Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio Resumo por Capítulos
Resumos do livro “Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio – Discorsi” de Nicolau Maquiavel – Política I: Teoria Política Clássica – Prof. Carlos Schmidt Arturi
Os homens são naturalmente invejosos e, por isso, tornam o descobrimento de novos métodos e sistemas algo tão perigoso quanto a descoberta de novas terras e mares, pois se inclinam mais à crítica que ao elogio.
É espantoso constatar que os homens, por um lado, veneram tanto as coisas antigas e, por outro, os atos admiráveis de virtude registrados pela História não são tomados como exemplo na atualidade.
Quase tudo é baseado na Antiguidade: o direito, a medicina, etc, porém a Política, a guerra, o modo de administrar e outras desse escopo são ignorados pelos príncipes atuais. A principal causa disso nem é tanto a fraqueza do mundo de inspiração religiosa e os vícios (como a preguiça) de Estados e cidades da Cristandade, mas sim, a falta de uma análise dos acontecimentos históricos e uma busca pela sua imitação.
Capítulo I
Como começaram as cidades, de modo geral; e como Roma, em particular, teve o seu início
A origem das cidades deu-se de duas formas: foram fundadas por naturais do país ou por estrangeiros.
A fundação de cidades por naturais dessa localidade foi pela necessidade de se defender de agressores externos. Assim, os habitantes – de forma espontânea ou movidos pela tribo de maior autoridade – decidem habitar em conjunto um local que lhes proporcione comodidade e segurança. Exemplos: Atenas e Veneza.
A fundação de cidades por estrangeiros – homens livres ou dependentes de outro Estado – serviam principalmente para acomodar uma população excedente de algum império ou para manter as conquistas mais seguras e menos difíceis de se administrar. Esse é o caso das colônias. Exemplo: o Império Romano fundou muitas cidades desse tipo.
Capítulo III
Os acontecimentos que levaram à criação de tribunos romanos, instituição que aperfeiçoou o governo da república
Todos os homens são maus e estão dispostos a agir com perversidade sempre que haja ocasião, mesmo que não se manifeste a príncipio, em algum momento o tempo vai revelá-la.
Após a expulsão dos Tarquínios, reinou a concórdio entre o povo e o Senado em Roma. Os nobres aparentavam favoráveis ao povo. A nobreza, que temia os Tarquínios, tinha medo também de que o povo – ofendido – se afastasse dela e, por isso o tratava com moderação. Isso durou apenas enquanto os Tarquínios viveram. Assim que os Tarquínios morreram, os nobres perderam o medo e não se importaram mais com o povo. Viveu-se, então, um período de crise entre nobres e plebeus, quando, após muita reivindicação popular, criaram-se os tribunos da plebe.
As leis tornam os homens bons. Por vezes, certas coisas podem ter consequências boas sem a intervenção das leis, nesse caso, a lei é inútil; mas, como não se pode garantir que haja sempre uma disposição propícia, a lei é indispensável.
Os tribunos retomaram o equilíbrio entre povo e Senado, pois representavam uma autoridade cercada de prerrogativas e prestígio aos plebeus, dificultanto as intenções dos nobres em prejudicar o povo.
Capítulo IV
A desunião entre o povo e o Senado foi a causa da grandeza e da liberdade da república romana
As agitações ocorridas entre a morte dos Tarquínios e a instalação dos Tribunos não significaram uma fase negativa, pois foi aí que os plebeus conquistaram alguma liberdade, participando do poder.
Em todos os governos há duas fontes de oposição: os interesses do povo versus os da classe aristocrática.
As denominadas “desordens” da república Romana, na verdade, nunca provocaram o exílio ou violências prejudiciais ao bem público, pelo contrário, fizeram nascer leis e regulamentos favoráveis à liberdade de todos.
Cada Estado deve ter costumes próprios, por meio dos quais os populares possam satisfazer sua ambição. Roma, por exemplo, tinha um povo de comportamento extremado, recusando-se até mesmo à mobilização para a guerra, o que obrigava os aristocratas a ceder.
Capítulo V
A quem se pode confiar com mais segurança a defesa da liberdade: aos aristocratas ou ao povo? Quais são os que tem mais motivos para instigar desordens: os que querem adquirir ou os que querem conservar?
Quem funda um Estado inclui, entre as instituições essenciais, a salvaguarda da liberdade, a qual vai ser mais ou menos duradoura conforme o modo como foi implantada.
Tomando Roma como exemplo, deve-se confiar o direito de guardar a liberdade a quem tem por ele menos avidez, ou seja, os plebeus, pois os nobres são sedentos por domínio.
Em Esparta e Veneza, a salvaguarda da liberdade foi confiada aos poderosos, com duas vantagens: 1) contempla a ambição de pessoas influentes na república e detentoras das armas, o que garante o poder; 2) impede que o povo, de índole inquieta, use o poder de forma desmedida, levando, assim, os nobres a atitudes desesperadas. (G.T.: tirania, por exemplo)
Sobre a quem conceder o direito de guardar a liberdade, portanto, depende do tipo de república de que estamos tratando, se visa a um império (o povo pode garantir) ou apenas à sua conservação (os poderosos podem garantir).
As pessoas mais perigosas numa república são as que já possuem bens ou poder, pois temem tanto a perda disso que desenvolvem desejo igual ao dos que querem isso adquirir. E quanto mais as pessoas possuem, maior o seu poder, logo, maior capacidade de alterar a ordem. Ainda, a ambição desenfreada dos poderosos acende o desejo de posse dos que nada tem, podendo levar a dissensões.
Capítulo VII
Como o direito de acusação pública é necessário para manter a liberdade numa república
Acusar perante o povo, ou diante de um magistrado ou tribunal, os cidadãos que atentam contra a liberdade de um Estado, é um direito útil e necessário para os que desejam salvaguardar a liberdade em uma república.
A acusão pública causa dois efeitos: 1) provoca temor de serem acusados publicamente, o que confere segurança ao Estado, e 2) impede que se venere algum cidadão em particular e que, se usados meios extraordinários para o conter, poderia provocar a ruína da república.
As leis da república e seus tribunais permitem que o povo manifeste legitimamente sua coléra contra algum cidadão aspirante ao poder. Este será julgado (mesmo que injustamente) por meios legais, com base na força da lei e da ordem pública, o que garante a preservação do Estado.
Os juízes em uma acusação pública contra um cidadão poderoso devem ser muitos, pois se forem poucos, serão facilmente manipulados e não haverá lisura no julgamento.
Quando não instituições jurídicas em um Estado que permitam este tipo de julgamente, recorre-se a meios extraordinários (forças estrangeiras ou particulares) e isso pode abalar a ordem vigente.
As acusações públicas, portanto, são úteis para a manutenção da liberdade em uma república, pois significam organização e fortaleza de instituições que conseguem conter as dissensões através de sua organização interna, sem recorrer a outras formas.
Capítulo IX
É preciso estar só para fundar uma nova república, ou para reformá-la de modo totalmente novo
Regra geral para as repúblicas e reinos que não receberam as suas leis de um único legislador: é necessário que apenas um homem imprima a forma e o espírito do qual depende a organização do Estado.
Um príncipe não deve deixar a autoridade para seu sucessor, pois este poderá usar ambiciosamente o que aquele se serviu de maneira virtuosa.
Um grupo de homens é incapaz de fundar uma instituição, mas é indispensável na conservação dela, pois não pode um só homem suportar todo o peso da administração de uma república.
A instituição de uma república depende da ação de um só homem.
Capítulo X
Os fundadores de uma república ou de um reino são dignos de elogio, tanto quanto merecem recriminação os que fundam uma tirania
Os mais dignos de elogio são os fundadores ou chefes de religiões; em segundo lugar, os fundadores de repúblicas ou de reinos e, depois, lideranças militares que extendem os domínios de seu reino.
Aqueles que fundam uma república ou reino e transformam o governo numa tirania perdem renome, glória, honra, segurança, paz e satisfação espiritual, expondo-se à infâmia, às críticas, à culpa, a perigos e inquietações.
César não merece todos os elogios que os escritores a ele conferiram, pois foi tirano em planejar e praticar crimes que levaram à ruína de Roma.
Um fundador de uma república ou reino deve levar em consideração os elogios que os imperadores que seguiram as leis cumularam e isso é possível através do estudo da história e a imitação daqueles que fizeram um bom governo.
Quando um príncipe reformador (como foi Rômulo e César) estiver ameaçado de perder o trono e renunciar, poder-se-á desculpá-lo, mas se tiver condições de conservar o trono, reformando o Estado e não o fizer, não se pode absolvê-lo.
O fundador de uma república deve institui-la onde há (ou possa haver) ampla igualdade para, assim, não nascer um Estado desproporcional em seu conjunto, sem condições para uma longa vida.
Capítulo LVI
As grandes transformações que ocorrem nas cidades e nos países são precedidas de sinais ou de homens que as prenunciam
Os acontecimentos importantes são previstos por profecias, revelações, prodígios ou outros sinais dos céus, pois os ares (como pensam alguns filósofos) podem estar repletos de inteligências celestiais naturais conhecedoras do futuro, que podem avisar os homens de certas coisas. Depois dessas manifestações, os impérios sofreram transformações extraordinárias e inesperadas.
O povo que deseja evitar tais perigos deve eleger um chefe para dirigi-lo e defende-lo, mantendo-o, assim, unido.
Capítulo LVIII
O povo é mais sábio e constante do que o príncipe
Muitos historiadores (incluindo Tito Lívio) consideram o povo inconstante e ligeiro, porém Maquiavel afirma o contrário, através de argumentos racionais.
Os defeitos atribuídos à multidão são os mesmos em que os príncipes também podem incorrer. Todos os homens sem leis para regular sua conduta cometem os mesmos erros que um povo sem freio (excetuam-se os monarcas, fala-se aqui dos príncipes naturais, que podem ser comparados à multidão).
O povo romano durante a república nunca obedecia de modo vil ou covarde, tampouco comandava com orgulho. Se era preciso erguer-se contra um poderoso, não hesitava; mas, se preciso obedecer a um ditador ou aos cônsules para o bem comum, faziam.
Não se pode criticar o caráter da multidão como o dos príncipes, pois todos estão sujeitos aos mesmos erros quando não há freio que controle suas paixões.
Um povo com poder sob um império de boa constituição será tão estável, prudente e grato quanto um príncipe, podendo ser até mais do que o príncipe.
Um príncipe que não segue as leis será mais ingrato, inconstante e imprudente do que o povo.
A diferença na conduta entre um e outro não está no caráter deles, mas no respeito às leis sob as quais vivem.
Quanto à sagacidade e à constância, o povo é mais prudente, menos volúvel e mais judicioso que o príncipe. Também na escolha dos magistrados procede melhor que o príncipe, pois nunca esquece a imagem de um corrupto ou de uma má instituição.
O príncipe é superior em promulgar leis, estabelecer as normas da vida política e criar novas instituições, enquanto que o povo supera em constância com a qual mantém as constituições que acrescentam glória aos seus legisladores.
Se compararmos o povo e o príncipe isentos de leis ou qualquer restrição, veremos que aí o povo é superior e comete erros menos graves, menos frequentes e mais fáceis de serem corrigidos do que os príncipes nesta situação.
Quando o povo se entregar à fúria, não são os excessos que tememos, mas a emergência de um tirano entre as desordens. Por outro lado, quando um mau príncipe governa, o mau presente traz temor e a esperança se dirige para o futuro. A distinção se faz entre medo (quando o povo erra) e esperança (quando o príncipe erra).
O povo é cruel quando suspeita que alguém está usurpando o bem geral e, então, volta-se somente contra este. O príncipe, por sua vez, é cruel contra todos que considera seus inimigos.
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