Fragmentos de um diário inexistente – XII
Roma: Isabella volta do Nepal
Encontro Isabella num restaurante que costumamos ir porque está sempre vazio,
embora a comida seja excelente. Ela me conta que, durante sua viagem ao Nepal,
passou algumas semanas em um mosteiro. Certa tarde, passeava nas redondezas com
um monge, quando ele abriu a bolsa que carregava, e ficou um longo tempo
olhando o seu conteúdo. Logo em seguida, comentou com minha amiga:
- Sabe que as bananas podem lhe ensinar o significado da existência?
Tirou uma banana podre de dentro da bolsa, e jogou-a fora.
- Esta é a vida que passou, não foi aproveitada no momento certo, e agora é
tarde demais.
Em seguida, tirou da bolsa uma banana ainda verde, mostrou-a, e tornou a
guarda-la.
- Esta é a vida que ainda não aconteceu, é preciso esperar o momento certo.
Finalmente, tirou uma banana madura, descascou-a, e dividiu-a com Isabella
- Este é o momento presente. Saiba devora-lo sem medo ou culpa.
Sidney: O australiano e o anúncio do jornal
Estou no porto de Sydney, olhando para a bela ponte que une as duas partes da
cidade, quando se aproxima um australiano e me pede para ler um anuncio de
jornal.
- São letras muito pequenas - diz ele. - Não consigo enxergar.
Eu tento, mas estou sem meus óculos de leitura. Peço desculpas ao homem.
- Não tem a menor importância - diz ele. - Quer saber de uma coisa? Eu acho que
Deus também tem a vista cansada. Não porque esteja velho, mas porque escolheu
assim. Deste modo, quando alguém faz alguma coisa errada, Ele não consegue ver
direito, e termina perdoando a pessoa, pois não quer cometer uma injustiça.
- E quanto às coisas boas? - pergunto.
- Bem, Deus nunca esquece os óculos em casa”, riu o australiano, afastando-se.
Sidney: nas montanhas azuis
Logo no dia seguinte à minha chegada na Austrália, meu editor me leva para uma
reserva natural perto da cidade de Sidney. Ali, no meio das florestas que
cobrem o lugar conhecido como Montanhas Azuis, existem tres formações rochosas
em forma de obelisco.
- São as Três Irmãs – diz meu editor, e me conta a seguinte lenda:
Um feiticeiro que passeava com suas três irmãs quando se aproximou o mais
famoso guerreiro daqueles tempos.
“Quero casar-me com uma desta belas moças”. Disse.
“Se uma delas casar, as outras duas vão se achar feias. Estou procurando uma
tribo onde os guerreiros possam Ter três mulheres”, respondeu o feiticeiro,
afastando-se.
E, durante anos, caminhou pelo continente australiano, sem conseguir encontrar
esta tribo.
“Pelo menos uma de nós podia ter sido feliz”, disse uma das irmãs, quando já
estavam velhas e cansadas de tanto andar.
“Eu estava errado”, respondeu o feiticeiro. “Mas agora é tarde”.
E transformou as três irmãs em blocos de pedra, para que, quem por ali
passasse, pudesse entender que a felicidade de um não significa a tristeza de
outros.
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