
chauvinismo?
—
Eu não diria...
—
Ora, confesse que fez um julgamento apressado. Pode imaginar um governo ocidental tendo coragem
para nomear uma mulher para um departamento desse porte?
—
Não posso prever o futuro... — ela se esquivou. — Mas confesso que estou impressionada e admiro
Mira. Pelo que disse, parece uma pessoa formidável e inteligente. Digo o mesmo do sheik por sua coragem.
Deve ter sido difícil tomar essa decisão, frente a tantos homens.
—
Na verdade, não foi. A avó de Freddy introduziu a educação primária obrigatória para meninas,
e a mãe foi chefe do Departamento de Medicina do reino. Como vê, a emancipação da mulher aqui não é
nenhuma novidade!
—
Ora, você...
Ela o empurrou de leve e, em seguida, sondou ao redor com medo de ter cometido uma indiscrição. Por
sorte, todos olhavam para um grupo de músicos que acabava de chegar.
—
Calma — Nat murmurou em seu ouvido. — Vamos ver a dança exótica agora.
—
Oh! — Geórgia suspirou. Não tinha a mínima disposição para ver a dança do ventre. — Temos
mesmo de ficar para a dança, Nat? Estou tão cansada...
Ele a encarou com intensidade, fazendo-a corar.
— Também sinto o mesmo cansaço que você, Geórgia. Ela notou que o tom de voz contradizia as
palavras dele.
—
Mas seria indelicado sairmos agora. Esse tipo de show não é longo, e acho que vão apresentar uma
dança clássica.
Quando há convidados estrangeiros, as danças exóticas são consideradas inadequadas pelos padrões
árabes.
Os músicos deram início a uma música peculiar dos bazares, tocada com instrumentos de corda.
Pequenos sinos presos aos quadris das dançarinas intensificavam o ritmo popular. No auge da dança, as
mulheres giravam rápido e com destreza, hipnotizando a plateia que acompanhava a música com palmas.
O show representou para Geórgia o ponto culminante de um dia repleto de novidades que jamais
esqueceria, nem se vivesse cem anos.
Porém, suas forças haviam se exaurido, e, somente ao término da dança, ela percebeu que estava
recostada em Nat. — Vamos embora? — Ele se levantou, oferecendo-lhe a mão. — Você deveria estar em
casa a esta hora. E na cama. Ao ouvir a ultima palavra, ela sentiu o rosto corar e virou-se, dando um
passo para que ele não percebesse nada. Despediram-se do sheik e da irmã e saíram abraçados. Geórgia
apoiara a cabeça no ombro de Nathan. Perto do lago, pararam para admirar o veio de águas
cristalinas, correndo sobre uma pedra grande. A lua cheia parecia acompanhar o fluxo da água.
De repente, ele se virou e tomou-lhe a face entre as mãos. — Geórgia, jamais me esquecerei deste dia e
desta noite. E voltaremos aqui sozinhos, é uma promessa. Quero lhe mostrar todos os aspectos do deserto e
todas as variações. Vê aqueles picos, lá no alto? Quero levá-la até lá, para nadarmos num lago escondido de
água fria e cristalina. Oh, quero fazer tantas coisas junto com você!
Ele a beijou de leve e por um instante explorou os lábios doces. Ela correspondeu ao gesto e ficaria ali
para o resto da vida, mas Nat se afastou, levando-a para o carro.
A viagem de volta foi rápida. O movimento das ruas já diminuíra, e Geórgia começou a sentir-se nervosa
e tímida quando se aproximaram do prédio. E mais ainda quando se viu sozinha com Nathan no
elevador.
O que aconteceria quando fechassem a porta do apartamento? Talvez o momento mágico houvesse
passado. Ou, talvez, ele tivesse levado a sério seus protestos de cansaço. Tentando conter a ansiedade,
Geórgia entrou no apartamento, e dirigiu-se para a sala de estar. Em seguida, com certa relutância, tirou o
cafetã.
—
Foi muito apropriado eu ter ido com o cafetã por cima do vestido — falou, dobrando-o. — Mas é melhor
eu
comprar
outro presente para Lissa. Acho difícil uma fazendeira, no País de Gales, encontrar ocasião para usá-lo.
—
Você deveria guardá-lo como lembrança de uma noite especial. — Fitando-a, Nathan tirou a roupa de
suas mãos e colocou-a sobre uma cadeira. Em seguida, segurou Geórgia pela cintura e puxou-a para si. —
Encontrará bijuterias lindas nos bazares do centro para Lissa.
—
Acho que...
Os olhos cinzentos a hipnotizavam. Ela não conseguia falar e tampouco pensar. Apenas retribuiu o
olhar.
—
Oh, Geórgia, querida... — ele sussurrou, acariciando-lhe os cabelos. — Por que perdemos tanto
tempo naquela festa? Devíamos ter ficado aqui.
—
Não posso responder a essa pergunta, Nat. Fui contra, lembra-se? Minha vontade era...
Ela o beijou com um ar maroto e enfiou a mão por dentro da camisa dele para lhe acariciar o peito,
sentindo na ponta dos dedos a pulsação forte e acelerada de seu coração. Tão forte quanto a dela.
—
Será que entendi direito, Geórgia? Arrependeu-se de ter visto o deserto? — Ele lhe segurou as mãos,
prendendo a respiração. — Arrependeu-se de ter conseguido a inspiração para sua criatividade e de ter
experimentado algo que guardaremos na lembrança para sempre?
—
Oh, não! Só estou dizendo que a escolha não foi minha...
—
Ah, entendi... Quer recomeçar do ponto onde paramos há três horas?
E, antes que ela pudesse responder, Nat a pegou no colo e a carregou para um quarto que era muito
parecido com o dela. Com uma única diferença: em vez de duas camas, havia apenas uma de casal,
forrada de chintz azul.
—
Você tem certeza do que deseja? ele perguntou, cobrindo-a de beijos.
—
Sim.
Os corações batiam com violência num compasso único. Nathan a pôs no chão delicadamente e a segurou
pelo queixo, então, sem resistir, ela lhe ofereceu os lábios entreabertos, surpreendendo-se com sua própria
falta de acanhamento.
Deixou-o explorar cada milímetro de sua boca, enquanto as mãos acariciavam os seios intumescidos.
Como nenhuma teoria se comparava à prática, nenhum livro ou nenhuma história ouvida pelas amigas
fez jus ao prazer alucinante que sentiu naquele momento. O desejo de se entregar a Nat a corroía.
Com movimentos lentos, ele abriu o zíper do vestido de Geórgia e afastou as alças de seus ombros,
fazendo com que a roupa caísse ao chão.
Ela imaginou que fosse sentir-se tímida, culpada e cheia de pudor, mas nada disso aconteceu. Ao
contrário, os sentimentos dominantes eram de impaciência, anseio e consciência plena de sua
sensualidade, até então contida.
Ajudou-o a desabotoar a camisa, e, quando suas mãos tocaram o peito viril, sentiu uma alegria
indescritível. Então, instintivamente, encostou a face no pescoço dele, aspirando o perfume másculo e
inebriante.
— Oh, Geórgia! — Nat segurou suas mãos e, virando-as para cima, beijou-lhe as palmas. — Tem
ideia do que está fazendo comigo, amor?
1
— Talvez o mesmo que faz comigo... Sem comentários, ele a levou para a cama e se deitou a seu lado,
voltando a acariciar-lhe a curva dos seios.
—
Sabe... — Nat murmurou entre um beijo e outro. — Sempre desejei ficar assim, como agora. Desde
o primeiro dia em que a vi lá embaixo, no saguão.
—
Não acredito — Geórgia disse, surpresa. — Você não deixou transparecer nada.
—
Se estivesse preparada para ver, teria notado.
—
Oh, Nat... mas você prometeu...
—
O quê, amor?
—
Sem laços ou compromissos e...
—
E?
—
Acreditei em sua sinceridade.
—
Mas fui sincero. Vou lhe provar isso.
Segurando os braços dela, Nathan se inclinou e continuou a beijá-la, primeiro com ternura e depois com
crescente paixão, desde o rosto e os cabelos até os ombros, os seios e as coxas.
Geórgia nunca imaginara que aquelas carícias pudessem lhe despertar tantas emoções. Sem se conter, soltou
uma das mãos e correu lentamente a ponta dos dedos pelas costas musculosas.
—
Geórgia... — Nathan sussurrou, mordiscando-lhe os seios, enquanto ela arqueava o corpo.
—
Oh, Nathan... Nunca sonhei que pudesse ser tão maravilhoso.
—
Prometo a você que será inesquecível... — Ele ergueu a cabeça, fitando-a.
Em seguida, deixando-se levar pelo turbilhão de sensações enlouquecedoras que os dominou, ele continuou
fazendo promessas... Prometeu-lhe o céu, as estrelas, o paraíso...
CAPITULO VII
A luz forte do sol já penetrava através da cortina, quando Geórgia acordou.
De costas na cama, ela sorriu de felicidade, correndo os olhos pelo ambiente semiconhecido. Ao lado,
sobre uma poltrona de veludo azul, jazia seu vestido e uma única peça de lingerie: a calcinha branca
rendada. Seu rosto enrubesceu, ante a lembrança da noite anterior.
Ela suspirou. Algo de extraordinário acontecera em sua vida, uma experiência sublime. Ainda sorrindo, pegou o
travesseiro onde a cabeça de Nat estivera apoiada e, num impulso, encostou-o na face. Então, aspirou o perfume e
abraçou-o com força.
De repente, recordou-se de que se encontrava sozinha no apartamento. Nathan a acordara logo cedo com
um beijo suave na boca e informara:
—
Preciso ir, amor.
—
Oh, não, por favor. — Ela acariciara o peito másculo, fitando-o com atrevimento para persuadi-lo a
ficar na cama. — Não vá ainda, Nat.
No mesmo instante, gemendo de prazer, ele se apoiara sobre o cotovelo, afastando uma mecha de cabelos do
rosto dela, cobrindo de beijos suas pálpebras, a face e a boca. Depois, com um suspiro mais profundo,
inclinara-se sobre ela.
Geórgia, por sua vez, abraçara-o para sentir a pele quente de encontro aos seios, ansiosa para deleitar-se
de prazer mais uma vez. Suspirando de.felicidade, rendera-se totalmente, concluindo que ambos eram
vítimas do mesmo poder de sedução.
Momentos após atingirem o clímax, Nathan, finalmente, levantara-se, enquanto ela continuara deitada.
Primeiro, revendo cada cena, relembrando cada sensação, e depois acabara dormindo novamente.
Olhando para o relógio de cabeceira, viu que era tarde. Levantou-se e tomou banho. Ainda assim,
continuava com a sensação de prazer no corpo. Cada vez que passava diante de um dos espelhos do
apartamento, via o próprio sorriso e um inconfundível ar misterioso em seu semblante. Um ar de
felicidade!
Ela suspirou, lembrando-se de que Nat, antes de viajar, dera-lhe um outro beijo rápido de despedida.
Ainda podia sentir o rosto recém-barbeado encostado ao seu. O perfume dele persistia em sua memória.
Fora difícil controlar-se e não o seduzir outra vez, atraindo-o para a cama!
— Voltarei assim que puder, querida — ele sussurrara em seu ouvido. — Não sei como vou viver os
próximos dias sem você, amor.
E, pressentindo o perigo iminente, Nathan saíra rápido. No mesmo instante, ela o transferira para seus
sonhos.
Ainda bem que Ismail e Enna ainda não haviam retornado do passeio, caso contrário não poderia
circular pelo casa à vontade e com roupas íntimas. Além disso, na solidão do apartamento, teria tempo para
considerar o que lhe acontecera, pensar nas consequências e no futuro...
Pensativa, foi para a cozinha preparar um lanche leve para driblar o calor escaldante. Lavava o alface,
quando de repente a campainha da porta soou.
Seria Nat? Com uma súbita esperança, Geórgia fechou a torneira, correu até o quarto, vestiu um robe e
dirigiu-se ao hall. Talvez ele tivesse cancelado a viagem por algum motivo! Que tolice!, pensou em seguida,
caindo em si. Nathan jamais tocaria a campainha, pois possuía a própria chave.
Ainda assim, quando abriu a porta e se viu diante de um entregador, não pode impedir-uma certa
decepção. Porém, animou-se quando notou que o rapaz carregava um ramalhete de rosas. Tão perfeitas
como jamais vira igual.
Ela agradeceu, fechou a porta e destacou o pequeno cartão preso na lateral. Sorrindo, abriu o envelope e
leu:
Querida Geórgia,
Obrigado pela noite encantadora. Estarei a seu lado antes do que imagina. Quero que compre um
vestido, o mais lindo que encontrar. Tenho um assunto especial para conversarmos.
N.
Durante alguns segundos, sua mente ficou paralisada. Um vestido? Uma conversa? O que Nathan
queria dizer com aquilo? Logo em seguida, lembrou-se do início do relacionamento e deu asas à
imaginação...
Ele mencionara naquela ocasião uma proposta?! Proposta ou pedido? Indecisa, releu o bilhete. Nathan lhe
pedia para comprar um vestido especial. Raciocinando com frieza, aquele pedido só poderia ter um
significado.
Esquecida da salada e cantarolando de alegria, ela se arrumou, apressada, decidida a procurar o vestido
naquele momento. Antes de sair, porém, parou no hall e procurou lembrar-se das lojas conhecidas da
cidade. Se Nat queria vê-la dentro de um vestido surpreendente, só havia uma butique realmente charmosa
e exclusiva em Raqat. Já a visitara uma vez e sabia que lá tudo custava uma verdadeira fortuna. Talvez não
tivesse dinheiro para pagar nem um simples lenço de seda, mas e daí? Usaria seu cartão de crédito,
decidiu, abrindo a porta.
Afinal, quando um homem como Nathan Trehearn enviava rosas, acompanhadas de uma mensagem como
aquela, uma mulher inteligente não deveria poupar esforços para lhe agradar.
Com um sorriso nos lábios, Geórgia se olhou no espelho pela última vez e ficou séria. Estaria caindo na
velha e conhecida armadilha? Deixando um homem ditar o compasso da música para que dançasse?
Possivelmente, pensou, notando que sua fisionomia continuava contente. Não havia outra possibilidade ou
outro caminho. Ter Nathan Trehearn como par e dançarem no mesmo ritmo era tudo o que mais desejava no
mundo!
No final da tarde, de volta ao apartamento, Geórgia deixou os pacotes na sala e dirigiu-se à cozinha para
preparar um chá de hortelã.
Já tomara a primeira xícara e preparava-se para enchê-la de novo quando ouviu o som insistente do
telefone, no escritório de Nat, e correu para atender.
— Alo?
Ciente de que apenas o sheik e seus funcionários tinham acesso àquela linha especial, não estranhou
quando ouviu um murmurinho em árabe, antes de uma voz feminina indagar, em inglês:
—
Srta. Maitland?
—
Ela mesma.
—
Um momento, por favor. O sr. Trehearn deseja falar-lhe.
—
Geórgia...
Além de timidez, Geórgia sentiu um arrepio de emoção. Ninguém nunca havia falado seu nome com aquela
entonação carinhosa e de forma tão íntima. Ela se sentiu amada, querida...
—
Nathan! Obrigada pelo... pelas rosas maravilhosas!
—
Ah, então chegaram? Eu ia escolher rosas vermelhas, mas não resisti quando vi as salmão. Frescas
e serenas, parecidas com você.
—
Fresca e serena?! Eu? De onde tirou essa ideia? O que fiz para você pensar que sou assim?
—
Hum... Estou numa posição privilegiada, conhecendo a verdade sobre você. E, desde que
continue se mostrando tão...
—
Nathan!
—
ela
o
repreendeu,
com
o
coração
batendo
forte no peito.
Ele riu, percebendo seu embaraço.
—
Você não deveria estar na Suíça? — Geórgia prosseguiu, mudando de assunto.
—
E estou. Na verdade, estou telefonando do escritório do sheik, neste país. E, agora, a boa
notícia... Voltarei amanhã!
—
Amanhã!
—
Você parece... feliz?
—
O que acha?
—
Que acertei. Conseguiu comprar o vestido que sugeri?
—
Oh, então era uma sugestão?! Encarei mais como uma ordem.
—
Ah, você acertou também! Fico contente por ter captado minha mensagem.
—
Bem, comprei um... Ele é...
—
Não me conte — Nathan a interrompeu, num tom misterioso. — Confio em seu senso artístico e pode
dar azar... Geórgia, chegarei em Raqat amanhã, por volta das nove horas da noite. E muito importante
que esteja pronta a essa hora. Vou levá-la para um evento muito especial.
—
Oh, Nathan! Você precisa me contar. Não aguento...
—
Sem perguntas, Geórgia. E uma surpresa.
—
Espero que seja agradável.
—
Bem, isso posso lhe afirmar, ou melhor, prometer. Agora, tenho de desligar, querida.
—
Oh, não...
—
Infelizmente, preciso. Durma bem.
—
Não vou conseguir fazer isso sem você. Boa noite, Nathan.
Eu te amo, ela sussurrou, após colocar o fone no gancho.
Era a primeira vez que fazia essa declaração simples e banal. Declaração antiquada, ultrapassada por
outras muito mais extravagantes, especialmente durante os instantes de doce tormento dos casais na
cama.
Nathan, com certeza, esperava o momento certo para fazer a mesma declaração. De certo, não fizera por
telefone porque seria embaraçoso, diante da possibilidade de outras pessoas ouvirem.
Geórgia parecia estar nas nuvens. O prazer que sentia era pleno e absoluto. Pudera, os planos de Nathan
a levavam a crer que ele iria lhe propor casamento. O que mais poderia pensar depois do que ele lhe dissera
ao telefone? Qualquer outra coisa seria uma decepção.
E ela não teria dúvida alguma quanto à resposta. Já tomara sua decisão.
No dia seguinte, às oito horas da noite, Geórgia tremia de nervoso. E se houvesse entendido errado?
Nathan podia estar querendo propor... Oh, céus, o quê? Qualquer coisa fora do alcance de sua imaginação,
menos casamento! E se ele sugerisse um feriado prolongado na índia, por exemplo?
Apesar de ter gasto grande parte do dia num salão de beleza especializado em todo tipo de relaxamento,
sua tensão, em vez de diminuir, aumentava com o passar das horas.
Caros e opulentos, os salões de Raqat ofereciam banho turco, massagens com óleos e unguentos, capazes
de afastar qualquer sinal de fadiga do corpo. E, para completar, confiara nas mãos hábeis de especialistas
para tratar dos cabelos com cremes e deixá-los mais sedosos, realçando as mechas douradas. As mãos e as
unhas foram igualmente cuidadas, tornando-as mais longas e graciosas do que nunca.
Tremendo ligeiramente, ela pegou o vestido de cima da cama e, com um cuidado extremo, colocou-o.
De seda oriental bege, era preso sob o busto, caindo em pregas suaves sobre os quadris. Assentava
perfeitamente nos ombros, como se tivesse sido feito exclusivamente para ela. O decote redondo suavizava o
colo, e as mangas franzidas apresentavam um debrum fino vermelho. Para se ver de costas, ela ajustou dois
espelhos. Realmente, estava muito charmosa. Junto com o vestido, havia comprado uma echarpe de seda,
pensando nos costumes do país, onde o corpo da mulher era considerado indecente.
Fazendo um teste, jogou o tecido sobre os ombros e, no estilo árabe, cobriu a face com uma das pontas,
deixando apenas os olhos verdes de fora, os quais se transformaram em duas esmeraldas de brilho intenso.
Nathan a aprovaria, com certeza.
O som de uma chave na fechadura a fez estremecer de novo. Rapidamente, tirou a echarpe e correu
para o hall.
Com uma das mãos escondida atrás das costas, Nathan entrou e se aproximou, sorrindo. De repente,
parou e examinou cada detalhe de sua aparência, enquanto ela fazia o mesmo com ele.
Nathan parecia um perfeito modelo. Magnífico! Por coincidência, o terno marrom-claro, impecável,
combinava com a cor de seu vestido. Usava camisa branca de seda e gravata de cashmere. Ah! E o
perfume almiscarado era delicioso. Os cabelos foram aparados, não muito curtos, dando-lhe um ar
sofisticado. Ele transcendia à imaginação de qualquer mulher.
Sorrindo, Nat continuava imóvel, fitando-a. Estaria zombando dela? Não. O sorriso íntimo e o olhar
intenso provocaram um disparo em seu coração.
Mas por que ele apenas sorria, em vez de tomá-la nos braços? Ela estava morrendo de saudade!
De repente, Geórgia percebeu que ele falava:
—
Você está esplendorosa!
—
E você...
Sem jeito, ela interrompeu a frase no meio. Não ficaria bem dizer o mesmo para ele. E, afinal, apenas
esperava ser carregada para o quarto e que ele desistisse do passeio programado.
Mas, em vez disso, Nathan tirou a mão das costas e ofereceu-lhe um buque de rosas, cujas cores
variavam do marfim ao âmbar, envoltas em brotos de samambaia.
— Para uma noiva linda... — ele sussurrou.
Com lágrimas nos olhos, ela tocou um dos botões de rosa.
—
Oh, Nat! Você está me mimando.
—
E pretendo mimá-la muito mais. Quero que se case comigo, Geórgia. — Com um gesto, ele a
impediu de responder. — Ouça, ainda não disse tudo. Quero que se case comigo agora... esta noite.
—
Nathan!
A felicidade de Geórgia sobrepujou o choque causado pelas últimas palavras dele. E a certeza de ser
amada triunfou sobre a dúvida que nutria, escondida em seu coração... Ela exultava de contentamento.
Sua satisfação era intensa e pura.
— Tenho algumas considerações a fazer, mas, um dia, com calma, explicarei melhor.
Geórgia não lhe deu atenção. Estava concentrada no buque.
—
Agora, podemos ir? — Nathan questionou.
—
Um momento.
—
Sim?
Emocionada, ela continuou parada por alguns segundos, com o buque nas mãos. Depois, ergueu o rosto, e
seus olhos brilhavam, cheios de promessas que a timidez a impedia de revelar.
—
Vou pegar minha echarpe — disse finalmente.
—
Espere.
—
Sim, amo?
—
Gostei de seu vestido. — Rindo, Nathan alisou suas costas com sensualidade. — Mas acho que
prefiro... Oh, desculpe-me, não posso deixá-la sem graça, expondo minha preferência... Afinal, você é uma
noiva.
Geórgia correspondeu ao sorriso e saiu em direção ao quarto, eufórica. Apanhou rapidamente a echarpe e a
jogou sobre os ombros. Depois, segurando o buque na frente, voltou ao hall.
—
Ficou melhor assim?
—
Você sempre está bem. — Ele a abraçou com carinho. — Pensei que soubesse disso. Vamos.
Um carro os esperava para levá-los ao heliporto, onde o aparelho do sheik, com o brasão na lateral,
aguardava-os.
Calada, Geórgia olhava para baixo, sem distinguir a realidade do sonho. Sobrevoavam o deserto mágico.
A lua brilhava intensamente, e havia a mesma extravagância de estrelas piscando como se fossem
minúsculos faróis.
Aterrissaram perto do oásis e da tenda, cuja aparência era totalmente diferente da do dia da festa.
Fora o sheik e a irmã, não havia outros convidados. Os tapetes de cores vivas tinham sido trocados por
tapetes de cores suaves, ricamente bordados com motivos de pássaros exóticos e flores.
Freddy os recebeu com efusão, demonstrando claramente seu contentamento. Vestia um cafetã, mas não
usava turbante, o que lhe dava uma aparência mais jovem. Geórgia e Nathan o cumprimentaram,
juntando as mãos no tradicional gesto de respeito.
Mina acompanhou Geórgia a um pequeno compartimento da tenda, onde a ajudou a enrolar a echarpe na
cabeça de um jeito especial.
Quando retornaram para junto dos homens, Geórgia estranhou ao ver Nathan de cafetã também. Depois,
pensando melhor, achou natural que ele se vestisse daquela forma. Afinal, estavam no deserto, e o sheik e
ele eram como dois irmãos. Além do mais, a roupa dava-lhe um ar romântico dentro da magnificência
daquele lugar.
Todos se posicionaram sobre um tapete especial, e, em pé, de frente para eles, Freddy iniciou a
cerimónia em árabe. Subitamente nervosa, Geórgia procurou a mão forte de Nathan.
Não tinha ideia do que estava sendo dito, até que o sheik encerrou a cerimónia em inglês.
— E, agora, pela virtude de meu poder e pelas leis de Raqat, eu os declaro marido e mulher. —
Freddy beijou a noiva e abraçou Nathan com força. — Desejo-lhes felicidades e que tenham muitos e muitos
filhos.
Mina também os beijou, desejando-lhes felicidades.
— Bem... Mina e eu precisamos partir agora, Nathan. — O sheik sorriu com malícia. — Tenho
certeza de que desculpará nossa pressa em sair. Mas vejo-ò amanhã, isto é, se você não estiver muito
ocupado!
Nathan e Geórgia assistiram juntos à decolagem do helicóptero. Quando o silêncio voltou a dominar o
ambiente, ela olhou ao redor, apreensiva. Em seu íntimo, ainda temia acordar e descobrir que o
casamento não passava de um sonho.
Como se adivinhasse seu pensamento, Nathan a envolveu pela cintura, devolvendo-lhe a confiança e o
espírito de realidade. Então, caminharam até o lago de águas cristalinas, e, diante do cenário maravilhoso,
ele a beijou com ternura.
—
Mal posso acreditar que isto esteja acontecendo, Geórgia.
—
Não está, Nat. Mas não importa.
—
Vamos para a tenda, querida. — Beijou-a de novo com ardor. — Os empregados nos aguardam com
uma ceia especial. Pena que não sinto fome.
—
Pois eu estou morrendo de fome! — Ela o contradisse para provocá-lo.
—
Você é tão romântica! — Nathan fez um gesto amplo com as mãos, indicando a natureza. — Ofereço-
lhe o deserto inteiro, as estrelas e a lua, e tudo o que me diz é que está morrendo de fome?
Com um ar de riso, Geórgia tornou a reparar na vastidão do deserto, no céu cheio de estrelas, no luar
iluminando as fantásticas dunas de areia... Obras da natureza que pareciam ilustrar a insignificância do
homem.
—
Desculpe-me, Nat. Estou muito impressionada e sou infinitamente grata a você. Não há nada mais
belo do que tudo isto que está me oferecendo. Aliás, a paisagem é a prova viva de seu poder.
—
Sua última observação me comoveu, querida. Obrigado. Mas, apesar de tudo, sei que ainda continua
morrendo
de fome, e eu lhe fiz várias promessas.
—
Ah, sim! Precisa me contar o que o sheik falou. Minha ignorância inglesa me deixou em desvantagem
em relação a sua sapiência arábica.
—
Bem, Freddy me obrigou a colocar sua felicidade em primeiro lugar, isto é, no topo da lista das
promessas.
—
Que ótimo!
—
Você, meus camelos e meus cachorros estão no mesmo nível.
—
É verdade?!
—
Claro!
Diante da expressão chocada de Geórgia, ele riu, divertido, e ela fez o mesmo.
Ambos ainda riam quando retornaram à tenda. Um empregado apareceu para recolher o cafetã de
Nathan e a echarpe de Geórgia. Muito sério e carregando as roupas, o rapaz os conduziu a uma pequena
alcova, atrás da sala principal, onde havia uma mesa posta para dois.
Embora pequena, a sala inspirava opulência. Tapetes orientais forravam as paredes, e a luz trémula das
velas dispostas em candelabros iluminava um aparador com bules, bandejas e punhais de latão polido.
Sobre divãs, esparramavam-se almofadas coloridas, bordadas com fios de seda. De novo, Geórgia se sentiu
parte da história de As Mil e Uma Noites.
O empregado colocou no centro da mesa travessas de frutas e de filés de frango, regados com um molho
de laranja e açafrão.
— Que delícia! — Geórgia exclamou, após provar a comida.
— Bem, pedi a Freddy para providenciar algo leve e suave para... — Nat fez uma pausa, dando
ênfase ao resto da frase. — ...Evitar que você tivesse um daqueles ataques de mal-estar. Você sabe...
Ela demorou um pouco para lembrar-se de que passara mal nos primeiros dias em Raqat e, em seguida,
teve vontade de rir, mas se controlou.
—
Que romântico você ter me lembrado desse episódio!
—
Não me provoque. Entenda... não ficaria bem para uma mulher jovem -e recém-casada sentir-se
mal na noite de núpcias.-
—
Pois fique sabendo que não tenho intenção de me conformar com pratos triviais ou qualquer
banalidade.
—
Já passou por sua cabeça que quando Saad e o cozinheiro forem embora de moto, você e eu ficaremos
sozinhos,
sem nenhum ser humano por perto? Por quilómetros de distância? Acho melhor começar a pensar com
seriedade em agradar a seu marido, como prometeu diante do sheik.
—
Ora, fui enganada! Eu não sabia o que estava acontecendo. Na verdade, não me lembro de ter sido
questionada
ou de ter feito qualquer promessa.
—
Hum... Vou lhe explicar, então, como as coisas são por aqui: a questão foi colocada, e seu silêncio
foi tomado como "sim" pelo sheik. Freddy até se congratulou por ter encontrado uma noiva conformada
e submissa para mim.
—
Ora... eu não sabia que ele tinha me encontrado!
—
Não?!
—
Não,
e,
para
ser
sincera,
penso
justamente
o
contrário.
O sheik encontrou você para mim.
—
Que seja! — Nathan segurou sua mão sobre a mesa. — O destino nos uniu, e lhe serei eternamente
grato.
Adotando uma postura séria, ele levantou o copo de vinho para brindar.
—
A nós, Geórgia! E a este nosso momento.
—
A você, Nathan. — Ela encostou o copo no dele. — A você, por me fazer tão feliz!
— Isto,
querida,
é
apenas
o
início.
Inclinando-se sobre a mesa, Nathan a beijou.
CAPITULO VIII
Nas semanas seguintes ao casamento, Geórgia sentiu-se nas nuvens. Levava uma vida repleta de
alegrias e prazeres. Parecia um sonho, do qual despertava apenas vez ou outra para surpreender-se de-
sempenhando as tarefas do dia-a-dia com entusiasmo. Jamais havia pensado em "criar juízo", como diziam
os pais ao ver os filhos se casarem. Na verdade, acontecia justamente o contrário com ela. Sua vida
passara a ser agitada, e não pacata como a de uma típica dona de casa.
Seu casamento se situava num plano diferente do que imaginara. Vivia num mundo exótico, excitante e
glamou-roso. E, claro, não existia nenhum outro homem igual a Nathan Trehearn na face da Terra!
O mais importante era que ele parecia se sentir da mesma forma. Lamentava os momentos que passavam
separados, procurando sempre a levar junto com ele, quando o trabalho o permitia. E, cumprindo a antiga
promessa, levou-a outra vez para mergulhar num fim de semana de céu azul.
Visitaram cavernas muito profundas, incrustadas em rochedos submersos, habitat de estranhas criaturas
marinhas.
Geórgia se mantivera calma durante os longos períodos de mergulho, consciente de que Nathan, e
apenas ele, podia inspirar aquela segurança.
Quando retornaram ao barco, ele lhe dera um beijo e a congratulara pela tranquilidade.
— Você ainda vai se tornar uma grande mergulhadora.
— Sabe, às vezes, pergunto-me por que se casou comigo?
—
Hum... Eu precisava desesperadamente de alguém que soubesse tomar notas entre...
—
Oh, que pena! Com certeza, vai se decepcionar, pois nunca fui boa taquígrafa.
—
Não me deixou terminar, querida. — Ele erguera seu queixo, fitando-a intensamente. — Tomar notas
entre
outras qualidades, eu ia dizer.
No mesmo instante, ela enrubescera, sentindo o sangue correr mais rápido nas veias e uma vontade louca de
provocá-lo.
— Interessante! Outras qualidades... Posso saber quais são elas, exatamente?
Nat sorrira com malícia, observando seu corpo esbelto enquanto estendia a mão para soltar o laço que
prendia a parte de cima do biquini de Geórgia.
— Venha cá. Quero você perto de mim para poder explicar direitinho e com calma.
—
Oh! Nathan, não... — Ela lhe segurou a mão. — Alguém pode...
—
Fique tranquila, querida. Somos os únicos seres humanos em quilómetros de distância. Disse-lhe a
mesma
coisa
quando estávamos no deserto, lembra-se?
—
Sim, mas...
—
Otimo. — Ignorando seus protestos, Nat a puxara pela cintura e, prendendo-a junto a seu corpo
molhado, beijara sua boca, a nuca e os seios. — Eu estava certo, e passamos três dias maravilhosos e
relaxantes.
Ela suspirara profundamente, percebendo o desejo latente de Nathan.
—
Maravilhosos e exaustivos exprimem melhor aqueles dias, não acha?
—
Esse seu suspiro é de exaustão, querida? Venha, vamos descansar na cabina, onde está fresco e
podemos discutir por que me casei com você.
Numa outra ocasião, ambos foram convidados para participar de um baile, no clube. No início, Geórgia se
negara a ir, relutante em voltar ao maldito clube. Após muitas discussões, por fim, concordara em prestigiar os
organizadores.
Imaginando os mexericos, arrumara-se com esmero, escolhendo para a ocasião uma saia comprida,
estampada com flores suaves e uma blusa de seda branca. A gola alta salientava o rosto, realçando a face
radiante de felicidade.
Como previra, vários homens solteiros vieram tirá-la para dançar, disputando sua atenção.
—
Não deve aceitar mais convites para dançar — Nat cochichara em seu ouvido, enquanto dançavam uma
balada antiga.
—
Por quê? — ela perguntara, num tom de voz inocente, acariciando-lhe a nuca. — Estou apenas me
divertindo.
—
Porque fico louco de ciúme, se quer saber.
—
Hum... E como pensa que me sinto quando dança de rosto colado com Melaine Jacobs?
—
Rosto colado?! — Fingindo indignação, ele tossira, afastando-se para encará-la. — Você está
exagerando e, além disso, já lhe expliquei que Melaine é uma amiga da família.
—
Talvez essa seja a principal razão para eu sentir ciúme — ela falara, séria, para provocá-lo. —
Bem, eu o proíbo de dançar com Melaine outra vez. E... você já lhe contou a nosso respeito?
—
Não, claro. Não combinamos manter segredo até falarmos com seu pai, na Inglaterra?
—
Ora, aquilo foi só uma ideia! E se ela é tão íntima assim de sua família...
—
Eu não disse íntima, Geórgia. — Nat meneara a cabeça, num gesto de censura. — Bem, Melaine até
sugeriu... Fiz o melhor que pude para despistá-la, e... Ora, por que está rindo?
— Ele
rira
também.
—
Você
adora
me
provocar,
não?
Geórgia fitava os olhos cinzentos, com ar inocente.
—
E você odeia provocações, não?
—
Esta é só uma das razões por que sou louco por você.
Entretanto, os dias de Geórgia conheceram a rotina quando Nathan foi obrigado a viajar, para participar
de uma série de conferências entre os países com interesses dire-tamente ligados ao mar Vermelho. A
viagem incluía Cairo, Amman e Riyadh.
A única maneira que ela encontrou para amenizar a dor provocada pela ausência de Nathan foi ocupar-
se o tempo todo. Voltou a dedicar-se aos desenhos, pedindo a Ismail para levá-la a lugares remotos, onde
podia observar tudo sem ser notada e sem ofender o povo local.
De vez em quando, admirava os próprios desenhos, que pareciam um verdadeiro caleidoscópio de cores.
O trabalho rendia bastante, preenchendo em parte os dias longos de solidão.
À noite, porém, virava-se, desesperada e agoniada, na cama, à procura da segurança do peito viril, ciente
do preço alto que pagava por amar demais.
Em seu mundo cor-de-rosa, não havia espaço para desconfianças e tampouco para maus pressentimentos.
Jamais passara por sua cabeça que seu casamento estivesse prestes a acabar e de forma precipitada e
traumatizante, como tudo acontecera.
Tudo se iniciou num dia normal, como qualquer outro, exceto pelo fato de que Nathan chegaria de
viagem, e Geórgia estava eufórica. Já havia ido ao cabeleireiro e também preparara um prato especial, pois
Ismail e Enna haviam tirado folga. Só voltariam no final da tarde, do dia seguinte.
Sozinha no apartamento, Geórgia organizava seus desenhos na pasta. Separara dois esboços de Enna,
com a intenção de dar-lhe assim que a visse novamente, e os demais, havia guardado, pois ainda cultivava o
sonho de algum dia retomar a carreira de estilista e pretendia utilizá-los como fonte de inspiração.
De repente, a campainha soou. Daquela vez, ela não pensou na possibilidade de ser Nat. Afinal, na noite
anterior, ele telefonara, avisando-a de seu horário de chegada, e ainda era muito cedo. Além disso, possuía a
própria chave.
Colocando os desenhos de lado, ela se levantou, com calma. Porém, quando abriu a porta, quase caiu de
susto, ao ser praticamente empurrada de lado por uma mulher loira, de óculos escuros, seguida pelo
porteiro. Com um ar amedrontado, ele carregava um número absurdo de malas.
Como se não tivesse notado a presença de Geórgia, a mulher dava ordens ao pobre homem, com
impaciência.
—
Ponha tudo naquele canto da sala.
—
Desculpe-me... — Geórgia tentou falar, quase em pânico. Não fazia ideia de como lidar com aquela
intrusão súbita. —A senhora deve ter se confundido, não? Este apartamento pertence a...
—
Aí está bom, obrigada — a estranha continuou, com seu sotaque sulista, ignorando-a.
Só depois de ter dispensado o porteiro, com uma gorjeta, virou-se, examinando Geórgia de alto a baixo,
com frieza. — Obrigada a você também, querida. Mas sei perfeitamente quem é o proprietário e gostaria de
saber quem é você e o que faz aqui em nosso apartamento?
Sem perceber, Geórgia examinou-a também. Devia ter mais ou menos trinta anos e vestia-se sem
pretensão, embora as roupas fossem de griffes caras. A camisa leve, azul-celeste, tinha o mesmo tom dos
olhos.
—
Nosso?! — Geórgia finalmente se conscientizou das palavras ditas. — Quem pensa que é o dono...
—
Nat não está aqui, querida?
—
N... não. Mas quem é você?
—
Marylou. — Ela deu um sorrisinho irónico. — Não é estranho como os homens se esquecem de
mencionar alguns assuntos? Nathan não lhe disse que tinha esposa, doçura?
Não, não era nada estranho, Geórgia pensou. Ninguém melhor do que ela sabia que os homens se
esqueciam de mencionar esse ponto importante às vezes. Mas até Nathan?
Subitamente, sentiu uma dor profunda no peito, seus olhos se encheram de lágrimas e o cérebro parecia
um novelo de lã emaranhado, negando-se a prestar atenção no que a mulher falava.
—
Philippa?! — Geórgia indagou, ao ouvir aquele nome estranho. — Quem é...
—
Sim, Philippa, minha filha. Coitadinha, ela sempre pergunta quando o pai vai voltar para casa.
As crianças sentem tanta falta dos pais, não é? Este tipo de consideração nunca passa pela cabeça de... —
Ela fitou Geórgia com superioridade, deixando claro que a culpava pela tristeza da filha. — ...Gente de seu
tipo, mas... onde está Ismail? Preciso de ajuda para carregar as malas para o quarto.
Aturdida e com as pernas bambas, Geórgia se deixou cair na cadeira mais próxima.
— Dei folga aos empregados. Voltarão amanhã, no final da tarde.
Marylou não escondeu a irritação e, após fazer menção de pegar as malas, voltou-se para Geórgia.
—
Então é a srta...?
—
Maitland. Geórgia Maitland.
—
Pode me dar uma ajuda, srta. Geórgia Maitland?
Sem dizer nada, Geórgia se levantou, pegou duas malas pequenas e seguiu-a pelo corredor. Para seu alívio, a
americana escolheu o último quarto, em vez do que ela e Nat partilhavam.
— Oh, estou morrendo de sede! — Marylou exclamou e, assim que colocou as malas no chão, virou-se na
direção da cozinha. — Preciso de uma bebida bem gelada.
Geórgia simplesmente a seguiu.
— Bem, srta, Maitland, por que não me conta o que faz aqui e... quando Nat voltará?
Geórgia respirou fundo e, num esforço sobre-humano, procurou agir com frieza.
—
Não sei ao certo. Acho que Nathan está participando de reuniões importantes... Para ser sincera, seu
marido não me conta tudo e... — De repente, a voz falhou, e seus olhos se encheram d'água. Afinal,
estava sendo sincera, e sua falta de conhecimento a respeito da vida de Nathan era uma triste
realidade. No entanto, Marylou não devia perceber quanto estava abalada. — Não faço a mínima ideia
de quando ele vai voltar.
—
Oh, eu já imaginava! Isso não é novidade alguma, pois Nat sempre fez segredo de suas idas e
vindáS. E é justamente por este motivo que estou curiosa para saber o que faz aqui, srta. Maitland. Afinal,
uma qualidade ele costumava preservar... a discrição.
Sem palavras, Geórgia apenas a fitou. Sentia-se miserável e sabia que não adiantava querer esconder
seu estado de espírito. Sua dor devia ser óbvia, pois acabava de saber que não passava de mais uma das
mulheres de Nathan. Ele devia ser um mulherengo incorrigível, e Marylou apenas aceitava o fato, como
muitas esposas traídas o faziam.
— Bem, com licença, preciso dar alguns telefonemas — Marylou a avisou de maneira afetada. — Tenho
muitos amigos em Raqat.
Em seguida, Geórgia a ouviu discando do aparelho do hall. Procurando não escutar a conversa,
caminhou, apressada, para seu quarto. Mesmo assim, ainda pôde ouvir algumas frases soltas.
— Olá, Melaine. Oh, o vôo foi excelente! Não, não... Philippa ficou com os avós, mas prometi a ela...
Geórgia gelou. Melaine! Só podia ser uma pessoa, claro. Melaine Jacobs, a amiga da família.
Com a mente trabalhando em círculos, começou a juntar as peças do quebra-cabeça. Nathan apenas havia
se esquecido de ser objetivo e mencionar a "amiga de minha esposa".
— E então? — Subitamente, Marylou apareceu na porta do quarto. — Não vai me explicar por que
está aqui, no apartamento de Nat? Como eu disse, o cenário não é comum.
Não seria mesmo comum? Geórgia pensou, curiosa, mas em hipótese alguma se rebaixaria a ponto de
perguntar.
De queixo erguido, olhou diretamente nos olhos de sua atormentadora e explicou com poucas palavras a
confusão com as datas da volta de Pete. Na verdade, tudo se iniciara naquele dia.
—
Se quiser confirmar a história, pergunte a Pete.
—
Oh, claro — Marylou falou, com sarcasmo. — E, com certeza, Nathan estava por perto, com uma
oferta irresistível, certo?
Virando-se de costas, Geórgia começou a tirar as roupas do armário.
—
Perfeitamente. Aliás, foi muita bondade da parte dele.
—
Ah, sim. Essa é uma das qualidades de Nathan, a bondade extrema, principalmente com mulheres
jovens. — Marylou acendeu um cigarro e soprou a fumaça para dentro do quarto. — E aposto como vai
querer que eu também acredite que os dois pombinhos não dormem juntos.
Geórgia jogou as roupas dentro da mala e, depois de fechá-la, encarou Marylou por um momento.
— Acho melhor eu ir embora agora. Por favor, dê-me licença...
— Bem, já que tomou essa decisão, fico contente com sua atitude ponderada. Odeio quando fazem
cenas. Você sabe, às vezes, elas...
Duas horas mais tarde, Geórgia se viu sentada no saguão do aeroporto, à espera de seu vôo, sem ter a
mínima ideia de como havia chegado até lá. Não se lembrava de ter pego o táxi nem do trajeto pelas ruas da
cidade que tanto adorava.
Seu único pensamento fora escapar, encontrar um esconderijo onde pudesse se abrigar, curar as feridas
do coração e tentar recompor a vida, mesmo que as possibilidades fossem remotas.
E só havia um lugar onde poderia se sentir segura: em seu apartamento em Londres. Lá, poderia
trancar a porta com ferrolhos, cerrar as persianas e chorar à vontade na solidão. Poderia derramar um rio
de lágrimas, até se sentir leve e livrar-se da tristeza e da agonia. Encerraria assim mais um capítulo
desastroso em sua vida.
Pelo menos num ponto a sorte parecia estar de seu lado. No momento em que abordara o balcão de
embarque, a operadora recebia um telefonema de alguém cancelando a viagem para Heathrow, seu adorável
aeroporto na Inglaterra.
Uma pequena parte de seu problema fora resolvida naquele instante. Além de não se preocupar com
hotel para passar aquela noite, sentia-se aliviada por se ver livre das malas. Felizmente, logo estaria
embarcando.
Com os problemas práticos resolvidos, todo o seu pensamento concentrava-se em bloquear qualquer lembrança
dos últimos acontecimentos. Seu grande desejo era jamais ter ouvido falar de Raqat e muito menos visitado
aquela cidade ou o deserto.
A sua volta, o movimento de pessoas embarcando e desembarcando continuava. Os vestidos longos e
bordados a faziam lembrar de... do filme Lawrence d'Arábia. Isso mesmo, do filme e ponto final. Para
sempre!
Com o firme propósito de não pensar mais em sua angústia e espairecer, Geórgia se levantou e caminhou
até o outro extremo do saguão, com determinação. No entanto, ao passar por uma porta espelhada, quase
morreu de susto, vendo a própria imagem refletida. Ninguém diria que Geórgia Mai-tland era aquela moça
alta, magra, de cabelos loiros escorridos, encobrindo a metade do rosto. Um rosto pálido, e os olhos verdes,
sempre tão brilhantes, sem nenhuma vida.
Indignada, voltou a caminhar, parando em seguida, em pânico.
No centro da ala de desembarque, havia um grupo de homens: cinco ou seis árabes e dois europeus. Um
deles, o mais alto do grupo, era o último homem da face da Terra que ela gostaria de encontrar. Por uma
fração de segundo, o contemplou, sem conseguir desviar a vista.
Nathan conversava, muito seguro de si. Ambas as mãos se movimentavam para explicar algo
interessante que todos prestavam a atenção e riam.
Por um lado, ela sentiu uma dor lancinante no peito e, por outro, um prazer perverso em admirar a figura
dinâmica daquele homem tão à vontade no controle da situação e... tão lindo! Oh, sim! Reconhecia finalmente
a beleza nos traços que a impressionaram no início pela força e pela determinação que emanavam.
Amargurada, admitia também que ele preenchia todos os requisitos que sonhara encontrar num homem.
Um soluço fechou sua garganta, ameaçando sufocá-la. Naquele preciso momento, Nat ergueu a cabeça e,
sorrindo, distraído, olhou em sua direção.
Instintivamente, Geórgia escondeu-se atrás de um pilar e, gelada de medo, rezou para não ter sido
vista. Porém, seus olhos espreitaram o sorriso desaparecendo do rosto de Nathan, assim como o espanto da
expressão.
Ele se desculpou com o grupo e começou a andar a passos largos, cruzando o saguão quase vazio,
enquanto ela se apressava em direção à sala de embarque. Lá, estaria a salvo, até seu vôo ser anunciado.
Porém, a distância entre eles diminuía rapidamente.
— Geórgia!.
Ela fingiu não ouvir. Alguns passos a mais, e conseguiria escapar, isto é, não fosse uma família
inteira: pais, avós, filhos e netos com seus carrinhos de bagagem, impedindo sua fuga.
— Geórgia!
—
Já
ao
lado
dela,
Nathan
a
segurou
pelo
braço.
Ela o fitou. No olhar de Nathan, transpareciam sentimentos de surpresa, preocupação e ternura ao
mesmo tempo. Todas as emoções num só olhar. Emoções que apenas serviam para confundi-la.
Preferia mil vezes encarar uma expressão de raiva. Pelo menos, teria oportunidade de revidar.
— Nat...
Ela sorriu sem convicção, percebendo que ele desconfiava de algo. Talvez tivesse visto o cartão de
embarque nas mãos dela.
—
O que aconteceu, Geórgia? Recebeu alguma notícia ruim, querida?
—
Não, eu... Não é nada disso, acalme-se. — Ela procurou sorrir, fingindo despreocupação. —
Recebi um telefonema de Jordan, só isso. Lembra-se dele? Bem, Jordan me ligou hoje cedo,
oferecendo meu trabalho de volta. — Fez uma pausa, dando de ombros. — Pois é, achei melhor
aceitar a oferta.
Seu jeito despreocupado só tinha um motivo: queria magoá-lo assim como ele a magoara, sem
sugerir qualquer indício da profundidade de seu sofrimento.
Vendo-o passar a mão pelos cabelos, como alguém se controlando para não perder a cabeça,
chegou à conclusão de que havia conseguido enganá-lo.
— Não posso acreditar nisso — ele falou à meia voz. — E nós, Geórgia?
— Foi
um
erro
—
ela
respondeu
de
forma
seca
e
fria.
No fundo, desejava tê-lo acusado com todo seu ódio. Sabia, no entanto, que apenas o orgulho a
impedia de criar uma cena digna de uma epopeia. Se os dois se encontrassem sozinhos em algum
outro lugar, talvez gritasse e lhe atirasse no rosto seu conhecimento da existência da esposa e da
filha, omitidas de propósito por ele.
O orgulho a ajudou também em sua decisão de manter a frieza. Como Geórgia Maitland, uma
mulher com certa experiência, pudera cometer o mesmo erro idiota outra vez?
Como fora envolver-se com homens casados duas vezes consecutivas e em poucos meses?
Perdera toda sua auto-estima, e a única maneira de recuperá-la era tentando apagar tudo que se
relacionava ao fato. Erradicar as raízes de todas as lembranças!
Nathan continuava fitando-a. Parecia pálido, ou seria o efeito das luzes frias do aeroporto?
—
Um erro? — ele perguntou entre os dentes, apertando um pouco mais o braço dela.
—
Sinto muito, Nat — Geórgia se desculpou e arrependeu-se em seguida. Por que estava se desculpando?
Por
quê?
— Por favor, solte-me. Você está machucando meu braço.
Sem uma palavra, ele a soltou. Os olhos cinzentos, sempre tão luminosos, estavam frios e ausentes.
Naquele instante, ela se deu conta de que, apesar de tudo, gostaria de encostar a cabeça no peito viril e
pedir-lhe para negar, para desmentir a existência da mulher e da filha. Queria ser confortada e que ele
juntasse os pedaços de seu coração partido. Será que sua determinação e suas forças estavam chegando ao
fim? Precisava sair dali o mais rápido possível.
—
Estou esperando, Geórgia.
—
Mas eu já disse, foi simplesmente um erro. — Naquele momento, ela ouviu uma chamada nos alto-
falantes. — Preciso ir. Estão anunciando meu vôo. Eu...
—
Para Bagdá? Não acredito que esteja indo para Bagdá. De qualquer maneira, não vai a parte alguma
sem antes me dar uma explicação. Apenas um erro não é o suficiente para mim.
—
Ouça, seus amigos estão procurando-no. Por que não vai se encontrar...
—
Estou esperando, Geórgia. Aliás, estou tentando me controlar porque, se eu ficar nervoso, não
hesitarei em arrastá-la até o carro e mantê-la em Raqat. E por quanto tempo eu quiser, entendeu?
—
Não acredito que faria isso. Você...
—
Está vendo meus amigos? O homem mais baixo é o Ministro da Defesa de Raqat. Sabia que tudo
neste país é de propriedade do sheik? Se eu inventar uma história de que estão faltando um ou dois
objetos... Bem, você será detida até o assunto ser esclarecido.
—
Mas você... não seria capaz de fazer isso comigo.
—
E por que não? Está querendo se vingar de mim, certo?
—
Não, eu... — Geórgia quase deixou escapar as acusações, mas se controlou a tempo. — Já disse o
motivo, Nat. Não quero magoá-lo mais.
Infelizmente, falava a verdade. Mesmo após o comportamento abominável de Nathan, não havia
satisfação em sua tentativa de feri-lo ou magoá-lo. Se incluísse o nome de Jordan, sugerindo que haviam
reatado o antigo caso, isto é, dando a entender que havia um motivo pessoal para a vontade súbita de
retornar à Inglaterra, conseguiria convencê-lo com mais facilidade.
—
Vingança não combina com você, Geórgia.
—
Juro, foi um erro. Eu me enganei quando me demiti do emprego, e... Sinto muito.
Tola, ela se recriminou. Além de não mencionar Jordan ainda havia pedido desculpas! Com certeza, a
última coisa que Nat queria ouvir era um pedido de desculpas. Mas, talvez, aquele fosse o modo mais
digno de terminar um relacionamento.
— Entendo... — Ele pareceu resignado. — Se é assim... Eu também sinto muito, Geórgia.
De cabeça baixa, ela não se atrevia a encará-lo. Nathan realmente parecia sentido e desolado. E quem
era ela para julgá-lo? Ele devia ter motivos para agir daquela forma. Afinal, jamais imaginaria, nem por um
minuto, que Marylou fosse o tipo de mulher com quem...
— Nat, eu...
Insistentemente, os alto-falantes chamavam uma pessoa. Geórgia ergueu a cabeça, e eles se fitaram por
um momento.
—
Estão chamando-o, Nat. Parece urgente.
—
Como? Oh... sim!
Uma moça com uniforme da Aerolíneas de Raqat, segurando uma pasta, aproximou-se, apressada.
Nathan se inclinou para escutar melhor o recado.
No mesmo instante, Geórgia ouviu a chamada para seu vôo e virou-se. Era a oportunidade de sair dali,
sem olhar para trás.
Horas depois, quando o avião já sobrevoava o Mediterrâneo, Geórgia caiu em si. Estivera muito perto de
perdoá-lo, correndo o risco de ser persuadida a desistir da viagem ou de dizer adeus para sempre.
Esse pensamento a fez estremecer. Esgotada, apoiou a cabeça no encosto do assento e, só então,
derramou as lágrimas que estavam presas em seu coração.
CAPITULO IX
Quatro semanas mais tarde, Geórgia percorria as ruas de Londres, sentada ao lado do motorista de um
furgão alugado. As férias e os últimos acontecimentos em Raqat eram apenas uma vaga lembrança.
Após uma curva fechada, ela olhou para trás, verificando se as roupas do desfile não haviam amassado.
Não ganharia nada para mostrar sua minicoleção no hotel, a não ser publicidade por se tratar de um
desfile importante.
— É o principal evento beneficente da sra. Connie Bering o pai argumentara alguns dias após a chegada
de
Geórgia
à Inglaterra.
Ambos conversavam na sala da casa do pai, em Greenwich. William Maitland preparara dois cálices de
licor de cereja e entregara um à filha tristonha e calada.
—
Obrigada, pai.
—
Quando a sra. Bering me telefonou outro dia, pedindo ajuda, expliquei-lhe que você estava fora... no
exterior —ele prosseguira, observando a filha, cujo olhar perdido fixava o jardim. — Mas... você voltou tão
inesperadamente. Bem, a ideia pareceu-me ótima. Como sabe, David e eu servimos o Exército juntos, em
Aden. E, desde que subiu de posto, sua mulher se transformou. Lembra-se dela? Era tão irresponsável e
frívola, agora é a alma caridosa em pessoa... Geórgia, filha, que tal o licor?
—
Como? Oh, sim, você falava da sra. Bering!
—
Bem, é só isso. Pode ser muito bom para você puder ajudá-la nesse show de moda. Ainda não
encontrou nenhuma atividade?
Ela erguera o olhar para a fisionomia preocupada do pai.
— Não. Mas não se preocupe, amanhã começarei a procurar.
— E por que não participa desse trabalho primeiro? A direção da entidade está oferecendo uma verba
para a compra dos tecidos e já contrataram algumas costureiras. Poderá ser divertido, e, se entendi bem, a
televisão dará uma cobertura especial. Várias griffes famosas vão mandar representantes. Pense apenas na
publicidade, pois poderá ser mais valiosa do que o dinheiro, filha.
Por fim, Geórgia aceitara a proposta e, por esse motivo, trabalhara alucinadamente nas semanas
seguintes. Aliás, nunca imaginara ser capaz de tanta persistência diante do trabalho árduo.
As manhãs e as tardes passaram a ser tão exaustivas que, quando a noite chegava, ela mal encostava
a cabeça no travesseiro e seus olhos se fechavam de imediato, sem pensar em mais nada.
Porém, ao acordar, no dia seguinte, invariavelmente ta-teava a seu lado, à procura do homem que
amava. Ou pronunciava-lhe o nome. Felizmente, seu delírio, como costumava pensar, durava pouco.
Graças ao trabalho e a um firme propósito, as lembranças e os sonhos apagavam-se gradativamente,
apesar de não ser uma tarefa fácil.
Ainda cultivava um forte sentimento de mágoa, por ter sido traída, e amargura, por Nathan não ter feito
nenhuma tentativa de contato. Desejava uma explicação ou uma desculpa, mesmo que os argumentos dele
fossem nulos.
No fundo, talvez não fizesse questão de vê-lo outra vez. Aliás, era a última coisa que desejava... Mas, se ele
realmente quisesse procurá-la, teria pedido seu endereço a Pete Taylor.
Nathan deveria estar extremamente envergonhado. Ela até podia imaginar as histórias e os mexericos
que circulavam em Raqat, depois de sua volta à Inglaterra.
— Chegamos — o motorista informou, fazendo-a voltar à realidade.
Depois de estacionar o veículo, ele a ajudou a carregar as roupas para o hotel. Entraram por uma porta
lateral, indo direto para uma sala ampla, onde reinava o caos. Todas as modistas e as costureiras faziam os
últimos acertos nas modelos.
Como chegara em cima da hora, Geórgia foi logo chamada a apresentar sua coleção, mal tendo tempo de
preparar-se como queria.
Pelo menos, sentia-se confiante com a própria aparência. Vestia uma calça leve e a túnica que usara na
primeira vez em que... Bem, o importante era que se sentia confiante também com os vestidos que
apresentaria.
Ao desenhar os modelos, enfatizara o lado alegre da moda, usando como inspiração vários esboços de sua
viagem a... ao Oriente Médio. As roupas, na maioria, eram exóticas e impraticáveis para o dia-a-dia de
muitas mulheres. Mas fizera isso de propósito, pois sabia que aquela audiência, acostumada ao luxo, não se
interessaria pela roupa prática.
Geórgia se considerou com sorte quando viu as garotas escolhidas para apresentar seus vestidos. Além de
profissionais, eram as mais atraentes. Até ela prendeu a respiração, duvidando da própria criatividade, quando
a primeira modelo desceu os degraus acarpetados em direção à passarela.
Alta e esbelta, a modelo era o protótipo do gosto masculino... e feminino também. Havia uma harmonia
perfeita entre a pele da modelo, morena, cor de jambo, e a suavidade do vestido longo, feito de chiffon, na
cor marfim.
De repente, Geórgia percebeu que a audiência aguardava o comentário da modista. Em pânico, ela correu
os olhos pela plateia lotada, à procura do apoio moral do pai. Porém, os holofotes colocados em sentido
contrário a impediam de localizá-lo em meio a centenas de cabeças viradas em sua direção.
Limpando a garganta, começou:
— Apresento-lhes Lara. Esta modelo maravilhosa veste um traje inspirado no deserto.
Com os pés descalços, Lara desfilou pela passarela e parou rapidamente diante de um ventilador
estrategicamente colocado. O tecido leve colou-se contra o corpo, proporcionando uma visão momentânea das
pernas bem-feitas. E, antes de deixar o palco, a modelo jogou um lenço sobre os ombros num gesto
dramático e sensual, fazendo a plateia vibrar.
Em seguida, outra garota igualmente bela substituiu Lara na passarela.
Os aplausos entusiasmados inspiraram confiança em Geórgia, que, sentindo-se à vontade, dispensou as
fichas que havia preparado e passou a usar uma linguagem casual para explicar os modelos que criara.
Aproveitando um pequeno intervalo, ela tentou novamente localizar o pai na plateia. Por coincidência,
naquele exato instante, uma porta lateral se abriu, e um facho de luz penetrou no ambiente, iluminando
uma figura alta, recostada contra a parede do fundo do salão.
Geórgia sentiu uma dor aguda no peito, ao perceber um ar familiar,na pessoa. Porém, a porta se fechou
antes que pudesse examiná-la melhor. Com certeza, enganara-se. Quanta ilusão! Já havia perdido a conta
do número de vezes que identificara Nathan nas ruas, entre os pedestres.
Novamente, Lara entrou na passarela, dando continuidade ao desfile. Por sorte, aquele seria o último
vestido de sua coleção.
— Com estilo único e irrepreensível, Lara veste Masque-rade — Geórgia informou.
A moça se movia com graça ao ritmo da música árabe. A calça de odalisca flutuava ao redor das
pernas, enquanto minipingentes cintilavam na cintura. O tecido leve possuía uma certa transparência. O
suficiente para preservar o decoro, embora a sensatez não fosse o conceito primordial da arte naquele
desfile. A parte superior apenas cobria o busto. No umbigo descoberto, havia sido incrustado um rubi. Lara
segurava uma máscara dourada, presa numa haste, com a qual encobria a face. Antes de sair, porém,
abaixou-a, revelando os olhos bem maquilados, cujo brilho era intenso. Levando em consideração os
aplausos entusiasmados, Geórgia considerou a noite um grande sucesso. Sorridente, agradeceu ao público
e deixou o palco, retornando à sala das modelos, onde pendurou as roupas espalhadas. O pai apareceu para
elogiá-la, e, depois de ouvi-lo, ela voltou ao salão, para os lugares reservados aos organizadores, a
fim de assistir à apresentação dos outros estilistas.
Admirava uma manequim que exibia um modelo de tema escocês, quando foi surpreendida por um
leve toque no ombro.
—
Srta. Geórgia Maitland? — um segurança perguntou.
—
Sim.
—
Mandaram entregar-lhe este envelope.
O envelope continha uma simples folha de papel com o logotipo do hotel, pedindo-lhe para subir
à suíte 309 assim que pudesse. Geórgia estranhou o bilhete, comentando com uma das senhoras da
comissão.
.
—
Que estranho... Acho que não vou.
—
Lembre-se, várias confecções enviaram representantes em busca de novos talentos!
—
Será?!
—
O que tem a perder indo lá, filha? Só uma tola perderia essa chance. E, pelo que pude notar,
seus desenhos foram muito apreciados. Precisa atender a esse chamado.
—
É verdade, a senhora está certa, mas...
Afinal de contas, uma das razões pela qual aceitara participar do desfile sem ganhar nada era
obter os contatos que impulsionariam sua carreira. Porém, sentia-se desmotivada naquele
momento, sem ânimo para tomar decisões importantes de negócios, e tudo porque... Oh, aquela
maldita visão! Por que não esquecia Nathan de uma vez por todas?
—
Vai acabar se arrependendo, filha — a senhora a alertou.
—
Tudo bem, irei. — Geórgia forçou um sorriso. Afinal, precisava lutar, se quisesse esquecê-lo
para sempre. — Se procurarem por mim, diga que já volto, por favor.
—
Vá tranquila e boa sorte, filha.
Ao descer do elevador, a porta da suíte 309 já se encontrava aberta. Geórgia entrou e olhou ao
redor, à procura de alguém. Estranhou a falta de uma bandeja de café ou aperitivos, como
normalmente acontecia em reuniões de negócios, mas... De repente, ela viu uma mesa posta com dois
lugares, como se um casal fosse jantar.
Apavorada com a cena de intimidade e sentindo-se indiscreta, resolveu sair dali o mais rápido
possível.
— Geórgia.
O som daquela voz conhecida a paralisou. As pernas começaram a tremer enquanto a indecisão a gelava.
E, agora, o que faria? Voltava ou não para o quarto? Se, por um lado, resistir aquele chamado era difícil,
ver-se face a face com ele seria duplamente penoso.
Finalmente, ela se virou. A visão de Nathan despertou uma dor aguda que parecia perfurar seu coração.
Ele usava terno azul, camisa branca e... Como ele ousava colocar um botão de rosa na lapela? Queria
provocá-la, com certeza.
Ainda tremendo, Geórgia analisou o rosto moreno. Parecia mais magro, havia sinais de fadiga nos olhos
e linhas marcantes ao redor da boca. Não se lembrava da existência daquelas linhas! Decerto, a esposa o
fizera passar por um grande apuro, pressionando-o.
— Olá, Nathan. — Ela se esforçou para parecer natural. — Não me lembro de tê-lo visto no salão
durante o desfile.
—
Mas eu estava lá, sim. Assisti ao desfile inteiro e gostei muito dos vestidos. Pelo visto, a estada
em Raqat lhe fez bem.
—
Ora, nem tanto! Porém, você me enganou com o bilhete. Pensei que fosse da parte de alguma
confecção.
—
Sinto muito se a decepcionei. Não quis assinar para não arriscar perd... Tive medo de perder a
chance de conversarmos. Bem, quando seu pai disse...
—
Meu pai?! — ela o interrompeu, subitamente furiosa. — O que papai tem a ver com isso?
—
Não o culpe, Geórgia. Pedi a ele para não lhe contar que eu estava aqui. Levei muito tempo para
localizá-lo, e, quando consegui, ele me contou sobre ,o desfile beneficente. No mesmo instante, reservei
este quarto de hotel.
—
Entendo... — ela falou, com frieza. Sentia-se magoada com a interferência do pai em sua vida. —
Mas...
O surgimento de dois garçons à porta da suíte, empurrando um carrinho com vinho e várias travessas
de prata, interrompeu-a. Nat gesticulou para que eles entrassem. O que significava tudo aquilo? Será que
ele pretendia reconquistá-la com aquele aparato todo? Apesar de faminta, não cederia à tentação.
—
Espero que tudo isso aí... — ela fez um gesto com a mão, indicando a mesa, após a saída dos
garçons — ...não tenha nada a ver comigo. E, se tiver, perdeu tempo e dinheiro.
—
Não tome decisões precipitadas, Geórgia. Aceita pelo menos um drinque?
Ela olhou para Nat, que, de costas, preparava os drinques. E, sem querer, lembrou-se daquela mesma
recomendação, daquele tom de voz suave e das consequências...
—
Gim-tônica. — Ele lhe entregou o copo, sorrindo. — Bem fraco... como você gosta.
—
Obrigada.
Contrariada, ela refletiu que, além de merecer um drinque após o dia estafante, faria um papel ridículo
se saísse correndo, como se estivesse amedrontada.
—
Sente-se. Fique à vontade, Geórgia — ele falou, depois de alguns minutos em silêncio. — Descobrir
seu paradeiro foi muito trabalhoso, sabia?
—
Não me diga! Verdade?!
Sem perceber, ela havia tomado mais da metade da bebida, e o álcool começava a fazer efeito em seu
estômago vazio, além de aguçar os sentidos.
— Bem, eu sabia apenas que seu pai morava em Londres. E, se não soubesse que ele seguia a carreira
militar, minha procura teria levado muito mais tempo.
Será que Nathan a tomava por idiota?
—
Se estivesse tão ansioso como diz, teria perguntado a Pete Taylor o endereço. Ele o informaria,
tenho certeza.
—
Ah, sim, Pete! — Nat exclamou. — Pensei nele, acredite. Mas Pete estava em Raqat, e eu...
—
Ficou envergonhado, não foi?
—
Escute, Geórgia, vamos parar com esse tipo de agressão? — Ele levantou ambas as mãos num gesto de
desespero.
— Não fica bem em você, e sabe disso.
Ao invés de se zangar, Geórgia se alegrou por tê-lo deixado irritado. Finalmente, tirara-o do sério.
— Continue. Sou toda ouvidos
—
Nao percorri milhares de quilómetros para trocar críticas mordazes e de sentido duplo. Não faço a
menor ideia do motivo que a leva a crer que fiquei envergonhado. E, se bem me lembro, a verdade é que
quem falou em voltar à Inglaterra para retomar o antigo emprego foi você. E acontece também que seu
pai me disse...
—
Papai não tem o direito de dizer nada. — Ela colocou o copo na mesa lateral com força. — Considero
uma afronta vocês discutirem a meu respeito em minhas costas!
—
Pois não deveria, e você sabe o motivo — ele replicou, com calma.
Algo na voz de Nat quase despedaçou o coração de Geórgia.
—
O que... quer dizer com isso?
—
Simplesmente que não deveria se ressentir. Ele a ama, e, quanto a mim... —Nathan passou a mão pelos
cabelos, num gesto de desespero. — Pode me ouvir por alguns instantes, Geórgia? Fiquei desesperado, sem
saber o que havia acontecido.
Ela sabia que o pai a amava, mas Nathan? Uma vez acreditara ser amada por ele...
— Ora, essa é boa! Quer que eu acredite? Estava tão desesperado que demorou semanas e
semanas...
Ela parou de falar, sentindo um nó na garganta. E também fingiu ajeitar os cabelos para não o deixar
ver seus olhos rasos d'água.
—
Acha que demorei porque eu quis?
—
O que esperava que eu pensasse, então?
—
Oh, Geórgia! — Nat a tocou de leve nos ombros. — Geórgia! Pode imaginar o inferno em que vivi
durante todo esse mês?
Em princípio, ela não conseguiu evitar uma certa euforia. Sentiu-se nas nuvens com aquela confissão,
mas, em seguida, lembrou-se de que não podia se deixar influenciar.
—
E o que importa isso agora, Nat?
—
Para mim, muito. Mais do que qualquer coisa no mundo. Mais do que o deserto. Lembra-se daquele dia
no aeroporto, quando você estava embarcando e apareceu uma moça com um recado para mim? Ela trazia
uma mensagem urgente da parte de minha mãe. Infelizmente, meu pai havia sofrido um acidente de
automóvel e estava muito mal. Somente esse foi o motivo que me impediu de tomar o avião seguinte para
Heathrow, atrás de você, juro.
Apesar de adorar saber que existia um motivo real para o silêncio de Nathan, Geórgia sentia-se mesquinha,
encontrando consolo naquela justificativa, pois Nat queria muito bem ao pai. De qualquer forma, suavizava
um pouco sua amargura.
—
Sinto muito, eu não sabia. Como está seu pai?
—
Ficou em coma durante vários dias e, quando se recuperou, assustou-nos um pouco. Estava com
fixação no trabalho e nos contratos que preparava antes do acidente. Ainda está com o braço engessado,
porém os médicos afirmaram que se recuperará totalmente.
—
Que bom!
—
Nesse meio tempo, fui obrigado a me dedicar de corpo e alma ao escritório de Nova York — Nat
continuou. — Apenas isso me impediu de... Não se esqueça, quem decidiu que nosso relacionamento havia
sido um erro foi você, para voltar para os braços daquele homem... Pode imaginar como me senti? Naquele
dia, eu tinha encerrado as reuniões no Cairo mais cedo para voltar para casa. Para casa, não, para você,
mas acabei sendo passado para trás... Eu acreditava que havia um único pensamento entre nós dois.
Algo que duraria para o resto de nossas vidas. Pode me entender?
Geórgia já não o ouvia mais. Precisava interrompê-lo antes que perdesse o controle da situação. Antes que
fosse persuadida a fazer o que sua consciência sabia ser errado. Temia sofrer e, mais do que tudo, que
acontecesse o inevitável entre eles.
Durante a pouca convivência de ambos, tornaram-se peritos em despertar o prazer recíproco. Naquele
exato momento, daria tudo no mundo para alisar o rosto recém-bar-beado de Nathan. E, se o fizesse, ele
tomaria sua mão com gestos lentos e beijaria a palma com paixão, despertando-lhe uma sensação deliciosa
e... perigosa.
Sim, perigosa porque jamais imaginara, durante todo aquele tempo, que ele a estivesse enganando. Pior
ainda, enganando a esposa!
Geórgia suspirou, recuando um passo. Precisava se afastar do perigo iminente.
—
E sua esposa, Nathan? — A voz saiu calma, surpreendendo até a si própria. — Onde entra sua esposa
nessa sua equação de unidade de pensamento e devoção eterna?
—
Mi... minha o quê?!
Conseguira chocá-lo, Geórgia pensou, satisfeita. A expressão terna mudara, os olhos se contraíram e os
lábios se crisparam. Tudo isso ocorreu numa fração de segundo.
—
Sabe, é até engraçado descobrir a quantidade de homens que têm a mesma atitude em relação às
esposas.
—
Com quem esteve falando? — E, antes que ela pudesse responder, Nathan caiu numa sonora
gargalhada. — Como se eu precisasse perguntar... com Melaine Jacobs, claro. Ela deve estar dando pulos
de alegria.
—
Engano seu, Nat. Nunca mais vi Melaine, a não ser em sua companhia. — Geórgia fez uma pausa,
antecipando o prazer de ver a expressão dele se transformar mais uma vez. Nat tinha de sofrer tanto quanto
ela. — Sua esposa apareceu no apartamento. Aliás, naquele mesmo dia em que nos encontramos no
aeroporto, lembra-se? Ela se admirou em me ver na cobertura. Bem, tomei a atitude mais decente que me
ocorreu. Sabe, estou surpresa que você não saiba nada a respeito de nosso encontro. — Geórgia corou, ao
lembrar-se da humilhação. — Talvez... isso ocorra com tal frequência que para ela não valha a pena
mencionar o fato.
—
Pois eu não soube de nada.
Geórgia apenas deu de ombros, fingindo não se importar, mas no íntimo gostava de vê-lo preocupado.
Não precisava ser uma pessoa de grande percepção para enxergar a raiva que o dominava.
— Não voltei ao apartamento depois do chamado urgente de minha mãe. Uma hora depois que seu avião
decolou, partipara Nova York. E, quando encontrei Marylou nos Estados Unidos, dez dias atrás, ela não
mencionou que tinha estado em Raqat. E claro que não falaria... — Ele passou a mão pelos cabelos, num
gesto amargurado. — Uma atitude típica dela.
Geórgia se desapontou, apesar de não esperar nada de bom do encontro, a não ser desabafar o
sofrimento. No fundo, talvez tivesse cultivado a esperança de que uma fada com varinha de condão
desfizesse o mal-entendido. Entretanto, devia ter imaginado que estava muito velha para acreditar em
contos de fada.
Depois do desabafo, a amargura se evaporara. Só lhe restava torcer para encontrar forças para resistir
aos encantos quando Nathan tentasse reconquistá-la.
— Você me perdoa, Geórgia? — Ele pegou uma mecha de cabelos dela e girou-a nos dedos. —
Tratei-a mal e não a culpo se...
Ela perdoava, claro! Mas não aquele gesto erótico que enviava sinais de desejo por seu corpo. Temia que
ele prosseguisse, como costumava fazer, puxando-a gentilmente de encontro ao peito e... depois, acariciasse
suas costas, levando-a à loucura ao tocar-lhe os lábios.
— Deve pedir desculpas a sua esposa — ela falou, com raiva. Não permitiria que a emoção a fizesse
esquecer que ele era casado. A simples ideia de que Nathan tinha uma filha com outra mulher parecia
uma faca perfurando seu coração. — E a sua filha também. E não a mim, uma tola que se deixou
influenciar pelos mistérios do deserto.
Sem conseguir mais se controlar, Geórgia rompeu em pranto. No mesmo instante, sentiu os braços de
Nathan ao redor de seu corpo.
—
Não chore, minha querida. Está partindo meu coração.
—
Não me chame de querida — Geórgia protestou, entre soluços.
Nat tirou um lenço do bolso e estendeu a ela.
— Bem, agora farei uma coisa que deveria ter feito no início de nosso relacionamento. Vou lhe
contar tudo a respeito de Marylou e Philippa.
Quando o ouviu mencionar com tanta naturalidade os nomes das duas, Geórgia sentiu seu último fio de
esperança desaparecer naquele instante.
CAPITULO X
Nathan caminhou até a mesa posta e virou-se para Geórgia.
— Está com fome, querida?
Será que ouvira bem?, ela pensou, quase explodindo de ódio e ressentimento. Estava com fome, sim, mas
não admitiria isso.
—
Que espécie de pergunta é essa? — perguntou, de monstrando desdém.
—
Apropriada — ele respondeu baixinho.
Havia um quê de respeito e submissão na voz dele, ou enganara-se? Ora, a virtude da humildade não
combinava com a aura de autoconfiança do temperamento altivo de Nathan.
Desconfiada, ela ficou quieta, encarando-o.
— Bem... — Nathan continuou no mesmo tom de voz. Como não comi nada o dia inteiro, encomendei
uma refeição deliciosa e um vinho tinto para acompanhá-la. — Ele ergueu uma sobrancelha e deu um sorriso
tímido e frustrado.
—
Acho que não adianta continuar falando porque, pelo visto, você não está com fome, não é?
Comovida, Geórgia desviou a vista.
—
Para dizer a verdade, estou com um pouquinho de fome, sim — confessou, sem graça.
—
Nesse caso, venha sentar-se aqui. — Nathan puxou uma das cadeiras.
Ao vê-la acomodada, ele suspirou enquanto tomava seu lugar. Depois de destampar as travessas de prata
e colocar vinho nos copos, ele a fitou demoradamente. Os olhos cinzentos percorreram toda sua face,
detendo-se nos lábios por alguns instantes.
— Vamos brindar, Geórgia? — Nat ergueu o copo, encorajando-a a fazer o mesmo.
Distraída em examinar-lhe as feições, ela não respondeu. Como podia ter esquecido ou bloqueado da
lembrança a infinidade de emoções que haviam passado juntos? Algumas vezes, quando estavam na cama, ele
roçava os longos cílios aveludados em sua face, causando-lhe uma sensação estranha e, ao mesmo tempo,
maravilhosa. Como pudera esquecer esses pequenos prazeres? pensou, estremecendo.
Um barulho no corredor do hotel despertou-a do devaneio. Impassível e ainda segurando o copo, Nathan
continuava fitando-a com um ligeiro sorriso nos lábios, como se lesse seus pensamentos.
Talvez imaginasse que ela sucumbiria aos encantos dele. Que conseguiria abrandar sua raiva com aqueles
olhares e sorrisos. Pois estava muito enganado, Geórgia pensou, adotando uma postura séria e ríspida. Levando
em consideração que ele admitira ter uma esposa, aquele sorriso apenas provava que possuía experiência em
situações idênticas àquela. Situações de conquista, e a única tola seria ela, se caísse na armadilha.
Novamente, uma dor profunda apoderou-se de seu coração magoado. Para dominar a vontade de
recomeçar a chorar, Geórgia pegou o copo de vinho.
— A nós! — ele falou.
Em sinal de protesto, ela recolocou o copo sobre a mesa e pegou os talheres, concentrando sua atenção no
medalhão de cordeiro, acompanhado de cenouras miúdas e batatas com ervas.
Por ironia do destino, o prato era colorido como a vida e saboroso como... Preferia não terminar o
pensamento.
—
Hum... Está delicioso! — disse para irritá-lo. — Por que não se serve? — Como ele continuava com o
copo erguido e o mesmo sorriso de contentamento nos lábios, ela resolveu perguntar. — Há algum motivo
para comemorações?
—
Assim espero!
Parece achar que num estalar de dedos sua vontade será feita. E ainda passa por cima de todo
mundo, sem levar em consideração as emoções, sejam elas quais forem.
—
Ora, eu não sabia que havia despertado emoções! — Nathan ironizou. — Cheguei a pensar que o que
aconteceu em Raqat foi de comum acordo. Mais tarde, você me deu razões para pensar o contrário. Que fui
apenas um substituto.
—
Não! — Geórgia negou, com veemência, lembrando-se de sua entrega plena quando faziam amor. —
Nunca, jamais! Você... não pode acreditar no que acabou de dizer.
—
Então... e aquela conversa no aeroporto?
—
Foi em defesa própria, claro! — Ela deu vazão à raiva que a dominava havia muito tempo. — Sua
mulher apareceu de repente no apartamento, questionando nosso relacionamento. O que mais eu podia
fazer para salvar meu orgulho? Se me desesperasse no aeroporto, o mundo inteiro ficaria sabendo como
fui tola acreditando naquele teatro ridículo no deserto... Oh, casamento... — Geórgia parou de falar,
com um nó na garganta e os olhos rasos d'água.
—
Não foi encenação, Geórgia. Eu lhe disse na ocasião que havia um motivo para casarmos depressa.
—
Ah, você ia explicar, pretendia explicar, mas, na ver dade, nunca deu nenhuma explicação.
—
A permissão para você permanecer mais tempo em Raqat era o motivo, querida. Os árabes são
rigorosos com visitantes que ultrapassam o período da visita. Conversei com Freddy a respeito, e ele
sugeriu que nos casássemos. Foi romântico, concorda? Eu sabia perfeitamente bem que você iria querer
regularizar a situação quando voltássemos à Inglaterra. Aliás, eram meus planos...
—
Primeiro de tudo, não quero que me chame de querida e, segundo, esqueceu-se de uma parte
importante e prejudicial de seus planos...
Ela o desafiou com o olhar, acreditando que Nat não fosse ter coragem de enfrentá-la. Porém, ele o
sustentou com tranquilidade, antes de responder:
—
Se você se refere a Marylou, não esqueci. E impossível esquecê-la, infelizmente.
—
Você...
—
Nao diga mais nada, Geórgia. — Ele lhe segurou a mão sobre a mesa, tentando acalmá-la. —
Deixe-me, antes, contar-lhe a história de Marylou.
—
De sua esposa, você quer dizer — ela falou, com rispidez. — Não vamos omitir o relacionamento
que existe entre vocês dois.
— Marylou
nunca
foi
minha
mulher
de
verdade.
Preocupada em conter as lágrimas, Geórgia, em princípio, não entendeu o que ele dissera.
— O quê?
—
Doze anos atrás, de fato, casei-me com Marylou. Mas apenas no papel...
—
Ah, sim! — ela se indignou. Será que ele tinha ideia do nível em que a colocava, dando aquela
explicação? — E Philippa? De onde ela surgiu? Por acaso nasceu de um repolho?
—
Não, claro. Para simplificar o assunto, meu parentesco com Philippa é de tio. E talvez nem isso.
Num gesto abrupto, Geórgia puxou a mão que ele alisava com carinho. Precisava raciocinar, e aquele
contato sempre a deixava em desvantagem.
Enfrentando os olhos cinzentos que a fitavam com candura, tentava compreender a afirmação que ele
acabara de fazer. Seria mentira ou fingimento? De todo o coração, desejava acreditar, mas, diante de tanta
falsidade e má-fé, só tinha motivos para a desconfiança. E não queria sofrer mais do que já sofrera.
— Por quê? — Geórgia perguntou de repente. — Por que devo acreditar em você agora?
Aquela pergunta o pegara desprevenido. Antes que ele pudesse se controlar, ela vira um traço de
angústia no olhar de Nathan.
— Porque é a pura verdade — ele sussurrou. — Não posso pensar numa razão melhor. Não a censuro
por duvidar de mim. A culpa foi toda minha por não ter lhe contado no início de nosso relacionamento.
Esperei muito pelo momento certo e, ao mesmo tempo, queria protelá-lo indefinidamente. Primeiro, porque
jamais admiti a mim mesmo que era um homem casado e depois... Bem, não queria estragar algo tão
especial como nosso relacionamento. Talvez, no fundo, eu não quisesse que nada o enfraquecesse.
—
Você disse sobrinha?! Então Philippa é sua sobrinha?
—
Lembra-se de que lhe contei que tinha um irmão mais novo, que morreu num acidente de esqui, no
Colorado? Bem, logo em seguida, Marylou, sua namorada, apareceu em casa dizendo que esperava um filho
de Phil e que tinham intenção de casarem-se. Minha mãe, ainda traumatizada, cismou que o filho seria a
reencarnação de Phil e que a criança deveria ter o sobrenome da família para preencher o espaço deixado
pelo
pai.
Pode
parecer
chantagem
ou
loucura,
mas
o
único
desejo de minha mãe era que eu me casasse com Marylou para a linhagem não ser quebrada. Relutante,
lógico, concordei, e nos casamos numa cerimónia de cinco minutos no cartório. Pouco tempo depois, porém,
percebi que havia cometido um erro imperdoável e assim que pude me divorciei, em Nebraska. Em seguida,
apaguei totalmente da cabeça o assunto.
—
E Philippa?
—
Calma. Quando nasceu uma menina em vez de um menino, minha mãe se decepcionou um pouco, e, nesse
meio tempo, Marylou já se tornara uma cruz em nossas vidas. Além disso, não tínhamos certeza de que
Philippa fosse uma Trehearn. Achávamos que Marylou inventara a história para assegurar um bom futuro
para a filha e para ela própria. Bem, isso ela conseguiu. Mas daí até afirmar que Philippa sente saudade do
ambiente familiar... Nunca fomos uma família, Geórgia.
—
E Philippa não quer, ou melhor, ela não sente saudade mesmo?
—
Não. Mesmo que sentisse, Marylou jamais saberia. Philippa estuda num internato excelente em
Boston. Sei que está feliz lá. Essa falta da família é invenção de Marylou. Apesar da mãe, a menina se tornou
uma criança equilibrada, educada e simpática.
—
E até hoje vocês não têm certeza se ela é ou não filha de seu irmão?
—
Infelizmente, não temos como saber. Bem, ela é muito parecida com a mãe e também não existe
nenhuma semelhança física conosco. Às vezes, notamos alguma expressão familiar ou um jeito especial de
virar a cabeça... Cheguei a sugerir a Marylou que fizéssemos testes de DNA, mas ela desconversou.
—
Então, talvez nem a própria mae tenha...
—
Certeza? Isso mesmo. — Ele deu de ombros. — Essa é a história que eu deveria ter lhe contado no
início, Geórgia. Nada empolgante, não é? Porém, nunca irei me perdoar por ter demorado tanto tempo
para lhe revelar tudo.
—
Oh, Nathan!
Geórgia alisou a toalha da mesa, pensativa. Encontrava dificuldade para assimilar toda a trama. Não
queria confiar em sua euforia instantânea. Havia poucos instantes, estivera deprimida e agora se sentia
alegre? Não, era tudo muito bom e perfeito para ser verdade. E quanto a sua própria postura diante dos
fatos? Fizera um julgamento apressado e teria sido mais inteligente conferir a verdade.
No entanto, havia um único pensamento realmente importante: Nathan Trehearn, o homem que amava e
que amaria para o resto da vida, não estava e nunca estivera envolvido com Marylou. Philippa não era filha
dele e, talvez...
—
Sempre pensei que confiasse em mim, Geórgia — Nathan falou, interrompendo seus pensamentos.
—
Oh... — Não havia palavras para exprimir a profundidade de seu arrependimento. Ela própria não
conseguia entender por que dera crédito a Marylou. Só havia uma explicação, Marylou agira com muita
convicção. — Entenda-me, Nat, quando ela entrou no apartamento parecia muito à vontade, como se
estivesse em seu próprio lar e...
—
Ora, ela entrou lá uma única vez, querida! Melaine, a amiga da família, na verdade, é amiga de
Marylou e deve ter-lhe contado sobre nós. Inconformada, Marylou quis estragar nosso relacionamento. O que
me deixa mais aborrecido é que, se alguém viesse fazer intriga a seu respeito, eu iria querer saber sua
versão da história antes de mais nada.
—
Oh, Nathan, sinto muito! Faria qualquer coisa para reparar meu erro...
—
Hum... Vou arranjar uma boa penitência para você. Deixe-me pensar...
Procurando disfarçar a expectativa, ela riu. Sentia o coração batendo forte no peito, mas não podia mostrar-se
muito ansiosa e entusiasmada. Se ele quisesse levá-la para a cama naquela hora, Geórgia nao pensaria duas
vezes. Aliás, desejava ser coagida, seduzida! Mais do que disposta, estava impaciente.
—
Mas vou querer uma resposta para o que tenho em mente — ele disse, sério. — Concorda?
—
Sim, amo!
—
O que pretende fazer amanhã à tarde?
As palavras dele tiveram o efeito de uma ducha de água fria em Geórgia.
—
Oh, Nat! Amanhã à tarde?! Por que não neste momento?
—
Infelizmente, hoje não vai ser possível. — Ele consultou o relógio. — É muito tarde, e, além disso, só
consegui a licença especial para amanhã à tarde. Será uma cerimónia simples, para decepção de muitos e para
nossa alegria. Para nós dois, terá apenas um significado: não posso viver sem você, amor.
—
Oh, Nathan! — Os olhos de Geórgia encheram-se de lágrimas.
Por que chorava se estava feliz? Lentamente, esticou a mão e roçou-a de leve na face dele.
—
Não podemos viver um sem o outro, querido...
—
Geórgia! Não vamos fazer o que você está querendo... Prometi a meu futuro sogro contar o desfecho da
história. — Ele riu diante da expressão cómica e espantada dela. — Não ficaria nada bem se ele viesse até aqui
e encontrasse a filhinha na cama com um homem! Mas você ainda não respondeu a minha pergunta. Por
favor, não faça tanto suspense. Aceita?
—
Sim, sim, sim...
Num ímpeto de alegria, Geórgia se levantou e saiu rodopiando pela sala de braços abertos até ser
abraçada por Nathan e caírem no sofá, rindo.
—
Eu te amo — ele falou, com seriedade, prendendo-a contra as almofadas. — Mentira. Sou
alucinado por você. Oh, quando pensei que a havia perdido... Quando a imaginei nos braços de outro
homem...
—
Então, talvez possa imaginar como me senti quando soube que era casado com Marylou e que tinha
uma filha.
—
Não entendo... Por que não confiou em mim?
—
Pelo resto de nossas vidas, vou lhe dedicar uma fé cega... De hoje em diante, você passa a ser o
homem mais confiável da face da Terra!
—
Não faça promessas que terá dificuldade em cumprir!
—
Ao contrário, será muito fácil. — Ela o puxou pela nuca até seus lábios ficarem próximos. —
Enquanto você fizer isto... e... isto e... — Enquanto falava, cobria-o de beijos.
—
Se continuar fazendo isto... — ele murmurou junto a sua face e depois a beijou — duvido que
consigamos descer para falar com seu pai. E, como temos uma cerimónia marcada para amanhã à tarde,
acho melhor avisá-lo hoje.
Geórgia não parecia interessada na conversa e continuou a beijá-lo.
—
E há mais um detalhe, querida — Nat sussurrou, escapando de seus braços. — Prometi a mim
mesmo que, se conseguisse reconquistá-la, não tomaria nenhuma atitude precipitada. Por mais forte que
fosse a tentação! Portanto, até que a aliança esteja no lugar certo, isto é, em seu dedo da mão esquerda,
não pretendo quebrar minha promessa. Não importa quanto me provoque. Então, por favor... não
dificulte as coisas para nós, Geórgia.
—
Ora...
—
Escute, a partir de amanhã, os votos de um celibatário sofredor vão terminar, e você poderá usar de
toda a sedução que quiser. Prometo e garanto retribuí-la. Agora, vamos descer e falar com seu pai. Não quero
mais nenhum impedimento.
Antes de sair, ele a beijou com ardor.
— E, mais uma coisa... Eu te amo muito, querida. Hoje, inicia-se uma nova história de contos de fada
com final feliz.
CAPITULO XI
Geórgia e Nathan estavam abraçados no jar-' dim da vila. Ela se extasiava diante do mar que se
estendia a perder de vista.
O sol se punha. A esfera incandescente desaparecia na linha do horizonte, lançando raios avermelhados
sobre a superfície serena de águas de um azul intenso.
Geórgia suspirou, encostando a cabeça no ombro de Nathan.
— Oh,
Nat!
Ainda
não
me
convenci
de
onde
estou.
Ele beijou seus cabelos com carinho.
—
Pobrezinha... Deve ter sido um choque acordar sem saber onde estava, não? Pensou que acordaria
em Raqat?
—
Bem, como eu não fazia ideia de que sua família possuía esta propriedade no Caribe, realmente fiquei um
tanto perdida.
—
Desapontou-se?
Geórgia se virou para ele, exibindo um sorriso maroto.
— De jeito algum. Na verdade, também não ficaria desapontada se fôssemos passar a lua-de-mel na
Sibéria...
Eles riram e beijaram-se.
— Oh, Nathan, até agora não me conformo de ter chegado nesse paraíso dormindo feito uma pedra.
Apesar da ansiedade, da impaciência e da pressa em realizar a cerimónia de casamento, o cansaço
acabara estragando a noite de lua-de-mel.
Era desconcertante imaginar que fora carregada como um saco de batatas do banco do carro para a
ilha. Geórgia lembrava-se apenas de ter agradecido a uma moça simpática que a despira das roupas de
viagem, ajudando-a a vestir a camisola. Depois disso, caíra num sono profundo, só acordando na manhã
seguinte e, felizmente, com boa disposição e recuperada do cansaço provocado pela correria dos últimos dias.
—
Para ser sincero, fiquei preocupado em princípio, pensei que não tivesse se sentindo bem. Contudo,
logo percebi que se tratava apenas de um esgotamento. Devo lhe confessar que eu também precisava
descansar.
—
Ah! Nem bem se casou e já perdeu o interesse por sua mulher?
—
Não se preocupe, já me recuperei. — Um barulho de pratos e talheres chamou a atenção de ambos.
— Parece que o jantar está pronto. Está com fome, Geórgia?
—
Faminta.
—
Para variar?
O jantar foi servido num terraço espaçoso, voltado para o mar. O barulho das ondas quebrando parecia uma
música suave.
Primeiro, Geórgia e Nathan tomaram uma sopa levemente apimentada, depois comeram lagosta grelhada
e, de sobremesa, uma salada de frutas deliciosa, como ela jamais havia experimentado igual.
—
Hum... Está tudo divino! — ela exclamou, erguendo a taça de champanhe. — A nós! A nossa vida! Ao
mar, ao céu!
—
A nossa felicidade! — Sorrindo, Nathan imitou o gesto dela, percebendo que Geórgia já estava
ligeiramente excitada pelo álcool. — Eu ainda não lhe falei de uma outra experiência traumatizante que
nos espera quando chegarmos aos Estados Unidos, falei?
—
Sério?
—
Sim. Vai ser apresentada a meus pais.
—
E chama isso de experiência traumatizante?! Pois eu esperava que eles fossem...
—
Simpáticos? — Nathan a interrompeu. — Sim, eles o são, e não se preocupe porque vão adorá-la
tanto ou mais do que eu. Minha mãe, em particular, ficou encantada com nosso casamento. Ela sempre teve
medo de que eu acabasse solteiro pelo resto da vida, devido à confusão com Marylou. Enganou-se. Mal
sabia que eu esperava por sua chegada em Raqat, Geórgia! Você a livrou de um peso enorme. Então, do
que tem medo?
— Na verdade, não é bem o encontro com meus pais que será traumatizante, mas... prepare-se. Minha
mãe, desde já, começou organizar uma festa de casamento para nós. Com muita pompa e muitos
convidados. Mamãe não se conforma de não termos tido uma festa em Londres, pode entendê-la?
— Sim.
—
E não se importa?
—
Hoje, não me importo com nada, querido.
—
Bem, tenho uma outra surpresa para você. Convidei seus pais e sua irmã para a festa.
—
Nathan! E maravilhoso!
—
Eles prometeram ir.
—
E como pode dizer que uma notícia dessas vai ser traumatizante?
—
Ora, tive medo de que você pudesse não gostar de tantas solenidades. Primeiro, casou-se no
deserto. Depois, em Londres. E agora uma festa nos Estados Unidos!
—
Pois sinto muito desapontá-lo porque estou preparada para enfrentar qualquer situação a seu lado.
—
Otimo! Também penso o mesmo. — Ele sorriu, inclinando-se sobre a mesa para tomar sua mão e
tocou distraidamente na aliança de casamento. — Esta aliança parece tão só em seu dedo, querida.
—
Talvez, porém estou muito feliz por vê-la aí. A todo momento, olho para ela.
—
Se é assim, então não precisa de mais uma jóia para admirar.
Geórgia sorriu com malícia, percebendo as segundas intenções dele.
—
Eu não disse isso, Nathan Trehearn!
—
Que alívio! Pois tenho um presente para você.
De olhos bem abertos, ela esperou, inquieta, que ele abrisse uma caixinha de veludo.
—
Oh, que anel lindo, Nat!
—
Fico contente por você ter gostado. — Nat o tirou da caixa e colocou-o no dedo dela. — Na loja,
fiquei indeciso quanto ao que lhe agradaria mais. Talvez preferisse safiras ou simplesmente diamantes.
Mas, quando vi esta pedra da cor de seus olhos, não pude resistir.
Geórgia ergueu a mao e admirou o anel por alguns instantes. Depois, balançou a cabeça num gesto de
aprovação e beijou Nathan com entusiasmo.
—
Obrigada, meu amor. Entretanto, como já lhe disse uma vez, você me mima em excesso.
—
Minha intenção sempre foi essa.
Encantada, Geórgia movimentava a mão, hipnotizada pelo reflexo da luz na esmeralda lapidada e nos
diamantes minúsculos a seu redor.
—
Quando encontrou tempo para comprar o anel, Nathan?
—
Bem...— ele hesitou.
—
Em Londres? Ora, pensei que estivesse ocupadíssimo para perder tempo visitando joalherias!
—
Não foi em Londres, querida.
—
Não?! Onde, então?
—
No Cairo. O anel já estava em meu bolso naquele dia fatídico, amor.
—
Oh, Nat! Agora me deixou com remorso... Sinto muito...
—
Shh... — Ele colocou um dedo sobre seus lábios, impedindo-a de continuar se desculpando. — Basta de
desculpas, querida. O que aconteceu foi sofrido para ambos. Mas apenas durante aquele período. Talvez tenha até
servido para nos unir ainda mais. Veja, neste exato momento, não me arrependo de nada.
—
E verdade — ela concordou. — Se os acontecimentos tivessem sido diferentes, poderíamos não estar
aqui agora. E não posso imaginar lugar mais lindo do que este onde eu gostaria de estar.
—
Tem certeza?
—
Sim.
—
A propósito, sabia que teremos de voltar a Raqat para passar um ou dois meses? Ainda preciso
determinar alguns detalhes do projeto do sheik, no mar Vermelho. E, depois, terei de ajudar meu pai nos
negócios.
—
Acha que vai sentir falta da universidade? Ou da liberdade de escolher entre participar ou não de
projetos ambientais do tipo do de Raqat?
Com você a meu lado, não sinto falta de nada. — Ele acariciou a mão de Geórgia. — Até hoje, tive sorte
em poder fazer as coisas de que gostava. Lucrei com as experiências adquiridas, principalmente com as
das últimas semanas. Elas me ensinaram que o sentimento mais importante da vida é o amor. E, falando
nisto...
Nathan a ajudou a se levantar e, abraçados, percorreram a casa silenciosa em direção ao quarto
envidraçado com vista para o mar.
—
Eu já lhe disse que estava linda quando chegou à igreja com seu pai? — Nathan sussurrou de encontro a
seu rosto.
—
Sim, mas... não me importo de ouvir de novo e... de novo.
—
Adorei a simplicidade de seu vestido.
—
É verdade, ele era simples. Você nem me deu tempo para eu caprichar! — Ela fingiu indignação.
— Conhece alguma outra mulher que tenha se preparado para um casamento em menos de doze horas?
—
E adorei ver seus cabelos presos num coque, enfeitados com botões de rosa, irias...
—
É porque tenho uma irmã que sabe lidar com improvisos.
—
Como eu ia dizendo, prefiro seus cabelos ao natural. Lisos como a seda e perfumados como as flores
do campo.
— Ora, pensei que gostasse mais de tranças...
—
Ah, sim, também! — Ele riu. — Vou lhe mostrar minhas preferências devagar. Infelizmente, não
fica bem se eu a deixar envergonhada numa noite tão especial... Não há pressa, concorda?
—
Nathan!
De repente, Geórgia sentiu-se inibida, e ele, percebendo isso, quis provocá-la ainda mais.
— Este seu vestido... — Ele passou as mãos pela roupa, com sensualidade. — Por que o escolheu?
Existe algum motivo especial?
Antes de responder, ela ficou na ponta dos pés e tocou-lhe os lábios, enquanto sentia as mãos macias alisando
seus ombros.
—
Vou ter de lembrá-lo? Pensei que soubesse por que o escolhi.
—
Não, querida. E me lembro perfeitamente de cada de talhe daquela noite.
—
Eu também — ela sussurrou. — Que outro motivo eu teria para trazê-lo para a lua-de-mel, senão
que você se lembrasse...
—
Como se algum dia eu pudesse esquecer! Recordo-me como se fosse hoje... Você entrou na cozinha,
usando esse vestido vaporoso, desenhado para enlouquecer os homens. E se ofereceu para me ajudar a
preparar a comida, lembra-se?
—
Já lhe disse, Nathan. — Ela sorriu com doçura. — Lembro-me de cada palavra e de cada gesto
seu.
—
Eu já a desejava naquela época... — A voz de Nathan tremeu ligeiramente. — Tanto, querida!
—
E eu confiava em você! Podia jurar que estava total mente a salvo a seu lado.
—
Mas, até aquele momento, eu ainda acreditava em meu autocontrole.
—
Acho que eu nunca deveria ter abandonado a segurança do apartamento de Pete Taylor.
—
Se você tivesse usado esse vestido na casa de Pete, com certeza, eu teria sido obrigado a ir até lá
para salvá-la.
Então, incapaz de se conter por mais tempo, Nathan começou a abrir o zíper do vestido de Geórgia bem
devagar...
FIM