Feliz ano 2000 Alison Roberts

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

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Feliz Ano 2000!

Feliz Ano 2000!

Feliz Ano 2000!

Feliz Ano 2000!

(Alison Roberts)

Copyright © 2000 by Alison Roberts
Originalmente publicado em 2000 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin

Enterprises Limited.
Título original: Perfect Timing Tradução: Adelídia Chiarelli
Copyright para a língua portuguesa: 2000 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Digitalização: Polyana
Revisão: Anicieli

RESUMO: Na alvorada de uma nova era...

Jack Armstrong voltou para a Nova Zelândia após vinte anos de ausência.

Medico, Jack foi trabalhar temporariamente no hospital local, para amenizar a dor

pela morte do pai. Lá, conheceu Amanda Morrison, pessoa muito amada e

respeitada por todos. Sem que se desse conta, a vida de Jack foi se transformando,

graças ao carinho de Amanda.

Porém, Jack e Amanda ainda terão muitas surpresas pela frente. E uma

delas, a maior, está guardada dentro do peito e da memória de uma anciã, paciente

do hospital, que completará cem anos no dia 1º de janeiro de 2000!

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CAPITULO I
Jack Armstrong estava acabando de estacionar o carro na garagem do

Hospital Geral de Ashburton quando o pager começou a tocar. Preocupado, ele des-

ligou o carro e leu a mensagem que lhe haviam transmitido. Em seguida, pegou a

maleta de couro e saiu do veículo, se dirigindo apressado para a construção antiga,

que precisava, com urgência, de uma boa reforma.

"Não entendi essa chamada que acabei de receber. Afinal, ainda faltam

quinze minutos para iniciar o meu turno. E, estou certo de que foi às oito horas que

me comprometi a estar aqui, para assumir o meu posto. Na certa houve algum

equívoco."

Jack fora para Ashburton, uma pequena cidade da Nova Zelândia, por causa

de uma carta que recebera, avisando-o que o pai estava muito doente. A carta o

pegara de surpresa. Afinal, há mais de vinte anos os dois não tinham o menor

contato. E não foi nada fácil para ele saber, de repente, que teria de deixar Londres

temporariamente e enfrentar o passado. Mesmo assim ele o fez. E, já em Ashburton,

depois de ter constatado que o estado do pai era gravíssimo, fora até ao hospital da

pequena cidade para ver se poderia ser útil em alguma coisa, pois não sabia quando

poderia retornar à Londres. Ao conhecê-lo, e saber do seu curriculum, o jovem

administrador do hospital, após uma rápida conversa, havia sorrido feliz e

perguntado:

— Que tal começar amanhã às oito? Estamos precisando de um médico

substituto. E posso lhe garantir que você caiu do céu. Mas caiu do céu mesmo, dr,

Armstrong. Jamais imaginei que fosse aparecer aqui um cirurgião geral, que ainda

tem experiência na área obstétrica.

— Mas só vou ficar temporariamente em Ashburton — Jack o havia alertado.
— Eu sei, eu sei. Mesmo assim estará nos ajudando muito. Tenho fé de que

logo encontraremos um médico que possamos contratar para o lugar que está vago.

Jack havia acabado de entrar no saguão do hospital e foi conversar com a

recepcionista:

— Bom dia, eu sou...
— O senhor ê o dr. Armstrong — a recepcionista sorriu. — E eu sou Katy

Smith. Seja muito bem-vindo.

— Muito obrigado.
— Acabei de receber uma mensagem pelo meu pager, dizendo que estão

precisando de mim com urgência aqui. Onde tem um telefone?

— Ali. — A garota apontou uma cabine. — É só tirar o fone do gancho, discar

o número zero e falar com a Mary, a nossa telefonista. Ela lhe transmitirá o recado.

— Muito obrigado. — Jack foi até à cabine e seguiu a instrução da

recepcionista. Logo, ele falava com Mary.

— Vou ligar o senhor com a obstetrícia — a telefonista o informou, após tê-lo

cumprimentado. Segundos mais tarde, uma outra voz feminina perguntava:

— Dr. Armstrong?
— Sou eu mesmo.

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— Seja muito bem vindo à Ashburton.
— Muito obrigado.
— Sou Amanda Morrison e estou precisando do senhor aqui na obstetrícia.
— Você é médica? — ele quis saber.
— Não, sou enfermeira. Estou com uma paciente de quinze anos que...
— Quantos anos ela tem? — Jack a interrompeu, espantado.
— Quinze. Quinze anos.
— Meu Deus! Vocês não conversam com os jovens sobre contracepção, aqui

nesta cidade?

— Acho que não é o momento de discutirmos este assunto — Amanda

Morrison disse com uma certa frieza. — Já faz horas que a paciente está em

trabalho de parto e...

— Vocês tem um anestesista? — ele voltou a interrompê-la.
— Claro que sim, Tom Kearney. Quer que eu entre em contato com ele?
— Não, primeiro quero examinar a paciente. Agora só preciso saber como

chegar até aí.

— O senhor não encontrará a menor dificuldade. Este hospital não é grande.
— Este hospital é pequeno demais para o meu gosto.
No instante em que Amanda ia fazer um outro comentário, percebeu que a

ligação fora interrompida e ficou olhando para o telefone, sem saber o que fazer.

Depois, olhou para uma jovem colega que se encontrava ao lado dela, com uma

pilha de roupas brancas nos braços.

— O que aconteceu? — a jovem quis saber.
— Pelo que Kevin me disse, achei que esse médico substituto fosse uma

pessoa bem mais afável. Mas, pelo que pude perceber, ele é meio rude. De cara,

perguntou se não temos um trabalho que explique contracepção aos jovens da

cidade. Depois disse que o hospital é minúsculo para o gosto dele.

— Acho que no caso da nossa paciente, é um bocado tarde para se falar em

contracepção.

— Com toda certeza — Amanda concordou e olhou com muita pena para a

colega que estava exausta. — A que horas você entrou ontem, Libby?

— Quando a nossa paciente chegou, em torno das seis da tarde, já estava

aqui — Libby respondeu num tom que demonstrava muito cansaço. — Helen

Michael está aqui também.

— Não acredito que Helen Michael esteja aqui de novo. Quer dizer, então,

que ela vai ter outro filho?

— Vai. Esse é o quinto.
— Helen é uma mulher muito corajosa.
— Se é... — Libby concordou. — Mas ela está bem. Quem me preocupa

mesmo é a Chloe.

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— Você precisa descansar.
— Estou preocupada com Chloe, não comigo, Amanda. Estava esperando a

Grace. Queria passar para ela direitinho o caso da Chloe. Aí, ela me ligou dizendo

que está com gripe. Não tive outra alternativa a não ser chamar você, mesmo sa-

bendo que hoje seria o seu dia de folga.

— Você fez muito bem, Libby. Você fez muito bem em me chamar. Será que

pode ficar um pouco com a Helen, então? Vou ver Chloe.

— Pode ficar tranquila. Estou cansada, mas ainda aguento mais dez horas, se

for preciso. Garanto que só teremos outro parto na próxima semana.

— Você não vai precisar ficar aqui por mais dez horas. — Amanda sorriu para

a colega. — O novo médico já deve estar chegando. Vou ficar com a Chloe.

— E eu vou dar uma olhada na Helen.
Ao entrar no quarto, Amanda sentiu muita pena da garota que aparentava ter

menos de quinze anos.

— E então? — ela se dirigiu à Chloe, que não respondeu à pergunta. — Você

não vai ter de esperar por muito mais tempo. O médico já está chegando. É muito

mais difícil suportar a dor quando estamos cansados, não é?

A parturiente concordou com um aceno de cabeça. Amanda, então, segurou a

mão da garota e disse:

— Você está se saindo muito bem.
— Será que não existe algo que possam fazer para abreviar tanto sofrimento,

enfermeira? — Brenda Worbeton, a mãe de Chloe estava muito aflita.

— O médico já está chegando. Ele vai fazer algo para aliviar a dor de Chloe.
— Quem está vindo atender a minha filha é o dr. Brogan?
— Não, o dr. Brogan ficou doente e não está mais trabalhando. Pensei que a

senhora soubesse disso. O médico que o está substituindo é um cirurgião que

também entende muito de obstetrícia.

— Pensei que a minha filha fosse ser atendida pelo dr. Brogan. — Brenda

Worbeton demonstrou muita preocupação. — Será que esse médico novo é bom?

— Com toda certeza. O nome do novo médico é Jack Armstrong e nos últimos

dez anos ele tem trabalhado em Londres.

— Jack Armstrong? Eu estudei com um Jack Armstrong. Será que é o

mesmo?

— Não sei... — Amanda respondeu e, naquele instante, a porta se abriu e

Jack entrou no quarto.

— Não acredito! — a mãe de Chloe exclamou. — É você, Jack Armstrong!
— Sou eu mesmo. E a senhora é a mãe de Chloe — Jack respondeu de uma

maneira estritamente profissional.

— Sou, eu sou a mãe da Chloe. Meu nome é Brenda. Brenda Worbeton. — A

mãe tinha ficado constrangida com a maneira fria de Jack mas, mesmo assim,

insistiu: — Já faz tempo. Lembra-se? Lembra-se da Arthur Street, a escola de

primeiro grau?

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— Não me lembro de ter frequentado esta escola. E como a senhora mesmo

disse, isso já faz muito tempo. — Jack, então, olhou para Amanda e estendeu-lhe a

mão. — Você é Amanda Morrison?

— Sou, sim. — Ela apertou-lhe a mão, em cumprimento. — É um prazer

conhecê-lo.

— Como é que não está se lembrando da Arthur Street, Jack? — Brenda

continuou insistindo. — Foi você quem colocou um camundongo na bolsa da sra.

Allen.

Naquele instante, Chloe deu um gemido de dor.
— Por favor, enfermeira, me arrume um par de luvas para eu examinar a

paciente — Jack pediu e, depois, dirigiu-se à Brenda: — Sra. Worbeton, por favor,

espere no corredor enquanto eu examino a sua filha.

Brenda Worbeton, bastante constrangida, saiu do quarto e, depois de ter

calçado as luvas, Jack começou a examinar a paciente. Ao lado dele, Amanda

acompanhava tudo em silêncio e teve de admitir que Jack Armstrong sabia o que

estava fazendo. Ao término do exame, ele deu algumas instruções à Amanda e

pediu que levasse a garota para sala de parto.

Amanda, ao lado de Chloe na sala de parto, estava cuidando para que a

garota sofresse o menos possível e a instruía para que respirasse da forma correta.

— Trouxe um pouco de gelo para Chloe — Libby entrou na sala e entregou

um copo à Amanda.

— Muito obrigada — Amanda agradeceu e quis saber: — E Helen?
— Helen teve um garoto e está ótima. Na verdade, ela me disse que já está

pronta para ir para casa.

— Só a Helen mesmo... — Amanda sorriu.
— E a nossa amiguinha? — Libby perguntou, com carinho.
— Ela ainda está sofrendo muito. Acho que vou chamar Jack Armstrong de

novo.

— E como é ele?
— Muito competente, mas também muito frio, distante.
— E ele é bonito?
— É, sim.
— Loiro? — Libby perguntou, interessada.
— Não, moreno. Daria para você ir chamá-lo para mim?
— Claro — Libby saiu e, menos de cinco minutos depois, Jack entrava na

sala acompanhado por Tom Kearney, o anestesista.

Uma hora mais tarde, Jack dizia à Amanda:
— Pode levar o bebê para o berçário, se quiser.
— Aqui no nosso hospital, os bebês sempre ficam com as mães.
— Mas neste caso acho melhor tirar o bebê logo daqui.

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— Por quê? — Amanda quis saber.
— O bebê vai ser adotado, não vai?
— E daí? Isso não impede que Chloe possa, se quiser, conhecer o bebê.
— Sua opinião é bastante discutível, enfermeira.
— Possivelmente. Mas aqui não é o local apropriado para travarmos esse tipo

de discussão. — Amanda respondeu, com firmeza, se aproximou de Chloe e disse:

— Sua filha é linda, minha querida. Quer segurá-la um pouco?

Ao sair da sala de parto, ainda paramentada, Amanda encontrou Kevin

Forrow a esperando.

— Recebi um telefonema da Nova Zelândia Tevê — o administrador, disse

eufórico.

— É mesmo? — Amanda retirou a máscara com tranquilidade. — E o que

eles queriam?

— Nosso novo médico é conhecido mundialmente e a mídia descobriu que

ele veio se esconder aqui.

— Quer dizer, então, que o nosso novo médico substituto é um sucesso

mundial? Ainda bem que ele também é um excelente profissional.

— Não seja irônica, Amanda.
— Kevin, não é uma questão de ironia. Já pensou se ele tivesse apenas

fama? Mas Jack Armstrong também provou, com o parto difícil que acabou de fazer,

que é um excelente médico.

— Isso é muito bom, isso é muito bom mesmo. Você sabe o quanto respeito a

sua opinião.

— Muito obrigada.
— E como é ele? — Kevin quis saber.
— Competente, mas muito distante. Tenho a nítida sensação de que não se

sente nada feliz em estar morando aqui.

— Isso não me surpreende. Jack Armstrong veio para cá porque o pai está à

beira da morte. Bem, pelo menos foi isso que ouvi dizer.

— Coitado... Agora dá para entender a atitude dele.
Amanda entrou no pequeno vestiário destinado às enfemeiras, se trocou e

depois, junto com Kevin, deixou as dependências do centro cirúrgico.

— Amanda, sabe quantos anos vai fazer a sra. Dorothy McFadden? — Kevin

perguntou, quando já se encontravam andando pelo corredor.

— Aquela nossa paciente da geriatria que eu adoro? — Amanda perguntou,

sorrindo do jeito de Kevin que, sempre, com a maior naturalidade, passava de um

assunto para o outro.

— Exatamente. Cem. Ela vai fazer cem anos.
— Mas isso é maravilhoso, Kevin. — Amanda, por causa do entusiasmo do

colega, se comportava como se não soubesse que a paciente estava para completar

um século de vida.

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— Agora advinhe uma coisa.
— O que você quer que eu advinhe? — Amanda voltou a sorrir.
— Adivinhe quando ela completará cem anos!
— No dia de Natal — Amanda respondeu, mesmo sabendo a data exata do

aniversário da velha senhora.

— Não, muito melhor do que isso: o aniversário dela é no dia 1 de janeiro. Já

pensou? Já pensou o que significa completar cem anos no dia 1 de janeiro? Novo

século, novo milênio, Amanda! Não é uma maravilha?

— Claro, claro que é uma maravilha. Mas não estou tão entusiasmada quanto

o resto das outras pessoas com essa história da virada do milênio. Na verdade, às

vezes, até fico irritada.

— É mesmo? Por quê? — Kevin perguntou, espantado.
— Porque as pessoas estão vendo a virada do milênio como o começo de

uma nova vida, de uma nova era.

— E você não acredita nisso?
— Eu acho que será, sim, uma data muito importante para todos, mas de

maneira alguma acredito que a simples mudança de século e de milênio vá mudar a

vida de alguém.

— Mesmo assim esse acontecimento e os cem anos da Dorothy McFadden

merecem uma bela festa.

— Como sempre, você só pensa em festa, não é? — Amanda perguntou,

num tom suave de voz.

— Você quer coisa melhor do que uma festa? E vamos fazer uma

maravilhosa. E nós mesmos prepararemos os convites.

— Não acredito que Dorothy queira muito barulho, Kevin. Ela é uma mulher

bastante pacata.

— Amanda, acredito que ela seja a única pessoa no hemisfério sul, e talvez

no mundo, que completará cem anos na virada no milênio! E isso significa, minha

amiga, que Dorothy, possivelmente, será a única pessoa no mundo a entrar no ter

ceiro milênio já com cem anos. Acho isso fantástico. E a mídia também. A mídia, no

caso a televisão, está muito interessada nessa história e, com certeza, também se

interessarão pelo nosso hospital.

— E eu estou muito interessada na saúde da nossa paciente que hoje, por

sinal, após os nossos tratamentos, está muito bem. Exceto, é claro, pela ferida que

ela tem no calcanhar. Mas acho que Dorothy logo vai poder ir para casa.

— Não, ela precisa ficar aqui conosco. E, na verdade, ela não tem para onde

ir. Antes de vir para cá ela estava hospedada num hotel. Dorothy detesta ficar

sozinha, e duvido que queira voltar para a Grã-Bretanha. Dorothy, exceto nós, não

tem mais ninguém nesta cidade.

— É verdade... — Amanda concordou. — E com relação àquela ferida que

Dorothy tem no calcanhar e que a impede de caminhar, Kevin, agora que temos um

cirurgião competente aqui, poderíamos pensar num enxerto.

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— Acho a sua idéia ótima. Aí, Dorothy ficará mais tempo conosco e

poderemos dar a festa.

— Olha, Kevin, acredito que ela vá mesmo precisar do enxerto, mas quanto à

festa é Dorothy quem tem de decidir.

— Então, converse com ela e fale sobre os nossos planos.
— Sobre os seus planos, você quer dizer.
— Exatamente.
Amanda ficou alguns segundos em silêncio, então disse:
— Acho até que a Dorothy pode concordar que comemoremos os cem anos

dela. Mas, quanto à mídia, tenho lá as minhas dúvidas. A mídia pode ser muito

invasiva.

— Vamos, Amanda, anime-se! Essa é a única maneira que estou vendo para

salvar o hospital.

— Kevin, já disse que a Dorothy é uma mulher muito pacata.
— Você conversa com ela? Por favor, Amanda.
— Tudo bem — Amanda se decidiu. — Vou falar com ela.
— Eu sabia! Eu sabia que poderia contar com você — Kevin disse, muito feliz.

— Vá falar com ela agora.

— Agora? Mas por que tanta pressa?
— Quero resolver tudo logo para poder começar a preparar a festa.
— Não acha que é muito cedo?
— De maneira alguma. Temos ainda quase três meses mas logo, logo, o

Natal estará aí. Você sabe como o tempo voa.

— Eu ainda acho muito cedo, mas se você faz tanta questão, vou conversar

agora com Dorothy.

Amanda entrou na ala onde só estavam internados os pacientes idosos. Dez

no total. E Amanda fazia questão absoluta de tratar todos os que se encontravam

internados no hospital pelo nome.

— Tudo bem com você, Amanda? — uma enfermeira bem jovem a

cumprimentou.

— Oi, Sandra. Eu estou ótima, e você?
— Fiquei sabendo que uma garota de quinze anos deu à luz lá na obstetrícia.
— É verdade.
— Homem, ou mulher? — Sandra quis saber.
— Uma garotinha linda.
— A mãe está passando bem?
— Graças a Deus, após muito sofrimento, ela está muito bem, sim. E aqui?

Alguma novidade?

— Não, está tudo sob controle. Exceto o sr. Cooper.

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— Aconteceu algo grave com o sr. Cooper?
— O de sempre: acordou às quatro da manhã, pôs o chapéu na cabeça e

disse que precisava sair para cuidar das ovelhas e dar comida para os cachorros. E

fiquei sabendo que chegou a afirmar que tem vinte e dois anos.

— Pobre sr. Cooper. Adoro aquele velho fazendeiro. A senilidade é um

quadro muito triste.

—- Será que ele acredita mesmo que tem vinte e dois anos?
— Acredita, sim. Apesar de já ter completado oitenta e um, o sr. Cooper

acredita que está apenas com vinte e dois. E onde está ele agora?

— Lá no outro corredor, sentado, cuidando das ovelhas.
— Vou falar um pouco com ele.
— Certo. — Sandra se afastou. Amanda seguiu em frente e, ao chegar no

outro corredor, se deparou com o sr. Cooper sentado, com a bengala encostada à

cadeira, ausente, olhando para um ponto qualquer da parede.

— Bom dia, sr. Cooper — Amanda o cumprimentou com muito carinho.
— Bom dia.
— O sr. está bem?
— Estou, mas também estou muito ocupado. Não é fácil cuidar de tantas

ovelhas. E estou achando que vai chover.

— Será?
— Acho que vai, sim.
— O senhor está precisando de alguma coisa, sr. Cooper?
— Só de alguém para me ajudar a cuidar das ovelhas.
— Se eu não estivesse trabalhando, ajudaria o senhor.
— E você está trabalhando?
— Estou — Amanda respondeu, num tom brando de voz.
— Então, num outro dia, você me ajuda.
— Combinado. — Amanda acariciou os ombros do velho fazendeiro. —

Agora, vou falar com a Dorothy. Ela deve estar na sacada.

— Vai, pode ir.
Amanda, como havia previsto, encontrou Dorothy McFadden na sacada,

sentada em uma poltrona, tomando o sol da manhã.

— Bom dia, Dorothy.
— Bom dia, Amanda — Dorothy respondeu, com um amplo sorriso nos lábios.
— Como passou a noite? — Amanda sentou-se ao lado dela.
— Bem, muito bem.
— E o pé?
— Doeu um pouco, mas já estou acostumada com ele.

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— Você comeu direitinho agora pela manhã?
— E acha que a sra. Golder me deixa ficar sem comer? Dorothy sorriu com

timidez. Pelo jeito, ela quer me ver bem gorda.

— A gente aqui quer vê-la bem forte, Dorothy. E hoje nós duas vamos

almoçar juntas de novo.

— Você perde muito tempo comigo, Amanda. E não é justo. Você precisa

conviver com gente jovem.

— E você é o quê? Para mim, uma jovem de noventa e nove anos.
— Você é uma criatura maravilhosa, Amanda. Mesmo assim, acho que

deveria conviver com pessoas mais jovens.

— Gosto de você, Dorothy, e também gosto de ficar aqui, onde a paisagem é

fantástica. Além disso, daqui eu posso ver se o Ralph está bem.

— Você adora aquele cão, não é?
— É verdade, gosto muito dele. O Ralph foi um presente da minha avó, numa

fase em que eu não estava muito bem emocionalmente. O Ralph é um grande amigo

e companheiro. — Amanda apontou. — Olha lá! Ele também está tomando o sol da

manhã.

— Ralph é um cão muito bonito. Infelizmente, não consigo enxergar tão longe.

Mas tenho de agradecer a Deus por estar enxergando o suficiente para continuar

com os meus bordados. Mas me diga, Amanda, como é a sua casa?

— Moro num apartamento bem pequeno, Dorothy. Meus vizinhos e eu

vivemos todos como prisioneiros. Temos pouquíssimo espaço. O apartamento

também foi presente da minha avó. Ela o deixou para mim. Mas, na verdade, ele é

bastante conveniente, e nunca pensei em sair de lá.

— O seu apartamento pode ser conveniente, mas isso não significa que

esteja bem instalada. Você tem de viver mais, Amanda. Você tem de correr mais

riscos e procurar um pouco de aventura.

— Estou muito satisfeita com a minha vida, Dorothy. Mas se você gosta de

aventura, chegou a hora de lhe contar um conversa que tive com Kevin Forrow.

— Uma conversa que diz respeito a mim?
— Exatamente. Mas você pode dizer não, caso não concorde. Dorothy a fitou

por alguns segundos em silêncio, e depois disse, com uma certa tristeza na voz:

— Pode falar, minha filha.
— Bem, o fato de você completar cem anos logo no início do milênio está

despertando o interesse da mídia. Na verdade o interesse é da televisão. Eles

querem fazer uma reportagem com você.

— Uma reportagem comigo? — Dorothy sorriu, intimidada. — E quem se

interessaria por esse tipo de reportagem?

— Muito mais gente do que você possa imaginar. Mas isso significa também

que você vai ser muito assediada, muita gente vai querer visitá-la, vai ter de dar

muitas entrevistas. E isso, Dorothy, pode cansá-la.

— Tem certeza de que muita gente vai se interessar por esse tipo de

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reportagem?

— Claro que tenho — Amanda afirmou, com convicção.
— Será que ele tem televisão?
— A quem você está se referindo, minha querida?
Dorothy, no entanto, tinha ficado meio ausente e não respondeu à pergunta

feita por Amanda. A velha senhora deu um profundo suspiro e disse:

— Eu concordo. Eu concordo com a sua proposta.
— Tem certeza, Dorothy? — Amanda perguntou, espantada. — Você pode

pensar no assunto com mais calma.

— Não quero tempo para pensar. — Dorothy voltou a suspirar

profundamente. — Uma reportagem sobre mim... Vai ser como um porta-retrato. A

televisão será o porta-retrato que emoldurará a minha vida e ele... e as pessoas

tomarão conhecimento da minha existência. E mesmo que eles não fiquem sabendo

da verdade, mesmo assim verão a fotografia.

Amanda, apesar de não estar entendendo as palavras de Dorothy, acenou a

cabeça em afirmativa.

— A vida sempre nos reserva muitas surpresas, a vida sempre nos reserva

muitas surpresas... — A velha senhora voltou a ficar meio ausente.

— Dorothy, também estamos pensando em fazer uma festa para comemorar

o seu aniversário. Você concorda?

— Concordo, concordo, sim, minha filha. — Dorothy recostou a cabeça no

espaldar da cadeira, fechou os olhos, e disse baixinho: — Jamais imaginei que fosse

ter uma nova chance. A vida realmente é cheia de surpresas.


CAPITULO II
A vida realmente era cheia de surpresas. Infelizmente, nem sempre essas

surpresas eram agradáveis. Como, por exemplo, o vírus da gripe que estava

assolando a todos os funcionários do hospital, causando muitas faltas e dificultando

o bom andamento do estabelecimento, pelo qual Amanda era, entre outras coisas,

responsável pelas escalas de trabalho. Ali no hospital existiam basicamente três

alas: uma pediátrica, outra de clínica geral e, a última, geriátrica, todas elas divididas

em subunidades. Nos últimos oito anos, Amanda havia trabalhado em todas elas, o

que lhe garantiu uma grande experiência e o respeito dos colegas.

Amanda estava passando pelo saguão de entrada do hospital, quando viu

Katy, a recepcionista, escrevendo o número 82 numa pequena lousa, que havia

colocado atrás da cadeira onde permanecia sentada a maior parte do dia.

— Quer dizer, então, que agora faltam oitenta e dois dias para o ano 2000,

Katy? — Amanda perguntou, lendo o que, além do número, estava escrito na lousa.

— É isso mesmo: oitenta e dois dias. Não é excitante?
— E quando foi que resolveu fazer essa contagem regressiva?
— Desde o primeiro dia deste ano.
— Eu não me lembro de ter visto essa lousa aí há tanto tempo.

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— Coloquei a lousa nesta semana, Amanda. Espero que não tenha nenhum

problema.

— Mas é claro que não tem problema.
— Estou me sentindo cada vez mais excitada com a virada do milénio. Já

pensou? Daqui a oitenta e dois dias estaremos no ano 2000! — A recepcionista

sorria muito, enquanto falava. — Você vai participar da festa que acontecerá nas

ruas de Ashburton?

— Não, estarei de plantão — Amanda respondeu.
— Como sempre. E garanto que você também vai trabalhar no Natal.
— Alguém tem de ficar aqui, não é mesmo?
— Mas por que tem sempre de ser você a ficar aqui em; data tão festivas?
— Eu e vários outros profissionais. — Amanda olhou para o relógio de pulso.

— Bem, vou trabalhar. Se alguém precisar de mim, é só me chamar.

— Certo.
Naquele instante, a porta de entrada se abriu e Tom Kearney apareceu.
— Oi, Tom — Amanda o cumprimentou. O anestesista tinha em torno de

sessenta anos e trabalhava em Ashburton há trinta.

— Oi, Amanda, Katy...
— Bom dia, dr. Kearney — Katy o cumprimentou, sorrindo.
— Vamos entrar? — Tom sugeriu.
— Vamos, sim. — Os dois seguiram em frente e, quando já se encontravam

próximo à sala dos médicos, Jack passou por eles sem dizer nada.

— Bom dia para você também, Jack Armstrong — Tom o cumprimentou, num

tom de zombaria.

— Bom dia. — Jack parou e os encarou.
— Teremos muito trabalho hoje.
— Outro parto de adolescente? — Jack interessado, quis saber.
— Não, pelo jeito, não teremos um outro parto como aquele tão cedo. O que

temos de fazer hoje são procedimentos mais simples. Na verdade temos de ver

alguns pacientes que já estão aqui conosco há muito tempo. — Tom continuou

falando e Amanda pôde observar que Jack Armstrong já não se mostrava tão

interessado.

— Quer dizer que a senhorita não terá nada para fazer hoje? — Jack

perguntou à Amanda, num tom frio de voz. Ela, por sua vez, achou aquelas palavras

desnecessárias e respondeu:

— Estarei com o senhor o tempo todo, visitando os pacientes.
— Quer dizer, então, que eu terei uma parteira ao meu lado o tempo todo?
— Parteira? Amanda não é uma parteira, Jack. Ela é uma enfermeira de

verdade, com anos de experiência. Além disso, é também responsável pela

administração do hospital. Depois de Kevin Forrow, é Amanda quem dá as ordens

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Feliz ano 2000!

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aqui dentro.

— É mesmo? — Jack perguntou com uma certa incredulidade na voz e no

olhar. — Quer dizer que estou diante de uma administradora?

— Uma administradora muito competente. Com essa gripe assolando a todos

aqui dentro, se não fosse pela capacidade de organização e trabalho de Amanda,

nós estaríamos perdidos.

— Às nove horas visitaremos a pediatria — Amanda comunicou a Jack e,

depois, olhando para o velho médico, disse: — Vamos, Tom?

Amanda e Tom se afastaram e, quando já se encontravam na saleta de café,

ele comentou:

— Jack Armstrong me parece muito estressado.
— Nós também estamos estressados Tom, nem por isso tratamos mal as

pessoas.

— Conheço John Armstrong, o pai de Jack, há muito anos.
— Nunca ouvi falar nesse homem.
— Você deve ter ouvido falar, sim. Os Armstrong moram nessa região há

muito tempo. Foram os maiores fazendeiros daqui. John, inclusive, trabalhou

conosco.

— Ele também é médico?
— John Armstrong é médico, sim. Sempre foi muito respeitado, apesar de não

ser nada popular. Trabalhamos juntos muitos anos. Bem antes de você chegar aqui,

é claro. John deixou o hospital. Faz uns quinze anos que ele decidiu abandonar a

medicina. Mesmo assim, durante muito tempo, sempre que precisávamos, ele vinha

nos ajudar.

— Por que ele resolveu abandonar a medicina?
— A esposa dele o deixou. Mas isso aconteceu há uns vinte anos.
— Meu Deus...
— Ela o abandonou e levou o único filho que tinham. John, então, começou a

beber. Porém, enquanto estava aqui conosco, ele bebia pouco. A situação piorou

depois que resolveu abandonar a medicina. Mas sempre que vinha nos ajudar, ele

se mantinha sóbrio. — Tom deu um profundo suspiro. — John Armstrong acabou

perdendo tudo e só conseguiu manter, não sei como, a casa onde mora até hoje.

Tom continuou contando à Amanda tudo o que sabia sobre a família

Armstrong.

— Porém, tudo isso também pode ser fofoca, Amanda. Mas de uma coisa eu

tenho certeza: John está à beira da morte. — Tom fez uma pausa e sugeriu: —

Agora, que tal irmos dar uma olhada nas crianças?

— Vou chamar Jack Armstrong. Já são nove horas e ele ainda não apareceu.
— Não, Amanda, é melhor deixá-lo se adaptar um pouco. Não sabemos o que

se passa com ele.

— É um conselho muito sensato o seu, Tom — Amanda concordou.

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Feliz ano 2000!

14

Mais tarde, Amanda se encontrou com Jack em um dos corredores do

hospital.

— Por que não foi passar a visita conosco? — ela perguntou.
— Porque eu não quis — a resposta dele foi direta.
— Pelo jeito, o senhor não gosta muito de crianças.
— Se eu gostasse de crianças, teria feito pediatria.
— Sei... Mas o senhor gosta de obstetrícia.
— Puro interesse cirúrgico.
— Dá para entender.
— O quê? O que dá para entender? — ele quis saber, bastante ressabiado.
— O seu interesse pela obstetrícia, é claro. E por falar nisso, não gostei de

sua atitude ontem na sala de parto, doutor.

— Não? A quê, especificamente está se referindo, enfermeira?
— Ao fato de não querer que Chloe tivesse contato com o bebê.
— Acho que já conversei sobre esse assunto com a senhorita. O bebê vai ser

adotado e, portanto, qualquer contato da mãe com ele só tornaria a separação mais

traumática.

— Isso para mim é bobagem. Evitar que as mães peguem os filhos no colo

pode ser muito mais traumático.

— Será que estou entendendo direito? A senhorita está defendendo a

possibilidade de todas as mães adolescentes ficarem com os filhos?

— Jamais defenderia uma coisa como essa, embora acredite que o filho deva,

sim, ficar com a mãe.

— Está sendo incoerente, senhorita.
— Não, não estou. Impedir que uma mãe, mesmo aquela que vá dar o próprio

filho em adoção, não tenha contato com a criança que carregou por nove meses no

ventre, por uma única vez que seja, para mim é desumano.

— Temos pontos de vistas diferentes, enfermeira. E acho que a senhorita

está equivocada.

— Me preocupo muito com a vida emocional dos nossos pacientes.
— Isso é muito louvável — ele ironizou.
— Também acho que sim. — Amanda não deu importância à ironia e

continuou: — Pelo que ouvi, o senhor voltou para Ashburton em nome das suas

reaponsabilidades familiares. E gostaria que estendesse essa sua responsabilidade

para os nossos pacientes.

— E o que mais ouviu, enfermeira Morrison? Pelo jeito, as fofocas são muito

apreciadas por aqui. Cidades pequenas, mentes estreitas.

Amanda percebeu que tinha ido longe demais com os comentários e

permaneceu em silêncio. Mas Jack não estava satisfeito e desferiu:

— O que me trouxe a esta cidade é problema meu. E não vai ser você, nem

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

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ninguém quem vai me dizer como devo, ou não, tratar os meus pacientes. E agora,

se me der licença... — Jack se afastou em direção à sala dos médicos, onde se

encontrou com Tom Kearney.

— Ia mesmo pedir para que entrassem em contato com você, Jack — Tom

disse, assim que o viu.

— Algo urgente?
— Acho que teremos de fazer uma cirurgia. Uma criança acabou de ser

internada com sintomas de apendicite.

— Vamos examiná-la.
Meia hora mais tarde, Jack, Tom e Amanda estavam no centro cirúrgico e,

mais uma vez, ela teve de admitir que o novo médico sabia o que estava fazendo.

"Ele é um excelente cirurgião!"
A cirurgia terminou por volta de uma hora da tarde e Amanda, apreensiva,

após ter se trocado, correu para a ala dos idosos.

"Fiquei de almoçar com a Dorothy. Só espero que ela já tenha almoçado!"
Amanda encontrou a velha senhora no quarto, sentada numa poltrona,

bordando.

— Me desculpe, Dorothy, mas não pude vir antes. Você já almoçou?
— Já, sim, minha filha.
— Tivemos que fazer uma cirurgia de emergência.
— Pensei que você tivesse ido almoçar com algum príncipe encantado. —

Dorothy piscou os olhos de um jeito malicioso e pediu: — Daria para você enfiar a

linha na agulha? Está difícil para mim.

— Mas é claro que sim. — Amanda pegou a linha e a agulha e só então

percebeu que estava trêmula, o que não passou desapercebido para a velha

senhora:

— Está com algum problema sério, minha filha?
— Estou com um problema que vai durar três meses — Amanda resolveu ser

sincera. — Você está sabendo que temos um novo cirurgião?

— É mesmo? Mas isso é muito bom. Quem sabe ele pode cuidar do meu pé?

O moço é bonito?

— Ele é muito competente — Amanda respondeu entregando a linha e a

agulha para Dorothy, que logo recomeçou a bordar.

— Então o novo cirurgião é muito competente...
— É, sim, mas tem um gênio terrível. Já discutimos duas vezes.
— E quando ele começou a trabalhar aqui?
— Ontem.
— E você já discutiram duas vezes?
— Para você ver: a primeira vez foi depois de um parto, e a outra foi hoje,

antes de uma cirurgia.

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— E você está trêmula até agora?
— Durante a cirurgia eu me mantive calma, mas depois que saí de lá, lembrei

da discussão e senti muita raiva.

— Não foi um bom começo entre vocês dois.
— Não foi mesmo. — Para sua própria surpresa, Amanda sentiu que seus

olhos se enchiam de lágrimas.

— Ele aborreceu muito você, minha filha? — A velha senhora pegou um lenço

no bolso e o estendeu à Amanda que, ao pegá-lo, assoou o nariz e foi até à janela,

onde ficou olhando a paisagem por algum tempo, tentando se acalmar.

— Já lhe disse que você me lembra muito a minha avó? — Amanda

perguntou, ao se aproximar de novo da velha senhora.

— Já, minha filha, muitas vezes.
— É... eu devo ser uma companhia muito desagradável. Não é fácil aguentar

uma pessoa que fica falando sempre a mesma coisa.

— Eu gosto muito de ouvi-la, filha, e pode repetir a mesma coisa o quanto

quiser.

Amanda pegou uma cadeira e sentou-se ao lado de Dorothy. Após alguns

segundos de silêncio, disse num tom confidencial:

— Eu engravidei quando tinha dezessete anos.
— E isso é lá um grande pecado?
— Eu tinha dezessete anos, Dorothy.
— Eu ouvi, filha, eu ouvi...
— Meus pais ficaram furiosos. Na verdade, o meu pai ficou muito mais furioso

do que a minha mãe. Mas ela, como sempre, ficou do lado dele. Aí, a minha avó se

ofereceu para ficar comigo, e foi por isso que eu vim para Ashburton. Ela me

amparou, me confortou, e é por isso que eu a amava tanto. Eu deveria ter ficado

com o bebé. Minha avó teria nos sustentado.

— Você não ficou com o bebê? — Dorothy fixou o olhar em Amanda.
— Não — Amanda estava muito confusa e emocionada. — Na verdade,

minha filhinha morreu logo depois de nascer. Eu sequer tive a chance de torná-la em

meus braços, não tive sequer a chance de conhecê-la, de beijá-la. — As lágrimas

agora corriam pelo rosto de Amanda que, ao olhar para a amiga, viu que ela também

chorava.

— Sua história é bem triste, minha filha.
— E ontem, ontem fizemos o parto de uma adolescente. Na verdade, foi o

novo cirurgião quem fez o parto. Aí, ele me pediu que levasse o bebê para o berçário

sem que a mãe tivesse o menor contato com ele.

— E foi isso que a deixou furiosa?
— Foi. — Amanda voltou a assoar o nariz.
— Você tinha todo o direito de ficar furiosa, querida.
— Hoje voltei ao assunto com ele. Não sei se conseguirei trabalhar ao lado de

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alguém tão insensível.

— Será que ele é mesmo tão insensível?
— Para mim é, sim. Extremamente competente, mas totalmente insensível.
— Olha, filha, não acho que qualquer homem possa entender o significado

que tem para uma mulher poder pegar o filho nos braços. — Dorothy pronunciou as

palavras de uma maneira tão baixa, triste, e tão devagar, que foi difícil para Amanda

entender o que estava sendo dito. Talvez tivesse sido um erro abordar aquele tipo

de assunto com uma pessoa tão idosa e frágil.

Confusa, Amanda segurou uma das mãos de Dorothy, que havia parado de

bordar e disse:

— Me desculpe, não deveria ter lhe falado sobre este assunto. Eu deixei você

triste. Mas a única pessoa que confiei na minha vida foi na minha avó. E, agora, em

você.

— Não se preocupe, minha filha, estou bem. E eu não estou triste, mas

apenas emocionada. — Dorothy falava com muita firmeza. — E agradeço por ter

confiado em mim. Nem pode imaginar como isso me fez bem.

— É mesmo? — Amanda duvidou.
— Pode acreditar em mim. Os jovens pensam que as pessoas idosas não têm

passado, não pensam em nada, mas eu posso lhe garantir que isso não é verdade.

— Eu sei, eu sei... — Amanda beijou o rosto de Dorothy.
— Apesar de agora estar quase imobilizada, eu vivi quase cem anos. —

Dorothy tocou de leve a cabeça. — E aqui dentro tem muitas vidas, muitas histórias.

— Eu adoro você, Dorothy.
— Eu também adoro você, Amanda. E, se o meu pé ficar bom, sei que vou

viver mais uns bons anos.

— Seu pé vai ficar bom, sim.
— É isso o que eu espero. Aí, vou poder caminhar pelo jardim e ver as flores

bem de perto. — Dorothy sorriu de maneira plácida. — Já pensou? Iria ser

maravilhoso.

— Tenha fé que isso vai acontecer bem antes do que possa imaginar.
— Fé é tudo o que me restou, minha filha. Fé, muita fé. — A velha senhora

deu um profundo suspiro. — Mas me diga: a garota pegou o bebê no colo, ontem?

— Pegou, pegou, sim. E a mãe dela também. Depois do almoço, eu vou vê-la.

Quero saber se ela está tendo toda assistência e todo o carinho que merece.

— Você é uma pessoa especial, Amanda. Se dedica a todos os pacientes de

uma maneira maravilhosa.

— Uma pessoa quando está no hospital, não precisa só de tratamento físico,

Dorothy. Ela também precisa de se sentir amada.

—Você tem toda razão. Mas eu nunca gostei muito de hospitais.
— E quem é que gosta de hospitais? — Amanda riu.
— Você, por exemplo.

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Feliz ano 2000!

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— Isso porque não estou doente, Dorothy. Tenho certeza de que detestaria

ficar numa cama vendo o tempo passar. — Amanda se levantou. — Agora, se me

der licença, eu vou almoçar.

— Vá, filha, vá. E tente se divertir um pouco.
Por ter encontrado Chloe adormecida, Amanda se dirigiu ao jardim, onde

encontrou Brenda Worbeton sentada num banco, com a netinha recém-nascida no

colo. Ao lado dela, se encontrava uma pequena mamadeira cujo conteúdo estava

pela metade.

— Como está indo a alimentação da nossa princesa? — Amanda sentou-se

ao lado de Brenda.

— Parece que está aceitando a mamadeira. Achei melhor que a minha filha

não desse o peito a ela.

Apesar de não gostar da decisão, Amanda resolveu se manter calada.

Percebendo o significado daquele silêncio, Brenda continuou, na defensiva:

— Só quero o melhor para a minha filha. Engravidei aos dezenove anos e

tinha vinte quando ela nasceu. Eu também não era casada. Minha família não

entendeu quando resolvi ficar com o bebê, e não me deu o menor apoio. Por isso sei

o que significa abrir mão de todos os sonhos, todas as ambições. E você não

imagina o quanto é difícil encontrar uma relação de verdade quando se tem uma

criança. Especialmente numa cidade tão pequena quanto esta.

— Eu posso imaginar o que seja isso — Amanda disse, com muita

compreensão. — Mas deveria se sentir muito orgulhosa, Brenda. Afinal, você tem

uma filha maravilhosa. E, com ela, estabeleceu uma bela relação.

— Não me arrependo de ter ficado com a minha filha. Apesar de tudo, Chloe

é a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Mas não quero que ela sofra tudo o

que eu sofri. Felizmente, hoje a adoção está se estabelecendo de maneira mais

aberta. Minha filha poderá sempre ficar em contato com o casal que cuidará do

bebê. Eles moram em Christchurch.

— Acredito que, em alguns casos, a adoção seja mesmo a melhor opção.

Mas Chloe precisa ser bem informada sobre as consequências de uma adoção e,

apoiada, qualquer que seja a decisão que tome.

— É a história se repetindo. Primeiro fui eu, agora é a minha filha.
— Não, a história não está se repetindo. Você não teve os seus pais ao seu

lado. Mas Chloe tem você, Brenda.

— É muito difícil me imaginar criando uma outra criança...
— Quantos anos você tem?
— Trinta e cinco.
— Você é muito nova. — Amanda sorriu com simpatia. — Existem milhares e

milhares de mulheres que tem o primeiro filho com a sua idade.

— É verdade. — Brenda também, sorriu. — Mas sou eu quem me sinto velha.

A gravidez da minha filha foi um choque terrível. Aí, decidimos pela adoção e

agora... Agora eu tenho uma netinha. E ela é linda. Teria sido muito mais fácil se nós

não a tivéssemos visto.

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Feliz ano 2000!

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— De maneira alguma — Amanda disse com firmeza. — Isso não é verdade,

pode acreditar em mim.

— Mas é muito, muito difícil, Amanda.
— Claro que é. Mas vocês não têm que decidir isso agora. Esperem mais

uma semana, se aconselhem com outras pessoas. Por favor, Brenda, não tomem

qualquer decisão precipitada.

De repente, as duas ouviram o barulho de um veículo que parecia estar

chegando em alta velocidade.

— O que será que foi isso? — Brenda perguntou, assustada.
— Não sei — Amanda se levantou —, mas vou ver do que se trata.
Ao chegar no saguão do hospital, Amanda se deparou com Colin Garret, um

dos médicos do hospital, empurrando apressado uma maca, sobre a qual estava um

paciente. Logo em seguida, entrava uma enfermeira segurando um desfibrilador

portátil.

— O que está acontecendo? — Amanda perguntou, se colocando ao lado do

médico.

— Aconteceu um terrível acidente. O trem de passageiros se chocou com um

caminhão que transportava ovelhas.

— E onde foi o acidente?
— Não muito longe daqui.
Amanda e o médico continuaram conversando, enquanto caminhavam pelos

corredores do hospital. De repente, eles se encontraram com Jack Armstrong, que

disse a ela:

— Venha comigo! Precisamos ir para o local do acidente e tentar salvar

aqueles pobres coitados!


CAPÍTULO III
Amanda já havia vivido muitas situações difíceis. Em sua carreira de

enfermeira, porém jamais vira algo como aquilo. Ferros retorcidos, sangue e muitos

gritos. Um paramédico, de nome Robert, que já se encontrava no local com uma

equipe, se aproximou e Amanda o apresentou a Jack.

— É um prazer conhecê-lo, dr. Armstrong — o rapaz disse.
— Me chame de Jack. Mas me diga: você tem noção do número de vítimas?
— Não, não tenho noção nenhuma. Como vocês podem ver, o acidente foi

muito grave e uma equipe de Christchurch já deve estar chegando também.

— Ótimo! — Jack exclamou, tentando rapidamente organizar os pensamentos

para agir da maneira mais eficiente.

— Um helicóptero também está vindo para cá.
— Certo. Agora vamos trabalhar!
E o trabalho foi duro, muito penoso. Todos que se encontravam no local do

acidente se desdobraram para socorrerem as vitimas. Quando o helicóptero chegou,

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dois pacientes, que corriam risco iminente de vida, foram colocados dentro dele e

encaminhados para o hospital. Os demais eram transportados em ambulâncias,

caminhonetes, ou em qualquer outro veículo.

Três horas mais tarde, parecia existir apenas uma vítima presa às ferragens.

Com a ajuda dos bombeiros, Jack e Amanda faziam de tudo para salvar o homem

de meia-idade e mantê-lo tranquilo, pois ele ainda estava consciente. Finalmente,

após muito trabalho, a vítima foi retirada das ferragens e Jack passou a examiná-lo.

— Acho que temos uma ruptura de baço aqui, além de uma fratura do fémur. Vamos

levá-lo imediatamente para o hospital. O helicóptero está aí?

— Está, sim — Amanda respondeu.
O homem gemia de dor e parecia prestes a desmaiar. Com muita dificuldade,

foi colocado no helicóptero. Amanda e Jack seguiram com ele.

Só às oito horas da noite Jack deixou o centro cirúrgico, depois de inúmeras

intervenções. Mas ele não estava se sentindo cansado, muito pelo contrário, se

fosse necessário, continuaria trabalhando até pela manhã. A única coisa que Jack

sentia era fome, pois só se alimentara de sucos e vitaminas.

Decidido a saciar a fome, Jack foi para o refeitório. Porém, quando estava

para entrar, ouviu a voz de Amanda e se deteve.

— A senhora precisa ir para casa, sra. Golder. A sua ajuda foi inestimável,

mas agora está precisando descansar. Seus pés devem estar doendo muito.

— É melhor eu ficar, Amanda, e deixar tudo preparado para o café da manhã.

As outras duas cozinheiras estão em casa com gripe.

De repente, sentindo que eram observadas, Amanda olhou para o porta e deu

de cara com Jack.

— Está precisando de mim?
— Não, não estou precisando de você. — Ele entrou no refeitório, olhou para

a sra. Golder e quis saber: — É a senhora, então, quem prepara aquelas maravilhas

que são servidas no café da manhã?

— Sou eu, sim, doutor. E muito obrigada pelo elogio. Já ouvi muito

comentários a seu respeito.

— É mesmo? — Jack sorriu. E aquele foi a primeira vez que Amanda o viu

sorrir. — Mas me diga: o que está acontecendo com os seus pés?

— É a idade, doutor... É a idade...
— Por favor, me chame de Jack. Gostaria muito de examinar os seus pés,

sra. Golder.

— De jeito nenhum! — a cozinheira exclamou. — Ninguém vai chegar perto

dos meus pés com uma faca.

— Eu só disse que gostaria de examinar os seus pés, sra. Golder.
— E eu não conheço os médicos? — a cozinheira perguntou, sorrindo. — Eu

me entendo muito bem com os meus pés, Jack. Mesmo assim, agradeço o seu

interesse.

— Depois não vá dizer que não tentei ajudá-la.

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— Pode ficar tranquilo, não vou dizer isso. —Ela olhou para Amanda e disse:

— Pensando melhor... Bom, vou para casa, agora. Amanhã, chego bem cedo para

preparar o desjejum. Para esta noite tem comida mais do que o suficiente.

A sra. Golder se despediu dos dois e foi embora.
— Acho que ela resolveu fugir — Jack comentou, quando ficou sozinho no

refeitório com Amanda.

— Eu também acho.
— Será que você pode arrumar alguma coisa para eu comer enfermeira?
— Sinto muito, doutor, mas tenho que ir dar uma olhada em alguns pacientes.

Além disso, Ralph está esperando por mim. — Ela apontou uma mesa. — Mas pode

se servir à vontade. Se não quiser sanduíches, tem comida no fogão.

Amanda foi embora e Jack, devagar, se encaminhou até à mesa, onde se

serviu de dois sanduíches e um copo de suco de laranja. Depois, foi visitar cada um

dos pacientes. Ao deixar o hospital, por volta das onze da noite, não sentia a menor

vontade de voltar para casa. Então, rumou para um bar e, ao sentar-se ao balcão,

pediu que lhe fosse servido uma cerveja, sem reparar que, numa mesa bem

próxima, Amanda conversava animada com um rapaz. Só depois de ter tomado um

gole da bebida foi que Jack a avistou e, sem se dar conta, ficou olhando para ela.

Amanda, rindo, virou-se de lado e se deparou com Jack.
— Oi — ela o cumprimentou —, não quer sentar-se aqui conosco?
— Claro. — Jack pegou a cerveja e o copo e sentou-se à mesa.
— Este é Graham Baker. E este, Graham, é Jack Armstrong, que

recentemente começou a trabalhar no hospital.

— Você é médico? — Graham perguntou.
— Sou, eu sou médico.
— E eu sou veterinário. Acidente feio o de hoje, não é mesmo? Tive de cuidar

de todas as ovelhas que se salvaram.

— O acidente foi terrível. Ainda bem que o número de vítimas fatais não foi

tão grande. — Jack levou o copo à boca.

— Bem — Granam se levantou —, preciso ir para casa ajudar a minha mulher

a cuidar do nosso filho.

O veterinário foi embora e, sem entender o porquê, Jack começou a sentir

algo muito estranho dentro de si.

— Tudo bem com o senhor, doutor?
— Eu estou ótimo. E o Ralph? — Jack, para o próprio espanto, se ouviu

perguntando. — O que ele acha dessa sua relação com o veterinário?

— Ralph adora o Graham. Aliás, todos eles gostam muito do Graham.
"Todos eles?", Jack se perguntou em pensamento. "Mas todos eles, quem?

Será que..."

— Ralph é, por um acaso, um cachorro?
— É, sim. Ralph é um lindo cachorro. Mas ele já está bem velho, coitado.

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Feliz ano 2000!

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— E Ralph é nome para se dar a um cachorro?
— Não fui eu quem deu esse nome a ele.
— Não? E quem foi, então?
— O próprio Ralph.
— O quê? Será que eu ouvi direito. Você está querendo dizer que... conversa

com animais?

— Não é bem isso. Mas quando Ralph foi para a minha casa, ele era um

filhotinho. E passava o tempo todo emitindo um som mais ou menos assim: ralf, ralf.

Eu perguntava para ele: Qual é o seu nome? E ele continuava: ralf, ralf. Aí, eu

passei a chamá-lo de Ralph.

Ao ouvir aquilo, Jack deu uma risada e exclamou:
— Há muito tempo não ouvia uma história tão engraçada!
— Ela pode ser engraçada, mas é verdadeira.
— Quer dizer, então, que você deu o nome de Ralph ao seu cachorro... —

Ainda com um sorriso nos lábios, ele balançava a cabeça em negativa.

— Dei. E ele sempre se sentiu muito bem com esse nome. De repente, os

dois ficaram calados, sem saber o que dizer um ao outro. E foi Jack quem quebrou o

silêncio que se estabelecera entre os dois:

— Você fez um excelente trabalho hoje, Amanda.
— Você também, Jack. Todos estão espantados com a sua perícia. Pena que

tenha de ter sido assim a sua estreia aqui em Ashburton. Bem, na verdade, a sua

estréia foi com o parto da Chloe...

— De alguma maneira, esse triste acidente fez com que eu realmente me

sentisse aqui em Ashburton. Antes estava me sentindo como se fosse um turista.

— Dava para se notar.
— É mesmo?
— Eu, pelo menos, estava notando. — Ela tomou o resto do vinho que tinha

no copo e disse: — Seja muito bem-vindo à Ashburton, Jack.

— Muito obrigado.
— Bem, agora eu preciso ir embora. — Ela se levantou.
— Já?
— Preciso descansar para estar no hospital bem cedo. Boa noite, Jack.
— Boa noite, Amanda.
Uma semana havia se passado desde que Jack começara a trabalhar no

hospital. Naquela manhã, sorrindo muito, ele entrou no saguão cumprimentando a

todos pelo nome e foi direto para a sua sala, onde trocou a jaqueta de couro preto

por um jaleco impecavelmente branco. Desde o dia seguinte ao acidente, Jack

começara a vestir roupas mais confortáveis, no lugar das camisas de mangas

compridas e gravatas com as quais, mesmo em Londres, sempre fizera questão de ir

trabalhar. E as novas roupas o deixavam com uma aparência muito mais jovem,

muito mais leve.

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Feliz ano 2000!

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Jack sentou-se à escrivaninha e pegou alguns trabalhos científicos para ler.

Sem que se desse conta, seus pensamentos o levaram para a imagem de Amanda

Morrison, sempre sorridente, sempre muito competente. Todo mundo a adorava, na-

quele hospital. Amanda o tempo todo estava preocupada em fazer com que tudo

funcionasse perfeitamente ali dentro.

"Amanda, além de tantas qualidades, também é uma mulher muito bonita.

Cabelos curtos, ligeiramente encaracolados, olhos castanhos muito brilhantes, corpo

perfeito..."

Sem que Jack se desse conta, algo começou a incomodá-lo. A primeira

atitude que teve foi tentar se concentrar nos trabalhos científicos que tinha diante de

si. Não conseguiu. A imagem de Amanda insistia em continuar ocupando-lhe a

mente.

"É, de fato ela é muito bonita."
Jack deu um profundo suspiro e se levantou, irritado.
"Por quê? Por que estou insistindo em me dizer que ela é apenas bonita?

Amanda Morrison é, isso sim, muito atraentel"

Jack deixou a sala mais irritado ainda.
"Essa eu não estou entendendo! Afinal, por que demorei tanto para admitir

que Amanda Morrison é uma mulher atraente? Tudo bem, tudo bem... Sei que não

estou querendo complicação para a minha vida, mas não posso negar o óbvio. E o

óbvio é que me sinto atraído por ela." Jack voltou a suspirar longamente, enquanto

balançava a cabeça em negativa. "Mas vim para cá para exorcizar o meu passado e

para cumprir o dever de um filho, e foi só para isso!"

Naquele dia, Jack se sentiu bem pior do que nos anteriores. O sorriso já não

lhe pairava fácil nos lábios e parecia que sentia um peso sobre os ombros. Por volta

das dez horas, ele entrou no centro cirúrgico, de onde saiu depois do meio-dia e foi

direto visitar alguns pacientes. Só depois das visitas, se dirigiu ao refeitório, onde

comeu sozinho numa mesa de canto. Em seguida, ele foi ver se tudo transcorria

bem com o paciente que acabara de operar. Depois, voltou para a sua sala, na

esperança de conseguir se concentrar nos trabalhos científicos.

Amanda, que também trabalhava desde a manhã, chegou no refeitório um

pouco depois de Jack ter saído. Ela preparou um prato com bastante verduras,

legumes e um peito de frango grelhado e foi sentar-se, pensando na equipe de

televisão que já estava preparando os equipamentos na varanda, para a primeira

entrevista com Dorothy.

— Ainda bem que resolveu se alimentar. — Era Kevin Farrow quem se

aproximava da mesa.

— Estou sem comer nada desde o café da manhã.
— E como está a sua queridinha? — Kevin também sentou-se à mesa.
— Bem. — Amanda respondeu. — Por enquanto.
— O que está querendo dizer com isso?
— Nada, não precisa se preocupar. Estou de olho em Dorothy e até agora ela

está muito bem, e muito feliz, com a atenção que estão lhe dispensando.

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— Acabei de receber o telefonema de uma revista. Estão querendo fotos e

uma entrevista com Dorothy. A pessoa que me ligou chegou a falar, inclusive, em

fazer uma doação para o hospital.

— Antes de darmos a resposta a essa revista, vamos ver como a Dorothy se

comporta hoje — Amanda sugeriu, com sensatez.

— Você tem medo que algo aconteça a ela?
— Não, nada de mal vai acontecer à Dorotliy. Mas temo que ela se estresse.

Afinal, ela chegou aqui com um pouco de depressão e profundamente estressada.

— Ainda continuo surpreso com o fato de ela ter aceito aparecer na televisão,

logo que você lhe falou sobre o assunto,

— Eu também. Para mim, Dorothy iria resistir. Mas ela aceitou tudo, inclusive

a festa, com muita tranquilidade.

Amanda e Kevin começaram a conversar sobre os problemas administrativos

do hospital e, quando ela terminou de almoçar, os dois foram para sacada da ala dos

idosos. Lá encontraram Dorothy sentada confortavelmente numa poltrona, com uma

blusa de lã sobre os ombros, uma manta sobre as pernas, e os cabelos brancos

muito bem penteados. Nas mãos a velha senhora tinha uma agulha e a tapeçaria

que estava bordando.

— Você está bem, Dorothy? — Amanda perguntou ao se aproximar da velha

senhora.

— Eu estou ótima, minha filha. Jamais imaginei que, um dia, fosse aparecer

na televisão. E muito menos com quase cem anos.

— Você, pelo jeito, está gostando da experiência.
— E não é para gostar? — Dorothy sorriu para Amanda. — E não é para

gostar?

— Dona Dorothy, vamos fazer um teste com o microfone que foi colocado na

sua lapela — a produtora do programa a avisou. — Daria para dizer alguma coisa

para nós?

— O que você quer que eu diga, minha filha?
— Qualquer coisa.
— Bem, posso dizer que hoje na hora do almoço eu comi sopa, frango e um

pouco de arroz. Está bom?

A produtora olhou para o rapaz que controlava o áudio da gravação e

perguntou:

— E então?
— Tudo bem. Pode começar a gravar.
— Venha, Sheilla — ela chamou a repórter que faria a entrevista —, pode

começar a gravar.

Sheilla Winston, sentou-se em uma poltrona que se encontra bem próxima à

de Dorothy e logo a matéria começava a ser gravada. Após uma breve apresentação

da entrevistada, Sheilla disse:

— Quer dizer que a senhora nasceu na Escócia, no dia 1 de janeiro de 1900 e

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Feliz ano 2000!

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era a mais jovem de onze filhos...

— Isso mesmo. A mais jovem e a mais sapeca. Amanda, que se colocara

num local privilegiado para acompanhar a entrevista, sorriu com a resposta de

Dorothy.

— E como foi que a senhora veio parar aqui na Nova Zelândia?
Devagar, mas com muita determinação, Dorothy contou:
— Comecei a trabalhar muito cedo lavando pratos e ajudando na cozinha. E

sempre me esforcei muito, e sempre fiz mais do que esperavam de mim. Por isso

era considerada uma excelente criada. Eu realmente sempre me esforcei muito.

Bem, pelo menos eu acho que me esforcei. — Dorothy fez uma pausa e a

entrevistadora tomou aquilo como uma atitude dispersiva e resolveu interferir:

— Mas isso aconteceu na Escócia, não foi? E quando a senhora veio para o

nosso país?

— Eu ia chegar lá, minha querida, eu ia chegar lá. Meus patrões tinham

amigos que vieram para cá junto com os primeiros colonos. Eles possuíam muitas

propriedades e estavam encontrando muita dificuldade para encontrar empregados,

principalmente depois do início da guerra. Ouvimos dizer que estavam oferecendo

passagem para qualquer um que estivesse disposto a vir trabalhar para eles. Nessa

época eu tinha dezesseis anos. E estava pronta para uma aventura.

— E isso foi?
— Não entendi, minha querida.
— Isso foi uma aventura?
Em resposta, Dorothy acenou afirmativamente com a cabeça e disse:
— Foi um capítulo muito significante em minha vida. Mas bem curto. Voltei

para a Escócia dois anos depois.

— E por que a senhora voltou para lá?
Dorothy, porém, pareceu não ter ouvido a pergunta feita pela repórter que,

rapidamente, consultou as anotações que tinha em mãos e quis saber:

— Recentemente a senhora voltou para a Nova Zelândia. O que fez com que

escolhesse Ashburton?

Amanda sentiu que alguma energia diferente começava a pairar no ambiente.

O tom da última pergunta feita pela repórter havia deixado bem claro que o retorno

de Dorothy à Nova Zelândia fora uma decisão um tanto estranha. Mas Dorothy agora

sorria de uma maneira quase secreta.

— Bem, minha querida. Aqui foi onde tudo começou, senti uma grande

necessidade de revisitar Ashburton antes que fosse tarde demais. É como se

existisse um elo perdido, entende? Um elo que eu precisava encontrar.

— Não entendi.
— Olha para isso aqui — Dorothy lhe mostrou a tapeçaria. — Eu vejo a minha

vida, e a vida de todo mundo, nisso aqui.

Naquele instante, um dos câmaras que gravavam a entrevista, por ordem do

diretor, focou o bordado, no local onde se via um jardim com muitas flores e árvores,

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Feliz ano 2000!

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numa mistura perfeita e muito grande de cores. A velha senhora continuou:

— A vida é como este meu trabalho. Tudo o que você faz acrescenta mais

pontos em algo que, um dia, será um todo. Nós cometemos erros e não podemos

desfazê-los. Se eles são pequenos, não tem a menor importância. Afinal, a tapeçaria

é muito grande. A única coisa que importa é quando você não consegue cores

suficientes. — A voz de Dorothy tremeu. — Na verdade... Na verdade, a pior coisa

que pode acontecer são os espaços vazios. Oportunidades perdidas, tarefas não

terminadas. Às vezes, se a sorte nos sorri, temos a chance de voltar. Voltar para um

retoque final nas cores e talvez fazer com que um espaço vazio fique menos

perceptível. Foi por causa disso que eu vim para Ashburton. Mas talvez tenha sido

tarde demais.

Amanda, espantada, viu uma lágrima escorrer pelo rosto de Dorothy e

resolveu intervir:

— Vamos interromper a entrevista. A sra. McFadden está ficando cansada.
Dorothy, perdida em pensamentos, parecia não ter notado que a entrevista,

por hora, havia terminado. Antes de se aproximar da velha senhora, Amanda, que

pretendia conversar com ela para certificar-se de que não estava cansada ou triste,

esperou um pouco. Caso necessário, a entrevista, que continuaria no dia seguinte,

seria cancelada.

Devagar, a equipe foi se afastando e só a produtora ousou se aproximar da

entrevistada para dizer:

— Gostei muito da sua filosofia. Tenho certeza de que muita gente irá se

identificar com que a senhora disse. Espero que possa nos contar mais sobre as

suas cores. Sobre o seus espaços vazios. A senhora quis dizer com isso que se

arrepende por não ter tido filhos?

Dorothy balançou a cabeça em negativa e disse:
— Os espaços vazios são privados. Só você pode saber se estão realmente

ali. Se permite que alguém os veja, esse alguém passará a enxergar apenas eles.

Emocionada, a produtora ia dizer algo, mas não ousou. De repente, o sr.

Cooper apareceu e perguntou em voz alta:

— O que aqueles sacos de lã estão fazendo fora do celeiro? Será que não

estão vendo que vai chover?

Amanda, com muito carinho, se aproximou dele e pediu:
— Não se preocupe, sr. Cooper. Tem uma pessoa que já vai levá-los para

dentro. — Ela segurou de leve um dos braços do paciente para encaminhá-lo para o

quarto, quando o sr. Cooper voltou a gritar:

— Não percam tempo! Coloquem logo os sacos dentro do celeiro!
Amanda, então, olhou para a produtora e explicou:
— Ele acredita que aqueles sacos de roupas sujas, que estão indo para a

lavanderia, estão cheios de lã. — Amanda, em seguida, entregou o sr. Cooper aos

cuidados de uma outra enfermeira e foi conversar um pouco com Dorothy.


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Feliz ano 2000!

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CAPITULO IV
Aquela era a última consulta da manhã. E a situação se mostrava realmente

bastante embaraçosa.

Seis semanas após o parto, Brenda Worbeton e a filha Chloe se encontravam

sentadas em frente a Jack, num dos consultórios do hospital. Ao lado delas,

dormindo tranquilamente em um bebê-coforto, se encontrava a garotinha recém-

nascida. Mãe e filha olhavam para Jack com desconfiança, e ele sabia que aquela

desconfiança toda era justificável. Afinal, fora muito insensível no primeiro encontro

que haviam tido.

"Fui muito rude, isso sim, não apenas insensível no primeiro encontro que

tivemos. Mas Brenda queria que eu lembrasse de momentos do meu passado que

tinham sido varridos da minha memória, Depois disso, a minha atitude na sala de

parto não foi nada louvável, apesar de ainda acreditar que as mães, que vão dar os

filhos em adoção, não devam ter qualquer tipo de contato com as crianças. E ainda,

para piorar a situação, não fui lá muito amigável nas visitas que fiz à Chloe depois do

parto, nem quando a mandei para casa. Fiz questão absoluta de me manter distante

e estritamente profissional. Portanto, é muito compreensível que as duas não

confiem em mim. Mas parece que elas resolveram ficar com a garotinha."

— Pode se despir ali atrás daquele biombo, Chloe. — Ele apontou. — Depois,

por favor, vista aquela camisola do hospital, que você já conhece, e deite-se na

mesa.

Bastante intimidada, a garota se levantou para seguir as orientações que

acabara de receber. Jack, então, olhou pra Brenda e disse:

— Só há pouco tempo consegui me lembrar daquela história sobre o

camundongo e da escola do primeiro grau. E realmente nós dois nos divertimos

muito.

— Quem bom que você se lembrou. Chloe também frequentou a Arthur

Street. — Brenda parecia mais descontraída. — Também me lembro do cachorro

que sempre ficava esperando por você ao término das aulas.

— Gypsy. — Jack sorriu, saudoso. — Aquele cão era um bom amigo.
— Você tem filhos?
— Não. E também nunca me casei.
— Este mundo é muito estranho. Você não se casou, não teve filhos e eu...

Eu já sou avó. E quanto a minha netinha, Lucy, nós decidimos criá-la. Mas como não

quero que a minha filha perca nenhuma oportunidade na vida, resolvi adotá-la. Serei

mãe e avó ao mesmo tempo.

— Foi uma boa solução.
— Quero que a minha filha volte a estudar, faça uma boa faculdade e arrume

um excelente emprego. — Brenda sorriu, satisfeita. — E você? Resolveu voltar

definitamente para Ashburton?

— Não, só estou aqui temporariamente.
— E como está se sentindo após tanto tempo longe?
— Atualmente, estou me sentindo bem melhor.

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Feliz ano 2000!

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— Isso é muito bom.
Jack viu que Chloe já havia se deitado na mesa de exame e se levantou.
— Vou examinar a sua filha — ele disse à ex-colega.
— Certo.
Jack calçou um par de luvas, examinou minuciosamente a garota e comentou:
— Você está ótima. E sua filha é muito linda.
— Muito obrigada, doutor.
Jack retirou as luvas, lavou as mãos e voltou a se sentar à escrivaninha.

Enquanto Chloe se vestia, ele e Brenda continuaram conversando.

— Alguma recomendação, Jack? — Brenda quis saber antes de ir embora

com a filha e a neta.

— Não, nenhuma recomendação específica. A não ser aquelas que a

psicóloga já transmitiu à Chloe.

— Muito obrigada. — Brenda se levantou. Após terem se despedido de Jack,

elas foram embora, orgulhosas do bebê que levavam consigo.

Ao se ver sozinho no consultório, Jack apoiou a cabeça no espaldar da

cadeira e fechou os olhos. De repente, tudo pareceu estar ficando mais leve, mais

fácil.

"E tudo começou a ficar mais fácil depois que resolvi convidar Amanda para

jantar comigo."

Quando havia ouvido o convite, Amanda relutara, mas acabara concordando.

E tinha sido um encontro bastante agradável, com ele se sentindo, a cada instante

que passava, mais atraído por aquela mulher que parecia ter lugar no coração para

todos os habitantes da Terra.

Após o jantar, Jack a levara para casa e no dia seguinte, um domingo, os dois

tinham saído de manhã para passear a pé pelas ruas centrais da cidade. Durante o

passeio, Jack não havia se sentido muito bem. Não era nada fácil palmilhar aquelas

ruas, não era nada fácil manter o passado num local inacessível da memória. O

passado, em alguns momentos, parecia querer se expor em carne viva perante ele,

perante Amanda, perante toda a população de Ashburton.

Em um dado momento, para não se sufocar pela emoção que o tomara, Jack

havia comentado com Amanda:

— Quando morava aqui, jogava rugby todos os sábados pela manhã.
— E você sente saudade daquela época?
— Acho... acho que sim.
"Por ver o quanto eu estava emocionado, Amanda mudou de assunto. Ela

realmente é uma mulher muito sensível."

Jack olhou para o relógio de pulso e, em seguida, se levantou para ir almoçar.

À uma hora teria a primeira de várias consultas que faria no período da tarde.

Após o almoço, Jack voltou para o consultório meio frustrado, pois não havia

se encontrado com Amanda.

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Feliz ano 2000!

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"O meu desejo por ela está se tornando insuportável. Mas tenho de me

manter distante. Não posso entrar na vida de uma pessoa para depois ir embora.

Não é justo. E Amanda jamais deixaria um lugar como este, onde ela é tão

respeitada e querida."

O primeiro paciente chegou, depois o segundo, o terceiro... A tarde toda Jack

estava trabalhando, fazendo muito esforço para não pensar em Amanda.

Ao verificar as suas anotações, viu que o último paciente era Donald Fisher,

um jovem fazendeiro. Depois de atendê-lo, Jack deixou o consultório e, em vez de ir

embora, como estava pretendendo, foi até o escritório de Amanda, que se

encontrava com a porta aberta.

— Posso entrar? — ele perguntou.
Amanda, que estava sentada à escrivaninha, onde se via vários papéis

espalhados respondeu, sorrindo:

— Mas é claro que sim.
Jack entrou e ficou de pé em frente à escrivaninha.
— Por favor, Jack, sente-se. Sente-se e fique à vontade. Ele sentou-se e

Amanda comentou:

— Não está nada fácil escalar as pessoas para o último dia do ano. Pelo jeito,

só você e eu estamos disponíveis.

— Talvez possamos fazer uma festa particular— ele sugeriu, de maneira

espontânea, e Amanda se sentiu meio intimidada. Para disfarçar, ela quis saber:

— Tem certeza de que também não quer uma folga na véspera do Natal?

Você poderia passá-la com o seu pai.

— Como comentei com você no dia que saímos, meu pai não gostou muito de

me ver por perto.

— Me desculpe, eu...
— Não, você não tem do que se desculpar. E agora, falar sobre este assunto

já não está me incomodando tanto. A verdade é que meu pai pensa que estou aqui

só para reivindicar o que é meu, como se houvesse muita coisa para ser

reivindicada. — Ele deu um longo suspiro. — Mas estou aqui para lhe fazer um

convite: que tal sairmos para jantar de novo na sexta-feira?

— Mas sexta-feira é amanhã. Infelizmente, não será possível, Jack.
— Por quê? — Ele estava se sentindo meio frustrado.
— Porque amanhã será realizado o baile da Associação dos Jovens

Fazendeiros.

— Que pena.
— Mas você poderia ir ao baile. Ele é muito divertido. Todo mundo daqui da

cidade vai a esse baile.

— Não sei, vou me sentir totalmente deslocado. Mas posso passar por lá, se

você for jantar comigo no sábado.

— Por que você se sentiria deslocado no baile?

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Feliz ano 2000!

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— Porque, pelo que entendi, é uma festa da comunidade daqui. E eu, hoje,

não passo de um forasteiro.

— Isso é o que você pensa, e o que na verdade gostaria que fosse verdade.

Mas é possível que esteja totalmente equivocado.

Naquele instante o telefone tocou. Amanda, após tê-lo atendido, levantou-se.
— Preciso ir ver um problema na enfermaria das crianças.
— Tudo bem, eu já estava indo embora mesmo.
Os dois se despediram, e Jack deixou o hospital se sentindo vazio, sem

qualquer tipo de perspectiva.

Durante o resto daquele dia e na manhã seguinte, logo ao acordar, Jack só

conseguiu pensar no que Amanda lhe dissera antes que o telefone tocasse: "Isso é

o que você pensa, e o que na verdade gostaria que fosse verdade. Mas é possível

que esteja totalmente equivocado."

— Equivocado quanto a quê? — ele voltou a se fazer a pergunta que já

repetira um sem-número de vezes, enquanto se dirigia ao hospital.

E a pergunta continuou a persegui-lo até quando se preparava para a primeira

cirurgia daquela manhã. Porém, ao entrar na sala de operação, a atenção de Jack

se voltou só para o paciente.

Após a primeira cirurgia, que foi bem rápida, Jack realizou mais duas. À tarde,

ele se dedicou aos estudos, mas com muita dificuldade.

"Amanda está me tirando do sério. Ela me trata bem, é muito atenciosa

comigo, mas não age como as outras mulheres que já passaram pela minha vida,

que faziam de tudo para me prender. Amanda Morrison, com toda certeza, traçou

um caminho para si e o segue à risca. Para ela o casamento, uma família, não

devem ser prioridades", ele pensava ao deixar o hospital, no final do expediente.

Meio contrariado, Jack estacionou o carro e seguiu para o local onde o baile

estava se realizando.

"Por que, afinal, resolvi vir para cá?", ele se perguntava quando já se

encontrava no salão, se sentindo totalmente deslocado, por não conhecer ninguém

que se encontrava ali dentro. E onde estaria Amanda? Será que tinha vindo mesmo

ao baile?

Jack se encostou em uma coluna e só então olhou para o palco. Será? Será

que estaria enxergando direito? Mas aquela orquestra que executava músicas

regionais era formada apenas por... anciãos!

"O senhor que está tocando violino deve ter uns noventa anos! Mas isso é

fabuloso!"

No salão, as pessoas dançavam em grupos, numa coreografia desconhecida

para Jack que, de repente, se deu conta que só ele estava de terno. E o pior: os

cidadãos de Ashburton presentes à festividade, usavam roupas que, com certeza,

homenageavam os primeiros colonos a chegarem ao país.

"Deveria ter perguntado à Amanda o tipo de roupa que estariam usando aqui.

Acho melhor eu ir embora. Pensei que fosse um baile comum e, por isso, coloquei o

meu melhor terno."

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No instante em que Jack tinha se desencostado da coluna, ele ouviu gritarem

o seu nome. E não foi nada fácil reconhecer Amanda, num grupo que se encontrava

próximo a ele.

— Venha, Jack! Venha! Junte-se a nós. — Ela usava um vestido longo de

algodão florido, sandálias, as unhas dos pés e das mãos esmaltadas em vermelho.

Os cabelos de Amanda tinham sido amarrados em duas maria-chiquinhas bem

pequenas e no rosto, de pele sempre impecável, várias sardas haviam sido pintadas.

— Venha, Jack! — ela insistia, sem perder o ritmo da música. Vendo que Jack

jamais ousaria se unir ao grupo, Amanda se aproximou dele, segurou-lhe a mão e o

puxou para o salão.

— Garanto que em Londres você nunca viu nada semelhante. Apesar de ter

tentado dançar, Jack acabou se complicando todo. A coreografia não era tão fácil

quanto aparentava.

— Coragem, Jack! Você vai acabar aprendendo — ela o incentivava,

praticamente gritando, por causa do som que estava muito alto. — Mas que você

está muito engraçado com esse terno, isso está! Por que chegou tão tarde?

— Eu não estava a fim de vir, lembra-se?
— Claro que sim. Mas eu estou feliz.
— Feliz com o quê?
— Por você ter vindo, oras!
A orquestra terminou execução das canções regionais e todos aplaudiram.

Em seguida, começaram a tocar músicas mais lentas. Jack, imediatamente, tomou

Amanda nos braços e eles começaram a dançar.

— Você está feliz mesmo por eu ter vindo? — ele quis saber.
— Nem posso lhe dizer o quanto.
— Pode, pode, sim. E eu quero ouvir o quanto você está feliz.
— O que está acontecendo, doutor? Será que esse pedido é fruto de uma

profunda insegurança? — Amainda disse, num tom de brincadeira.

— Você acertou em cheio, estou me sentindo muito inseguro.
— Não precisa se sentir assim. — Ela o abraçou com carinho, como se

abraçasse um garoto, e o beijou no rosto.

Jack, porém, queria mais do que um simples beijo no rosto. Num ímpeto, ele a

puxou para bem junto de si e beijou-lhe os lábios. Amanda, encantada,

correspondeu ao beijo e, ao se olharem os dois não trocaram mais nenhuma

palavra. Apenas continuaram dançando.

"Nunca na vida tinha sido beijada desta maneira", Amanda pensava, bastante

emocionada.

— Doutor! O senhor aqui! — um homem gritou ao vê-lo dançando uma

seleção de músicas mais agitadas. Sem a menor cerimônia, ele se aproximou e

continuou: — Não vou perder uma oportunidade como esta. O senhor terá de tomar

uma cerveja comigo. Depois do seu tratamento, estou novinho em folha. E é isso

que estou comemorando hoje.

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— Isso o quê? — Amanda quis saber. — O tratamento?
— Não, Amanda. Depois da dieta e dos exercícios que o doutor deu para

mim, não sinto mais dor nas costas. Já emagreci dez quilos.

— E hoje você já engordou dois, não é? — Amanda perguntou, sorrindo.
— Nem brinque, Amanda, nem brinque. Estou levando o tratamento a sério.

Mas uma cerveja não vai fazer diferença.

Amanda e Jack acompanharam o paciente até à mesa, onde encontraram a

sra. Golder, que vestia uma roupa muito semelhante à de Amanda. Com o rosto

esfogueado, sinal de que já dançara muito naquela noite, mas com um certo ar de

preocupação, ela disse:

— Jack, na segunda-feira mesmo vou deixar você examinar os meus pés.

Eles estão doendo muito. Eu adoro dançar, e se não cuidar dos meus pés, vou

acabar tendo de ficar só olhando.

No final do baile, quando Amanda e Jack se encaminhavam para os seus

respectivos carros, ela comentou:

— Gostei de ver a sua alegria, Jack. Na última seleção de músicas, você não

lembrava em nada um forasteiro. Era gente da terra, mesmo!

— Você está dizendo isso só para me animar.
— De maneira alguma, pode acreditar em mim. E percebeu como as pessoas

que o conhecem gostam e confiam em você? Desde que trabalho no hospital, a sra.

Golder se queixa dos pés, e ela jamais permitiu que alguém pusesse as mãos nele.

E agora...

— Fico muito feliz com a confiança que a população daqui está depositando

em mim.

— E isso é mérito só seu. Confiança, Jack, a gente conquista.
— Você tem toda razão.
— Onde foi que você deixou o seu carro? — ela quis saber.
— Ali adiante. — Jack apontou.
— O meu está bem aqui. — Foi a vez dela apontar para um carro bem

simples, azul-claro.

— E amanhã? Nós vamos jantar juntos?
— Claro.
— A que horas eu passo na sua casa para pegá-la?
— As oito está bom para você?
— Não poderia ser um pouco mais cedo? Amanhã estarei de folga e não

tenho nada para fazer.

— Não será possível, Jack. Amanhã vou passar o dia todo no hospital. E no

domingo também.

— Você não cansa de trabalhar, Amanda?
— Não, eu não me canso. Eu amo o meu trabalho, Jack. Ele é a minha vida.

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— Então, eu passo para pegá-la às oito.
Na despedida, os dois apenas trocaram um aperto de mão. E pareciam

dispostos a esquecer o beijo que haviam trocado enquanto dançavam.

No sábado, exatamente às oito horas, Jack tocava a campainha do

apartamento da casa de Amanda que, ansiosa, e muito tensa, já estava pronta.

— Podemos ir? — ele perguntou a vê-la, sem fazer menção de entrar.
— Só vou pegar a minha bolsa.
A ansiedade de Jack também era muito grande e o jantar não foi como os

dois esperavam. Apesar do clima agradável, amigo, só falaram a respeito de

trabalho. E, após a refeição, quando Jack a convidou para irem até uma boate,

Amanda, alegando cansaço, pediu para ser levada para casa.

No domingo, Amanda não teve muito tempo para pensar no que acontecera

no sábado. Mas de uma coisa tinha certeza: esperava que, pelo menos, Jack a

tivesse beijado quando haviam se despedido no carro. Mas ele, simplesmente,

acarinhara-lhe o rosto de leve antes que descesse.

Na segunda-feira, Amanda, que havia se prometido se dedicar um pouco

mais à Dorothy, encontrou a velha senhora muito bem-disposta, falando muito a

respeito da matéria que fizera para a televisão.

— Posso lhe pedir uma coisa? — Amanda perguntou em um determinado

momento.

— Fale, filha, fale.
— Você, que quase não falava, ultimamente tem estado muito tagarela. Por

quê?

— Por causa das surpresas que a vida nos reserva. E a vida, mesmo quando

a gente tem noventa e nove anos, sempre nos reserva surpresas.

— Fico feliz em vê-la tão bem, Dorothy. E o bordado?
— Neste final de semana, só me preocupei com os espaços vazios — a velha

senhora respondeu de maneira enigmática.

— Como foi a entrevista que você deu hoje para aquela revista feminina?
— Foi boa, minha filha, muito boa. Estavam querendo saber sobre as

mudanças que vi neste século.

— E o que você respondeu?
— Bem, eu disse que como tudo, aconteceram coisas boas e ruins. Disse que

o ritmo da vida se acelerou muito para mim. As pessoas querem que tudo aconteça

imediatamente. Hoje, todo mundo se esquece que as boas coisas só acontecem

quando temos tempo para nos dedicar a elas.

— Me dê um exemplo — Amanda pediu.
— Posso lhe dar vários. Amizade. Amor. A educação de uma criança. Cuidar

de um jardim. Existem coisas que jamais irão mudar.

— Você tem toda razão. — Amanda foi lavar as mãos e depois de enxugá-las,

pegou um par de luvas de borracha que trouxera dentro do bolso do avental e o

calçou.

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— O que você vai fazer? — a velha senhora quis saber.
— Examinar a sua perna esquerda. Posso?
— Mas é claro que sim.
Após ter examinado detalhadamente a perna de Dorothy, que não estava com

a circulação normal, e a ulceração que a amiga tinha no calcanhar, Amanda refez o

curativo e disse:

— Se continuar assim, vou pedir para o novo cirurgião examiná-la. Talvez

seja necessário mesmo fazer um enxerto. Não quero você imobilizada, Dorothy.

Você precisa andar.

— E como é ele? — Os olhos de Dorothy brilhavam, com uma certa malícia.
— Quem? O novo cirurgião?
— É. Ele mesmo, minha filha. Uma vez você me disse que ele era

competente.

— Bem — Amanda descalçou, as luvas e foi lavar as mãos. — Ele também é

muito gentil.

— Só isso?
Amanda continuava lavando as mãos. Aquela fora maneira que havia

encontrado para não enfrentar o olhar perspicaz de Dorothy.

— Ele também é muito bonito.
— O novo cirurgião é loiro ou moreno?
— Moreno. E bem alto.
— Isso é muito bom. — Dorothy sorriu.
Amanda, que já se encontrava ao lado dela, quis saber:
— O quê? O que é muito bom, minha querida?
— Tudo. A vida, principalmente. Você estava precisando mesmo.
— De quê? — Dorothy perguntou, espantada.
— Você está precisando colocar um pouco mais de cor na sua vida.
— Dorothy! — Amanda se fez de indignada.
— É verdade, filha. A vida com cores é muito mais bonita.
— Sabe, Dorothy — Amanda resolveu ser sincera com a amiga —, estou

muito feliz por tê-lo conhecido, mas também era feliz antes.

— Você passou muito tempo sendo apenas uma pequena parte da vida de

outras pessoas. E agora você precisa cuidar da sua. É ela quem precisa florescer.

— Talvez você tenha razão. Talvez, esse tempo todo, eu tenha apenas

esperado por um novo rumo, esperado por algo que me fizesse esquecer,

definitivamente, o passado.

— A gente nunca esquece o passado, minha filha. Nunca.
— É mesmo?

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— Pode acreditar em mim. A gente pode tecer um tecido mais bonito,

refazendo os pontos, mas ainda assim continua fazendo parte de um todo.

— E é isso que você está fazendo? Foi isso que a trouxe de volta para cá?
— Esta foi a minha intenção. Mas acho que foi tarde demais. Não existe mais

tempo para ser incluído. Acho que a minha tapeçaria está completa.

— O que é isso? Não gosto de ouvir você falando assim. Amanda a

repreendeu. — Não quero que seja pessimista.

— Apenas estou sendo realista, minha filha.
— Não, Dorothy, está sendo pessimista. E você está muito bem. Só

precisamos cuidar do seu calcanhar. Aí, você vai poder andar. E andar você sabe

que é muito importante. Vou ver até se dá para intensificar a fisioterapia. Se não der

certo, nós vamos fazer o enxerto. Aí, você vai viver mais cem anos.

— Cem anos? — Dorothy sorriu. — E acha que sou louca para querer viver

mais cem anos? Se eu viver mais uns dois ou três, me dou por satisfeita.

— Na minha opinião, você tem condição de viver mais cem.
— E na minha, eu acho que não vou viver tudo isso. — Dorothy voltou a

sorrir.

— Você é uma pessoa incrível, Dorothy.
— Por quê? Só porque não tenho medo da morte? Quem não tem medo da

vida, Amanda, também não tem medo da morte. E todos nós, mais cedo, ou mais

tarde, vamos morrer. Pena que a maioria das pessoas se esqueça disso. Eu me

sinto tranquila. Já vivi tudo o que tinha para viver. Bem, pelo menos eu acho que

sim. Mas a gente nunca sabe, não é? De repente, a vida pode me surpreender de

novo.

— Você é uma mulher incrível! — Amanda repetiu.
— Incrível, minha filha, é o sol nascer todos os dias. Incrível é ver uma criança

nascer e se desenvolver, incrível é ver os nossos sonhos se realizarem.

— E você sonha muito, Dorothy?
— Sonho. Sonho, sim. Mas tenho consciência que, hoje, os meus sonhos são

impossíveis de se realizar. Mesmo assim eu continuo sonhando. O que seria de nós

se não fossem os sonhos?

— É verdade... — Amanda beijou a cabeça da amiga, se despediu e deixou o

quarto.


CAPITULO V
Naquela segunda-feira à noite, ao sair do hospital, Amanda se encontrou com

Jack no estacionamento.

— Que tal você me convidar para jantar na sua casa? — ele sugeriu.
— Sinto muito, mas na minha casa hoje eu só tenho sanduíches.
— Eu adoro sanduíches. — Jack se aproximou mais dela e resolveu dizer o

que trazia preso no coração há muito tempo: — O que quero mesmo é poder ficar

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Feliz ano 2000!

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perto de você, Amanda. É só isso o que eu quero.

— Jack, eu...
Ele, no entanto, não a deixou terminar a frase e a beijou com sofreguidão. De

repente, uma frase dita há pouco por Dorothy apareceu na mente de Amanda; "Você

está precisando colocar um pouco mais de cor na sua vida." E ela viu que não

adiantava lutar contra o destino e resolveu dizer:

— Tudo bem, vamos para a minha casa.
Uma situação que Amanda havia pensado que se tornaria muito difícil, na

realidade, acabou se tornando muito fácil. Uma ternura imensa parecia ter invadido

os dois, depois que Jack tinha lhe dito que queria ficar perto dela.

Ao chegarem no pequeno apartamento onde morava, Amanda havia colocado

um CD de Chopin para tocar e fora para a cozinha preparar os sanduíches. Após os

dois terem se alimentado, Jack a ajudara a lavar a louça e depois... depois haviam

caído nos braços um do outro com uma necessidade urgente. E foi fatal que os dois

fizessem amor, de uma maneira muito carinhosa e terna.

"Acho que finalmente estou colocando cores na minha vida", fora o último

pensamento de Amanda antes de cair num sono profundo.

Ao acordar, na manhã seguinte, Amanda se espantou ao lembrar do que

havia acontecido. Mas não se arrependeu. De repente, o celular de Jack começou a

tocar.

— Jack — ela o chamou —, o seu telefone está tocando. Assustado, ele abriu

os olhos e quis saber:

— Onde está o telefone?
— Lá na sala.
Jack pulou da cama. Em sua esplêndida nudez, correu para a sala. Porém, o

celular parou de tocar assim que ele o pegou nas mãos. Jack voltou para o quarto

bastante preocupado e deitou-se de novo.

— Desligaram. E pode ser do hospital.
— E onde está o seu beep, Jack?
— Acho que o esqueci na minha sala.
— Se a chamada veio do hospital, eles vão ligar de novo. No instante

seguinte, o celular voltou a tocar. Jack, que havia colocado o aparelho sobre o

criado-mudo o atendeu no segundo toque. Ao desligar, ele disse:

— Temos de ir já para o hospital. Aconteceu um acidente de carro.
Assim que Jack e Amanda entraram na emergência do hospital, uma

enfermeira lhes informou:

— Temos três acidentados. Mas acho que apenas um se encontra em estado

grave.

— Vamos vê-lo.
Daquele momento em diante, Jack e Amanda não pararam mais até às duas

horas da tarde. Após terem almoçado, Jack foi visitar os pacientes e Amanda foi

conversar um pouco com Dorothy, que se mostrava muito bem-disposta.

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Feliz ano 2000!

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À noite, quando Amanda acompanhou Jack até o estacionamento, ele

comentou, olhando para o céu:

— Em Londres a gente não tem um ar tão puro quanto esse. E as estrelas de

lá também não brilham tanto quanto as daqui.

Amanda mordeu o lábio inferior e disse:
— Espero que quando voltar para Londres, você sinta saudade delas.
— Não é das estrelas que vou sentir saudade. — Jack a abraçou. — Vou

sentir saudade de você.

E Jack a beijou, um beijo longo, cheio de paixão e desejo.
— Eu te amo, Amanda Morrison. Te amo de verdade — Jack disse baixinho.

— E quero que saiba que jamais, jamais em toda a minha vida, eu disse isso para

uma outra pessoa.

— Oh, Jack... — Ela encostou a cabeça contra o peito forte. Deveria ser muito

difícil viver trinta e seis anos sem nunca ter amado ninguém. — Eu também te amo,

meu querido.

— É verdade? É verdade que você me ama? — Ele segurou-lhe o rosto entre

as mãos.

— É verdade, sim. Eu te amo muito, muito.
— E você confia em mim, Amanda? Confia em mim o suficiente para deixar

tudo para trás e começar uma nova vida? Confia em mim o suficiente para se casar

comigo?

Amanda hesitou. Um novo recomeço. Uma maneira de esquecer

definitivamente o passado. E fazer isso na companhia de alguém a quem amava

profundamente, lhe pareceu uma idéia bastante tentadora. Apesar do que Dorothy

lhe dissera, não tinha a menor intenção de incorporar o passado ao futuro. Talvez

fosse essa a solução perfeita. Mas esta solução também significava abandonar

muitas coisas. Coisas que haviam sido muito preciosas durante um longo, um longo

tempo.

— Não existe nada para mim aqui — Jack disse, tentando adivinhar o que a

levava a hesitar. — Na verdade, existe apenas um elo com um passado com o qual

jamais conseguirei me reconciliar. Quero ir embora, fugir daqui. Mas quero também

que esteja comigo. Sei que este é um pedido muito sério, afinal, você pertence a

esta cidade.

— Você não me conhece direito, Jack... — ela comentou, ainda muito

hesitante.

— Acho que estou pedindo demais a você. E acho também que me precipitei

ao lhe falar sobre o meu amor. Mas só queria que soubesse o que está acontecendo

comigo.

— E eu agradeço muito por ter me falado do seu amor.
— Você ainda vai ficar muito tempo aqui no hospital?
— Não muito. Só preciso cuidar do Ralph. Depois eu vou para casa.
— E o nosso jantar? Está lembrada de que ficamos de jantar juntos hoje?

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Feliz ano 2000!

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— Claro que sim.
— Então, mais tarde, vou para o seu apartamento.
— Certo. Eu espero por você.
— Por favor, Amanda, pense na conversa que acabamos de ter.
Amanda terminava de dar banho em Ralph, num pequeno cômodo que ficava

no jardim do hospital. Pensar! Não era nada, nada fácil pensar!

— Você acha que é fácil pensar, amigão? Em resposta, Ralph lambeu-lhe o

rosto.

— O que foi? Está querendo me consolar? Estou vivendo uma situação muito

difícil, Ralph. — Ela pegou uma toalha e começou a enxugar o animal. Depois, ligou

o secador e continuou cuidando do amigo, enquanto mil perguntas rondavam-lhe

pelo cérebro.

"Será? Será que eu confio o suficiente em Jack para me casar com ele? Será

que algum homem é digno de confiança? Casar com Jack significa largar tudo, todos

os meus amigos. Casar com Jack significa esquecer esta cidade que eu tanto amo,

onde sou querida e respeitada. Mas sinto que, apesar de tudo, estou me sentindo

muito dividida. Parte de mim, quer, sim, reiniciar uma nova vida. Parte de mim quer,

sim, um marido, filhos, uma família de verdade. O que sinto por Jack é muito

diferente do que eu senti por Sean. E o namoro meu com Granam Baker foi muito

bom, mas acabou se transformando numa grande amizade. Hoje ele é como um

irmão para mim. Mas com Jack... Agora, depois de tudo o que nos aconteceu, jamais

conseguiria encará-lo como a um irmão. Sinto um desejo muito grande por Jack, um

desejo que estive reprimindo por anos." Ela deu um longo suspiro. "Mas será que

posso mesmo confiar nele?"

— Posso, Ralph?
Uma outra lambida no rosto de Amanda foi de novo a resposta do animal.
“E eu confiei em Sean, não confiei? Confiei imediatamente naquele estudante

um pouco mais velho do que eu, que conheci numa danceteria. Confiei tanto, que

me entreguei a ele sem pensar nas consequências. Aí, engravidei e Sean prometeu

cuidar de mim e do bebê. E o que ele fez? Desapareceu. Simplesmente

desapareceu sem deixar rastro. E eu tive de enfrentar tudo sozinha. Tive de

enfrentar a minha decepção, o desespero da minha mãe e a ira incontrolável do meu

pai, que não quis mais viver comigo sob o mesmo teto. Meu pai, então, me obrigou a

fazer as malas e vir morar com a minha avó. Aí, mesmo querendo ficar com o filho

que levava no ventre, me convenceram a doá-lo para alguém. E naquele dia em que

o meu bebê nasceu, logo que eu o ouvi chorar, tive a certeza de que ele estava

doente, e de que precisava muito de mim. Mas o médico se negou a me deixar

segurá-lo, o médico se negou a me deixar conhecê-lo. E eu, lá na mesa de parto,

não podia fazer nada. E o meu bebê morreu. O meu bebê morreu e foi enterrado

sem que eu tivesse sequer a chance de conhecê-lo."

Amanda chorava de frustração e remorso. Não fora nada fácil viver com

tamanho peso de consciência durante anos a fio. E ela, após ter perdido o bebê,

prometeu a si mesma que dedicaria a própria vida a ajudar aos seus semelhantes, a

minorar-lhe as dores, os desesperos. Durante a faculdade, Amanda não conseguira

namorar ninguém. Todos os rapazes que dela se aproximavam a remetiam para o

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

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passado e a faziam se lembrar de Sean. Só Graham conseguira romper a barreira, o

muro imenso, que havia erguido entre ela e as relações afetivas. E agora... Jack...

— Pensando bem, Ralph, depois de tudo o que me aconteceu, só consegui

confiar em você. — Amanda abraçou o cachorro com carinho e serviu-lhe a ração.

Enquanto o cachorro comia, ela continuou pensando na vida. Mas os vazios

emocionais que encontrava no passado eram imensos, assustadores.

"De repente, de repente resolvi me apaixonar por Jack, que é um homem

muito complicado. E, de novo, a paixão fez com que eu me entregasse de corpo e

alma sem pensar nas consequências. Tenho muito medo de repetir o mesmo erro do

passado. E preciso de tempo, de tempo para pensar o que fazer da minha vida."

Jack intuiu que Amanda precisava de tempo para pensar e nunca mais voltou

a lhe falar sobre casamento. Mas a relação entre os dois se tornava, à medida que o

tempo passava, mais profunda, mais apaixonada. Mas ele sabia que, mais cedo ou

mais tarde, teria de voltar àquele assunto.

A televisão tinha começado levar ao ar a entrevista que haviam feito com

Dorothy, e a reportagem na revista também já fora publicada. Como consequência

disso tudo, muitos turistas resolveram visitar a região, e os hotéis E pousadas de

Ashburton sempre se encontravam lotadas, principalmente nos finais de semana.

Dorothy, que de uma hora para a outra havia virado uma celebridade, recebia cartas

e mais cartas dos fãs e, por causa disso, bastante animada, havia esquecido um

pouco o bordado. O que a velha senhora queria mesmo era ler as correspondências

que lhe enviavam. E, muitas vezes, Amanda tinha a sensação de que a amiga

estava à espera de uma única carta, uma carta que parecia nunca chegar.

Numa manhã, ao visitá-la, Amanda encontrou Dorothy ainda na cama, os

cabelos despenteados, olhando para o teto.

— Posso saber o que está acontecendo, minha querida?
— Nada — a resposta de Dorothy foi seca.
— Nada? E isso é lá resposta, Dorothy? — Amanda sorriu com carinho para a

amiga.

— Estou bem, Amanda. Pare de se preocupar.
— Se quiser, posso dizer à equipe que vem fazer uma nova entrevista que

você não pode recebê-los.

— E hoje eu vou dar uma nova entrevista?
— Vai. E eu conversei com você sobre isso.
— É verdade. Mas quem é essa equipe? Não estou me lembrando direito.
— É o pessoal de um jornal local. Querem que você fale como era Ashburton

na época da guerra.

— Sei... — Dorothy ficou pensativa. — E as pessoas daqui lêem esse jornal?
— Eu acredito que sim. — Amanda voltou a sorrir. Realmente, Dorothy havia

acordado com um péssimo humor.

— O jornal também fala muito a respeito das fazendas da região e de esporte.
— Será que o número de pessoas que lêem esse jornal é maior do que as

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Feliz ano 2000!

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que assistem televisão?

— Eu acredito que não. Esse jornal é local, Dorothy.
— Será que os leitores do jornal também vão escrever para mim?
— Com toda certeza.
De repente, Dorothy pediu, decidida:
— Me ajude a me vestir e a sair desta cama!
— Não precisa ter tanta pressa, Dorothy. Você pode continuar descansando.

A entrevista só será feita à tarde.

— Não, eu quero sair daqui. — Dorothy deu um longo e profundo suspiro. —

O que você acha que eu devo dizer a eles?

— O que foi que aconteceu, Dorothy? — Amanda perguntou com muito

carinho. — Por que, de repente, está se sentindo insegura?

— Eu não estou me sentindo insegura, só estou querendo saber a sua

opinião.

— Acho que você tem dizer a eles exatamente o que quiser. Como sempre,

ora.

— Então, é o que vou fazer.
Amanda ajudou a amiga a sair da cama e depois, enquanto a levava para

tomar sol na sacada, continuou a conversar com ela. Porém, ao deixá-la, Amanda

estava preocupada. Dorothy parecia meio confusa naquela manhã.

Amanda pediu a Colin Garret que examinasse a anciã. O médico atendeu-lhe

o pedido de imediato, e depois foi procurá-la.

— Dorothy está muito bem, Amanda — o médico lhe disse.
— É mesmo? Achei que ela estava meio tensa e um tanto confusa.
— De maneira alguma. Ela, inclusive, me contou de maneira muito coerente,

algumas passagens da infância.

— Se é assim, me sinto mais tranquila. — Amanda deu um suspiro de alívio.
— Eu examinei, inclusive, a ulceração que Dorothy tem no calcanhar

esquerdo. E parece que, devagar, está melhorando. A circulação da perna dela está

bem melhor, depois que intensificamos a fisioterapia.

— Isso é muito bom.
Após a conversa com Colin Garret, Amanda continuou com os seus afazeres.

Porém, à tarde, fez questão de acompanhar a entrevista dada por Dorothy à equipe

do jornal local. A anciã se mostrou mais falante do que nunca, o que deixou Amanda

aliviada.


CAPITULO VI
Dias depois, Jack estava abrindo uma garrafa de vinho na casa de Amanda,

quando viu o jornal de Ashburton sobre o sofá.

— Que coisa mais linda! — ele exclamou.

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— A quê você está se referindo? — Amanda, que se encontrava na cozinha,

entrou na sala curiosa.

— A esta fotografia que saiu na primeira página do jornal.
— Essa é Dorothy MacFadden, a nossa paciente que está com noventa e

nove anos.

— Eu sei.
— Você a conhece?
— Não, mas vi a fotografia dela lá naquele painel que tem na sala dos

médicos. Já pensou? Daqui a vinte e três dias ela fará cem anos! Já pensou o que

significa viver cem anos, Amanda?

— Cem anos, para mim, é uma eternidade.
— Uma vez, você me disse que talvez ela precisasse fazer um enxerto. —

Jack serviu duas taças de vinho e entregou uma delas à Amanda.

— Pois é... Felizmente, a circulação da perna de Dorothy melhorou com a

fisioterapia. Talvez ela nem precise do enxerto.

— Ótimo. Em compensação, hoje, finalmente, eu consegui marcar a cirurgia

da sra. Golder.

— E quando vai ser?
— No final de janeiro.
— Então ela resolveu mesmo fazer a cirurgia? — Amanda perguntou e tomou

um gole do vinho.

— Depois de ficar adiando, adiando... a sra. Golder parece mesmo ter se

decidido. Ela me disse que não poderia se arriscar a entrar no novo milênio numa

cama.

— Garanto que ela quer dançar muito no final do ano. — Amanda riu.
— Foi exatamente isso que ela me disse. A sra. Golder adora dançar. E eu a

admiro por isso. Adoraria saber dançar.

— Mas você sabe dançar, Jack.
— Sei nada! Eu só sei ficar me movimentando, enganando a minha parceira.
— Quer dizer que você me enganou, dr. Armstrong?
— De uma maneira bastante convincente, diga-se de passagem. Quando eu

morava aqui, quase não saía. Só fui mesmo me arriscar a dançar quando já estava

frequentando a faculdade lá em Londres.

Amanda e Jack se sentaram no sofá. De repente, ela perguntou:
— Sabe onde Dorothy trabalhou quando em 1916 chegou na Nova Zelândia?
— Não, onde?
— Aqui em Ashburton. E só fiquei sabendo dos detalhes dessa história depois

que ela deu a entrevista para o jornal local. Dorothy é muito misteriosa.

— Que interessante... Mas onde, especificamente, ela trabalhou aqui nesta

cidade?

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— Você nem imagina.
— Não imagino mesmo. — Ele riu.
— Dorothy trabalhou para a sua família, Jack, como criada.
— É mesmo? Ela, então, deve ter trabalhado para o meu avô. Pelo que sei,

ele era muito velho para ir para a guerra. Na época ele tinha mais de quarenta anos.

Meu pai nasceu em 1918.

— É isso mesmo. Dorothy disse que foi embora daqui quando o atual dono de

Ashcroft nasceu. Sem nenhum esforço de memória, ela até precisou a data: quatro

de agosto de 1918.

— Os idosos geralmente se lembram melhor do passado do que do presente.
— Não a minha amiga, Dorothy. Ela se lembra do passado, do presente e, se

duvidar, é até capaz de adivinhar o futuro.

— Você gosta muito dela, não?
— Eu adoro aquela mulher. Me daria por satisfeita se chegasse aos oitenta

com a lucidez que ela tem. Dorothy McFadden é um poço de sabedoria.

— Interessante... — Jack tinha ficado pensativo.
— O que é interessante?
— Quatro de agosto é o dia do aniversário do meu pai.
— Seu pai então está com...
— Oitenta e um anos. E eu estou com trinta e seis. Portanto, quando nasci

meu pai estava com quarenta e cinco anos.

— Faz parte da tradição da família ter filhos tão tarde?
— Eu fiz de tudo para não dar continuidade a qualquer tradição da minha

família. — Jack deu de ombros. — E essa atitude eu devo a minha mãe. Tradições,

Amanda, pertencem ao passado, àquela casa que mais parece um museu. Você

precisa ver: existem móveis lá dentro de Ashcroft que parecem estar cobertos de

poeira há séculos.

— Eu adoraria.
— O quê? — Ele a fitou, meio desentendido.
— Adoraria conhecer Ashburton. Na verdade, sempre quis conhecer aquela

casa misteriosa. Depois, então, que ouvi Dorothy falar sobre ela, a minha

curiosidade aumentou. Até consigo imaginar os preparativos para a festa anual que

sempre acontecia por lá.

— Então, você sempre quis conhecer Ashcroft?
— Desde que me mudei para cá.
— Se é assim, podemos marcar um dia para você ir conhecê-la.
— É mesmo? — Amanda tinha ficado muito feliz com a sugestão.
— Que tal no sábado? Nós dois estaremos de folga.
— Por mim está ótimo. Mas e o seu pai? Ele não vai se incomodar com a

minha visita?

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— Meu pai? — Jack sorriu com tristeza. — Ele passa a maior parte do tempo

isolado do mundo. Portanto, nem vai notar a sua presença.

No sábado, logo pela manhã, Amanda foi conhecer a casa que sempre lhe

despertara uma grande curiosidade. Andando por aquele jardim antigo, por sob

aquelas árvores centenárias, tinha a sensação de que voltava no tempo. Bastante

intimidada, ela tocou a campainha da velha porta de carvalho maciço e se

surpreendeu quando Jack a atendeu. O passado era tão palpável que acreditara que

um criado, vestindo roupas antigas, lhe abriria a porta.

— Seja bem vinda à Ashcroft — ele disse de maneira solene e Amanda logo

notou-lhe a tensão. Jack a beijou de leve nos lábios, enquanto ela se perguntava se

fizera bem em ter aceito o convite.

"Mas Jack pode estar tão tenso por causa de algum problema que teve com o

pai, não por causa da minha vinda", Amanda disse em pensamento. De repente, um

tremor percorreu-lhe o corpo.

— Esta casa é muito fria, ainda mais nesta época do ano — ele comentou, e

continuou, com uma certa ironia: — Mas a gente pode se manter aquecido,

circulando pelos incontáveis quartos que existem aqui.

Jack a introduziu na velha casa e a encaminhou para uma sala imensa, cujas

paredes eram revestidas por madeira. À direita, onde a sala era mais larga, existiam

sofás de couro e uma lareira que, na certa, aquecera todas as gerações dos

Armstrong.

— Venha — Jack indicou-lhe um corredor. —Mais tarde você conhece esta

parte da casa.

Ainda muito intimidada, Amanda o seguiu e se deparou com uma escada. A

iluminação daquela parte da casa era feita basicamente por vitrais belíssimos em

cujo um deles, ela leu a palavra Armstrong.

— Só a sua família morou nesta casa, Jack? — Amanda perguntou, quando

já subiam a escada.

— Até agora, sim. E, pelo jeito, serei eu quem terá de se desfazer dela.
— Mas o nome da sua família sempre estará naquele vitral.
— Não acredito. Vão acabar demolindo isso tudo. Quem tem dinheiro para

mandar fazer todos os consertos que ela necessita? O teto está cheio de

vazamentos, a fiação elétrica precisa ser toda trocada, os banheiros estão ern

péssima condições.

— Mas eu li no jornal que esta casa poderá ser tombada pelo patrimônio

histórico da cidade. Dessa maneira, ninguém vai demoli-la.

— Pelo jeito, nem será preciso demoli-la. Logo, logo, tudo aqui vai desabar.

Só neste andar tem dez quartos. Mas vamos começar pelos quartos que eram

ocupados pelos criados. É lá que deve ter morado a sua amiga, Dorothy. — Jack e

Amanda seguiram pelo corredor.

— Dorothy me disse ontem que, sobre o quarto que ocupava, existia um

sótão.

— Vamos ver se nós o encontramos.

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Eles encontraram o quarto que, um dia, Dorothy McFadden havia ocupado.

Depois, continuaram percorrendo a velha construção, e a visita já durava mais de

uma hora. Ao da primeira impressão que tivera, Amanda acabou se encantando com

tudo o que viu.

— Jack, esta casa está realmente precisando de uma ótima reforma.
— Foi o que eu disse.
— Mas ela é linda e precisa ser salva.
— Para lhe dizer a verdade, andei pensando muito nisso ultimamente. Apesar

de tudo, sinto que essa casa faz parte de mim. Mas meu pai desconfiou das minhas

intenções e disse que a casa agora pertence a um grupo chamado Starbight

Internacional e que, portanto, nada aqui dentro me pertence. — O tom de voz dele

era amargo. — Não sei se é verdade, mas foi isso que ele me disse. Portanto...

Amanda ficou preocupada com o abatimento que Jack demonstrava. Ela

jamais o vira assim antes.

— Talvez não seja verdade. O seu pai está muito doente e deve estar

confuso.

— Não, ele não está confuso. — Os dois agora se encontravam junto a uma

porta que se abria para a base de uma das pequenas torres de Ashcroft. Na outra,

que já haviam visitado, Amanda tinha se deparado com um cômodo que fora usada

como sala de desenho, por causa da excelente iluminação.

— O que funcionava aqui? — ela perguntou, curiosa. — Outra sala que era

usada para desenhar?

— Não abra essa porta — Jack pediu, mas já era tarde. Amanda tinha aberto

a porta e se deparado com um senhor de idade, magro, com cabelos bem brancos,

sentado numa poltrona. Ao lado dele, um balão de oxigênio e, sobre uma mesinha,

uma bandeja com vários vidros de remédios.

— Quem é você? — o senhor de idade perguntou com raiva, mas com muita

dificuldade. — Já disse que não quero saber de repórteres. Saia. Saia já!

Numa atitude protetora, Jack circundou os ombros de Amanda com um dos

braços e disse:

— Esta é Amanda Morrison, papai. Amanda é uma amiga minha.

Trabalhamos juntos no hospital.

— Então, leve-a embora. E por causa do hospital que resolveram me

perseguir. E isso tudo eu devo a uma ex-criada que resolveu passar o aniversário

aqui. — John Armstrong começou a tossir muito, mesmo assim, continuou: — Viu

só? Viu só o que fizeram comigo? Estou tossindo por causa de vocês.

Sem perda de tempo, Jack ligou o balão de oxigênio e, no instante em que ia

colocar a máscara sobre o rosto do pai, John Armstrong empurrou-lhe a mão.

— Eu a conheço, não conheço? — o pai de Jack perguntou, quando a tosse

diminuiu um pouco.

— Acho que não, sr. Armstrong.
— Doutor! Dr. Armstrong! Você é enfermeira?

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— Sou.
— Então estou certo, eu a conheço do hospital — a voz do velho médico era

fraca.

— Papai, vamos colocar a máscara — Jack insistiu.
— Me deixe em paz! Procure a sra. Bennett e me deixe em paz! Nada que

faça vai me ajudar. Deixe a natureza seguir o seu curso e chame a sra. Bennett.

Jack colocou a máscara sobre o colo do pai.
— Tudo bem, eu vou chamar a sra. Bennett. Vamos, Amanda. Amanda, no

entanto, não atendeu ao pedido de Jack. Ela se encontrava agora imóvel, olhando

para aquele rosto desfigurado pela dor, tentando descobrir se os dois já haviam se

encontrado. De repente, o horror a invadiu. Sim, eles realmente já tinham se

encontrado antes. Uma vez. Aquele era o médico que, há dez anos, fora chamado

para fazer o parto dela. Um médico do qual nunca quisera saber o nome. O médico

que não havia deixado com que segurasse sua filhinha nos braços.

— Eu vou sair — Jack disse, não entendendo a reação de Amanda. Afinal,

não era a primeira vez que ela via um paciente terminal.

Sozinha no quarto com John Armstrong, Amanda ainda não conseguia se

mover. "Bem que Tom Kearney me disse que o pai de Jack às vezes era chamado

para ajudar no hospital. Meu Deus... jamais imaginei que, um dia, iria encontrá-lo de

novo."

Fazendo um esforço tremendo. Amanda conseguiu deixar o quarto. Jack a

aguardava do lado de fora.

— O que foi? Por que você está tão pálida? Meu pai a ofendeu?
— Eu preciso ir embora — foi a resposta dela, que seguiu apressada pelo

corredor.

— Amanda, espere. — Jack foi atrás dela e a alcançou quando Amanda já se

encontrava do lado de fora da casa. — Me diga o que foi que aconteceu, por favor.

— Preciso ir embora, Jack — Amanda repetiu.
— Então, eu vou com você.
— Não! — ela gritou.
— Sinto muito, mas sinto muito mesmo. Você está descontrolada e eu sou o

culpado. Meu pai está muito nervoso, depois da reportagem que foi publicada no

jornal local. Muitas pessoas o estão procurando e ele, como acabou de ver, não tem

condição de receber ninguém.

Amanda sabia que, mais do que nunca, precisava se controlar. Após um

longo suspiro, ela o encarou e disse:

— Talvez isso tudo que esteja acontecendo possa ajudar no futuro e Ashcroft

venha a ser salva.

— Como um espécie de atração turística? — Jack perguntou, com uma certa

ironia na voz.

— Por que não? Essa construção é um pedaço da história desta cidade, do

país. E ela é belíssima. Portanto, deve ser salva custe o que custar.

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—- Isso tudo já está custando muito — Jack respondeu, com raiva. — E sou

eu quem está pagando a conta.

— Talvez você deva olhar tudo o que está acontecendo sob um outro ponto

de vista, e sem tanto egoísmo.

— Egoísmo? — Jack agora estava descontrolado.
— Essa casa, Jack, faz parte da história desta cidade e, portanto, de um certa

maneira, pertence à comunidade.

— Era bem melhor que ela não existisse. Assim, jamais teria voltado para cá.
— Está totalmente enganado, Jack. Você teria vindo para cá de qualquer

maneira. Agora eu sei que não se pode fugir do passado. Eu não posso fugir do

meu. Você não pode fugir do seu. Dorothy está certíssima.

— Do que você está falando?
— Agora estou falando de nós. Nunca iria dar certo.
— Você está me dispensando? — Jack perguntou, chocado. — Você está

terminando o nosso relacionamento porque o meu pai lhe disse algo que a

aborreceu?

— Não, é muito mais do que isso.
— Tudo bem, siga o seu destino, Amanda. Você será bem mais feliz sem a

minha presença. Faço parte de uma família que está destinada a ser destruída.

— Espere! — Amanda pediu ao ver que Jack ia fechar a porta. Ele, porém,

não atendeu-lhe o pedido.

Amanda, sem saber o que fazer, ficou durante longos instantes parada junto à

porta. Depois, devagar, seguiu para o local onde tinha deixado o carro. Talvez Jack

estivesse certo. Talvez a vida estivesse lhe mostrando que, na verdade, seria bem

mais feliz longe dele.

Amanda estava se sentindo péssima. Depois que a relação com Jack havia

terminado, sua vida, que sempre fora estável, parecia ter entrado no olho de um

furacão. E, para piorar a sua recuperação emocional, todos os dias tinha de se

encontrar com ele. Afinal, os dois trabalhavam no mesmo hospital. Mas ela sabia

que o tempo era o senhor de todos os males e que, se tivesse muita fé, acabaria se

recuperando.

Na segunda-feira, após o episódio lamentável que acontecera em Ashcroft,

Jack a procurara no escritório, com um sorriso nos lábios. Ao vê-lo, o coração de

Amanda disparou dentro do peito mas, aparentemente, ela se manteve inabalável.

— Você me faria um favor, Amanda?
— Favor?
— Queria que encontrasse outra pessoa para me substituir no plantão da

véspera de Natal. Gostaria muito de ficar com o meu pai.

— Certo. — Ela anotou o pedido de Jack numa agenda. — Só isso?
— Não, não é só isso que me trouxe aqui. Também estou querendo conversar

um pouco com você.

— Acho que não temos mais nada para conversarmos um com o outro, a não

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Feliz ano 2000!

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ser assuntos profissionais.

Jack não considerou o que acabara de ouvir e, após sentar-se, continuou:
— Fiquei furioso com tudo o que aconteceu conosco. E exigi explicações do

meu pai.

— E o que foi que ele lhe disse?
— Nada. E também me disse que não tinha lhe dito nada, depois que eu

deixei o quarto. Mesmo assim a minha raiva era tanta, que eu lhe disse o quanto

tinha me feito mal. Pela primeira vez na vida enfrentei o meu pai para valer.

— E ele?
— Por incrível que pareça, meu pai ficou calado. E eu fui embora. Porém, o

mais espantoso estava para acontecer. Meu pai mandou me chamar e, também pela

primeira vez na vida, nós dois conversamos. Ele me falou do passado, das

dificuldades que teve. Hoje acho que conheço o meu pai. Eu o admiro.

"Esse é um tipo de sentimento que jamais poderei compartilhar com você", ela

teve vontade de dizer. "Seu pai foi muito insensível comigo."

— E essa conversa foi muito importante para mim, Amanda. Hoje não odeio

mais o meu pai. Teria sido terrível se continuasse a odiá-lo. Ele está morrendo. —

Os olhos de Jack se encheram de lágrimas. — E esse encontro eu devo a você. Não

suportava mais tanta hostilidade. Estava para desistir de tudo e continuar a minha

vida em Londres. Mas agora sei que a meu lugar é aqui, ao seu lado. Quero

construir uma vida com você. Talvez eu encontre uma maneira de ter Ashcroft de

volta, nem que para isso tenha de gastar o meu último centavo. Nós dois podemos

iniciar uma nova geração Armstrong e fazer com que Ashcroft volte a ser o que era

antes.

Amanda estava se sentindo muito confusa. O que fazer diante de tudo o que

acabara de ouvir?

— Por que você está tão calada, minha querida? Tudo agora vai ser diferente.
— Talvez você esteja enganado — ela disse, baixinho.
As palavras de Amanda funcionaram com um jato de água fria para Jack:
— Pelo que estou vendo, você não deu muita importância para o que eu

acabei de lhe falar.

— Sinto muito, Jack, eu...
— Então é isso que tem para me dizer? Que sente muito? — Ele se levantou.

— Não quero que sinta pena de mim, Amanda. Esqueça! Esqueça tudo o que eu lhe

disse!

Ao ficar sozinha, Amanda havia se levantado, trancado a porta do escritório e

chorado muito. Definitivamente, acabara de perder o grande amor de sua vida.

Porém, o dever a chamava. E Amanda sabia que não poderia ficar trancada

dentro do escritório chorando.


CAPITULO VIl
Amanda chegou preocupada ao hospital. Precisava ver Dorothy. Nos últimos

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dias, a amiga se mostrara febril, sem apetite, com dores nas articulações, na ca-

beça, e tinha adquirido uma tosse seca. Por causa do novo quadro, Amanda havia

suspenso todo tipo de visita à paciente.

"Apesar de Colin Garret achar que pode ser uma simples gripe, tenho as

minhas dúvidas. Afinal, ela foi vacinada contra a gripe. E se for uma pneumonia?"

Decidida, Amanda se dirigiu à geriatria e foi encontrar a velha senhora

prostrada na cama, com febre alta. Após ter conversado um pouco com Dorothy,

Amanda saiu à procura de Colin e, quando o encontrou, informou-lhe o que estava

acontecendo.

— Pode ser o começo de uma pneumonia — o médico disse e foi examinar

Dorothy.

Ao saírem do quarto, Colin forneceu instruções à Amanda.
— Quer dizer que você acha mesmo que ela deve ir para a Centro de Terapia

Intensiva?

— Acho. Na idade dela, todo cuidado é pouco.
— Tudo bem, Colin. Vou seguir as suas instruções. Depois vou procurá-lo de

novo para ter uma outra conversa com você.

— A conversa será sobre Dorothy?
— Exatamente.
Após ter cuidado de Dorothy, Amanda foi novamente procurar Colin Garret e

os dois resolveram se sentar num banco de jardim para continuar conversando.

— O que você tem para me dizer, Amanda? — ele perguntou, muito

preocupado.

— É a Dorothy, Colin.
— Eu sei, eu sei, você me disse que falaríamos sobre ela. Mas o que a está

deixando tão aflita?

— O estado de saúde dela. Eu....
— Mas eu também estou muito preocupado com o estado de saúde dela —

Colin a interrompeu.

— Olha, acho que algo aconteceu com ela. Algo que a deprimiu. Aí, a

resistência de Dorothy caiu e ela ficou doente. Dorothy é muito discreta, mas

acredito que tudo isso está acontecendo pelo motivo que a fez voltar a Ashburton,

após tanto tempo. Talvez tenha algo a ver com Ashcroft, onde ela trabalhou quando

jovem.

— O que seria?
— Não sei. Mas eu não sei mesmo. Se soubesse, poderia ajudá-la. Aí, tenho

certeza de que ela se recuperaria. Dorothy ainda tem muita vida pela frente, Colin.

— Amanda começou a chorar.

— Por favor, Amanda, pare de chorar. Você tem de manter o distanciamento

profissional, caso contrário não vai conseguir ajudá-la.

— Nem sempre o distanciamento profissional funciona, Colin, e você sabe

disso. E Dorothy é muito importante para mim.

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— Amanda, tente se manter sob controle.
— Tudo bem, eu vou tentar. — Amanda enxugou as lágrimas e, antes de

voltar ao trabalho, foi procurar Ralph, pois ainda não tinha visto o animal desde que

chegara. Para seu espanto, ela o encontrou num canto, aparentemente dormindo,

coisa que não era normal àquela hora do dia. Imediatamente, Amanda ligou para

Graham Baker. O veterinário chegou cerca de quarenta minutos mais tarde e, após

ter examinado Ralph, resolveu levá-lo para a clínica que tinha, onde o animal seria

submetido a uma bateria de exames e ficaria em observação.

Amanda estava de plantão naquela noite e, sempre que podia, ia ver Dorothy

no Centro de Terapia Intensiva. Por volta da urna hora da madrugada, ela foi

chamada à emergência. Lá chegando, se deparou com uma mulher, com cerca de

trinta anos, em trabalho de parto. Não lhe restou outra opção a não ser chamar Jack

que, menos de vinte minutos após ter sido contatado, estava examinando a

paciente.

Pelo rosto tenso de Jack, Amanda pôde perceber que algo de muito grave

estava acontecendo com o bebé.

— Vamos fazer esse parto imediatamente — ele disse, após, algumas

perguntas à paciente, que se chamava Charlotte Robinson. — Tem algum

anestesista de plantão hoje?

— Tom, Tom Kearney está de plantão.
— Pois peça que ele se apresente imediatamente. E chame um pediatra e

outra enfermeira também. Faremos uma cesariana.

— Não tenha medo — Arnanda disse à parturiente, antes de ir chamar os

outros profissionais que estariam presentes ao parto.

No instante em que Jack retirou o bebê do ventre de Charlotte, Amanda viu

que nada mais tinham a fazer. O bebé, um garotinho, estava morto. Jack entregou o

bebê ao pediatra e disse à Amanda:

— Vá conversar um pouco com Charlotte. Ela está consciente. — Jack, por

sobre a máscara, olhou para a outra enfermeira que, praticamente, até aquele

momento, só havia assistido ao parto e pediu: — Agora é você quem vai me ajudar.

Demorou alguns segundos para que Amanda, hesitante, atinasse o que

estava se passando ali dentro. E, quando isso aconteceu, ela sentiu um grande

revolta. Como Jack podia apenas pedir que ela fosse conversar com Charlotte? E o

bebê? A mãe não iria vê-lo?

— Ele está morto, não está? — Charlotte perguntou, chorando, assim que

Amanda se aproximou dela.

— Você quer vê-lo? — Amanda perguntou à parturiente.
— Não, eu não quero vê-lo! — Charlotte começou a soluçar. — Eu queria que

o meu bebezinho estivesse vivo.

Amanda deixou o centro cirúrgico profundamente angustiada, e de lá, foi ver

como Dorothy estava passando.

— Amanda? É você? — a velha senhora perguntou, quando ouviu barulho no

quarto.

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Feliz ano 2000!

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— Sou eu, sim, Dorothy.
— Meu peito está doendo, querida. E está muito difícil respirar — Dorothy

disse, num fio de voz.

— Vou colocar a máscara de oxigénio. Você vai se sentir melhor. Dez minutos

mais tarde, Dorothy dormia, um sono agitado, onde começou a dizer palavras sem

nexo, após ter arrancado do rosto a máscara de oxigênio. Mas, de repente, Amanda

pôde ouvir nitidamente:

— Onde está o meu bebê? Eles levaram o meu bebê.
Amanda tomou uma das mãos da velha senhora e resolveu dizer, para

acalmá-la:

— Estou cuidando dele. Logo pela manhã seu bebê estará aqui com você.
— Muito obrigada — Dorothy respondeu, aliviada. -- Quero muito ver o meu

bebê nem que seja uma vez só. Juro que não vou causar confusão nenhuma.

"Meu Deus, ela está delirando..."
— Juro que não vou causar confusão nenhuma — a velha senhor repetiu. —

Sei que prometi, mas preciso vê-lo. Preciso vê-lo pelo menos uma vez.

— Seu filho? — a voz de Amanda era bem suave.
— Sim. Meu filho. Só uma vez. Preciso vê-lo só uma vez. Amanda, então,

resolveu perguntar:

— Quantos anos você tem, Dorothy?
— Dezoito — a velha senhora respondeu, baixinho.
— E onde você está?
— Aqui... Eu estou aqui em Ashcroft. — Em seguida, Dorothy parou de se

agitar. Amanda, apavorada, checou todos os aparelhos que estavam monitorando a

paciente e, para seu alívio, não encontrou nada de anormal.

— Nós vamos encontrar o seu filho, Dorothy. Prometo que nós vamos

encontrar o seu filho.

Amanda ficou uma hora ao lado de Dorothy e depois foi ver se tudo

transcorria bem no hospital, não sem antes pedir à plantonista do Centro de Terapia

Intensiva que ficasse atenta à velha senhora.

Por volta das seis horas da manhã, quando Amanda foi visitar de novo a

amiga, a encontrou dormindo profundamente.

— A febre dela abaixou e a respiração está quase normalizada — a

enfermeira a informou.

— Estou vendo... — Amanda sentiu seus olhos se encherem de lágrimas. —

E estou muito feliz com isso.

— Esta mulher é de ferro! — a enfermeira disse, com um amplo sorriso nos

lábios.

— Estou indo para casa agora, vou tomar um banho e trocar de roupa. Mas

logo estarei de volta. Se Dorothy acordar, diga a ela que tomaremos o café da

manhã juntas.

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

51

Só ao passar pelo saguão de entrada do hospital e se deparar com a imensa

árvore enfeitada que ali fora armada, Amanda se deu conta de que era véspera de

Natal. Na lousa ela viu escrito: Agora faltam apenas oito dias!

Ao chegar em casa, Amanda tomou um banho, se vestiu e ligou para Graham

Baker, para saber notícias de Ralph. A secretária do veterinário lhe informou que

Graham se encontrava fazendo uma cirurgia. Amanda agradeceu e voltou para o

hospital. Lá chegando, foi tomar o café da manhã com Dorothy que continuava

melhorando bastante. Após a visita que fez à velha amiga, Amanda trabalhou no

escritório até às dez e meia da manhã e, mais uma vez, ligou para a clínica

veterinária. Desta vez Graham não se encontrava no local. Preocupada, ela foi até

ao jardim, onde sentou-se num banco, para espairecer um pouco. Minutos depois,

ela viu Graham caminhando em sua direção.

— Graham! — Ela se levantou. — Aconteceu alguma coisa com o Ralph?
Após tê-la cumprimentado, o veterinário lhe contou que resolvera operar o

animal naquela manhã e se deparara com um problema abdominal muito sério.

— Ai, resolvi sacrificá-lo para que não sofresse mais — o veterinário a

informou consternado. — E já o enterrei.

— Oh, meu Deus... — Amanda abraçou o veterinário chorando muito e foi

confortada por ele. — Eu adorava o Ralph.

— Sei disso, Amanda, mas realmente não existia nada que eu pudesse fazer.
Os dois se sentaram no banco do jardim e ficaram conversando durante um

bom tempo. Quando o veterinário a deixou, na porta da frente do hospital, ela estava

se sentindo muito mal, como se, com Ralph, parte dela também tivesse morrido.

Quando Amanda já estava para entrar no escritório, Jack apareceu e

perguntou, de chofre:

— Você conhece a esposa de Graham Baker?
— Claro, mas é claro que eu conheço. Kay era enfermeira deste hospital. E

resolveu interromper a carreira depois que o filho dela nasceu. Ela é uma velha

amiga minha. Fui eu quem a apresentou a Graham.

— Sei... — Jack comentou com ironia. — Muito confortável a sua atitude.
— Não entendi, daria para me explicar melhor o que está querendo dizer?
— Ela sabe sobre você e o Graham?
— Mas é claro que sim. Kay sempre soube que Graham e eu já fomos

namorados.

— Não estou me referindo ao passado, Amanda, mas ao presente. Kay sabe

da relação que existe ente vocês dois agora?

— Sabe! — Amanda estava ficando com muita raiva, Sabe, sim! Kay sabe

que nós gostamos muito um do outro.

— Pelo jeito, sua amiga é muito moderna.
— O que está querendo insinuar, Jack?
— Não estou querendo insinuar absolutamente nada. Eu vi. Eu vi você

abraçada com ele lá no jardim há pouco.

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Feliz ano 2000!

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— Viu é? E daí? Os amigos, pelos menos os meus amigos, se abraçam

quando o momento é de muita alegria, ou de muita dor.

— E eu, Amanda? Sou o que para você? Apenas um amigo?
— Olha, eu preciso trabalhar, se me der licença...
— Você não respondeu à pergunta que eu lhe fiz.
— E nem vou respondê-la.
— Esta cidade é muito pequena, não tem medo dos comentários, não tem

medo de que a sua amiga se sinta traída?

Amanda deu um profundo suspiro e respondeu:
— Olha, você está me decepcionando muito, Jack Armstrong. Pensei que

fosse um homem vivido, que soubesse o significado de um abraço fraterno. Eu fui,

sim, namorada de Graham. Mas isso aconteceu no passado. Hoje ele é um grande

amigo meu. Um amigo que quero conservar, apesar das mentes estreitas que

habitam esse mundo.

— Mas você... — Ele a encarou. — Mas você andou chorando.
— E o que você tem contra as lágrimas? — Amanda também o encarou. —

Hoje é um dia muito triste para mim. Perdi um amigo de anos. Ralph morreu.

Satisfeito?

— Oh, Amanda, me desculpe... — Jack tentou abraçá-la, mas ela livrou-se do

abraço e, em vez de entrar no escritório, foi visitar Dorothy, que a recebeu com um

amplo sorriso nos lábios.

— Fiquei sabendo que você passou um bom tempo comigo à noite, querida.
— Como você está se sentindo, Dorothy?
— Apesar do cansaço, estou me sentindo bem melhor.
— Você ainda vai se sentir cansada por alguns dias. E normal.
— Eu sei. Mas achei que fosse morrer. E, de reponte,aqui estou eu de novo

para continuar.

Amanda se aproximou da cama, pegou entre as dela uma das mãos de

Dorothy e perguntou, num tom bem baixo de voz:

— Está querendo continuar procurando o seu filho? Pega de surpresa,

Dorothy demorou algum tempo para dar continuidade à conversa. E, quando o fez,

foi com a voz embargada:

— Como ficou sabendo? Nunca disse nada a ninguém sobre esse assunto.
— Mas disse a mim ontem à noite, quando ardia em febre. Você achou que

estivesse em 1918 e que ainda morava em Ashcroft. Você queria ver o seu bebê.

Mas pode ficar tranquila. Só eu ouvi o que você disse. E sei o quanto sofreu.

— Você sabe. — A respiração de Dorothy tinha se tornado um pouco mais

ofegante. — Você teve uma experiência quase igual a minha.

— O seu bebê também morreu, Dorothy?
— Não. Ele era muito saudável. E chorava bem alto. Jamais vou esquecer o

choro dele.

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Feliz ano 2000!

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— Não quer me contar toda a história, minha querida? Acho que vai lhe fazer

bem.

— Eu vou contar. Confio em você, Amanda. Mas feche a porta. Amanda

atendeu-lhe o pedido e, depois, voltou a segurar a mão da amiga.

— E então? — Amanda perguntou, com carinho.
— Eu era muito jovem, Amanda. E tinha um baile em Ashcroft. E eu acabei na

cama. Na cama com o meu patrão.

— O pai do seu bebê?
— Peter Armstrong. Ele era lindo, muito lindo. E tinha muito orgulho da família

e da posição que ocupava. Mas ele também era muito triste, muito infeliz no

casamento.

— Por que ele era infeliz no casamento?
— Peter achava que a esposa dele era estéril. E ele queria

desesperadamente um herdeiro. Quando lhe contei que estava grávida, Peter me

disse que ficaria com a criança, caso nascesse um homem. Era para eu ficar

escondida. A esposa iria inventar uma gravidez e, depois do nascimento, eu seria

mandada de volta para a Escócia. E eu não tinha outra opção, Amanda. Se não

concordasse com ele, seria posta na rua.

— Isso foi muito triste.
— Se foi... Ainda mais quando eu estava a milhares de quilômetros da minha

família. Peter Armstrons sabia manipularar pessoas muito bem. Mas acho que não

conseguia fazer isso com a mulher dele. Fiquei sabendo, através de outra criada,

que ela se negava a criar um bastardo.

— E o seu filho é o John Armstrong que agora mora cm Ashcroft?
— Não sei, minha filha, eu não sei... Foi isso que vim descobrir. Ele se

recusou a me receber e depois ficou doente. Queria saber o que tinha acontecido, a

data do aniversário dele, so o pai tinha se casado outra vez, se tinha um irmão mais

velho.

— Acho que posso descobrir isso tudo para você, Dorothy.
— E eu que achei que ele fosse querer me conhecer — a velha senhora

comentou, desolada. — Foi por isso que concordei com as entrevistas para a

televisão, para a revista... Tente saber se, como eu, ele tem essa pinta aqui logo

abaixo do olho esquerdo. — Dorothy colocou uma das mãos no local da pinta.

Amanda continuou conversando com Dorothy e depois foi visitar Charllotte

Robinson, e a encontrou chorando.

— Eu sinto muito, Charlotte — Amanda disse, já ao lado da cama.
— Estou muito arrependida. Sequer conheci o meu filhinho.
— Sei o que você está sentindo, minha querida. Passei por uma experiência

igual a sua e nem pude dar um nome a minha filha.

— Você também perdeu um bebê...
— Ela se chamava Hannah e morreu menos de uma hora depois de ter

nascido. E não me deixaram conhecê-la. Nunca soube como era a minha filha. Mas

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Feliz ano 2000!

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posso lhe dizer que seu filho era lindo, perfeito.

— Deveria ter feito o pré-natal. Mas eu moro longe e...
— Não se culpe, Charlotte. Só pense que agora o seu filhinho está nas mãos

de Deus.

Charlotte ficou em silêncio, e depois quis saber:
— Quanto tempo faz que você perdeu a sua filha?
— Amanhã faz dez anos. Ela nasceu num dia de Natal. Durante meses e

meses, eu ia todos os dias até ao túmulo dela para lhe dizer o quanto a amava.

Depois, vendo que precisava me livrar daquela obsessão, passei a ir só uma vez por

mês. Agora, vou visitá-la só no Natal.

— Você me disse que não deu nome a ela, mas a chamou de Hannah.
— Pois é... — Amanda sorriu com tristeza. — Foi minha avó quem deu o

nome a minha fílhinha, antes de enterrá-la.

— Meu bebê ia se chamar Jefferson.
— Jefferson é um nome lindo, e ia combinar direitinho com ele.
— Obrigada, Amanda. Obrigada por ter vindo aqui conversar comigo —

Charlotte agradeceu, emocionada. — Tenho certeza de que foi Jefferson quem a

mandou.


CAPITULO VIII
Naquela véspera de Natal, Amanda foi procurada por uma das enfermeiras. A

garota, casada há menos de um ano com um piloto da aviação comercial, queria

trocar o dia do plantão.

— Tem certeza de que dar plantão hoje, Júlia? — Amanda perguntou,

espantada.

— O Robert foi escalado para um vôo extra. E não quero ficar em casa

sozinha. Portanto, prefiro trabalhar.

— Tudo bem. Você vem trabalhar e eu fico em casa. Ia dobrar o plantão e,

confesso que estou exausta. Além disso, o meu cachorro morreu e estou muito

triste.

No final do expediente, Amanda foi mais uma vez visitar Dorothy e, em

seguida, rumou para casa. Lá chegando, se dirigiu ao banheiro, onde tomou um

longo banho morno. Depois, se alimentou de uma sopa leve e se deitou. O cansaço

dela era tanto que Amanda só foi acordar no dia seguinte pela manhã. E o primeiro

pensamento dela foi para Hannah. Ainda na cama, rezou muito pela filha que não

conhecera. Depois, se levantou, vestiu jeans, camiseta e um par de tênis e foi à

cozinha preparar o café da manhã. Logo começaria a sua peregrinação de todos os

natais.

Na rua, ao ver as crianças brincando com os presentes que haviam ganho de

Papai Noel, Amanda se sentiu profundamente emocionada.

"Dez anos... Minha filha hoje teria dez anos. E, se tivesse sobrevivido,

também estaria feliz com esse dia tão maravilhoso."

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

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Amanda passou por uma floricultura, onde comprou duas cestas com flores

bem delicadas e, a pé, seguiu para o cemitério. Como sempre acontecia, encontrou

o local praticamente deserto.

"Pelo jeito, as pessoas não gostam mesmo de lembrar dos seus mortos no

Natal."

À beira do túmulo, ao ver a fotografia da avó, ela sentiu seus olhos se

encherem de lágrimas.

— Sinto tanta saudade... — Amanda disse baixinho, enquanto colocava as

duas cestas de flores sobre o túmulo. — Você me deu tanto apoio, me fez tão feliz.

Feliz Natal, minha querida.

Depois, o olhar de Amanda se deteve na lápide onde estava escrito o nome

da filha, com a data de nascimento e morte. E fora a avó quem mandara fazer

aquela lápide.

— Minha filhinha... — Amanda tocou de leve a lápide. — A mamãe está aqui

para lhe desejar um feliz Natal e também para cumprimentá-la pelo seu aniversário.

Não conseguindo mais controlar a emoção, Amanda começou a chorar.

Depois, quando se sentiu mais tranquila, rezou com ardor e sentou-se na pequena

calçada, ao lado do túmulo. Seus pensamentos, então, vagaram pelo passado e ela

não se deu conta de que o tempo passou. Em um dado momento, vendo que não

poderia continuar ali sofrendo tanto, ela se levantou, rezou mais urn pouco e se

despediu da avó e da filha. Porém, no instante em que se virou para ir embora, deu

de cara com Jack.

— Você...
— Me desculpe, Amanda, mas eu a segui. — Jack leu as duas lápides e

perguntou: — Hannah era sua filha?

— Era — Amanda respondeu, baixinho.
— E ela...
— Ela viveu apenas uma hora. E eu não a conheci, não a segurei em meus

braços.

— Por quê?
— Porque eles viram que Hannah ia morrer. E porque também sabiam que eu

era mãe solteira, e acharam que não tivesse a menor importância. Disseram que

fizeram o que era melhor para mim.

— E você jamais concordou com isso. Certo?
— Certo. — Amanda enxugava as lágrimas que tinham voltado a rolar-lhe

pelo rosto.

-— E você odeia o médico que não teve a sensibilidade para saber o que

estava sentindo?

— Não sei se odeio o médico que fez isso comigo, mas sinto muita mágoa

quando me lembro do mal que ele me causou. — Ela deu um profundo suspiro. —

Agora, se me der licença, preciso ir para casa.

— Levo você até lá.

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— Não, muito obrigada. Preciso ficar sozinha.
— Tudo bem...
— Feliz Natal para você, Jack.
— Muito obrigado. E você, Amanda, tenha também um feliz Natal.
Dorothy, que fora retirada do Centro de Terapia Intensiva, olhava encantada

para o presente que tinha nas mãos.

— Mas é lindo, Amanda. Muito obrigada. Este xale se parece muito com um

que eu tinha quando jovem. Só você mesmo para presentear uma velha como eu

com um xale vermelho.

— Velha? — Amanda sorriu. — E quem aqui é velha?
— Você, claro que é você... — Dorothy zombou e acionou a campainha que

ficava ao lado da cama. Segundos mais tarde, uma enfermeira entrava e, após

desejar feliz Natal à Amanda, perguntou a velha senhora, com um ar meio cúmplice,

não percebido por Amanda:

— Posso ajudá-la em alguma coisa?
— Não, enfermeira. Muito obrigada, não estou precisando de nada.
— Mas você acionou a campainha, Dorothy — Amanda a lembrou.
— É mesmo? Eu não me lembro. — Dorothy deu de ombros. — Deve ser a

idade.

— Se é assim, vou cuidar de outros pacientes.
— Vá, filha, vá... — Dorothy disse, condescendente.
A enfermeira saiu e, logo em seguida, entrava com uma caixa nas mãos.
— Entregue para Amanda, filha. — Dorothy tinha um amplo sorriso nos lábios.
Curiosa e bastante emocionada, Amanda pegou a caixa e, quando a abriu,

exclamou:

— Eu não acredito!
— É um presente para você. Feliz Natal, minha filha. De dentro da caixa,

Amanda pegou um cãozinho,

— Ele é lindo. E parece o Ralph quando era pequeno. Como você soube,

Dorothy? E como foi que o conseguiu?

— Vamos por parte. — Dorothy também estava bastante emocionada. —

Júlia, a enfermeira, me disse que o seu cachorro havia morrido. Aí, como Júlia

conhece o seu amigo Graham, ficou fácil. Ele me prometeu que o seu presente

estaria hoje aqui bem cedo, e cumpriu o prometido. Portanto, minha filha, nunca

mais tente esconder nada de mim.

Amanda ficou conversando durante um longo tempo com Dorothy e as duas

almoçaram juntas.

Ao sair do hospital, com o cachorrinho nas mãos, Amanda se sentia como

uma criança.

— Como eu vou chamar você? — ela perguntava ao animal, já a caminho de

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Feliz ano 2000!

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casa. — Não vai me responder, hein? Pois saiba que vou lhe arrumar um belo nome.

Ao chegar diante do prédio onde morava, uma surpresa a aguardava.
— Quem é essa maravilha que você tem nas mãos? — Jack perguntou e

acariciou a cabeça do cachorrinho. Em troca, ele ganhou uma lambida nas mãos.

— Esse é o meu novo amiguinho. Foi um presente da Dorothy.
— É mesmo? — Jack voltou a acariciar a cabeça do animal. — E qual é o

nome dele?

— Ele ainda não me disse. Mas tenho certeza de que logo, logo ele me dirá.
— Dorothy se antecipou. Também estava pensando em lhe dar um

cachorrinho de presente.

— É mesmo? — Amanda beijou a cabeça do animal. — Valeu a intenção,

Jack.

— Posso acompanhá-la até ao seu apartamento?
— Claro que sim. Venha, vou fazer um café para nós.
Na sala do apartamento, Jack sentou-se no sofá com o cãozinho no colo,

enquanto Amanda foi fazer o café.

— Você ouviu? — Jack gritou, quando o animal começou a latir. — Acho que

o mocinho aqui também se chama Ralph.

Amanda entrou na sala com uma bandeja nas mãos e disse, sorridente.
— Você não ouviu direito, Jack. Ele está nos dizendo que se chama Ralph

Júnior.

Jack caiu na risada e comentou, enquanto pegava a xícara de café que ela

lhe estendia:

— Você é mesmo surpreendente. É tenho que admitir que o nosso amigo está

mesmo nos dizendo que se chama Ralph Jr.

— Sente-se aqui ao nosso lado — Jack pediu. Amanda sentou-se ao lado

dele.

— Quero que me desculpe pelo papelão que fiz ontem. Mas estava sentindo

um ciúme muito grande do Graham.

— Fiquei muito chateada, mas já passou. Eu não seria capaz de trair qualquer

pessoa. Kay é uma amiga muito querida.

— Eu sei disso, eu sei disso...
Os dois tomaram o café em silêncio. Ralph Júnior ficou dormindo no colo de

Jack. Ao terminar o café, Amanda colocou a xícara que tinha nas mãos sobre a

bandeja, que deixara sobre a mesinha de centro. Ao ver que Jack também terminara

de saborear o líquido fumegante, Amanda pegou a xícara vazia das mãos deles e se

levantou.

— Aonde você vai, Amanda?
— Vou levar a bandeja para a cozinha.
— Depois você faz isso. Agora quero conversar um pouco com você.

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— Tudo bem — ela colocou a xícara que tinha nas mãos ao lado da outra e

voltou a sentar-se —, pode falar.

— Quero começar tudo de novo, Amanda. Nós nos amamos, não é justo que

continuemos separados. Tenho sofrido muito e sentido muito a sua ausência. Por

favor, vamos tentar esquecer o passado e recomeçar uma nova vida.

Ela deu um longo e profundo suspiro, depois respondeu:
— Tudo bem, vamos recomeçar uma nova vida.
— Oh, minha querida. — Ele beijou-lhe os lábios com muita paixão. — Estou

me sentindo o homem mais feliz do mundo.

Ralph Júnior, com tanto movimento, acabou acordando.
— Viu só o que você fez? — Amanda perguntou, sorrindo. — Também, fica aí

se mexendo... O meu novo amiguinho gosta de paz e muito sossego.

— O Ralph Júnior é adorável. E a dona dele também. — Jack se levantou e

lhe entregou a animal. — Preciso voltar para casa. A sra. Bennett vai visitar alguns

parentes e eu vou cuidar do meu pai. Quer ir comigo para Ashcroft?

— Não, muito obrigada, prefiro ficar aqui. — Ela tambtfm se levantou.
— Você é quem sabe.
— Se precisar faltar ao trabalho para cuidar do seu pai, não se preocupe, a

gente dá um jeito por lá.

— Espero não precisar faltar. — Jack beijou-lhe os lábios de leve e antes de

sair disse: — Obrigado por essa nova chance, Amanda. Vou saber aproveitá-la.

Amanda passou o resto do dia de Natal se divertindo com Ralph Júnior, que

lhe lembrava Ralph em tudo. E também aproveitou aquele dia de folga para pensar

em como agir no que dizia respeito à Dorothy, agora que tinha certeza absoluta de

que o pai de Jack era o filho que lhe fora arrancado dos braços quando trabalhava

em Ashcroft. Apesar de não se lembrar de ter visto pinta alguma sob o olho

esquerdo do velho médico, as evidências eram muito grandes: a data do nasci-

mento, o fato de Jack nunca ter mencionado tios... Mas será, será que deveria

mesmo contar tudo à Dorothy? Como ficaria o estado de saúde da amiga, depois de

saber que o filho que tanto amava estava à morte?

No dia seguinte, ao sair para o trabalho, Amanda deixou Ralph Júnior com o

zelador do prédio. Ao chegar no hospital, foi ver Dorothy, que sequer mencionou a

promessa que ela lhe fizera e, depois da visita, passou o dia inteiro cuidando de

burocracia e da festa que faria para a amiga.

Jack, por causa do estado de saúde do pai, que havia se agravado por causa

de uma gripe, não foi trabalhar naquele dia, nem no dia seguinte. Amanda, porém,

se manteve sempre em contato com ele por telefone.

— E então? Quando nos casarmos você vai morar comigo em Londres? —

Jack lhe perguntara num desses telefonemas.

— Não posso, Jack, quem cuidaria do Ralph Júnior?
— Ele vai morar lá conosco, ora.
— Acho que ele não vai gostar dos cães ingleses que, como os donos, são

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muito esnobes.

Do outro lado da linha, Jack deu uma gargalhada e comentou:
— Só você mesmo para me fazer rir.
— Mas é verdade. Fiquei sabendo que os cães ingleses são muito esnobes

— ela continuou com a brincadeira.

— E quem lhe disse isso?
— O Ralph.
— E ele esteve algum dia na Inglaterra?
— Não, mas ele leu a respeito num livro.
— Claro, claro... E usava óculos, garanto.
— Como você sabe?
— Isso eu jamais vou lhe contar. — Jack sorrie e continuou: — Mas agora,

falando sério, andei me informando e fiquei sabendo que esta casa realmente não

pertencia ao meu pai. E resolvi comprá-la.

— O que? Você está querendo comprar Ashcroft? Mas você detesta este

lugar.

— Digamos que, agora, estou me sentindo bem melhor aqui dentro. E você a

adorou. Portanto, se tudo der certo, vou comprá-la e reformá-la. Já pensou? O Ralph

Júnior terá um imenso jardim para brincar. E os nossos filhos também. Vamos

iniciar, como lhe mencionei uma vez, uma nova geração Armstrong. Não acha a

minha idéia interessante?

— Claro... claro que sim — ela respondeu um tanto hesitante. — E o seu pai?

Melhorou?

— Ele está com muita febre. Vou acabar tendo de interná-lo. E realmente, no

dia vinte e oito, John Armstrong foi internado por causa de uma broncopneumonia.

Amanda, muito preocupada com a reação que havia tido quando da visita que

fizera à Ashcroft, relutava em ir visitar John Armstrong. Mas sabia que deveria

perdoá-lo, o que não era nada fácil.

No final do expediente daquele dia, Amanda se muniu de coragem e se dirigiu

ao quarto ocupado pelo velho médico, e o encontrou sentado numa poltrona, os

olhos fechados, o quarto na penumbra. Ao lado dele, Jack estava muito triste.

— Gomo está o nosso paciente? — Amanda perguntou a Jack. Ele, em

resposta, apenas disse:

— Estou muito feliz que tenha vindo.
— Quem está aqui? — o velho médico quis saber, sem abrir os olhos.
— Sou eu, dr. Armstrong, Amanda Morrison — ela respondeu, se

aproximando da poltrona. — Como está se sentindo?

— Eu estou morrendo. Como é que acha que estou me sentindo? Vá embora

e me deixe era paz!

Constrangida, Amanda estava para se retirar do quarto, quando o paciente

pediu, só então abrindo os olhos:

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— Espere! Você é a neta de Joan Morrison, não?
— Sou, sou, sim. — Amanda voltou a se aproximar da poltrona.
— Eu achava que já a tinha visto antes. — O velho médico falava com muita

dificuldade. — Você teve um bebê.

Amanda sentiu suas pernas bambearem e respondeu com a voz mais segura

que pôde:

— Sim...
— Por que essa mulher está aqui, Jack? Não preciso ser lembrado dos meus

erros.

Amanda temeu que, de repente, sem que ela tivesse chance de lhe explicar o

que realmente havia acontecido, que o velho médico revelasse toda a verdade a

Jack.

— É melhor eu ir, Jack — Amanda disse, baixinho. — Seu pai precisa de

tranquilidade.

— Eu fracassei — era John Armstrong falando —, eu fracassei com o bebê

dessa moça, e também fracassei com o meu filho.

Muito aturdida, Amanda olhou para o velho médico e viu que ele estava

chorando.

— Sinto muito, filho. Sinto muito por ter fracassado com você. Jack, que

estava sentado na beirada da cama, se levantou, tomou uma das mãos do pai entre

as dele e pediu:

— Calma, pai. Tente manter a calma.
— Mas eu fiz o melhor que pude.
— Eu sei, eu sei. Agora tente, por favor, se tranquilizar. Não se agite. Caso

contrário, sua situação só tende a piorar.

— E você acha que dá para ficar tranquilo diante da morte, depois de tantos

erros que cometi?

Amanda não sabia se ficava ali no quarto, ou se ia embora.
— Por que você não me contou? Por que não me contou que foi o meu pai

quem fez o seu parto? — Jack, que havia se aproximado dela, perguntou baixinho.

— Será que imaginou que eu não fosse entender o que sente por ele?

— Não quis tornar a relação de vocês dois pior. Ele é o seu pai, Jack.
— Meu pai estudou e foi criado numa época em que achavam errado que

uma parturiente segurasse um filho morto, ou que estava morrendo.

— Eu sei, eu sei...
— Eu também, apesar de ter vivido em outra época, pensava o mesmo até

que você me fez enxergar o óbvio.

— Eu errei, eu errei muito. Me perdoe, meu filho.
— Pai, acredite em mim; eu já o perdoei.
Jack voltara a se aproximar da poltrona onde John Armstrong estava sentado.

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

61

— Você está mentindo. Você está mentindo só porque estou morrendo.
— Não, é verdade, pode acreditar em mim. John Armstrong, que se

encontrava com os olhos fechados os abriu e sussurrou:

— Adeus, meu filho... — No instante seguinte, os alarmes dos aparelhos que

o monitoravam começaram a soar. Jack simplesmente os desligou.

— Mas Jack, a gente precisa...
— Não, ele foi embora. Prometi ao meu pai não faria nada para tentar

reanimá-lo quando isso acontecesse.


CAPITULO IX
No dia seguinte, após o enterro do pai, Jack insistiu em voltar para o hospital.

De acordo com ele, só o trabalho o faria esquecer os momentos difíceis que acabara

de atravessar.

Amanda, no entanto, precisava conversar com ele e o levou para o jardim.
— O que de tão urgente você tem para falar comigo? — Jack perguntou,

bastante preocupado.

— Preciso lhe contar um detalhe muito importante sobre minha gravidez.
— Você estava pretendendo dar a sua filha em adoção? É isso que tem para

me contar? — Jack perguntou, com muito carinho.

— Como... como foi que você descobriu?
— Simplesmente imaginei que isso pudesse ter acontecido, Amanda. E, por

favor, pare de se torturar. Você já sofreu muito com tudo o que lhe aconteceu.

— Quer dizer, então, que não vai me condenar por eu ter sido tão fraca e por

não ter lutado contra a vontade da minha família?

— Quem sou eu para condenar alguém? — Ele beijou-lhe o rosto de leve. —

Você fez o que foi possível, Amanda. E, por ser tão jovem, era uma pessoa muito

influenciável. Mas hoje a adolescente frágil deu lugar a uma mulher forte que luta,

com unhas e dentes, por aquilo que acredita.

— Obrigada por ser tão compreensivo, Jack.
— Também aprendi muito com a vida, Amanda. Abraçados, os dois ficaram

por longos minutos em silêncio. E foi Amanda que o quebrou:

— Você se lembra se o seu pai tinha alguma pinta abaixo do olho esquerdo?
— Tinha, sim. Mas o meu pai se livrou dela há muito tempo, Inclusive, outro

dia, estive vendo umas velhas fotografias e a pinta era bem nítida.

— Agora eu já não tenho mais dúvida alguma.
— Quer me explicar melhor a quê está se referindo, querida?
— Claro... Mas antes de explicar vou direto ao ponto: Dorothy MacFadden é

sua avó.

— O quê? — Jack perguntou, muito espantado.
— É verdade. Ela é sua avó, Jack. Dorothy MacFadden era mãe do seu pai.

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

62

— Você só pode estar delirando.
— Pois então, vou lhe contar uma história. — Após o término da narrativa,

Amanda perguntou: — Acredita em mim, agora?

— Meus Deus... Que dizer, então que... — Lágrimas começaram a rolar pelo

rosto dele.

— Eu deveria ter lhe contado tudo antes.
— Não, tudo aconteceu como deveria ter acontecido. Meu pai jamais

desconfiou da verdade. A única coisa que sempre soube era que a mãe dele, aquela

que pensei que fosse a minha avô verdadeira, sempre o odiou. E o meu avô

simplesmente o via como um herdeiro. As propriedades sempre foram mais

importantes do que o próprio filho. E isso foi fatal para a psique do meu pai.

— Que coisa mais triste... — Amanda lamentou.
— Meu pai, infelizmente, nunca teve amor, portanto não soube amar. Até hoje

não entendi como a minha mãe se apaixonou por ele. Sempre achei que meu pai se

casou apenas porque também queria um herdeiro. — Jack enxugou as lágrimas com

as mãos. — Minha mãe, não suportando a situação que vivia, e posso lhe assegurar

que ela até suportou demais, resolveu ir embora e me levou com ela. Você nem

imagina o quanto ela remoçou depois que nos mudamos para Londres. E o meu pai

jamais imaginou que iria me ver outra vez. Ele nunca me amou, nunca me quis. Na

verdade, eu era a prova viva do quanto havia fracassado.

— Mas seu pai foi um bom médico.
— Foi, mas a bebida acabou com ele.
— O último desejo de Dorothy era se encontrar com o filho. Agora,

infelizmente, minha amiga não terá mais esta chance.

— Foi melhor, foi melhor que ela não a conhecesse. Meu pai, revoltado como

era, acabaria por culpá-la e amaldiçoá-la por tudo o que sofreu na vida. E, pelo que

você me contou, ela não mereceria ser acusada de omissão pelo próprio filho. O que

uma garota como ela poderia ter feito contra o poderio que o meu avô tinha na

época? Nada! Absolutamente nada.

— Mas Dorothy jamais verá o filho. E isso é muito triste.
— É verdade, mas ela vai poder conhecer o neto. Será que ela ficará feliz

com isso?

Dorothy MacFadden ficou muito mais do que feliz ao conhecer Jack: a velha

senhora ficou radiante.

— Quer dizer que o meu filho morreu... — Dorothy disse num tom baixo e voz,

depois da euforia de saber que Jack era seu neto.

— Morreu, sim, infelizmente.
A velha senhora começou a chorar de mansinho.
— A vida é sempre muito estranha. Se ele tivesse me recebido quando fui

procurá-lo, nós dois poderíamos ter conversado e tentado recuperar esses anos

todos que ficamos separados. Mas o destino não quis assim. Deus não quis assim.

E eu tenho de me curvar aos desígnios de Deus.

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

63

Amanda e Jack trocaram olhares cúmplices. Realmente, pela expectativa que

Dorothy sempre demonstrara, tinha sido bem melhor que ela e o filho não tivessem

se encontrado.

— Que dizer que eu ganhei um neto? — Dorothy já não chorava. — E que

neto lindo você é, Jack.

— Muito obrigado, vovó.
— Repita. — Dorothy voltou a chorar. — Me chame de novo de vovó.
— Vou chamá-la sempre de vovó. Na verdade, sempre quis ter uma avó.
— Faz tempo que a esposa do seu avô faleceu?
— Faz, faz muito tempo, sim.
— Não guardo rancor dela, nem do seu avô. A vida é a vida, e a gente

apenas tem de se curvar diante dela. Você se parece muito com o seu avô, Jack.

— É mesmo?
— Seu avô era um homem muito bonito. Não foi difícil me apaixonar por ele.

Mas eu também era muito bonita.

— Mas você ainda é uma mulher muito bonita, Dorothy — Amanda interferiu

na conversa.

— Sou nada. Sou apenas uma velha rabugenta. Mas lúcida, muito lúcida.
— Quisera eu ter a sua lucidez, Dorothy.
— Mas você é uma moça muito lúcida, Amanda, e inteligente também. Se não

fosse inteligente, não teria conquistado o coração do meu neto. E por falar nisso,

quando é que vocês vão se casar? Estou louca para ser bisavó. Prometo que me

mantenho viva para conhecer pelo menos o meu primeiro bisneto.

— Eu ia falar sobre esse assunto com a Amanda mais tarde, vovó, mas vou

aproveitar e falar aqui, na sua presença.

— Então fale! — Os olhinhos de Dorothy brilhavam.
— Quer se casar comigo, Amanda?
— Mas é claro que eu quero me casar com você. Achou que eu o deixaria

escapar?

— Acontece que estou querendo me casar com você no dia do aniversário da

Dorothy, aqui mesmo na capela do hospital.

— Estou achando essa idéia maravilhosa — a velha senhora comentou, feliz.
— Mas não vai dar tempo, Jack. Nós...
— Claro que vai dar tempo, meu amor.
— Meu neto tem razão, Amanda. É claro que vai dar tempo — Dorothy

reforçou.

Amanda deu um longo suspiro e respondeu:
— Bem, já que vocês dois estão insistindo tanto, quem sou eu para contrariá-

los? Eu me caso no dia primeiro de janeiro. Fazer o quê?

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Feliz ano 2000!

64

Jack deu um abraço em Amanda e depois a beijou de modo apaixonado.
Amanda, que fora pega de surpresa, teve de se desdobrar para conseguir

preparar tudo para o casamento. Afinal, além de sonhar com a felicidade, também

precisava trabalhar. Porém, o mais difícil de tudo estava sendo manter os repórteres

e as pessoas longe de Dorothy que, por sua vez, não adoeceu mais e, apesar da

tristeza por saber que nunca iria ver o filho, se mostrava muito bem-disposta.

— É muito bom saber que você será minha neta, minha filha — a velha

senhora havia dito à Amanda, em uma das visitas que ela continuava lhe fazendo

sempre que possível.

No dia trinta, pela manhã, Amanda se encontrou com Kevin que lhe disse,

preocupado, após tê-la cumprimentado:

— Não vou conseguir. Mas não vou conseguir mesmo o que eu tanto quero.
— E o que você tanto está querendo, Kevin?
— Um bebê.
— Pois faça um ou adote. — Não brinque, Amanda,
— Mas não estou brincando, estou falando seriamente.
— Estou querendo um bebê que nasça amanhã à meia-noite.
— Ah, então é isso? Mas já havia lhe dito que, pelo que eu saiba, não temos

nenhuma paciente que dará à luz amanhã.

— Isso não poderia ter acontecido.
— Na próxima virada de milênio, combine direitinho com uma parturiente o

horário exato que ela deve dar à luz — Amanda brincou.

— Seria maravilhoso se alguma mulher chegasse aqui em trabalho de parto

às dez horas da noite.

— Mas você sabe que só fazemos cesarianas em casos extremamente

necessários. E mesmo sendo véspera do ano 2000, nós agiríamos como sempre:

parto normal.

— É verdade... Não custa sonhar, não é? — Kevin abriu um amplo sorriso. —

Mas me diga: é verdade?

— O quê?
— É verdade que você vai mesmo se casar no dia do aniversário da Dorothy?
— Mas é claro que é verdade. E eu já lhe contei isso ontem.
— Pensei que estivesse brincando.
— Não brinco com coisa séria, Kevin. E deixei um convite sobre a sua mesa.
— Estive tão ocupado que só pude chegar agora. Mas a que horas será

realizado o seu casamento?

— Às seis horas da tarde.
— Não daria para ser um pouco mais cedo? Na hora do almoço, por

exemplo? Faremos a festa da Dorothy pela manhã e, na hora do almoço, a televisão

e os jornalistas, com certeza, ainda estarão aqui.

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

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— De maneira alguma. Meu casamento com Jack só será presenciado pelos

amigos.

— Bem, você é quem sabe.
No dia trinta e um a cidade começou a festejar desde cedo. No hospital,

todos se mostravam animados e os poucos pacientes que não tinham podido passar

o final do ano com os familiares, se mostravam esperançosos, como se uma força

oculta os estivesse ajudando.

Às dez horas da noite, quando Amanda conferia cada um dos medicamentos

que teria de ser ministrado aos pacientes, Jack foi procurá-la.

— Vim aqui ver como está a minha noiva.
— Ela está ótima, mas ainda terá de continuar trabalhando mais um pouco.

Se eu soubesse que iria me casar amanhã, teria dado um jeito de ficar em casa

hoje.

— Duvido que conseguisse ficar longe de Dorothy.
— É verdade. — Ela o beijou no rosto. — Não ficaria longe dela hoje por nada

deste mundo. Mas acho que você deveria ir para a cidade aproveitar as festividades

que estão acontecendo nas ruas.

— Está me mandando embora, Amanda?
— De jeito nenhum. Mas você deu plantão na última madrugada e trabalhou o

dia inteiro.

— Não, hoje eu trabalhei até às cinco. Depois disso, caí na cama e dormi

bastante.

— Você dormiu no máximo três horas apenas.
— O que para mim foi mais do que suficiente. E nada vai me fazer sair deste

hospital hoje.

— Mas você trocou com o Garret o plantão que daria hoje. Não é justo que

fique aqui.

— Não estou pretendendo ficar aqui até manhã cedo. Nem você, eu espero. E

por falar nisso, Libby foi muito gentil em ter trocado o plantão com você.

— Ela disse que seria o meu presente de casamento. Mas ainda tenho de

ficar aqui mais um pouco, Jack.

— Você já me disse isso. Mas hoje eu não largo você. À meia-noite quero

estar junto com as duas mullieres quo mais amo no mundo. — Ele deu um profundo

suspiro. — Nunca nem imaginei que poderia ser tão feliz na vida. E pensar quanto

tempo aqui sem conhecer a Dorothy.

— Se o calcanhar dela não tivesse melhorado, com certeza você a teria

conhecido antes.

— Engraçado... — Ele ficou pensativo.
— O que é engraçado, Jack?
— Sabe que eu sempre tive muita vontade de conhecê-la?
— Mas teria sido facílimo. Afinal, você é médico deste hospital. Portanto,

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

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pode visitar qualquer paciente que esteja internado.

— Eu sei, mas não queria incomodar Dorothy. Ela estava sendo tão

requisitada...

Uma enfermeira entrou no local onde os dois se encontravam. Amanda,

então, conversou com ela sobre os remédios que deveria ministrar aos pacientes

que haviam ficado no hospital. Ao terminar, concluiu:

— Se precisar de mim, estarei no quarto da Dorothy.
Quando Amanda e Jack entraram no quarto de Dorothy, a velha senhora

abriu um largo sorriso e exclamou:

— Não acredito! O que vocês dois estão fazendo aqui?
— Advinhe — Jack brincou.
—-Mas vocês deveriam estar pelas ruas junto com as outras pessoas. Fiquei

sabendo que está tendo uma festa muito bonita.

— Está, sim, Dorothy, mas não queremos ir à festa. A nossa grande festa é

você.

— Ouviu só, Jack? Além de enfermeira ela agora também resolveu virar

poeta. — Dorothy piscou para Jack.

— Como você está se sentindo, Dorothy?
— Muito bem. E se estivesse com o meu calcanhar bom, iria festejar com o

pessoal de Ashburton.

— Isso, sim, é que eu chamo de vontade de festejar.
— Não é sempre que acontece um novo milênio, meu neto.
— Não é mesmo. Somos privilegiados por estarmos vivendo esta data.
— Jamais imaginei que eu fosse chegar aos cem anos.
— É mesmo? — Amanda perguntou, curiosa.
— É claro que não, Amanda. Mas aí, a vida passou e quando dei por mim já

estava com noventa anos. Depois, com noventa e um, noventa e dois, e assim por

diante. Então, decidi que viveria até os cem. E agora vou viver para conhecer o meu

primeiro bisneto.

— E o segundo, o terceiro, e assim por diante? — Jach disse.
— Se eu pudesse, seria eterna. Não por me achar melhor do que os outros,

de maneira alguma. Mas adoro a vida. Adoro poder ver o céu, as flores... Realmente

é um grande privilégio estar viva. Ainda mais que o dr. Garrett me disse que na

semana que vem eu vou começar a andar. Isso é sinal de que o meu calcanhar está

mesmo quase bom.

— Mas isso é fantástico, Dorothy. Quando ele lhe contou essa novidade

maravilhosa?

— Ainda há pouco. Ele acabou de sair. Já pensou? Estou muito feliz. O dr.

Garrett me disse que, se tudo continuar indo tão bem, logo vai me dar alta.

— Meu Deus! — Os olhos de Amanda se encheram de lágrimas.

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

67

— E para onde a senhora está pretendendo ir depois que receber alta? —

Jack perguntou, preocupado.

— Não estou pretendendo ir para muito longe não. Imagine se iria querer ficar

longe do meu neto!

— Tenho uma coisa para lhe dar. — Amanda pegou um envelope na bolsa e

o entregou à amiga.

Dorothy colou os óculos e leu com atenção o conteúdo do envelope.
— Mas que convite de casamento mais original.
— Fui eu mesma que o fiz, no computador.
— E você sabe mexer com aquela máquina infernal? — Dorothy perguntou,

espantada.

— E quem disse para você que computador é uma máquina infernal?
— E não é?
— Mas é claro que não — Amanda afirmou, sorrindo.
— Eu pensei que fosse.
— Dorothy, sei que amanhã você será muito requisitada e vai estar cansada,

depois que a sua festa acabar. Mas gostaria muito que você fosse ao nosso

casamento.

— E quem lhe disse que eu não vou? Não perderia o casamento de vocês por

nada neste mundo. — A velha senhora deu um longo e sonhador suspiro. — Andei

dizendo à Amanda que precisava colocar um pouco mais de cor na vida dela, Jack.

E ela, como boa menina que é, me obedeceu. Estou muito feliz por vocês dois, meus

filhos.

— Vovó, Amanda e eu decidimos que a nossa primeira filha vai se chamar

Joan, em homenagem à avó dela. A segunda vai se chamar Dorothy.

— Coitada da menina! — Dorothy exclamou, fingindo espanto. — Joan é um

nome bonito, mas Dorothy...

— Pois está decidido: a primeira se chamará Joan e a segunda Dorothy.
— Essa juventude de hoje... — Dorothy, na verdade, estava muito satisfeita

com a novidade. — Mas eu vou querer comprar um presente para vocês.

— Imagine, Dorothy, se você vai gastar o seu dinheiro com bobagens —

Amanda disse.

— E desde quando o casamento da minha melhor amiga com o meu neto é

bobagem?

— Não insista, vovó, a senhora não vai gastar o seu dinheiro com bobagens

— Jack disse com firmeza. — Guarde-o para a senhora.

— Vocês estão achando que estou na miséria? Pois saibam que não. Apesar

da luta dos meus enteados para me deixarem sem nada, eles não conseguiram.

— Enteados? — Amanda perguntou, espantada.
— É, enteados. Eram filhos do meu segundo marido.

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Feliz ano 2000!

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— Segundo marido? — Amanda perguntou, ainda mais espantada. — E

quantos maridos você teve, Dorothy?

— Apenas dois. Me casei com Douglas em 1920 e fui muito feliz com ele por

trinta anos.

— E você teve filhos? — Amanda estava fascinada com aquela mulher que

conseguia surpreendê-la sempre mais e mais. Apesar das entrevistas que dera.

Dorothy havia conseguido manter grande parte de sua vida fora do alcance do

público.

— Não, minha querida. O único filho que tive foi o pai do Jack. No navio,

quando estava voltando para a Escócia, passei muito mal. Depois me disseram que

eu quase morri. E eu nunca mais consegui ter filhos.

— Me fale sobre o Douglas — Amanda pediu, bastante interessada. — O que

ele fazia?

— Tudo o que você possa imaginar. Mas Douglas gostava mesmo era de

descobrir locais novos e inexplorados e transformá-los em locais turísticos. Se

Douglas sabia de algum local potencialmente lucrativo, lá íamos nós! Com isso,

viajei o mundo todo e tive uma vida muito excitante. Numa ocasião, viemos para cá,

onde ele andou comprando algumas coisinhas.

— E o seu segundo marido? — Amanda quis saber.
— Oh, meu segundo casamento não foi lá muito bom. Acredito que ele tenha

se casado comigo por causa do meu dinheiro. E isso é lá motivo para se casar com

alguém? — A própria Dorothy respondeu à pergunta: — Para mim não é. Mas não é

mesmo. Mas quem me deu trabalho de verdade, foram os filhos do meu segundo

marido: eles, realmente só estavam querendo saber do meu dinheiro. Mas, no final,

tudo deu certo e isso já faz muitos anos. Depois disso, viajei muito, fiz vários

cruzeiros... Não tenho do que me queixar. Aproveitei muito a minha vida. Depois que

meu segundo marido morreu, vi que poderia ser livre para fazer o que bem

entendesse da minha vida. Afinal, eu não tenho família.

— A senhora não tinha família, vovó. Agora a senhora tem uma. E chega de

tantas viagens! Amanda e eu queremos que a senhora venha morar conosco.

— E com o Ralph Júnior também — Amanda disse, sorrindo.
— Acho que não vai dar, minha filha.
— Por quê? — Jack perguntou, preocupado.
— Porque vocês têm o direito de viverem sossegados.
— E quem foi que lhe disse que não teremos sossego se a senhora for morar

conosco?

— Eu estou dizendo. Além disso, Amanda me contou que mora num

apartamento muito pequeno. Vou voltar para o hotel que estava hospedada antes de

ser internada aqui com aquela forte depressão.

— De maneira alguma — Amanda disse, decidida. — A senhora vai morar

conosco. E não vai ser no meu apartamento. Seu neto e eu temos muitos planos.

Estamos tentando comprar Ashcroft. Aquela casa pertence aos Armstrong e vamos

fazer dela um lugar muito feliz.

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

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Dorothy não disse mais nada, apenas começou a chorar baixinho. Porém, as

lágrimas logo cessaram e a velha senhora começou a falar sobre as incontáveis

viagens que já fizera na vida, sempre com muita precisão de datas.

— É impressionante a sua memória, vovó — Jack comentou.
— A minha memória é a minha vida. Sem ela acho que não sobreviveria.
— Você não está cansada, Dorothy? — Amanda perguntou em um dado

momento, preocupada.

— Cansada, eu? Não, minha filha. E eu não poderia estar me sentido

cansada numa data como essa. É um privilégio para mim estar viva, pode acreditar.

E a conversa continuou. Quando faltavam quinze minutos para a meia-noite, e

já se ouvia o barulho de muitos fogos de artifício, Jack se levantou e, sem dizer

nada, saiu do quarto.

— Aonde ele vai? — Dorothy perguntou, preocupada.
— Não faço a menor ideia.
Logo depois, Jack voltava trazendo um pequeno bolo, onde se lia: Feliz

Aniversário e Feliz Ano-Novo. Ao ver que o bolo era para homenageá-la, Dorothy

exclamou, feliz:

— Não precisava se incomodar, Jack!
— E ainda não acabou. — Ele colocou o bolo sobre o criado-mudo e saiu de

novo do quarto. Na volta, tinha nas mãos uma garrafa de champanhe e três taças.

— Mas a festa é amanhã! — Dorothy não cabia em si de tanto

contentamento.

— O bolo é diet, mesmo assim a senhora só vai comer um pedacinho, vovó. E

do champanhe a senhora só vai provar um pouco.

— Certo, doutor!
— Agora eu quero ir para a varanda ver os fogos. Me disseram que será um

lindo espetáculo —- Dorothy pediu.

— Claro, claro, vamos para lá.
A meia-noite, os três, emocionados, se abraçaram felizes. Depois abraçaram

os outros funcionários e pacientes que também presenciavam o espetáculo de cores

e luzes que se via pelos céus da cidade. Mais tarde, já no quarto de Dorothy eles

brindaram, com champanhe, o novo milênio que se iniciava. E quando, um pouco

mais tarde, Amanda e Jack saíram do quarto de Dorothy, eles se sentiam

profundamente emocionados.

Amanda e Jack estavam deixando o saguão do hospital quando uma

ambulância chegou.

— O que será que está acontecendo? — ele perguntou, aflito, e foi ver do que

se tratava. Era uma mulher que estava prestes a dar à luz. Jack, então, disse para o

enfermeiro que havia trazido a parturiente: — Direto para o centro cirúrgico!

Quarenta minutos mais tarde, Jack entregava uma garotinha à Amanda.
— Meu Deus, como ela é linda. — Amanda estava encantada com o bebê e

logo foi mostrá-lo à mãe, que começou a chorar de felicidade. — Minha filha nasceu

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

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no ano 2000. Não é fantástico?

— É fantástico, sim — Amanda disse à parturiente. — Tenho certeza de que

serão muito felizes.


CAPITULO X
Amanda e Jack tinham acabado de fazer amor e descansavam abraçados.
— Eu te amo, Amanda Morrison.
— Eu também te amo muito, Jack Armstrong.
— Ainda bem que poderemos dormir até mais tarde hoje.
— Isso graças aos nosso colegas, que não mediram esforços para que

pudéssemos descansar um pouco antes do nosso casamento.

Os dois ficaram por alguns instantes em silêncio. De repente, Jack disse:
— Dorothy ficou muito emocionada. Ela chorou várias vezes...
— Não era para menos, Jack. Apesar de Dorothy tentar se fazer de forte, ela

é uma mulher de cem anos. Já pensou? Cem anos!

— Fico me perguntando o que ela estava pretendendo fazer da vida. Longe

de tudo e de todos, com a saúde debilitada...

— É preciso ter muita coragem para vir sozinha para tão longe. Ela queria

mesmo conhecer o seu pai, e não mediu esforços para isso.

— Pena que esse encontro não se realizou. Mas como eu já lhe disse, foi

melhor assim. Acho que Dorothy sofreria muito se fosse rejeitada pelo meu pai, o

que, na minha opinião, iria mesmo acontecer.

— Vou adorar tê-la conosco. Dorothy é um poço de sabedoria. Jamais

imaginei que tivesse se casado duas vezes. Para mim, depois de tudo o que

aconteceu aqui, Dorothy tinha ficado solteira.

— É mesmo? — Jack a puxou mais para junto de si.
— Ela sempre foi tão misteriosa... Realmente aquela mulher está sempre me

surpreendendo.

— Será que ela vai viver o suficiente para conhecer o nosso primeiro filho?

Ele iria adorar ter uma bisavó.

— Tenho fé de que sim. E não é ele. É ela.
— Não entendi, Jack.
— Estou me referindo ao nosso primeiro filho: será uma menina, está

lembrada? E se chamará Joan.

— E ser for um menino, Amanda?
— Bem, aí poderemos chamá-lo de Joe.
— Náo seria perfeito se todos pudéssemos morar em Ashcroft?
— Nem me diga!
— Hoje o meu advogado conseguiu entrar em contato com uma pessoa da

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

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Starbight Internacional que, na realidade, é um conglomerado de empresas, com

sede em Londres. Essa pessoa prometeu que vai verificar quem é o dono de

Ashcroft. Talvez até consigamos comprá-la por um preço não tão exorbitante.

— Vamos torcer para que isso aconteça. — Amanda deu um beijo no rosto de

Jack. — Agora, doutor, vamos dormir. Amanhã, às dez e meia, começa a festa de

aniversário da Dorothy. E às seis horas da tarde estaremos nos casando.

— É mesmo? — ele perguntou num tom de brincadeira. — Quer dizer, então,

que nós dois vamos nos casar?

— E você ainda tem alguma dúvida?
Na manhã seguinte, por volta das nove horas, Amanda e Jack estavam

voltando ao hospital.

— Ainda bem que a prefeitura da cidade se responsabilizou pela festa de

Dorothy. Caso contrário, eu não teria dormido — Amanda comentou.

— O prefeito foi muito gentil. Tudo ficou por conta da prefeitura.
— Ele me disse que, além de um bolo bem grande, também iria servir

salgadinhos e refrigerantes. Preciso cuidar para que os pacientes não abusem.

— Eles não vão abusar. Você viu só a Dorothy, ontem? Comeu apenas um

pedaço pequeno de bolo e apenas provou do champanhe.

— Dorothy é uma paciente exemplar.
Ao chegarem no estacionamento do hospital, Amanda e Jack ficaram

espantados com a quantidade de carros que viram.

— Acho que a cidade inteira está aqui — ele comentou.
— Não seja exagerado, Jack. O prefeito disse que só convidaria as

autoridades. Ele sabe que Dorothy precisa ser protegida.

— E você adora protegê-la, não é?
— Claro que sim. Amo Dorothy profundamente.
— E acha que eu não sei disso?
Após ter estacionado, Jack se apressou em descer do carro, para abrir a

porta para Amanda. E, de mãos dadas, os dois seguiram para o hospital.

Antes de ir para o quarto de Dorothy, eles resolveram fazer uma visita para

Lana Smith, a mãe que dera à luz ao primeiro bebê nascido em Ashburton no ano

2000.

— Como está a nossa amiguinha? — Amanda perguntou, após ter

cumprimentado Lana.

— Ela está linda. Jully acabou de sair daqui há pouco.
— E você, Lana, como está se sentindo? — Jack quis saber.
— Estou muito bem doutor, graças a Deus. E obrigada por ter cuidado de mim

e da minha filha.

— E o seu marido, Lana, ele não vem aqui conhecer a Jully?
— O meu marido faleceu, enfermeira — a paciente disse, emocionada. — Ele

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Feliz ano 2000!

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foi vítima daquele acidente que aconteceu com o trem e o caminhão.

— Sinto muito, minha querida. — Amanda estava consternada. — Não deve

estar sendo nada fácil para você.

— Nós tínhamos muitos planos. Queríamos ter vários filhos, depois que nos

mudássemos para Londres. Meu marido era inglês. Mas Deus não quis assim, e eu

tenho de me conformar. Agora existe um ser que depende só de mim e vou fazer de

tudo para que a minha filha seja feliz.

— A sua família mora aqui em Ashburton? — Jack perguntou, também

bastante consternado.

— Não, doutor, minha família mora numa outra cidade bem distante de

Ashburton. Talvez daqui um mês, dois, eu me mude para a casa dos meus pais. Não

quero ficar aqui onde quase não conheço ninguém.

— Se precisar de alguma coisa enquanto ainda estiver morando em

Ashburton, Lana. é só me procurar. — Amanda abriu a bolsa, de onde retirou um

cartão. — Aqui você tem o número do telefone da minha casa e o meu endereço.

A paciente pegou o cartão que Amanda lhe estendia e agradeceu:
— Muito obrigada. Mas muito obrigada mesmo. Não sabe como estou me

sentindo feliz.

— Lana, gostaria de lhe fazer um convite.
— Um convite? — a paciente perguntou, espantada.
— É, um convite. Hoje, o Jack e eu nos casaremos aqui na capela do

hospital. Se quiser comparecer à cerimônia, que vai ser à seis horas da tarde,

ficaremos muito felizes.

— Oh, enfermeira, agradeço muito ao convite. Quem bom que você dois vão

se casar. Nunca vi um casal tão lindo em toda a minha vida.

— Muito obrigado — Jack agradeceu, sorrindo.
— Mas acho que não vai dar para eu ir. Não tenho roupa, além disso o corte

está doendo um pouco.

— Não precisa se preocupar, Lana. Se não der para você ir, não tem o menor

problema. Mas quero que saiba que será uma cerimônia muito simples e que pode

pedir a alguém para levá-la em uma cadeira de rodas.

— Certo. Se eu estiver me sentindo bem eu vou, sim.
Depois da visita à Lana, Amanda e Jack foram para o quarto de Dorothy e a

encontraram usando um vestido branco de lã, com pequenas flores coloridas. Sobre

os ombros, a velha senhora usava o xale que havia ganho de Amanda.

— Dorothy, você está linda — Amanda disse, antes de beijar a amiga.
— Linda está você, minha filha. Eu apenas faço o que posso. E bem que

gostaria de entrar caminhando no local da minha festa. Mas vou ter de entrar nesta

cadeira de rodas. O dr. Garret me proibiu de apoiar o pé no chão. E eu, como boa

paciente que sou, vou obedecê-lo.

— No que a senhora faz muito bem. — Jack beijou a avó.
— A televisão já chegou? — Dorothy quis saber.

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Feliz ano 2000!

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— Com todo certeza. Vão retransmitir a festa ao vivo para o resto do país.
— É mesmo?
— Pode acreditar em mim. — Amanda acariciou a cabeça da velha senhora.

— Mas pensei que você soubesse.

— Não, eu não sabia. Mas também não tem a menor importância. Já me

acostumei com as câmeras.

Amanda e Jack caíram na gargalhada. Dorothy MacFadden era mesmo uma

pessoa muito especial.

Meia hora mais tarde, uma enfermeira entrou no quarto de Dorothy e disse:
— O sr. Kevin pediu que eu viesse buscá-la, Dorothy.
— Não precisa se incomodar, enfermeira. Meu neto e a minha neta vão me

levar. Mesmo assim eu agradeço.

— Seu neto e sua neta? — a enfermeira olhou espantada para Amanda e

Jack.

— O dr. Armstrong é meu neto. E Amanda também, pois vai se casar com ele

hoje às seis da tarde.

— Bem, vou deixá-la aos cuidados deles.
Ao ficarem de novo sozinhos no quarto, Jack perguntou:
— E então, vovó? Vamos?
— Vamos, sim, Jack. Vamos, sim.
Ao entrarem no antigo refeitório, onde agora funcionava uma sala de

recreação, os presentes aplaudiram Dorothy de pé.

— isso tudo é para mim? — Dorothy, meio sem jeito, perguntou à Amanda.
— Claro que é.
— Eu me prometi que não ia chorar mais. E agora... Amanda, então,

empurrou a cadeira de rodas até o centro de uma mesa recoberta por flores, onde já

se encontravam as principais autoridades da cidade.

E começaram os discursos, todos muito longos, todos muito elogiosos.

Depois do prefeito, o penúltimo orador, foi a vez de Dorothy falar, de maneira

pausada, num tom baixo de voz, que era amplificado pelos aparelhos eletrônicos ali

instalados:

— Posso lhes assegurar que não é tão difícil fazer cem anos. Nos dias de

hoje, com o avanço da ciência, qualquer um que tenha tido uma vida saudável, pode

chegar aos noventa, aos cem. E por vida saudável não estou querendo dizer que

tenham de ficar trancados dentro de casa. Eu nunca fiquei trancada dentro de casa.

Sempre passeei bastante, sempre me diverti muito. Esta é a primeira vez que fico

trancada. E, depois dos cinquenta anos, é a primeira vez que fico doente. E lhes

garanto que será a última.

Todos presentes riram e aplaudiram. O repórter da emissora de televisão, que

transmitia ao vivo a cerimônia, se aproximou de Dorothy para entrevistá-la. Ela,

então, o fitou nos olhos e disse:

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

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— Depois, meu filho, depois... Ainda não acabei de falar. Os presentes, mais

uma vez, riram muito do jeito da velha senhora que continuou, lentamente:

— Já fui criança, moça, mulher de meia-idade e agora... sou uma velha. E a

única coisa de que não gosto de viver é a limitação física. Portanto, quero dizer a

todos que façam mais exercícios e que todos os anos façam um exame de saúde.

Eu também não gosto muito de médico, mas a função deles é nos ajudar.

A platéia voltou a rir e a aplaudir.
— E para terminar, quero contar a todos o que me trouxe para Ashcroft: vim

aqui à procura de um filho. E não o encontrei. Infelizmente, ele faleceu. Mas

encontrei o meu neto: Jack Armstrong. E encontrei Amanda, que será minha neta,

mas que sempre foi uma filha para mim. E encontrei vocês todos que parecem

gostar muito de mim. Posso lhes dizer que sou a mulher mais feliz do mundo, de um

mundo que acabou de entrar no ano 2000. Muito obrigada.

Ao término do discurso, Dorothy foi ovacionada. E, enquanto vários garçons

serviam salgadinhos e refrigerantes, ela deu várias entrevistas.

Só a uma hora da tarde Amanda e Jack conseguiram levar Dorothy de volta

para o quarto.

— Você hoje falou muito, Dorothy — Amanda comentou quando a amiga já

estava acomodada na cama.

— Não é sempre que a gente faz cem anos, filha, não é sempre que a gente

faz cem anos.

— Quer que eu feche a janela para você dormir?
— E acha que estou querendo dormir bem no dia do meu aniversário? Só

quero mesmo descansar as pernas.

— Vovó, a senhora precisa dormir — Jack a aconselhou.
— Já dormi muito na vida, filho. E hoje foi um dia muito emocionante para

mim.

— Por isso mesmo a senhora precisa dormir um pouco.
— Viu só com que homem insistente vai se casar, Amanda? Ele manda assim

em você?

— Não, Dorothy, felizmente, não. — Amanda riu bastante da amiga.
— Ainda bem.
— Agora eu quero ficar sozinha — Dorothy pediu. — Preciso pensar um

pouco na vida.

— Pensar na vida, vovó? Hoje não é dia de se pensar na vida. Hoje é dia de

festa.

— Todo dia é dia de se pensar na vida, meu neto. Há pessoas que acham

que é ruim pensar na vida. Mas eu sempreacho ótimo.

— Só não estou querendo que a senhoril se entristeça.
— Também é muito bom se entristecer. Chorar também é muito bom. Você

não chora, Jack?

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

75

— Bem, à vezes.
— Fico feliz em ouvir isso. Antigamente diziam que homem não podiam

chorar. Mas hoje as coisas estão ficando melhores para vocês.

— Bem, nós vamos deixar a senhora sozinha, como nos pediu.
— Logo agora que o nossa conversa estava se tornando interessante?

Fiquem mais um pouco. São raras as pessoas que se dignam a conversar com os

velhos, ou... com os não tão jovens. — Dorothy deu uma piscadela para os dois.

— A senhora tem toda razão, as pessoas vêem a velhice como se fosse uma

doença...

— ...e como se nós não tivéssemos uma vida para viver, mesmo que seja

pouca, como se também não tivéssemos uma vasto mundo interior — Dorothy

completou a frase de Jack. — Isso quando não conversam com a gente como se

fôssemos crianças.

— A senhora tem toda razão — Jack repetiu e sentou-se ao lado da cama.

Ele e Dorothy começaram a conversar sobre vários assuntos.

Amanda, que havia se sentado numa outra cadeira, apenas ouvia, não

querendo interferir na conversa. E foi inevitável para ela pensar na avó, pensar em

como já havia sofrido na vida.

"Mas Deus, de repente, resolveu me dar dois belíssimos presentes: Jack e

Dorothy. Hoje eu sinto que sou feliz e que continuarei sendo feliz pelo resto da

minha vida. Tenho uma profissão, um homem que amo e que me ama, tenho

Dorothy e, logo vou engravidar de novo. Aí, minha felicidade será completa. Mas

adoraria que a minha avó estivesse aqui comigo hoje. Tenho certeza absoluta de

que iria adorar o Jack. E ele também iria adorá-la. Os dois iriam se dar muito bem..."

A conversa ente Jack e a avó continuava, emocionada, pontuada por alguns

silêncios. Amanda percebeu que ele evitava falar no pai e omitia várias

considerações que poderiam entristecer Dorothy.

"E eu te amo por isso também Jack. Por você ser o homem que é. Um

homem que eu conheci revoltado, muitas vezes desfazendo das outras pessoas. E

era mágoa que você tinha dentro de si. Muita mágoa. Sei como é difícil ser rejeitado,

já passei por isso. Infelizmente, não tive a oportunidade de me reconciliar com o meu

pai, que me abandonou no momento que mais precisava dele. E agora..., agora ele

também faleceu."

Amanda deu um longo e profundo suspiro. "E a relação que tive com a minha

mãe, depois que engravidei, também jamais voltou a ser a mesma. Liguei para ela,

pedindo que viesse para o meu casamento, mas tenho certeza de que não virá. Mas

assim que tiver uma folga, vou procurá-la. Quero que conheça o Jack. Quero me

aproximar mais dela. Afinal, eu a amo muito!"

— Por que você está tão ensimesmada, Amanda? — Dorothy interrompeu-lhe

os pensamentos.

— Eu gosto de pensar na vida, minha querida.
— E acha que não sei disso? Você é uma moça muito especial. Vocês dois

são pessoas muito especiais. — Os olhos de Dorothy se encheram de lágrimas.

— Você também é uma pessoa muito especial, Dorothy. — Amanda se

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Feliz ano 2000!

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aproximou da amiga e beijou-lhe o rosto.

— Todas as pessoas do mundo seriam especiais se tivessem chance. Mas

nem todo mundo tem a sorte que eu tive. — Ela olhou para Amanda e pediu: — Por

favor, pegue a minha bolsa que está na parte de baixo do criado-mudo.

— Descanse um pouco, Dorothy.
— Vou ter muito tempo para descansar. A eternidade me espera. Só torço

para que ela ainda espere bastante. Pegue a minha bolsa, por favor.

Amanda pegou a bolsa e a entregou à amiga.
— Preciso entregar a vocês o presente de casamento.
— Dorothy! Pensei que já tivéssemos conversado sobre isso. — Um presente,

minha filha, a gente simplesmente aceita. E este é um presente muito importante

para mim. — Dorothy retirou da bolsa alguns papéis. — Mas antes de entregá-lo,

preciso lhes contar algumas coisas. Omiti alguns fatos a vocês. Agora quero

esclarecer tudo.

Sem saber o que dizer, Amanda e Jack olhavam para Dorothy que continuou:
— Na verdade, meus filhos, o meu primeiro marido era muito, muito rico. E ele

me deixou um sem-número de propriedades. Portanto, também sou uma mulher

muito rica. Quando estivemos aqui, meu marido comprou várias propriedades. Bem,

Ashcroft, e as fazendas que pertenceram ao Armstrong, só adquiri alguns anos mais

tarde, e fiz questão de que o dono permanecesse na casa da família até à morte,

imaginando que poderia ver meu filho. Depois disso, sempre adiei, por falta de

coragem, minha vinda para cá. Medo de ser rejeitada, acho que vocês me

entendem. E quando vim, ele não quis me receber. Meu marido foi o fundador da

Starbight Internacional. — Dorothy estendeu os papéis à Amanda e Jack. — Aqui

estão as escrituras das fazendas e de Ashcroft. Elas pertencem a vocês, como o

resto das propriedades que tenho aqui e pelo mundo afora.

— Dorothy, eu...
— Não me diga que não pode aceitar, Amanda. Como eu lhe disse, um

presente a gente simplesmente aceita. — Ela olhou para Jack. — Eu ia entregar

tudo isso ao seu pai, mas Deus não quis assim. Depois a gente vê as escrituras das

outras propriedades. Quero que tudo esteja direitinho no nome de vocês, antes da

minha partida.

— Não fale assim, Dorothy...
— Sempre aprendi, minha filha, que a morte faz parte da vida. E hoje, mais do

que nunca, eu sei disso. Mesmo quando eu partir, sei que continuarei aqui. Jack é

parte de mim, os filhos que vocês terão, também serão parte de mim. Você também

é parte de mim, minha querida. E agora quero que me faça mais um favor, Amanda.

Pegue o meu bordado que está sobre a outra cama. Ele é seu.

— Mas Dorothy...
— Finalmente eu consegui terminá-lo. Graças a você fui capaz de enfrentar

com coragem todos os meus vazios e suavizá-los.

Amanda pegou o bordado, o apertou contra o peito e chorando, agradeceu:
— Muito obrigada, Dorothy.

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Feliz ano 2000!

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— Sou eu que tenho de agradecer tudo o que fez por mirn, minha filha. Agora,

quero mesmo ficar sozinha. Tenho um compromisso muito importante às seis horas

da tarde.

Mais uma surpresa estava à espera de Amanda, naquele dia. Ao chegar na

portaria do prédio onde morava, o zelador lhe disse que uma pessoa a aguardava e,

com a cabeça, lhe indicou um sofá usado pelos visitantes.

— Você veio! — Em prantos, Amanda abraçou a mãe.
— Oh, minha filha, estou tão feliz por você! Me perdoe por tudo. Me perdoe

por não ter sido forte na hora em que você mais precisou de mim. Às vezes a culpa

que sinto é insuportável.

— Esqueça, mamãe. A vida foi muito generosa comigo. Venha, vamos subir,

caso contrário vou chegar muito atrasada no meu casamento.


EPÍLOGO
No casamento só estiveram presentes as pessoas amigas. Dorothy, como o

xale que havia ganho, combinando com um vestido rosa-claro, fez questão de, com

a ajuda de uma enfermeira, ficar de pé quando Amanda entrou na pequena capela,

de braço dado com Kevin, que estava satisfeitíssimo por causa das doações que o

hospital havia ganho.

Quando terminou a cerimônia religiosa, Amanda foi abraçar a velha amiga,

que comentou:

— Você está magnífica neste vestido salmão, minha filha.
— Muito obrigada, você não sabe como foi difícil para mim escolhê-lo.
— Também usei um vestido salmão, quando me casei com o Douglas.
— E eu, vovó? Não estou bonito neste terno azul-marinho?
— Se está! Você usa branco demais. Agora, além da vida, precisava também

colorir um pouco mais o seu guarda-roupa. Para o próximo inverno vou lhe tricotar

uma malha amarela.

— E eu a usarei com muito prazer.
— Dorothy, agora quero que conheça a minha mãe. — Amanda, em seguida,

fez as apresentações.

— A senhora tem uma filha que é um verdadeiro tesouro — Dorothy

comentou com Linda Morrison.

— Eu sei, eu sei disso...
— Quando Ashcroft estiver restaurada, mamãe virá morar conosco.
— Isso é muito bom, isso é muito bom. Quer dizer quo nós somos quatro?
— Cinco. Você se esqueceu do Ralph Júnior.
— É mesmo. Logo, logo ele terá muito lugar para correr.
— Dorothy, agora nós vamos para o local onde foi realizada a sua festa. O

casamento civil será lá. Depois vamos jantar todos juntos. O jantar será oferecido

pelos nossos colegas. Foi a forma que encontraram para nos homenagear.

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Alison Roberts

Feliz ano 2000!

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— E eu vou poder comer, doutor? — Dorothy perguntou para Jack.
— Vai. Mas só um pouquinho.
— Viu só o que me restou na vida, sra. Morrison? Ser controlada pelo meu

neto.

Após terem assinado os papéis que os unia perante os Homens, o jantar foi

servido. E, para surpresa de Amanda e Jack, três violinistas entraram no antigo

refeitório, tocando valsas vienenses.

— Aceita dançar comigo, sra. Armstrong?
— É o que mais quero neste momento.
No instante em que Amanda e Jack começaram a dançar, todos os presentes

ao jantar começaram a aplaudir e dar viva aos noivos.

— Sou a mulher mais feliz do mundo, Jack — Amanda sussurrou-lhe junto ao

ouvido.

— E eu o homem mais feliz. Jamais imaginei que, um dia, estaria casado.

Jamais tinha pensado em me casar. E agora — ele rodopiou pelo salão —, agora

estou iniciando aqui, uma nova linhagem dos Armstrong. E nas nossas vidas não

haverá lugar para o ódio, nem para o ressentimento. Nas nossas vidas...

— ...só existirá lugar para o amor — Amanda completou-lhe a frase e o

abraçou.



ALISON ROBERTS nasceu na Nova Zelândia. Quando criança, morou em

Londres e Washington, D.C., e começou a sua carreira como professora de primeiro

grau. Filha de um médico e de uma enfermeira, sempre se interessou pela medicina,

e acabou trabalhando como auxiliar em pesquisas, e como técnica em cardiologia.

Casada com um médico, Alison morou dois anos em Glasgow, onde deu início a sua

carreira como escritora. Hoje, Alison mora com o marido, a filha e vários animais de

estimação, em Christchurch, Nova Zelândia.


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