FICHAMENTO
Trata-se de uma obra normativa, tal como “O Príncipe”, escrita por Maquiavel entre 1513 e 1517, publicada postumamente em 1531. Tito Lívio foi um filósofo e escritor que cresceu em meio às guerras civis que assolavam a Itália na época de Júlio César. Dedicou seus últimos quarenta anos de vida à obra “Desde a fundação da cidade”, que consiste em uma narrativa da história de Roma, dividida em 142 livros, dos quais 35 são conhecidos. O tamanho e abrangência desta obra de Tito, a tornaram um clássico com grande influência sobre personagens históricos de destaque, entre eles, Tocqueville, Montesquieu e o próprio Nicolau Maquiavel, que escreveu esta obra quatro anos após haver concluído “O Príncipe”, o que justifica suas notadas semelhanças com a primeira.
Em “Discorsi” Maquiavel estimula o debate sobre o conceito de liberdade e virtude cívica. De acordo com o mesmo, há uma necessidade de confiar ao povo a preservação da liberdade para garantir a participação deste na vida pública e para que este povo funcione como guardião de seu território, o julgamento de uma cidade, em última instância, deve ser do próprio povo. Ele prega a necessidade de haver muitos juízes, pois considera que poucos juízes irão normalmente julgar a favor da minoria. Assim, não existe uma cidade forte sem o povo, da mesma forma, sem a participação da maioria na vida política, não existirá uma cidade livre; por outro lado, esclarece que a participação popular traz consequências tais como, por exemplo, ao levar o povo a intenções que não sejam consensuais, como sói acontecer na maioria das situações, o resultado certo será a ocorrência de graves conflitos políticos.
Pode-se observar que Maquiavel se destaca pelas suas reflexões sobre os possíveis choques originados dessa participação, contrapondo-se às ideias e teses dos humanistas até então apresentadas. Sendo novas suas ideias, ele adquire um papel de destaque como um político revolucionário.
Diante desse exposto, podemos resumir a ideia dessa obra “Discursos”, pela analogia destacada que Maquiavel se compara aos grandes navegadores, afirmando estar consciente dos riscos que estaria correndo ao percorrer novos caminhos na esfera do pensamento político. Ao buscar superar seu tempo e empreender uma incursão no ambiente da teoria política, ele tinha conhecimento do risco a correr ao adentrar nesse perigoso terreno tal como aquele por que passam os aventureiros e desbravadores.
O Maquiavel REAL
O verdadeiro Maquiavel é pouco conhecido do grande público. Apesar de ter entrado para a história como o autor de O Príncipe, um formidável tratado sobre como um monarca deve portar-se no jogo da política, do poder, onde falhas não são toleradas, é possível dizer que ele foi mais republicano que monarquista. E que confiava mais no povo do que nos príncipes. Pelo menos essa é uma das mensagens que o seu segundo livro mais famoso, por assim dizer, Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, deixa transparecer ao leitor.
Completo, preciso e magistral, Discursos analisa as facetas política e militar de Roma desde a expulsão dos reis etruscos até o fim da República. Estuda seus generais mais famosos e feitos (que refletiam toda sua virtù), sua ascensão como cidade-estado, sua forma de administrar o que conquistava e por fim sua decadência e corrupção, que a forçaram a abandonar a liberdade para tornar-se império. Uma obra indispensável, forjada por um Maquiavel mais maduro, conciso e menos impulsivo.
SINOPSE
Nos Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, Maquiavel se compara aos grandes navegadores e afirma estar consciente dos riscos que está correndo ao propor percorrer novos caminhos na esfera do pensamento. A obra de Maquiavel deve ser pensada sob o signo do novo. Novidade tramada no convívio com o passado, construída pela leitura dos humanistas, e tecida num confronto sinuoso com as crenças mais arraigadas dos séculos anteriores sobre a natureza da política e das ações dos homens. Ao buscar superar seu tempo e empreender uma navegação nos mares da teoria política, ele sabia que estava entrando em um terreno perigoso e quase tão arriscado quanto aquele dos aventureiros e desbravadores. Para ele, o novo se conjuga com o perigo. Pensar contra seu tempo implica em correr riscos; contrariar o estabelecido pela tradição pode levar o autor a desagradar a todos sem contentar a ninguém. Ele sabia, entretanto que as formas antigas de pensar a política estavam esgotadas e que não existe outro caminho para os descobridores do que o dos mares revoltos. Permanecer em terra firme, naquele momento, podia evitar o perigo do naufrágio, mas não o conduziria a novas terras. Como os bons navegadores, no entanto, Maquiavel sabia que não se pode começar uma aventura sem antes calcular todos os riscos, sem levar a bordo as ferramentas de que dispomos no presente e que nos foram legadas pelo passado, mesmo se algumas delas venham a se revelar inúteis ao longo da travessia.
Referências:
http://www.nicolaumaquiavel.com.br/
http://maquiaveli.blogspot.com.br/
Livro: Comentários À “primeira Década” de Tito Lívio – Maquiavel
Resumo: Em Comentários Sobre a Primeira Década de Tito Lívio, Maquiavel brinda o leitor com a história de Roma, discorrendo sobre a sua política, suas divergências e seus conflitos. A obra escrita entre 1513 e 1517, cujo título original é Discorsi, é uma digressão sobre os dez primeiros livros do historiador romano Tito Lívio e escrita por Maquiavel quatro anos após haver concluído “O Príncipe”, o que justifica suas perceptíveis semelhanças com o primeiro.
No entanto, o que o distingue de “O Príncipe” é a análise detalhada da república, em que o autor claramente se coloca em favor desta, a apontar suas principais características observadas no decorrer da história e modos de melhorá-la, ou de ao menos mantê-la. Maquiavel não se preocupa em fundamentar afirmativas ou documentar referências. Em vez disso, identifica no passado acontecimentos ou sequências de eventos que ilustrem e confirmem suas convicções acerca do presente, em especial a política a ser seguida pelas cidades italianas. Na verdade, discorrer sobre os livros de Tito Lívio é mostrar Roma em todos seus aspectos. "Os que estudarem o que foi o início de Roma, seus legisladores e a ordem pública que instituíram não se espantarão de saber que tantas virtudes tenham sido ali cultivadas durante séculos, e que aquela cidade se tenha tornado centro de imenso império".
Na sequência do livro, Maquiavel nos aponta todos os acontecimentos que levaram à criação dos tributos romanos, do Senado, da República, enfim, do Estado Romano. Assim, pode-se considerar Maquiavel como sendo, indubitavelmente, um pensador indutivo -utiliza-se de inúmeros exemplos históricos com o fim de sustentar suas afirmações. No entanto, seu propósito não é sempre impecavelmente atingido, mesmo porque a realidade não segue regras e é, portanto, muito mais complexa do que se pode teorizar.
A obra é começada com a citação da origem das cidades, que podem estabelecer-se devido a um grupo de cidadãos juntar-se a visar maior segurança; a estrangeiros que querem assegurar o território conquistado, a estabelecer, ali, colônias; ou mesmo a fim de exaltar-se a glória do Príncipe. As repúblicas nascem com o surgimento das cidades e, assim, constituem três espécies: monarquia, aristocracia e despotismo, que podem evoluir para o despotismo, oligarquia e anarquia, respectivamente. Neste ponto, a sociedade é vista por Maquiavel de forma pessimista: ascendência e decadência, a formar um ciclo vicioso. Para Maquiavel todos os princípios corrompem-se e degeneram-se, corrigidos somente via acidente externo (fortuna) ou por sabedoria intrínseca (virtu). Conclui-se que a sua melhor forma seria o equilíbrio, a “justa medida”, segundo Aristóteles, mantido através das próprias discordâncias entre o povo e o Senado, já que estes, em conjunto, representam e lutam pelos interesses gerais do Estado.
O Estado é definido como o poder central soberano; é o monopólio do uso legítimo da força, como diria Weber. As leis são estabelecidas nas práticas virtuosas da sociedade e com o cuidado de não repetir o que não teve de êxito. Por isso, não há nada pior do que a desrespeitar. Se isso ocorrer, tornar-se clara a falha do exercício do poder de quem a corrompe. Tratando-se do Estado, tudo é válido, desde a violação de leis e costumes e tudo mais que for necessário para atingirem-se as consequências visadas: os fins justificam os meios. Nessa visão de poder do Estado, é clara a importância da religião como instrumento político do Estado, de modo a justificar interesses e, também, como conforto à população em busca de ideais e disposta a dar sua vida por estes. O êxito de uma república, consoante o autor, pode ser estrategicamente obtido através da sucessão dos governantes. Se se intercalar os virtuosos com os fracos, o Estado poderá manter-se. Mas, se, diferentemente, dois ruins sucederem-se, ou apenas um, mas que seja duradouro, a ruína do Estado será inevitável, já que, desse modo, o segundo governo não poderá utilizar-se dos bons frutos do governo anterior.
Destarte, cita a importância das repúblicas, já que nela os próprios cidadãos escolhem seus governantes, de modo a aumentar a chance de se ter, consecutivamente, bons governos. Com relação à política de defesa onde há pessoas e não um exército, é notada uma clara incompetência por parte do soberano, pois é de sua exclusiva competência formar um exército próprio para a defesa da nação. É, também, de extrema importância saber-se a hora própria para instituir-se a ditadura, que, em ocasiões excepcionais, é necessária a fim de tomarem-se decisões rápidas, a dispensar, assim, consultar as tradicionais instituições do Estado.
Contudo, ela deve-se instituir por período limitado, de modo a não se corromper e deve existir até quando o motivo o qual a fez precisar-se for eliminado. Após uma análise teórica e comparativa -em termos históricos- é colocada ainda a importância da fortuna, a qual tem contingência própria e o poder de mudar os fatos. Assim, o autor define o papel do homem na história: desafiá-la. Com base na teoria do equilíbrio, conclui-se, então, que o ideal é que se estabeleça um meio termo entre as formas de governo a serem adotadas, observando-se que a combinação das já existentes pode mostrar-se muito mais eficiente. A administração de um Estado deve adaptar-se às necessidades da população, e não as pessoas às leis.