Os homens de Dallas Burt Hirschfeld

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OS HOMENS

OS HOMENS

OS HOMENS

OS HOMENS

DE DALLAS

DE DALLAS

DE DALLAS

DE DALLAS

BURT HIRSCHFELD

Baseado na série criada por David Jacobs e nos roteiros

de Rena Down, David Jacobs, Leonard Katzman,

Howard Lakin, Leah Markus e Robert J. Shaw

Tradução de A. B. Pinheiro de Lemos

Digitalização: Argo

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Prólogo




Jock Ewing parecia justamente o que era: um herói. No uniforme

impecável da força aérea do Exército, o texano alto era um repre-
sentante fulgurante dos melhores e mais bravos jovens de seu país.
Uma aura de força e determinação irradiava-se dele, enquanto va-
gueava pela Burlington Árcade, um lugar sossegado, perto do ruido-
so Piccadilly Circus, no centro da Londres em tempo de guerra. Sob
as clarabóias empoeiradas que filtravam o sol de verão, ao final
da tarde, ele contemplava as vitrinas das lojas elegantes, com
aqueles olhos azuis-claros que pareciam ver tudo e julgar tudo,
revelando muito pouco.

Era o ano de 1944 e Jock estava de licença em Londres do seu

serviço como comandante de bombardeiro, recuperando-se dos fe-
rimentos recebidos num ataque à luz do dia contra a Alemanha na-
zista. Seu B-17 fora atingido, três tripulantes ficaram gravemente
feridos e o co-piloto morrera. Jock, sangrando dos estilhaços que
lhe atingiram a coxa e o peito, conseguira levar o bombardeiro
bastante avariado através do Canal da Mancha, perdendo altitude
durante todo o percurso, até poder aterrissar de barriga, o avião
desprendendo fumaça, estremecendo, dois motores em chamas, num
pouso que desafiava toda a lógica dos manuais. As turmas de emer-
gência encontraram-no caído sobre os controles, inconsciente, ti-
rando-o de lá apenas uns poucos segundos antes do grande avião
transformar-se numa pira fúnebre.

Jock ficou estendido num leito de hospital por quatro semanas,

continuou internado por outras quatro, até estar com forças sufi-
cientes para receber alta. Um general aparecera e fizera um dis-
curso, muito comprido e empolado, pregando no peito dele a Cruz do
Serviço Eminente e anunciando ao mundo que Jock Ewing era um au-
têntico herói americano. Jock guardara a medalha em sua mochila,
juntando com as outras que já recebera, não conseguindo entender
por que, se era tão grande herói, carecia da coragem necessária
para convidar Margaret Hunter a tomar um drinque.

Margaret resolvera o dilema por ele, convidando-o para uma

noitada no pub da aldeia local. Tomaram cerveja e se esforçaram em
não demonstrarem muito interesse um pelo outro. Para Jock, isso
era especialmente difícil. Margaret Hunter era uma mulher de apa-
rência excepcional. Esguia e graciosa, seus movimentos pareciam
cuidadosamente orquestrados, como se não desejasse deixar transpa-
recer alguma fraqueza particular. Cabelos crespos, alaranjados,
contornavam um delicado rosto triangular, cada feição combinando,
tudo dominado pelos olhos de um verde do mar e pela boca larga e
sensual. Enfermeira por instrução e profissão, Margaret acalentava
um sonho secreto, que revelara a Jock naquela primeira noite: que-
ria tornar-se uma atriz, ir para Nova York e apresentar-se nos
palcos.

Jock advertira a si mesmo que ela era uma mulher além de sua

experiência, o tipo de mulher que provavelmente não encontraria no
Texas. É verdade que as mulheres do Texas eram bastante bonitas.

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Mas Margaret possuía um estilo pessoal, um gosto pela vida em to-
das as suas nuances, uma exuberância que ele nunca antes encontra-
ra. Sentira-se grato por aquela primeira — e provavelmente única —
noite que passaram juntos, fora do hospital. Mas nada esperava da-
quele encontro, nada esperava dela.

— Você é casado, não é mesmo, Jock? — perguntara ela, tarde da

noite.

— O que a faz pensar assim?
Ele fora evasivo e detestara a si mesmo por isso.
— Um homem como você... tenho a impressão de que não sabe como

é atraente, como é excepcional.

— Não sou diferente do resto dos homens por aqui. Estou apenas

fazendo um serviço que precisa ser feito e aguardando o momento de
voltar para casa.

— Voltar para o quê?
— Voltar para Miss Ellie — reconhecera Jock, com uma pontada

de culpa, de fracasso pessoal, de traição na imaginação, se não
mesmo de fato.

— Miss Ellie é sua esposa?
— Uma boa mulher.
— Tenho certeza disso. E você a ama muito?
— Amo, sim.
— E quando tudo acabar, quando esta nossa guerra chegar ao

fim, voltará para ela, é claro.

— Voltarei.
— E eu voltarei para o meu texano.
Jock ficara surpreso.
– Você tem um marido?
– Não. Ele é meu noivo, chama-se Amos. Um homem meio indefini-

do, ainda não se fixou em coisa alguma, não tem certeza do que
quer, não sabe para onde vai. Vamos casar assim que a guerra ter-
minar.

Então era isso. Os dois estavam moral e emocionalmente presos

a outras pessoas. Eram essencialmente bons, não queriam trair ou
causar sofrimento aos que amavam. Sentiram-se atraídos um pelo ou-
tro, não havia como negar, mas tinha de terminar ali, uma noite
agradável, uma recordação a ser guardada e acalentada nos anos que
se seguiriam.

Jock expusera o problema abertamente e ela concordara. Seriam

amigos, nada mais, nada menos, sempre à disposição quando um pre-
cisasse do outro... amigos, mas não amantes.

E a noite terminara com uma casta troca de beijos, um aperto

de mão, a certeza de que seria melhor se não tornassem a passar
muito tempo juntos. Duas noites depois, voltaram a se encontrar
para um jantar e depois passearam de mãos dadas. Tornaram a fazer
a mesma coisa na noite seguinte e na outra passaram a ser amantes.
Ternos, afetuosos, dominados pela necessidade de dar, amantes ar-
dentes, violentos, gentis, carinhosos, sabiam que era muito espe-
cial o que cada um sentia pelo outro, algo particular, insubstitu-
ível. E continuara, muitas vezes acompanhado por manifestações de
terror e culpa, de espanto e admiração pela beleza de tudo aquilo,
a resposta à solidão profunda que os dois experimentavam, uma li-
gação impregnada de conflito pelo que significavam um para o ou-

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tro, o que poderia acontecer quando a guerra terminasse... e o que
poderia não acontecer.

É claro que parecia que a guerra poderia jamais terminar. E

eles continuariam assim eternamente, todas as responsabilidades
afastadas, todas as dívidas morais suspensas pela duração, até o
dia espetacular e terrível em que a luta na Europa terminaria, até
que os alemães renunciassem ao seu império bastardo, que fora cri-
ado sobre sangue, lágrimas e angústia, visando a durar mil anos.

A paz chegara, trazendo um momento de decisão para Margaret e

Jock. Assim, naquele dia em particular, ela foi encontrar-se com
ele em Burlington Árcade, passando o braço pelo dele, sorrindo pa-
ra o rosto rude e curtido de um homem que sempre vivera ao ar li-
vre, dizendo que estava faminta e desesperada para tomar um chá,
se ele não conhecia um lugar que fosse alegre e sossegado, com as-
pirações à excelência.

Jock conhecia o lugar exato. Tomaram o melhor chá do mundo e

ficaram de mãos dadas, falando sobre tudo, exceto o que ambos es-
tavam pensando. Mas, finalmente, Margaret disse, em voz baixa e
triste:

— Está acabado, Jock.
— A guerra... acabou, sim. Mas ainda resta o Japão.
— Nosso tempo, Jock. Chegou ao fim.
— Não me diga isso. Não quero escutar.
— Não querer escutar não vai alterar a situação. Soube esta

manhã que a sua esquadrilha vai ser transferida de volta aos Esta-
dos Unidos... E você voltará para Miss Ellie.

Jock estava abalado por lealdades e desejos conflitantes.
— Eu a amo, Margaret. E você sabe que eu a amo, que sempre a

amarei.

O sorriso dela foi breve, ansioso, fazendo-a parecer ainda

mais jovem do que era.

— Somos adultos, Jock querido. Sabemos como aceitar o inevitá-

vel, como conviver com o desapontamento.

— E se eu pedir o divórcio?
Margaret pôs um dedo nos lábios dele.
— Não fale assim, meu amor. Sabíamos que este dia chegaria, a

última página. Como se fosse uma novela romântica.

— Isto não é ficção, mas a vida real... as nossas vidas. Eu a

amo e não vou renunciar a você.

— Mas deve. E vai. Não tem alternativa. E eu também não tenho.

Amos está à minha espera e Miss Ellie aguarda por você. E continu-
aremos em nossas vidas separadamente, como tem de ser.

— Mas que diabo, Margaret, não sou tão resignado como você!
— Fique quieto, meu querido. Termine o seu chá e leve-me de

volta para o hotel, faça amor comigo como se fosse continuar para
sempre. E depois...

— E depois o quê?
— E depois continuaremos a nos recordar um do outro eternamen-

te.

— Margaret...
Caminharam pelas ruas ensolaradas da cidade, de volta ao Dor-

chester, quase sem falar. Antes de entrarem no hotel antigo e es-
plêndido, Margaret virou-se e olhou ao redor.

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— Jamais esquecerei isso — disse ela, nostalgicamente — este

maravilhoso verão londrino do nosso amor.

E Jock sabia que ele também jamais esqueceria.

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PARTE 1

Bobby e J.R



1





Bobby Ewing despertou com um sobressalto, sentando na cama,

olhando pela escuridão. Por um instante longo e aterrador, não
soube onde estava... sozinho, perdido, mergulhado no inferno e
condenado à privação e punição eternas.

O tempo estava suspenso, o coração batia rapidamente, mas bem

fraco, a respiração era áspera, irregular. Ele sugou o ar através
dos dentes cerrados, num esforço para recuperar o controle. Grada-
tivamente, o terror da noite foi se desvanecendo. Estava em sua
própria cama, em seu próprio quarto, em Southfork. Ao seu lado, a
mulher Pam dormia serenamente. Bobby contemplou o vulto imóvel,
lembrando que haviam feito amor poucas horas antes... um amor com-
prido e gentil, que os levara ao auge do êxtase e afeição profun-
da. Ela era a mulher mais bonita que ele já conhecera e amara, a
coisa mais preciosa do mundo, acima de tudo.

Mas havia sempre aquela exceção tormentosa, aquele elemento

inquietante e por tanto tempo reprimido, uma parte essencial do
seu ser, de sua vida, a parte dele que o fazia um Ewing, o filho
de seu pai, igual ao irmão J.R. ... uma raiva borbulhando no san-
gue da família, uma falha de caráter, uma lasca no velho cepo.
Bobby queria e queria muito, queria intensamente, queria fazer
mais do que jamais fizera, ser mais do que já se tornara, ter mais
do que já tinha.

Há muito que já desistira de dar um nome a isso. A "Obsessão

Ewing"... uma obsessão pela riqueza, poder, sucesso. O pai cons-
truíra um império: o rancho ampliado, o petróleo, todos os outros
interesses e propriedades. J.R. se ajustara naturalmente, facil-
mente, uma engrenagem bem azeitada na máquina financeira dos
Ewings. E fora avançando à sua maneira, pisoteando as pessoas e as
companhias, pisoteando o próprio mundo, quando se interpunham em
seu caminho, não dando a menor importância às obrigações, sem pre-
ocupações éticas, sem a menor consideração pelas necessidades ou
desejos dos outros... até que Kristin o abatera com um tiro, dei-
xando-o fora de serviço, pelo menos por algum tempo.

E agora era a vez de Bobby, a sua oportunidade de dirigir a

Ewing Oil... e o que fazer com isso?

Ele não era Jock Ewing, não podia ser, mesmo que tentasse. Não

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era J.R. e não queria ser. Era ele próprio, o que quer que isso
significasse, o principal executivo da Ewing Oil, finalmente. A
companhia, os empregados, os milhões de dólares envolvidos, tudo
repousava em seus ombros. Aquela era a sua oportunidade de provar
a Jock e Miss Ellie, de provar a si mesmo do quanto era capaz.

Bobby saiu da cama e foi postar-se diante da janela. À noite,

Southfork era um lugar sereno, bom para se viver e trabalhar. À
distância, soaram os mugidos de uma manada irrequieta. Os vaquei-
ros no serviço noturno estariam alerta, aproximando-se da manada,
acalmando as vacas com palavras suaves, vasculhando os pastos en-
luarados à procura de um coiote errante ou talvez mesmo de rastros
de ladrões de gado. Era uma maneira de viver que atraía Bobby, a
combinação de corpo e mente e emoção, ao ritmo natural da terra e
dos animais. Era onde ele ansiava estar e permanecer para sempre.

E, no entanto...
Jock lhe dissera:
— Preciso de você, rapaz, para assumir o comando da Ewing Oil.

Eu lhe darei toda a ajuda que puder. Mas, minuto a minuto, dia a
dia, preciso de sua força e juventude. É isso o que sua mãe e eu
estamos querendo.

— J.R. vai ficar bom, papai. Ele voltará. E vai querer o seu

antigo cargo.

— Pensaremos nisso quando o momento chegar. Até lá, filho, vo-

cê assume.

— Farei o melhor possível, papai. Mas se vou dirigir a Ewing

Oil, quero ter autoridade total.

Parado no escuro agora, Bobby estremeceu. Havia muita coisa em

jogo... muita responsabilidade, muita coisa a ganhar e muito mais
a perder: a companhia, o rancho, todos os componentes do império
Ewing, laboriosamente construído ao longo dos anos por Jock e Miss
Ellie. E mais importante do que tudo isso, havia o amor e o res-
peito do pai. Jock não era um homem que aceitasse de bom grado uma
perda de qualquer espécie. Ele encarava o fracasso como uma ques-
tão pessoal, uma indicação de caráter falho. E considerava que a
derrota era inadmissível. Havia apenas duas maneiras para um homem
ser aos olhos de Jock Ewing, a maneira certa e a maneira errada.

— Sejam fortes e vençam — dissera ele aos filhos, muitas ve-

zes, quando estavam crescendo. — Ou sejam fracos e percam. Os
Ewings são vencedores ou podem sumir.

Bobby tornou a estremecer. Procurou suas roupas no escuro. In-

teiramente vestido, de temo e gravata, saiu do quarto e foi para o
seu carro lá fora. Minutos depois, avançava em alta velocidade pe-
la estrada para Dallas, como se a estrada lhe pertencesse e a nin-
guém mais.



O Ewing Building, no centro de Dallas, estava silencioso, as

luzes noturnas imprimindo à torre lustrosa uma aparência fantásti-
ca. Um guarda de segurança deixou Bobby entrar, cumprimentando-o
pelo nome, mas insistindo em verificar o seu cartão de identifica-
ção, de acordo com as normas instituídas desde que J.R. sofrera o
atentado. Depois de trancar as pesadas portas de vidro, o guarda
acompanhou Bobby até o banco de elevadores.

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— Começando a trabalhar cedo, Mr. Ewing?
Bobby não estava com disposição para uma conversa ociosa. Ace-

nou com a cabeça uma única vez. O elevador apareceu. Ele entrou e
subiu para o andar executivo. Ali, foi cumprimentado por outro
guarda, armado e uniformizado, que ficou observando rancorosamen-
te, até que Bobby desapareceu em seu gabinete.

Sentado à mesa, Bobby ficou imóvel por um longo tempo. Havia

muito o que pensar, muito o que considerar. Para um homem que se
sentia mais à vontade nas pradarias ou no estábulo, um escritório
luxuoso, terno e gravata e um cargo importante não mudavam muita
coisa. A indecisão lhe sufocava o cérebro e uma fraqueza se espa-
lhava pelo corpo normalmente forte. Finalmente, ele pegou um livro
grande em cima da mesa e começou a estudar as longas colunas de
cifras, lucros e perdas, créditos e débitos, procurando definir os
movimentos que se abriam à sua frente. Quando o dia rompeu sobre a
cidade, Bobby estava absolutamente certo de que sabia o que tinha
de fazer, não importando como o resto dos Ewings fosse se sentir.



Connie, uma morena bonita, secretária de Bobby Ewing, foi a

primeira a chegar ao trabalho naquela manhã. Ficou surpresa ao
descobrir o chefe sentado atrás da mesa, absorvido no trabalho.

— Está começando cedo — comentou ela, tentando puxar conversa.
Bobby cumprimentou-a afavelmente e depois acrescentou:
— O que você pensaria se eu lhe dissesse que resolvi abrir o

Ewing 23?

Connie formulou a resposta cuidadosamente:
— Diria que você e J.R. vão brigar por causa disso.
— Eu é que estou mandando agora.
Ela deu de ombros.
— Se bem conheço seu irmão, ele já está fazendo planos para

voltar. Uma coisinha de nada, como um ferimento a bala, não vai
detê-lo por muito tempo.

Bobby já pensara nisso. J.R. era um homem sem amigos, contando

apenas com aliados temporários. Todos os demais eram inimigos ou
pelo menos pequenos obstáculos, de que devia livrar-se da forma
mais rápida possível. Os irmãos e outras pessoas da família esta-
vam incluídos nessa categoria. Só Jock e Miss Ellie ficavam de fo-
ra.

— Sei que é a coisa certa a fazer — disse Bobby, como se ten-

tasse convencer a si mesmo.

Mesmo depois da longa noite de contemplação e planejamento, as

dúvidas ainda fervilhavam em sua mente, dúvidas e temores, tudo em
decorrência de jamais ter segurado firmemente antes as rédeas do
poder.

— Será bom para os negócios e para a família.
Connie sorriu gentilmente.
— Vou buscar um café. Todo mundo pensa melhor depois de um ca-

fé pela manhã.

— E faça também uma ligação para Harry Owens. Ele deve estar

no campo agora.

— Está bem. Vai querer comer alguma coisa?
— Não estou com vontade de comer nada.

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Connie se retirou, voltando alguns minutos depois e pondo uma

caneca de café puro fumegante diante de Bobby.

— Owens está na linha dois.
Bobby pegou o telefone.
— Bom-dia, Harry. Como estão as coisas por aí?
— Tudo tranqüilo, Bobby. Não há nada mais sossegado do que um

campo petrolífero que não está bombeando petróleo.

— É justamente por isso que estou ligando, Harry. Quanto tempo

levaria para abrir o Ewing 23?

Houve uma pausa.
— Está querendo dizer que pretende reabri-lo?
— Quanto tempo, Harry?
Bobby sabia que a maioria dos homens ainda o considerava como

um estranho, um arrivista, que tinha o nome Ewing, mas não possuía
a experiência ou autoridade que pertenciam a J.R. O tempo e as de-
cisões corretas alterariam essa atitude.

— Quero reabri-lo, Harry.
— Acho que pode demorar um mês, com uns poucos dias a mais ou

a menos.

Bobby sacudiu a cabeça. Não havia tempo a perder. Tinha de

agir depressa, reforçar suas posições. Não se passaria muito tempo
para que J.R. estivesse mordendo o freio, impaciente em correr,
pronto para se movimentar e disposto a fazer tudo o que fosse ne-
cessário para garantir o seu retorno. Bobby falou firmemente:

— Quero o Ewing 23 em plena operação dentro de uma semana,

Harry. Sete dias, não mais do que isso.

— Estou entendendo, Bobby. Só mais uma pergunta, se não se im-

porta.

— Qual é?
Bobby sabia o que estava para vir e tratou de preparar-se.
— A idéia é de J.R.?
A atitude de Bobby se alterou perceptivelmente, as palavras

saíram incisivas:

— A idéia é minha, Harry. Minha idéia, minhas ordens, como

presidente da Ewing Oil. Estou sendo bem claro?

— Não podia ser mais claro. Há mais uma coisa... vamos supor

que voltemos a extrair petróleo do Ewing 23.

— Vamos extrair.
— Sim, senhor, se é o que diz. Mas onde espera refinar o pe-

tróleo?

Bobby sentiu que sua confiança se desvanecia.
— O que me diz de Fairbridge? Passamos anos usando aquela re-

finaria, quando o Ewing 23 estava em plena produção. Não vejo por
que...

Owens interrompeu-o, com um júbilo quase perverso:
— Acontece que a Fairbridge está operando atualmente ao máximo

de sua capacidade. Não se podia esperar que eles ficassem de bra-
ços cruzados esperando por nós, não é mesmo?

Bobby arriou na cadeira.
— Deve haver outra refinaria disponível. O que me diz de

Mainwaring?

— Não há a menor possibilidade de eles fazerem negócios com a

Ewing. O Velho Mainwaring não tem J.R. em alta conta.

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Bobby procurava desesperadamente por uma solução.
— Talvez eu possa conversar com Mainwaring.
— Se bem conheço o velho abutre, de nada adiantaria.
— Mas que diabo! O que estamos precisando é de nossa própria

refinaria.

— É mais fácil dizer do que fazer.
— Papai vem insistindo na idéia há muito tempo. Mas J.R. ja-

mais concordou.

— Não prefere que eu espere um pouco, Bobby? Não seria melhor

retardar s reabertura do campo?

Bobby respirou fundo.
— De jeito nenhum, Harry! Ponha o campo em operação o mais de-

pressa possível. Nada pode impedir isso, entende? E quero que me
mantenha informado de tudo. Qualquer coisa que você não possa re-
solver, eu darei um jeito. Quero as bombas em funcionamento de
qualquer maneira, Harry.

— Como quiser, Mr. Ewing. É o chefe.
— Exatamente — disse Bobby, antes de desligar.
Mas ele não estava tão certo assim. Ainda não e receava que

tal não acontecesse por muito tempo.



J.R., apoiado numa bengala, foi se acomodar numa cadeira ao

lado da piscina, por trás da casa principal de Southfork, esquen-
tando-se ao sol da manhã, observando Sue Ellen, que nadava em
crawl de um lado a outro. Com crescente interesse, viu-a terminar
seus exercícios e sair da piscina, aproximando-se dele. J.R. não
podia deixar de admitir, embora relutantemente, que ela era uma
mulher que combinava perfeitamente com uma roupa de banho. Imagi-
nou-a nua, como ela estivera no quarto durante a noite, pairando
sobre ele, prometendo prazeres que J.R. nunca antes experimentara
e chegando muito perto de concretizar todas as promessas. Era uma
mulher conveniente para se ter por perto, desde que ela não atra-
palhasse os seus outros interesses... uma mulher dócil, ardente,
mais disposta a dar depois que ele fora baleado. Talvez, pensou
J.R., eles pudessem subir e continuar a partir do ponto em que ha-
viam parado, na noite anterior. O telefone tocou. Sem parar, Sue
Ellen seguiu adiante para atender.

— É para você, J.R. O homem não quis dizer quem é.
J.R. virou-se.
— Traga até aqui, meu bem. O fio é comprido.
Sue Ellen obedeceu, ajoelhando-se ao lhe entregar o aparelho.

J.R. contemplou-lhe os seios cheios e firmes, transbordando pelo
maio muito justo. E contraiu os lábios em admiração.

— Mais tarde, querida. Tenho certeza de que é um telefonema de

negócios.

Ela afastou-se e começou a se enxugar.
— J.R. falando — disse ele, ao telefone.
— Harry Owens, Mr. Ewing.
— Reconheci a voz. O que está querendo a esta hora da manhã?
— Acabei de receber um telefonema de Bobby, J.R. Mandou-me

abrir o Ewing 23, pô-lo em plena operação dentro de uma semana.

J.R. pensou por um momento em todas as implicações possíveis.

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— Isso é certo, Harry?
— Claro que é. Achei que gostaria de saber.
— Agiu certo. Uma semana, hem?
— Ele está procurando uma refinaria.
— Parece que o irmão menor está querendo levar suas ambições a

paragens muito altas.

— Pensei que poderia querer cuidar do problema, J.R.
— Fez muito bem em telefonar-me. E pode deixar que cuidarei de

tudo.

— Quer que eu faça alguma coisa?
— Continue a cuidar dos seus negócios, até que eu volte a lhe

falar com novas ordens.

— Sim, senhor.
— E obrigado por telefonar.
J.R. desligou, a raiva transbordando. Mas fechou a boca firme-

mente e empertigou-se na cadeira, olhando para a mulher, que esta-
va agora enxugando as pernas compridas e deslumbrantes. Melhor
agir como se nada tivesse acontecido, pensou ele; melhor agir nor-
malmente.

— Alguma coisa importante, J.R.?
— Apenas um detalhe insignificante, meu bem. — Ele sorriu de-

bilmente. -— Acha que pode se lembrar do ponto em que paramos on-
tem à noite, na ocasião em que você pegou no sono?

Quem pegou no sono? — indagou Sue Ellen, provocante.
— Ora, isso não importa. Mas o que acha da idéia de voltarmos

ao ponto de partida?

— Agora? Antes mesmo do café da manhã?
— Não acha que é um meio quase perfeito de despertar o apeti-

te?

Sue Ellen passou o braço pelo dele, comprimindo um seio contra

o seu bíceps.

– Não posso imaginar uma maneira melhor de começar o dia,

amor.



2




Bobby estava sentado à mesa em sua sala, esperando. Não era

uma coisa que soubesse fazer muito bem. A mente se deslocava para
frente e para trás no tempo, formulando perguntas, procurando as
respostas corretas. Sempre tentara existir de acordo com um código
interior rigoroso, que exigia o melhor de si mesmo, uma atitude
sincera e inteligente para encarar todos os dias e as pessoas com
quem lidava. Contudo, desde a infância, sabia que os outros de-
monstravam maior flexibilidade e menor fidelidade em relação ao
preceito áureo do Evangelho. O interfone interrompeu seus deva-
neios. A voz de Connie soou fria e profissional:

— Bobby, Jim Redfield não está em seu escritório em Galveston.

Parece que ele está aqui mesmo em Dallas, em seu hotel.

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— Pois então trate de localizá-lo.
— Já deixei recado de que você queria falar com ele. E disse

que era urgente.

— Continue tentando a cada 20 minutos. Descubra-o, onde quer

que ele esteja, se for possível.

— Está certo. Mais alguma coisa?
— Quero, sim. Fale com Tom Selby, na contabilidade. Quero um

levantamento completo de todos os bens da Ewing. Valores em di-
nheiro. Quais são as nossas dívidas principais. Quanta receita em
caixa podemos esperar para o próximo mês. Quero uma situação fi-
nanceira atualizada e completa.

— Para quando?
— Ontem já era muito tarde.
— Está certo, Bobby. Espere um instante, está havendo uma li-

gação... É Jim Redfield, na linha quatro.

– Vou atender. — Bobby apertou o botão correspondente e acres-

centou: — Você não é fácil de encontrar, Jim.

— Sabe como é o negócio de petróleo, Bobby. O trabalho leva um

homem a se movimentar constantemente, faz a gente envelhecer antes
do tempo.

— Não é o seu caso, Jim. Como você está?
— Vou indo, Bobby. E você?
— Tudo bem, Jim.
Bobby sorriu sem o menor humor para o telefone. Redfield era

um veterano, astuto, experiente, esperto demais para ser enganado,
calejado demais para não perder de vista o seu objetivo na vida...
comprar e vender, tirando um bom lucro no processo. Era objetivo,
franco, digno de confiança, sabia fazer um negócio... um homem com
quem sempre se podia trabalhar.

— Jim, ouvi dizer que a sua refinaria de Galveston está à ven-

da. Alguma procedência?

— É a verdade, Bobby, contanto que haja alguém no mercado e

pelo preço certo.

— Já recebeu alguma proposta?
— Duas ou três. Mas por que está perguntando?
— Eu gostaria de conversar com você a respeito. Podemos nos

encontrar amanhã, às 10 horas da manhã?

— Não há a menor possibilidade para amanhã. Tenho de ir a Aus-

tin para conversar com os políticos. Sabe como são essas coisas.

— Já fiz o que era necessário com o legislativo estadual. Isso

é muito importante para mim, Jim.

— Hum... Não sabia que a Ewing Oil estava no mercado para com-

prar uma refinaria.

Redfield falou bem devagar, como se o pensamento tivesse aca-

bado de aflorar à superfície do seu cérebro. Mas Bobby sabia que
ele percebera tudo desde o início.

— É algo sobre o qual precisamos conversar, Jim.
— Não há motivo para não conversarmos. Podemos jantar esta

noite, se não for muito inconveniente para você.

— Está combinado, Jim. E agradeço a sua atenção. Vamos nos en-

contrar no Cattleman's Club, às sete e meia?

— Estarei lá.
— E gostaria que isso ficasse apenas entre nós dois, Jim.

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— Você é que está dando as cartas, Bobby.
— Obrigado, Jim.


Naquela noite, Bobby voltou a Southfork para descobrir que a

esposa já estava na cama. Ela mal levantou os olhos da revista que
estava lendo quando Bobby entrou no quarto. Aceitou um beijo no
rosto sem fazer qualquer comentário.

— Desculpe ter perdido o jantar — disse ele, começando a des-

pir-se.

Ela não levantou os olhos.
— Espero que tenha se divertido.
— Fui tratar de negócios, Pam. Eu avisei.
— Tem razão, você avisou.
A voz gelada da mulher fez com que ele se virasse.
— Ora, Pam, você sabe como é o negócio de petróleo. As coisas

acontecem e é preciso cuidar.

Os olhos dela estavam fixados em Bobby, sem nada deixarem

transparecer.

— Você tem uma mulher e precisa cuidar dela também.
Deliberadamente, ele interpretou errado as palavras de Pam e

sorriu para ela.

— Já vou tirar as roupas e terei o maior prazer em cuidar de

você, querida.

— Não é a isso que estou me referindo e você sabe perfeitamen-

te. Quase não o vejo ultimamente. Nunca mais conversamos. Sinto
que estou sendo afastada de sua vida, virando apenas uma parte do
rancho, como o gado ou os tratores.

— Pois você é o trator mais lindo que já vi.
Bobby foi para cama e abraçou-a. Ela evitou a boca do marido.

Ele mordiscou-lhe a pele macia e quente por baixo da orelha. Pam
estremeceu, enquanto a mão de Bobby encontrava um seio cheio e
firme.

— Por que chegou tão tarde? — indagou ela, insistentemente.
Bobby suspirou e empertigou-se. Não havia como levar Pam quan-

do ela empacava. Era uma mulher determinada e ele apreciava isso,
embora num momento como aquele preferisse muito mais docilidade,
se não mesmo uma submissão total. Bobby continuou a tirar as rou-
pas.

— Vou reabrir o Ewing 23, Pam.
— É mesmo? — Ela levantou a revista, como se fosse recomeçar a

ler. — Foi isso o que o manteve longe de casa a noite inteira?

— Não foi a noite inteira. Mas será que não entende o que isso

significa? Dentro de uma semana, o campo estará outra vez em plena
operação.

— Tenho certeza de que isso o deixa muito feliz.
— E vai fazer o seu irmão Cliff ainda mais feliz. Afinal, como

você sabe muito bem, ele tem 50 por cento dos lucros do Ewing 23.

— Hum... — murmurou Pam, suavemente. — Está abrindo o campo

por Cliff, apenas para fazer com que meu irmão seja rico por si
mesmo? Mas como você é generoso!

— Poupe-me o sarcasmo, Pam. O lucro de Cliff é apenas uma con-

seqüência. Acontece que estou convencido de que a Ewing Oil preci-

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sa daquele campo em operação. Estou fazendo isso em defesa dos in-
teresses da companhia e da família.

Pam saiu da cama, usando apenas uma camisola transparente, que

mal lhe cobria os quadris. Ela era a mulher mais desejável que ele
já vira, Bobby reconheceu silenciosamente. Se estava consciente
dos pensamentos e do desejo crescente dele, Pam não deixou trans-
parecer. Entrou no banheiro, para servir-se de um copo de água. E
sua voz partiu de lá fria e cortante:

— Enfrente os fatos, Bobby. Você não está abrindo o Ewing 23

por Cliff, pela família ou para o bem da Ewing Oil.

Ele vestiu a calça do pijama, contrariado. Não era exatamente

aquele o rumo que pretendia imprimir à conversa.

— Não quer me explicar então qual é o motivo?
— Está abrindo o Ewing 23 por uma única razão... para mostrar

a J.R. quem manda agora, para que ele saiba quem está dirigindo a
companhia.

— Isso não é verdade. — Bobby respondeu depressa demais.
— Aquele campo tornou-se uma obsessão para você, Bobby. Já o

tinha aberto antes e J.R. fechou-o.

Ele observou-a voltar para cama, deitar e puxar o lençol até a

cintura. Pam exibiu os dentes perfeitos num sorriso triunfante e
acrescentou:

— É o que ele vai fazer outra vez, Bobby.
— J.R. não está dirigindo a Ewing Oil. — Ele meteu-se na cama,

ao lado da mulher, tomando cuidado para evitar qualquer contato
físico. — Eu sou o presidente.

— Isso mesmo... pelo menos até que ele se recupere dos feri-

mentos.

— Ele já se recuperou.
— É bem possível. — Pam virou-se para fitá-lo. — Portanto, is-

so não pode ser mais uma desculpa, para você ou para ele. J.R. não
vai ficar de braços cruzados deixando que você tome conta da com-
panhia.

— A família...
— J.R. é um homem apaixonado pelo poder.
— Estou fazendo um bom trabalho. E farei melhor ainda. Papai

sabe disso. E não vai querer mudar nada, enquanto as coisas esti-
verem correndo bem.

Pam sacudiu a cabeça quase tristemente, tocou nos lábios de

Bobby com a ponta do dedo.

— A verdade, meu querido, é que você também gosta do poder. E

não quer renunciar ao poder, pelo menos não sem uma luta.

— Por toda a minha vida, Pam, sempre foi J.R. em primeiro, em-

bora muitas vezes não o merecesse. E Gary e eu sempre ficamos
atrás, tentando alcançá-lo.

— E agora você... conseguiu alcançá-lo.
— Preciso de um pouco mais de tempo.
— Para consolidar o seu domínio da companhia.
— Para firmar minha posição.
— E onde isso nos deixa?
Bobby tocou no ombro nu da mulher, gentilmente, firmemente,

numa carícia prolongada.

— Espere só mais um pouco, Pam. Há coisas que tenho de fazer

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por todos nós. E depois que eu as fizer... quando chegar o momento
certo...

— O que você fará então?
— Largarei tudo.
— Quero acreditar nisso, Bobby.
— Pois então acredite.
Os lábios de Bobby foram se encontrar com os dela, suavemente.

Por um momento longo e hesitante, não houve qualquer reação de
Pam. E depois os braços dela o enlaçaram, permitiu-lhe que a colo-
casse em posição, o corpo forte de Bobby já tenso e exigente, as
mãos descendo pelos quadris de Pam, procurando as coxas. Ela me-
xeu-se para aceitá-lo, não querendo resistir por mais tempo. Mas
no instante mesmo em que se entregava às suas emoções incontrolá-
veis, Pam compreendeu que não podia acreditar nele... ainda não,
talvez nunca mais.



No dia seguinte, enquanto os membros da família começavam a

aparecer para o café da manhã no pátio, J.R. levou Sue Ellen para
a área de estacionamento, de braços dados, falando com extrema in-
timidade:

— E eu disse a mim mesmo: "J.R. Ewing, já faz muito tempo que

não dá uma coisinha à sua linda mulher para demonstrar o quanto a
ama."

— Oh, J.R., não pode imaginar o que sinto só de ouvi-lo dizer

essas palavras!

— Espero que a faça sentir-se tão bem ou pelo menos quase tão

bem quanto faz o que houve entre nós dois ontem à noite.

— Hum.. . Essas noites estão ficando cada vez melhores, amor.
Ele beijou-lhe o rosto e balançou o braço, apontando uma cami-

nhonete européia, imensa e reluzente.

— Aí está, minha querida, um símbolo da nossa afeição,
— Oh, J.R., mas que beleza!
— Fico contente que tenha gostado.
— É o presente mais maravilhoso que já recebi! — Ela beijou-o

impulsivamente, comprimindo-se contra ele. — O que posso fazer pa-
ra agradecer?

— Tenho certeza de que vai pensar em alguma coisa, amor. Algu-

ma coisa bem baixa e obscena.

Sue Ellen soltou uma risada.
— Pode estar certo de que farei o melhor possível, J.R. E ago-

ra o que me diz de dar uma volta no meu novo brinquedinho?

Ele afagou-lhe o traseiro.
— Vá sozinha e divirta-se, meu bem. Tenho um pequeno negócio

de família a tratar com papai e o irmãozinho. Pode dar uma volta e
experimentar o carro novo.

J.R. esperou até que Sue Ellen estivesse seguindo em alta ve-

locidade pelo caminho, na direção da estrada, antes de voltar ao
pátio. Encontrou Jock e Miss Ellie já tomando o café da manhã.

— Bom-dia, papai. Bom-dia, mamãe.
— Bom-dia, J.R. — respondeu Jock. — Como está se sentindo, fi-

lho?

— Muito bem, papai. Não podia estar melhor.

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Bobby apareceu nesse momento e trocou cumprimentos com os ou-

tros. Serviu-se de café e sentou.

— Tem alguma coisa nova marcada para resolver hoje na cidade,

Bobby? — perguntou Jock, distraidamente. — Alguma coisa que eu de-
va saber?

— Não tem nada de novo, papai. Tudo está correndo muito bem.
J.R. exibiu um sorriso inocente no rosto afável.
— Isso inclui o Ewing 23, irmãozinho?
Bobby lançou um olhar furioso para J.R., mas não disse nada.
— O que há com o Ewing 23? — indagou Jock, com súbito interes-

se.

Miss Ellie pôs a mão no braço dele, procurando acalmá-lo. Jock

desvencilhou-se.

— Pensei que já soubesse de tudo, papai — disse J.R., jovial-

mente. — Bobby não lhe contou? Ele está reabrindo o Ewing 23. Não
consegue se manter afastado daquele campo, não é mesmo, irmãozi-
nho?

— Isso é verdade? — perguntou Jock, a voz se tornando áspera e

ameaçadoramente baixa.

— Deve ser, papai — continuou J.R., como se estivesse falando

para um campo de flores vazio e passivo. — Recebi há pouco um te-
lefonema informando sobre as manobras do irmãozinho. Entendi tudo
direito, irmãozinho?

Jock levantou-se, o peito estofando com a raiva que o domi-

nava.

— Bobby, você está abrindo o Ewing 23?
— Estou, sim, papai.
— Sabe o que penso a respeito.
— Ouvi dizer que estará em plena operação dentro de uma sema-

na, talvez menos — acrescentou J.R., desdenhosamente.

— Mas que diabo! — explodiu Jock.
— Fique calmo, Jock — interveio Miss Ellie, sem que suas pala-

vras surtissem qualquer efeito.

— Vocês vão ter de me dar licença agora — disse J.R., jo-

vialmente. — Tenho de resolver alguns problemas.

Ele se afastou, sem que ninguém lhe prestasse atenção. Jock

olhava fixamente para Bobby.

— Com todos os diabos, garoto! Eu lhe falei uma centena de ve-

zes sobre aquele campo. A metade de todo o petróleo que sair de lá
pertence ao ordinário do Cliff Barnes. Não vou permitir que ele
fique rico à custa da terra dos Ewings, do petróleo dos Ewings.

— A metade pertence a ele de pleno direito — comentou Miss El-

lie.

Jock continuou como se não a tivesse ouvido:
— E agora, Bobby, vou lhe dizer pela última vez o que tem de

fazer. Feche aquele campo. Hoje. Imediatamente.

Bobby levantou-se, fitando o pai nos olhos.
— Não posso fazer isso, papai.
Jock ficou completamente aturdido.
— Mas por Deus que vai fazer! Vai fazer exatamente o que estou

mandando ou então...

Bobby interrompeu-o, sua raiva se igualando à do pai:
— Nunca lhe pedi para assumir a direção da Ewing Oil, jamais a

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desejei. Mas pediu-me para fazê-lo. Ou será que já esqueceu? Disse
que não havia mais ninguém. Faça isso por mim. Bobby. Faça pela
família. Não há mais ninguém. Pois acabei aceitando. Agora, estou
no cargo. Mas tem de ser à minha maneira, tomando as minhas pró-
prias decisões. Não é você que está dirigindo o negócio no dia-a-
dia, papai. Sou eu. Não é J.R. quem está à frente de tudo. Sou eu.
Se isso não lhe agrada, basta dizer. Pode ficar com o cargo de
volta e...

— Bobby! — gritou Miss Ellie.
Ele se controlou prontamente e acrescentou, em tom mais suave:
— Basta dizer, papai, que Pam e eu pegaremos as nossas coisas

e iremos embora. Até lá, terão de aceitar o que eu decidir. E ago-
ra, se me dão licença, há muito trabalho à minha espera na cidade
e não conto com ninguém para fazer tudo.

Ele se afastou, enquanto Jock gritava:
— Volte aqui, Bobby! Ainda não acabei de falar com você!
Miss Ellie puxou-lhe a manga.
— Quer fazer o favor de sentar-se e ficar quieto, Jock Ewing?

Já falou mais do que suficiente ao nosso filho.

Ele sentou-se, fitando-a com o rosto franzido.
— Aquele garoto tem de aprender um pouco de bom senso.
— Aquele garoto é um homem, Jock. E você lhe entregou a compa-

nhia para dirigir.

— Vou ter de meter um pouco de juízo naquela cabeça dura.
– Preste atenção ao que vou dizer, Jock. Como? — Preste aten-

ção. O que quer que aconteça, o que quer que possa custar, não
quero que aquele garoto deixe o rancho.

- Escute aqui, Miss Ellie...
— Não, Jock. Desta vez, você é que vai ter de escutar. E eu é

que falei. Já perdi um filho, que saiu da minha vida. Não tenciono
perder outro.

Jock ficou olhando fixamente para a mulher. Mas, finalmente,

não podendo mais sustentar o olhar dela, virou o rosto, esforçan-
do-se em recapturar uma memória obscura e esquiva, que insistia em
permanecer um ponto além de sua visão e compreensão.



Do ponto de vista de Jock, era um exercício simples, coerente

com a maneira como queria que os filhos fossem criados, coerente
com a maneira pela qual encarava a vida de um homem naquele tempo.
Sucesso ou fracasso... o que importava não era tanto o modo como
se participava do jogo, mas sim quem ganhava e quem perdia. Queria
que os filhos se tornassem homens de verdade, uma raça dura, con-
fiante, como os homens que haviam conquistado um continente uma
geração atrás, ou antes ainda, os homens que haviam percorrido o
Texas, Oklahoma e Louisiana à procura de petróleo, os homens que
haviam dominado o Velho Oeste, transformando-o num lugar seguro
para mulheres e crianças viverem. Em suma, o tipo de homem que
Jock Ewing sempre fora.

Assim, ele resolveu testar os filhos. Eram três garotos, as

idades variando dos 10 aos 14 anos, com uma corda, um facão de ca-
ça, um cantil com água e uma caixa de fósforos. Numa tarde de ve-
rão, Jock levou-os aos contrafortes das Montanhas Rochosas, no sul

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do Colorado, a dois dias a pé da cidade mais próxima, cercados por
picos e vales, por uma paisagem estranha, ainda não mapeada. E
deixou-os lá, para que voltassem ao seu acampamento, da melhor
forma que pudessem. E lhes disse:

— Vocês são irmãos e podem trabalhar em equipe, partilhando o

que conseguirem, permanecendo juntos. Mas cada um pode também se-
guir o seu próprio caminho. Façam o que acharem melhor. Mas quero
que desçam de qualquer maneira até o lugar em que estarei esperan-
do. E podem estar certos de que não terei compaixão daquele que
não souber cuidar de si mesmo.

— E se nos perdermos? — perguntou Bobby, trêmulo.
Jock fitou-o com um olhar gelado, que respondia à pergunta

muito melhor do que palavras poderiam fazer.

— Então é melhor tornar a se encontrar. Pois é justamente isso

o que terão de fazer, viver e morrer enfrentando as matas e as
montanhas. Estarei esperando para dar os parabéns ao primeiro que
aparecer.

Aquela primeira noite foi a mais fácil. Eles juntaram lenha

suficiente, à claridade decrescente da tarde, para atear uma fo-
gueira. Gary encontrou uma amoreira, que lhes proporcionou o que
comer à guisa de jantar. Encolhidos em torno do fogo, eles tenta-
ram se manter aquecidos e reduzir os temores que sentiam, até que
não mais conseguiram permanecer acordados.

A chuva despertou-os. Era uma garoa fina, que extinguira o fo-

go, deixando-os molhados e gelados, completamente desconsolados.
Eles comeram o resto das amoras e discutiram a situação em que se
encontravam.

— A coisa é muito fácil — gabou-se J.R. — Basta voltarmos pelo

caminho por que viemos, até chegarmos à estrada que papai usou pa-
ra subir. Não pode estar a mais de sete ou oito quilômetros naque-
la direção.

Ele fez um gesto largo para trás. Bobby não tinha tanta certe-

za assim e foi o que disse.

— De qualquer maneira, não era bem isso o que papai estava

querendo. A intenção dele era que descêssemos pela montanha, atra-
vés da mata.

Gary, um garoto magro, não tão corpulento quanto os irmãos, de

rosto fino e olhos grandes, a expressão assustada de um cervo, ar-
riscou-se a falar:

— Acho que demos uma volta. A estrada fica realmente naquela

direção. — E ele apontou para outro lado.

— Mas que droga! — explodiu J.R. — Como você pode saber de

qualquer coisa?

— Continuo achando que devemos seguir pela mata, descendo sem-

pre. Mais cedo ou mais tarde, vamos alcançar a planície. O acampa-
mento fica a leste daqui. Quanto a isso, tenho certeza.

Bobby terminou de falar com um tom confiante, embora não sen-

tisse tanta certeza assim. Por um longo tempo, ninguém disse nada.
A chuva continuava a cair, estavam ficando cada vez mais molhados
e com mais frio. Ocorreu a todos, naquele momento, que Jock não os
levara até ali em linha reta, que haviam dado voltas e mais vol-
tas, mudando de direção incontáveis vezes. Foi J.R. quem assumiu o
comando, com mais jactância do que convicção.

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— Muito bem, vamos fazer o que Bobby está dizendo. Sigam-me.
E ele começou a descer pela encosta. Bobby fez um gesto para

que Gary fosse em seguida e ele próprio partiu na retaguarda. En-
quanto desciam, ele tentou localizar pontos de referência, sinais
naturais que sua mente inconsciente pudesse ter gravado, na viagem
para cima. Mas nada registrava. Desceram por mais de uma hora,
Gary caindo algumas vezes, esfolando os cotovelos e os joelhos,
começando a se lamuriar. Bobby ficou estimulando-o, mas finalmente
Gary arriou, chorando silenciosamente.

— J.R.! — gritou Bobby. — Espere um instante!
J.R., 15 metros à frente, parou e virou-se, uma expressão des-

denhosa no rosto redondo.

— Vamos logo, Gary, levante-se. Não há tempo a perder. Papai

quer que nos comportemos como homens e não como maricas.

— Vamos fazer uma parada aqui — disse Bobby, estendendo o seu

cantil para Gary.

J.R. agachou-se onde estava, mas não ficou sossegado por muito

tempo. Levantou-se e gritou:

— Muito bem, vamos continuar!
— Estou cansado demais, Bobby — disse Gary.
— Ele está certo, Gary. Não podemos ficar aqui. Mais um pouco

e você poderá descansar novamente.

E recomeçaram a descer.
Cem metros adiante, emergiram da linha das árvores. Diante de-

les, estendia-se uma encosta íngreme, de argila, que parecia des-
cer até o vale lá embaixo. J.R. soltou um grito de triunfo.

— É muito fácil daqui por diante! E vai ser cada um por si!
— Espere um pouco! — Meio carregando Gary, Bobby seguiu até o

lugar em que J.R. estava parado. — Essa encosta não parece muito
firme, J.R. Se a gente descer depressa demais, não há como prever
o que pode acontecer.

— Nada vai acontecer, exceto que conseguiremos voltar ao acam-

pamento antes do meio-dia. E serei o primeiro a chegar.

— É um terreno traiçoeiro — insistiu Bobby. — Devemos usar a

corda, um amarrado ao outro, por uma distância de três ou quatro
metros, para qualquer emergência.

— Mas que diabo, Bobby! Virou um bicha assustado ou qualquer

coisa assim? Não precisa ter medo de nada. Basta me seguir.

Dizendo isso, J.R. pôs-se a descer pela encosta, largando a

corda, num gesto desdenhoso. Bobby pegou a corda e observou-o por
um momento, murmurando em seguida:

— Talvez ele esteja certo.
— Não posso descer sozinho — balbuciou Gary.
— Fique bem atrás de mim. Assim, poderei ampará-lo, se preci-

sar de alguma ajuda.

— Não sei.. .
— Estou lhe dizendo que pode conseguir, Gary. Basta ficar per-

to de mim.

— Tentarei, Bobby. Juro por Deus que tentarei.
E começaram a descer, lentamente.
Meio quilômetro adiante, a encosta tornava-se abruptamente

mais íngreme. Os dois rapazes descobriram-se escorregando e desli-
zando, deslocando-se muito mais depressa do que desejavam. Ao lon-

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ge, podiam divisar J.R., agora um vulto minúsculo, acenando-lhes
freneticamente, gritando ininteligivelmente, como a exortá-los a
descerem mais depressa.

Olhando para trás, Bobby viu que Gary estava em dificuldade,

as pernas se empenhando desesperadamente em manter o equilíbrio,
avançando depressa demais. Ele tentou ir em socorro do irmão, mas
perdeu o equilíbrio e caiu de costas, ainda deslizando pela encos-
ta abaixo. Gary, correndo, incapaz de parar, passou por ele veloz-
mente, gritando de pânico.

— Socorro, Bobby!
Bobby berrou para o irmão:
— Caia! Jogue-se no chão!
Nada adiantou. Se Gary ouviu, foi incapaz de reagir, como se o

corpo rejeitasse a idéia de cair. Continuou a ganhar velocidade, o
torso gradativamente se projetando além das pernas, completamente
desequilibrado, literalmente fora de controle.

Bobby fez o maior esforço para se levantar e partiu atrás de-

le. Tornou a cair, a cabeça batendo numa pedra. Por um longo mo-
mento, não conseguiu se mexer, o mundo girando vertiginosamente
diante de seus olhos. Conseguindo finalmente ficar de quatro, ten-
tou localizar o irmão. Gary desaparecera.

Gritou o nome dele. Somente o barulho da chuva a cair é que

lhe respondeu. Levantou-se outra vez, recomeçando a descer. Abrup-
tamente, a encosta terminava. Bobby teve de fazer o maior esforço
para não perder o equilíbrio e cair numa garganta rochosa. Deitou-
se de barriga para baixo, foi descendo lentamente até a beira da
garganta, deu uma espiada. Seis ou sete metros abaixo, estendido
desajeitadamente sobre a superfície rochosa, estava Gary, sem se
mexer, a cabeça descaída para um lado.

— Gary! Gary!
O irmão continuou imóvel. Bobby começou a respirar mais de-

pressa, o medo a dominá-lo inteiramente. Podia ouvir as batidas do
coração. Olhou ao redor. À esquerda, cerca de 20 metros de distân-
cia, havia uma árvore solitária, contorcida e encurvada pelos ven-
tos da montanha, mas aderindo desesperadamente à face rochosa.
Bobby arrastou-se até lá e prendeu sua corda no tronco, dando um
nó firme. Começou a descer para a garganta. Na metade da descida,
sentiu a árvore gemer, deslocando-se ao peso inesperado. Ele hesi-
tou por um instante, mas logo continuou a descida, apoiando os pés
no paredão da garganta, deslocando-se quase aos pulos. Chegou lá
embaixo e correu para Gary. Havia uma equimose no rosto, mas o ir-
mão estava respirando e afora isso parecia ileso.

Bobby despejou água do cantil no lenço e umedeceu o rosto do

irmão. Gary gemeu, entreabriu os olhos.

— Fique quieto — advertiu-o Bobby. — Como se sente? Tem alguma

coisa quebrada?

— Acho... acho que não.
Bobby estendeu o cantil.
— Sente-se e tome um gole.
Gary obedeceu. Os olhos de cervo assustado se deslocaram ao

redor.

— Vamos morrer aqui, Bobby?
— Ninguém vai morrer, Gary. Vamos descer até lá embaixo.

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— Como?
Bobby levantou-se. Estavam sobre uma camada rochosa, as beiras

alisadas. Era o leito seco de um córrego; e como todo córrego de
montanha, era uma trilha para baixo. Podia ser um longo percurso,
mas acabariam saindo da montanha. Ele ajudou Gary a se levantar e
disse-lhe:

— Segure minha mão. Vamos sair daqui.
A chuva cessou uma hora depois, enquanto continuavam a descer.

Foi só ao final da tarde que chegaram à planície. O céu estava
limpo agora e o sol poente já descia por trás dos picos altos,
projetando sombras compridas, que apontavam o caminho para Bobby.
Estava quase escuro quando finalmente avistaram a fogueira do
acampamento. Jock e J.R. estavam acocorados, observando-os se
aproximarem. Jock não disse nada, até que os dois filhos se aco-
modaram em torno da fogueira, quando então falou:

— Parece-me que levaram um bocado de tempo para voltar, rapa-

zes.

Gary abriu a boca para falar, mas Bobby acenou-lhe para que

ficasse quieto.

— Fizemos o melhor possível.
J.R. sorriu através das chamas.
— O seu melhor não foi grande coisa, irmãozinho.
— Espero que tenham aprendido alguma coisa sobre a maneira de

enfrentar este mundo — disse Jock, enquanto começava a preparar um
jantar de carne e feijão para os filhos. — J.R. sabe o que fazer.
Da próxima vez, tratem de segui-lo.

— É o que faremos, papai — disse Bobby, a voz controlada, qui-

eta demais.

— Será sempre bem-vindo, irmãozinho, será sempre bem-vindo...


Lucy parou diante da porta com a tinta descascando, dominada

por profunda apreensão. Tocou nos cabelos dourados, cuidadosamente
arrumados. Umedeceu os lábios, tomando cuidado para não borrar o
batom. Ajeitou a saia pelos quadris arredondados. Lucy Ewing era
jovem, bonita e elegante, uma dessas beldades do Texas que pareci-
am ter tudo. Mas sua autoconfiança era apenas superficial e muitas
vezes enfrentava situações novas com um sentimento próximo do ter-
ror. Era o que acontecia agora, parada ali, na porta do apartamen-
to de Mitch Cooper.

Como ele reagiria diante daquela visita inesperada? Iria rece-

bê-la bem ou repeli-la bruscamente? Evidentemente, Mitch era um
homem que tinha tudo: inteligência, beleza, qualquer mulher que
desejasse. Lucy vira-o uma dúzia de vezes no campus, antes de con-
seguir conhecê-lo pessoalmente. Com o rosto e o corpo de um artis-
ta de cinema, Mitch dava a impressão de ser seguro e confiante, um
tanto arredio. Mantinha as pessoas à distância, como se existisse
alguma força interior para protegê-lo, proporcionando-lhe tempo e
espaço para alcançar seus objetivos.

Lucy respirou fundo, um pouco trêmula, antes de bater na porta

e depois tornar a bater, com um ímpeto que não sentia. A porta se
abriu e ele estava parado ali, de jeans e uma camisa velha, os ca-
belos despenteados, a barba por fazer, piscando em reconhecimento.

background image

— Lucy!
— Estou interrompendo alguma coisa? — disse ela, com uma falsa

jovialidade, exibindo um sorriso fulgurante e espiando o interior
do apartamento. — Não está com ninguém por aqui? Há problema se eu
entrar para uma visita? Pensei que poderia gostar de companhia.

Lucy contornou-o e entrou no apartamento, antes que ele ti-

vesse tempo de responder. Mitch fechou a porta lentamente.

— Eu estava estudando.
Havia livros espalhados por toda parte, louça suja, roupas

amarrotadas. Era evidente que ninguém limpava nem arrumava o apar-
tamento há uma semana. Mitch precisava de alguém, disse Lucy a si
mesma. Precisava de Lucy, acrescentou ela.

— Você está mesmo precisando de um toque de mulher por aqui —

comentou ela.

Mitch olhou ao redor, como se estivesse reparando nas coisas

pela primeira vez.

— Acho que terei de fazer uma limpeza. Estava estudando e não

me preocupei com isso.

— Se é preciso tanto tempo e tanto esforço para se tornar um

médico, talvez não valha a pena.

A incredulidade estampou-se no rosto bonito de Mitch.
— Isso é tudo o que eu sempre quis.
— Tudo?
— Isso mesmo.
Lucy contraiu os lábios. O pobre coitado não sabia de nada,

nem mesmo quando uma mulher flertava com ele. Não seria fácil, mas
ela jurou a si mesma que haveria de vencer.

— Ei, estou morrendo de fome! — disse Lucy, jovialmente. Não

quer levar uma garota para comer hambúrguer em algum lugar?

— Seria ótimo, mas não posso. Não tenho tempo... nem dinheiro,

diga-se de passagem.

Ela deu um passo para perto dele, encostou a mão no peito mus-

culoso. O contato fez seus dedos comicharem, deixou o estômago
contraído, provocou ondas de sensação, que se espalharam por suas
coxas. Ela estremeceu.

— Mitch...
— O que é?
Lucy recuou.
— Tenho bastante dinheiro.
Ele fitou-a sem qualquer mudança de expressão.
— Sempre pago as minhas contas, Lucy.
Ela cometera um erro e tentou desesperadamente corrigi-lo, co-

mo compensação.

— O que uma garota pode fazer, Mitch? É muito difícil chegar

perto de você, pois está sempre correndo. Não tem uma namorada es-
condida em algum lugar?

Ele não pôde deixar de rir.
— Eu não teria tempo nem energia para uma garota. Não saberia

o que fazer com ela. Já esqueci até como é.

— Talvez eu possa ajudá-lo a se lembrar — sussurrou Lucy, in-

clinando-se para ele.

As mãos dela adejaram sobre a barriga de Mitch, os dedos se

engancharam no cinto. Ele balançou, indeciso.

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— Tenho muitas horas de estudo pela frente.
— Um homem precisa se divertir, relaxar um pouco, de vez em

quando.

— Você não compreende.
— Você é que não compreende.
Lucy comprimiu-se contra Mitch, os seios se achatando no peito

dele, a fragrância inebriante de violetas penetrando-lhe pelo cé-
rebro. Ela se mexeu. Por um longo momento, não houve nada, mas de-
pois veio a reação instintiva dele.

— Está vendo? — sussurrou Lucy. — Você se lembra.
Os braços dela enlaçaram-no pelo pescoço. Lucy ergueu-se à

procura da boca de Mitch, a língua se projetando, gradativamente
sendo aceita. Ela suspirou, enquanto os braços dele a contornavam,
apertavam, uma das mãos pousando na nádega firme, arredondada.

Dali a um momento, ela acrescentou:
— Ou talvez você compreenda.
Mitch conduziu-a para a cama desarrumada.
— Se não compreendo, tenho certeza de que aprenderei bem de-

pressa. Com a sua ajuda, Lucy.

— Pois vai ter tudo o que eu puder dar.



3




Tom Selby tinha a expressão cuidadosa e atenta de um homem que

deposita toda confiança em números, raramente em promessas e nunca
em pessoas. Era o contador-chefe da Ewing Enterprises, sua compe-
tência sempre louvada, seus conhecimentos aparentemente ilimita-
dos, sua cautela uma bandeira de advertência aos empresários mais
arrojados. Agora, ele pairava junto à mesa de Bobby, na Ewing Oil,
usando um lápis para apontar, indicando informações nos livros
abertos. Ele falava em tom pedagógico, a voz anasalada:

— Aqui está, Bobby. São os 750 milhões da venda daquelas con-

cessões asiáticas.

— Anote isso, Connie — disse Bobby.
A secretária estava sentada no outro lado da mesa, com bloco e

lápis. Ela escreveu rapidamente.

— E aqui estão os 625 milhões dos poços de gás natural na Cos-

ta Leste — continuou Selby. — E estas cifras... consegui atribuir
outros 25 milhões de dólares para equipamento e a conseqüente de-
terioração. O que nos sobra aqui representa aproximadamente seis
milhões, que podem ser utilizados para colocar o Ewing 23 novamen-
te em operação.

Bobby examinou as cifras rapidamente e depois perguntou:
— A quanto tudo isso monta, Tom? Quanto a Ewing Oil tem dispo-

nível agora?

Selby franziu o rosto.
— Pouco mais de cem milhões. São os nossos investimentos lí-

quidos no momento, aproximadamente. A cifra exata está relacionada

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na página seguinte.

Bobby recostou-se na cadeira, as mãos cruzadas atrás da ca-

beça. Os olhos estavam injetados, as pálpebras inchadas, a boca
descaída. Estava empenhado naquilo há muito tempo e a pressão se
acumulava, começando a transparecer.

— Cem milhões... — murmurou ele, acenando com a cabeça e se

levantando em seguida. — Pois isso me diz o que estava precisando
saber. Obrigado por sua ajuda.

— É meu trabalho e meu prazer.
Selby estendeu a mão para pegar os livros. Bobby levantou a

mão.

— Ficarei com os livros por um ou dois dias, se não houver

problemas para você. Como pontos de referência, se precisar deles.

— Está certo. Avise-me se precisar de mim para mais alguma

coisa.

— Pode estar certo de que farei isso, Tom.
Trocaram um aperto de mão e Selby retirou-se. Bobby ficou pa-

rado junto à janela, de costas para Connie, contemplando Dallas
que se estendia diante dele. À luz do dia, a cidade era brilhante
e espetacular, quase uma nova criação na pradaria. Mas Bobby sabia
que não era bem assim. Era uma metrópole num processo de cresci-
mento rápido demais, com todos os problemas de outras cidades mais
antigas: crime, miséria, inflação crescente, uma população se mul-
tiplicando muito depressa para os serviços que exigia. Mas ainda
era um lugar em que homens como ele podiam viver e trabalhar,
transferir milhões de dólares com um simples aperto de mão, com-
prar e vender grandes propriedades, assumir grandes riscos, onde o
desastre espreitava em cada decisão, mas onde a promessa de grande
poder e riqueza superava em muito o medo do fracasso. Talvez, pen-
sou ele, lembrando-se das palavras de Pamela, não fosse tão dife-
rente assim de J.R., no final das contas. Talvez quisesse exata-
mente o que o irmão mais velho queria: sucesso, poder, riqueza e,
em última análise, a vitória sobre o irmão.

— O que vai fazer agora, Bobby?
Era Connie, a voz suave levando-o de volta ao presente. Bobby

encheu os pulmões de ar e virou-se para fitá-la. Era uma moça
atraente, com um corpo bem feito. Pela expressão nos olhos dela,
Bobby sabia que Connie não encararia desfavoravelmente a perspec-
tiva do relacionamento com o patrão transbordar para a área pesso-
al. Ele sentia-se tentado, mas não tanto a ponto de tomar uma ini-
ciativa. Voltando para sua cadeira, Bobby disse:

— Não tenho certeza.
Ela fez menção de falar, mas a campainha do interfone soou

nesse momento. Louella, a outra secretária, informou:

— Mr. Lee, Mr. Luce e Mr. Bradley estão aqui.
— Mande-os entrar — disse Bobby.
Connie deu um passo na direção da porta.
— Vou deixá-los a sós.
— Não. Pode ficar para testemunhar tudo. Há muito que estou

esperando por este momento.

Connie deu de ombros e voltou à sua cadeira, cruzando as per-

nas calmamente, o bloco no colo.

Bobby cumprimentou os três homens com apertos de mão e pala-

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vras cordiais, velhos amigos que não haviam estado em contato re-
centemente... ou pelo menos seria essa a impressão de um especta-
dor inocente.

Jordan Lee, Andy Bradley e Wade Luce tinham muitos anos de ne-

gócios com petróleo no Texas. Havia um brilho selvagem nos olhos
deles, uma contração na boca, as cabeças tensamente erguidas, como
se não fossem capazes de encarar alguém de frente. Eram homens
acostumados a espiar pela esquina cautelosamente, antes de dar
qualquer passo para a frente, homens que constantemente olhavam
para trás. Já haviam passado por tudo, visto tudo, feito quase tu-
do que havia para fazer... ou que lhes podia ser feito. Eram ho-
mens desesperadamente ansiosos em conservar o que tinham e queren-
do obter mais algumas vitórias lucrativas, no tempo que lhes res-
tava. Bobby convidou-os a sentar e depois disse:

— Quero agradecer-lhes por terem vindo.
— Foi um prazer atender a seu convite, Bobby. É sempre bom

tornar a vê-lo.

— Ei, como está indo o seu irmão?
— Isso mesmo, como está o velho J.R.?
— Ainda se recuperando, mas passando bem.
— Isso é ótimo.
— Muito bom mesmo.
— Quanto tempo acha que ainda vai demorar para ele voltar a

sentar atrás de sua velha mesa?

Bobby sentiu que o rosto ficava vermelho, mas manteve a voz

sob controle:

— Assim que ele estiver completamente recuperado. Até lá... eu

estou dirigindo a Ewing Oil. E estou dirigindo tudo. Assim sendo,
vamos tratar de negócios?

Jordan soltou uma risada em que não havia qualquer vestígio de

humor.

— Não há melhor motivo para nos reunirmos do que falar de ne-

gócios.

— É por isso que estamos aqui — comentou Wade.
— Ótimo — disse Bobby. — Tomei uma decisão: vou reabrir o

Ewing 23.

Jordan franziu o rosto.
— Ligando e desligando. J.R. não fechou esse campo há pouco

tempo?

— Fechou, sim — confirmou Bobby. — Mas vou reabri-lo agora.
Os três homens trocaram olhares cautelosos. Bobby percebeu as

dúvidas deles.

— Já lhes disse que estou dirigindo a Ewing Oil. A decisão é

minha, a responsabilidade é minha. E os riscos também são meus.

— Está certo, Bobby. Para que nos chamou?
— Já vou explicar. Há outra parte na história. Com o Ewing 23

produzindo em plena capacidade, vamos precisar de outra refinaria.
Por isso... e é neste ponto que vocês entram na história... estou
também comprando a refinaria de Jim Redfield em Galveston. É um
ótimo negócio. . . capacidade de 50 mil barris por dia e Jim está
disposto a vender por apenas 200 milhões.

Jordan contraiu os lábios.
— É bastante razoável.

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— Uma barganha — acrescentou Wade, cautelosamente.
Bobby assentiu vigorosamente.
— É um roubo. Estou disposto a entrar com metade dessa quan-

tia.

— Cem milhões? — indagou Andy.
— Exatamente. E deixarei que vocês fiquem com a outra metade.

O que estou lhes oferecendo é um negócio bem claro. Com cem mi-
lhões, vocês compram 50 por cento, sem quaisquer condições. Não há
porcentagens variáveis ou qualquer outra coisa assim. Ficarão sa-
bendo quanto receberão por seu dinheiro. Só há um problema.

— E qual é?
— Temos de agir depressa. Falei a Redfield que voltaria a pro-

curá-lo em breve. Ou até antes disso.

Wade falou bem devagar:
— Quanto tempo ele lhe deu?
— Não tanto quanto eu gostaria — admitiu Bobby, relutantemen-

te. — Por isso é que se trata de uma proposta na base do pegar ou
largar.

— Pegar ou largar — repetiu Wade.
Bobby assentiu.
— Isso mesmo. E então, o que acham?
Andy apressou-se em dizer:
— Jordan, por que não fala por todos nós?
— Está certo.
— É um bom negócio, Jordan — acrescentou Bobby.
— Talvez sim, talvez não. Mas não é exatamente esse o pro-

blema. O que temos a dizer é curto e objetivo, Bobby. Quando nos
chamou, viemos por pura curiosidade e mais nada. Devo dizer que
valeu a pena.

Bobby fitava-o fixamente.
— Não tenho certeza se entendi o que está querendo dizer com

isso.

— É muito simples. Quanto a fazer mais negócios com a Ewing

Oil, todos nos lembramos daquele negócio asiático que J.R. nos im-
pingiu. Está lembrado da manobra, não é mesmo, Bobby? Causou o
suicídio de um dos nossos bons amigos e a falência de outro.

Bobby levantou as mãos.
— Espere um pouco, Jordan. Não está tratando com meu irmão

desta vez. É com Bobby Ewing que está falando.

— Um Ewing ou outro não faz a menor diferença. Ainda é a Ewing

Oil. Portanto, Bobby, aqui está a nossa resposta, clara e franca:
não! E, se não ficou bem claro, não há a menor possibilidade, nem
agora nem nunca.

Com um meio sorriso, Jordan levantou-se e encaminhou-se para a

porta. E acrescentou, sem se virar:

— Mas não pense que não apreciamos seu convite para virmos até

aqui e conversar, Bobby. Foi muito interessante, muito gratifican-
te e muito divertido.

E os três se retiraram. Um Bobby atordoado ficou olhando para

a porta, incapaz de assimilar a rejeição e o que isso represen-
taria para os seus planos. Connie contornou a mesa e fez menção de
que ia tocá-lo, mas mudou de idéia.

– Lamento muito, Bobby.

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— Pensei que eles fossem aceitar o negócio... uma maneira per-

feita de compensá-los pelo que aconteceu, de acabar a hostilidade
com o cartel.

— Acho que isso significa que o negócio da refinaria está li-

quidado.

Bobby levantou os olhos para fitá-la.
— De jeito nenhum! Quero uma refinaria e tenciono obtê-la, de

uma maneira ou de outra.

— Mas onde vai conseguir o dinheiro?
— No lugar em que sempre se encontra dinheiro, Connie. Ligue-

me para Franklin Horner no banco.



Sob um céu sem nuvens, Jock Ewing e Ray Krebbs, o capataz do

rancho, galopavam em seus pôneis pela pradaria, como se estivessem
com pressa de chegar a algum lugar. Alcançaram uma fileira de ár-
vores plantadas 50 anos antes como quebra-vento e puxaram as ré-
deas. Levaram os cavalos a passo para a sombra e desmontaram. Ti-
raram o suor do rosto e um cantil passou de mão em mão.

— Não existe nenhum homem que possa montar como você, Jock,

quando está disposto — comentou Krebbs, com evidente admiração.

Jock franziu o rosto, curtido e avermelhado do exercício. Chu-

tou um pouco de terra, murmurando:

— Um homem vai ficando mole, esquece as suas origens, o lugar

a que pertence. Passei tempo demais sentado, sem chegar a fazer um
trabalho de homem.

— Mais cedo ou mais tarde, todos nós temos de renunciar a al-

guma coisa.

Jock contemplou o homem mais moço e resmungou:
— É sempre melhor que seja mais tarde.
— Alguma coisa o está incomodando, Jock?
— O que lhe dá essa idéia?
Krebbs contraiu o lábio inferior. Era um homem esguio e vigo-

roso, deslocado entre quatro paredes, mas gracioso e funcionando
perfeitamente entre animais e máquinas.

— Achei que cavalgou depressa demais, Jock. E quando fica as-

sim é porque tem algum espinho na sela.

Um sorriso relutante insinuou-se pelo rosto de Jock. Ele olhou

para o horizonte, como se espiasse o passado. Havia muito o que
lembrar, havia também muito para esquecer. Há muito que ele chega-
ra à conclusão de que a parte mais difícil de envelhecer era re-
cordar todas as boas pessoas que nunca mais tornaria a ver, todas
as boas coisas que nunca mais voltaria a fazer. Jock deu de om-
bros, voltando ao presente.

— Você é muito esperto, Ray.
— Tento observar as coisas, acompanhar o que acontece.
— Pois eu diria que sempre dá um jeito de se antecipar.
Krebbs agradeceu o elogio com um curto movimento do queixo pa-

ra baixo.

— É um problema com Bobby e J.R., não é mesmo?
— Sendo irmãos e tudo o mais, era de se esperar que os dois se

dessem melhor, especialmente com Gary ausente há tanto tempo.

— Nunca ouviu falar de Caim e Abel, Jock?

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— Você acha que está no sangue essa história de ressentimento

e rancor entre irmãos?

— Acho que muitas vezes pode estar. Seja como for, há muita

competição entre aqueles dois.

— Há ocasiões em que não consigo entender.
Krebbs desviou os olhos. Jock estudou-o, pensativo.
— Está pensando em alguma coisa, Ray. Diga logo o que é.
— Você não é um homem fácil, Jock. Não é fácil para se traba-

lhar. Não é fácil para ser um filho. Não há nada que aqueles dois
queiram tanto como agradá-lo, ouvi-lo dizer que corresponderam às
suas expectativas.

— Pois estou muito orgulhoso dos dois. Sempre fui.
— Mas não tenho certeza se algum dos dois sabe disso. Pelo que

posso ver, está sempre espicaçando um ou outro, impelindo-os a fa-
zerem um pouco mais, a se esforçarem com um pouco mais de empenho.
E eu diria que tanto para agradar a você como a eles próprios.

— Você tem um jeito meio franco de dizer o que está pensando,

Ray.

— Conhece outro jeito melhor?
— Não posso dizer que conheço — respondeu Jock, tristemente.
Por um longo momento, nenhum dos dois falou. Mas Krebbs final-

mente rompeu o silêncio:

— Pensei que Bobby estivesse no comando da Ewing Oil.
— E ele está — respondeu Jock, um pouco depressa demais. — Mas

é claro que ele ainda tem muito o que aprender.

— Não é o que acontece com todos nós?
— Só que não é esse o problema.
Krebbs ficou calado, esperando que Jock continuasse. O que só

aconteceu depois de uma breve pausa:

— J.R. gosta de ser presidente. Ele se deleita com o cargo,

adora ficar exercendo sua influência, tramando e planejando, fa-
zendo as coisas. Aquele garoto é um verdadeiro cavalo para o tra-
balho árduo e as manobras.

— Especialmente as manobras.
Ambos riram e depois Jock admitiu:
— Acho que ele não é muito diferente do que o pai era.
— Ainda é.
— Ainda é. — Jock ficou muito sério. — J.R. está ficando ner-

voso por se ver afastado do trabalho. Está se empenhando para vol-
tar o mais depressa possível.

— E o que vai fazer?
— É justamente esse o problema.
— Não disse que Bobby está indo bem?
— Está, sim. E os dois vão se confrontar para valer qualquer

dia desses. E haverá uma tremenda explosão.

— Os dois são lutadores.
— Os resultados podem ser terríveis e eu não sei o que fazer.

Com todos os diabos! Deve haver algum meio de atrelar aqueles dois
de forma a que possam trabalhar juntos, lado a lado, sem ficarem
se escoiceando e mordendo.

Krebbs sacudiu a cabeça, com uma expressão de resignação.
– Não há a menor possibilidade, Jock. Isso vem acontecendo há

muito tempo, pelo que você diz. Não vai parar agora e você sabe

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disso perfeitamente.

– Sei sim. Mas a verdade é que prefiro não escutar.
– Mas terá de enfrentar.
– Tem toda razão. Mas o que vai acontecer? Bobby é teimoso e

pode ser estourado, fazendo as coisas impulsivamente. Se eu o ti-
rar do cargo agora, ele não vai gostar, é capaz de ir embora de
Southfork, deixar Dallas para sempre.

— Ele é adulto.
– Sei disso. Mas se Bobby for embora, Miss Ellie vai me atri-

buir toda a culpa.

— Não invejo a sua situação, Jock. Não gostaria que uma mulher

como ela caísse em cima de mim.

— Tem razão, não é nada agradável. E o problema é que estou

chegando ao fim da linha e ainda não sei o que fazer.

Sem dizer mais nada, Jock voltou para o seu cavalo, montou e

partiu a galope. Observando-o, Krebbs sentiu a maior vontade de
ajudar, mas sabia que naquele caso estava tão impotente quanto
Jock Ewing.



J.R. estava no bar do pátio quando Jock chegou a cavalo. Res-

pirando fundo, coberto de suor e poeira, Jock encaminhou-se para o
interior da casa.

— Parece que teve um dia muito difícil, papai. Não quer que eu

lhe prepare um drinque grande e gelado?

Jock olhou irritado para o filho mais velho, por um longo mo-

mento.

— Por que não? — disse ele, finalmente. — Uma bebida forte e

gelada vai me fazer bem.

Ele puxou uma cadeira para a sombra e sentou-se. J.R. levou-

lhe o drinque e sentou-se ao seu lado.

— Tenho de lhe dizer, filho, que já não sou mais o mesmo homem

de antes.

— Ainda é o melhor de todos nós, papai.
— O corpo não parece mais disposto a se empenhar com tanto

afinco como antes.

— É nesse ponto que eu entro, papai. Para aliviá-lo das pres-

sões, sempre que possível.

Jock tomou um gole do drinque.
— Como está a sua saúde agora, J.R.?
— Estou cada vez mais forte, papai.
— Isso é ótimo.
- Bom o bastante para voltar ao trabalho.
Era justamente o que Jock não estava querendo ouvir. Depois de

uma breve pausa, J.R. acrescentou:

— A menos que tenha algum motivo especial para querer que

Bobby continue como o presidente.

Jock respondeu um pouco depressa demais:
— Não, J.R., o problema não é esse. Mas estou um pouco preocu-

pado com você. Acho que deve descansar por mais algum tempo. Sei o
que um ferimento a bala pode fazer com um homem, no corpo e no es-
pírito.

— Já estou pronto agora, papai, ansioso em voltar. E creio que

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tenho direito a uma resposta franca.

— Acho que tem mesmo.
— Pois então estou escutando.
— Bobby não queria assumir, J.R. Só concordou porque lhe pedi.

Não acha que tenho a obrigação de continuar com ele por mais algum
tempo, deixá-lo terminar o que começou?

— Mas...
— Não diga nada, apenas escute. Até agora, Bobby tem feito um

bom trabalho. Concordei que ele podia dirigir a Ewing Oil da ma-
neira como achasse melhor e é justamente o que ele tem feito.

— E o que eu devo fazer enquanto espero? É a minha companhia,

papai. Tem que me deixar voltar.

Jock desviou os olhos. Sempre receara ouvir aquelas palavras

de J.R. e não queria ser forçado a uma confrontação. Mas, agora, o
momento chegara.

— A companhia é da família, J.R. E isso significa todos nós.
— Quero o meu cargo de volta — insistiu J.R.
Jock levantou a cabeça para fitar o filho nos olhos.
— Não posso fazer isso, pelo menos por enquanto.
Furioso, J.R. levantou-se e afastou-se. Era uma decisão que

ele não tinha a menor intenção de aceitar, não importando quem pu-
desse ficar machucado ao longo do caminho.

Sozinho em seu quarto, ele pôs o cérebro eficiente para fun-

cionar. Pôs-se a dar telefonemas, fazendo perguntas, obtendo res-
postas. Satisfeito consigo mesmo, prosseguiu no processo. Fez uma
ligação para Franklin Horner.

— J.R. falando, Franklin. Como estão as coisas para o seu la-

do, meu caro amigo?

— Tudo bem, J.R. E você, como vai?
— Não poderia estar melhor, Franklin. Estarei novo em folha

dentro de duas semanas e de volta às atividades, fazendo negócios
outra vez.

— É um prazer saber disso, J.R.
— Esteve em contato com Bobby recentemente, Franklin?
J.R. já sabia a resposta e percebeu a hesitação de Horner.
— Para dizer a verdade, estive, sim, J.R. Parece que Bobby es-

tá tentando obter um empréstimo. Ele quer...

J.R. interrompeu-o bruscamente:
— Sei o que ele quer, Franklin. E agora vou lhe dizer o que eu

quero. Escute com atenção. Não quero que o seu banco faça qualquer
empréstimo a Bobby. Nem mesmo um único cent, está me entendendo?

— Não vai ser fácil, J.R. Posso tentar protelar por algum tem-

po, mas...

J.R. deixou que sua irritação aflorasse:
— Não quero saber como você vai resolver o problema. Isso é

seu departamento. Mas se quiser fazer negócio com J.R. no futuro,
vai providenciar para que meu irmãozinho não receba sequer um dó-
lar furado do seu banco, Franklin. Está me ouvindo direito?

— Estou, sim, J.R.
— Isso é ótimo. E lhe peço para apresentar meus cumprimentos à

sua adorável esposa. Voltaremos a nos falar em breve, Franklin.

J.R. desligou, com um sorriso de vitória a contrair-lhe os lá-

bios. E disse, em voz alta:

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— Ninguém, mas ninguém mesmo, vai me tirar a Ewing Oil, não

importa o que eu tenha de fazer.



4




Podia-se encontrar duplicatas do Madison's Restaurant em quase

todas as grandes cidades dos Estados Unidos: as paredes revestidas
de madeira, iluminação suave, um bar comprido e polido, drinques
grandes a bons preços, a comida cuidadosamente preparada e servi-
da, principalmente carnes e saladas, de acordo com as preferências
da clientela predominantemente masculina. O Madison's era um lugar
para os empresários comerem e ali freqüentemente começavam ou cul-
minavam alguns dos maiores negócios do Sudoeste.

Era justamente fechar um negócio o que Bobby Ewing tinha em

mente, quando se encontrou com Franklin Horner numa mesa isolada,
cuidadosamente escolhida, no canto mais afastado da sala grande.
Bobby não se importava com quem pudesse vê-lo em companhia de Ho-
me, mas queria ter certeza de que a conversa seria particular. Os
drinques foram pedidos e servidos, a conversa começou descontraí-
da, agradavelmente, uma conversa amena, que finalmente levou à ra-
zão do encontro.

— Portanto, Bobby — comentou Horner, jovialmente — o seu pro-

blema é um excesso de petróleo.

— É o que teremos quando o Ewing 23 começar a operar.
— Muito petróleo e pouco tempo de refino.
— Resumiu todo o problema, Franklin.
Horner ficou calado por um instante, pensativo.
— Se não me engano, há uma refinaria na Louisiana que dispõe

de algum tempo ocioso.

— Está se referindo à refinaria de Hilay Brown. Não vai dar

para o que estou querendo desta vez, Franklin. Preciso de algo
muito maior. Há anos que meu pai vem pensando em ter a sua própria
refinaria... a Refinaria Ewing.

— Isso resolveria o problema de uma vez por todas.
— Fico satisfeito por ver que já apreendeu a essência do meu

plano, Franklin.

— Talvez devesse explicar melhor o que está pretendendo.
— É muito simples. A refinaria de Jim Redfield está à venda,

por um bom preço. Conheço tudo das instalações e situação finan-
ceira, posso lhe garantir que é um negócio seguro. E o momento é o
certo. Jim quer sair e eu quero entrar. A partir do momento em que
a propriedade for transferida, posso colocar a refinaria em plena
operação... cem por cento de produção de petróleo refinado.

Horner parecia ainda em dúvida.
— O refino nunca foi o ponto forte dos Ewings.
Bobby sorriu.
— Nunca foi absolutamente o nosso ponto e por isso mesmo é que

está na hora de mudar.

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Horner sacudiu a cabeça, ficou ainda mais pensativo.
— Por que vai arrumar essa dor de cabeça, Bobby? Não precisa

comprar a refinaria para usá-la.

— Isso poderia resolver o problema imediato, mas temos de pen-

sar no futuro. E há sempre a possibilidade de, se não comprarmos,
Redfield vender para alguém mais, tirando das minhas mãos a capa-
cidade de refino. Não posso correr esse risco e você sabe disso,
Franklin.

— Acho que tem razão.
— A oferta de Redfield é muito boa para ser recusada.
Horner hesitou.
— Qual é o preço que ele está pedindo?
— Duzentos milhões.
— Parece bastante razoável.
— Ora, é melhor do que isso.
– Você tem o dinheiro?
– A Ewing Oil pode entrar neste momento com a metade. Preciso

dos outros cem milhões.

— Do meu banco?
— Exatamente.
Horner terminou de tomar o drinque.
– Deixe-me pensar a respeito.
– Não há o que pensar. Redfield quer vender imediatamente e eu

quero comprar. O negócio não pode esperar.

— Receio que terá de esperar.
Bobby inclinou-se para a frente.
— Escute, Franklin, já tivemos problemas antes, mas agora as

coisas estão diferentes. Quero que não se esqueça disso. Ambos va-
mos entrar limpos no negócio.

Horner desviou os olhos. Sentindo que a operação estava amea-

çada, Bobby teve de fazer um esforço para conter a raiva. Não po-
dia agora hostilizar o banqueiro.

— O que me diz, Franklin?
— J.R. e seu pai aprovaram essa compra?
— Não há necessidade disso — declarou Bobby, um pouco depressa

demais.

— Bobby, meu banco dá a maior importância à conta Ewing e você

sabe disso. Mas...

— Se dá tanta importância à nossa conta, chegou o momento de

prová-lo.

— Eu gostaria que fosse tão simples assim. Em última análise,

um banco empresta uma quantia assim não apenas com base nas garan-
tias, mas também nos antecedentes e experiência de um homem. No
seu caso, Bobby... — Ele deu de ombros, eloqüentemente.

— Está querendo dizer que não tenho muito das duas coisas?
— Lamento, mas é isso mesmo. O banco acha...
Bobby levantou-se, interrompendo o banqueiro com um gesto

brusco.

— Franklin...
— O que é, Bobby?
— Pode pegar o seu banco e enfiar no rabo!
E Bobby saiu do restaurante, deixando um banqueiro transtorna-

do sentado sozinho à mesa.

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Bobby não conseguiu dormir naquela noite. Pamela ficou deitada

ao seu lado, muito quieta, perdida nos sonhos que lhe passavam pe-
la cabeça, quaisquer que fossem. Mas o cérebro de Bobby continuava
a turbilhonar, apinhado de pensamentos contraditórios, visões, so-
nhos fantásticos de glória e realização. Ele se levantou finalmen-
te, vestiu-se e desceu. Encontrou na cozinha uma lata de Dos
Equis
, uma excelente cerveja escura mexicana. Levou-a para o pátio
e acomodou-se numa cadeira. Ficou tomando a cerveja e contemplando
as estrelas no céu escuro do Texas, empenhando-se em clarear a
mente, ordenar as emoções. Não ouviu a porta para a casa se abrir
e fechar suavemente às suas costas, não ouviu Miss Ellie se apro-
ximar, só reparando nela quando parou a seu lado.

— Mamãe! — Bobby começou a se levantar, mas a mão em seu ombro

fê-lo sentar-se outra vez. — O que está fazendo aqui a esta hora,
mamãe?

— Eu ia lhe fazer a mesma pergunta.
Bobby tomou um gole comprido da cerveja.
— Eu não estava conseguindo dormir.
— Imagino que está com uma porção de coisas na cabeça.
Ela sentou-se numa cadeira em frente ao filho. No escuro, os

anos pareciam se desvanecer do rosto bem moldado. Bobby imaginou
que a via como Jock devia tê-la visto há tantos anos, viçosa e be-
la, olhos grandes e inteligentes, sempre firmes, uma boca sensí-
vel, numa expectativa sensual. E Bobby pensou mais uma vez que sua
mãe era realmente uma mulher extraordinária.

— Tenho a impressão de que a família está quase sempre com

quatro ou cinco problemas ao mesmo tempo — acrescentou Miss Ellie,
suavemente.

Bobby sorriu timidamente.
— Nós, os Ewings, não somos um bando pacífico, mamãe.
— Tem razão. Está no sangue. Mas também as pessoas que fazem

coisas com suas vidas não costumam se acomodar entre travesseiros
confortáveis e vegetar. Mesmo assim, não gosto de ver meu filho se
preocupando demais.

— Parece que as preocupações aumentam na medida em que se am-

plia o território.

— Prefiro que pense mais e se preocupe menos. Há sempre pro-

blemas para resolver, mas impaciência e irritação jamais resolve-
ram coisa alguma, ao que eu saiba. Mas um pensamento profundo e
objetivo... isso é bem diferente.

— Como se pode dirigir um negócio como a Ewing Oil e não se

preocupar de vez em quando?

Miss Ellie emitiu um som gutural.
— Gostaria que me dissesse uma coisa, Bobby: acha que vale a

pena?

— Perguntaria isso a papai?
— Você não é seu pai.
— Ou a J.R.?
— Você também não é J.R. Sempre houve alguma coisa diferente

em você, Bobby. Aliás, todos os meus filhos sempre foram diferen-
tes. Gary... as coisas não foram fáceis para ele. Era terrível não

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ser tão agressivo quanto J.R. Nem tão esperto, para dizer a verda-
de. Ou tão bom nos esportes e nas coisas da vida ao ar livre como
você. Gary sempre foi propenso a chorar com muita facilidade, a
desistir depressa demais, talvez preferindo sempre o caminho mais
fácil.

Miss Ellie fez uma pausa, pensativa.
— Já J.R. sempre pensou muito. Sempre viveu maquinando as coi-

sas. Bastava lhe dar a mão que ele queria o braço. E quando con-
quistava o braço, prontamente queria todo o resto. Mesmo quando
era pequeno, J.R. sempre queria mais... sempre o maior, sempre
mais e mais. Acho que isso ainda lhe acontece. Não ficaria surpre-
sa se ele um dia se tornasse o Presidente dos Estados Unidos.

— Mais provável que se torne o rei — comentou Bobby, com uma

risada.

Miss Ellie não riu.
— Rei dos Estados Unidos da América.
— Rei do mundo.
Ela respirou fundo.
— Mas você não é parecido com nenhum dos dois, Bobby. E também

não é como seu pai. Ou pelo menos não é inteiramente. Talvez haja
muito de mim em você, Bobby. Não sei...

— Se há, mamãe, essa é certamente a melhor parte de mim.
Miss Ellie estendeu a mão para pegar a do filho.
— Vale a pena, Bobby?
— Sabe, mamãe, eu costumava olhar desdenhosamente para todo

esse negócio de petróleo, as transações e manobras, as operações
arriscadas. Não podia compreender como papai e J.R. eram capazes
de suportar tudo aquilo. Pois descobri uma coisa. Há algo de sen-
sacional... divertido, estimulante, emocionante, vale muito bem
todo o esforço.

— Fico surpresa de ouvi-lo dizer isso.
— Eu próprio estou também um pouco surpreso, mas é a verdade.

Gosto de dirigir a companhia e quero continuar a fazê-lo.

— Eu costumava pensar que apenas J.R. era um autêntico Ewing,

que você e Gary eram Southworths.

— E o que pensa agora?
— É evidente que existe muito mais Ewing em você do que eu

imaginava.

— Mamãe, quero fazer o que for melhor para a família, para a

Ewing Oil e para todas as pessoas com quem trabalhamos.

— É possível conseguir tudo isso, Bobby?
— Espero que seja... se me for possível encontrar o caminho

certo.

— Pois trate de seguir os seus melhores instintos, filho. Em

todas as coisas. É o melhor conselho que posso lhe dar.

— Parece-me o melhor conselho que alguém poderia dar.


Bobby começou a trabalhar bem cedo na manhã seguinte, ditando

para a sua secretária no escritório. Já haviam preparado meia dú-
zia de cartas quando o telefone tocou. Connie atendeu.

— É Jim Redfield — informou ela.
Bobby pegou o fone.

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— Como você está nesta linda manhã, Jim?
Redfield não perdeu tempo com preliminares:
— Bobby, eu lhe dei minha palavra no jantar. Se tenciona com-

prar minha refinaria de Galveston e pode pagar o preço do mercado,
então ela é sua.

— Sua palavra é suficiente para mim, Jim.
— As coisas não são tão simples assim, Bobby. Como eu lhe dis-

se, tenho de agir depressa.

— Estou acertando os ponteiros o mais depressa possível, Jim.
— Não tenho a menor dúvida quanto a isso, Bobby. Só que pode

não ser suficiente.

— Como assim?
— Acabei de receber outra oferta.
Bobby sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo.
— A que preço?
— Os mesmos 200 milhões.
— Isso significa que vai me tirar a preferência, Jim?
— Significa que lhes prometi uma resposta até o meio-dia de

amanhã. E significa que, se você quer mesmo comprar, terá de re-
solver tudo antes disso.

— Importa-se de me dizer de quem partiu a oferta, Jim?
— Acho que não haveria muito sentido nisso.
— Talvez você esteja certo.
— Seja como for, estou resguardando os seus direitos de prefe-

rência, Bobby. A refinaria é sua, se puder fechar o negócio até
meio-dia de amanhã.

Bobby franziu o rosto, pensativo, antes de responder, falando

bem devagar:

— Tenho certeza de que poderei dar um jeito, Jim. Voltarei a

procurá-lo assim que estiver tudo resolvido.

— Ficarei aguardando.
— Pode contar que lhe telefonarei, Jim.
— Ótimo. Mais uma coisa, Bobby...
— O que é?
— Espero poder fechar o negócio com você.
— Obrigado, Jim.
Bobby desligou e ficou olhando para o espaço.
— Algum problema? — perguntou Connie.
— Ele recebeu outra oferta.
— Não me diga nada, deixe-me tentar adivinhar... seus com-

panheiros do cartel?

— Eu diria que sim. Fui procurá-los, ofereci a oportunidade de

entrarem no negócio comigo. Acho que resolveram fazer a transação,
mas deixando-me de fora. Eles sempre quiseram acertar as contas
com o velho J.R.

— Uma gente muito simpática.
— Tenho de dar um jeito de levantar os outros cem milhões de

dólares.

— Como? Creio que já ficou mais do que óbvio que Horner não

vai lhe dar o dinheiro.

Bobby sacudiu a cabeça, como se quisesse assim ordenar os pen-

samentos. Levantou-se e contemplou a cidade, no turbilhão do in-
tenso tráfego matutino. Todo mundo está cuidando de si mesmo, pen-

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sou ele. Todo mundo está empenhado em seu próprio jogo. Tinha de
haver uma saída para ele.

— Mas que diabo! — explodiu Bobby de repente. — Há outros ban-

cos!

Ele bateu as mãos, esfregando-as vigorosamente, irradiando

força e determinação, antes de acrescentar.

— Deixe-me pensar... Isso mesmo, Les Crowley.
— No People's Lone Star?
— Há anos que ele vem tentando fazer negócios com a Ewing.

Talvez tenha chegado o momento de oferecer-lhe essa oportunidade.

— Ele vai querer garantias.
— Não é o que todos querem? Há muitos bens dos Ewings para ga-

rantir qualquer empréstimo. Ligue-me para Crowley. Vou fazer esse
negócio de qualquer maneira, Connie. De um jeito ou de outro, vou
comprar uma refinaria de petróleo!

Menos de uma hora depois, Bobby estava acomodado numa confor-

tável poltrona de couro no gabinete de Les Crowley, no segundo an-
dar do People's Lone Star Bank. Pequeno e magro, dando a impressão
de que mal era afetado pela força de gravidade, Crowley era um ho-
mem que ninguém teria percebido numa multidão. Havia uma expressão
quase vazia em seu rosto pálido, o que levava muitos homens a pen-
sarem que se tratava de uma presa fácil... só descobrindo que es-
tavam enganados quando era tarde demais. Ele era inteligente e ar-
guto, implacável em sua ambição e muito claro em seus objetivos. O
banco que dirigia estava se tornando rapidamente uma das institui-
ções financeiras de elite do Texas. Como meio de alcançar um fim,
ele encarava Bobby Ewing como uma oportunidade excepcional. Rece-
beu o jovem empresário petrolífero efusivamente, mas também com a
cautela típica dos banqueiros. O café foi trazido e servido, houve
um pouco de conversa amena, até que Crowley pôde levar ao assunto
que realmente interessava: os negócios.

— Não me importo de dizer que é um prazer vê-lo aqui, Bobby.

Este banco teria a maior satisfação em fazer negócios com a Ewing
Oil, agora e no futuro.

Crowley compreendia perfeitamente o fator fundamental que to-

dos os banqueiros vitoriosos usavam: empresta-se dinheiro aos cli-
entes fortes por dois motivos, o lucro a curto prazo e a possibi-
lidade do desenvolvimento a longo prazo das operações do cliente.
Quanto mais rico um cliente se tornava, mais dinheiro o banco ga-
nhava. A Ewing Oil não chegava a ser a Mobil, Exxon ou Standard,
mas era uma corporação sólida, ativa, crescendo rapidamente.

— Isso mesmo, é um verdadeiro prazer — arrematou Crowley, com

um sorriso.

— Isso é ótimo.
Bobby respondeu com a maior sobriedade. Os banqueiros do Texas

eram mais liberais do que a maioria, só que por baixo do tratamen-
to efusivo e cordial eram implacáveis e gananciosos. Tudo o que
lhes interessava era o quanto iam ganhar.

— Espero que seja uma experiência mutuamente benéfica, Les.
Crowley teve de fazer um esforço para não esfregar as mãos de

contentamento.

— É para isso que estamos aqui, não é mesmo? E agora me diga:

o que podemos fazer por você?

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— Por ambos.
Bobby não pôde deixar de fazer o comentário. Crowley inclinou

a cabeça estreita em reconhecimento. Sua sala recendia a ambição c
ganância, o elixir mágico com que vicejava.

— Preciso de um empréstimo — acrescentou Bobby.
— Nós fazemos empréstimos.
— Estou comprando uma refinaria — comentou Bobby, com vigor e

confiança, como se fosse um negócio já consumado.

Crowley anotou o vigor e a certeza pessoal do jovem. A repu-

tação da família Ewing estava sendo plenamente demonstrada ali.

— Sobre quanto estamos falando?
— Duzentos milhões.
O sorriso de Crowley se desvaneceu e os números começaram a

surgir em seu cérebro, como se fosse um computador, calculando o
principal, juros, deduções fiscais, futuras operações.

— Continue — disse ele.
— Vou transferir cem milhões em dinheiro para o People's Lone

Star. Vou querer emprestados os outros cem milhões, aos juros de
hoje, é claro.

— Claro.
Crowley estava animado com as perspectivas, mas fez questão de

não permitir que seu entusiasmo transparecesse. Pôs a mão de con-
tador sobre a mesa e ficou esperando.

Bobby empurrou um livro de contabilidade sobre a mesa, abriu-o

e pôs-se a indicar diversos bens Ewings.

— Creio que é suficiente para cobrir os cem milhões adicio-

nais, essas propriedades valem pelo menos isso.

Com um rápido olhar, Crowley concordou. E falou sem levantar

os olhos:

— Pode vender tudo no mercado aberto pelo menos por mais 50

por cento, Bobby. Quero ser franco com você...

— Sei disso e agradeço a sua franqueza. Mas não tenho tempo

para vender pessoalmente. E quero tomar emprestado contra esses
bens agora.

— Posso presumir que tem de atuar contra um prazo fatal?
— Exatamente.
— Assim, está querendo que eu venda tudo e deposite o re-

sultado como garantia?

— Ou retém os bens até o pagamento do empréstimo, como prefe-

rir.

Crowley já tomara uma decisão. Fechou o livro e disse:
— Está certo. Vou precisar de dois dias para acertar tudo e

terá os seus 200 milhões.

— É justamente esse o problema, Les. Não disponho de dois di-

as. Por isso é que estou querendo vender as propriedades. Há um
prazo fatal. Estou trabalhando contra uma segunda oferta. A con-
corrência está disposta a agir com rapidez e é o que tenho de fa-
zer também.

— Eu compreendo.
— Venda as propriedades e seu banco ganha uma comissão, além

dos juros, num empréstimo total de 200 milhões de dólares.

— Estou vendo que pensou em tudo.
— O tempo é mais importante que o dinheiro desta vez. É o pró-

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prio negócio.

Crowley reagiu com uma contenção típica.
— Verei o que posso fazer.
Bobby levantou-se. Estava contrariado e não fez o menor es-

forço para disfarçar.

— O negócio precisa estar fechado esta noite. Não pode passar

disso. Será que vai conseguir?

— Posso tentar.
– Faça-o — insistiu Bobby, ouvindo a voz do pai a ressoar em

seus ouvidos.

— Farei tudo o que estiver ao meu alcance.
— E quando estiver tudo resolvido, não importa a que horas se-

ja, telefone para a minha casa. Pode ser até de madrugada. Quero
receber uma notícia sua.

Bobby foi até a porta e abriu-a, antes de acrescentar:
— Este é um bom negócio para o banco e eu lhe trouxe, Les.

Calculei que poderia resolvê-lo.

— Posso e o farei.
— Não gostaria de descobrir que cometi um erro, Les.
Subitamente, Crowley sentiu vontade de agradar ao jovem, aju-

dá-lo e apoiá-lo em tudo, conquistar o seu favor. Ele acenou com a
cabeça em assentimento.

— Posso lhe prometer que não se enganou, Bobby. Não vai se ar-

repender.

— Estarei esperando seu telefonema.
As palavras de Bobby possuíam a autoridade de uma ordem.

Crowley sentiu-se aliviado por ficar sozinho.



A escuridão já começara a se estender sobre Southfork quando

Bobby entrou na sala do rancho, ao final do dia. Lá fora, o ar
frio trazia os sons das criaturas noturnas, agitando-se e aprego-
ando sua presença. Lá dentro, o ar-condicionado isolava os Ewings
de tudo isso. Poderiam até estar vivendo numa tranqüila e elegante
comunidade suburbana de Los Angeles ou Nova York. J.R. estava no
bar. Serviu um scotch com água no momento em que Bobby entrou na
sala, entregando-lhe o copo, com um sorriso confiante. Jock, sen-
tado no sofá, cumprimentou o filho mais moço com um grunhido e fi-
cou observando-o escolher um lugar para se instalar. De copo na
mão, J.R. foi ocupar uma posição estratégica entre o pai e o ir-
mão. Olhou de um para o outro e depois disse, com um sarcasmo mal
velado:

– Ora essa, não acha que está um pouco parecido com os velhos

tempos, papai? Os homens Ewings reunidos, tomando um drinque, en-
quanto as mulheres não aparecem.

– Não é como antigamente — comentou Bobby, olhando para o seu

drinque.

J.R. franziu as sobrancelhas.
– Imagino que está se referindo ao velho Gary. Mas não se es-

queça, irmão, que foi o próprio Gary quem tomou a decisão de nos
deixar. Preferiu não viver mais com a família, virar-nos as cos-
tas.

— Não é essa a minha interpretação da partida de Gary, J.R.

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— Não falem mais nisso — interveio Jock, a voz rouca, o queixo

descaindo para o peito.

Ele sentia-se deprimido ao lembrar o filho perdido... era as-

sim que pensava em Gary... consternado por saber que não podiam
estar todos juntos, durante todo o tempo, embora jamais fosse ad-
mitir isso em voz alta.

— O que tem acontecido pela cidade ultimamente, Bobby?
— Negócios e negócios, como sempre, papai.
J.R. soltou uma risada zombeteira.
— Como sempre? Ora, irmãozinho, não há a menor necessidade de

ser modesto.

Bobby olhou de soslaio para J.R., procurando imaginar o quanto

o irmão mais velho sabia. J.R. coletava informações com a mesma
dedicação assídua com que um vira-latas recolhe pulgas. Não impor-
tava onde ele pudesse estar, o ouvido de J.R. estava sempre gruda-
do no chão, escutando os rumores. Contava com uma rede de infor-
mantes, mais do que dispostos a lhe contarem tudo. Será que Les
Crowley estava entre eles?

— Está acontecendo alguma coisa que eu deveria saber? —-

indagou Jock, levantando os olhos.

— Eu diria que sim, papai. — J.R. soltou uma risada. — Parece

que o irmãozinho está com um ou dois negócios grandes fermentando.

Jock não falou nada, limitando-se a esperar.
— Não tenho nada a comunicar por enquanto, papai — disse

Bobby, finalmente, mantendo-se controlado e evitando os olhos de
Jock.

J.R. tornou a rir.
— O que o irmãozinho está querendo dizer é que empacou, papai.

Tentar fazer é uma coisa, realizar realmente é outra muito dife-
rente. Não é isso mesmo, Bobby? Tenho a impressão de que ficou de
mãos vazias nas duas vezes, não é mesmo?

— Que duas vezes, Bobby? — perguntou Jock.
Pelo tom da voz do pai, Bobby sabia que ele esperava uma res-

posta franca e objetiva. Mas J.R. voltou a falar, antes que ele
pudesse responder:

— O irmãozinho está tentando comprar uma refinaria, papai.
— É mesmo?
— Só que refinarias custam dinheiro — continuou J.R., malicio-

samente. — E muito dinheiro. Primeiro, Bobby tentou recrutar o
cartel para conseguir o dinheiro... 200 milhões, se não me engano.
Mas a turma lhe disse que se virasse sozinho. Em seguida, foi
Franklin Horner quem o rejeitou. Não foi isso mesmo, irmãozinho?

Bobby tomou um gole do seu uísque, os olhos fixados em J.R.
— Foi isso mesmo, J.R. Você sabe de tudo, até os últimos deta-

lhes. Seus espiões trabalham muito bem... sempre trabalharam. —
Bobby fez uma breve pausa, exibindo o sorriso sombrio, antes de
acrescentar: — Ou será que instalou um microfone secreto na minha
sala?

— Não preciso dessas coisas. Quando um homem sabe como fazer

negócios, tem sempre uma porção de amigos. E os amigos contam tudo
o que ele deve saber.

Bobby já ia responder quando o telefone tocou. Como se quises-

se evitar qualquer conflito iminente, Jock levantou-se e atendeu.

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— Jock Ewing falando. Bobby? Ele está, sim. Posso perguntar

quem deseja falar? Está certo. Espere um momento. — Ele estendeu o
fone, — É para você, Bobby. Um homem chamado Les Crowley.

Bobby pegou o fone rapidamente.
— O que é?
Ele ficou escutando, os músculos do rosto gradativamente re-

laxando, um brilho de satisfação insinuando-se nos olhos azuis, o
excitamento aumentando.

— Quem diabo é Les Crowley? — indagou Jock.
— Creio que ele está ligado a um banco — comentou J.R., ten-

tando escutar alguma coisa da conversa telefônica.

— Nunca ouvi falar dele.
— Não havia motivo para que ouvisse. Ele não é da nossa espé-

cie.

J.R. olhou novamente para Bobby. O rosto do irmão, irradiando

alegria, dizia tudo.

— Obrigado por telefonar, Les. Claro, claro... Foi ótimo. Vol-

tarei a procurá-lo pela manhã.

Bobby desligou e bateu com o punho cerrado na outra mão, num

excitamento febril.

— Consegui, papai! Consegui tudo!
— Conseguiu o quê?
— Acertei todo o negócio!
— Que negócio, filho? — insistiu Jock.
— O negócio de que J.R. estava lhe falando.
— Se nos contasse tudo direitinho — interveio J.R. — talvez

pudéssemos partilhar a sua satisfação.

Bobby abriu a boca para falar e foi nesse momento que Pam apa-

receu. Ele segurou-a e saiu girando pela sala.

— Consegui, querida! Consegui!
Rindo, ela abraçou-o. Bobby virou-se para o pai e o irmão.
— Comprei uma refinaria, papai. A de Jim Redfield, lá em Gal-

veston. E comprei a um ótimo preço. A Ewing Oil finalmente tem a
sua própria refinaria, papai, como você sempre desejou. Vamos em-
bora, Pam. Nós dois vamos sair esta noite para comemorar. É a mai-
or noite da minha vida!



J.R. passou uma noite angustiante, incapaz de dar vazão à sua

raiva, incapaz de manifestar o ódio que sentia contra Bobby. Foi
só muito mais tarde, quando ele e Sue Ellen estavam a sós, por
trás da porta fechada do quarto, que pôde explodir. Ficou andando
de um lado para outro do quarto, a praguejar, espalhando as roupas
ao redor, amaldiçoando a sorte de Bobby. Sue Ellen tentou em vão
acalmá-lo.

— Ora, meu bem, o que ele fez foi muito pouco. Nada vai signi-

ficar quando seu pai comparar com tudo o que você fez pela compa-
nhia.

J.R. lançou um olhar furioso para a mulher.
— Não seja estúpida, Sue Ellen. Será que não entende o que ele

fez?

— Sei que ele reabriu o Ewing 23, J.R.
— O Ewing 23 é apenas uma parte... e uma parte pequena. O ir-

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mãozinho comprou uma refinaria.

— Mas não era isso o que seu pai sempre quis?
— Pois é justamente esse o problema! Ele fez o que eu nunca

fui capaz de realizar. Como será que ele conseguiu levantar o di-
nheiro? Pensei que tinha lhe cortado as asas inteiramente. Agora,
alguém terá de pagar isso. Aquele Les Crowley vai se ver comigo.

Havia uma frieza na voz do marido que deixou Sue Ellen as-

sustada.

— Venha deitar, por favor, J.R. Vou lhe fazer uma massagem nas

costas, acalmá-lo. E depois lhe darei o que mais desejar de mim.

Ele não deu a menor indicação de que ouvira.
— Foi demais. O momento chegou. Vou derrubar Bobby, jogá-lo lá

no fundo!

— Mas...
— Mesmo que eu tenha de arruinar a Ewing Oil para conseguir

isso!

Sue Ellen estava chocada.
— Ele é seu irmão, J.R.!
J.R. exibiu os dentes, num sorriso lúgubre.
— Os irmãos Ewings... Nunca houve espaço para todos nós em

Southfork. Gary já se foi, mas continua a não haver espaço sufici-
ente e nunca haverá, enquanto Bobby não for embora também. Desta
vez vou me livrar dele para sempre, para que sobre apenas um irmão
Ewing. E você está olhando para ele.

— Oh, J.R., você me assusta quando fala desse jeito.
Aproximando-se da cama, J.R. acrescentou:
— E agora vou lhe dizer exatamente o que quero que você faça

por mim.



5




Bobby estava tomando café no pátio, na manhã seguinte, quando

Pam apareceu. Ela apertou-lhe o braço, afetuosamente.

— A noite passada foi maravilhosa para mim.
— Para mim também.
Os olhos de Bobby se desviaram, como se ele estivesse ansioso

em partir.

— Já vai tão cedo?
— Tenho uma reunião.
— Está excitado demais, Bobby.
— Tenho muito o que fazer.
— Mas deve se controlar um pouco. Não pode continuar nesse

ritmo. Dê uma chance a si mesmo... dê uma chance a nós.

— Não entendo do que está falando, Pam. Você não faz a menor

idéia de como isso é importante para mim, para todos nós. E ainda
restam muitos fios soltos para prender nesse negócio da refinaria.

— Você disse que estava tudo acertado.
— Claro que está. A refinaria já é minha... já é nossa. Mas

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isso significa que é preciso mantê-la em operação. Os suprimentos
de petróleo bruto devem continuar dentro dos prazos. As vendas de-
vem ser efetuadas. Tudo isso exige muito tempo e trabalho, Pam.

— É o que estou vendo — disse ela, secamente. — Tentei desviar

sua mente para outras coisas, antes que saísse da cama esta manhã.
Meu fracasso é evidente.

— Tente compreender.
— Estou tentando.
— Quer saber de uma coisa? Ainda não consigo acreditar que

comprei realmente uma refinaria.

— Pode acreditar. Eu acredito. Explicou-me tudo por horas a

fio ontem à noite, no restaurante. Sou capaz de apostar que não
sabe dizer o que havia em seu prato.

— Eu estava tão ruim assim?
— Pior.
— Desculpe. Mas acontece que esta é a primeira vez que faço

algo tão grande. E devo dizer que é emocionante.

— Tenho certeza de que J.R. ficará muito contente com o seu

triunfo...

Bobby soltou uma risada e ela arrematou, insinuantemente:
— ... quando ele reassumir.
Bobby ficou imediatamente sério.
— Estou dirigindo a Ewing Oil agora e assim pretendo conti-

nuar.

— Oi, Bobby!
Os dois se viraram para deparar com Ray Krebbs se aproximando,

a pickup parada na área de estacionamento.

— Bom-dia, Ray.
— Bom-dia, Bobby. Bom-dia, Pam. — O sorriso de Krebbs era cor-

dial. — Finalmente consegui encontrá-lo parado, Bobby.

— Mas não será por muito tempo — comentou Pam — a menos que

queira falar sobre petróleo com meu marido.

— Ora, Pam, não fale assim — murmurou Bobby.
— Estou de saída — avisou ela, afastando-se.
— Mas ainda não comeu nada!
— Você não é o único da família que tem coisas para fazer —

disse ela, indo embora.

Franzindo o rosto, Bobby ficou observando-a por um momento.

Ray Krebbs interrompeu-o:

— Tem alguns minutos para mim, Bobby?
Ainda olhando para a mulher, ele disse:
— Não pode esperar até mais tarde?
— Já é muito tarde, amigo. Não pode mais esperar.
Bobby assentiu, resignado.
— Tem razão. Não tenho ficado muito tempo por aqui recentemen-

te. O maldito escritório me absorve o tempo inteiro. Está sempre
acontecendo uma coisa depois da outra.

— Mas é preciso cuidar do rancho também, Bobby. Há muitas de-

cisões a serem tomadas, sendo que não posso resolver sozinho a
maioria dos problemas.

Bobby observou Pam entrar no carro e partir. Havia um quê de

determinação na maneira como ela deu a marcha à ré, manobrou e de-
pois afastou-se, acelerando. Bobby não gostou dos sentimentos que

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isso lhe deixou.

— Por que não conversa com meu pai, Ray?
Como se ouvisse o chamado, Jock apareceu nesse momento, segui-

do por J.R. Bastou um olhar para que Bobby compreendesse que o pai
estava dominado por um de seus monumentais acessos de raiva, quase
incontroláveis. Se ele fosse uma chaleira no fogo, começaria a
ferver imediatamente. J.R., em contraste, estava controlado, frio,
calculista, embora a sua raiva não fosse menor. Observando-os se
aproximarem, Ray respondeu, lentamente:

— Parece que Jock anda com alguns problemas na cabeça ultima-

mente. Achei que não seria estratégico pressioná-lo.

— Posso entender o que está querendo dizer.
— Bobby! — berrou Jock, avançando pelo pátio, parecendo mais

jovem do que os seus anos, mais terrível do que a sua reputação.

Instintivamente, Bobby recuou. Ray tratou de imitá-lo.
— Estou indo para a cidade, papai.
— Preciso conversar com você.
— Bom-dia, Jock — disse Ray.
Os olhos frios típicos dos Ewings fixaram-se em Krebbs. Por um

longo momento, não houve qualquer indício de reconhecimento neles.

— Bom-dia, Ray. E agora, Bobby...
— Tenho uma reunião na cidade, papai. E já estou atrasado. Não

pode esperar?

— Não, não pode esperar. J.R., venha até aqui e diga a seu ir-

mão o que acaba de me falar. Vamos logo, garoto, conte tudo!

J.R. postou-se diante de Bobby e as palavras saíram caustican-

tes:

— Você e Pam estavam com tanta pressa ontem à noite, ir-

mãozinho, que esqueceu de comunicar a papai e a mim todos os deta-
lhes da sua pequena operação.

— Não havia coisa alguma que você precisasse saber, J.R.
— Uma ova que não havia! Mas acontece que você não pode guar-

dar segredos do velho J.R., Bobby. A esta altura, já deveria saber
disso. Tive apenas de dar dois telefonemas esta manhã e já sei de
tudo.

— O que quer que tenha descoberto, poderia fazê-lo pelo ca-

minho mais fácil, perguntando diretamente a mim.

— Tenho minhas dúvidas, pois você estava tentando esconder al-

guns fatos.

Bobby sentiu que sua raiva começava a aflorar, e seria difícil

conter-se.

— Se tem alguma coisa para dizer, J.R., então fale logo de uma

vez!

— Isso mesmo — interveio Jock. — Ponha logo as cartas na mesa,

onde todo mundo possa ver.

— Por que não nos conta o que teve de fazer a fim de obter o

dinheiro para comprar a refinaria de Redfield, irmãozinho?

— Foram negociações para alcançar um objetivo, J.R., algo que

você conhece melhor do que ninguém.

Jock soltou um grunhido.
— Mas que diabo, Bobby! Quero uma resposta direta. Vendeu ou

não uma parte do patrimônio Ewing para comprar aquela refinaria?

— Vendi, sim.

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O rosto de Jock se contraiu, as veias saltaram nas têmporas.
— Mas não é possível!
— Era a única maneira de poder realizar a compra, papai.
— Com cem milhões de dólares do nosso patrimônio? Por que não

me consultou antes? Nem a qualquer outra pessoa?

— Não havia tempo.
— Não havia tempo? Mas tem sempre de haver tempo, quando cem

milhões de dólares estão em jogo!

— Eu tinha de agir depressa.
— Tão depressa que não podia falar com qualquer pessoa da fa-

mília a respeito? — indagou J.R., sugestivamente.

— Como você, por exemplo?
— Isso mesmo, como eu.
— Da mesma forma como você me consultava quando estava diri-

gindo a companhia? A decisão me competia e tratei de tomá-la.

— Não gosto nada disso, Bobby — grunhiu Jock.
— Consegui uma refinaria para nós, papai. Algo que você sempre

desejou.

— Isso eu reconheço...
— Perdemos a sociedade na refinaria de Mainwaring no ano pas-

sado. — Os olhos de Bobby se desviaram para J.R. — Eu não tinha a
menor intenção de deixar que esta oportunidade agora nos escapas-
se.

A tempestade de Jock foi se dissipando, mas ele não era um ho-

mem que desistisse com muita facilidade.

— Tomar dinheiro emprestado de uma das mãos para pagar à outra

não é um bom negócio.

Bobby insistiu em sua argumentação:
— De qualquer forma, é um ótimo negócio. Posso dobrar... mais

do que isso, posso triplicar a produção da refinaria.

J.R. interveio:
— Desde quando você se tornou o único Ewing no negócio de pe-

tróleo?

— Eu sou o único Ewing dirigindo o negócio de petróleo neste

momento, J.R. Não se esqueça disso. E a verdade é que foi uma
transação hábil e lucrativa, para quem souber imaginar o futuro.

— Mesmo assim, eu deveria ter sido informado antes — insistiu

Jock.

Ray estava quieto, os olhos se deslocando de um para outro,

avaliando, analisando, fazendo julgamentos silenciosos. Ele vivia
alerta aos movimentos das emoções humanas, da mesma forma como
acompanhava as reações e necessidades dos animais com que traba-
lhava diariamente. Podia perceber os problemas se acumulando e es-
perava que não se convertessem numa guerra familiar em larga esca-
la. A partir do momento em que uma coisa assim começava, não se
podia prever os rumos do conflito, não se podia dizer quem mais
sofreria. Ele observou Bobby. Havia ressentimento no rosto de
Bobby, rapidamente disfarçado, um jeito determinado na boca, a ex-
pressão de um homem que tomara a decisão de lutar para se impor.

— Já agüentei demais — disse Bobby. — Enquanto eu estiver di-

rigindo a companhia, tomarei as minhas próprias decisões. Se vai
haver alguma mudança, papai, basta me comunicar. Eu lhe falarei a
respeito em outra ocasião.

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E ele se afastou. Todos ficaram observando-o em silêncio, in-

quieto e opressivo. Foi J.R. quem o rompeu:

— Um de nós tem de tomar alguma providência, papai.
Jock franziu as sobrancelhas, numa expressão de surpresa.
— Um de nós?
— Ora, papai, você, é claro.
J.R. advertiu-se para tomar mais cuidado. Estava pisando em

terreno delicado.

— Bobby nunca foi assim — comentou Jock, pensativo, um tom de

pesar insinuando-se em sua voz. — Nunca antes ele me falou dessa
maneira.

— Ele escapou completamente ao controle.
— Pois me parece que ele está segurando a rédea firmemente —

Ray não pôde deixar de comentar.

Jock olhou para ele, sem dizer nada. Mas J.R. tinha de res-

ponder:

— Esse é um assunto da família, Ray.
Krebbs acenou com a cabeça uma vez e começou a afastar-se.

Jock acenou-lhe para que voltasse e disse, distraidamente:

— O fato é que num momento Bobby está querendo deixar

Southfork para sempre e tudo o mais. E no momento seguinte está
dirigindo a Ewing Oil como se fosse seu brinquedo particular. Ele
tem de encontrar um equilíbrio.

— J.R. tem razão, Jock — disse Ray Krebbs. — Isso não é da mi-

nha conta.

— Mas eu gostaria de saber a sua opinião, Ray.
— Está bem. Você disse a Bobby que ele ia comandar tudo, que

podia dirigir a Ewing Oil com plenos poderes. Pois me parece que
ele tem o direito de fazê-lo à sua maneira, enquanto for o homem
que estiver lá em cima.

Jock pigarreou e depois cuspiu.
— Está falando com muito bom senso, Ray.
— Se não fosse por um pequeno problema — interveio J.R., lan-

çando um sorriso venenoso para Ray.

— E qual é esse problema? — perguntou Jock.
— É preciso haver petróleo bruto para operar uma refinaria. E

muito. Se não há petróleo, começa a haver tempo ocioso, o que re-
presenta a diminuição dos lucros e finalmente dívidas. E agora me
diga uma coisa: onde Bobby vai conseguir todo o petróleo necessá-
rio? A produção do Ewing 23 não será suficiente, nem de longe, por
mais depressa que ele consiga extrair.

E, com isso, J.R. virou-se e voltou para o interior da casa.
— O garoto não deixa de ter razão — murmurou Jock, o rosto se

contraindo numa expressão de tristeza.

— Não sou homem do petróleo, Jock, mas tenho alguma ex-

periência em matéria de vacas. Há um leilão de gado hoje. Por que
não vai comigo? Temos de repor algum gado e tratar de uma porção
de problemas do rancho. Podemos conversar no caminho para Fort
Worth.

Jock falou como se não tivesse ouvido:
— O que vou fazer com esses dois garotos?
— Não me envolva nisso, Jock. Afinal, é um problema da família

Ewing.

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Jock lançou um olhar estranho para o jovem e disse, sem qual-

quer veemência:

— O pior é que estou no meio da briga, justamente o lugar me-

nos aconselhável para alguém ficar.

— O que me diz do leilão de gado?
Jock sorriu subitamente.
— Por que não? Não há nada melhor do que o cheiro de gado para

limpar a cabeça de um homem dos seus problemas.



Ao chegar ao escritório, Bobby já recuperara o controle de su-

as emoções, a mente se concentrando no que tinha de ser realizado.
J.R. podia tramar e conspirar nos bastidores para conseguir que as
coisas acontecessem como queria, podia recorrer a métodos escusos
para enganar e frustrar seus oponentes e associados nos negócios.
Mas Bobby não era assim. Conhecia apenas um meio de realizar seus
objetivos: o trabalho árduo, honestidade e franqueza, o justo va-
lor pelo serviço prestado.

As secretárias já estavam em suas mesas quando ele apareceu.

Connie cumprimentou-o efusivamente:

— Meus parabéns pela primeira refinaria Ewing.
Bobby não pôde conter uma risada.
— É sempre bom ser apreciado. Em alguns setores, não estou

sendo muito popular esta manhã. Bullock já apareceu?

Connie assentiu.
— Está na sua sala, esperando. Marquei o encontro ontem à noi-

te, depois que me telefonou. E ele trouxe também a Sra. Bullock.

Bobby entrou em sua sala. Eugene Bullock levantou-se para cum-

primentá-lo. Era um homem de alguma idade, com muitos fios brancos
nos cabelos e na barba, os olhos cansados com uma expressão de
quem já vira tudo e se lembrava da maior parte sem muita satisfa-
ção. Em sua cadeira, as pernas cuidadosamente cruzadas, parecendo
extraordinariamente bonita, estava sentada Sally Bullock, com 30
anos, cerca de 40 anos mais moça do que o marido. Os homens troca-
ram um aperto de mão.

— Não sabe como fico contente de que tenha podido vir, Mr. Eu-

gene.

— É sempre um prazer atender ao chamado de um Ewing, Bobby.

Seu pai e eu nos conhecemos há muito tempo. Nem sempre foi muito
bom, mas sempre foi divertido, cheio de vida.

— Papai sempre fala muito bem a seu respeito, Mr. Eugene.
— Deixe-me apresentar-lhe minha mulher. Sally, esse é Bobby

Ewing.

Ela entreabriu os lábios sensuais num sorriso cativante, ava-

liando Bobby com olhos realistas.

— Prazer em conhecê-lo, Mr. Ewing.
Bobby foi para trás de sua mesa.
— Está disposto a fazer negócios conosco, Mr. Eugene?
O velho soltou uma risada.
— Você é mesmo um Ewing, objetivo e franco. O telefonema de

sua secretária ontem à noite deixou-me curioso. E falei para a mi-
nha linda mulher aqui presente: "Sally, sempre fiz negócios com
J.R. Então por que o jovem Bobby está querendo conversar comigo?"

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E vim até aqui para descobrir.

Bobby já se encontrara com o homem muitas vezes antes para

deixar que a atitude brusca dele o perturbasse agora. Ele era o
garoto novo no quarteirão, muito jovem e inexperiente, os olhos
muito acessos para ser considerado astuto e competente, como o pai
e o irmão. Contudo, ali estava ele; se negócios fossem feitos, te-
riam de ser inevitavelmente por seu intermédio. Ele respondeu com
calma e jovialidade:

— O fato, Mr. Eugene, é que acabo de comprar uma refinaria de

petróleo.

Bullock não fez qualquer esforço para disfarçar sua surpresa,

mas não fez qualquer comentário. Sally inclinou-se para a frente,
a voz uma carícia quando perguntou:

— Que refinaria, Bobby?
— A de Jim Redfield.
— E está querendo conversar conosco sobre a produção, não é

mesmo?

Bobby assentiu.
— E o que me diz de seu pai e seu irmão? Qual a participação

deles na operação? O que acham da sua transação?

O rosto de Bobby se endureceu.
— Está tratando comigo, Sra. Bullock. Sou o presidente da

Ewing Oil. Eu dirijo a companhia.

— Sally — corrigiu ela, com um sorriso brejeiro quase infan-

til.

— O problema, Sally, é que temos de abastecer a refinaria. Mas

a maior parte do petróleo que a Ewing extrai já está comprometido
em outras partes. E a produção do campo que acabei de reabrir...

— O Ewing 23.
— Isso mesmo. Não estamos extraindo petróleo suficiente para

cobrir o tempo ocioso... pelo menos por enquanto.

— E precisa então de outra fonte de suprimento do petróleo

bruto.

— Exatamente.
— Posso presumir, Bobby, que está querendo usar a nossa frota

de petroleiros?

Bullock contemplava com extrema admiração a mulher linda e

adorável, impressionado com a sagacidade comercial dela.

— Sally nunca foi de ficar fazendo rodeios — comentou ele. —

Não acha que ela vai direto ao ponto, Bobby?

— Aceito isso como um elogio, Eugene. Bobby, quanto petróleo

você vai querer na primeira etapa?

— Seiscentos mil barris, para começar.
— Quer que cuidemos da aquisição?
— Creio que seria a melhor maneira.
— Concordo plenamente. Facilitaria tudo. Está certo, vamos ar-

rumar o petróleo para você. A 30 dólares por barril, dá 18 mi-
lhões. Pagamento adiantado.

— Quanto tempo levará para fazer a transação?
Sally recostou-se na cadeira, as mãos cruzadas no colo.
— Um dos nossos petroleiros transportará o petróleo da Venezu-

ela para Galveston dentro de cinco dias.

— Cinco dias? Mas está perfeito! — Bobby contornou a mesa e

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apertou as mãos de ambos. — Negócio fechado. Enviarei um cheque ao
escritório de vocês hoje, antes do encerramento do expediente co-
mercial.

— Está certo — disse Bullock, levantando-se.
— Não precisa se preocupar com detalhes de contratos e todo o

resto — disse Sally. — Cuidaremos de tudo.

— Seu pai tem todo motivo para estar orgulhoso de você, Bobby

— comentou Bullock.

Bobby sorriu.
— Pode deixar que transmitirei a ele a sua opinião, Mr. Euge-

ne. Quanto a isso, não tenha a menor dúvida.



Menos de uma hora depois, J.R. recebeu um telefonema no ran-

cho. Era Sally Bullock.

— Estou chegando de uma reunião com seu irmão caçula, J.R. Um

grande negócio de petróleo.

— E está querendo me contar tudo, Sally?
Ele sorriu para o telefone, como se pudesse atingi-la. E ouviu

a risada brusca de Sally.

— Mas não assim, J.R. É um assunto muito importante, extrema-

mente sensível.

— Não sei quando eu poderei sair.
A atitude dela endureceu de repente.
— Dentro de uma hora, J.R. Não se esqueça de que é para o seu

próprio bem.

— Está bem, Sally, tentarei. — J.R. hesitou por um instante. —

O lugar de sempre?

— Isso mesmo — disse ela, bruscamente, para desligar em segui-

da.

J.R. ficou olhando para o aparelho mudo em sua mão. Sally Bul-

lock estava a caminho de se tornar uma das grandes forças na in-
dústria petrolífera, uma mulher muito rica e influente, alguém que
lhe fora útil no passado e continuaria a sê-lo no futuro, se a
tratasse com a astúcia necessária.

Exatamente 57 minutos depois, J.R. apresentou-se na porta de

um apartamento num dos últimos andares do mais novo e mais luxuoso
condomínio de Dallas, todo com iluminação indireta e tapetes maci-
os. Num terno de gabardine impecável e botas de couro de antílope,
apoiando-se quase que casualmente numa bengala de castão de ouro,
J.R. era uma presença atraente e vistosa.

A porta abriu-se silenciosamente e Sally Bullock cumprimentou-

o com um sorriso. Ela usava uma túnica rosa, com rendas na gola e
nos punhos, o tecido aderindo a seu corpo voluptuoso como uma se-
gunda pele. Uma grossa corrente de ouro pendia do pescoço gra-
cioso, descendo até uma única pepita de ouro, polida, de um tama-
nho que impressionou até mesmo a J.R. Ele tirou o sombrero com um
gesto exagerado e fez uma meia reverência.

— Quanta gentileza sua em receber-me, Sra. Bullock!
Os olhos dela adejaram, ficaram semicerrados.
— Puxa, como você é um homem bonito, J.R. Ewing!
— Sinto-me lisonjeado com o elogio e retribuo com juros. Seu

marido tem todos os motivos para estar orgulhoso de você, Sally. É

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linda de se contemplar, dramática na mente e na forma, esperta co-
mo um açoite.

Rindo, ela puxou-o para o interior do apartamento.
— Nunca se esqueça disso. Eu me orgulho de estar sempre pelo

menos dois passos à frente de qualquer um dos espertalhões do Te-
xas. E você está incluído nisso, J.R.

— Está me prestando um desserviço, madame.
— Desconfio de você mais do que dos outros, meu caro. Aceita

um drinque?

— Estou com o pressentimento de que devo manter a cabeça bem

lúcida.

Ela riu novamente, um som forte e metálico, desprovido de jo-

vialidade ou humor.

— Por que não fica mais à vontade, J.R.?
Sally foi estender-se no sofá macio de veludo e ficou obser-

vando-o. J.R. tirou o paletó e pendurou-o cuidadosamente no encos-
to de uma cadeira. Afrouxou a gravata e abriu o colarinho, antes
de finalmente sentar.

— Como foi esse encontro que teve com Bobby?
— Ainda não sei se você merece saber.
Ele abaixou a cabeça, como se estivesse constrangido. Tirou

uma das botas, depois a outra, em seguida as meias. Levantou-se e
começou a tirar a camisa.

— Seria mais apropriado falar em preciso saber.
— Tem toda razão.
J.R. tirou a camisa e largou-a no chão.
— Puxa, que peito bonito que você tem, J.R.! — sussurrou

Sally. — É estranho como alguns homens que não fazem mais exercí-
cio do que levar um copo de bourbon aos lábios conseguem se manter
em boa forma, O ferimento a bala parece estar cicatrizando muito
bem.

— Estou vendo que isso a atrai.
— Não resta a menor dúvida de que existe algo de erótico nas

imperfeições de um homem. Poder-se-ia dizer que é uma distorção do
ideal, uma marca do seu passado ou futuro. Sempre fui uma admira-
dora da beleza masculina, mas jamais quis qualquer coisa com esses
homens impecáveis que estão sempre desfilando nos lugares mais
elegantes das nossas cidades. Tire a calça, J.R.

— Você é uma mulher de um só propósito, Sally.
- As coisas mais importantes vêm sempre em primeiro lugar.
— E o que tem a me dizer de Bobby?
— A calça, J.R.
Ele se moveu sem qualquer pressa, não por hesitação ou relu-

tância e sim por conhecimento das exigências de Sally. Dobrou a
calça impecavelmente, ajeitou-a na mesinha de café e virou-se para
encará-la, usando apenas a cueca anatômica de algodão.

Os olhos de Sally estavam semicerrados, os lábios polpudos se

mexiam sem fazer qualquer barulho. Ela fez um gesto. O sorriso de
J.R. era provocante.

— Está querendo alguma coisa, Sally?
Houve novamente um gesto rápido da mão, como se as palavras

faltassem a Sally naquele momento. J.R. foi postar-se diante dela,
o rosto de Sally afastado apenas alguns centímetros. O barulho da

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respiração dela, áspera e acelerada, ressoava pela sala.

— Há uma coisa que quero lhe dizer, Sally.
Ela umedeceu os lábios, a língua se deslocando lentamente.
— Você não é uma mulher das mais agradáveis, Sally. Nunca foi

e nunca será. Só que esse não é um requisito para o nosso relacio-
namento. Uma mão lava a outra, como costumam dizer. Lucro e prazer
são as coisas que proporcionamos um ao outro, de tempos a tempos,
enganando a seu marido e a minha mulher, fazendo negócios como os
flibusteiros morais que somos. É uma associação perfeita.

J.R. abaixou-se e tirou a cueca, observando o rosto dela se

contrair, os olhos se estreitando, até se transformarem em dois
pontos mínimos. Ele estava consciente de sua reação cada vez mais
forte, as ondas de sensação e calor que lhe percorriam o corpo. E
disse, a voz sibilante:

— Com todos os diabos, fale-me logo de Bobby!
As mãos de Sally tocaram em suas coxas musculosas, descendo

pelas pernas, tornando a subir, acariciando, arranhando, apertan-
do, como se quisessem determinar a força e a firmeza, da mesma
forma como se inspecionava gado num leilão, recordou J.R. Ele le-
vantou-a e os lábios se encontraram. Sally gemeu, encostou-se in-
teiramente nele, as unhas arranhando-lhe as costas. Acabou morden-
do o lábio inferior de J.R. Ele se desvencilhou bruscamente, domi-
nado pela dor súbita.

— Mas que diabo! Você quase me arrancou sangue!
— Não faz idéia de como me sinto — murmurou Sally, tornando a

se adiantar.

J.R. abriu-lhe a túnica e os seios, globos grandes e pálidos,

caíram em suas mãos. Ela recuou no mesmo instante, como se esti-
vesse queimando.

— Não! Não faça nada. Ainda não. Não até que eu não possa mais

agüentar, não até que eu lhe ordene. Deite-se no sofá.

J.R. obedeceu, mantendo-se imóvel sob a inspeção ardente dela.

As mãos de Sally afagaram os braços de J.R., comprimindo os bí-
ceps, os dedos se fechando em torno dos antebraços musculosos. Os
lábios pairavam sobre o peito dele, descendo em beijos delicados,
a língua tocando aqui e ali, contornando os mamilos, indo final-
mente pousar na cicatriz do ferimento, provocando-lhe calafrios de
prazer pelo torso. J.R. contorceu-se, levantando uma das mãos.

— Não me toque — ordenou Sally, calmamente. — Espere um pouco.

Veja agora o que vou fazer com você.

A língua e os lábios viajaram lentamente pelo flanco de J.R.,

atravessaram a barriga lisa, contornaram a virilha, alcançaram o
interior das coxas e desceram até os pés. Ela beijou cada dedo do
pé separadamente, fez amor com eles silenciosamente, começou a
voltar pela mesma trilha por que descera. E depois o rosto de
Sally estava entre as coxas de J.R., o cheiro de homem invadiu e
dominou inteiramente o seu cérebro, gritos ininteligíveis subiram
por sua garganta. Sally não pôde mais resistir e caiu sobre ele
com a boca escancarada, procurando desesperadamente engolir tudo,
devorá-lo inteiro... e quase conseguindo.

Mais tarde, muito mais tarde, conversaram sobre os negócios.

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Havia um bando de jovens dentro e em torno da piscina em

Southfork, uma festa na tarde de sábado, com a presença dos filhos
de outros rancheiros, outros homens do petróleo, outros milioná-
rios do Texas. Eram todos vigorosos e bonitos, as moças mais es-
guias e mais deslumbrantes, em biquínis que revelavam quase tudo,
seios e traseiros cheios e firmes, os rapazes musculosos e bronze-
ados, corpos ágeis, metidos em calções sumários.

Mitch não quisera comparecer. Alegara para Lucy que as multi-

dões não o agradavam. Ela dissera que não seria uma multidão, ape-
nas uma festinha. Só que a festinha consistia em mais de uma cen-
tena de pessoas. Criados serviam drinques e canapés. Música de
rock saía estrondosamente pelo sistema de alto-falantes. Uma mesa
de bufê proporcionava comida suficiente, variada e apetitosa ao
olho e ao paladar, para alimentar um exército. Ali, as pessoas se
encontravam, flertavam e estabeleciam relacionamentos que resulta-
riam em fusões sociais, sexuais e econômicas. Ali estavam os futu-
ros líderes do Estado e da nação, os melhores que o Texas tinha a
oferecer.

E Mitch queria ir embora.
Lucy segurava-se a ele como uma âncora humana, determinada a

fazê-lo se divertir, apesar dos amigos dela, apesar da aparente
propensão anti-social dele. Ela levou-o para a piscina, a fim de
participar de uma guerra na água. Vários casais lá estavam, as mo-
ças montadas nos ombros dos rapazes, puxando e empurrando, procu-
rando jogar oponentes na água. Havia muitos gritos, muitos risos,
uma crescente determinação por parte de alguns.

— Cinqüenta dólares como não podem derrubar a mim e a Linda! —

gritou um rapaz chamado Buck.

— Está apostado! — respondeu Lucy imediatamente, na maior fe-

licidade, montada nos ombros de Mitch.

O contato com o corpo forte de Mitch por baixo dela provocava

ondas de prazer por seu corpo. Ela apertava as coxas como se qui-
sesse se firmar em sua posição, comprimindo-se toda contra Mitch,
recordando o que acontecia quando ficavam a sós.

Ela ignorou a advertência suave de Mitch:
— Lucy...
— Podemos vencê-los, Mitch. Podemos ganhar.
— Não é disso que estou falando.
— Vamos logo! — berrou Buck. — Chega de conversa. Alguém quer

apostar 200 dólares?

— Lucy... — repetiu Mitch.
Buck exibiu um sorriso de desafio.
— Não confia o suficiente para apostar em você próprio, Mitch?

Ou em Lucy?

— Vamos logo, Mitch — gritou alguém, zombeteiramente. — Ponha

o dinheiro onde está sua boca!

Mitch estava embaraçado, fora do seu elemento. Não se sentia à

vontade entre os jovens ricos de Dallas, não estava acostumado aos
hábitos deles e também não queria se acostumar. Contudo, ali esta-
va, cheio de bons sentimentos em relação a Lucy, entusiasmado com
a crescente intimidade e afeição entre os dois, maravilhado com a
excelência do ato de amor em que se haviam empenhado até então. A
vinda à festa fora um erro, mas ele sentira que devia a Lucy pelo

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menos um esforço, a aparência de apreciar os amigos dela. Não que-
ria fazer ou dizer qualquer coisa que pudesse constrangê-la ou ma-
goá-la, que acarretasse o risco de perdê-la. No entanto, pensou
ele, cada homem tinha uma suprema obrigação consigo mesmo.

— Aceitamos o desafio! — ele ouviu Lucy gritar.
Com um simples movimento dos ombros, Mitch derrubou-a na água.

Quando Lucy voltou à superfície, ele já pegara as suas roupas e se
encaminhava em passos firmes para a área de estacionamento. Lucy
correu atrás dele.

— Mitch! O que está fazendo?
— Indo embora.
Ela alcançou-o, segurou-o pelo braço.
— É uma festa, Mitch. Deve ser divertida. Qual é o problema?
— A menos que eu possa apostar com meu próprio dinheiro, não

faço qualquer aposta. E não tenho dinheiro de sobra para apostar.
Tudo isso... todas essas pessoas... tudo é rico demais para mim.

Ele virou-se para fitá-la e afrouxou-lhe o aperto. — Eu sabia

que vir aqui era um erro.

Mitch seguiu rapidamente para o lugar em que estacionara seu

jipe e foi embora, deixando para trás uma Lucy completamente ator-
doada e abalada.



6




Um leilão de gado significa ação. Há som e fúria por toda par-

te: o mugido do gado, movimentos rápidos e impetuosos quando os
animais correm de caminhões para currais, daí para outros currais,
sendo separados, isolados, etiquetados para a venda; e os homens,
antigos companheiros, se cumprimentam efusivamente, fecham negó-
cios, partilham reminiscências de momentos passados de glória ou
derrota. E sempre, ao fundo, está o som do leilão propriamente di-
to: a toada do leiloeiro, os gritos dos disputantes, o bater do
martelo fechando uma transação. As vistas, os sons, os cheiros,
tudo era familiar e gratificante para Jock Ewing, sentado confor-
tavelmente na arquibancada, observando o que acontecia, o chapéu
inclinado para trás, as botas repousando no assento da frente, um
brilho nostálgico de aprovação nos olhos que não perdiam coisa al-
guma. Ele tomou um gole de uma garrafa de cerveja gelada e enxugou
a boca com as costas da mão calejada.

— Já fazia muito tempo que eu não vinha a um leilão, Ray — co-

mentou ele, jovialmente. — Um homem tende a se esquecer como são
as coisas que contam neste mundo. Por Deus, não há nada tão bom
para as narinas de um homem como o fedor do gado!

Ray Krebbs soltou uma risada. Sentia-se à vontade com Jock,

uma intimidade que ia além do respeito e admiração que tinha pelo
patrão. Jock Ewing era o tipo de homem que Ray aspirava ser: for-
te, inteligente, digno de confiança, curtido pelos velhos costu-
mes, o tipo de homem que conquistara o Velho Oeste e criara o Te-

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xas. Um modelo à altura, pensou Ray.

— É o meu rabo que está poupando, Jock. Aquele nosso rebanho

precisa de sangue novo. E com Bobby completamente absorvido na di-
reção do negócio de petróleo...

Jock olhou para o jovem e apertou-lhe o ombro, afetuosamente.
— Pois parece que estamos ambos prestando um serviço ao outro,

rapaz. Estou me divertindo tanto quanto um porco chafurdando na
lama. É um alívio estar com você e conversar sobre vacas, ao invés
de ficar observando aqueles meus dois demônios se retalharem mutu-
amente.

Comovido e vagamente embaraçado, Ray estendeu a mão na direção

do local em que se realizava o leilão.

— Pois vamos comprar algum gado.
Lá embaixo, dois homens esquadrinhando a arquibancada, à pro-

cura de algum lugar para sentarem, avistaram-nos e começaram a
acenar e gritar.

— Ei, mas é Jock Ewing! Sou eu, Punk Anderson!
— Punk Anderson... — murmurou Jock. — Olhe só para o velho sa-

bujo! E Pat Powers também. Não dá nem para calcular há quanto tem-
po conheço esses dois.

Os dois homens subiram pela arquibancada até o lugar em que

Jock e Ray esperavam. Houve apertos de mãos vigorosos, troca de
cumprimentos, apresentações.

— Já perdi a conta do tempo em que não o vejo, Jock — comen-

tou Punk.

— O mesmo posso dizer, Punk. Como vocês estão?
— Tudo bem conosco — respondeu Powers. — Estou com a impressão

de que há um pouco mais de prata nessa sua cabeça, Jock.

— O tempo não fica parado para nenhum de nós. Mesmo assim, de-

vo estar grato por me restar ainda algum cabelo.

Os três desataram a rir e se bateram nas costas com tanto vi-

gor que Ray ficou receando que algum deles pudesse perder o equi-
líbrio e rolar pelos degraus da arquibancada. Eram todos granda-
lhões e exuberantes, ainda fortes e vigorosos, apesar dos anos que
carregavam, apesar das cinturas alargadas, da ausência de cabelos
abundantes.

— Não saiba que vocês dois ainda estavam comprando gado — co-

mentou Jock.

— Você nos conhece, Jock — disse Punk. — A gente acaba cansan-

do de só pensar em gás e petróleo.

Houve mais risadas e depois Punk acrescentou:
— Depois que a gente começa, um poço é igual ao outro. Não há

muito para um homem se envolver. — Ele apontou para Ray Krebbs. —
Esse não é um dos seus rapazes, não é mesmo, Jock? Não parece com
o que me lembro deles, embora haja alguma coisa nos olhos.

Jock sorriu.
— Esse é Ray Krebbs, meu capataz. O melhor vaqueiro a leste de

El Paso.

— E como vão os seus rapazes, Jock? — perguntou Powers. — Eu

me lembro muito bem deles... diferentes como a noite do dia. Estão
todos trabalhando no rancho?

— Um deles foi para a Califórnia — respondeu Jock, lentamente,

incapaz de dissimular. — Os outros dois... eles estão sempre ocu-

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pados lá em Dallas, entre o rancho e a Ewing Oil.

— Continua batalhando como sempre, Jock? — perguntou Punk.
Jock tomou a cerveja até esvaziar a garrafa, evitando assim

uma resposta.

— Ei, rapazes, esta coisa aqui ficou seca de repente! Vamos

descer e providenciar mais algum refresco? E voltamos mais tarde
para perto dessas vacas tão cheirosas?

— Parece uma boa idéia! — gritou Punk, rindo deliciado.
— Lá vamos nós! — berrou Powers.
Ray ficou para trás, enquanto os homens mais velhos começavam

a descer a arquibancada. Jock parou e virou-se para fitá-lo.

— Vem com a gente, Ray?
— Se você quiser, Jock...
— Quero, sim.


Nessa mesma ocasião, um carro parava diante do Ewing Building,

no centro de Dallas. J.R. desembarcou. Ele parou por um instante,
apoiado na bengala, contemplando a torre de vidro e aço. Depois,
com determinação e autoridade, subiu os degraus baixos para o sa-
guão amplo, atravessou-o e entrou no elevador de alta velocidade,
que o conduziu ao andar executivo da Ewing Enterprises.

As secretárias, Connie e Louella, estavam absorvidas no tra-

balho quando ele entrou, sorrindo efusivamente.

— E então, meninas, será que não mereço nem mesmo um alô de-

pois de tanto tempo?

— J.R.? — disse Louella, um tanto aturdida, levantando-se, sem

saber como reagir. — Você está de volta... está realmente de vol-
ta?

— Em carne e osso, Louella. Sentiu saudades minhas, querida?
Ele riu, enquanto Connie dizia, levantando-se também:
— É maravilhoso tornar a vê-lo, J.R.
— Deixe-me dizer-lhes uma coisa, meninas: não podem imaginar

como é bom estar vivo. E como é um prazer imenso ver de novo essas
duas carinhas bonitas.

As secretárias se aproximaram para cumprimentá-lo, apertando-

lhe a mão, dando beijos em seu rosto. J.R. passou o braço pela
cintura de Louella e puxou-a para junto de si, consciente dos
seios jovens se achatando contra ele.

— Se vocês me garantirem esse tipo de recepção todas as vezes,

posso até dar um jeito de levar mais alguns tiros.

Todos riram, mas Louella ficou séria rapidamente.
— Dá azar falar desse jeito.
Enquanto as duas mulheres cercavam J.R., a porta da sala de

Bobby se abriu e ele saiu. Não fez qualquer tentativa de esconder
o seu espanto ao deparar com o irmão.

— Eu não o estava esperando aqui hoje, J.R.
— Não estava mesmo, hem, irmãozinho? Mas você me conhece. Não

posso ficar longe para sempre. E não posso resistir a fazer uma
pequena surpresa a todo mundo. Calculei que nós dois poderíamos
ter uma conversinha particular, se as meninas nos derem licença...

Bobby voltou para a sua sala e fechou a porta depois que J.R.

entrou. Indicou onde o irmão deveria sentar e depois foi se acomo-

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dar atrás da mesa.

— Muito bem, J.R., o que está querendo?
— Só queria saber uma coisa: que diabo você pensa que está fa-

zendo por aqui?

O rosto de Bobby ficou sombrio.
— Estou simplesmente dirigindo uma companhia petrolífera. E

não tenho tempo para ficar ouvindo a sua conversa hoje. É algo que
não agüento.

— Pois vai ter de aturar, irmãozinho. Compra refinarias, vende

propriedades Ewings e faz empréstimos de muitos milhões de dóla-
res, sem dizer nada a ninguém. E agora...

— E agora o quê?
— Está comprando 600 mil barris de petróleo da Venezuela. De

onde foi que tirou essa idéia?

— Quer dizer que descobriu isso também, hem?
— Como sempre descubro tudo.
— Quem lhe contou?
— Isso não importa. Que diabo tenciona fazer com tanto petró-

leo estrangeiro?

— Tenho uma refinaria para operar. Pretendo processar o petró-

leo, vendê-lo, despachá-lo... mantendo a refinaria funcionando em
plena capacidade, até que nos proporcione um lucro substancial.

— Tudo isso é ótimo... mas como vai pagar? Esgotou todas as

nossas reservas com aquele negócio da refinaria.

Bobby teve de fazer um tremendo esforço para reprimir seu res-

sentimento. Quando falou, foi em voz controlada e objetiva:

— Não há qualquer problema, J.R. Obtive um empréstimo a curto

prazo para cobrir a compra. Poderei pagá-lo num instante.

— Está se saindo muito melhor do que eu esperava.
Era um comentário desconcertante, feito sem qualquer rancor ou

sarcasmo. Bobby decidiu encará-lo como um gesto de conciliação e
respondeu de acordo:

— Obrigado, J.R. Estou me esforçando ao máximo.
J.R. contemplou as unhas das mãos, impecavelmente tratadas.
— Está mesmo, o que também me surpreende. Francamente, irmão-

zinho, eu não imaginava que tivesse tanto gosto pelo mundo dos ne-
gócios.

— Deve ser uma característica da família.
— Jamais acreditei nos fatores hereditários do bom senso nos

negócios.

— Neste caso, digamos que estou aprendendo.
— E depressa.
— É necessário.
— E é mesmo... até agora.
— Como assim?
— Sua atuação é apenas temporária.
Bobby sentiu que a tensão o dominava. Os joelhos ficaram rígi-

dos, os dedos se contraíram.

— Temporária?
— Até eu retornar às atividades. — J.R. falou calmamente,, es-

paçando as palavras para aumentar a ênfase. — E, como pode ver
pessoalmente, já estou de pé outra vez, pronto para reassumir o
comando.

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Bobby levantou-se.
— Está me pedindo para largar o cargo de presidente da Ewing

Oil?

— Estou exigindo que faça isso.
— Exigindo?
— Estou lhe dizendo para sair, Bobby. Esta companhia pertence

ao meu comando e tenciono voltar a exercê-lo, a partir deste mo-
mento.

— Foi papai quem me colocou no cargo e continuarei até que ele

me tire.

— Lamento que pense assim.
— Posso dirigir a Ewing Oil tão bem quanto você, J.R. Ou como

qualquer outra pessoa. E comigo no comando, não haverá mais negó-
cios escusos como os que você fazia. A Ewing Oil fará amigos e não
inimigos, vai projetar carreiras e fortunas, não arruiná-las.

— São noções extremamente tolas que meteu em sua cabeça, ir-

mãozinho. E me sinto profundamente ofendido ao ouvi-lo falar-me
desse jeito. Mas muito ofendido mesmo. Neste momento, parece... e
repito parece... que você está se saindo bem. Mas não possui o ta-
lento para esse tipo de malabarismo, Bobby. E jamais terá. Não tem
o estofo necessário.

— É o que veremos.
— Está se encaminhando para o desastre.
— Neste caso, a queda será minha.
— Talvez eu provoque essa queda.
— Tente e lutarei com você, a cada palmo do caminho, J.R. Sem-

pre tentou me oprimir, J.R. A mim e a Gary. Mas eu não sou Gary.
Aqui estou e aqui vou continuar. Pressione com muita força e lhe
tirarei o sangue, J.R. Exatamente como já fiz antes.

A expressão de J.R. tornou-se sombria. A boca se contraiu, vi-

rando uma linha fina.

— A brincadeira acabou, Bobby. Volte aos jogos que conhece,

com suas vacas e cavalos. Deixe este jogo para os homens que sabem
como praticá-lo.

— Está desperdiçando meu tempo.
— Você está envolvido em coisas que desconhece, arriscando

apostas que nem pode imaginar.

Bobby baixou a voz, que se tornou fria e metálica, a boca mal

se mexendo:

— Pois preste atenção ao que tenho a dizer, J.R. Vou continuar

como presidente da companhia e farei as coisas ao meu modo.

— Papai não vai apoiá-lo para sempre. Cuidarei disso.
Bobby foi até a porta e abriu-a.
— Sempre haverá uma vaga para você na Ewing Oil, J.R. Mas sua

sala é no final do corredor. É o lugar a que pertence. Fique por
lá.

J.R. passou claudicando pelo irmão e depois virou-se por um

instante.

— A cadeira de presidente não se ajusta a você, Bobby. É gran-

de demais para alguém tão insignificante como você. Vai descobrir
isso pelo caminho mais difícil e serei eu quem vai lhe ensinar a
lição.

Bobby ficou observando-o se afastar com uma sensação de temor

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que o deixava gelado e fraco. Voltou para sua mesa, recordando-se
de uma manhã há muitos anos. Ele e J.R. faziam um curso especial
juntos, a única ocasião em que isso acontecera. Era um curso extra
de história do Texas. Ao final do curso, cada aluno devia preparar
um trabalho sobre as causas imediatas e as indiretas do movimento
pela independência do Texas, que resultara na transformação do Te-
xas numa república soberana, livre de quaisquer vínculos com o Mé-
xico, mas ainda não uma parte dos Estados Unidos.

Bobby se empenhara a fundo em seu trabalho, desde o primeiro

dia que lhe fora encomendado. Lia muito, em casa e em bibliotecas.
Foi uma dúzia de vezes visitar o Álamo, em San Antonio. Chegou
mesmo a consultar fontes mexicanas, em busca de informações. O
trabalho que fez era meticuloso, profundo, bem argumentado. Exi-
giu-lhe quase um mês para escrever e reescrever, antes de achar
que estava em condições de ser apresentado.

Ficou esperando na maior ansiedade por quase duas semanas,

querendo saber a nota que merecera e quais os comentários do pro-
fessor. O dia finalmente chegou e os trabalhos foram devolvidos.
Ele descobriu horrorizado que seu trabalho vinha com a indicação
de "Insatisfatório", sem qualquer outro comentário. Ele ficou sen-
tado em sua cadeira na sala vazia por quase uma hora, incapaz de
assimilar o que acontecera, incapaz de acreditar que todo o seu
esforço resultara naquilo. Finalmente, as lágrimas já secas em su-
as faces, ele pegou o trabalho. E numa fração de segundo compreen-
deu que alguma coisa estava terrivelmente errada. Tinha a certeza
de que o trabalho em sua mão estava errado, era insubstancial de-
mais. Examinou-o, leu as primeiras frases. Não era o que ele es-
crevera. Contudo, no alto da página, estava o seu nome, impecavel-
mente datilografado. Por um intervalo longo e vazio, Bobby sentiu-
se fora de contato com a realidade, sozinho num mundo hostil. Mas
tudo lhe voltou de repente e compreendeu o que acontecera, quem
fizera aquilo com ele.

Voltando ao rancho, foi encontrar J.R. no quarto dele. Bobby

entrou e jogou o trabalho classificado como "Insatisfatório" na
cama de J.R., dizendo:

— Isto é seu.
J.R. nem mesmo olhou para o trabalho.
— Não sei do que está falando, irmãozinho.
— Você roubou o meu trabalho, J.R.
— Isso é mentira!
J.R. levantou-se, maior e mais forte que Bobby, assomando aci-

ma dele agressivamente.

— Você roubou meu trabalho e substituiu-o pela porcaria que

tinha feito!

— Diga isso mais uma vez e vai levar uma surra, irmãozinho!
Bobby aproximou-se da mesa de J.R. Lá estava o seu trabalho,

palavra por palavra, com o nome de J.R. no alto da primeira pági-
na. O professor dera a nota máxima e escrevera alguns comentários
elogiosos na margem.

— Este é o meu trabalho, J.R. Você roubou-o e ficou com todo o

crédito pelo que eu fiz. Será que não tem nem um pingo de honra?
Será que não tem o menor orgulho?

J.R. não teve a menor hesitação. Pegou um bastão de beisebol

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no canto do quarto e arremessou-o contra o irmão. Bobby desviou-se
e atacou, sendo recebido por uma violenta joelhada, que lhe acer-
tou a testa, jogando-o para trás, completamente tonto. No instante
seguinte, J.R. estava em cima dele, chutando-o violentamente.
Bobby sentia os golpes intensamente, ficando sem ar, pontadas de
dor lhe percorrendo o corpo. Rolou para o lado e conseguiu se le-
vantar. J.R. atacou-o novamente, golpeando com os punhos.

Instintivamente, Bobby conseguiu se esquivar, desferindo um

soco com a direita. Acertou no nariz de J.R., que caiu para trás,
o sangue já começando a escorrer. J.R. comprimiu a mão contra o
nariz.

— Olhe só o que você fez comigo! Estou sangrando! Olhe só o

que fez comigo!

J.R. caiu de joelhos, chorando incontrolavelmente. Bobby fi-

tou-o em silêncio por um momento, antes de dizer:

— Você roubou meu trabalho, J.R., aproveitou-se do meu esfor-

ço. É um ladrão e mentiroso.

J.R. balançou a cabeça de um lado para outro, ainda chorando.
— Vai me denunciar?
Bobby sentiu uma profunda aversão por seu irmão, até que uma

onda de compaixão invadiu-o.

— Conseguiu o que queria, J.R. Teve a nota mais alta, mas o

trabalho é meu e sempre será. Você nada ganhou, mas jamais será
capaz de entender isso. E agora vá para o banheiro e trate de se
lavar. Está com uma cara horrível, fungando e chorando desse jei-
to.

J.R. levantou-se a cambalear, obedientemente, encaminhou-se

para o banheiro. Virou-se abruptamente, o ódio gravado em todas as
linhas do rosto angustiado.

— Tenho de contar a papai que você me bateu, arrancou sangue

do meu nariz.

— Faça como quiser, J.R. Mas lembre-se de uma coisa: nunca

mais faça uma coisa dessas comigo novamente ou voltarei a lhe ar-
rancar sangue do nariz. Pode ser maior do que eu, J.R., mas não é
nem a metade do homem que eu vou ser.

Agora, em sua sala, recordando esse dia distante, Bobby lem-

brou-se de como praticamente não houvera satisfação pela violenta
vitória sobre o irmão. Lembrou-se também de outras ocasiões em que
J.R. se comportara da mesma forma repulsiva, conquistando o que
queria, fazendo o que queria, não importando quanto sofrimento
causasse ou a quem trapaceava. Bobby ganhara a luta, J.R. ganhara
tudo o mais e aprendera direito a lição. Raramente se permitira
ser novamente apanhado em flagrante. Era esperto demais para come-
ter o mesmo erro duas vezes.



Mitch voltou ao seu apartamento para encontrar Lucy diante do

pequeno fogão, usando um avental, cuidando de diversas panelas,
fervendo ou queimando, talvez as duas coisas. Ela ficou ainda mais
nervosa quando Mitch entrou.

— Oh, eu não esperava que você chegasse tão cedo! Devia ser

uma surpresa!

Sem falar, Mitch desligou os bicos de gás.

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— E é de fato uma surpresa, Lucy. Como conseguiu entrar aqui?
— Há sempre meios.
— Subornou o zelador?
— Não chegou a ser um suborno.
— O dinheiro não pode comprar tudo, Lucy. Nem todos.
— Não estou tentando comprá-lo.
— E como chama tudo isso... os presentes, os convites para

restaurantes de luxo, o suborno para entrar aqui?

Ela falou em voz baixa, incapaz de enfrentar os olhos dele:
— Gosto de você, Mitch. Gosto de verdade.
A atitude dele suavizou-se imediatamente.
— E eu gosto de você, Lucy. Mas deve respeitar os meus dese-

jos, o meu modo de viver.

— E eu respeito. Queria que fosse um jantar romântico, uma

noite romântica. Acho que estraguei tudo.

Mitch olhou para as panelas no fogão.
— Infelizmente, não se saiu muito bem. — Ele olhou para o re-

lógio. — Tenho 30 minutos antes de começar o meu trabalho como ma-
nobreiro de carros. Vamos embora. Eu lhe pagarei um cheeseburger e
batatas fritas.

— Deixe-me limpar essa sujeira antes.
— Não se preocupe.
Impulsivamente, Lucy abraçou-o.
— Oh, Mitch, eu queria que tudo saísse certo, que fosse uma

surpresa romântica!

Ele beijou-a ardentemente.
— Pois eu fiquei surpreso, Lucy. E foi maravilhoso, será nova-

mente.



7




— Não confio em Bobby Ewing!
As palavras foram ditas tensamente, impregnadas de desespero e

raiva mal contida, pronunciadas por Sue Ellen. Ela estava a pouco
mais de um quilômetro do foco do poder e riqueza dos Ewings... o
Ewing Building... no consultório do seu psiquiatra, Dr. Ellby, pa-
recendo tão impecável e arrumado quanto a própria sala. Mesmo sob
tensão, Sue Ellen era uma mulher bonita: o rosto perfeito era uma
sucessão de planos que se combinavam, os cabelos arrumados com
precisão, na última moda, a pele brilhando com uma saúde evidente,
os olhos azuis grandes e reluzentes, embora ligeiramente desfoca-
dos. Em seu colo, os dedos se puxavam num reflexo.

— Jamais confiei nele.
Ellby falou em voz comedida, como se partisse de muito lon-

ge... um estilo adquirido, uma técnica derivada da experiência,
tudo visando a extrair informações adicionais, a estimular e tran-
qüilizar, a proporcionar-lhe tempo para analisar e se ajustar. Ele
era um bom psiquiatra, dedicado ao bem-estar de seus pacientes,

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quase todos ricos e socialmente preeminentes, incapazes de encon-
trarem muito prazer ou paz em suas vidas afluentes.

— Costumava me dizer que Bobby Ewing era seu amigo, seu único

amigo de verdade.

— Eu estava enganada. — A voz dela era fria, uma reação pelo

que considerava uma censura. — Todos cometemos erros.

O Dr. Ellby permitiu-se um sorriso indulgente.
— Quando você foi presa, falsamente acusada de atirar em seu

marido, tem certeza de que não foi Bobby quem pagou sua fiança,
quando ninguém mais queria fazê-lo?

— Bobby... — Sue Ellen balançou a cabeça de um lado para ou-

tro, vigorosamente, numa discórdia exagerada. — Não há a menor
possibilidade. Não pode ter sido ele.

— Mas é possível.
— Não é, não.
— Certamente nenhum outro Ewing sairia em sua defesa naquela

ocasião. Todos acreditavam que você havia atirado em J.R. À exce-
ção de Bobby. Devo insistir em lembrá-la. Sempre considerou Bobby
como seu amigo.

— Sei melhor agora.
— Por que passou a pensar assim?
— Os acontecimentos provaram quem ele é realmente. Ele prome-

teu ficar do meu lado quando eu estava em dificuldades, quando
mais precisava de um amigo. E o que ele fez? Deixou Southfork,
deixou-me enfrentar tudo sozinha.

— Acha que ele a abandonou?
— Fatos, Doutor, fatos. Ele realmente me abandonou.
— Que outros fatos existem para apoiar essa alegação?
Sue Ellen lançou-lhe um olhar furioso.
— Se quer mais provas, eu posso dar. Olhe para a maneira como

ele está se comportando agora, tentando destruir o próprio irmão.
Não está preocupado com qualquer outra coisa que não seja ele pró-
prio. Ficou sequioso de poder e não se importa com quem possa ma-
goar em seu caminho para dominar a todos nós.

— Ou seja, dominar J.R.?
— A todos nós. Bobby está pisoteando a família Ewing inteira.
— Insiste agora em só falar sobre Bobby, Sue Ellen. Mas até

poucas sessões atrás J.R. era o ponto crucial de suas dificulda-
des.

Ela descartou as palavras dele com um aceno da mão.
— Está sempre dizendo que devo falar sobre o que me incomoda.

Pois é Bobby Ewing quem está me incomodando. E me incomodando mui-
to. Se não fosse por Bobby, tudo estaria muito bem.

— Estaria mesmo?
— Claro que estaria — respondeu Sue Ellen, visivelmente irri-

tada.

— Quer dizer que a situação entre você e J.R. está melhor?
— Já lhe disse isso e vou repetir. J.R. e eu estamos nos dando

muito bem.

— Em sua opinião, o que acarretou essa transformação milagro-

sa?

— J.R. me ama. Sempre me amou e foi sincero comigo.
— Está esquecendo de sua irmã Kristin.

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Sue Ellen falou rapidamente:
— As pessoas esquecem às vezes quem são e o que querem. E po-

dem cometer erros. Perdem-se no caminho. Mais cedo ou mais tarde,
no entanto, seus verdadeiros egos emergem e voltam a ser o que são
basicamente. J.R. e eu casamos para sempre, até que a morte nos
separe. Ele me ama e respeita, precisa de mim.

— E você precisa dele?
— Mas claro que preciso! E ele é muito bom para mim. Tudo está

diferente agora. Não é mais como antes de Kristin tentar matar meu
marido. Ele é maravilhoso para mim, por todos os meios possí-
veis... meios que somente eu posso conhecer e compreender.

— Se quisesse me falar...
— Parece até que ele não é mais a mesma pessoa.
— Acontece que ele é.
— J.R. mudou muito mais do que qualquer pessoa poderia ter

imaginado. Uma inversão total.

— Acredita nisso?
— Claro que acredito. E acredito plenamente. — Sue Ellen dava

a impressão de estar querendo convencer alguém. — Haveria de com-
preender se pudesse vê-lo. J.R. tornou-se atencioso comigo, terno
até, amoroso... isso mesmo, muito amoroso, noite e dia. Um marido
ardente, pensando apenas nas minhas necessidades. É a verdade,
Doutor. Ele mudou. Não é mais a mesma pessoa.

Ellby observava e escutava pacientemente, enquanto Sue Ellen

continuava a falar, empenhando-se em acreditar na ficção que es-
tava criando tão ativamente.



Num bar pequeno e mal iluminado, bem fora de mão, J.R. Ewing

estava empenhado também em provar um argumento. Ao contrário de
Sue Ellen, no entanto, ele não louvava as virtudes de sua mulher.
Levantou seu copo num brinde silencioso e a mulher no outro lado
da mesa imitou-o. Os copos retiniram suavemente e eles beberam.

— Está tudo muito agradável, J.R.
— Concordo plenamente, querida.
— Querida? — repetiu ela, com insinuação de recato. — Ainda

bem que nenhum daqueles milionários seus amigos pode ouvir. É me-
lhor não dizer isso no escritório.

— Ora, Louella, sou a própria alma da discrição em tudo o que

diz respeito aos negócios. Mas sabe que tenho os mais afetuosos
sentimentos por você.

A secretária permitiu-se um sorriso.
— Nunca me engano, J.R., em relação a você e seus sentimentos.

Sou a melhor secretária de Dallas e é isso o que você aprecia em
mim.

— E lhe pago muito bem por seus serviços.
Ela inclinou a cabeça em concordância.
— E eu sou uma companheira relativamente boa para um homem co-

mo você.

J.R. sorriu, o seu sorriso egocêntrico e malicioso, pegando a

mão da secretária.

— Subestima os seus talentos no escuro, Louella. Eu diria que

pode ser classificada entre as melhores.

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— Diz isso porque já teve as melhores, não é mesmo?
— Gosto de pensar que já lidei com verdadeiras campeãs. Mas

agora você não vai bancar a mal-humorada e ranzinza para cima de
mim, não é mesmo, Louella? O nosso relacionamento tem sido mutua-
mente lucrativo, sob muitos aspectos.

— Não estou me queixando, mas já fazia muito tempo que não to-

mávamos um drinque a sós.

— Levar um tiro provoca uma crise nas atividades sociais de um

homem. Mas agora estou de volta.

— De volta ao trabalho para ficar?
— Esse é um dos problemas sobre os quais eu queria lhe falar,

Louella — disse ele, pensativo, soltando a mão dela. — Pode não
ser taticamente conveniente para mim voltar ao palco durante o
tempo todo, pelo menos por enquanto. Mas eu gostaria de me manter
a par de tudo o que está acontecendo.

— Tudo?
— Meu irmãozinho pegou o freio entre os dentes e saiu em dis-

parada, a caminho da própria queda, pelo que espero.

— Está procurando por um meio de derrubá-lo?
— O que você acha?
— Está querendo a minha ajuda?
— Uma mão lava a outra.
Louella sorriu.
— Creio que entendi o que você tem em mente. Quer saber de tu-

do, mas tudo mesmo.

— O irmãozinho não pode ser tão certinho e puro como gostaria

que as pessoas acreditassem. Vai acabar caindo do seu estado de
graça. E quando isso acontecer, eu gostaria de saber.

Ela franziu o rosto.
— Está sugerindo que eu lhe dê um pequeno empurrão?
As sobrancelhas de J.R. se altearam.
— Ora, Louella, tenho a impressão de que você gostaria muito

disso.

— Bobby é um homem muito atraente.
— Não — disse J.R., pensando por um momento na sugestão. — É

muito perigoso, para nós dois. Trate de se controlar com Bobby,
mas fique bem perto dele. Descubra tudo o que puder e...

— E informe a você.
— Para nossa mútua vantagem.
— J.R. falando em vantagem... Bem que estou precisando de um

aumento de salário.

— E acha que este é o momento apropriado para discutir o as-

sunto?

J.R. falou com algum ressentimento. Louella sorriu insinuante-

mente.

— Pode pensar numa ocasião melhor? Afinal, foi você quem falou

em mútua vantagem.

A atitude de J.R. suavizou-se e ele soltou uma risada.
— Creio que se pode dar um jeito. — Ele levantou o copo. — À

vantagem mútua e à compreensão mútua... entre amigos. Devemos nos
encontrar assim com mais freqüência, Louella.

— E espero que seja num lugar mais íntimo.
— Por falar nisso, você ainda é casada?

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— Claro que sou, J.R. Não sou uma mulher de tomar levianamente

os votos de casamento.

— E como está o seu atraente marido?
— Acho que muito bem. Quase não o tenho visto ultimamente,

pois ele passa a maior parte do tempo viajando... às vezes por se-
manas a fio.

— Ora, não é certo uma coisinha tão bonita como você ficar in-

teiramente sozinha. Deve ser terrivelmente solitário para você.

— E é mesmo, J.R.
— Talvez, se você não tiver qualquer objeção, eu possa apare-

cer para uma visita de vez em quando.

Ela fitou-o por cima da borda do copo.
— Seria muito atencioso da sua parte, J.R. Você é de fato um

homem maravilhoso.

Naquela noite, enquanto Sue Ellen aprontava-se para deitar,

J.R. andava impacientemente pelo quarto, como um animal enjaulado,
irritado, ansioso em se libertar. Sue Ellen comentou:

— Estou convencida de que Bobby tenciona assumir todos os bens

dos Ewings, J.R. E quando todo o poder estiver firmemente em suas
mãos, ele vai dispensá-lo... dispensar a todos nós.

J.R. lançou um olhar de desespero para a mulher. A visão dela

do que estava acontecendo era, como sempre, falha, prejudicada pe-
lo foco estreito de suas próprias percepções. Mas ele precisava do
apoio de Sue Ellen e não via motivo para pô-la a par de sua pró-
pria interpretação dos acontecimentos.

— Talvez você tenha razão.
— Claro que tenho. Vamos, querido, conte-me tudo. O que mais

você disse a Bobby?

— Eu lhe disse que o seu tempo de brincar de presidente estava

acabado, mas ele se recusou a aceitar.

— A Ewing Oil é sua, J.R. Você é a Ewing Oil.
— Bobby parece ter esquecido isso.
Sue Ellen aproximou-se dele e afrouxou-lhe a gravata.
— Bobby devia se limitar a dirigir o rancho. Ele se dá muito

bem com as vacas, mas não tão bem com o petróleo. — Ela riu, aca-
riciou o peito do marido. — Quem pode saber os prejuízos que ele é
capaz de causar?

— Não são com os prejuízos que estou preocupado, querida, mas

sim com as boas coisas.

— Acho que não estou entendendo.
— Se ele conseguir acertar algumas das coisas que está fazen-

do, pode agradar muito a papai, o que seria terrível.

— Você precisa detê-lo, J.R.
— É o que estou tentando, meu bem. — Ele endireitou a gravata

e contemplou-se no espelho, passando os dedos pelos cabelos. — É
por isso que tenho de sair agora.

Sue Ellen ficou aturdida.
— Tão tarde?
— Uma pequena reunião secreta para acertar uma manobra contra

o irmão Bobby.

— Eu preferia que você não saísse. Esperava que pudéssemos

passar a noite inteira juntos.

— É vital para nós dois, Sue Ellen.

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— Sei disso. Devo ficar esperando por você?
— Durma um pouco. Talvez eu a acorde quando voltar.
— Eu bem que gostaria disso, J.R. ... gostaria muito.
Ele beijou-a no rosto antes de sair. Menos de uma hora depois,

estava beijando Sally Bullock na boca, um beijo ardente, prolon-
gado, no momento em que entrou no apartamento dela.

— Por que demorou tanto? — indagou ela, levando-o para o sofá

branco.

— Ora, sou um homem com uma família e tenho as minhas obriga-

ções.

— Espero que as suas obrigações não o tenham deixado indife-

rente aos meus atrativos, J.R.

— Ninguém pode ficar indiferente a você, Sally. Mas, primeiro,

quero falar de uma coisa. Aqueles 600 mil barris de petróleo que
Bobby está importando da Venezuela...

— Podemos falar de negócios depois.
— Imaginei um pequeno esquema que vai beneficiar a nós dois e

tenho certeza de que você vai adorar executá-lo.

— Primeiro o prazer, depois os negócios. — Sally levantou a

mão dele para os seus seios. — Puxa, como isso é gostoso...

— Tem toda razão — murmurou J.R., com autêntica satisfação. —

Talvez os negócios possam mesmo esperar, no final das contas.



Ao chegar ao apartamento de Mitch, Lucy encontrou-o inteira-

mente absorvido nos estudos. Ele mal lhe deu atenção, limitando a
acenar para que ela sentasse.

— Pensei que tivéssemos marcado um encontro — queixou-se ela.
— Tenho um exame amanhã.
— Está querendo dizer que espera que eu fique sentada aqui,

olhando para as paredes, enquanto você estuda?

— Procure compreender.
— É o que estou fazendo. Eu tinha um encontro marcado com vo-

cê... e você tinha um encontro marcado com os seus livros.

— Preciso do tempo.
— E eu preciso de você.
— Por favor, Lucy — disse ele, sem levantar os olhos.
O impulso mais forte de Lucy era partir, sair dali e encontrar

alguém que apreciasse a sua companhia, sua beleza, seu corpo jovem
e forte. Mas não era alguém mais que ela queria e sim a Mitch. Ela
disse o nome dele, Mitch grunhiu e continuou a estudar.

— Não há nada que eu possa fazer que o leve a mudar de idéia?
Ele respondeu que não havia e Lucy acrescentou:
— Tem certeza?
Ele tinha certeza e foi o que disse. Uma expressão de sombria

determinação estampou-se nas feições de Lucy. Com um movimento rá-
pido, ela tirou a suéter que usava.

— Mitch...
— O que é?
— Olhe para mim.
— Agora não, Lucy. Tenho de estudar.
Ela tirou o sutiã e depois soltou a fita que prendia os cabe-

los dourados.

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— Olhe para mim agora, Mitch.
Sem levantar a cabeça, ele falou, desesperado em fazê-la com-

preender:

— Estou estudando.
Lucy tirou a calça branca justa e depois a calcinha rosa mí-

nima. O ar noturno estava frio em contato com a sua pele, mas não
conseguiu extinguir o fogo interior que a dominava. Ela passou as
mãos pelos quadris, subiu para os seios, muito pálidos em con-
traste com o bronzeado do resto do corpo.

— Mitch...
A voz era rouca, ansiosa, urgente.
— É melhor você ir agora, Lucy.
Três passadas lânguidas levaram-na para junto dele.
— Mitch...
Ele virou-se, relutantemente. Por um momento, não disse nada.

E, depois, murmurou:

— Oh, Deus...
— Tudo o que está vendo é o que vai ter, Mitch.
— Oh, Deus...
— Estou vendo que aprova.
— Lucy...
O rosto de Mitch se adiantou, a boca devorando primeiro um

seio, procurando o mamilo, as mãos acariciando as coxas dela, pro-
curando o ponto quente em que se encontravam.

— Isso não é gostoso, querido?
— Continue assim e jamais conseguirei me tornar um médico.
— Continue assim, amor, e cuidarei para que tenha tudo o que

sempre desejou... mas tudo mesmo.

No instante seguinte, Mitch estava de joelhos diante dela,

Lucy lhe apertando a cabeça ardorosamente, os dedos lhe puxando os
cabelos, estimulando-o, mesmo sabendo que ele não precisava de es-
tímulo, que tudo estava acontecendo como ela queria. Pelo menos
por enquanto.



8




Era o dia seguinte, uma manhã de sábado, em Southfork. O café

da manhã fora servido, tudo já fora levado. Os vários empregados
da casa estavam ocupados em suas tarefas, os vários membros da fa-
mília estavam livres para fazer o que bem desejassem. Na piscina,
sob um sol do Texas já brilhante e quente, Sue Ellen flutuava numa
balsa de borracha. Olhos fechados, o corpo brilhando de loção e do
seu próprio suor, ela era uma visão fascinante, num maiô vermelho
que ressaltava o corpo exuberante.

Ela não percebeu quando Bobby se aproximou e postou-se à beira

da piscina, para um mergulho.

— Bom-dia, Sue Ellen.
Ela não se mexeu.

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O mergulho de Bobby foi de uma beleza controlada, simples,

elegante, quase não causando respingos ou ondulações. Ele deu meia
dúzia de braçadas, sem qualquer esforço, terminando ao lado da
balsa, com um sorriso malicioso lhe fazendo os olhos faiscarem.
Balançou a balsa ligeiramente.

— Mas que tentação! Seria sensacional virar essa coisa e cau-

sar a uma certa dama um mergulho inesperado.

— E não importa o que a certa dama está querendo — respondeu

Sue Ellen, os olhos ainda fechados, em tom desaprovador.

Bobby afastou as mãos da balsa, num gesto zombeteiro de rendi-

ção.

— Tudo o que quiser, amiga.
Sue Ellen acrescentou, como se não o tivesse ouvido:
— Eu lhe pouparei o trabalho.
Ela deslizou da balsa para a água e depois nadou até a beira

da piscina, saindo imediatamente e enxugando-se. Bobby ficou ob-
servando-a por um momento e depois saiu também da piscina.

— Alguma coisa a está atormentando, Sue Ellen?
— Por quê? Deveria haver?
— Não consigo entender. Não temos mais conversado ultimamente.
— A culpa é minha?
Bobby pensou por um momento.
— Não, a culpa é minha. Tenho andado ocupado demais.
Ela sentou-se numa cadeira e começou a espalhar loção de bron-

zear pelo corpo, sem dizer nada, o silêncio muito eloqüente.

Bobby sorriu.
— Quando eu era garoto, não queria saber de óleo, do tipo que

se passa no corpo, se põe em salada ou se tira do fundo da terra.

— É uma pena que tenha mudado tanto.
Bobby contraiu os lábios e continuou a falar, em tom suave:
— Nunca imaginei que haveria de querer dirigir a Ewing Oil.

Sempre me pareceu trabalho demais. E, para dizer a verdade, o tra-
balho é ainda maior do que eu imaginava.

— Parece não estar se importando muito com isso.
— Um homem pode se acostumar a qualquer coisa.
— Eu diria que não está exatamente sofrendo sob o fardo terrí-

vel que carrega. Se estivesse, certamente se mostraria mais dis-
posto a renunciar.

Bobby fitou-a nos olhos. E os olhos de Sue Ellen eram como du-

as órbitas geladas, firmes, impregnados de raiva.

— Estou gostando do trabalho, Sue Ellen.
— Já notei isso. Todos notamos.
— Muito bem, Sue Ellen, fale logo de uma vez. O que a está

perturbando? Está me olhando cruzado desde que apareci aqui.

— Gostaria que me dissesse uma coisa, Bobby: o que espera que

meu marido faça, enquanto você brinca de ser o presidente da Ewing
Oil, o grande executivo?

Bobby ficou aturdido. Sempre considerara Sue Ellen como uma

amiga. Mais do que isso até, uma aliada. E, agora, aquela revira-
volta. Não estava preparado para aquela investida.

— Ei, espere um pouco...
Depois de começar, Sue Ellen não tinha a menor intenção de pa-

rar. Ela se empertigou, os seios arfando de emoção, o rosto con-

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torcido.

— J.R. é o legítimo presidente da companhia. Você sabe disso,

todo mundo sabe.

— Ei, espere um pouco...
— Desista, Bobby. Volte para o rancho. Satisfaça-se com isso.

Fique no lugar a que pertence.

— Quantas vezes você me pediu que detivesse J.R., Sue Ellen?

Quantas vezes me suplicou que fizesse alguma coisa para acabar com
as manobras tirânicas de J.R.? E agora que consegui...

— Agora é você que precisa ser detido — disse Sue Ellen, de-

bilmente.

Antes que Bobby pudesse responder, Sue Ellen já retornara ao

interior da casa. Ele ficou sozinho, indeciso, pensando no que es-
tava acontecendo. Sabia que todos os pontos de referência do seu
mundo estavam sendo eliminados, sabia que todas as referências fa-
miliares se desvaneciam. Será que todos os demais estavam errados
e ele era o único a pensar certo, lucidamente? Ou teria cometido
algum erro terrível, tornando-se por demais obstinado e ego-
cêntrico para reconhecer suas deficiências mentais e morais? Subi-
tamente, apesar do sol forte, ele sentiu um calafrio percorrer-lhe
o corpo, um homem vulnerável, sem muita certeza ou confiança no
rumo que escolhera.

Foi Pam quem o trouxe de volta ao presente e a outra faceta de

sua vida. Ela saiu da casa, usando um vestido novo, que ressaltava
o seu corpo espetacular. Atravessou o pátio até o lugar em que
Bobby estava.

— Você está linda — murmurou ele.
— Obrigada, gentil senhor.
— Para onde está indo?
— Vou à cidade, por algumas horas.
— Dê-me dois minutos para me vestir e eu a levarei.
Naquele instante, Bobby precisava desesperadamente da seguran-

ça do apoio íntimo e irrestrito da mulher. Mas não iria tê-lo. Pam
sacudiu a cabeça.

— Não, obrigada. Vou me encontrar com Cliff. Almoçaremos jun-

tos.

Bobby achou difícil esconder seu desapontamento.
— Ann... Como está seu irmão?
Ela levantou os olhos para fitá-lo, com uma expressão cética.
— Sabia que é a primeira vez que você demonstra interesse por

alguma coisa ou alguém em muitas semanas?

— É mesmo?
— É, sim, Bobby. Desde que assumiu a direção da Ewing Oil que

só pensa nos negócios. E isso não tem contribuído em nada para
aprofundar nosso relacionamento.

— Lamento muito. Mas como Cliff tem passado?
Pam sacudiu a cabeça, com alguma irritação.
— Não sei. Está trabalhando em alguma coisa relacionada com a

campanha de Dave Culver para governador. Conhece Cliff e a políti-
ca. É uma doença para ele. Mas preciso falar de outra coisa com
você.

— Pode falar.
Pam hesitou por um instante.

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— Bobby, você sabe que sempre acreditei que minha mãe ainda

estava viva.

— Ora, Pam...
— Escute!
— Está bem, está bem... — murmurou Bobby, resignado.
— Contratei um detetive particular.
— Ora, Pam, é um desperdício.
— Você pode pensar assim e Cliff também, mas não é o que eu

penso. E descobri que estava certa.

— Como assim?
— Mr. Mackey... John Mackey, o detetive particular... desco-

briu algumas coisas sobre mamãe.

Bobby falou cuidadosamente:
— Que coisas?
A voz de Pam tremia de emoção, os olhos estavam marejados de

lágrimas:

— Bobby, há uma possibilidade de que mamãe ainda esteja viva.
— Uma possibilidade?
— Sei que você pensa que estou sendo tola. Mas se mamãe está

viva, eu quero saber. E quero encontrá-la, tornar a vê-la.

— Não deve ter muitas esperanças, Pam.
— Mr. Mackey é um detetive de confiança, Bobby... bem concei-

tuado. E muito competente.

— Apenas não quero que você fique magoada.
— Já estou sofrendo com tudo isso, Bobby. Há muito que venho

sofrendo. Preciso saber a verdade, se mamãe realmente morreu ou
simplesmente foi embora e me deixou.

— Tudo o que lhe peço é para não tirar conclusões precipita-

das. Não quero que fique ainda mais magoada.

Pam fez menção de falar, mas mudou de idéia e evitou os olhos

do marido. De alguma forma, sempre que aquele assunto surgia entre
os dois, Bobby lhe falhava, não podia proporcionar o apoio, estí-
mulo e compreensão de que ela precisava. Era como se, ao procurar
a mãe, Pam o estivesse privando de algum elemento emocional essen-
cial. Ou pelo menos era o que ele parecia acreditar.

— Não precisa se preocupar comigo — disse Pam, a voz li-

geiramente irritada.

— Com quem mais eu iria me preocupar?
— Sei cuidar de mim mesma. Cuide de você... e daquela sua pre-

ciosa Ewing Oil.

— Não está sendo justa.
— Sei exatamente o quanto aquela companhia precisa da sua

atenção e do seu tempo. E aparentemente é muito mais do que acha
que eu preciso.

Visivelmente magoada, Pam encaminhou-se para a área de estaci-

onamento, entrou em seu carro e partiu. Observando-a se afastar,
Bobby foi incapaz de definir seus próprios sentimentos. Muita coi-
sa estava acontecendo na família... cada pessoa seguindo o seu
próprio caminho, fragmentando a intimidade dos Ewings em com-
partimentos separados de atividade e sentimento, cada pessoa in-
teiramente sozinha e mais assustada do que parecia. Ele advertiu a
si mesmo para ser extremamente cuidadoso. Seria muito fácil vencer
a batalha em que estava empenhado, apenas para sofrer a derrota

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total em todas as outras áreas que importavam.



O nome era Longhorn Drinking & Eating Establishment Inc., um

estábulo de teto alto, convertido em restaurante para saciar os
apetites e a sede dos rancheiros, depois de um dia comprido de
leilão. Jock, Ray Krebbs, Punk e Pat estavam acomodados em torno
de uma mesa no centro, comendo carne e tomando cerveja. Comiam com
o prazer voraz de homens acostumados ao trabalho pesado e a encon-
trar prazer em todas as coisas, grandes e pequenas.

Punk indicou Krebbs, enquanto cortava um naco de carne, perto

do osso.

— Parece que você arrumou um diabo de um capataz, Jock.
Jock olhou para Ray, que continuou a comer, com os olhos abai-

xados.

— Até que o rapaz não é dos piores, consegue agüentar um bom

dia de trabalho. Só que podia ser um pouquinho mais esperto. Mas
acho que não se pode esperar tudo de um vaqueiro.

Os três homens mais velhos desataram a rir diante do óbvio

constrangimento de Ray.

— São os tempos — comentou Pat. — Esses rapazes de hoje não

podem imaginar como nós, os veteranos, tínhamos que ser duros.

Ray levantou-se bem devagar e disse, incisivamente, sem qual-

quer mudança na expressão:

— Pois me parece que vocês, veteranos, estão muito fracos e

não agüentam nem se levantar para buscarem outra rodada de cerve-
ja. Por que não lhes dou essa ajuda?

Eles trataram de despachá-lo para o bar, com mais risadas rui-

dosas.

— É uma coisa e tanto! — exclamou Jock. — Eu tinha até esque-

cido como é bom se encontrar com velhos vaqueiros, ficar comendo
carne e conversando. É muito diferente de ficar lidando com alguns
dos homens mais insossos e sarnentos de todo o Estado do Texas,
Estados Unidos da América.

— Está começando a ficar um pouco esperto com a velhice, Jock

— disse Pat.

Punk olhou de lado para Jock.
— Nós dois nos conhecemos há muito tempo, Jock.
— Há mais tempo do que gostaríamos de lembrar.
— Antes da Guerra Mundial número dois, se bem me lembro.
— Não há nada de errado com a sua memória.
— Ainda me lembro quando você se foi para ingressar na Força

Aérea do Exército, como chamavam naquele tempo.

— E você tinha de ser um fuzileiro.
— Foi a última boa guerra, Jock.
— Quanto a isso, não resta a menor dúvida. Éramos de fato os

mocinhos, de chapéu branco e tudo o mais.

— As coisas nunca mais voltarão a ser as mesmas. O mundo está

mudando.

— Talvez mudando depressa demais para que homens como nós pos-

sam acompanhar o ritmo.

— Essa não, Jock! Os tempos podem mudar, mas nós não mudamos.

E vou lhe dizer uma coisa. O que eu realmente gostaria era de nos

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metermos novamente em algum negócio juntos.

— Basta me avisar quando alguma coisa boa aparecer em seu ca-

minho, Punk.

— Pois foi justamente o que acaba de acontecer.
Jock empurrou a cadeira para trás, depois inclinou-se para a

frente, esquadrinhando o rosto do amigo.

— Você fala, eu escuto. O que tem para mim?
— Um pântano.
— Um pântano? — Jock engasgou com uma risada zombeteira e to-

mou o que restava de sua cerveja para desengasgar. — Pode estar
certo, Punk, de que não preciso de nenhum pântano.

— Mas vai querer esse pântano.
— Para quê?
— Para um aproveitamento completo... numa área de recreio.
Jock tornou a se inclinar para a frente, apoiando os cotovelos

na mesa, o queixo numa das mãos grandes e calosas.

— E onde fica esse pântano?
— Na fronteira do Texas com a Louisiana.
Os olhos claros e frios de Jock deslocaram-se de Punk para

Pat, voltaram ao primeiro.

— Posso presumir que vocês já verificaram tudo?
— Pode apostar que sim! — disse Pat, jovialmente.
— O pântano está lá à nossa espera, Jock. Será um grande negó-

cio para quem for esperto o bastante para perceber todo o seu po-
tencial e quiser fazer alguma coisa.

— Está me parecendo que vai ser uma coisa que irá nos exigir

muitas negociações e manobras.

— Exatamente como nos velhos tempos!
Ray Krebbs voltou com as cervejas e distribuiu-as. Punk le-

vantou a sua em agradecimento e disse em voz bem alta:

— Ray Krebbs, você é um homem de muitos talentos, muito esper-

to além de sua tenra idade, a inteligência superada apenas pela
simpatia, graça natural e a boa aparência.

Os homens bateram palmas, riram às gargalhadas, com Ray acom-

panhando-os.

Não muito longe, numa mesa pequena, um homem feio, num terno

sujo e amarrotado, concentrou sua atenção nos exuberantes ranchei-
ros, com crescente interesse. Ele inclinou-se para o velho ran-
cheiro que estava na mesa ao lado.

— Com licença, amigo, mas aquele que está ali, de cabelos gri-

salhos, não é Jock Ewing, da Ewing Oil?

O rancheiro olhou rapidamente.
— Claro que parece com ele. E também parece com Jock Ewing, o

vaqueiro.

Ele soltou uma risadinha da própria piada.
— E quem é o rapaz que está com ele?
— Aquele é Ray Krebbs, capataz do rancho dos Ewings, nos arre-

dores de Dallas.

— Foi o que imaginei. Muito obrigado.
— Por que está perguntando?
— Estava apenas curioso. É que o meu nome também é Krebbs.

Amos Krebbs.

— Algum parentesco?

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O rancheiro realmente não se importava. Com os olhos fixados

em Ray, o homem quase sorriu.

— As coisas sendo como são para um viajante, nunca se sabe

quando se vai encontrar um parente de sangue, não é mesmo?



Brady York era um homem indefinido, de meia-idade, vivendo nu-

ma base do dia-a-dia, sempre conseguindo obter apenas o mínimo, em
termos profissionais e financeiros. Era um distribuidor indepen-
dente de gasolina há 20 anos, começando com um tanque alugado e um
caminhão de segunda mão, depois expandindo sua companhia para um
mar de tanques e uma frota de caminhões. Mas ainda sentia dúvidas
freqüentes sobre a sua capacidade de continuar em frente. O aumen-
to dos preços, a escassez no fornecimento e a invasão das grandes
corporações na distribuição e propriedade de postos locais torna-
vam a sua posição insustentável, sempre sob ameaça, sempre vulne-
rável às pressões econômicas e do mercado em constante mutação.

Apesar de tudo, porém, ele continuava a ser um homem amável,

fácil de fazer negócios, sempre disposto a cooperar.

— É uma questão de datas de entrega, Bobby — insistiu ele, pe-

la terceira vez.

Os dois estavam reunidos na sala de Bobby, discutindo uma ope-

ração que seria mutuamente benéfica.

— Posso garantir essas datas, Brady.
— Espero que sim. Tenho meus próprios contratos a cumprir...

são 500 proprietários de postos independentes que dependem de mim
para terem o produto. Se não receberem as entregas nos prazos, es-
tarão liquidados. O que um dono de posto perde hoje nunca mais se-
rá recuperado.

— Pode estar certo de que compreendo tudo, Brady.
— Se o pessoal não receber a gasolina, vai ficar com raiva de

mim.

— Sempre cumpro os meus compromissos, Brady.
— Não me leve a mal, Bobby. Acontece apenas que a Ewing Oil

jamais teve até agora a sua própria refinaria. Por isso, nunca ti-
vemos a oportunidade de fazer negócios antes. Mas... com todos os
diabos, Bobby, você sabe como são as coisas neste negócio, como as
pessoas falam.

— O petróleo já está acertado, Brady. Está vindo da Venezuela

neste momento. O petroleiro vai atracar amanhã em Galveston e nada
poderá impedir que a gasolina chegue às suas mãos nos prazos mar-
cados.

— É o que espero.
— Então vamos fechar o negócio?
— Vamos — respondeu Brady, ainda hesitante.
— São 25 mil barris por dia, a 40 dólares o barril, o contrato

renovável em 30 dias, aos preços vigentes.

— Os termos são satisfatórios.
— Receberá a primeira entrega dentro de três dias, Brady. Vai

descobrir que jamais quebro a palavra empenhada.



J.R. estava confortavelmente refestelado no pátio da casa em

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Southfork quando Jock chegou. Ele ficou observando-o se aproximar.
Para um homem da idade do pai, um homem com um problema cardíaco,
Jock Ewing exibia força, vigor e paixão pela vida excepcionais.

— Boa-tarde, J.R.
— Boa-tarde, papai. Pensei que já tivesse voltado para casa há

muitas horas.

— Decidi passar pelo escritório e dar uma olhada em alguns ma-

pas topográficos da fronteira com a Louisiana.

J.R. franziu a testa.
— Está acontecendo alguma coisa que eu deveria saber?
— É apenas um pequeno negócio particular em que eu posso en-

trar. — Jock serviu-se de um drinque no bar e depois veio sentar-
se ao lado do filho. — Estive com Brady York esta tarde.

— E como está o velho Brady?
— Muito bem. Ele assinou um contrato com Bobby para distribuir

a gasolina da nova refinaria.

— É mesmo?
— Já lhe falei isso, J.R. Bobby parece estar fazendo um tra-

balho sensacional na direção da companhia. A verdade é que estou
mudando a minha maneira de pensar em relação ao seu irmão.

— Como assim, papai?
— Eu sempre quis ter uma refinaria e ele conseguiu uma. E sabe

como aproveitar tudo o que tem, já fechou um contrato para a venda
da gasolina. O rapaz tem iniciativa e garra. É uma coisa que não
se pode deixar de admirar.

— Acho que tem razão.
— E o que estou pensando agora é que talvez ele deva continuar

como presidente da Ewing Oil.

J.R. empalideceu ao ouvir essas palavras, mas não deu qualquer

outra indicação de que estava perturbado.

— A decisão é sua, papai. — Ele levantou-se. — E agora peço

que me dê licença, pois tenho de me aprontar. Sue Ellen e eu vamos
jantar fora esta noite.



J.R. foi encontrar Sue Ellen diante do espelho da penteadeira,

apenas de calcinha e sutiã, escovando os cabelos. Ele aproximou-se
por trás, admirando a curva dos seios. Inclinou-se e pegou-os,
comprimindo os lábios contra o ombro da mulher.

— O que provocou essa paixão repentina, J.R.? — perguntou ela,

com um prazer intenso.

— Estava pensando em você sozinha aqui em cima, como seria ma-

ravilhoso passar algum tempo em sua companhia. E aqui está você,
seminua, parecendo apetitosa demais para se comer.

— Você está se tornando um velho obsceno, J.R. — murmurou Sue

Ellen, com evidente satisfação, enquanto ele enfiava as mãos por
baixo do sutiã e lhe apertava os mamilos, à sua maneira rude, que
sempre lhe provocava espasmos de prazer.

— Estive praticando durante todos esses anos para me tornar um

velho obsceno. — Ele estava de joelhos diante dela, virando-a,
abrindo-lhe as pernas, baixando a calcinha. — E tenciono sê-lo
completamente.

Sue Ellen observou a cabeça do marido abaixar e inclinar-se

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para a frente, sentiu o bafo quente, a língua suave e úmida. Sen-
tiu vontade de gritar de prazer, na agonia crescente do desejo.
Ela estendeu a mão, segurando os cabelos dele, puxando-o mais para
perto, procurando senti-lo bem fundo, no lugar escuro e secreto em
que sempre começava a viagem mágica e misteriosa.



J.R. e Sue Ellen não chegaram a sair para jantar fora naquela

noite. Horas depois, quando o telefone tocou, eles estavam esten-
didos na cama, os corpos inertes, de saciedade e exaustão.

— Oh, J.R., está ficando cada vez melhor!
— E vai continuar a melhorar — murmurou ele, estendendo a mão

indolentemente para o telefone.

Ele ficou escutando e ouviu a voz familiar perguntar por

Bobby. Pôs a mão sobre o bocal e continuou a escutar, até que um
sorriso de satisfação espalhou-se por seu rosto. Somente depois é
que desligou.

— Quem era? — indagou Sue Ellen, sem realmente se importar com

isso.

— Parece que houve algum acidente, querida.
— Acidente?
— Aquele petróleo venezuelano que o irmão Bobby comprou... to-

das as 600 mil toneladas, no valor de 18 milhões de dólares...
pois em algum lugar entre Galveston e a costa da Venezuela o pe-
troleiro afundou, levando tudo para o fundo do mar. Desapareceu.
Finito. Foi-se para sempre.

Sue Ellen soergueu-se, apoiada num cotovelo, olhando para o

marido.

— O que isso significa, J.R.?
— Significa que o irmãozinho está metido na maior encrenca e

vai afundar inapelavelmente.

— Isso é ruim também para você, J.R.?
— Para mim? Ora, meu bem, não seja tola — disse ele, com uma

franqueza rara e inesperada. — Quanto piores forem as coisas para
meu irmão, melhor estarão para mim. Acabei com Gary e vou acabar
com Bobby também.

— É mesmo? — balbuciou Sue Ellen, com repentino alarme.
Ele riu tranquilizadoramente.
— Não posso imaginar por que falei isso. E agora trate de se

estender, Sue Ellen, deixe-me começar mais uma vez. Tenho algumas
idéias novas sobre a melhor maneira de proporcionar-lhe prazer.

— É muito bom para mim, J.R.
— E para mim também. Estou me sentindo tão bem que nada neste

mundo poderia fazer-me sentir melhor, a não ser mais de você, meu
bem. Estou no topo do mundo.

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PARTE 2

O Dia Em Que

Gary Voltou



9





Foi Bobby quem levou Gary de volta a Southfork, naquela pri-

meira vez. Gary abandonara o rancho em medo e pânico, deixando pa-
ra trás a família em estado de completo abalo emocional. De certa
forma, Gary era o único dos irmãos Ewings que não conseguia se
ajustar, não conseguia agradar, não conseguia corresponder a qual-
quer dos padrões fixados para ele.

Miss Ellie renunciara ao filho perdido, tentara excluí-lo de

sua vida. Mas a recordação de Gary estava sempre à espreita num
recesso de seu cérebro. Por mais que se esforçasse em esquecê-lo,
era impossível. Visões de Gary sempre lhe voltavam, atormentando-
a, provocando um anseio amargo que jamais seria satisfeito, am-
pliando uma mágoa que não podia ser aliviada. O ressentimento e a
frustração dela continuaram a aumentar, concentrando-se numa fúria
silenciosa naqueles que haviam permanecido: Jock, Bobby, J.R.

O tempo foi passando lentamente e o sofrimento de Miss Ellie

não diminuiu, só que ela não mais chorava pelo filho ausente. Em
vez disso, empenhava-se na tarefa vital de criar a filha de Gary,
Lucy, como se a menina de cabelos dourados fosse a sua própria fi-
lha. Miss Ellie passou até a pensar em Lucy dessa maneira. Mas a
menina jamais poderia preencher o vazio no coração de Miss Ellie,
que sonhava com Gary e rezava por sua volta.

E de repente, quase três anos antes do afundamento do petro-

leiro que transportava 600 mil barris do petróleo venezuelano para
a refinaria Ewing, Bobby levou Gary para casa. Cuidadosamente, re-
ceando lançar os pais e o irmão num estado de choque familiar,
Bobby telefonou antes, para anunciar a ida, dando tempo a que to-
dos se preparassem.

Pam mostrou-se cética quanto às perspectivas e perguntou ao

marido:

— Sabe o que está fazendo?
— Levando meu irmão para casa.
— Já esqueceu como sua família pode ser dura e inflexível?
— Todos amam Gary e o receberão de braços abertos.
— Espero que tenha razão. Ele pode acabar completamente liqui-

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dado. Compete a você providenciar para que isso não aconteça.

As palavras deixaram Bobby surpreso e ficou pensando a respei-

to durante toda a viagem de volta a Dallas. Não tinha certeza se
poderia proteger Gary de todas as investidas de que talvez ele se
tornasse vítima.

Miss Ellie riu e chorou, alternadamente, ao receber a notícia,

repetindo incessantemente:

— Ele está voltando! Gary está voltando para casa! Meu filho

está voltando para casa! — Ela advertiu ao marido: — Trate de lhe
dar tempo suficiente para se ajustar.

Jock respondeu sem fitá-las nos olhos:
— Que tipo de homem você pensa que eu sou? Meu filho está vol-

tando para casa. Acha que vou erguer muralhas para deixá-lo de fo-
ra? Já deveria me conhecer melhor, Miss Ellie.

Quanto a J.R., serviu-se de uma dose dupla de bourbon, com ge-

lo, ao tomar conhecimento da notícia. Sue Ellen informou-o com um
júbilo malicioso.

— Por que acha que ele está voltando, J.R.? — insistiu ela.
Ele tomou um gole do uísque.
— Não tenho a menor idéia.
— Ele quer alguma coisa, J.R.
— Gary não é esperto o suficiente para querer qualquer coisa.

E se quiser, não é forte ou astuto o bastante para conseguir.

— A menos que ele tenha mudado.
— Gary sempre foi fraco... um bêbado, jogador, covarde.
— A mesma carne e osso que você, J.R.
— Não exatamente.
— Foi por isso que você o afastou... porque Gary o fazia lem-

brar demais de si mesmo?

— Tome cuidado, Sue Ellen. — J.R. esvaziou o copo. — Ele fu-

giu, como sempre fez nos momentos difíceis. Tentei ajudá-lo. Casar
com aquela vagabunda da Valene foi um erro... e logo na ocasião em
que ele começava a cursar a universidade. Gary nunca teve a menor
noção do certo ou errado, nunca teve o menor senso de responsabi-
lidade. Deixou a filha para mamãe e papai criarem. Ele nunca foi
capaz de suportar a menor pressão.

— Por falar nisso, J.R., como você tenciona enfrentar agora

dois irmãos, ambos querendo a sua parte na fortuna, ambos tendo
todo o direito a isso?

— Pode deixar isso comigo.
— E se...
J.R. interrompeu-a bruscamente:
— Gary não vai ficar. Ele é um perdedor, sempre foi um perde-

dor, em todos os dias da sua vida. Mesmo que papai lhe desse algu-
ma coisa, ele estragaria tudo, perderia tudo. Gary sempre foi as-
sim. Basta lhe dar corda suficiente e ele acaba se enforcando. Te-
nho certeza de que não vai demorar muito tempo para ele partir no-
vamente.

— Com apenas uma pequena ajuda de sua parte, não é mesmo,

J.R.?

Pela expressão no rosto dele, Sue Ellen compreendeu qual era a

resposta. Ficou observando-o servir-se de outro uísque e depois
mais outros. E começou a sentir medo, por todos.

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Estavam todos reunidos na sala. Bobby, excitado, satisfeito,

estava incapaz de permanecer sentado, andando de um lado para ou-
tro, esfregando as mãos. Miss Ellie estava radiante, fazendo um
grande esforço para não chorar. Jock contemplava Gary com uma pre-
ocupação quase clínica, como se encarasse alguma criatura estranha
pela primeira vez. J.R. estava vigilante e retraído. Lucy, meiga e
infantil, quase inocente, segurava a mão do pai.

— Ele estava realmente com um uniforme de carregador de hotel!

— comentou Bobby.

— Era nisso que estava trabalhando, Gary? — perguntou Miss El-

lie.

— Fiz uma porção de coisas para ganhar a vida, mamãe.
Jock foi incapaz de conter-se por mais tempo:
— Já chega! É melhor esquecer toda essa conversa sobre carre-

gador de hotel e outras coisas sem a menor importância. Vamos lim-
par o ar nesta sala.

— Não, Jock!
— Não há problema, mamãe — disse Gary. — O que você quer di-

zer, papai?

— A coisa é diferente, Gary. O que você quer dizer? Afinal,

foi você quem saiu daqui, foi você quem ficou longe por tanto tem-
po, foi você quem voltou agora.

Gary acenou com a cabeça uma única vez. E respirou fundo antes

de falar:

— Vou tentar contar o que me aconteceu. Fui um alcoólatra, um

bêbado que caía pelas ruas, capaz de trapacear, mentir e roubar, a
fim de conseguir dinheiro suficiente para outro trago, disposto a
fazer qualquer coisa por outro trago. E com dívidas de 40 ou 50
mil dólares... dívidas de jogo. Não tinha um lugar que pudesse
chamar de meu, não tinha amigos, não tinha família.

— Tinha a nós — interveio Miss Ellie.
— Só tinha a mim mesmo — continuou Gary, a voz apática. — E

podem estar certos de que era uma companhia das mais repulsivas.
Assim, acabei fazendo o que qualquer homem com amor-próprio deve-
ria fazer.

— E o que foi? — indagou Bobby.
— Apaguei por completo. Quando acordei e me olhei num espelho,

descobri que fora espancado até me transformar numa massa informe
e ensangüentada. Não tinha a menor idéia de quem fizera aquilo co-
migo ou por quê. Mas estou certo de que sabia que era inevitável.
Mais tarde, descobri que perdera algumas semanas da minha vida,
não tinha a menor noção do que acontecera naquele período. Foram
semanas que se evaporaram, sumiram completamente. Achei que a pes-
soa que fizera aquilo comigo voltaria para mais e tratei de ir em-
bora, percorrendo o país como um vagabundo.

— E fazendo o quê?
— Bebendo, jogando, sendo espancado, fugindo às pressas de

muitas cidades. E pensando. Tentando ordenar os pensamentos, pro-
curando me livrar da bebida, para começar.

— E conseguiu?
— Finalmente.

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— Como?
— Apenas parei de beber.
— O que estava fazendo nessa ocasião?
— Trabalhando como bartender.
— Como bartender!
— Isso mesmo. Com toda aquela bebida na minha frente, durante

todo o tempo. Um bom lembrete do que podia fazer comigo e fazia
mesmo. Para mim, era o único jeito.

— E o jogo?
— O mesmo princípio também funcionou. Aceitei um emprego como

crupiê em Las Vegas. E não me importo de dizer que era um dos me-
lhores.

— E agora você voltou para nós — disse Miss Ellie, suavemente.
— Por algum tempo, mamãe. — Gary virou-se para o pai. — Não

sei se isso ajuda alguma coisa, papai, mas aí está, como realmente
aconteceu.

— Claro que ajuda, filho. E quero que saiba que, para mim, o

passado pertence ao passado. Seja bem-vindo em sua casa.

J.R. adiantou-se.
— Eu gostaria de dizer alguma coisa.
— Tome cuidado, J.R. — advertiu Bobby.
Um sorriso largo estampou-se no rosto de J.R.
— Isso precisa ser dito. Irmão Gary, estou profundamente grato

por ver que você voltou com um espírito de perdão, generoso e
cheio de amor. Talvez tenha havido divergências entre nós no pas-
sado, mas eu gostaria que sepultássemos tudo isso no passado. Tudo
o que eu puder fazer para tornar as coisas melhores e mais fáceis
para você, basta me avisar.

— Está bem, J.R. Eu lhe agradeço.
J.R. virou-se para a família reunida, com uma expressão radi-

ante.

— Ouviram isso? Gary sempre teve o melhor coração de todos

nós. Seja bem-vindo em casa, irmão. É maravilhoso tê-lo de volta.



Um clima de expectativa instalou-se em Southfork, impregnando-

se em todos os aspectos da vida no rancho, insinuando-se em todas
as construções e cômodos. Era o que acontecia quando Bobby, de
roupão e chinelos, entrou na cozinha, tarde da noite, encontrando
Gary sentado à mesa sozinho, tomando leite gelado. Gary levantou a
cabeça e lançou um olhar meio de esguelha para o irmão.

— Oi, Bobby.
— Oi, Gary.
Ele estendeu a mão para o pacote de leite. Gary protegeu-o com

o braço.

— Não sei se devo deixar. Você sempre foi um garoto que fazia

as maiores lambanças.

Bobby sorriu.
— Talvez eu ainda seja.
Gary estendeu-lhe o pacote de leite.
— Não sei, não... Bastou crescer um pouco e tratou logo de ca-

sar. Aposto como faz todas aquelas coisas proibidas sobre as quais
costumávamos conversar.

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— Está lembrado? Ficávamos sentados aqui a esta mesa e fa-

lávamos e falávamos...

— E falávamos.
— Você nunca me tratou como um garoto, Gary. Era mais como um

igual.

— E você era o único que me levava a sério. Você e mamãe. Eu

lhe falava sobre as coisas crescendo, sobre plantar e colher, so-
bre as vacas, o que se devia procurar nas vacas boas ou num cavalo
de primeira.

— Também me lembro dos seus desenhos e como você queria ser um

pintor.

— Não consegui fazer aquela cena.
— Ainda quer ser pintor?
— Isso desapareceu depois de algum tempo, afogado numa garrafa

de gim ordinário.

Antes que ele pudesse continuar, Miss Ellie apareceu na cozi-

nha, também em trajes de dormir. Ela ficou radiante ao contemplar
Gary e Bobby.

— Não podem imaginar como sonhei tantas vezes em ver vocês

dois juntos outra vez. — Ela abraçou Gary, com toda força, por um
longo momento. — Na primeira vez em que encontrei vocês dois aqui,
Bobby estava na cadeira alta e você lhe dava uma bolacha. Eu cos-
tumava pensar que Gary ficou com ciúme quando Bobby nasceu, já que
não era mais o bebê da família. Mas descobri que estava enganada.
Vocês dois sempre se deram bem desde o primeiro dia. Eram compa-
nheiros.

— Acho que vou voltar para a cama agora — disse Bobby, reti-

rando-se discretamente.

— Está com fome, Gary? Quer que eu lhe faça alguma coisa?
— Não, obrigado, mamãe.
— Não vai demorar muito para conseguirmos engordá-lo um pouco.

Você parece que não faz uma refeição sólida há muitos anos.

— Não estava muito interessado em comida. Mas estou me sentin-

do bem.

Miss Ellie dava a impressão de que estava prestes a chorar. Em

vez disso, porém, ela sorriu.

— Tenho sentido muita saudade de você, Gary.
— Estou contente por ter vindo visitá-la, mamãe.
— Visitar? Oh, não, meu filho! Está em sua casa para sempre. É

um milagre que tenha voltado e vou cuidar para que nunca mais
queira partir novamente... até o dia em que eu morrer.

Gary não fez qualquer comentário. Mas era evidente, pela ex-

pressão em seus olhos, que ali estava um homem profundamente per-
turbado.

Ele teve um sono irrequieto e despertou antes do amanhecer.

Vestiu jeans, botas, um blusão grosso. Saindo da casa, caminhou
pelo terreno familiar, observando o gado pastar, contemplando a
paisagem de pradaria do Texas, correndo os olhos entre os currais,
estábulos, celeiros. Somente quando a claridade cinzenta do ama-
nhecer começou a se espalhar pela pradaria é que ele voltou para
casa. Descobriu Lucy à sua espera no pátio, o rosto franzido, pre-
ocupada.

— Papai...

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— Não sabe como é bom tornar a vê-la, Lucy. Não espero perdão

da minha própria filha. Só espero que um dia você possa compreen-
der.

Ela umedeceu os lábios.
— Papai, você gostaria de dar um volta de carro comigo?
— Dar uma volta?
— Preciso mostrar-lhe uma coisa.
— Claro.
Eles desceram até o lugar em que o carro estava estacionado e

embarcaram.

— Para onde vamos, Lucy?
— Fort Worth.
Viajaram quase sem falar, em alta velocidade pelas pradarias

entre Dallas e Fort Worth. Logo depois de chegarem aos limites da
cidade, Lucy deixou a auto-estrada e entrou numa estrada local,
indo parar no estacionamento de uma lanchonete que ficava aberta
durante a noite inteira. Levou o pai para um reservado lá dentro.
A lanchonete estava movimentada e duas garçonetes corriam de um
lado para outro, atendendo aos pedidos. A garçonete loura limpou a
mesa deles, passando um pano úmido e depois ajeitando as toalhas,
de papel, guardanapos e talheres. Dois cardápios foram apresenta-
dos, com extrema eficiência.

— Os bolinhos quentes vão demorar um pouco esta manhã. Parece

que... — Ela parou de falar abruptamente, soltou uma risada de
surpresa e prazer. — Ora, mas é Lucy! Que diabo está fazendo aqui
a esta hora da manhã?

Lucy falou bem devagar:
— Mamãe, eu trouxe uma pessoa para você ver.
Os olhos da garçonete piscaram, deslocando-se de Lucy para o

homem. Por um instante, não houve qualquer reação. Mas, depois,
veio o reconhecimento gradativo.

— Gary... Gary... É você mesmo, Gary?
— Bom-dia, Valene.
Ela engoliu em seco, abriu a boca, tornou a fechar.
— Oh, Deus, é ele mesmo, em carne e osso!
— É papai, mamãe. E continua tão bonito quanto você disse que

ele era.

As lágrimas começaram a escorrer dos olhos de Valene. Ela cam-

baleou, como se fosse cair. No instante seguinte, estava sentada
no reservado, ao lado de Gary, a cabeça no ombro dele, repetindo-
lhe o nome interminavelmente.



O carro passou pela entrada de Southfork, encaminhando-se para

a casa grande. Valene, correndo os olhos ao redor, balbuciou:

— Pare, por favor, Gary.
Ele desviou-se para o acostamento da estrada particular e pa-

rou.

— O que foi, Val?
— Acho que não vou agüentar.
— Está tudo diferente agora, Val.
No banco traseiro, Lucy escutava atentamente. Não entendia

muito bem a causa das angústias e apreensões dos pais, pois tinha

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uma noção vaga do que acontecera no passado. Mas queria que os
dois voltassem a viver juntos, queria que novamente constituíssem
uma família. Ficou ouvindo, procurando encontrar algum sentido no
que a mãe estava dizendo.

— É tudo sereno por aqui — murmurou Val. — Um lugar maravilho-

so, por fora. Mas naquela casa, Gary, naquela família... há tensão
demais, muito conflito e ódio... de J.R. e seu pai.

— Jock já não está mais tão inflexível quanto antes. E J.R.

está se comportando como um verdadeiro irmão.

— J.R. fala pelos dois cantos da boca ao mesmo tempo, Gary.

Sempre foi assim. Prefiro confiar numa cascavel a confiar em J.R.
Ewing.

— Bobby é um homem agora, Val. E acabou com uma porção de coi-

sas que aconteciam antes. Meu irmão caçula é um homem e tanto. E a
mulher dele, Pam, vive aqui. É uma ótima pessoa.

— Southfork continua a não ser um lugar que me agrade, onde eu

possa me sentir à vontade.

— Tudo aconteceu há 16 anos, Val, quando eu fui embora. As

coisas mudaram.

— Quando você foi embora, Gary, eles me obrigaram a partir

também. Está se esquecendo disso? Expulsaram-me daqui, sem que eu
tivesse para onde ir. E J.R. estava por trás de tudo. Ainda mandou
alguns capangas para trazerem Lucy de volta.

— Sinto muito, Val.
— Disse que eles me matariam se eu não deixasse o Texas para

sempre. E acreditei nisso.

— Não devia me deixar aqui, mamãe — disse Lucy, quase choran-

do.

— Miss Ellie disse que a criaria e criaria direito. Confiei

nela.

— Preferia que você tivesse me criado, mamãe.
— Obrigada, querida. — Val continuou a não olhar para Gary,

perguntando-lhe: — Você casou de novo?

— Não. E você?
— Também não.
Gary tornou a ligar o motor e perguntou, com a mão na alavanca

de mudança:

— E então, Val, vamos arriscar?
— Contanto que eu saiba que você está por perto...
— Estarei, Val. Pode contar com isso.
No banco traseiro, Lucy pensou que ia desatar a chorar, de

tanta alegria.



No meio da tarde, o constrangimento inicial já começara a se

dissipar. Embora ninguém tivesse esquecido o passado, todos tenta-
vam evitar recordá-lo e acender antigas hostilidades e ressenti-
mentos. J.R. aproximou-se do lugar em que Valene estava parada,
momentaneamente sozinha. Ele exibia um sorriso efusivo. O rosto
pálido de Valene não deixava transparecer o que ela estava pensan-
do ou sentindo. Um pouco desorientada, ela passou a mão pelos ca-
belos louros desgrenhados.

— Tenho de lhe dizer uma coisa, Valene. É muito bom tornar a

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ver você e Gary aqui novamente. Gary e eu estamos fazendo tudo pa-
ra enterrarmos as antigas divergências. Espero que você e eu tam-
bém possamos fazer a mesma coisa.

— Acho que sim... claro, claro...
— Éramos todos jovens, de cabeça quente. E reconheço que o era

mais do que qualquer um. Mas esses tempos passaram e temos tudo
agora para nos tornarmos uma família maravilhosa.

Valene assentiu, indecisa. O sorriso de J.R. se alargou, en-

quanto ele se virava e seguia até Gary.

— É uma mulher sensacional a que você tem, irmão.
— Obrigado, J.R.
— Há uma coisa que preciso dizer. Mamãe espera que você fique

aqui conosco, Gary.

— Eu...
— Claro que sei que é pedir demais... tão cedo assim. Talvez

você ainda não esteja cem por cento preparado para ser novamente
um Ewing. O que é compreensível. De qualquer forma, mamãe fica-
ria desolada se você pegasse as suas coisas e fosse embora ime-
diatamente...

— Mesmo que eu me instale em outro lugar, aqui por perto, ain-

da poderei vir visitá-la...

— A diferença é muito grande, Gary. Eu também quero que você

fique em Southfork.

— O que faz muita diferença.
— Há muito o que fazer, Gary. Nós, os Ewings, estamos nos di-

versificando por toda parte. Mas não me esqueço que você sempre
foi afeiçoado à terra.

— Tem razão.
— Então está tudo acertado. Poderemos resolver os detalhes

mais tarde, quando houver tempo.

Ainda dominado pelas dúvidas, Gary ficou observando J.R. se

afastar. O irmão caminhava todo empertigado, na pose de um homem
muito satisfeito com o que acabara de realizar. E Gary se pergun-
tava o que poderia ser.

Na manhã seguinte, bem cedo, Ray Krebbs avistou Gary empolei-

rado numa cerca, perto de um dos currais de cavalos, contemplando
a pradaria, que se estendia interminavelmente para oeste. Ray su-
biu na cerca ao lado dele e apresentou-se.

— Já soube que você está dirigindo o rancho muito bem — comen-

tou Gary.

— Faço o melhor possível. Usamos os equipamentos mais moder-

nos, o que ajuda bastante, especialmente desde que o interesse de
seu pai começou a diminuir.

— Imagino que o rancho deve mantê-lo bastante ocupado.
— Nem tanto assim. Muitas coisas acontecem por si mesmas, sem

precisar da intervenção de ninguém.

Gary deixou que a conversa definhasse, saltando da cerca e pe-

dindo licença. Foi ao encontro de Val e Lucy, que estavam sentadas
à beira da piscina.

— Você e Ray já se conheceram? — indagou Lucy, com uma jovia-

lidade forçada.

— Ele parece ser um ótimo sujeito.
— Vai trabalhar com ele no rancho, papai?

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— Parece não haver trabalho suficiente para ele e Jock, muito

menos para outro Ewing.

— Pode despedir Ray Krebbs e tomar o lugar dele.
— Eu jamais seria capaz de fazer uma coisa dessas, Lucy.
O olhar de Gary desviou-se para o ponto em que J.R. emergia da

casa. Num terno azul-celeste ao estilo do Oeste, botas e chapéu
branco, ele era o protótipo do rancheiro-homem-de-petróleo do Te-
xas, contente e irradiando saúde, sucesso e ambição incontrolável,
disfarçada sob um exterior cordial. Gary sabia das imensas dife-
renças de personalidade que o separavam do irmão e os convertiam
em pontas opostas do mesmo bastão, mas distanciados anos-luz em
temperamento e perspectiva. Contudo, eram irmãos de sangue, um
vínculo em última análise muito forte e no caso deles impregnado
de paixão.

— Bom-dia para todo mundo! — gritou J.R., aproximando-se.
O sorriso familiar permitia que seus dentes faiscassem, ao sol

do Texas. Ocorreu a Gary que tudo no Texas era perfeito demais,
puro demais, parecendo novo demais, do sorriso impecável de J.R.
aos novos e espetaculares edifícios no centro de Dallas. Se os
Cowboys eram a equipe típica da América, talvez Dallas fosse tam-
bém a cidade típica da América. Talvez todos eles fossem típicos
filhos da América, todos bonitos e impecáveis, todos perfeitos em
suas especificações, todos fadados a serem ricos e vitoriosos, in-
cólumes às aflições que atormentavam os mortais menos afortunados.
A companhia petrolífera, o rancho, todas as demais propriedades
dos Ewings... uma vida a que a maioria dos americanos aspirava,
trabalhava arduamente e até roubava para alcançar, tudo lhe per-
tencia, estava à sua disposição. Por que não aceitar então o que
era seu por direito?

Por que tinha de fugir?
Por que tinha de se transformar num bêbado e perdedor? Por que

não podia se decidir de uma vez?

— Espero que todos estejam se divertindo — acrescentou J.R., a

voz suave, apaziguadora.

— Estamos, sim — respondeu Gary, automaticamente, como se es-

tivesse desesperado em agradar.

— E quero que continuem a se divertir aqui, por tanto tempo

quanto quiserem. — A risada de J.R. foi rápida e vazia. — Ora, mas
pensem só no que estou dizendo! Dando permissão a um Ewing para
permanecer em terras dos Ewings!

Ele fez uma pausa, olhando para cada um, antes de continuar:
— Deixe-me dizer-lhe o que passou pela minha cabeça, Gary...

algo para você pensar. Tendo meditado sobre a sua permanência aqui
em Southfork e tive uma idéia. E quanto mais penso a respeito,
mais convencido fico de que faz sentido.

— Qual é a idéia, J.R.? — indagou Valene, no tom cauteloso de

alguém para quem a desconfiança se convertera num hábito per-
manente.

Os dentes de J.R. pareciam grudar uns nos outros, enquanto ele

falava, relutante em permitir que as palavras saíssem pela boca:

— Não faz muito tempo, nós... a Ewing Oil... adquirimos uma

pequena companhia, que revelou ser uma coisa preciosa. Distribui
subprodutos de petróleo. Aquela massa que sobra depois que fazemos

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tudo o que é possível com o petróleo. Essa pequena companhia está
operando com cinco por cento da eficiência possível, talvez dez
por cento, no máximo. Mesmo assim, está dando um bom lucro. Pare-
ce-me que está precisando de uma mão forte no leme. Para acelerar
os negócios, Gary. Talvez possa ser a melhor coisa para você no
momento.

— Para mim?
— Trata-se de uma operação em que não há a menor possibilidade

de falha. Um pouco de bom senso, um pouco de capital e o lucro ra-
zoável vai se transformar numa imensa fatia.

— Nada sei de negócios, J.R.
— Não é preciso saber muita coisa com a Q & R... é esse o nome

da companhia. Basta comprar algumas máquinas novas e afora isso é
só continuar o que estamos fazendo, talvez um pouco mais, se en-
tende o que estou querendo dizer. Pode ir devagar ou depressa, co-
mo achar melhor... e eu e papai vamos apoiá-lo 110 por cento,
Gary. Pense um pouco na proposta.

— Está bem.
J.R. apertou o ombro de Gary, sorriu para Valene e Lucy e

afastou-se a marchar, ao ritmo de um tambor que somente ele podia
ouvir.

— E então? — murmurou Gary.
— Acho que é sensacional, papai! — exclamou Lucy. — Poderemos

ficar juntos.

— E você, Val, o que acha?
— Você tem de sair daqui, Gary.
— Mas ele me quer aqui. Todos estão querendo.
— Ouvi tudo o que foi dito... e ouvi também o que não foi di-

to. Vamos embora agora, Gary. Vamos fazer as malas e sair daqui.
Iremos para longe. Alasca, México, Califórnia. Qualquer lugar ser-
ve, contanto que seja longe daqui.

Lucy ficou confusa e assustada.
— Não estou entendendo, mamãe.
— Eu também não, Val.
— J.R. está atrás de você, Gary. Atrás de nós dois. Ele é um

homem terrível, determinado, implacável. Já nos usou uma vez e vai
fazê-lo novamente. E o que quer que ele faça, vai deixá-lo abalado
e completamente vazio, pior do que na última vez. J.R. Ewing ten-
ciona algum dia possuir o mundo... o mundo dele, este mundo dos
Ewings... e vai liquidá-lo primeiro, depois sairá atrás de mim e
de todos os que se colocarem em seu caminho. E quando ele acabar
conosco desta vez, não sobrará o suficiente para haver alguém que
cuide de nossa filha.



J.R. levou Gary para o estúdio, fechou a porta e conduziu-o

até a mesa. Espalhados diante de Gary estavam diversos documentos,
cartas, contratos, relatórios, livros de contabilidade.

— Isso é apenas a ponta do iceberg, por assim dizer — comentou

J.R., jovialmente. — A maior parte do material essencial está na
cidade. Mas isso já dá para começar. Estude tudo, grave na memó-
ria. E quando estiver pronto... digamos, amanhã, a esta mesma ho-
ra... vamos nos encontrar com os advogados.

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Gary sentiu uma pontada de medo antiga e familiar.
— Advogados?
— Temos de acertar tudo, não é mesmo? As coisas oficiais, le-

gais, sacramentadas...

— Não sei... Afinal, dirigir uma companhia...
— Não é nenhum problema. Um estudante de primeiro ano de esco-

la de administração pode cuidar de tudo. Basta obter as explica-
ções certas, compreender plenamente tudo o que está acontecendo, a
fim de poder tomar as decisões nos momentos necessários.

— Decisões?
— Isso mesmo, Gary. Você é quem manda agora.
Mas a reunião com os advogados no dia seguinte teve de ser

cancelada. Gary ainda não estava pronto para discutir os termos de
sua posse na companhia.

Naquela noite, Valene levou Bobby para um lado do pátio, en-

quanto os outros estavam no interior da casa, aprontando-se para o
jantar.

— Bobby, onde tudo isso vai acabar?
— Como assim?
— O que J.R. está fazendo com Gary?
— Fazendo? Ora, ele está apenas preparando-o para assumir o

comando da Q & R, mais nada.

— Você era uma criança na última vez em que aconteceu, Bobby —

disse ela, tensamente. — Não sabe o que esse tipo de pressão faz
com Gary.

— Não precisa se preocupar. Gary tem condições de enfrentar

tudo. Ele pode cuidar de si mesmo.

— É justamente esse o problema: ele não pode. J.R. está afas-

tando-o daqui. Gary não é um homem de negócios, nunca foi. Ele fi-
ca completamente tonto quando tem um carrinho de compras na sua
frente.

— Gary mudou, Valene.
— Não, não mudou. Se J.R. continuar a pressioná-lo, Gary vai

explodir. Ele não vai agüentar por muito mais tempo.

— Está bem. Falarei com J.R., pedirei que vá mais devagar. Es-

tá bom assim?

— Veremos o que acontece.
J.R. e Sue Ellen foram os primeiros a descer para o café, na

manhã seguinte. J.R. escondeu o rosto por trás do jornal, tentando
ignorar as tentativas de conversa da mulher.

— Não resta a menor dúvida de que você aceitou Gary com um

profundo amor fraternal, dando-lhe a sua própria companhia para
dirigir, convencendo-o a ficar em Southfork, junto com Valene.

J.R. começou a ler em voz alta um comentário do jornal:
— A revolta contra os impostos no Oeste está deixando uma por-

ção de políticos nervosos, para satisfação geral.

— Não está prestando atenção ao que estou dizendo, J.R.
— Sempre presto atenção a você, minha querida. O que foi mesmo

que falou?

— Estava falando sobre Gary.
— Ele vai se matar de tanto trabalhar, vai ficar sem fôlego e

com calos nas mãos, tentando salvar um navio que está afundando.

— Afundando?

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— Isso mesmo. Estávamos prestes a liquidar a Q & R quando Gary

apareceu.

— Liquidar? Está querendo dizer que entregou uma companhia à

beira da falência para ele dirigir?

— Um homem tem de provar do que é capaz neste mundo. Se Gary

conseguir salvar a companhia, papai ficará muito orgulhoso.

— Oh, J.R., você é um filho da puta!
— Levando-se em consideração a fonte... — Ele levantou a cabe-

ça e observou Bobby se aproximar. — Olá, irmãozinho.

— Pensei que encontraria Gary por aqui.
– Não há a menor possibilidade — respondeu J.R. — Ele está lá

no estúdio desde cedo, estudando toda aquela papelada.

Bobby franziu o rosto.
— Talvez seja justamente isso o que ele não deveria estar fa-

zendo.

— Gary é um homem adulto.
— Talvez não seja esse o tipo de negócio em que Gary deveria

entrar, depois de tudo por que passou.

— Um homem precisa ter um senso de realização para enfrentar

os momentos difíceis.

— Deve haver alguma outra coisa que ele possa fazer.
— Pois me aponte uma. Não tenho uma coleção de companhias de A

a Z para ele escolher.

— Por que tanta pressa em fazê-lo trabalhar?
— Porque aquela pequena companhia vai ser uma mina de ouro pa-

ra os Ewings, meu caro irmão. Caiu em nosso colo de repente e Gary
vai se sair muito bem. Deixando todo mundo feliz.

— É o que espero, J.R.. E quero que saiba de uma coisa: gosto

de Gary, mas gosto muito mesmo.

— É uma pena que você não tenha mais irmãos para gostar tanto

assim — interveio Sue Ellen, num tom zombeteiro.

— Não faça nada com ele, J.R. — acrescentou Bobby, depois de

uma pausa. — Deixe-o em paz.

— Tudo o que estou procurando fazer é garantir o futuro de

Gary, ajudá-lo a sair definitivamente de sua crise.

— Está certo. Quero apenas que não se esqueça de jogar limpo

desta vez.

— É o que sempre faço, irmãozinho... à minha maneira.


Meia-noite. Southfork estava em silêncio, exceto pelos sons

noturnos, que se insinuavam suavemente. No estúdio, Gary estava
inclinado sobre a mesa, tentando encontrar algum sentido no rela-
tório anual e no balanço da companhia, resumindo as operações dos
últimos três anos. Não estava conseguindo entender quase nada. Um
dos olhos doía e ele esfregou-o com força, procurando algum alí-
vio. Levantou-se para se espreguiçar quando Pam entrou.

— Não acha que já é muito tarde para continuar acordada?
— Você também está acordado.
— Não conseguia dormir e resolvi levantar-me.
— Nesta família, há sempre alguma coisa para manter a gente a-

cordada.

Gary soltou uma risada em que não havia qualquer humor.

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— Entendo perfeitamente o que está querendo dizer. Deve ser

mais difícil para você, que vem de fora. Algo assim como se chocar
contra um muro. Uma espécie de choque emocional.

— Também não tem sido fácil para você.
Gary acenou com a mão para os documentos espalhados sobre a

mesa.

— Tudo isso... eu jamais quis me envolver com os negócios dos

Ewings.

— Então por que está fazendo isso agora?
— Por Lucy, Val, mamãe. Todas querem uma vida familiar normal,

com a minha participação.

— E pode assumir tudo, Gary?
— Não sei.
Nesse momento, Miss Ellie apareceu, carregando uma bandeja com

leite e biscoitos.

— Ouvi-o trabalhando aqui embaixo, filho, e imaginei que po-

deria gostar de comer alguma coisa.

— Obrigado, mamãe.
— Talvez você esteja exagerando um pouco, Gary. Não precisa

ler tudo esta noite.

— Pensei que gostaria de ler pelo menos uma coisa.
Ninguém riu.
— Acho que vou voltar para a cama — disse Pam, inclinando-se

para beijar Gary no rosto. — Quero que saiba que o acho um cunhado
maravilhoso.

E ela afastou-se. Sorrindo tranqüilamente, Miss Ellie encami-

nhou-se para a porta.

— Não fique acordado até muito tarde, filho.
Gary voltou rapidamente ao trabalho e à cadeira. O cotovelo

esbarrou na bandeja e o copo de leite caiu, derramando seu con-
teúdo sobre a mesa e o chão.

Ele começou a praguejar.
— Vou buscar alguns guardanapos — disse Miss Ellie.
— Não se preocupe, mamãe. Pode deixar que arrumarei tudo.
— Os documentos... — murmurou Pam.
— Vamos limpá-los — disse Miss Ellie.
Gary revirou os olhos.
— Desculpem.
— Não foi nada — disse Pam.
— Desculpem.
— Deixarei tudo como estava antes e ainda trarei outro copo de

leite — prometeu Miss Ellie.

Gary explodiu:
— Mas que diabo! Deixem-me em paz! Com todos os diabos, foi

apenas um copo de leite! Deixem-me em paz!

Um silêncio tenebroso pairava sobre a casa. Parado no escuro,

imóvel, Gary podia ser algum objeto inanimado, instalado no meio
da sala. Subitamente, ele mexeu-se, foi até o bar. Encheu um copo
com uísque, levantou-o para uma inspeção de conhecedor, antes de
beber. Por um longo momento, a sua imobilidade voltou. Ficou com-
pletamente paralisado, mal respirando, a mente se embrenhando pelo
passado e saltando para o futuro.

Lentamente, cuidadosamente, mantendo o copo de uísque estendi-

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do à sua frente, como se fosse algo raro, delicado e precioso, ele
foi para trás do bar e despejou o líquido de cor âmbar na pia.

Foi nesse momento que um suspiro atraiu-lhe a atenção. Na por-

ta, apenas de camisola, estava Valene. Ela murmurou o nome dele e
acrescentou:

— Não pode imaginar como estou orgulhosa de você.
— Dois dias com os Ewings... — murmurou Gary. — Isso é tudo o

que é necessário.

— Você não bebeu.
— A velha batalha do bêbado reformado. Beber ou não beber.
— Você venceu.
— Desta vez. Haverá outras.
— E outras vitórias.
— Não aqui, não desta vez.
— O que vai fazer?
— O que vou fazer? — Gary fitou-a, com uma expressão de sur-

presa. — Vou embora, é claro. O que mais poderia fazer?

— Dessa maneira? De madrugada, sem se despedir de ninguém?
— É a melhor maneira.
— Ou seja, a maneira mais fácil.
— Isso mesmo, a mais fácil. O único jeito que eu conheço de

partir.

— E Lucy? Não vai conversar com ela, explicar os seus motivos?

A menina está desesperada.

— Estamos todos. Mas é melhor que ela fique aqui a me odiar do

que passar a odiar os Ewings.

— Você é o pai dela.
— Isso não é suficiente. Ela precisa de uma família, lar, ami-

gos, estabilidade.

— Quando eles descobrirem que você não está mais aqui, eu tam-

bém terei de ir embora.

— Você pode ficar.
— J.R. não permitiria. Ele o está afastando deliberadamente e

fará a mesma coisa comigo. Não será tão difícil assim para ele.
Quer me deixar ir com você, Gary?

— Em nome dos velhos tempos?
— Em nome dos novos tempos.
Ele sacudiu a cabeça.
— Não daria certo. Ainda não estou preparado. — Ele deu dois

passos na direção da porta. — Adeus, Val.

— Nunca amei ninguém como o amei, Gary. É o que eu sempre dis-

se, Gary. Você era a coisa mais linda que eu já vi. E continua a
ser.

Ele já estava na porta, saindo.
— Adeus, Val — repetiu ele, sem se virar. — Manterei algum

contato com você.

Ela ficou parada na porta, observando-o desaparecer pela noite

afora. Relutantemente, fazendo um tremendo esforço para conter as
lágrimas, Valene voltou para o interior da casa. Meia hora depois,
ela também deixou Southfork.



Foi um dos triunfos mais fáceis de sua vida, disse J.R. a si

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mesmo mais tarde. Agora, ele poderia concentrar-se no último obs-
táculo real remanescente à sua ambição... o irmão Bobby. Sabia que
não seria tão fácil, mas acabaria alcançando nova vitória. Era o
que sempre acontecia.

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PARTE 3

Bobby e J.R.



10





Os Ewings estavam tomando o café da manhã, um bufê farto e va-

riado, servido perto da piscina, ao sol do princípio da manhã. Ha-
via presunto, defumado ou não, bifes, pastéis, empadas, bacon ca-
nadense, ovos mexidos, cozidos ou fritos, a escolher, batatas fri-
tas, quatro espécies de cereais, quentes e frios, biscoitos, tor-
radas, coalhada, pão, manteiga, quatro variedades de queijo, café,
chá, leite, sucos e frutas. Era uma mesa em que os apetites podiam
ser prontamente satisfeitos, as sedes saciadas e as hostilidades
aguçadas a um ponto perigoso.

— Alguém está interessado em dar uma olhada no jornal? — inda-

gou J.R., com um bom humor fora do normal.

— Quero a parte de finanças — grunhiu Jock, com a boca cheia

de ovo.

— E eu a de moda — disse Pam.
— Eu fico com a página social — pediu Sue Ellen.
— E você, Lucy, vai querer alguma coisa?
Ela limitou-se a sacudir a cabeça e J.R. acrescentou:
— Ainda está pensando naquele seu manobreiro do estacionamen-

to, não é mesmo, Lucy?

J.R. soltou uma risada e Lucy disse, friamente:
— Ele vai ser um médico. E pare de implicar comigo, J.R.
Ele entregou a parte de histórias em quadrinhos e observou

Lucy afastá-la bruscamente, sem fitá-lo. J.R. virou-se para Bobby.

— E você, irmãozinho? Acho que gostaria de dar uma olhada na

primeira página. Tem uma notícia sensacional. Parece que aqueles
600 mil barris de petróleo encomendados e pagos pela Ewing Oil fo-
ram consignados ao fundo do mar.

— Mas como você é generoso e compreensivo, J.R.! — disse

Bobby, incisivamente.

— Alguém sabe como aconteceu? — perguntou Lucy. — Não é muito

difícil um petroleiro afundar assim?

Bobby demorou um pouco para responder:
— Ninguém sabe direito o que houve. Mas o comandante e os tri-

pulantes estão vindo para cá de avião. Teremos informações mais
definidas assim que eles apresentarem seu relatório.

— Tentei adverti-lo, Bobby — comentou J.R., suavemente. — Você

estava indo depressa demais, para o seu próprio bem.

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Jock mantinha a cabeça escondida por trás da seção de finan-

ças, um pigarro sendo a única indicação de sua presença. Bobby,
consciente de que havia considerável desaprovação entre outros
membros da família, além de J.R., pela maneira como ele estava
cuidando das coisas, tentou fortalecer sua posição.

— Ora, J.R., a perda daquele petroleiro pode ser um problema,

mas não chega a ser o fim do mundo. Perdemos algum petróleo, é
verdade, mas o seguro cobrirá o custo. Estamos financeiramente
resguardados. E posso cuidar de tudo o mais que acontecer.

J.R. exibiu os dentes cerrados.
— Não é essa a questão, irmãozinho. Não é essa absolutamente a

questão.

Pam, contendo o ressentimento pela maneira como o marido esta-

va sendo tratado, não pôde mais se controlar:

— E qual é exatamente a questão, em sua opinião, J.R.? O que

você teria feito para evitar que aquele petroleiro afundasse? Como
Bobby ou qualquer outra pessoa poderia fazer alguma coisa?

Sue Ellen respondeu prontamente, saindo em defesa de J.R.:
— Quando se quer entrar no jogo, é preciso saber assumir a

culpa.

— Já chega — interveio Miss Ellie, firmemente. — Conversa não

vai tirar aquele navio do fundo do mar. Bobby dará um jeito de re-
solver todos os problemas. Não é mesmo, filho?

— Tentarei, mamãe.
— Tentar não é suficiente — disse J.R. jovialmente, sem desvi-

ar os olhos do irmão. — O que você acha, papai?

Por trás do jornal, Jock mudou de posição, esfregou o queixo

barbeado, engoliu em seco. Mas não disse nada. Bobby levantou-se.

— Tenho de ir. Preciso conversar com Mr. Eugene sobre o seguro

do petroleiro. É preciso agir o mais depressa possível...

Uma hora depois, ele estava em seu escritório, transmitindo

ordens a Connie, a mente funcionando ativamente, procurando per-
ceber e analisar todas as possibilidades, prever todas as eventua-
lidades.

— Primeiro, faça uma ligação para Steve Taylor. Ele terá de me

arrumar algum petróleo no mercado spot. Em seguida, ligue para Mr.
Eugene Bullock. Quero saber qual a companhia que tinha o seguro do
petróleo. Depois, telefone para a companhia e peça que mandem um
representante até aqui o mais depressa possível. Quero preencher o
pedido de pagamento do sinistro imediatamente.

— Cuidarei disso prontamente.
Connie encaminhou-se para a porta, mas virou-se antes de che-

gar à porta, uma expressão preocupada no rosto bonito e normal-
mente tranqüilo.

— Bobby...
Ele levantou os olhos.
— O que é?
— Queria apenas que soubesse que lamento profundamente o que

aconteceu com aquele petroleiro. Sei o quanto isso representa de
pressão em cima de você.

— Conseguirei sobreviver.
— Tenho certeza quanto a isso. Mas...
— Se houver um excesso de petróleo bruto no mercado neste mo-

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mento, não haverá qualquer problema. Não me agrada a idéia de com-
prar em leilão, mas desta vez não há alternativa.

— Está certo, Bobby. Por falar nisso, Brady York está lá fora,

querendo falar com você.

— Mande-o entrar e trate de providenciar rapidamente as liga-

ções.

Connie retirou-se e segundos depois introduziu Brady York na

sala.

— Desculpe ter aparecido sem marcar um encontro antes, Bobby.
— Ora, Brady, você é sempre bem-vindo aqui. Sente-se. Em que

está pensando?

York tirou o chapéu preto e passou a mão pela cabeça calva e

lustrosa.

— Parece que ambos estamos com um problema... aquele maldito

petroleiro, Bobby. Com todo aquele petróleo. Estou preocupado,
Bobby. Estou ansioso. Estou apavorado. E estou terrivelmente ten-
so. Preciso saber o que vai acontecer, o que você vai fazer. Aque-
la gasolina, Bobby... preciso daquela gasolina de qualquer maneira
para os meus postos.

Começara, pensou Bobby: os problemas, as pressões, as exi-

gências cada vez mais difíceis.

— Você terá a gasolina, Brady. Eu lhe dei a minha palavra. Só

que poderá demorar mais um pouco.

York remexeu-se nervosamente.
— Quanto tempo mais?
— Ainda não posso prever com exatidão.
— É justamente esse o problema, não é mesmo? Tenho de saber.

Meus revendedores estão atrás de mim para saber quando. Precisa me
dar uma data de entrega, Bobby.

— Posso lhe dar uma resposta ao final da tarde, Brady. É o má-

ximo que posso fazer.

Brady suspirou e massageou o peito.
— Nada é mais como antigamente. Do jeito que as coisas estão,

se eu não fornecer a gasolina aos postos que abasteço, eles terão
de funcionar menos horas. E é bem possível que alguns sejam obri-
gados a fechar. Há também a perspectiva de alguns afundarem.

— A situação não é tão ruim assim, Brady.
— Talvez ainda não seja, mas ficará em breve. Há muitos anos

que sou um distribuidor, Bobby. Opero com base na garantia e na
capacidade dos fornecedores de entregarem a gasolina e na tolerân-
cia dos postos independentes que estão ligados a mim. Já trabalhei
muito, Bobby, e acho que merecia algo melhor.

— Quanto a isso, não tenho o que argumentar.
— Há apenas uma regra para ser um bom distribuidor. Chegue com

o seu produto a tempo ou então as bombas vão parar. Se um motoris-
ta quer encher o tanque e não encontra gasolina num posto, ele se-
gue imediatamente para outro. E o dinheiro perdido hoje nunca mais
pode ser recuperado.

— Eu compreendo.
— Compreender não é suficiente, Bobby. Qual é a providência

que você vai tomar?

— Estou fazendo o melhor possível para remediar a situação.
York hesitou por um instante.

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— Nunca fiz negócios com os Ewings antes disso porque... peço

que não me leve a mal, Bobby... mas seu irmão não possui o que se
poderia chamar de uma reputação respeitável.

— Não tenho comentários a fazer a esse respeito, Brady.
— Nem eu esperava. Mas você... achei que podia confiar em vo-

cê, Bobby.

— E pode. O afundamento daquele petroleiro não foi exatamente

culpa minha.

— Sei disso. E não estou lhe atribuindo qualquer culpa pes-

soal. Estou apenas dizendo que você prometeu me entregar a ga-
solina dentro de cinco dias e é justamente o prazo em que preciso
tê-la.

O orgulho de Bobby estava abalado, o ego avariado. O embaraço

transpareceu em seu rosto.

— Você é um velho amigo do meu pai, Brady. Diria que a minha

palavra vale tanto quanto a dele?

— Eu lhe concederei isso. Afinal, você é um Ewing.
— Pois muito bem, aqui está a minha palavra: você terá a sua

gasolina. Imediatamente, Brady.

Brady pegou a mão de Bobby e apertou-a vigorosamente.
— Isso é mais do que suficiente para mim, Bobby. Ficarei es-

perando notícias suas muito em breve.

— Telefonarei para você assim que eu tiver alguma coisa de

concreto para dizer.

Brady foi embora sorrindo. Mas o sorriso no rosto de Bobby se

desvaneceu assim que ele ficou sozinho. Parecia que nada seria fá-
cil. Ele recostou-se na cadeira, as mãos cruzadas atrás da cabeça,
tentando clarear os pensamentos. Mas o petroleiro afundado insis-
tia em se insinuar em sua mente, como uma visão fantasmagórica. O
afundamento ocorria num momento crítico para a sua nova carreira
como presidente da Ewing Oil, uma ocasião mais do que apropriada
para quem estivesse querendo ver o seu fracasso.

A imagem do petroleiro na tela de sua mente foi substituída

pelo retrato de J.R. sorridente, com uma expressão de triunfo no
rosto. No mesmo instante, Bobby sentiu vergonha e culpa por sequer
cogitar da possibilidade de cumplicidade do irmão no caso. Nem
mesmo J.R. seria capaz de chegar ao ponto de afundar um petroleiro
em alto-mar. Ou seria?

Pensando em tudo, ele não podia se recordar de qualquer outro

relacionamento além do conflito com seu irmão mais velho. Imagina-
va que isso era perfeitamente natural, começando com Caim e Abel,
passando pela teoria de Freud sobre a rivalidade entre irmãos e
chegando aos irmãos Ewing em Southfork. Mesmo quando garoto, J.R.
já era um opressor, sempre tentando se destacar à custa dos ir-
mãos. Houvera uma ocasião na escola, muitos anos antes, quando
Gary demonstrara interesse por uma garota chamada Sandy. J.R. con-
seguira ridicularizar Gary, referindo-se ao fato de que o irmão
ainda molhava a cama até a puberdade e sempre evitara qualquer
conflito físico. Ele escarnecera do irmão, insultara-o e final-
mente se apropriara de Sandy.

E fora Bobby quem saíra em defesa de Gary, enfrentando J.R.,

dizendo o que ele realmente era. J.R. jurara se vingar do insulto
e Bobby tinha a impressão de que o irmão mais velho vinha tentando

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justamente isso desde então. Mas...

Havia mais em J.R. do que apenas o desejo de vingança. Ele an-

siava por um triunfo depois de outro, poder, riqueza infinita, a
aprovação constante de Jock.

E mais. Para J.R., vencer nunca era suficiente. Era necessário

que, no processo, os irmãos fracassassem e fossem humilhados.

Os olhos de Bobby se abriram de repente, ele empertigou-se na

cadeira e fez uma promessa. De alguma forma, impediria a vitória
de J.R. naquele caso. Faria tudo o que fosse necessário para re-
solver aquela crise... em seu próprio crédito e também em crédito
da Ewing Oil, pois era a atitude ética que devia tomar.

Menos de uma hora depois, Bobby estava no helicóptero da com-

panhia, sobrevoando as planícies texanas. O helicóptero passou por
um pequeno morro. Lá embaixo, ficava o depósito de petróleo da
Ewing Oil, os imensos tanques parecendo discos brancos achatados
do alto. O helicóptero fez uma volta e começou a descer, indo pou-
sar perto da pequena estrutura de madeira que servia como escritó-
rio.

Bobby desembarcou, abaixando-se para evitar os rotores que

ainda giravam, seguindo na direção de um homem de capacete pro-
tetor. Era Charlie Waters, o encarregado do depósito. Trocaram um
aperto de mão e foram andando pelo corredor largo que separava as
fileiras de tanques.

— Não estava esperando a sua visita, Bobby.
— O que estou precisando saber, Charlie, é exatamente quanto

petróleo bruto em excesso temos neste momento.

O encarregado parou e hesitou, a testa curtida se franzindo.
— Não sei se estou entendendo.
— É muito simples. Quanto petróleo temos nos tanques?
— Não é muita coisa.
— Quanto?
— Tenho de verificar no inventário. Mas uma coisa já posso lhe

adiantar, Bobby. Tudo o que temos aqui está consignado.

— Consignado? Para quem?
— Para a refinaria Wilkinson, em Galveston.
A consternação provocou um calafrio que percorreu o corpo de

Bobby, deixando em sua esteira uma sensação de fraqueza, derrota e
desespero.

— Não pode ser tudo — murmurou ele.
— Mas é... todos os 450 mil barris.
Bobby respirou fundo e depois tomou uma decisão.
— Wilkinson terá de esperar alguns dias pelo petróleo. Preciso

desses barris em nossa refinaria e preciso imediatamente. O mais
cedo possível.

O rosto de Charlie se contraiu.
— Ora, Bobby, não pode fazer uma coisa dessas.
— Uma ova que não posso! Wilkinson não terá de esperar por

muito tempo. O petróleo extraído dos campos Ewings compensará a
diferença em uma semana, dez dias no máximo.

– O único problema é que Wilkinson está dirigindo uma operação

sem capital de giro — disse o encarregado, obstinadamente. – Não
pode se dar ao luxo de esperar. Tem de entregar a gasolina aos
postos nos prazos contratados ou vai estourar. E este petróleo é

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da sua remessa regular. Há vinte e tantos anos que nunca falha.
Seu pai e Wilkinson selaram o negócio com um aperto de mão.

— Imagino que transformando o acordo numa coisa sagrada –

comentou Bobby, debilmente, sabendo que um aperto de mão no negó-
cio de petróleo representava um compromisso tão firme e solene
quanto um contrato escrito.

— Seu pai empenhou a palavra.
Bobby praguejou baixinho.
— Onde está seu telefone?
Charlie conduziu Bobby de volta ao escritório. Bobby pegou o

telefone.

— Dei ordem para comprar qualquer petróleo disponível no mer-

cado spot. — Ele discou e esperou. — Vamos verificar o que conse-
guiram.

Ele falou ao telefone:
— É você, Steve Taylor? Bobby Ewing falando.
— Eu estava mesmo tentando localizá-lo, Bobby.
— O que aconteceu? Teve sorte com o petróleo?
— Infelizmente, não.
— Quanto conseguiu comprar, Steve?
— É justamente esse o problema, Bobby. Nem uma gota. Parece

que o mercado secou. Saí de mãos vazias.

— Oh, diabo! Continue tentando, está certo?
— Farei tudo o que for possível por você, Bobby.
— Mantenha-me informado.
Bobby desligou e ficou olhando pela janela suja. Um caminhão-

tanque encostara num dos imensos reservatórios e estava sendo car-
regado de petróleo. Bobby travou uma batalha desesperada e silen-
ciosa consigo mesmo. Não importava o que ele fizesse, alguém seria
prejudicado. Alguém seria insuflado, convencido de que a Ewing Oil
lhe fizera uma manobra suja. Wilkinson ou Brady... um dos dois ha-
veria de ficar furioso antes que aquele dia terminasse. Bobby vi-
rou-se para fitar o encarregado do depósito.

— Não tenho alternativa, Charlie. Quero os 450 mil barris que

estão aqui, até a última gota de petróleo. Quero que seja tudo
despachado para a refinaria Ewing. E quero que seja tudo provi-
denciado hoje... imediatamente.

O encarregado ficou chocado e deixou transparecer.
— E Wilkinson?
— O que há com ele? — disse Bobby, com uma frieza que não sen-

tia.

— O que vou dizer a ele?
— Procure ganhar tempo. Diga-lhe que houve um atraso. Mais

dois dias e ele terá todo o seu petróleo.

— Estou lhe dizendo que ele precisa do petróleo hoje.
A raiva de Bobby, consigo mesmo, com as circunstâncias sobre

as quais não tinha qualquer controle, com aquele encarregado obs-
tinado, explodiu subitamente:

— Mas que diabo, homem, não discuta comigo! Faça o que estou

mandando e faça agora!

Por um instante, os olhos dos dois homens se encontraram. De-

pois, o encarregado desviou os seus, murmurando:

— Como quiser, Mr. Ewing.

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— Como eu quiser — repetiu Bobby, baixinho.
O encarregado afastou-se.
Toda a raiva e a força esvaíram-se de Bobby. Ele arriou numa

cadeira de madeira, abalado, confuso, desapontado consigo mesmo.
Com uma expressão sombria, tentou avaliar o bem e o mal da decisão
que acabara de tomar, contrabalançando uma coisa a outra, a fim de
convencer-se de que adotara a decisão correta.

Era uma tarefa impossível.


Foi muito tempo depois, naquela tarde, que Ray Krebbs aproxi-

mou-se de sua casa em Southfork, na pick-up toda amassada. Parou e
examinou sem reconhecer o velho Chevy empoeirado que estava esta-
cionado no caminho. Depois de um momento, Ray saiu da pick-up,
ajeitou o velho chapéu de palha e passou pelo Chevy, em passadas
largas. Um homem estava sentado nos degraus da frente, fumando um
cigarro, observando Ray se aproximar.

— Boa-tarde — disse ele, como se fossem velhos amigos.
Ray parou e contemplou o homem. Era um homem de meia-idade,

barrigudo, a pele clara, quase pálida. Havia nele algo de inquie-
to, como se fosse um homem que nunca se sentisse à vontade com o
que era. Os olhos se deslocaram ao redor, como se procurassem um
lugar seguro em que se fixarem. Os lábios se mexeram no cigarro,
numa vã tentativa de extrair algum conforto do tubo mentolado.

— Boa-tarde — disse Ray. — Posso ajudá-lo em alguma coisa?
O homem conseguiu exibir um breve sorriso.
— Não me reconhece, não é mesmo, rapaz?
— Não posso dizer que sim.
– É que já faz muito tempo.
– Já disse o seu nome?
O sorriso reapareceu e persistiu.
– Ainda não disse, não é mesmo? Pois meu nome é Amos, Amos

Krebbs. O mesmo sobrenome que o seu. Não acha que é... como é
mesmo que se diz... uma coincidência e tanto?

Ray não se mexeu. Uma coincidência?
_ Pois não se trata absolutamente de uma coincidência, rapaz -

continuou Amos Krebbs, com uma crescente agressividade. — É que
nós dois, rapaz, somos parentes sangüíneos. Eu sou o seu pai há
muito desaparecido.



11




O tempo parou para Ray Krebbs. Os raios alongados do sol poen-

te projetavam uma sombra comprida, mas ele nem percebia. Em algum
lugar por perto, um coiote uivou, enquanto um par de gaviões cir-
culava indolentemente pelo céu. Ray não se importava com nada dis-
so. A dúvida penetrara em sua mente, embotando a memória, afetando
o seu tempo de reação, inibindo os seus reflexos. Os olhos estavam

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fixados no rosto redondo de Amos Krebbs, mas era outro rosto que
ele via, um rosto do passado, um rosto que não mais reconhecia ou
sequer recordava. O rosto esquivo de ontem era por demais vago e
muito doloroso para relembrar, o rosto de angústia, pavor e soli-
dão, terrível demais para suportar.

— Está mentindo — disse ele, finalmente, com uma insinuação de

ameaça na voz.

— Não, não estou — disse Amos, suavemente. — Sou mesmo o seu

pai.

— Não tenho pai — disse Ray, sem pensar.
Uma contração irônica na boca de Amos indicou claramente o

prazer perverso que ele sentia na conversa. Era um homem que não
estava acostumado a vitórias, um homem que encontrava apoio para
os seus fracassos quando e onde podia.

— Sou mesmo seu pai — repetiu ele. — Pode acreditar em mim,

rapaz.

Ray pareceu voltar abruptamente ao presente. O rosto comprido

e ossudo recuperou a cor, o queixo reassumiu a sua pose de deter-
minação, os olhos azuis retomaram seu brilho intenso.

— Acho que se está dizendo isso, então é mesmo.
— Sou, sim.
— Pois muito bem, acredito em você.
Amos mudou de posição, levando uma mão ao bolso.
— Talvez seja melhor você dar uma olhada no que tenho aqui.
Ele estendeu um maço de velhos documentos. Ray recuou, balan-

çando a cabeça negativamente.

— Vamos — insistiu Amos. — Não vai fazer mal a um rapaz tão

forte quanto você.

Ray pegou os documentos. Havia uma certidão de nascimento an-

tiga, meio acastanhada nas beiradas, com seu nome escrito, uma dú-
zia de velhas fotografias de um garoto em vários estágios de cres-
cimento. A semelhança do garoto com ele próprio era evidente, in-
tensa, inegável. Ele devolveu tudo a Amos.

— O que você quer?
Amos levantou-se, mais confiante agora, ajeitando a calça,

sorrindo afavelmente.

— Acredita em mim agora, não é mesmo? Sou de fato seu pai. Só

que não vou insistir para que me chame de papai. Apenas Amos bas-
tará. O velho Amos.

O sorriso era mais largo, mas nem por isso mais afetuoso ou

efusivo.

— É curioso como você apareceu de repente, sem avisar. De um

momento para outro.

— A vida pode ser curiosa.
— Por que agora, levando-se em consideração todo o tempo que

já passou desde que me abandonou e a mamãe?

E agora o rosto estava nítido na mente de Ray, o rosto banhado

em lágrimas de sua mãe.

— Não encare as coisas pelo lado pessoal. Gosto de você. E

gostava de sua mãe. Mas um homem tem suas razões.

— Para abandonar a família?
— Esse é apenas um ângulo da questão.
— Que outro poderia haver? Você nunca enviou cartas, nunca te-

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lefonou. Nunca mandou dinheiro. Não fez nada, absolutamente. A
verdade é que nunca se importou.

Amos sacudiu a cabeça para cima e para baixo, sem qualquer in-

dicação de pesar.

— Tenho de admitir tudo isso. É a verdade.
Uma raiva intensa insinuou-se na voz de Ray, um prenúncio do

seu temperamento explosivo aproximando-se do ponto de ebulição:

— Então por que diabo resolveu aparecer agora?
Amos apagou o cigarro no alpendre da casa de Ray, um alpendre

que ele acabara recentemente de fazer, sozinho. Amos acendeu outro
cigarro.

– Veja as coisas da seguinte maneira, rapaz. Você tem se sa-

ído muito bem sozinho. Melhor do que eu... e saiba que estou fa-
lando sério. Tem uma casa nova, um pedaço de terra que lhe perten-
ce e ainda por cima está nas boas graças de Jock Ewing, que é o
rei do gado por estas bandas.

A menção do nome de Jock abalou o controle de Ray. Ele deu um

passo rápido para a frente e Amos prontamente recuou, alarmado.

— Pois deixe-me dizer-lhe uma coisa, papai. Quando eu cheguei

aqui, tinha 15 anos. Mamãe morrera e eu não tinha para onde ir,
ninguém que estivesse disposto a me aceitar. Só possuía as roupas
do corpo e um bilhete de mamãe para Jock Ewing, suplicando que me
ajudasse. Ele não era obrigado a fazer isso, mas foi o que fez. E
com a ajuda dele pude encontrar algum controle, dar um rumo a mi-
nha vida. Jock Ewing tem sido muito mais pai para mim do que você
jamais foi.

Amos fungou e deu uma tragada no cigarro, depois fez menção de

apagá-lo no alpendre.

— Não faça isso! — disse Ray bruscamente. — Não estrague o meu

alpendre novo, está bem?

Amos não se importou muito com a expressão no rosto de Ray.

Jogou o cigarro para longe do alpendre e disse:

— É uma história comovente, rapaz, uma história que vou recor-

dar por muitos anos.

— Não faz a menor diferença para mim. Queria apenas que sou-

besse como me sinto.

— Sei perfeitamente. Mas quero lembrá-lo de uma coisa, ra-

paz... fui eu quem o criou. Pelo menos durante os seus três pri-
meiros anos. Isso tem de valer alguma coisa.

Ray digeriu isso por um momento, depois enfiou a mão no bolso.
— Tem razão, isso vale alguma coisa. Apenas uns cem dólares. —

Ele meteu o dinheiro no bolso da camisa de Amos. — Isso é sufici-
ente para comprar gasolina para sair do Texas... e é melhor nunca
mais voltar.

Amos abriu os braços, num gesto de desamparo.
— Dê-me uma oportunidade, filho. Cem dólares não compram nada

atualmente, com a inflação e todo o resto. Acha que está sendo
justo com o seu velho pai?

— Todo esse tempo e nunca mandou sequer um cartão-postal. Nem

uma visita, absolutamente nada. Nunca mandou um dólar para nos
ajudar.

— Nunca tive um dólar para mandar, rapaz. E isso é outra coisa

em que você pode acreditar. As coisas nunca foram muito boas para

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mim.

— Ao diabo com toda essa conversa! Nunca terá qualquer compai-

xão de minha parte. Não lhe devo absolutamente nada, Amos. Portan-
to, entre no seu carro e trate de ir embora daqui. Não serei capaz
de conter a minha raiva por muito mais tempo.

Amos contornou Ray e encaminhou-se para o seu carro. A experi-

ência lhe dizia que fora ao máximo que podia... por enquanto. Ray
ficou observando-o se afastar, nervosamente. Alguma coisa nos
olhos de Amos Krebbs advertira-o de que não seria a última visita
que receberia do homem. Continuou a olhar até que a poeira levan-
tada pelo carro do pai desaparecesse. Era um homem cuja ilusão fo-
ra destroçada e agora nada lhe restava.



Pam estava na cama, com um livro, quando Bobby entrou no quar-

to. Ele parou logo depois da porta, os olhos dos dois se encontra-
ram. Bobby jogou o paletó numa cadeira e disse, hesitante:

— Eu esperava que você estivesse dormindo.
— Por quê? Para não ter de me enfrentar?
— Não é isso, Pam.
— O que é então, Bobby? Diga-me, por favor. Sou uma mulher ca-

sada que quase nunca vê mais o marido, uma mulher casada que fica
sozinha, sem ninguém para conversar ou amar, uma mulher casada vi-
vendo como um eremita no deserto. Não preciso disso, Bobby.

— Você sabe o que está acontecendo, sabe o quanto estou traba-

lhando. Este é um momento difícil para mim, Pam. Não fique assim,
está bem? Tive um dia horrível.

— O que é mau. O meu dia também não foi dos melhores.
Bobby arriou na beira da cama, tomando cuidado para não fazer

qualquer contato físico com a mulher, um fato que ela notou e re-
gistrou.

— O que houve de tão especial no dia de hoje, Bobby?
— Fiz uma coisa de que não me sinto absolutamente orgulhoso,

mas era algo que tinha de ser feito, em prol dos negócios.

— Parece até que estou ouvindo J.R. falar.
Bobby tornou a se levantar e começou a despir-se.
– Tive de cancelar um acordo de papai selado com um aperto de

mão, a fim de honrar um compromisso que eu assumira. Foi uma coisa
infernal, Pam.

Uma onda de ternura invadiu-a.
— Bobby, talvez essa não seja a espécie certa de vida para vo-

cê. Você não é como J.R. Eu não quero que seja e você próprio não
quer ser. Desista, Bobby. Não há qualquer vergonha em afastar-se
de uma coisa que não se está querendo. Largue a Ewing Oil.

— Acho que não fui bem claro. Não quero me afastar. Não quero

renunciar. Não quero largar a Ewing Oil.

— Então o que você quer?
Ele pareceu ficar surpreso com a pergunta.
— Ora, quero vencer, é claro.
Pam assentiu e largou o livro. Rolou para o seu lado da cama e

fechou os olhos. Mas muito tempo se passou antes que ela conse-
guisse dormir.

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Bobby estava em sua sala e falando ao telefone, na manhã se-

guinte, bem cedo.

— Steve Taylor? Bobby Ewing novamente. Quero que me diga tudo.

O que está acontecendo? Sua firma deve conhecer o mercado spot pe-
lo avesso, mas tudo o que ouço é uma conversa vazia. Por que não
posso...

— Posso lhe arrumar dez mil barris dentro de um dia ou pouco

mais, Bobby.

— Isso está longe de ser suficiente e você sabe perfeitamente.

Tenho um homem esperando em Galveston a quem devo 450 mil barris
e...

— Ele terá de continuar esperando.
— Ele não pode esperar e eu também não posso. Continue ten-

tando, Steve. Mas que diabo! Alguém deve ter algum petróleo que
está querendo vender!

Bobby desligou e no mesmo instante o interfone soou.
— O que é agora?
— É Mort Wilkinson, Bobby — disse Connie.
Bobby ficou consternado. Não queria falar com Wilkinson, pelo

menos por enquanto.

— Em que linha ele está?
— Ele está aqui, na recepção.
Bobby respirou fundo.
— Mande-o entrar.
Segundos depois, a porta se abriu e Wilkinson passou por Con-

nie, entrando na sala. Era um homem de aparência rude, na casa dos
50 anos, o corpo largo numa pose agressiva, o queixo saliente.
Bobby previa uma reunião terrível com o velho distribuidor e ten-
tou atenuar o que será inevitável.

— Connie, providencie uma xícara do seu excelente café para

Mr. Wilkinson.

— Esqueça — disse Wilkinson rispidamente.
Ele ficou esperando que Connie se retirasse e depois acrescen-

tou:

— Quero lhe dizer, Ewing, que não gosto do que está acontecen-

do por aqui.

Bobby levantou as mãos num arremedo de rendição.
— Dê-me ao menos uma oportunidade de explicar.
— Explicar uma ova! O que há para explicar?
— Não quer sentar, por favor?
— Prefiro ficar de pé e ouvir tudo direto. Tenho de lhe dizer,

rapaz, que há 20 anos venho fazendo negócios com a Ewing Oil e seu
pai, jamais precisando de mais de um aperto de mão para selar um
acordo. Nunca duvidei que alguma coisa pudesse fazer o seu pai
romper a palavra empenhada. Não podia esperar que uma coisa dessas
pudesse acontecer agora, partindo de um Ewing.

Bobby reprimiu sua reação inicial. Se ele fosse J.R., teria

mentido deslavadamente. Mas era ele próprio e por isso não podia
mentir. A verdade era a solução.

— Estou numa situação difícil, Mr. Wilkinson. Quero que saiba

disso. Tenho de atender a um prazo de entrega e...

— E os meus contratos? Se rompê-los agora, terei um bando de

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advogados caindo em cima de mim. Meus distribuidores não querem
saber de desculpas. Querem as suas entregas nos prazos e não posso
culpá-los por isso. O fornecimento para essa gente é a minha única
razão de estar no negócio.

— Preciso de algum tempo.
— Pois tempo é justamente o que não tenho, Bobby. Os postos

não terão tempo se não receberem a gasolina. Não sou grande o bas-
tante para ter uma reserva.

Bobby compreendia perfeitamente a situação dele e foi o que

disse.

— Mas deve também compreender a minha situação. Nove meses em

dez eu poderia substituir aquele petróleo com a maior rapidez.
Neste momento, porém, não consigo encontrar uma quantidade grande
o bastante no mercado spot.

O rosto de Wilkinson endureceu, ficou sombrio. A cabeça pa-

recia encolher-se entre os ombros. Por um momento de incerteza,
Bobby chegou a pensar que o homem fosse agredi-lo fisicamente. De-
pois, Wilkinson respirou fundo e pareceu relaxar outra vez.

— Não posso esperar, Bobby. E isso é tudo. Minha refinaria vai

fechar se não tiver petróleo. Meus caminhoneiros estão liquidados
se não tiverem gasolina para entregar. E os postos com os quais
tenho contrato desaparecem. Aí está a situação... se me falhar
dessa vez, estou irremediavelmente perdido.

— Não sei o que dizer, Mr. Wilkinson.
Wilkinson limpou a garganta e assoou o nariz. A voz estava

trêmula quando voltou a falar:

— Eu amo minha companhia, Bobby. Eu a construí e sempre a di-

rigi, agüentei firme nos momentos de crise. Minha companhia e mi-
nha reputação, isso é tudo o que tenho. Jamais casei, nunca tive
filhos nem família. Nada além da companhia. É a minha vida, e se
eu a perder... ora, simplesmente não sei!

Ele virou-se, desajeitadamente, os ombros vergando, um homem

subitamente exausto, toda a energia esgotada. Parou na porta e
acrescentou, em voz baixa e rouca, virando apenas a cabeça:

— Não faça isso comigo, Bobby.
E depois ele se foi. Foi um Bobby emocionalmente abalado que

arriou em sua cadeira. Um músculo na coxa saltou e se contraiu es-
pasmodicamente, enquanto ele piscava freneticamente por um momen-
to, consciente do peso imenso do fardo que carregava, questionando
pela primeira vez sua capacidade de suportá-lo.



Sally Bullock estava esperando em seu apartamento com uma gar-

rafa gelada de Dom Perignon. Ela abriu a porta para J.R. com um
sorriso efusivo e pôs um copo na mão dele, servindo depois o cham-
panhe para os dois.

— A nós, J.R.
— Sally, você tem uma propensão incorrigível para o romantis-

mo.

Ela tomou um gole, observando-o por cima do copo.
— Já vamos chegar a isso.
— E você é uma mulher bem-casada, Sally... — J.R. riu e bebeu,

depois ergueu o copo. — Proponho três brindes, se você acha que é

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capaz de acompanhar.

— Experimente, mister.
— Em primeiro lugar — disse J.R., jovialmente — ao bom navio

Antioch, que agora repousa no fundo do oceano, depois de prestar
um excelente serviço a você e a mim... excelente e lucrativo.

— Repousando no fundo do oceano com a sua preciosa carga —

acrescentou Sally, com uma risada deliciada.

— Muito preciosa... 600 mil barris de pura água do mar, que

não valem absolutamente nada.

J.R. bebeu e tornou a rir, uma erupção de som fria e satis-

feita.

— Para não mencionar uns poucos barris furados de petróleo

verdadeiro, a fim de criar uma mancha e ninguém desconfiar.

Sally bebeu também.
— Em segundo lugar — continuou J.R. — ao petroleiro Marsh Ga-

ron, neste momento ancorado ao largo de Corpus Christi, descarre-
gando 600 mil barris de petróleo venezuelano. Comprado e pago por
meu irmão Bobby e agora todo nosso.

— Aos lucros que vão fluir para os nossos cofres particulares,

J.R. Uma fatia considerável para ambos.

Eles bateram com os copos.
— E, finalmente — disse J.R. — ao seu marido e a meu irmão,

que caíram no maior golpe do século e tornaram tudo possível.

Eles beberam e J.R. tornou a encher os copos.
— Já lhe contei por quanto eu havia segurado o Antioch? Pelo

dobro do valor do mercado.

— Ah, Sally, você é uma coisinha muito gananciosa... mas tam-

bém muito esperta. Só deve tomar cuidado para que a ganância não a
meta numa encrenca algum dia.

— Sou muito cuidadosa na maioria das coisas, J.R. E espere só

até Bobby descobrir por quanto exatamente o seu "petróleo" está
segurado... ou deveria estar.

Ela emitiu um grunhido rouco e sensual, antes de arrematar:
— Oh, Deus, como tudo isso me faz sentir bem!
— E a mim também, minha cara.
— Só há uma outra coisa que me faz sentir melhor.
Sally largou o copo e começou a desabotoar a blusa de seda.

J.R. observava-a com interesse.

— O que poderia ser?
Ela desvencilhou-se da blusa e ficou imóvel, nua da cintura

para cima, os seios grandes e alvos espalhados sobre o peito.

— Devo dizer, Sally, que fico surpreso e satisfeito cada vez

que a vejo assim. Ah, que linda embalagem que você é!

— Tire as suas roupas — sussurrou ela, livrando-se da saia,

tirando rapidamente a calcinha e estendendo-se em seguida no sofá
branco.

J.R. não a manteve esperando por muito tempo. Parou por cima

dela, de copo na mão, igualmente nu. Lentamente, ele inclinou o
copo e derramou o líquido gelado na barriga dela, o champanhe es-
correndo para a mancha escura entre as pernas.

Sally estremeceu e insultou-o, arqueando-se na direção dele e

gritando:

— Não me faça esperar!

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J.R. ajoelhou-se ao lado dela, sorrindo maliciosamente, depois

baixou a cabeça e começou a lamber o champanhe, seguindo pela tri-
lha úmida.

Sally gemeu e se abriu toda para ele, conseguindo balbuciar:
— Ah, que bonificação maravilhosa...



12




Mesmo no centro de Dallas, entre homens altos e fortes, com os

movimentos ágeis e seguros de gente que apreciava a vida ao ar li-
vre, Jock Ewing atraía olhares de admiração, tanto de homens como
de mulheres. Havia alguma coisa de especial naquele homem do pe-
tróleo, que caminhava sem olhar para os lados, uma expressão firme
no rosto curtido pelo vento, os olhos aguçados fixados à frente,
sob o chapéu de aba larga.

Imerso em seus pensamentos, ele não percebeu imediatamente a

presença de outro homem ao seu lado, acompanhando-lhe os passos,
deliberadamente. Gradativamente, Jock foi sentindo a intromissão,
ficando inquieto e ressentido pela proximidade e insistência do
outro homem. Um rápido olhar revelou um homem barrigudo, mais ou
menos de sua idade, pálido e um tanto ansioso, acelerando os pas-
sos para acompanhá-lo.

— Eu o conheço? — perguntou Jock, sem diminuir o ritmo dos

seus passos.

— Não, senhor, não me conhece. Mas eu o conheço.
— É mesmo?
Pelo jeito como Jock falou, parecia uma ameaça.
— Isto é, já ouvi falar muito a seu respeito. Não são muitas

as pessoas nesta parte do Texas que não conhecem Jock Ewing.

— O que está querendo, mister!
— Sabe ser direto, hem? O que estou querendo é dizer-lhe que

sou aparentado com o seu capataz.

— Ray?
— Ray Krebbs. É também o meu sobrenome. Sou Amos Krebbs.
Jock soltou um grunhido, avaliando o outro homem, mesmo en-

quanto continuavam a andar. Não havia nada em Amos Krebbs que ele
pudesse considerar favorável... nem na aparência nem na expressão
nem na voz esganiçada e suplicante.

— Muito bem, Mr. Krebbs, diga logo o que está querendo — mur-

murou Jock, continuando a caminhar apressadamente.

— Gostaria de saber se pode me ceder dois minutos para uma

conversa. Uma conversa rápida, Mr. Ewing... enquanto tomamos um
café, por exemplo. Há um café no outro lado da rua.

Jock olhou para o relógio.
— Dez minutos, Krebbs, e depois seguirei o meu caminho. Sou um

homem ocupado.

— Está ótimo, senhor. Dez minutos serão mais do que suficien-

tes.

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Uma garçonete serviu-lhes o café numa mesa de canto. Amos

acrescentou muito leite e muito açúcar. Jock fez uma careta. De-
testava ver um bom café sendo estragado daquele jeito.

— Muito bem, Mr. Krebbs, comece a falar.
— Sim, senhor. Aqui está... Margaret Hunter.
Um brilho de expectativa surgiu nos olhos pequenos de Amos,

ele passou a língua pelos lábios. A expressão de Jock tornou-se um
pouco contraída, como em pesar. Ele baixou os olhos e logo tornou
a levantá-los, fixando-os nos de Amos Krebbs.

— Eu deveria ter imaginado... o nome Amos. Ela me disse o seu

nome. Eu deveria ter lembrado.

— Foi há muito tempo, Mr. Ewing.
— Há muito e muito tempo. O que o traz até aqui, depois de

tantos anos? O que está querendo afinal, Mr. Krebbs?

— Amava-a muito, não é mesmo, Mr. Ewing?
— É verdade, eu a amava — respondeu Jock, lentamente.
— Ela também o amava. E nunca me permitiu que esquecesse isso.
— Estávamos em guerra. Todas as emoções escapavam ao controle

naquele momento. Não é um modo normal de uma pessoa viver.

Jock levou a xícara aos lábios, mas não pôde beber. Tornou a

baixá-la e acrescentou:

— Muito bem, Krebbs, o que você está querendo?
Amos exibiu um sorriso ansioso.
— Ando um pouco sem sorte ultimamente, Ewing. Pensei que o no-

me Margaret Hunter pudesse valer alguma coisa para você.

— Chantagem?
– É uma palavra um tanto dura.
– Pois está desperdiçando o seu tempo e o meu. Meu romance com

Margaret não é nenhum segredo. Contei tudo à minha mulher assim
que voltei para casa. Ela também sabe que Ray é filho de Margaret.

– Tudo muito certinho e impecável... — murmurou Amos.
Jock levantou-se.
– Já chega, Krebbs. Teve todo o tempo que vou lhe dar. E o

único motivo pelo qual não saio chutando o seu traseiro impres-
tável pelo quarteirão é o fato de ser o pai de Ray.

Amos, também de pé, interrompeu-o com uma veemência surpreen-

dente:

— Será que não pode entender, Ewing? Quando eu casei com Mar-

garet, ela já estava grávida. É isso mesmo. Eu não sou o pai de
Ray, mas sim você!

Ele tornou a sentar-se, olhando triunfante para um aturdido

Jock Ewing.

— Sente-se, Ewing. Talvez possa encontrar agora em seu coração

um motivo para conceder-me mais um pouco do seu tempo tão especi-
al.

Jock estremeceu e arriou na cadeira, cuidadosamente. Pegou a

xícara de café e levou-a aos lábios, com as mãos trêmulas. Havia
muito o que assimilar, tanta coisa, tão rápida, tão inesperada.
Ele fez um esforço consciente para se concentrar, pensar direito,
ordenar as emoções.

— Por que só me apareceu com essa história depois de tantos

anos?

— Não se trata de uma história, Ewing, mas sim da verdade nua

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e crua. E deixou-o abalado, não é mesmo?

— Por que agora?
— Não há qualquer motivo específico. Apenas aconteceu que o vi

e a Ray lá em Fort Worth. E imaginei que minha sorte finalmente
mudara para melhor.

— Não conte com isso, Krebbs.
— Imaginei que poderia não acreditar em mim. Tenho provas.
— Que provas?
— O diário de Margaret, escrito por ela própria. — Krebbs ti-

rou um volume antigo do bolso. — Tenho de admitir que fiquei furi-
oso com ela. Foi por isso que roubei o diário, em primeiro lugar.
Deve compreender minha posição, Ewing. Lá estava eu, o velho Amos
Krebbs, incapacitado para a guerra, esperando que o conflito ter-
minasse para que a minha amada Margaret voltasse aos meus braços.
E, quando ela o fez, descobri que se apaixonara por algum piloto
texano que conhecera no além-mar.

— Meu nome está no diário?
Jock pronunciou as palavras sem qualquer ênfase, as emoções em

turbilhão, sob a invasão de recordações maravilhosas.

— Mas claro que está. E por toda parte. Aquela mulher gostava

mesmo de você, Ewing. O que posso perfeitamente compreender. Era
Jock isso e Jock aquilo, como tudo foi lindo e maravilhoso.

Amos fez uma breve pausa, antes de continuar:
— É claro que não tinha a chance de ler qualquer coisa até

dois anos depois. A esta altura, meus negócios estavam desmoronan-
do, o mesmo acontecendo com o casamento. Para ser franco, acho que
se pode dizer que toda a minha vida estava desmoronando. O que era
evidente por todas as brigas que eu tinha com Margaret. Acho que
algumas coisas não estão fadadas a dar certo. A verdade é que ela
nunca conseguiu esquecê-lo, Ewing... e uma coisa dessas não é nada
boa para um casamento.

Amos bateu no diário com a ponta de um dedo.
— Deixe-me ler um trecho para você.
— Não precisa se dar ao incômodo.
Amos levantou o rosto, uma máscara de inocência injuriada.
— Não é incômodo nenhum, Ewing. E tenho certeza de que você

vai gostar.

Ele abriu o diário numa página previamente marcada e pôs-se a

ler em voz alta:

— "Primeiro aniversário de Raymond. Sinto-me muito deprimida

hoje. Jock, se ao menos você soubesse como seu filho e eu sentimos
a sua falta... Anseio em falar com você, em vê-lo, mas não que-
ro... não posso... interpor-me entre você e sua família."

Amos levantou os olhos e comentou, numa voz impregnada de sar-

casmo:

— Ela era muito nobre, não é mesmo?
Jock arrancou o diário das mãos dele e começou a ler. Pro-

fundamente comovido, teve de fazer um esforço para reprimir as lá-
grimas que afloravam a seus olhos. Depois de algum tempo, ele co-
meçou a acenar com a cabeça. E falou sem olhar para Amos:

— É de fato a letra dela.
— Fico satisfeito que a tenha reconhecido, Ewing. Torna tudo

muito mais fácil.

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Jock fitou-o nos olhos.
— Já esteve com Ray?
– Já sim. Ele pode não ser carne da minha carne, sangue do meu

sangue, mas há muito sentimento... pelo menos da minha parte...
muito mesmo.

— Contou a ele?
– Sobre você? Não, não fiz isso. Pensei apenas em passar por

lá e dizer alô.

Jock soltou um grunhido.
— Ele é um bom rapaz.
– Na verdade, ele ficou um pouco zangado comigo. Pode-se di-

zer até que foi rancoroso. Deixou-me um pouco contente por não ser
o velho dele, se entende o que estou querendo dizer.

— Pois saiba que abandonou um filho maravilhoso.
— Se é o que você pensa, Ewing...
— E também uma mulher maravilhosa.
Amos soltou um suspiro exagerado.
— Minha perda é o seu ganho. E eu diria que por duas vezes.
Jock examinou o diário, virando-o entre as suas mãos grandes e

calejadas. O papel se desfazia nas beiradas, revelando o passar do
tempo. Era o tipo de diário barato que se podia comprar em qual-
quer loja. Na capa, as letras agora esmaecidas, estava impresso
Meu Diário. Era o legado de Margaret, tudo o que restava de uma
mulher linda e maravilhosa... aquele livro e Ray Krebbs.

— Eu gostaria de ficar com o diário — disse ele para Krebbs.
— Compreendo perfeitamente o seu desejo.
— Quanto?
— Você é mesmo direto, Ewing.
— Quanto?
— Como qualquer outra coisa, também está à venda.
— Quanto?
— Tendo em vista como um documento dessa natureza pode abalar

uma família importante e unida como a sua, Ewing... causando uma
certa angústia entre todos os filhos Ewings legítimos e a mãe de-
les... acho que deve valer o bastante para que um homem possa com-
prar dois acres de boa terra. Em algum lugar aprazível e bem longe
do Texas.

Jock conteve uma resposta impulsiva.
– Vou precisar de algum tempo para pensar a respeito.
Amos pegou de volta o diário e guardou-o no bolso do paletó.
— O que é compreensível. Assim é que se faz nos negócios. Quem

age com pressa se arrepende no lazer. Não é a pura verdade? Pense
com vagar, Ewing, analise todos os ângulos. E fecharemos o negócio
quando tornarmos a nos encontrar. Não me importo de esperar por
mais um dia. Afinal, já esperei mais de 30 anos, não é mesmo?

Ele pôs as mãos em cima da mesa e se levantou.
— Cuide bem desse cheque, está bem, Ewing? Um homem como você

pode se dar ao luxo de ser generoso.



Quase no mesmo momento em que o passado alcançava Jock, Bobby

estava sendo torturado por um futuro repleto de perigos e ar-
madilhas. Em sua sala, ele estava reunido com um representante da

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companhia que segurara o petroleiro afundado. A reunião começara
em clima de cordialidade, que logo se alterou drasticamente.

— Fico satisfeito por vê-lo aqui tão depressa — comentou

Bobby.

O representante da companhia não parecia tão satisfeito, exi-

bindo uma expressão sombria.

— Para ser franco, Mr. Ewing, achamos que há algumas irregula-

ridades em tudo isso. E queremos que tudo fique esclarecido o mais
depressa possível.

— Irregularidades? Não estou entendendo.
— De vez em quando, as companhias seguram seus petroleiros

muito acima do valor real. Isso costuma acontecer... e sempre sa-
bemos. Como raramente temos de pagar alguma apólice, permitimos
que a prática continue. Mas neste caso, Mr. Ewing, estamos diante
de uma clamorosa superavaliação, tão exagerada a ponto de justifi-
car uma investigação.

— Não sou o proprietário do petroleiro. O petróleo que estava

sendo transportado é que me pertence... comprei-o e paguei-o. Se
quer falar sobre o navio em si, vá procurar os Bullocks. Eles é
que são os donos. E que providenciaram o seguro.

— Como é a prática costumeira, é claro — disse o representante

da seguradora, sem qualquer mudança de expressão. — Essa é outra
questão de grande interesse para nós. Estamos curiosos em saber
por quanto o petróleo perdido foi segurado. Havia também um seguro
exagerado?

Bobby piscou os olhos, aturdido.
— Vocês é que devem saber. Afinal, estão com todos os do-

cumentos... com a apólice.

O homem folheou os papéis que tinha no colo.
— Está enganado, Mr. Ewing. Só tenho a apólice do petroleiro.

Recebemos instruções para cobrir apenas o navio. Por isso é que
gostaria de saber qual é a outra seguradora envolvida no sinistro.

Bobby franziu o rosto.
– Está querendo me dizer que não tem o seguro sobre o petró-

leo?

— Não, senhor.
Bobby falou em voz bem clara, cada palavra saindo bem sepa-

rada, incisivamente:

— Não há outra seguradora... ao que eu saiba.
— Deveria estar informado se houvesse. O que tenho a dizer é

muito simples: parece que está sem cobertura, Mr. Ewing.

Bobby ouviu um retinir distante, dentro de sua cabeça. O cé-

rebro girou vertiginosamente, pensamentos e emoções se atropelando
tumultuadamente. Fez um esforço para definir a situação. Sem segu-
ro, o afundamento do petroleiro significava uma perda total para a
Ewing Oil de 18 milhões de dólares, sem a menor possibilidade de
recuperação. No mesmo instante, uma indagação terrível aflorou:
qual a participação de J.R. em tudo aquilo? E também no mesmo ins-
tante Bobby se arrependeu, ficou envergonhado com a sua mesqui-
nhez, por desconfiar que o irmão fosse capaz de tamanha fraude.
Não importava o quanto ansioso J.R. estivesse em recuperar a pre-
sidência da companhia, ele jamais se rebaixaria a um ato daqueles,
que prejudicaria irremediavelmente não só a Ewing Oil, mas também

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a própria família. Bobby ouviu a própria voz, calma e controlada,
dizendo:

— Isso é impossível, senhor. Os Bullocks disseram-me que cui-

dariam do seguro e...

O representante da seguradora recolheu os seus papéis e guar-

dou-os na pasta.

— Seria melhor conversar com eles. Se foram eles que cuidaram

da transação então devem ter as respostas. Enquanto isso, ninguém
vai receber coisa alguma do seguro. — Ele ergueu a cabeça, ao mes-
mo tempo em que se levantava para ir embora. — Devo informá-lo,
Mr. Ewing, que devido à natureza do afundamento e à natureza do
derramamento reduzido de petróleo, há pessoas em minha companhia
que insistem em dizer que o petroleiro afundou no que pode ser
classificado como "circunstâncias suspeitas". Haverá uma investi-
gação, como não poderia deixar de acontecer. Mergulhadores serão
enviados para constatar se havia realmente uma carga completa.

— E poderá me dizer alguma coisa sobre o resultado dessas in-

vestigações?

— Será informado de tudo, Mr. Ewing.
— Eu lhe agradecerei a gentileza — murmurou Bobby, automatica-

mente, enquanto o representante da seguradora se retirava.

Bobby levou exatamente 17 minutos para sair de sua mesa e che-

gar ao escritório de Eugene Bullock, a poucos quarteirões do Ewing
Building. Passou pela recepcionista sem dizer nada, o queixo
agressivamente empinado, os punhos cerrados.

— Senhor!
Ela se levantou, num débil protesto, não tendo a menor inten-

ção de se interpor no caminho daquele homem furioso. E ligou pron-
tamente para o patrão pelo interfone.

— Mr. Bullock, Bobby Ewing acaba de passar por mim, a caminho

de sua sala. Foi impossível detê-lo.

— E aqui está ele — respondeu Bullock. — Não se preocupe,

Mary.

Bullock desligou e levantou-se por trás da mesa, enquanto Bob-

by atravessava em passos largos a imensa sala atapetada. Não havia
alarme no rosto do velho, apenas uma espécie de curiosidade melan-
cólica. Ele tornou a sentar-se e recostou-se na sua cadeira gira-
tória de couro, passando os dedos pela barba grisalha.

— Acho que sei por que está aqui, Bobby.
— Não havia seguro sobre o petróleo.
— Sei disso. A seguradora acaba de me telefonar. Não sei como

isso pôde acontecer.

— O que aconteceu é que vou perder mais de 18 milhões de dóla-

res, se não descobrir que diabo você está querendo, Bullock.

— Não estou querendo nada, filho.
— Então por que meu petróleo não foi segurado? Essa é a práti-

ca habitual.

— Tem toda razão. Mas há exceções. Deve haver uma explicação

razoável, alguma coisa que eu ignoro. Lembre-se de que temos
transportado vastas fortunas em petróleo para a sua família, ao
longo dos anos. Sempre tive operações honestas com a sua com-
panhia.

A sinceridade óbvia de Bullock fez com que Bobby contivesse

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sua raiva. Ele arriou na cadeira.

— Sei disso, Mr. Eugene. Mas há muita coisa em jogo aqui. Não

é apenas o dinheiro. É toda a minha reputação no mundo dos negó-
cios, tudo o que venho tentando consolidar. Preciso ver os seus
livros.

— Se acha que isso é necessário...
— Acho, sim.
— Só que estão no cofre de minha mulher. Não tenho a combina-

ção.

— Sua mulher parece ter uma participação muito grande na ope-

ração, Mr. Eugene.

Uma expressão encabulada insinuou-se no rosto barbudo.
– Ela está no comando de uma porção de coisas, Bobby. Há anos

que isso acontece. É uma mulher vigorosa, astuta, agressiva, ambi-
ciosa. Trouxe sangue novo à companhia. Eu... eu apenas supervisio-
no.

Uma insinuação de suspeita fez um esforço para aflorar à cons-

ciência de Bobby. Uma peça se encaixou no lugar, depois outra, o
quebra-cabeça começando a tomar forma.

– Posso presumir que a Sra. Bullock cuida de problemas de ro-

tina, como manifestos de carga, cartas de consignação e seguros?

Bullock demorou um momento para falar:
— Está imaginando que minha mulher está empenhada em alguma

manobra, não é mesmo?

— E você não está pensando a mesma coisa?
— Talvez. Para ser franco, não seria uma surpresa.
— Se sabe disso, então como...
Bullock continuou a falar, calmamente:
— Foi por esse motivo que, ao comprarmos o novo cofre dela,

dei um jeito de me apoderar da combinação.

Uma expressão sombria contraiu-lhe os cantos da boca e ele

acrescentou:

— E então, Bobby, vamos nos empenhar num pequeno trabalho de

detetive?



Lucy era quase sempre a Ewing mais ignorada da família. Alguns

ainda a consideravam como um bebê e conseguiam evitar a percepção
de que ela se tornara uma mulher, sob todos os aspectos possíveis.
Agora, ela estava sentada no carro de Mitch, mais quieta e mais
solene do que o habitual.

— O que a está perturbando, meu bem? — perguntou Mitch.
— Estive pensando.
— Sobre o quê?
— Sobre nós.
— Pensando o quê?
— Mitch, você acredita que eu o amo muito?
— Claro que acredito.
— E você me ama?
— Claro. Mais do que eu imaginava que pudesse amar alguém.
— Está falando sério?
— Claro que estou. Mitch... vamos casar.
— Já conversamos muitas vezes sobre isso, Lucy. Tenho de aca-

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bar a faculdade.

— Eu também. Podemos viver juntos, estudar juntos.
— Tenho minhas dúvidas.
— Pois eu não tenho. Oh, Mitch, eu o amo muito, preciso de vo-

cê... preciso de você perto de mim durante todo o tempo. Por fa-
vor, Mitch, case comigo. Por favor.

— Lucy...
— Pensei que sentia a mesma coisa em relação a mim.
— E sinto, Lucy.
— Então vai casar comigo?
Ele hesitou apenas por um instante.
— Vou, sim, Lucy, quando você quiser.
Ela deixou escapar um grito de alegria.
— Vamos falar com vovó. Marcaremos uma data, tomaremos todas

as providências necessárias. Há tanto o que fazer! Oh, Mitch, você
não pode imaginar como me deixa feliz!

— Eu também me sinto feliz, Lucy.
Mas no instante mesmo em que falava, Mitch se perguntava se

estava fazendo a coisa certa.



13




O pé calcando o acelerador até o fundo, Jock guiava com uma

intensidade total. O carro deslizava a toda velocidade sob o quen-
te sol texano, levando um homem com pressa de chegar ao lugar para
onde estava indo. Ele mal diminuiu a velocidade quando entrou na
estrada de terra de Southfork, avançando aos solavancos, numa ra-
pidez quase além da capacidade do carro e do caminho absorverem.
Ele freou com um ranger de pneus diante da casa de Ray Krebbs, nu-
vens de poeira se levantando em sua esteira.

Ray, rachando madeira para lenha, ouviu-o se aproximar e cra-

vou o machado numa acha grossa, empertigando-se em seguida, para
confrontar o sombrio rancheiro que avançava em sua direção.

— Calculei que estaria aparecendo a esta altura — disse Ray.
Jock sacudiu a cabeça em assentimento e fez um esforço para

controlar inteiramente suas emoções.

— Conseguiu fazer um bom trabalho por aqui, Ray.
— Obrigado, Jock. Gosto muito daqui.
Jock escavou a terra ressequida com a ponta do pé.
– É espantoso como pode ser agradável construir a sua própria

asa. Eu construí mais de uma. Fiz sozinho a primeira casa em que
Miss Ellie e eu vivemos. Cada pedaço de madeira, cada prego. Meu
suor foi a cola que fez a casa. E nunca houve outra casa que me
proporcionasse e a Miss Ellie um prazer tão grande.

Jock contemplou as palmas de suas mãos, cheias de calos.
– Deus Todo-Poderoso, quando eu era garoto imaginava que pas-

saria a vida inteira trabalhando com estas mãos. Nunca pensei que
pudesse acontecer tanta coisa.

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— Você construiu um império, Jock.
— Tudo o que eu sempre quis foi fazer um bom trabalho e rece-

ber uma justa retribuição por isso. Mas tive mais sorte do que a
maioria dos homens.

— A maioria dos homens nem de longe possui o seu valor, Jock.
— Eu gostaria de pensar que você fala isso a sério, Ray.
— E falo mesmo.
Jock ficou imóvel, repassando mentalmente os acontecimentos

daquele dia, tentando definir o que faria em seguida.

— Apareceu um sujeito querendo conversar comigo hoje.
Ray acenou com a cabeça, desviando os olhos.
— Acho que sei quem foi.
— O nome dele é Amos Krebbs.
— Meu pai.
— O homem está tentando me arrancar algum dinheiro.
— Lamento profundamente, Jock. Tentei me livrar dele. Amos po-

de ser o meu pai, mas não presta.

Jock aproximou-se de uma árvore grande e sentou-se encostado

no tronco. Ray agachou-se perto dele. Dali a pouco, Jock rompeu o
silêncio:

— Precisamos ter uma conversa, Ray.
— Hum, hum.
— Sabe que sua mãe e eu fomos bons amigos.
— Sei, sim.
— Não vai ser uma conversa fácil, rapaz.
— Não precisa falar nada que não queira dizer, Jock. Não me

deve coisa alguma. Eu é que lhe devo tudo.

— Não, Ray, não é absolutamente assim. Você conquistou e mere-

ceu tudo o que tem por aqui. Mais do que qualquer outra pessoa,
rapaz. Droga... deixe-me terminar o que tenho a dizer.

— Sim, senhor.
— Sua mãe e eu nos conhecemos na Inglaterra, durante a Segunda

Guerra Mundial. Foi a última boa guerra que houve. Um homem sabia
pelo que estava lutando, quem eram os bandidos.

Jock fez uma pausa, levantando a cabeça.
— Éramos os mocinhos, Ray. Pura e simplesmente. Nunca mais foi

assim desde então.

— Sim, senhor.
Jock respirou fundo, ruidosamente.
— Eu era piloto da Força Aérea do Exército, como era naquele

tempo. A aviação ainda não era um serviço separado e independente
como hoje. Oh, diabo, para que estou divagando? Quando conheci sua
mãe, ela era enfermeira.

— Sei disso. Ela gostava de falar sobre os seus anos como en-

fermeira. Costumava dizer que foi a única ocasião em sua vida em
que se sentiu útil.

— A verdade, Ray... é que sua mãe e eu tivemos um caso. Eu

amei sua mãe. O que partilhamos foi muito especial, diferente,
sempre importante para mim, até hoje. Ainda posso vê-la, linda e
graciosa, cheia de amor e generosidade de espírito. Ela foi uma
mulher maravilhosa, Ray.

— Sim, senhor.
— Margaret sabia de Miss Ellie e eu sabia que ela estava noiva

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e ia casar com alguém aqui na América. Um sujeito chamado Amos
Krebbs. Mas Southfork estava a um milhão de quilômetros de distân-
cia e o mesmo acontecia com Amos Krebbs. Era tempo de guerra e os
sentimentos se encontravam exacerbados. Nós dois éramos solitá-
rios, talvez um pouco assustados também. Acabamos nos conhecendo,
nos amando e...

— Não precisa explicar, Jock.
— Mas tenho de explicar. Como a maioria dos romances de guer-

ra, aquele também chegou ao fim. A luta na Europa cessou. Margaret
foi para um lado, eu fui para outro. A guerra acabou e o mesmo
aconteceu com o nosso relacionamento, como sabíamos desde o início
que ocorreria. Ambos declaramos que era melhor assim, mas eu nunca
tive certeza de que fosse realmente. Nunca mais mantivemos qual-
quer contato depois disso, mas jamais esqueci Margaret. Nem um
único dia, durante todo esse tempo.

— E de repente eu apareci em sua porta para trazer de volta

todas as recordações com mais intensidade.

— Nunca acolhi ninguém com tanta satisfação quanto a você,

Ray. Fiquei muito contente com a sua presença. E ainda estou.

Os olhos deles se encontraram, numa troca silenciosa de afei-

ção e amizade.

– Cuidarei de meu pai, Jock. Ele é um problema meu e não seu.
— Há mais do que isso, Ray. Acontece que Amos Krebbs não é seu

pai.

Ray levantou-se.
– Ele lhe disse isso? E acreditou nele?
— Acreditei.
— Mas por quê?
— Porque eu sei quem é o seu verdadeiro pai. — Jock levantou-

se também, fitando o outro nos olhos. — Ray, eu sou seu pai.

Houve um silêncio prolongado, enquanto Ray absorvia o impacto

do que acabara de ouvir.

— Como pode ter certeza?
— Amos apresentou uma prova.
— Eu não confiaria em coisa alguma que partisse daquele homem.
— É mais do que isso, Ray. Eu posso senti-lo. Sempre senti...

em minhas reações por você, em minha preocupação por você. É mesmo
a verdade. Posso sentir nos ossos. Não sei por que nunca compreen-
di tudo isso antes.

Ray respirou fundo antes de falar:
— Já contou a Miss Ellie?
— Não.
— Terá de contar.
— Sei disso.
— E se contar, nunca mais as coisas serão as mesmas por aqui.
— Sei disso também. O que acha que devo fazer?
— Com todo respeito, Jock, acho que é melhor deixar as coisas

como estão.

— Ou seja, não dizer nada?
Ray assentiu.
— Deve compreender, Ray, que há muita coisa em jogo neste ca-

so... para você.

— Jock, eu teria o maior orgulho em ser reconhecido como seu

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filho. Mas vai causar problemas demais para você. Quem pode prever
que tipo de pressão isso causará entre você e Miss Ellie? E com
Bobby e J.R.?

— Compete a mim decidir sobre isso.
— A decisão sempre foi sua. E quero que saiba, Jock, que acei-

to qualquer coisa que você escolher.

Jock soltou um grunhido.
— O problema todo é determinar o que é certo para mim. E para

Margaret.



Mr. Eugene estreitou os olhos, contemplando os documentos e

livros espalhados sobre a mesa. Ao seu lado estava Bobby Ewing,
examinando rapidamente os registros.

— O que é isso?
— Isso é o Antioch, Bobby.
— Pois então vamos ver.
Bullock leu:
— Saída de Maracaibo, Venezuela, a 2 de outubro. É de fato o

nosso petroleiro afundado.

— E olhe isso aqui!
— O Marsh Baron também partiu de Maracaibo, Venezuela, na mes-

ma data.

— Transportando uma carga de petróleo.
— Sem qualquer indicação de consignação para alguém. O que é

muito estranho. Vamos verificar qual foi o porto de destino do
Marsh Baron.

— Aqui está — disse Bobby, conferindo uma lista. — Foi Corpus

Christi.

— Esse é o nosso porto de reserva — comentou Mr. Eugene, fa-

zendo uma careta. — Acho que é melhor eu dar um telefonema.

— Está certo — disse Bobby, afastando-se da mesa.
Bullock discou.
— É você, Fragner? Eugene Bullock falando. Estou querendo sa-

ber se algum dos meus petroleiros ainda está por aí. O Marsh Ba-
ron? E qual era a carga, Fragner? Quanto tem aí? Obrigado. Isso é
tudo o que eu queria saber.

Bullock desligou e disse para Bobby:
— O Marsh Baron está vazio.
— Oh, diabo!
Mr. Eugene sorriu debilmente, não encontrando o menor prazer

no que tinha de dizer:

— Seiscentos mil barris de petróleo já foram descarregados nos

tanques existentes no porto.

— Meu petróleo.
— Não resta a menor dúvida quanto a isso. Lamento muito tudo o

que aconteceu, Bobby.

— Não foi sua culpa, Mr. Eugene.
— De certa forma, foi, sim, com Sally sendo minha mulher e tu-

do o mais.

— Acho que deve ter uma conversa com sua mulher.
— Também acho. Sally sempre foi muito esperta, sempre encon-

trou meios de ganhar algum dinheiro por fora. Não é nada fácil pa-

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ra mim, Bobby.

— Compreendo perfeitamente. Mas dei minha palavra e preciso do

petróleo de qualquer maneira.

O ar se esvaiu de Bullock, assim como uma boa parte de sua

energia. Subitamente, ele parecia ter realmente a sua idade, um
homem cansado e preocupado, carregando um fardo maior do que podia
agüentar. Ele escreveu alguma coisa numa folha de papel.

— Aqui está, Bobby. Este é o lugar em que vai encontrar Sally.

Tenho certeza disso. E tem carte blanche para fazer o que achar
conveniente, filho.

— Obrigado, Mr. Eugene.
As palavras do velho soaram debilmente atrás de Bobby, que

deixava a sala apressadamente:

— Peço apenas que não se esqueça que pretendo continuar com

ela, Bobby.

Sozinho em sua sala, Mr. Eugene encaminhou-se lentamente para

o bar, encheu um copo com bourbon e levantou-o bem alto. Havia uma
expressão irônica em seu rosto.

— O que Deus e o dinheiro juntaram, nenhum homem pode separar.


Amos Krebbs apareceu diante da casa de Ray com um sorriso lar-

go e feliz, um maço de notas de cem dólares em cada mão. Ray saiu
para o alpendre, sem dizer nada.

— Alguém achou que suas obrigações para com o seu pobre papai

valiam um pouco mais do que apenas cem dólares.

— Seu desgraçado!
— Não precisa ficar assim, Ray. Seu verdadeiro pai, Jock

Ewing, é um cavalheiro para valer, com uma natureza compreensiva.
Ele me falou da conversinha que vocês dois tiveram.

— Um impulso forte, quase irresistível, está me invadindo,

Amos. O impulso de lhe arrancar a cabeça.

— A violência não tem sentido, rapaz. A vida às vezes leva um

homem por estranhos caminhos. Não planejei que as coisas terminas-
sem desse jeito. Simplesmente aconteceu. Mas ainda não estou mor-
to. E quando um homem depara com a sua grande chance, é um idiota
se não trata de aproveitá-la.

— É melhor embarcar em seu carro e partir imediatamente.
— Deveria estar me agradecendo, rapaz. Minha vinda aqui foi um

grande favor para você. Subitamente, deixou de ter um vagabundo
como pai e passou a ser filho de um grande homem de petróleo do
Texas!

— Isso não muda nada.
— Muda tudo, quer você queira ou não. Você é alguém agora, com

uma família importante. Ewing sabe disso e você também sabe. Nada
jamais voltará a ser como antes para você, graças a mim. É como
dizem as pessoas... algum dia você ainda vai me agradecer pelo que
fiz.

— Eu lhe agradeço agora se tirar esse rabo imprestável e mise-

rável da minha terra! E nunca mais volte, se dá algum valor ao seu
corpo!

— Falou alto e claro, rapaz. Sei quando a minha presença não

está agradando.

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Amos sorriu efusivamente, depois foi sentar ao volante de seu

carro e ligou o motor.

— Ei, eis aí uma frase ótima para a minha sepultura! "Ele sa-

bia quando a sua presença não era desejada."

Amos foi embora, rindo. Ray jamais esqueceria aquele som zom-

beteiro, que ficou persistindo no ar parado como se fosse um pres-
ságio agourento.



14




Já era tarde da noite quando Bobby finalmente chegou ao apar-

tamento de Sally Bullock. Lá fora, a noite se abatera sobre Dal-
las, as ruas estavam desertas e silenciosas, os homens que ali
trabalhavam durante o dia haviam se recolhido a seus refúgios su-
burbanos. Para Bobby Ewing, no entanto, o dia de trabalho ainda
não terminara. Suas responsabilidades perduravam, as exigências da
companhia se tornavam mais insistentes, a sua necessidade de rea-
lização era cada vez mais intensa. Ele não mais pensava se valia a
pena ou não o que estava fazendo, não mais pensava no que outros
Ewings poderiam querer ou precisar, não mais acalentava outros so-
nhos e outras ambições. Todas as suas faculdades e energias esta-
vam concentradas na Ewing Oil e em seu papel como presidente. Tudo
o que ele queria era fazer com que a companhia se tornasse ainda
mais vitoriosa, aumentar os lucros, arrancar uma palavra de louvor
do pai. Ele apertou a campainha do apartamento de Sally e ouviu o
som de um carrilhão no interior. Passos se aproximaram e a porta
foi aberta um instante depois.

Sally Bullock vestia um chambre amarelo, cheio de rendas, uma

linda mulher preparada para se deitar. Mas ficou prontamente aler-
ta e conseguiu não demonstrar surpresa ou alarme com o visitante
inesperado. Examinou-o atentamente, como se poderia examinar algum
objeto estranho e exótico jamais visto antes, com curiosidade e
algum espanto, finalmente com aceitação.

– Não quer entrar? — disse ela, dando um passo para o lado.
Bobby passou por ela e avançou pela sala, suavemente ilumi-

nada, confortável e dispendiosamente decorada.

— Um lugar muito agradável.
– Este apartamento é só meu — disse Sally, vindo postar-se ao

lado dele. — E não costumo receber pessoas que não são convidadas.

— Temos um problema para conversar.
— Foi o que imaginei — disse ela, secamente.
Sally tirou os jornais do sofá branco e da mesinha, indicou

onde ele deveria sentar-se e perguntou se queria beber alguma coi-
sa.

— Não quero nada, obrigado.
Ela sentou-se a alguma distância no sofá grande... Não tão

longe que indicasse incerteza ou medo de sua parte, não tão perto
para sugerir uma intimidade que não existia. Fitou-o friamente,

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esperando que ele anunciasse o motivo da visita.

— Vim a negócios, Sally.
Ela quase permitiu-se um sorriso, mas não chegou a exibi-lo.
— Trabalho muito bem aqui.
Sally sacudiu a cabeça e os cabelos sedosos se movimentaram,

espalhando-se pelos ombros. O chambre se entreabriu, revelando as
pernas bem feitas até as coxas. Ela não deu o menor sinal de que
percebera, não demonstrou a menor preocupação.

— Como descobriu este apartamento?
Era um gambito para iniciar a conversa, sem qualquer preocupa-

ção. Sally era uma mulher de extrema confiança, quase arrogante.

— Mr. Eugene me informou.
Era uma resposta esclarecedora. As sobrancelhas impecavelmente

cuidadas se altearam e desceram, lentamente. Os lábios sensuais se
contraíram.

— Ele... ele não deveria saber deste apartamento.
— Mr. Eugene tem muitos anos nas costas, uma vasta experiên-

cia. Ele sabe muito mais do que deixa transparecer.

— É o que estou percebendo. Muito bem, ele sabe. Não há nada

que eu possa fazer, nada que precise ser feito. Tenho a minha vi-
da, separada da vida dele. Algo que ele sempre desconfiou. Agora,
está confirmado, sem a menor possibilidade de dúvida. Talvez assim
seja melhor para ambos.

— Acho que Mr. Eugene gosta realmente de você, Sally.
Os olhos dela ficaram velados, uma tela impenetrável por trás

da qual podia esconder suas emoções.

— Isso é um problema meu e de meu marido. E agora já chega de

conversa amena. Vamos aos negócios. O que veio fazer aqui Bobby?

— Já descobri todos os detalhes sórdidos de sua manobra escusa

com meu irmão.

— Seu irmão? De que diabo está falando? J.R. e eu não temos o

menor relacionamento comercial. Nunca houve qualquer coisa além
das rotineiras compras e vendas de petróleo. E você sabe disso
perfeitamente.

— Não me venha com essa conversa, Sally. Você e J.R. tramaram

carregar um velho petroleiro com água do mar. Fez um seguro exage-
rado e providenciou o naufrágio, o navio afundando tanto que a
fraude jamais poderia ser descoberta. Mas acontece que consegui
descobrir tudo, Sally.

— Pura fantasia, uma ficção absurda.
— Muito ao contrário, é a pura verdade. E nós dois sabemos

disso muito bem.

— Por que faríamos uma coisa dessas?
— Por quê? Para receber o dinheiro do seguro do petroleiro, é

claro. Depois, para revender o petróleo pelo qual eu já pagara,
dobrando o lucro.

— Está fantasiando demais, Bobby.
— Acha mesmo? Talvez a mais importante razão para essa manobra

estúpida e frustrada tenha sido a necessidade de J.R. de desacre-
ditar-me como presidente da Ewing Oil, querendo dar a impressão de
que fora por minha culpa que o petróleo não estava segurado.

— Isso é uma falha muito grande em sua história, Bobby. Jamais

cuidamos do seguro da carga.

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— Mas você me disse que o faria.
Ela mudou de posição. O chambre se entreabriu ainda mais, dei-

xando à mostra uma parte generosa do corpo deslumbrante de Sally
Bullock. E ela presenteou Bobby com o seu sorriso mais encantador.

— Você deve ter entendido mal.
— Um tribunal pode decidir isso.
– Está blefando, Bobby. Veio até aqui sem ser convidado e fa-

zendo acusações desvairadas. Só que não pode provar nenhuma de-
las...

– Pense um pouco, Sally. Posso perfeitamente provar todas as

acusações. De um jeito ou de outro, posso provar o bastante para
metê-la na cadeia por fraude. É uma mulher muito esperta, Sally,
de mente forte, resistente. Mas não o suficiente para sobreviver
por muito tempo na cadeia. Com sua aparência, seu corpo... Não
creio que poderia gostar da cadeia, Sally.

Ela estremeceu, mas recuperou rapidamente o equilíbrio.
– Não tem qualquer prova, Bobby. Não há a menor possibilidade.

Mas admito que pode me causar dificuldades.

Sally inclinou-se para a frente, atraindo o olhar de Bobby pa-

ra os seus seios.

– Mesmo assim... quero lhe fazer uma excelente proposta,

Bobby.

— Estou escutando.
Ela chegou mais perto, uma das mãos roçando de leve pelo peito

dele, as unhas arranhando, provocantes.

– Pense da seguinte maneira. Dê-me cinco ou seis dias e posso

trazer da Venezuela outros 600 mil barris de petróleo. Dessa for-
ma, você não perderia coisa alguma.

Os dedos desceram, enganchando-se no cinto de Bobby, puxando

insistentemente.

— Também prometo que, nesses cinco ou seis dias, você terá to-

das as distrações que quiser. — Ela riu guturalmente. — Como diz a
dama: "Basta indicar o prazer que deseja, senhor."

Por um momento, Bobby sentiu-se tentado pela beleza sensual de

Sally, a fragrância inebriante que se desprendia dela, a atração
da pele aveludada. Uma fraqueza dominou-lhe o corpo, o desejo ele-
vou-se com um vigor insuportável. Ela era uma mulher sedutora e
Bobby sempre fora um homem que encontrara um prazer profundo e in-
tenso nas mulheres. Mas não desta vez.

— Preste muita atenção, Sally. Vou lhe dizer o que quero que

seja feito e você vai fazer.

Ela recuou bruscamente, como se tivesse sido mordida.
— Vá à merda!
— Se não quiser fazer, o promotor estadual estará batendo em

sua porta pela manhã. E agora vamos acertar tudo. Você vai assinar
um documento transferindo para a Ewing os 600 mil barris de petró-
leo não consignados que depositou em Corpus Christi. E vai fazer
isso esta noite, antes de eu ir embora.

As feições de Sally pareceram se derreter quando ouviu essas

palavras, os olhos ficaram úmidos, as mãos começaram a tremer.

— Como descobriu sobre esse petróleo? Como?
Ele sacudiu a cabeça para indicar que não tinha a menor inten-

ção de revelar a sua fonte. Mas é claro que ela sabia: Mr. Eugene.

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Sally praguejou baixinho. E Bobby acrescentou, incisivamente:

— Em segundo lugar: você vai renunciar ao dinheiro do seguro

do petroleiro. Não vai ter qualquer lucro com esse golpe. E J.R.
também não terá.

— Não vou fazer isso!
— Vai, sim. Em troca, não vou levá-la aos tribunais por ter

roubado o meu petróleo.

— E vai evitar que o nome Ewing caia na lama?
— Exatamente.
— Que opção eu tenho?
— Absolutamente nenhuma.
Sally pensou por um momento. Bobby estava certo e ela sabia

disso. Acabou dando de ombros e disse:

— A gente ganha algumas, perde outras. Assinarei qualquer coi-

sa que você quiser.

Bobby tirou do bolso um documento legal e colocou-o na mesa.

Ofereceu uma caneta a Sally.

— Eu sabia que você acabaria concordando, Sally. É inteligente

demais para não reconhecer um bom negócio, quando lhe é oferecido.



J.R. estava sozinho no estúdio da casa grande em Southfork,

junto do bar, quando Bobby entrou. J.R. contemplou o irmão por ci-
ma da borda do copo, tomou um gole e indicou o bar com a mão.

— Não quer beber nada, irmãozinho?
Bobby serviu-se de um drinque.
— Creio que a esta altura já soube da má notícia — comentou

J.R., incapaz de se conter por mais tempo, ansioso em desfrutar
seu último triunfo.

— Má notícia?
Bobby falou distraidamente, com uma calma que deixou J.R. in-

quieto.

— O fato de o petróleo não estar segurado.
Bobby fitou J.R. nos olhos.
— Claro que já soube. Mas foi só muito tempo depois de você

saber.

— O que está querendo dizer com isso?
— Apenas que sei de tudo a respeito da sua manobra ordinária

com Sally Bullock.

— Manobra?
J.R. estava atordoado, procurando ganhar tempo para recuperar

o controle, avaliar a situação.

– Pensou realmente que eu não seria capaz de descobrir a cons-

piração que você e Sally tramaram? Não era tão complicada assim e
não foi difícil calcular tudo.

– Não tenho a menor idéia do que você está falando.
– É surpreendente como você e Sally puderam ser tão obtu-

sos. Expliquei tudo a ela...

– Esteve conversando com Sally?
– E posso também explicar a você. Sei o quão desesperadamente

está querendo se livrar de mim, J.R., da mesma forma como se li-
vrou de Gary, ficando como o único irmão Ewing por aqui, o único
com quem papai pode contar. Eliminando os outros, de qualquer for-

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ma. Chega a estar disposto a arriscar a perda de Southfork para
conseguir isso, arriscar a destruição da Ewing Oil. Essa sua últi-
ma manobra poderia ter custado 18 milhões de dólares à companhia.
É um preço muito alto pela sua ambição desmedida, J.R. Mas você
realmente não se importa com qualquer outra coisa.

J.R. tomou um gole do seu drinque.
— Que conspiração é essa que eu teria tramado, Bobby? Entra

aqui me fazendo uma porção de acusações absurdas, que eu nem mesmo
posso entender. E para quê? Apenas para virar papai contra mim?

— Está enganado, J.R., papai nada tem a ver com isso. É uma

questão exclusivamente entre nós dois. Irmão contra irmão. Você
vem tentando destruir a mim e a Gary desde quando posso me lem-
brar. E continua tentando. Fracassou desta vez. E eu lhe dei co-
bertura... mais uma vez.

Bobby fez uma breve pausa.
— Sally admitiu toda a manobra, entregou-me os 600 mil barris

de petróleo que estavam nos tanques de Bullock em Corpus Christi,
não vai mais reivindicar o dinheiro do seguro. O nome Ewing não
será mencionado em qualquer processo de fraude... mas não graças a
você.

— Não acredito em nada do que está dizendo.
— Tenho a assinatura de Sally num documento legal, se está in-

teressado.

J.R. hesitou por um instante.
— Não, obrigado. Não posso deixar de reconhecer do que você é

capaz, Bobby. Mesmo na escola secundária, você sempre sabia como
recuperar-se de um golpe. Mas isso não desculpa o fato de estar
tentando me atribuir a culpa por ter sido estúpido o bastante para
não conferir a apólice de seguro.

— Tem toda razão, J.R., foi mesmo uma estupidez. Mas não vai

acontecer outra vez. Confiei nos Bullocks. Calculei que valia al-
guma coisa quando um Bullock dava sua palavra. Evidentemente, eu
estava enganado. É um erro que não voltarei a cometer. Estou
aprendendo os seus jeitos, J.R., e não gosto de mim mesmo por is-
so. E quero lhe fazer uma advertência: daqui por diante, fique fo-
ra do meu caminho.

J.R. sorriu, os dentes cerrados. Esvaziou o copo num único go-

le. Tornou a enchê-lo.

— Enquanto você estiver no meu caminho, Bobby, vamos colidir

inevitavelmente. Tome cuidado. Posso perder uma batalha de vez em
quando, mas não tenho a menor intenção de perder a guerra.

Antes que Bobby pudesse responder, Jock entrou na sala, acom-

panhado por Miss Ellie. Mais atrás vinham Sue Ellen, Pam e Lucy...
e por trás delas estava Ray Krebbs.

— Tenho uma coisa para dizer — começou Jock, sem qualquer

preâmbulo. — Quero que todos ouçam. Ray, venha se postar aqui ao
meu lado, rapaz.

Com o velho chapéu de palha na mão, Ray obedeceu, visivelmente

contrafeito.

— J.R., está prestando toda atenção às minhas palavras? Diz

respeito a você e a Bobby, assim como a todos os demais.

— Claro que estou prestando atenção, papai.
Jock respirou fundo.

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— Não vou dar muitas explicações nem apresentar desculpas. Na-

da disso é necessário. As coisas são como têm de ser. Durante a
guerra, servi na Inglaterra. Lá conheci uma moça de quem gostei e
que também gostou de mim. O nome dela era Margaret Hunter. Miss
Ellie sabe de toda essa história. Mas o que ela não sabia... e o
que eu também não sabia... foi que essa moça teve um filho... um
filho gerado por mim, um filho que eu não sabia que existia, até
ontem. E quero que todos conheçam meu outro filho.

Jock fez uma pausa, passando o braço pelos ombros de Ray.
— É Ray Krebbs. Meu quarto filho. Seja bem-vindo à família,

filho.

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PARTE 4

O Quarto

de Gary



15





O quarto de Gary ficava no canto sudoeste da casa grande de

Southfork. Fora o quarto dele por todos os anos da infância € ado-
lescência, continuara a sê-lo durante a sua longa ausência e quan-
do voltou para casa, só para fugir novamente. Para Miss Ellie,
permanecia um lugar especial, povoado de antigas recordações, com
jogos, brinquedos, livros e outros objetos materiais da vida do
seu filho perdido. Para Miss Ellie, era uma das constantes emocio-
nais de sua existência... o quarto de Gary, jamais mudado, sempre
limpo e preparado, tudo em seus devidos lugares, as gavetas com
roupas lavadas recentemente, passadas a ferro, cuecas e meias, ca-
misas e calças, o armário impecavelmente arrumado. Quando tudo o
mais no rancho se desintegrava na apreensão, até mesmo no desespe-
ro, Miss Ellie podia ir para aquele quarto tranqüilo e refletir,
talvez sonhar e reconstituir os melhores momentos de uma vida que
passara.

Naquela manhã em particular, os animais e as pessoas de

Southfork estavam começando a despertar. Podia-se ouvir os sons da
manhã, intermitentes a princípio, depois mais rápidos, mais altos,
mais insistentes. Era uma manhã um ano antes de J.R. ser baleado,
um ano antes de Kristin ser banida do rancho em raiva e desgraça,
um ano antes de Bobby assumir a presidência da Ewing Oil.

Um disco tocava na vitrola antiga de criança, contando a his-

tória do coelhinho veloz. Miss Ellie ajoelhou-se ao pé da cama,
vasculhando o velho baú de marinheiro, parando de vez em quando
para contemplar um quadro, um desenho simples. Era o retrato de um
cavalo e um garoto. Era obviamente o trabalho de uma criança de
sete ou oito anos, talentosa e hábil, possuindo uma fidelidade ex-
traordinária, assim como uma imaginação intuitiva, ultrapassando a
capacidade dos mais jovens. Estava assinado: "Feliz Dia das Mães,
Mamãe, do seu filho Gary"

Sorrindo nostalgicamente, Miss Ellie tornou a guardar o quadro

no baú e pegou outro. Este era de uma manada de cavalos selvagens
correndo pela pradaria, levantando nuvens de poeira, a turbilho-
nar. Miss Ellie respirou fundo e fechou os olhos.

— Oh, Gary, que saudade! — murmurou ela.

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No pátio, o resto da família estava tomando o café da manhã.

Os sons abafados da história infantil flutuaram até eles. E todos,
cada um à sua maneira, tentaram ignorá-lo e o que significava.

— A que horas o seu ônibus vai partir, Lucy? — perguntou Pam,

procurando puxar conversa.

— Assim que as aulas terminarem.
A resposta saiu depressa demais. Lucy olhou para cima, atenta-

mente, como se quisesse atravessar com o olhar a parede do antigo
quarto de seu pai e contemplar Miss Ellie.

Jock resmungou:
— Não se esqueça de deixar o nome do lugar em que vai ficar,

mocinha.

— Sim, senhor — disse Lucy, com uma jovialidade forçada. — To-

das as animadoras de torcida vão ficar no mesmo lugar... o MacAr-
thur Hotel.

— Deve ser uma boa partida — comentou Bobby, tentando entrar

no ânimo da conversa. — Pela maneira como Rice está jogando este
ano, o adversário que se cuide.

— Trate de se comportar, mocinha — murmurou Jock.
— Claro, vovô.
— Mas que diabo! — exclamou J.R. — Eu gostaria que mamãe pa-

rasse de tocar esse maldito disco. Está começando a me deixar ner-
voso. Além do mais, nunca gostei dessa história.

Lucy virou a cabeça para ele bruscamente, os olhos faiscando.
— Não gostava porque era uma das histórias prediletas de meu

pai?

— Fique quieta, Lucy — disse Pam, pacientemente.
— Provavelmente — declarou J.R., com alguma satisfação. — Seja

como for, para que ela está tocando o disco?

Foi Bobby quem preencheu o silêncio aflitivo que se seguiu:
— Hoje é o aniversário de Gary.
— É mesmo? — indagou Jock.
Lucy assentiu. Mas J.R. não estava disposto a ceder um milí-

metro sequer e resmungou:

— Ela devia parar com isso. Não adianta ficar pensando em al-

guém tão imprestável quanto Gary, especialmente com o ânimo que
ela vem exibindo ultimamente.

— Não fale assim do meu pai! — gritou Lucy.
J.R. presenteou-a com o seu sorriso mais irônico.
— Com o devido respeito, mocinha, gostaria que me dissesse al-

guma coisa que ele fez que valesse um níquel furado. O que ele já
realizou? Qual o trabalho que já fez? Qual foi a sua contribuição?

Foi Bobby quem respondeu:
— Um homem não precisa ser o presidente de uma grande corpora-

ção para valer alguma coisa, J.R.

— Já imaginava que você pensasse assim, irmãozinho. Mas não se

esqueça de que o velho Gary é um alcoólatra e um jogador, um homem
incapaz de enfrentar suas responsabilidades, um homem sempre fu-
gindo. Nenhuma dessas qualidades excepcionais é suficiente para
incluí-lo na minha lista dos homens que devem ser admirados.

— Fiquem quietos — interveio Jock. — Não quero que Miss Ellie

ouça esse tipo de conversa. É sempre muito difícil para ela quando
chega o aniversário de Gary. E não quero que ninguém agrave ainda

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mais a angústia dela.

— Desculpe, papai — disse J.R., sem demonstrar qualquer arre-

pendimento.

— Desculpe, vovô — disse Lucy, levantando-se. — É melhor eu

pegar minhas coisas e partir, se não vou chegar atrasada à escola.

Ela afastou-se, saltitante. Pam anunciou suas intenções:
— É melhor eu partir também. Vou ter um dia movimentado na

Store.

— Vou acompanhá-la até o carro — disse Bobby.
— E acho que eu vou dar uma olhada em Miss Ellie — murmurou

Jock.

Assim que ficaram a sós, Sue Ellen virou-se para o marido.
— Aquilo era mesmo necessário, J.R.?
— Não sei do que está falando, meu bem.
— Precisava transtornar Lucy daquele jeito?
J.R. olhou além dela, para os currais em torno dos estábulos.

Homens e animais se movimentavam por lá, a vida no rancho em plena
efervescência naquele momento. Ele levantou-se e sorriu, como se
estivesse muito satisfeito com algum conhecimento secreto que era
o único a possuir.

— Minha cara, é impressionante o efeito maravilhoso que o psi-

quiatra está tendo em você. Sua súbita preocupação com as outras
pessoas é... comovente.

O sorriso alargou-se zombeteiramente.
— Portanto, deve ser verdade o que dizem... ele conseguiu mes-

mo encolher seu cérebro.

J.R. encaminhou-se para a casa, falando enquanto andava:
— E melhor eu fazer a mala para a minha pequena viagem de ne-

gócios. E espero que me empreste toda a sua competência, Sue El-
len. Sempre foi melhor nesses pequenos detalhes.

Ela levantou-se abruptamente.
— Há ocasiões, J.R., em que eu gostaria...
— Do que, Sue Ellen?
Ela se conteve.
— Vou ajudá-lo a fazer a mala, J.R. Não gostaria que ficasse

sem qualquer coisa de que possa precisar.



Jock entrou no quarto de Gary e parou logo depois da porta,

passando um longo tempo em silêncio. Se Miss Ellie percebera a
presença dele, não deixou transparecer. Na vitrola, um disco de
criança estava tocando, velho e arranhado, uma voz esganiçada
saindo pelo alto-falante. No chão, absorvendo a atenção de Miss
Ellie, estava um caderno de desenho de um adolescente. Jock ficou
observando, esperando que ela dissesse alguma coisa. Como tal não
acontecesse, ele sentiu-se finalmente compelido a falar:

— Isso não adianta.
Ela continuou a contemplar a página à sua frente, um sorriso

incipiente na boca generosa. Virou a página, relutantemente. Jock
desligou a vitrola. E Miss Ellie levantou os olhos.

— Por que fez isso?
— Vamos descer, Miss Ellie. Lucy está de saída, partindo para

Houston.

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— Quero meu filho de volta, Jock.
— Ora, Miss Ellie, pelo amor de Deus, depois de tanto tempo!
— A angústia e a saudade estão ficando cada vez piores.
— Ele voltou e tornou a partir. Gary é um homem errante, dife-

rente de nós.

— Não diga isso.
— Mas ele é diferente.
— Eu o quero de volta.
Jock levantou os olhos para o alto, numa súplica silenciosa.
— Mesmo que eu soubesse onde encontrá-lo, ele não voltaria.

Isso já deveria estar bem claro para você, a esta altura.

— Sempre podemos tentar, Jock.
— E mesmo que ele viesse — continuou Jock — a velha história

se repetiria. Ficaria em casa por algum tempo, depois meteria o
rabo entre as pernas e fugiria, como sempre fez.

— Ele é seu filho também, Jock.
— Mas que diabo, mulher, pensa que não sei disso? — resmungou

Jock, um instante antes de se retirar.



J.R examinou o conteúdo da mala que estava sobre a cama.
— A gravata listrada, azul e cinza, não está aqui.
– Deve estar pendurada no seu armário — respondeu Sue Ellen,

sentada à penteadeira, retocando a maquilagem.

– Quer pegar para mim, querida?
Sem dizer nada, ela obedeceu.
– Assim é que eu gosto, menina.
J.R. guardou a gravata na mala, fechou-a e trancou-a.
– As coisas por aqui vão ficar bem quietas com você e Lucy vi-

ajando — comentou Sue Ellen.

— É uma viagem de negócios. Não podia ser evitada.
— Eu não estava me queixando.
— É mesmo?
Ela voltou à penteadeira e contemplou-se no espelho. O rosto

que ali estava certamente a agradava, mas o mesmo não acontecia
com as sugestões da idade... as rugas nos cantos da boca, os sul-
cos perto dos olhos.

— Espero que você e Kristin encontrem algum tempo para se di-

vertirem um pouco, J.R. — disse Sue Ellen, suavemente. — Um longo
fim de semana pode ser muito aborrecido quando só se pensa em tra-
balho, sem nenhuma diversão.

— Tanto Kristin como eu temos muita imaginação. Certamente en-

contraremos algum meio de nos divertirmos.

— Não está preocupado?
— Preocupado? Com quê?
Sue Ellen virou-se para fitá-lo.
— Com a opinião pública, querido. A sua demonstração de com-

portamento corrompido é evidente. Afinal, Kristin é minha irmã.

O sorriso de J.R. era insinuante.
— Quer melhor maneira de acabar com os pensamentos mesquinhos

de mentes repulsivas? Quem poderia ser melhor como minha devotada
secretária do que a irmã caçula de minha querida esposa?

— Kristin não é mais uma criança.

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J.R. estava achando engraçado. Foi o que disse, soltando uma

risada.

— Ora, eu levo Kristin a toda parte. Somente as pessoas mes-

quinhas e sórdidas podem tirar conclusões erradas disso.

— Nesta nossa querida Dallas, não há escassez de pessoas mes-

quinhas e sórdidas, caso você ainda não tenha percebido.

J.R. pegou a mala. Encaminhou-se para a porta e abriu-a.
— Estarei no Conley's, se precisar de mim.
— Precisar de você, J.R.? O que tem feito por mim ultimamente

que pudesse me levar a precisar de você? Eis aí uma reação que ja-
mais terei.

Ele virou-se, fitando-a rancorosamente.
— Não está planejando se divertir um pouco também, minha que-

rida?

— Não estou entendendo, J.R.
— Ora, você pode querer se aproveitar da minha ausência. E se

divertir um pouco sem mim.

— Por falar em pessoas sórdidas e mesquinhas, você tem se

olhado no espelho ultimamente, J.R.?

— Tome cuidado, Sue Ellen.
— Pode deixar que tomarei.
— Seja esperta.
— Eu o tenho estudado, J.R. Você é um mestre e aprendi as li-

ções direitinho. Não precisa se preocupar. Serei tão discreta
quanto você em qualquer coisa que resolver fazer.



Lucy acabara de desligar o telefone na base da escada quando

Miss Ellie apareceu. Ela abraçou Lucy e deu-lhe um beijo afetuoso
na testa.

— Não parece muito animada para alguém que há meses vem aguar-

dando ansiosamente este fim de semana.

Lucy foi invadida pelo sentimento de culpa. Detestava enganar

a avó.

— Estou bem, vovó. É que fiquei ouvindo aqueles discos e come-

cei a pensar em papai.

— Jamais desejei que alguém ficasse transtornada, menina.
— Sei disso, vovó. E gosto de saber que existe mais alguém

nesta casa, além de mim, que pensa em papai com muito amor.

Miss Ellie olhou atentamente para a neta.
— Não sabe onde ele está atualmente, não é mesmo, Lucy?
Lucy sacudiu a cabeça.
— Eu bem que gostaria de saber, vovó.
— E tem visto sua mãe?
— Tenho, sim.
— Eu sabia disso... acho que sabia há muito tempo. E acho que

fico contente por isso. Na próxima vez em que se encontrar com Va-
lene, avise-a... avise-a que quero conversar com ela.

— Tem certeza de que quer mesmo, vovó?
— Claro que tenho.
— Não sei...
– Por favor, Lucy, eu preciso muito conversar com Valene. Em

qualquer lugar que ela quiser... irei à procura dela... no momento

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que lhe for mais conveniente.

Lucy mastigou o lábio por um momento, antes de responder:
– Estou indo me encontrar com ela agora, vovó.
Uma expressão de satisfação estampou-se no rosto de Miss El-

lie.

— Irei com você.
— Oh, não, não pode fazer isso!
— Eu lhe prometo que tudo correrá bem. Vou buscar minha bolsa.
— Tenho de ir direto para a escola depois.
— Não há problema. Pegarei um táxi para voltar. Dê-me só um

minuto.



Era uma mulher de corpo cheio, não chegando a ser esguia, não

chegando a ser gorda. Possuía um corpo maduro, arredondado onde
assim deveria ser, com uma graciosidade fácil e natural. A cabeça
assentava num pescoço bem-feito, o queixo levantado, os olhos per-
didos na distância, olhando para trás e para a frente no tempo, de
uma maneira que não acontece com a maioria das pessoas. Estava
sentada num banco do parque, à beira do Lago Bachman, esperando,
sentindo-se em paz consigo mesma, segura e confiante, indiferente
aos olhares de admiração dos homens que passavam. O carro de Lucy
parou por trás dela. Lucy e Miss Ellie saltaram.

— Mamãe! — gritou Lucy.
Valene Ewing levantou-se sem qualquer pressa, saudando alegre-

mente a filha única. Depois, ao deparar com Miss Ellie, sua ex-
pressão se transformou, tornou-se irônica, preocupada, mas sem a
menor insinuação de desprazer. Mãe e filha se abraçaram, trocaram
beijos, deram-se as mãos e confrontaram Miss Ellie.

— Lamento muito, mamãe, mas vovó insistiu em vir — disse Lucy.
— Isso mesmo, Valene, eu insisti até o fim — interveio Miss

Ellie. — Não deve culpar Lucy.

— Não há o que culpar a ninguém. Fico contente em vê-la, Miss

Ellie, depois de tanto tempo.

— Obrigada, Valene. Apenas preciso conversar com você.
— Algum problema?
— Não, não há nada de novo — respondeu Miss Ellie, com um sor-

riso amargo. — É que... Valene, eu preciso de Gary. Ele é meu fi-
lho e eu o amo, preciso dele, de uma maneira diferente da que amo
ou preciso de J.R. Ou também de Bobby, diga-se de passagem. Há
muito de Jock nesses dois, são rudes e estão sempre dispostos a
competir, a fazer tudo o que for necessário. Mas Gary... talvez
ele seja mais um Southworth, mais como eu. Seja como for, preciso
de Gary em minha vida... em algum lugar de minha vida. Costuma se
comunicar com ele, não é mesmo, Valene? O constrangimento de Vale-
ne era evidente.

— Ele me telefona às vezes.
— De onde? Como ele está? Onde ele está?
— Não sei. Nunca sei. Ele liga de lugares diferentes.
— Quando ele vai ligar novamente?
— Não sei dizer. Não é uma coisa regular, a intervalos certos.
— Pode dar um recado meu na próxima vez em que falar com ele?
— Claro.

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— Diga a ele... diga a ele que preciso vê-lo. Por favor.
— Está bem.
— Diga a ele... que não espero que volte para Southfork, não

depois da maneira como foi tratado lá. Compreendo tudo perfeita-
mente, sei como ele se sente, não há qualquer problema. Diga que
irei procurá-lo, onde quer que ele esteja. Irei encontrá-lo onde
ele quiser.

Valene assentiu, os lábios se contraindo, os olhos ficando ma-

rejados de lágrimas.

— Assim que ele telefonar, Miss Ellie, eu lhe direi tudo isso.

Pode contar comigo.

— Obrigada, Valene.
Miss Ellie sentia-se naquele momento contente e em paz, como

há muito não acontecia.



O telefone tocou e ninguém atendeu. Em seu quarto, Sue Ellen

ficou olhando rancorosamente para o instrumento ofensivo. O tele-
fone tornou a tocar. Ela respirou fundo, determinada a não aten-
der. Mas o aparelho tocou mais uma vez.

Torcia para que fosse um telefonema importante, uma ligação

que trouxesse a perspectiva de uma grande e lucrativa vitória para
J.R., que fosse essencial para o seu marido. Não atenderia, não
diria a ninguém onde ele podia ser encontrado.

O telefone tocou mais uma vez... e continuou a tocar. Sue El-

len finalmente atendeu.

— Alô?
— Alô — disse uma voz de homem. — É a Sra. Ewing?
— Há várias Sras. Ewing. Com qual delas deseja falar?
— Para dizer a verdade, eu quero falar com Kristin.
— Ela não está.
– Oh! — exclamou o homem, evidentemente desapontado.
Sue Ellen não fez a menor tentativa de preencher o silêncio.

Depois de um momento, o homem acrescentou:

— Sou Rudy Millington, um amigo de Kristin.
– Ela já me falou a seu respeito.
O homem prontamente animou-se.
— Então deve ser a irmã dela, Sue Ellen.
— Isso mesmo, sou Sue Ellen.
— Kristin deve voltar em breve?
— Provavelmente não.
— Eu gostaria de entrar em contato com ela. É que Kristin e eu

temos saído juntos ultimamente.

— Ela me contou.
— Estou tentando... isto é, tenho a esperança... fazer com que

se torne um relacionamento constante e permanente.

— Entendo.
— É por isso que estou telefonando. Acabei de me mudar para

Dallas. Liguei para Kristin, mas o número que ela me deu está des-
ligado. Sabe como posso entrar em contato com ela?

— Kristin trabalha para o meu marido.
— Posso então encontrá-la no escritório?
— Não hoje. Ela viajou a negócios esta manhã. — Sue Ellen pen-

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sou por um instante e depois tomou uma decisão. — Com J.R. Pode
encontrá-los no Conley Hotel. Fica em Austin.

— Muito obrigado. Vou telefonar para lá imediatamente. Talvez

eu possa convencê-la a voltar e passar o fim de semana comigo.

— Duvido muito. Kristin é extremamente conscienciosa com o seu

trabalho. A partir do momento em que começa alguma coisa, não pára
mais.

— Sei disso.
Sue Ellen tentou reprimir as palavras, não criar qualquer pro-

blema. Mas foi incapaz de resistir.

— Aposto que Kristin adoraria se você aparecesse.
— Em Austin?
— Exatamente.
— Acha que ela não se importaria se eu aparecesse sem avisar?
— Disse que eram íntimos.
— Tem toda razão. Acho que vou seguir o seu conselho... pegar

o meu velho carro e partir para Austin.

— Divirta-se.
— É o que farei. Muito obrigado por sua ajuda.
— Não foi nada.


O apartamento ficava no andar térreo de um modesto conjunto

residencial ajardinado, com crianças brincando por toda parte e as
mães vigilantes por perto. Era um conjunto de classe operária, bem
cuidado, mas sem qualquer enfeite. Era um lugar em que Valene sen-
tia-se à vontade, um lugar em que podia existir sem pressão, sem a
necessidade de fazer pose. Ela abriu a porta do apartamento e en-
trou, olhando ao redor.

— Meu bem...
Um homem alto, esguio e louro saiu do quarto. Trocaram um bei-

jo afetuoso.

— Estou contente que tenha voltado — disse ele.
Valene acariciou-lhe o rosto.
— Precisamos conversar.
— Sobre o que, querida?
— Sobre sua mãe, Gary.
Ficaram parados ali, de frente um para o outro, sem se mexe-

rem, sem falarem, Gary absorvendo o impacto das palavras dela, Va-
lene aguardando ansiosamente a reação dele.

— Esteve com ela.
Não havia acusação nem aceitação nas palavras.
— Ela foi me procurar. Eu marcara um encontro com Lucy no Lago

Bachman.

— Por quê?
— Por quê? Porque ela sente saudade de você.
Gary pensou por um instante, acenou com a cabeça uma vez e foi

para o quarto. Valene foi atrás dele. Havia uma mala aberta sobre
a cama, com algumas peças de roupa dentro.

— O que está fazendo, Gary?
— Estou indo embora.
— Assim de repente? Sem qualquer aviso, sem qualquer ex-

plicação?

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— Tive notícias do meu último patrão. Aquele cara em Gardena.
— O do salão de pôquer?
— Isso mesmo. Ele quer que eu volte a trabalhar lá.
— Mas é na Califórnia!
— Exatamente.
Valene tentou ordenar os pensamentos tumultuados que havia em

sua mente. Tornou-se consciente do coração batendo muito forte,
uma veia pulsando na garganta, uma ardência nos olhos. Nada era
como parecia, disse a si mesma. Nada permanecia igual. Nada resis-
tia por muito tempo, nada se podia contar como certo.

— Teve notícias dele? — ela conseguiu finalmente perguntar.
— Isso mesmo.
— Mas como? Por acaso ele tinha o meu telefone?
– Não exatamente.
– Então como foi exatamente, Gary?
– Ora, Val, isso não tem importância.
– Tem, sim! Resolve partir de repente, sem avisar nada, como

costuma fazer tudo... vai embora sem pensar em quem está à sua es-
pera em casa, sem pensar em quem precisa de você e o ama Não se
importa absolutamente com quem possa magoar!

— Isso não é justo, Val.
– E por acaso você está sendo justo? Telefonou para o seu an-

tigo patrão. Foi assim que falou com ele. Não é verdade?

— Talvez.
— Talvez?
– Está bem, telefonei para ele.
– Por que, Gary? Estava tudo correndo muito bem entre nós.
Ele terminou de arrumar as coisas e fechou a mala.
– Não, Val, não estava. Ou pelo menos não estava para mim. Não

posso ficar sentado de braços cruzados desse jeito, sem fazer na-
da, sem prestar para nada.

— Você presta para mim.
— Preciso de um emprego.
— Pode arrumar aqui.
— Aqui não dá. É impossível em Dallas e Fort Worth ou em qual-

quer outro lugar do Texas.

— E o que vai acontecer conosco, eu e você?
Gary ajustou os fechos da mala.
— Valene, chegamos à conclusão de que era melhor irmos bem de-

vagar.

— Mas isso foi há vários meses!
— Ainda é uma boa idéia.
— Mas o que você pensa que estivemos fazendo? Pediu-me para

irmos devagar, irmos com calma. E durante todo o tempo em que es-
teve aqui não viu a sua própria filha uma única vez!

— Nós resolvemos...
— Foi você quem resolveu. Concordamos em não acender as espe-

ranças de Lucy enquanto não tivéssemos certeza de que tudo daria
certo. Quanto tempo será necessário para termos certeza... para
você ter certeza?

— Não sei, Val, simplesmente não sei. Esta visita... foi ma-

ravilhosa para mim, Val. Foi mais prolongada e melhor do que na
última vez. Quem sabe se na próxima...

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— Na próxima? Talvez não haja uma próxima vez. Será que não

consegue entender? Você decide quando vem, quando vai embora, não
me dando margem a dizer coisa alguma. Fica parecendo que Lucy e eu
não contamos, não temos a menor importância.

— Não é assim.
— Você pode dizer isso, mas não se comporta de acordo.
Com a mala na mão, Gary passou para a sala. Valene foi atrás

dele.

— Eu lhe disse que sua mãe foi me procurar hoje. Nem mesmo

quer saber por quê?

— Por quê?
— Ela quer vê-lo.
Gary empalideceu e se retraiu.
— Disse a ela que eu estava aqui?
— Não. Falei apenas que tenho contato com você de vez em quan-

do, o que não está longe da verdade.

— Ótimo.
Gary ergueu a mala, como se estivesse transmitindo um recado.

Valene entendeu.

— Miss Ellie está querendo vê-lo desesperadamente.
— Terá de esperar.
— Eu disse que ela está desesperada. Não pode compreender? Ela

é sua mãe e o ama, está querendo que volte, precisa de você.

— Sinto muito. Se a deixar chegar perto, ela me arrastará de

volta à família, por mais que eu me debata e grite.

— Ela disse que não tentaria levá-lo de volta.
— Mas vai tentar. Não pode evitar. É uma mulher totalmente

orientada para a família. Não consegue pensar de outra forma.

— Gary, por quanto tempo vai continuar a ter medo dela... de

todos nós?

Ele largou a valise no chão e abraçou-a.
— Dê-me tempo, Val. Algum dia, tudo estará no lugar. Não me

pressione, não me precipite. Tenho de fazer as coisas à minha ma-
neira.

Ele inclinou-se para beijá-la. Valene desviou a cabeça, des-

vencilhou-se do abraço.

— Não! Por Deus, não! Não vou permitir que você me ame assim,

não vou perdoá-lo e ser compreensiva mais uma vez. Não vou mais
ser um joguete nas suas mãos, Gary. Nada vai dar certo, a menos
que você e eu possamos reunir os fragmentos de nossas vidas e co-
locá-los nos lugares devidos.

Ele pegou a mala outra vez e fitou-a em silêncio por um momen-

to, antes de murmurar:

— Eu lhe telefonarei.
Gary saiu e fechou a porta. Valene continuou parada onde es-

tava, olhando para a porta fechada, por um longo tempo, antes de
murmurar, as lágrimas lhe embargando a voz:

— Vá para o diabo, Gary... e feliz aniversário.


Nenhum dos dois viu Rudy Millington. E também não estavam in-

teressados em qualquer outra coisa que não fosse um ou outro. De
braços dados, J.R. e Kristin passaram pelo bar, uma visão des-

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concertante e angustiante para Rudy, encaminhando-se para os ele-
vadores. Enquanto esperavam, Kristin levantou o rosto e trocaram
um beijo, prolongado, ardente, repleto de promessas. No bar, Rudy
estremeceu e fez um tremendo esforço para manter o controle. Ob-
servou-os entrarem no elevador, beijando-se novamente, enquanto as
portas se fechavam. Ele se empenhou intensamente em não imaginar
para onde os dois estavam indo e o que tencionavam fazer.



J.R. alugara uma suíte para sua estada em Austin, consistindo

em uma sala e dois quartos. Havia na sala um bar bem provido. Ele
serviu os drinques, os dois retiniram os copos e beberam.

— Você parece apetitosa o bastante para se comer — murmurou

J.R., contemplando-a, correndo os olhos pela blusa branca de cetim
que aderia ao corpo.

A risada de Kristin foi um som gutural de prazer.
— Mas como você é obsceno, J.R.!
Ele tirou o copo da mão de Kristin e colocou-o no bar, ao lado

do seu.

— Você é uma mulher linda, Kristin, provocante e desejável.
— Já esqueceu que sou sua cunhada?
J.R. se adiantou, os braços envolvendo-a pela cintura.
— Pretende se lançar a uma longa conversa, Kristin? Ou está

interessada em pôr as coisas nas suas devidas perspectivas?

— Ora, J.R., não estou entendendo.
Ele baixou o rosto para a depressão ensombreada entre os seios

dela, os lábios quentes e ativos, a língua se projetando para aca-
riciar a pele macia.

Kristin ofegou e ficou rígida, balbuciou o nome dele, fez um

esforço débil e inútil para se desvencilhar. As mãos de J.R. subi-
ram por suas coxas, alcançaram os quadris sensuais, os dedos foram
se comprimir contra a carne macia das nádegas. Ela arqueou-se para
trás e J.R. desceu a mão pela barriga lisa, até o ponto em que as
coxas se encontravam, comprimindo firmemente. Um tremor percorreu
o corpo de Kristin, que gritou e começou a cair.

J.R. baixou-a para o chão, rasgou a blusa, expondo os seios

aos seus olhos e sua boca.

– Não — balbuciou Kristin. — Não devemos... eu não queria...
J.R. não deu a menor atenção aos protestos dela, não lhes deu

o menor valor, enquanto levantava a saia até a cintura. Kristin
nada usava por baixo. Com um grunhido abafado, ele lançou-se para
a frente. Depois de um breve instante de resistência, as coxas de
Kristin se separaram. Ela convidou-o a seguir em frente, com ges-
tos e palavras, nada omitindo, dizendo tudo o que sua carne ansia-
va, em sucessivos espasmos, obtendo exatamente o que queria de
J.R. Ewing. E logo de J.R. Ewing!

O marido de sua irmã!
E como era bom, como era delicioso!


Bobby estava sentado à sua mesa, imerso em pensamentos. Havia

muitos outros lugares em que podia estar que não a suíte executiva
da Ewing Oil. Mas lá estava ele, envolvido pelos detalhes, acuado,

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escravizado à empresa da família. Aquilo era problema de J.R., um
problema antigo do pai. Mas não de Bobby. Ele gostava da vida ao
ar livre, trabalhando no rancho, lidando com as coisas vivas e a
terra, vivendo ao sol do Texas. O interfone interrompeu seus deva-
neios.

— O que é, Connie?
— Seu café e os bolinhos estão aqui.
Bobby franziu o rosto, surpreso.
— Não pedi nada.
— Foi o que eu falei — explicou Connie. — Mas ele está insis-

tindo.

— Livre-se dele.
Bobby virou-se para olhar pela janela quando a porta se abriu

bruscamente. Ele tornou a se virar, furioso.

— Escute aqui...
E ele não disse mais nada, olhando aturdido para o homem alto,

segurando um saco de papel pardo.

— Café e bolinhos com cobertura de chocolate, meu caro ir-

mão... o tipo que mais aprecia em todo este vasto mundo.

Bobby levantou-se, um sorriso feliz espalhando-se pelo rosto.
— Gary!
— Nenhum outro... e em carne e osso.
Bobby fez a ligação 30 minutos depois. Miss Ellie atendeu, em

seu telefone particular.

— Alô?
— Mamãe?
— É você, Bobby?
— Eu mesmo, mamãe. Está sozinha?
— Por que pergunta? Claro que estou.
— Tem alguém aqui querendo falar com você. Gary pegou o fone.
– Olá, mamãe.
Ela sentiu o coração pular dentro do peito.
– Santo Deus! Gary! É você mesmo, não é, Gary?
– Isso mesmo, mamãe.
– Oh, Gary! Como você está?
– Estou bem, mamãe?
– Está mesmo?
– Nunca estive melhor.
– Não está doente ou qualquer outra coisa?
– Não, mamãe, não estou.
– E onde você está?
— Em Dallas.
– Está voltando para casa, Gary? Pois venha logo. Agora. Ime-

diatamente.

– Não posso fazer isso. Não quero ver nenhuma outra pessoa da

família além de você, mamãe.

— Quando, Gary?
– Bobby vai levá-la ao meu encontro amanhã de manhã. Mas não

deve dizer nada a ninguém. Nem mesmo a Lucy.

— Ela é sua filha, Gary.
— A ninguém, mamãe. Promete?
– Prometo. Farei como você quiser. Oh, Deus, como é bom ouvir

a sua voz novamente!

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– Também fico feliz de ouvi-la outra vez. Até amanhã, mamãe.
— Até amanhã, filho.
Miss Ellie desligou, sem perceber que Sue Ellen começara a en-

trar no quarto e parara na porta, escutando. Com uma expressão ma-
liciosa no rosto bonito, Sue Ellen retirou-se. Ali estava algo em
que devia pensar, um fato a avaliar, examinar, descobrir se pode-
ria lhe proporcionar algum proveito pessoal. Sue Ellen sabia muito
bem que, quando se pertencia à família Ewing, era vital resguar-
dar-se e aproveitar toda e qualquer oportunidade que se apresen-
tasse, não importando a quem se pudesse prejudicar no processo.



Naquela noite, J.R. e Kristin foram jantar no restaurante do

hotel. O aparecimento dos dois causou a maior sensação, devida ex-
clusivamente ao vestido de Kristin, provocante no que revelava e
na maneira como escondia o resto. Ela avançou com um andar lento e
sensual, atrás do maître, até uma mesa no canto, com aparente in-
diferença a todas as demais pessoas que estavam no restaurante,
embora perfeitamente consciente do rebuliço que estava causando e
profundamente satisfeita por isso. J.R. sentou-se diante dela.

Ao contrário de Kristin, J.R. estava francamente interessado

em todas as demais pessoas que se encontravam no restaurante. Era
um homem sempre atento a todas as oportunidades, convencido de que
poderiam surgir a qualquer momento, em qualquer lugar. E logo...

— Mas veja só quem está aqui! — exclamou ele, exultante. — Não

posso acreditar em tanta sorte.

— Quem é? — perguntou Kristin, embora não estivesse realmente

interessada.

— Simplesmente Mr. Eugene Bullock. Aquele velho é rico como

Creso, proprietário de uma frota de petroleiros, entre muitas ou-
tras coisas.

— Você prometeu que esta noite seria minha, J.R. Nada de negó-

cios.

— Meu bem, não existe um só homem do petróleo em todo o Estado

do Texas que possa se dar ao luxo de não cumprimentar Mr. Eugene.
Venha comigo.

Kristin seguiu-o, relutantemente, até uma mesa quase no outro

lado da sala. Eugene Bullock era um homem na casa dos 70 anos,
barba e cabelos brancos. Mas os olhos eram alerta, as costas em-
pertigadas, as mãos firmes. Em sua companhia estava uma linda mu-
lher, que devia ter menos da metade de sua idade.

— Olá, Mr. Eugene — disse J.R. — Sua presença é certamente um

alívio para olhos cansados.

Bullock levantou os olhos, não demonstrando uma reação efusi-

va.

— Olá, J.R.
— Mr. Eugene, eu gostaria de apresentá-lo a minha cunhada,

Kristin Shepard. Kristin é minha nova secretária e está se tornan-
do rapidamente meu braço direito. Mr. Eugene e... — J.R. virou-se
para a mulher sentada à mesa. — ... e sua associada, Sally, não é
mesmo?

Ele sorriu para a mulher, tendo esquecido como ela era excep-

cionalmente bonita. Sally limitou-se a acenar com a cabeça, sem

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dizer nada.

— Não há mais essa história de associada, J.R. — murmurou Mr.

Eugene, suavemente. — Sally é agora minha mulher. Casamos há al-
guns meses. Pensei que todo mundo já soubesse.

Kristin e Sally trocaram cumprimentos, avaliando-se mutuamen-

te, com uma curiosidade indisfarçável, se não mesmo alguma hosti-
lidade. Havia uma sugestão de semelhança entre as duas, embora não
se parecessem. J.R. conseguiu exibir um arremedo de entusiasmo:

— Mas isso é uma notícia sensacional, Mr. Eugene! Meus para-

béns!

- Era mais ou menos inevitável que Sally e eu acabássemos ca-

sando. Não é fácil negar qualquer coisa que Sally esteja querendo,
não fazendo a menor diferença se é uma ninharia ou algo imenso.
Minha nova mulher é uma mulher determinada.

Sally riu, sem desviar os olhos de J.R.
- Ora, Mr. Eugene...
– É a pura verdade — insistiu Bullock. — Sente-se, J.R. E você

também, Kristin. Juntem-se a nós, se não há outro jeito...

Satisfeito com o próprio gracejo, ele soltou uma risada débil,

que mais parecia a reação de alguém que estava engasgando.

J.R. tratou de sentar-se, dizendo:
– Para ser franco, Mr. Eugene, venho me empenhando em encon-

trá-lo.

– Foi o que ouvi dizer. Mas tem de passar por Sally agora. Ela

é que está cuidando da maioria dos detalhes do dia-a-dia dos meus
negócios. Essa moça tem uma mente extraordinária para os negócios.

J.R. desviou sua atenção.
— Meus parabéns.
Sally não demonstrou a menor reação.
— Ainda tenho de provar do que sou capaz.
– Não é preciso, não é preciso — disse Bullock, os lábios mal

se mexendo. — Sei do quanto você é capaz, Sally... e aprecio imen-
samente. Posso confiar em você para obter um bom lucro, comprar e
vender com vantagem, fazer toda e qualquer transação. Afinal, com
todos os diabos, nosso casamento é justamente isso!

Ele soltou um grunhido e bateu com os dentes, antes de acres-

centar:

— Diga a J.R. por que casou comigo, Sally.
A expressão dela não se alterou quando respondeu:
— Ora, Mr. Eugene, pelo seu dinheiro, é claro.
Desta vez, o velho riu efusivamente.
— Ela não é sensacional? Essa mulher é perfeita. Prefiro dei-

xar tudo para Sally do que para aqueles filhos imbecis que tive
com minhas esposas anteriores. Trate de aprender com Sally, Kris-
tin. Diga sempre a verdade escandalosa. A maioria das pessoas não
vai mesmo acreditar. E, principalmente, não minta para esse mu-
lherengo de meia-idade chamado J.R. Ewing. Não há a menor possibi-
lidade de J.R. acreditar que você realmente goste dele.

Kristin exibiu o seu sorriso mais meigo.
— Não está entendendo, Mr. Eugene. A esposa de J.R. é minha

irmã. Estou aqui apenas como a secretária dele e mais nada.

O velho bateu com os dentes outra vez.
– Qualquer coisa que disser está bom para mim, mocinha.. -

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qualquer coisa mesmo. Mas quando eu dou um conselho, as pessoas
que têm alguma coisa na cabeça geralmente aceitam. E agora J.R.,
pode me dizer que diabo você está querendo, abordando-me desse
jeito?

J.R. demorou um minuto para encontrar uma resposta satis-

fatória.



Val estava sentada sozinha, na beira da poltrona encostada na

parede, o olhar perdido na escuridão. Há horas que ela estava sen-
tada ali, enquanto o dia chegava ao fim e a noite a envolvia, ja-
mais se mexendo, tentando ordenar os pensamentos, reprimir a pro-
funda inquietação que experimentava. A princípio, nem percebeu que
estavam batendo na porta. Gradativamente, porém, o som penetrou em
sua mente e ela se levantou.

— Quem é?
— Sou eu, Gary.
— Gary? O que você quer? — Valene começou a tremer.
— Não vai abrir a porta? Ela abriu.
— Pensei em sairmos para comemorar.
— Comemorar? Por quê?
— Hoje é meu aniversário.
Valene lançou-se chorando nos braços dele e Gary apertou-a

firmemente.



16




O jantar estava terminando... com café e conhaque e um charuto

para Mr. Eugene. Os dois homens estavam falando de negócios há
quase uma hora, as mulheres acompanhando atentamente.

— Assim que o petróleo começar a jorrar — J.R. estava dizendo

— quero transportá-lo o mais depressa possível. Calculo que vamos
extrair cerca de três mil barris diários por poço.

Mr. Eugene sentia as pálpebras pesadas. Estava pronto para

dormir.

— O que você acha, Sally?
— Parece-me muito bom... na teoria.
Ela lançou um olhar inocente para J.R., que franziu o rosto.
— Resolvi procurá-lo em primeiro lugar, Mr. Eugene. Sempre

apreciei a maneira como faz negócios.

– Sou um homem do mundo, J.R., o que é mais do que se de dizer

da maioria dos empresários de hoje. E então. Sally, que me diz?
Vamos fechar negócio com esse rapaz?

– Talvez. Mas eu gostaria de ouvir mais.
J.R. concordou.
– Posso entrar em detalhes, oferecer todos os dados e cifras.
– Mas não para mim. — Mr. Eugene levantou-se. — Vocês dois po-

dem acertar tudo, enquanto eu vou dormir.

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Ele se afastou, deixando o restaurante, visivelmente sonolen-

to. Sally disse:

– Não há motivo para não continuarmos a conversa, enquanto to-

mamos outro conhaque.

Kristin protestou, debilmente:
– J.R. ...
Ele não a deixou continuar:
— Tenho uma idéia, Kristin. Por que não vai logo para o seu

quarto? Sempre fica entediada com essas conversas de negócios.

Recordando como fora bom na cama com J.R., Kristin quis argu-

mentar, insistir, exigir. Mas conseguiu apenas dizer:

— Mas, J.R.....
— Precisa dormir, meu bem. Até amanhã.
— Boa-noite, Kristin — disse Sally.
O olhar de Kristin desviou-se de um para outro. Não lhe haviam

deixado qualquer espaço para manobrar. Ela levantou-se e seguiu
pelo mesmo caminho que Mr. Eugene já percorrera.

J.R. esperou até que ela tivesse se distanciado, antes de vi-

rar-se novamente para Sally. Um sorriso largo transformava sua bo-
ca num brilho de esmalte branco.

— E agora... — murmurou ele, com um júbilo expectante.
— Está pensando em alguma coisa?
— Ora, Miss Sally, o que está querendo insinuar?
— Eu o compreendo perfeitamente, J.R. Ewing. Pode enganar a

meu marido, mas não a mim.

— Isso jamais me passou pela cabeça. — Ele pegou a mão de

Sally e examinou-a atentamente. — Quero que receba e compreenda
todas as nuanças de cada mensagem que eu lhe transmitir.

Levantando a mão de Sally, ele comprimiu os lábios cuidado-

samente contra a ponta do dedo indicador. E repetiu, enquanto su-
gava o dedo:

— De cada mensagem...
Sally ficou observando-o com os olhos semicerrados. E dali a

pouco sussurrou:

- Mensagem recebida e entendida.


Kristin parou à entrada do bar, hesitou por um instante e de-

pois entrou apressadamente, indo sentar-se num banco junto ao bal-
cão.

— Um café irlandês, por favor.
Um vulto sentou-se no banco ao lado. Ela não prestou a menor

atenção:

— Olá, Kristin.
Ela virou a cabeça bruscamente.
— Rudy! Mas que diabo está fazendo aqui?
— Eu poderia lhe fazer a mesma pergunta.
— Estou aqui com meu chefe, a negócios.
— Negócios, hem? — disse ele, a voz impregnada de sarcasmo.
Kristin ignorou o comentário.
— Como me descobriu?
— Foi fácil. Perguntei à sua irmã.
— Ah, a querida Sue Ellen...

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— Gostei dela. Proporcionou ajuda e conforto a um apaixonado

em desgraça. Deus Todo-Poderoso, Kristin, logo J.R. Ewing! O homem
não apenas é um porco, como você mesma me disse muitas vezes, mas
também é o marido de sua irmã!

Kristin preparou-se para negar, mas depois mudou de idéia. Ele

que se danasse, que todos se danassem.

— Sue Ellen não o quer.
— E você quer?
— É melhor acreditar nisso.
— E nós?
— Jamais me interessei muito por história antiga, Rudy.
— Você não passa de uma cadela sem-vergonha!
— Se quer ficar sentado ao meu lado, é melhor ser delicado.

Caso contrário, trate de tirar o rabo daqui. Está entendendo o re-
cado?

O barman trouxe o que Kristin pedira, pôs em cima do balcão e

afastou-se.

— Eu havia me esquecido de sua natureza meiga e generosa,

Kristin.

— Estava se lembrando apenas das coisas que fiz para você na

cama.

— E eu também fiz para você.
— J.R. é um homem maduro, Rudy. Não há nada que ele não saiba

ou faça... e sempre faz melhor do que a maioria.

— Qual é a participação do dinheiro em tudo isso?
— Uma participação muito importante.
— Não sou exatamente um homem pobre. Sou um dos mais jovens

executivos do mais antigo e mais prestigioso estabelecimento ban-
cário de todo o Texas. Estou subindo e bem depressa. Dê-me dez
anos...

– E o que vai acontecer? Mesmo depois que chegar lá, qualquer

que seja o lugar para onde está indo, jamais estará tão alto e se-
rá tão poderoso quanto J.R. é neste momento.

– Acho que ele pode pagar mais do que eu.
Kristin umedeceu os lábios.
– J.R. não paga às mulheres, Rudy. Ele as compra e as possui,

de corpo e alma.

– E é isso o que você quer?
– Esse é o preço que tenho de pagar para começar.
Ele não foi capaz de assimilar plenamente o que Kristin estava

dizendo.

— Não se lembra mais como era conosco? Não sente falta de mim?
— Não sinto falta de nada. Não me lembro de nada.
— Pois vai se lembrar de alguma coisa, quando estiver acordada

e ele dormindo ao seu lado. Talvez mesmo esta noite, quando ficar
sozinha e seu corpo ansiar pela mão de um homem... pela minha mão,
meu corpo, a maneira como você sabe que pode ser e sempre foi en-
tre nós dois. Estou no St. Francis Motel, Kristin, caso precise
saber.

— Não precisa ficar acordado a me esperar. — Ela saltou do

banco e largou uma nota no balcão. — Pode terminar meu café irlan-
dês, Rudy. Já está pago, graças a J.R. Ewing.

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Sue Ellen abriu a porta do quarto de Gary e olhou, sem acender

a luz. Um riso baixo e irônico emergiu de sua boca e ela disse,
como se falasse para si mesma:

— Ah, J.R., vai ser uma surpresa e tanto para você. As coisas

mais interessantes acontecem quando você está viajando. Espere só
até descobrir que Gary está de volta.


17




O encontro foi na sala de Bobby. Houve abraços e lágrimas,

mais abraços, até que a emoção diminuiu um pouco, as lágrimas es-
tancaram e a alegria intensa do reencontro retrocedeu para regiões
mais íntimas. Mas Miss Ellie continuou segurando a mão de Gary, os
olhos brilhando, enquanto o contemplava insaciavelmente.

— Você está com uma aparência maravilhosa — disse ela, pela

sexta vez.

— Você também está, mamãe.
Miss Ellie virou-se para Valene.
— Quero que você saiba o quanto... o quanto... ora, não tenho

palavras! Obrigada, Valene, muito obrigada!

Valene fez um esforço para não chorar, enquanto Miss Ellie

tornava a falar para Gary:

— Não sei direito o que aconteceu na última vez em que você

voltou ao rancho. Jamais soube e jamais compreendi por que você
foi embora daquela maneira. Mas sei que uma parte foi a minha in-
sistência para que voltasse a morar conosco.

Gary disse, cuidadosamente:
— Houve muito mais do que isso.
— E não espero que você fale a respeito. Acho que não é neces-

sário que eu saiba de tudo o que aconteceu. Seja como for, sei que
você em Southfork... não vai dar certo. Os Ewings não podem viver
todos sob o mesmo teto.

— É o que parece — comentou Bobby, de trás da mesa.
Nenhum deles disse coisa alguma por um momento, cada um com

receio de magoar os outros, cada um ordenando os argumentos para
apoiar suas necessidades. Mas Miss Ellie não pôde se conter por
mais tempo:

— Mas eu preciso de você, Gary. Preciso vê-lo.
— É por isso que estou aqui, mamãe.
— Sei disso. Há quanto tempo você e Valene vêm se encontrando?
Foi Valene quem respondeu:
— Desde a última vez em que estivemos no rancho.
— E já fizeram planos?
Miss Ellie sentiu vontade de morder a língua, retirar as pala-

vras. Mas já haviam saído, sua compulsão pela certeza expelindo
cada uma.

— Que espécie de planos? — indagou Gary.

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Era como se Miss Ellie não pudesse mais exercer a autocensura.
— Se estão se vendo há tanto tempo, então devem estar pensando

em fazer alguma coisa.

Miss Ellie procurou primeiro uma resposta com Gary e depois

com Valene. E foi Valene quem respondeu, taxativamente:

— Não há planos.
Gary sorriu, atenuando a tensão.
— Estamos pensando em casar de novo, mamãe. — E talvez nos mu-

darmos para a Califórnia. Começar uma vida nova.

Miss Ellie teve de fazer muito esforço para conter as lágri-

mas.

– Califórnia?
Gary olhou para Bobby e depois novamente para a mãe.
– Não há a menor possibilidade de eu permanecer aqui.
Ela pensou por um momento e depois acenou com a cabeça em

aceitação. A realidade, disse a si mesma, tinha um meio cruel de
se sobrepor a seus desejos, a seus sonhos de utopia em Southfork.
Gary ainda estava falando:

– Mas ainda não há nada acertado. Ainda não sabemos com certe-

za o que vamos fazer.

– Gary está preocupado — comentou Valene.
–Com o quê? — perguntou Bobby. — Parece-me que vocês dois es-

tão indo muito bem.

Como Gary não respondesse, Valene se encarregou de fazê-lo:
– Gary está preocupado com a bebida e o jogo.
– Pensei que tudo isso tivesse ficado para trás — disse Bobby.
– É o que eu também gostaria de pensar — murmurou Gary. — Mas

nunca fui muito bom em assumir responsabilidades e vocês todos sa-
bem disso.

— Não deve se subestimar, filho.
— E há também Lucy — acrescentou Valene.
— Se Val e eu voltarmos a viver juntos... e se levarmos Lucy

com a gente e a nova tentativa acabar em fracasso... Estou cansado
de magoar minha filha. E a você também, mamãe. E a Val. Não vou
fazer uma porção de promessas que não serei capaz de cumprir.

Sentado ao lado da mãe, segurando a mão dela, perto da mulher

e do irmão, Gary deixou-os subitamente.

A memória levou-o de volta, no tempo e no espaço, ao Lucky

Lindy, um cassino no Lago Tahoe.

O Lucky Lindy possuíra outrora todo o esplendor dos cassinos

maiores e mais famosos em torno do lago. Mas o brilho se desvane-
cera. Apresentava agora a vulgaridade de uma cantina de prato fei-
to, entre restaurantes de quatro estrelas. Para Gary, no entanto,
era como um lar.

A princípio, ele resistiu à tentação, deixando que os sons

exuberantes da ação o envolvessem sem levar a mão ao bolso para
tirar dinheiro para apostar... o zumbido mecânico das máquinas ca-
ça-níqueis, os gritos dos vencedores na roleta, as imprecações dos
perdedores na mesa de dados. Sóbrio, aparentemente indiferente,
ele ficou andando de um lado para outro, observando e escutando,
uma presença estranha entre os jogadores. Mas não por muito tempo.

Começou com o vinte-e-um, querendo apenas testar sua deter-

minação. Perderia cem dólares e largaria ou ganharia 500 e iria

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embora... uma verificação de caráter e força pessoal. Perdeu os
cem dólares, mas ainda restavam 900 em seu bolso. Foi até a mesa
de dados... para observar, nada mais. Um caixeiro-viajante de Wi-
chita Falis perdeu um monte de dinheiro e saiu chorando, no braço
de outro caixeiro-viajante de Wichita Falis, ambos embriagados.

Os dados continuaram a rolar. Uma velhinha de Dubuque ganhou

50 dólares e foi embora, radiante e com um sentimento de culpa,
prometendo a si mesma que poria todo o dinheiro no prato da cole-
ta, na missa do domingo seguinte.

Os dados continuaram a rolar e finalmente chegou a vez de

Gary. Ele passou e sentiu o estômago se contrair todo pela opor-
tunidade perdida. Quando se está perdendo, é preciso ir à forra,
não é mesmo?

Os dados chegaram a uma loura grande e espalhafatosa, a carne

branca dentro de uma blusa preta, decotada quase até a cintura,
expondo a maior parte dos seios imensos, que eram o seu orgulho e
alegria. Ela aceitou os dados com a afeição cautelosa de uma mãe
adotiva. Sacudiu-os, soprou-os, prometeu-lhes recompensas que ne-
nhum dado jamais havia recebido. Para dar sorte esfregou-os nos
seios quase que inteiramente expostos.

— Sejam bonzinhos com a mamãe, meninos! — gritou ela, atirando

os dados.

Os dados bateram no outro lado da mesa e rolaram até parar.
— Sete, um vencedor!
A mulher soltou um ganido de alegria, fez suas apostas, repe-

tiu o processo e tornou a vencer.

Mais uma vez, a rotina começou. Quando os dados começaram a

acariciar os seios monstruosos, Gary já havia apostado 200 dólares
na vitória dela.

Ela jogou os dados.
E venceu.
Gary instou-a para que continuasse e foi fazendo suas apostas

com tranqüilidade, com alegria, absolutamente convencido de que
estava apostando na vitória certa.

A mulher lançou os dados 21 vezes e ganhou 21 vezes. Sem con-

tar, Gary sabia que era um grande vencedor. O volume de suas apos-
tas aumentara até o limite da mesa e ele calculava que já acumula-
ra mais de 40 mil dólares. Observou a loura. A expressão no rosto
dela se alterara quase que imperceptivelmente, como se de repente
compreendesse a magnitude do que estava lhe acontecendo. Ela hesi-
tou antes de fazer a sua nova aposta, reduzindo-a drasticamente.

Sacudiu os dados, soprou-os, prometeu recompensas maravilhosas

e esqueceu de esfregá-los nos seios. Gary estendeu a mão e segurou
o braço dela, antes que fizesse o lançamento.

– Os dados precisam dos peitos — disse ele, suavemente.
A mulher fitou-o sem reconhecimento, perdida em seus próprios

sentimentos, nas sensações do jogo. Havia uma expressão assustada
em seus olhos e subitamente parecia velha e cansada. Comprimiu os
dados contra os seios e depois fez o lançamento. E ganhou. Gary
pegou o dinheiro que ganhara e afastou-se, procurando por outro
jogo, outro lugar em que jogar.

Parou perto da porta dupla de vidro, contemplando uma mulher

espetacular que entrava, num vestido vermelho bem justo. Os cabe-

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los escuros sedosos caíam pelos ombros em ondas, os olhos quase
pretos eram grandes e redondos. Era jovem, uma visão deslumbrante,
justamente o que um vencedor merecia.

— Oi! — disse Gary.
Ela era quase tão alta quanto ele e fitou-o altivamente.
— Oi — respondeu ela, sem qualquer ênfase.
Era evidente que os estranhos lhe falavam com freqüência. Era

uma mulher acostumada às atenções masculinas.

— Sou um vencedor — disse Gary.
— Aposto que é.
— Vou lhe pagar um drinque.
— Um drinque... por que com você?
— Porque o vermelho combina muito bem com o verde — disse

Gary, contemplando o vestido vermelho que parecia grudado no corpo
e exibindo um maço de notas verdes.

O sorriso da mulher foi fascinante. Ela passou o braço pelo

dele e foram para o bar. Uma hora depois, estavam na cama, repou-
sando dos esforços ingentes para se satisfazerem mutuamente. Gary
levantou-se e começou a vestir-se.

— Você tem de ir? — perguntou a mulher, com todo o charme po-

lido de uma aeromoça.

— Esse dinheiro está ardendo no meu bolso.
— Está ouvindo o barulho dos dados?
— Acho que sim. — Gary tirou algum dinheiro do bolso. — Tem um

pouco para você, meu bem.

— Espero que seja mais do que um pouco. Nada sai de graça nes-

ta cidade.

Ele acrescentou outros cem dólares e foi embora.
Começou a beber scotch com gelo e a jogar dados. Duas horas

depois, estava embriagado e novamente sem dinheiro. Pediu um cré-
dito e foi recusado. Pediu outro drinque e lhe disseram que su-
misse. Tentou acertar um soco num leão-de-chácara e levou uma sur-
ra no estacionamento. Era um alcoólatra, um jogador e um perdedor.



— Nenhum de nós quer uma porção de promessas de você, Gary —

Miss Ellie estava dizendo, as palavras impregnadas de intenso amor
maternal.

Ele virou a cabeça bruscamente, como se estivesse muito longe

e só naquele momento voltasse. Focalizou os olhos, enquanto a mãe
acrescentava:

— Nenhum de nós quer que você seja perfeito, Gary como sempre

tentou. Aceitamos tê-lo simplesmente como uma parte de nossas vi-
das.

— Preciso de alguma perspectiva — murmurou Gary.
— Nunca vai saber do quanto é capaz se não tentar, Gary. E

nunca tentou realmente.

Miss Ellie apertou a mão que segurava e encostou o rosto no do

filho. Por um longo momento, ninguém se mexeu, ninguém falou, a
sala estava carregada de emoção e anseio.

Depois, Gary desvencilhou-se da mãe e encaminhou-se para Vale-

ne. Levantou-a e fitou-a nos olhos, firmemente.

— Valene Ewing, eu a amo profundamente e preciso de você em

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minha vida. Quer casar comigo?



Parecendo ainda mais jovem e linda num uniforme branco de tê-

nis, Kristin encontrou J.R. em companhia de Sally Bullock no res-
taurante do hotel. Um olhar do outro lado da sala foi suficiente
para que compreendesse que estavam negociando mais do que uma
transação comercial. O ciúme transformou-se em raiva e medo. O que
ela queria de J.R. Ewing, o que tinha de ter de qualquer maneira,
o que vinha se empenhando tanto em adquirir, pesou na balança. Ad-
vertiu a si mesma que não podia dar um passo em falso agora. Não
podia se dar ao luxo de perder.

Magoada, furiosa, ansiando por vingança, ela aproximou-se de-

les, com um sorriso de camuflagem estampado no rosto.

— Bom-dia, J.R. Bom-dia, Sra. Bullock.
— Bom-dia, Sally.
— Bom-dia, meu bem — murmurou J.R., sem muito entusiasmo.
— Pensei que tínhamos combinado jogar tênis esta manhã.
— E vamos jogar — declarou J.R. — Sally e eu já estamos aca-

bando de acertar umas poucas coisas. Você vai indo na frente e en-
contre alguma coisa para se distrair, enquanto espera.

Sem dizer mais nada, Kristin afastou-se, uma visão deslum-

brante de branco. Todos os olhos masculinos no restaurante acom-
panharam a sua passagem.

— Uma coisinha linda, não é mesmo? — murmurou J.R.
– Mas não o bastante para você.
J.R. deu de ombros.
— Bastante? O que essa palavra significa, Sally?
Ela sorriu.
— Quando eu descobrir, pode deixar que lhe direi, J.R. E agora

vamos voltar à nossa pequena discussão.

— É o que gosto em você, Sally. Nunca perde de vista o que im-

porta realmente.

— Eu diria que somos vinho da mesma pipa.
— Eu também, minha cara, eu também...


Bobby desligou o telefone e virou-se para os outros Ewings,

que já estavam prontos para irem embora.

— Está tudo acertado. O Juiz Jensen disse que basta provi-

denciarem o exame de sangue e ele cuidará da licença. Podem casar
esta tarde.

Valene estava exultante. Miss Ellie apertou as mãos dela, num

gesto de aprovação.

— Se eu ficasse separada de meu marido por 17 anos, também ha-

veria de querer uma nova cerimônia.

— Não há problema para mim — murmurou Gary.
— É melhor que não haja mesmo — disse Valene, com um arremedo

de veemência.

Miss Ellie soltou uma risada.
— Eu gostaria de poder proporcionar-lhes um casamento apropri-

ado.

— Talvez possa cuidar disso depois que comunicarmos a todo

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mundo — disse Valene. — Eu não me importaria de casarmos todos os
anos.

Gary saiu, levando a sua ex e futura esposa, deixando Miss El-

lie a sós com Bobby.

— Mamãe, quer que eu providencie um táxi para levá-la de volta

ao rancho?

— Não precisa. Tenho ainda muita coisa para fazer, presentes a

comprar.

– Deixe-me assinar estes papéis e irei com você.
Bobby começou a assinar um documento depois de outro.
Miss Ellie comentou:
— Eles parecem importantes.
- E são mesmo. Escrituras de algumas casas que Steve Wiley e

eu compramos na Califórnia.

— Casas na Califórnia? Para quê?
— Para revender posteriormente e levantar algum capital. A ex-

pansão do mercado imobiliário na Califórnia está financiando a
maioria das nossas construções aqui.

— E são boas casas?
— Claro. Dê uma olhada nestas fotografias.
Foi o que ela fez, enquanto Bobby continuava a assinar os do-

cumentos. Gradativamente, uma idéia começou a adquirir forma na
mente de Miss Ellie. E ela examinou as fotografias mais uma vez.



Rudy Millington saiu do chuveiro e enxugou-se vigorosamente.

Era um homem de boa constituição física, ombros largos, peito es-
tofado, musculoso. Uma batida na porta do quarto do motel fez com
que ele enrolasse a toalha na cintura, antes de indagar:

— Quem está aí?
A voz que soou no outro lado da porta era insinuante:
— Kristin.
Rudy abriu a porta. Ela contemplou-o com um sorriso distante

na boca cheia. Estendeu a mão, as unhas roçando de leve pelo peito
dele. E sussurrou:

— Eu já tinha me esquecido como você fica sensacional quando

está sem nada.

Ele indicou a toalha.
— Não se pode dizer exatamente que estou sem nada.
Com um gesto rápido, Kristin puxou a toalha e largou-a no

chão.

— Pronto, agora está sem nada. Ei, olhe só como está! E eu

ainda nem comecei!

Rudy estendeu as mãos para agarrá-la, mas Kristin esquivou-se.
— Ainda não. Deixe-me primeiro tirar as roupas.
— Eu ajudarei.
— Você fica apenas assistindo — ordenou Kristin a voz meio

rouca. — E depois...

Ela fez uma pausa, antes de arrematar.
— E depois conversaremos.
— Não é conversar o que estou querendo.
— Conversar sobre o que você gosta, o que eu gosto, sobre o

que você tem feito, o que eu tenho feito, mas não um com o ou-

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tro...

Por um momento, ele não conseguiu entender. Depois, seus olhos

se estreitaram.

— Está se referindo a J.R. Ewing e você?
Kristin estava postada diante dele, usando apenas a mais su-

mária das calcinhas, rosa, rendada.

— Estou me referindo ao que você quer... ao que eu quero. E

agora me diga: o que você gostaria primeiro?

Rudy disse, franco, direto, com as palavras apropriadas. E

Kristin proporcionou-lhe, com uma sensibilidade e perícia que ne-
nhum outro homem poderia ter. Depois, ficaram estendidos na cama,
sem se tocarem.

– Foi bom para você? — perguntou Rudy.
— Muito bom.
— Melhor do que J.R.?
Kristin soergueu-se, apoiada num cotovelo.
– Quer saber a verdade?
— Quero.
— Sei o que J.R. é... um homem mesquinho e egocêntrico, inte-

ressado apenas em suas próprias satisfações, em suas próprias re-
compensas, em seu próprio prazer. É ambicioso, insaciável, trai-
çoeiro. Mas quando estou com ele, descubro que não existe mais na-
da igual. Melhor do que J.R.? Para mim, ninguém é melhor do que
J.R. Absolutamente ninguém.



J.R. e Sally Bullock concluíram a reunião. Saíram do bar e pa-

raram por um instante no saguão do hotel, antes de se separarem.

— Você me convenceu, J.R. Tudo o que tenho de fazer agora é

convencer Mr. Eugene.

— O que é preciso para isso?
Ela pensou por um instante, antes de responder:
— Ele nunca o perdoou inteiramente por tê-lo vencido no leilão

daquela estátua de Fredric Remington. Mr. Eugene cobiçava intensa-
mente aquele pedaço de bronze.

— O nome da estátua era Roping Cowboy. Também gosto muito de-

la.

— Neste mundo, deve-se avaliar uma aquisição em comparação com

outra, assumindo-se sempre uma posição pragmática.

— Tem toda razão. — J.R. passou o braço pela cintura dela. —

Você é sensacional, Sally... e minha admiração aumenta com a inti-
midade.

Ela encostou-se nele, sorrindo rapidamente.
— Não se pode dizer que somos íntimos, J.R. Pelo menos por en-

quanto.

— Todas as coisas são possíveis para um homem com iniciativa.
— E você certamente é um homem de iniciativa, mesmo que não

seja mais nada.

— Vamos nos encontrar com mais freqüência, Sally. É o que es-

pero.

— O tempo dirá.
— Sobre aquela estátua...
— A de Remington?

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— Isso mesmo. Vou telefonar para Southfork e pedir a um dos

homens que a leve de caminhão. Mr. Eugene a terá antes do cair da
noite.

— Meu marido ficará muito satisfeito.
— E eu terei de arrumar alguma outra coisa que possa deixar

você satisfeita, Sally.

— Tenho certeza que encontrará, J.R., mais cedo ou mais tarde.

— Ela estendeu a mão. — Até lá.



Sue Ellen estava deitada na cama, lendo, quando o telefone to-

cou. Ela atendeu.

— Alô?
— Sou eu, meu bem, J.R.
— Ora, J.R., mas que prazer inesperado! Pensei que estaria

muito ocupado com as suas negociações para ter tempo de me dar um
pequeno telefonema.

Ele ignorou a zombaria na voz de Sue Ellen.
— O que está fazendo aí, querida?
— Estou deitada na sua cama, J.R., nua e sozinha, lendo um ro-

mance dos mais insípidos.

— Parece uma boa coisa.
— E você... também está sozinho?
— Claro que estou. Acabo de fechar um grande negócio com Euge-

ne Bullock.

— Minha adorável irmã não está com você?
— Não, não está.
— E onde ela está?
— Como vou saber? Creio que jogando tênis. Ela trabalha para

mim e isso é tudo. Não sou o dono de Kristin.

— Eu nunca teria imaginado.
— Você está bem, Sue Ellen? Está me parecendo muito estranha.
— Tenho me divertido com as idas e vindas aqui em Southfork,

J.R., imaginando como você vai ficar feliz quando tomar conheci-
mento das notícias.

— Do que você está falando?
— Ainda não soube? Valene e Gary vão casar de novo esta tarde,

J.R. Um com o outro. E sua mãe está tão feliz quanto...

— Vão casar?
— É uma pena que você não possa comparecer à cerimônia.
— Mas que diabo!
Sue Ellen quase riu ao telefone.
– Espero que a notícia não tenha estragado as suas pequenas

férias tão bem merecidas.

Ela pôs o fone no gancho, gentilmente.
– Mas que diabo! — exclamou J.R. para o aparelho mudo. Não vou

tolerar uma coisa dessas, de jeito nenhum! Um irmão casado vivendo
em Southfork já é mais do que suficiente... mais do que posso ad-
mitir!



J.R. apareceu no saguão do hotel, de mala na mão, pronto para

ir embora.

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— Está querendo dizer que Miss Shephard saiu com o meu carro?
— Infelizmente, senhor — murmurou o recepcionista, apreensivo.
— Mas que diabo! Tem alguma idéia de quando ela vai voltar?
— Não, senhor. Mas sei para onde ela foi. Pediu uma orientação

e...

— Para onde?
— St. Francis Motel.
— Está certo. Providencie-me um táxi. E depressa.

Miss Ellie colocou a caixa, cuidadosamente, na cama, no quarto

de Valene. Abriu-a e disse:

— Lembra-se dele?
— Meu vestido de casamento?
— Guardei-o no sótão, com uma porção de outras coisas que me

pareciam importantes. Achei que você poderia querer usá-lo pela
segunda vez.

— Oh, Miss Ellie, muito obrigada! Eu tinha apenas 15 anos na

primeira vez que usei esse vestido... e parece que foi há um sécu-
lo!

— Ainda é muito moça. E agora vamos para a sala, pois tenho

outra coisa que quero lhe mostrar.

Na sala, Gary e Bobby passavam um saco grande de batatas fri-

tas de um para outro, comendo e conversando.

— Está com as passagens, Bobby? — perguntou Miss Ellie.
— Pam vai trazê-las, quando vier com o juiz.
— Que passagens? — indagou Gary.
— Você queria se fixar na Califórnia, não é mesmo?
— Isso mesmo, mamãe. Mas isso não significa que precisa pa-

gar...

— Não me diga o que devo fazer, filho. De qualquer forma as

passagens não representam muita coisa. Não são o seu presente de
casamento.

Ela tirou algumas fotografias da bolsa.
— Trouxe isso do seu escritório, Bobby. — Ela estendeu as fo-

tos para Gary e Valene. — Bobby está fazendo um negócio na Cali-
fórnia, comprando algumas casas. Vai até lá de avião com vocês,
para mostrar-lhes as melhores. Podem escolher a que quiserem.

— Não estou entendendo — disse Gary.
— A que mais gostarem será de vocês.
— Não, mamãe.
— Não podemos — murmurou Valene.
Gary acrescentou:
— Temos de fazer tudo sozinhos, por conta própria.
— Não foi por conta própria que deixaram a família — disse

Miss Ellie, com veemência. — Seu irmão e seu pai contribuíram de-
cisivamente para afastá-los.

— Não, mamãe — insistiu Gary.
— Fique quieto, Gary — interveio Bobby, gentilmente.
Miss Ellie continuou:
— Tentaram sobreviver por si mesmos quando se tornaram pais e

a família não permitiu.

— Nós lhe devemos muito — disse Valene, a voz impregnada de

emoção. — Foi você quem criou Lucy.

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— Tem razão, eu a criei. Mas isso aconteceu porque os Ewings

tornaram impossível que ela fosse criada pelos próprios pais. Eu
deveria ter brigado naquela ocasião, ao invés de deixar que as
coisas seguissem pelo rumo que tomaram. Mas nada fiz, exceto me
curvar aos homens... os meus homens. Acham que dar uma casa de
presente é um pagamento por tudo o que fizeram com vocês? Pois eu
não acho. Se querem recusar o meu presente, então recusem porque é
pequeno demais, porque é insuficiente. Caso contrário, aceitem. E
eu lhes peço, por favor, para aceitarem.

Seguiu-se um silêncio constrangedor, interrompido pela cam-

painha da porta. Bobby foi abrir a porta. Para surpresa de todos,
era Jock quem estava parado ali, de chapéu na mão.

— Creio que tenho um filho que vai casar por aqui esta tarde.

Se ninguém se incomoda, eu ficaria satisfeito de assistir à ceri-
mônia.

Foi Gary quem respondeu, adiantando-se e estendendo a mão:
— Pode estar certo de que é bem-vindo aqui, papai. E sua pre-

sença é o melhor presente de casamento que poderia nos dar.


Rudy e Kristin estavam estendidos na cama, descansando das

atividades do prazer.

— Sabia que ainda a amo, Kristin?
– É melhor esquecer isso, Rudy.
– por quê? Não gostou da minha companhia?
– Isso não faz a menor diferença.
– Você não acredita nisso e eu também não.
Abruptamente, a porta do quarto se abriu. J.R. apareceu, com

um sorridente empregado do motel por trás. J.R. deu uma nota de
dez dólares ao homem, que foi embora. J.R. entrou no quarto e fe-
chou a porta.

— Como me descobriu? — indagou Kristin, com muito mais calma

do que sentia.

— Faça as perguntas certas, ponha algum dinheiro nas mãos cer-

tas. Vista-se, Kristin.

Rudy começou a deixar a cama, mas Kristin estendeu a mão e

conteve-o.

— Não faça nenhuma bobagem, Rudy — disse J.R.
— Saia daqui! — ordenou Rudy.
Kristin levantou-se e começou a vestir-se.
— Não pode ir com ele! — protestou Rudy.
— Você trabalha para Barton Lewis — disse J.R., calmamente. —

Conheço Barton muito bem, já fizemos vários negócios.

— Não vá, Kristin! — suplicou Rudy.
J.R. pegou o telefone e discou.
— Barton Lewis, por favor. Diga que J.R. Ewing quer falar com

ele.

— Que diabo está fazendo? — gritou Rudy.
— Bart? — disse J.R. ao telefone. — Sou eu, J.R. Como estão as

coisas? Escute, Bart, soube que tem um rapaz chamado Millington
trabalhando para você. Detesto ser o portador de más notícias, mas
a verdade é que esse rapaz não tem caráter, não tem a menor fibra
moral. Estou preocupado com a reputação de sua empresa se isso
transpirar. Isso mesmo, tenho motivos para dizer isso. E são muito

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bons. Eu não gostaria que você perdesse clientes, Bart. Exatamen-
te. Inclusive a Ewing Oil. Ótima idéia, Bart. Passe bem e mante-
nha-se em contato comigo.

J.R. desligou e disse para Kristin, que estava passando batom

nos lábios:

— Está pronta, meu bem?
— Quase.
J.R. sorriu para Rudy.
— Acaba de perder seu emprego, rapaz. O que é uma pena.
— Seu filho da puta!
– Tenho a impressão de que os melhores estabelecimentos bancá-

rios do Texas estarão fechados para você daqui por diante, Rudy.
Não vai conseguir um bom emprego em lugar nenhum do Estado.

— Kristin...
Na porta, ela virou-se lentamente.
— É isso o que você quer, Kristin?
J.R. respondeu por ela, antes de saírem, de braços dados:
— É melhor acreditar nisso, filho.

Sue Ellen estava sentada sozinha no pátio, olhando pelas pra-

darias do Texas para o horizonte... tudo era Southfork, até onde a
vista podia alcançar. J.R. apareceu por trás dela, serviu-se de
uma xícara de café e foi se acomodar numa cadeira diante da mu-
lher.

— Então conseguiu chegar para o casamento ontem, J.R.? Você é

bem rápido.

— É sempre um erro me subestimar. Por que não me telefonou an-

tes para informar o que estava acontecendo por aqui?

— Para dizer a verdade, já não me importo mais com quem manda

no poleiro em Southfork. E talvez eu goste muito de vê-lo se con-
torcer de raiva, J.R.

— Se eu perder, você também perde. Não se esqueça disso. Quan-

do eles se mudarão para cá?

— Mudar?
— Isso mesmo. Quando Gary e Val voltarão a se instalar aqui?
— Eles não virão para Southfork. Estão de partida para a Cali-

fórnia. Miss Ellie deu-lhes uma linda casa como presente.

— Califórnia! — repetiu J.R., ainda incrédulo.
— Isso mesmo.
Ele começou a rir.
— Califórnia, hem? Quem diria... Acho que eles querem ficar a

sós, e providenciarei para que realizem seu desejo.

Ainda rindo, ele começou a voltar para o interior da casa.
— Devemos mandar-lhes um presente para a casa nova. Algo boni-

to, muito bonito. Vamos gastar para valer. Afinal, o irmão Gary
está fazendo todo o trabalho por mim. Califórnia! Talvez até eu o
ajude a fazer as malas!

Sue Ellen ficou observando o marido se afastar. De alguma for-

ma, ele parecia sempre obter o que queria. Evidentemente, o desti-
no era o melhor amigo de J.R., o único verdadeiro amigo que ele
queria ou precisava... e o único que tinha.

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PARTE 5

Bobby e J.R.



18





Era uma daquelas manhãs que fazia Bobby Ewing lembrar-se da

beleza especial que o Texas possuía. Um grande sol amarelo pairava
no horizonte, aparentemente tão grande quanto o próprio Estado do
Texas, dissipando o resto da neblina noturna que ainda perdurava
nas pradarias. Até onde a vista podia alcançar, Southfork se es-
tendia em suaves ondulações. A vida começava a se movimentar no
imenso rancho. Nos estábulos, os vaqueiros estavam carregando
imensos fardos de feno. Podia-se ouvir o martelo do ferreiro,
ajustando uma ferradura num pônei. O gado estava mugindo e nos
currais os cavalos relinchavam e se mexiam nervosamente, na expec-
tativa do dia de trabalho.

Bobby afastou-se, relutantemente, seguindo para Braddock. A

atração da terra era algo inexorável para ele. Sentia-se uma parte
integrante de Southfork, como qualquer um dos vaqueiros, o gado, a
própria terra. Contudo, precisava cuidar da Ewing Oil, levá-la a
feitos ainda mais espetaculares. Havia batalhas a serem travadas e
vitórias a serem conquistadas. E Bobby estava cada vez mais cons-
ciente de sua profunda necessidade de travar essas batalhas e ven-
cê-las.

Em Braddock, ele parou o carro no posto do Red, um dos peque-

nos revendedores independentes, que há 20 anos funcionava à margem
das grandes redes de distribuição de gasolina. Àquela hora,
Braddock ainda estava quieta, as ruas desertas. Mas Red Gates já
estava com o posto em funcionamento. Um homem grandalhão, na casa
dos 50 anos, Red emergiu de um dos compartimentos de lubrificação,
limpando as mãos num pedaço de pano sujo de graxa.

— Bom-dia, Bobby. Levantou cedo esta manhã.
— E você também, Red. Encha o tanque, por favor.
— É um prazer. — Ele começou a cuidar do carro. — Como o velho

J.R. está passando? Já se sente melhor?

– J.R. está indo bem. Obrigado por perguntar. E como vão as

coisas para o seu lado?

— Não posso me queixar muito. É verdade que não sou tão apre-

ciado assim, do jeito que a gasolina tem subido. Muita gente pensa
que sou eu quem fixa os preços.

— Ainda está vendendo por menos que os grandes distribuidores.
— Não sei por quanto tempo mais serei capaz de continuar a fa-

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zer isso.

Bobby soltou um grunhido, sem fazer qualquer comentário; ne-

nhum era esperado.

— Tem café, Red?
— Está lá dentro, onde sempre ficou. Pode servir-se.


O escritório de Dave Culver era luxuoso, visando a impressio-

nar e conseguindo plenamente. Em torno de sua vasta mesa, estavam
sentados Donna, a linda loura que era viúva do pai de Dave, e
Cliff Barnes. Expressão compenetrada, de cabelos e olhos escuros,
Barnes não tinha muita semelhança com Pamela Ewing, sua irmã.
Quando ele falou, foi com veemência, em tom de convicção absoluta,
como se tencionasse assim vencer toda e qualquer resistência às
suas idéias:

— Pode estar certo, Dave, que será muito bom para a sua ima-

gem, a partir do momento em que entrarmos em ação. Para um homem
que está concorrendo a um cargo público, a ecologia é um tema que
atrai as atenções de todos.

Culver franziu a testa e falou de uma maneira que tencionava

ser ponderada, se não mesmo profunda, um elemento essencial na
plataforma de personalidade que estava tentando projetar:

— O problema, Barnes, é a maneira como a economia está se com-

portando, fazendo com que as pessoas não pareçam tão preocupadas
com as boas causas, especialmente uma tão obscura.

Donna decidiu que era o momento de intervir:
— Pode ser obscura, Dave, mas ainda assim é importante.
— Acho simplesmente que não estamos indo no caminho certo —

acrescentou Cliff, bruscamente. — Não há motivo para que não pos-
samos transformar a área de Takapa numa reserva de vida selvagem.

— Exceto por uma coisa — ressaltou Donna. — Quem quer que es-

teja querendo fazer um loteamento ali parece ter muito dinheiro e
influência política.

— Neste caso, temos de arrumar pessoas que também tenham in-

fluência, além de dinheiro.

Dave sorriu.
— Tem alguma pessoa assim disponível?
– Que tal aquelas boas senhoras que formam as Filhas do Álamo?

Se resta algum dinheiro no Texas, está com elas... ou com seus ma-
ridos.

– Isso é verdade — disse Donna. — Os Bradleys, os Morgans, os

Luces, os Ewings.

A preocupação de Donna com os Ewings não passou despercebida a

Cliff. Ele apressou-se em falar:

– E cerca de 50 outras famílias. Sempre se mostraram dispostas

a apoiar as boas causas, especialmente as ecológicas. Posso dar um
jeito de falar na próxima reunião das Filhas do Álamo.

– Quer que Donna ou eu falemos também?
Cliff hesitou. E se Sue Ellen estivesse presente? Seria conve-

niente que Donna também fosse? Sua vida pessoal, cada vez mais
conturbada, cada vez mais perigosa, estava começando a se intro-
meter em suas operações profissionais com uma freqüência cada vez
maior. Não queria arriscar o seu relacionamento com Donna... não

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agora, ainda não... mas não havia a menor possibilidade de rejei-
tar a oferta de Dave Culver.

— Por que não? — disse Cliff, com uma jovialidade forçada. — E

vou começar a fazer os contatos imediatamente, ver o que posso fa-
zer.

Depois que ele saiu, Donna ficou olhando para a porta por al-

gum tempo, com uma expressão desconcertada no rosto adorável. Dave
percebeu-o e indagou:

— Algum problema?
— Nenhum. Provavelmente estou apenas comparando em demasia

Cliff com seu pai.

Dave soltou uma risada.
— E o resultado é tão ruim assim?
— Com Sam Culver, eu sabia o que ele estava fazendo e por que,

na maior parte do tempo. Podia compreendê-lo.

— Não queira converter meu pai num santo. Ele sabia ser bem

tortuoso, quando lhe dava na veneta.

— Tem razão. Mas era de uma maneira diferente da de Cliff...
— Como assim?
— Tenho a impressão de que há sempre alguma coisa impelindo

Cliff, algo profundo e tenebroso, algo sobre o qual ele não tem o
menor controle.

Evitando os olhos de Dave, Donna ficou lembrando coisas de

Cliff Barnes, as sensações inquietantes que a presença dele sempre
lhe despertavam, a freqüência com que entrava em seus pensamentos.
Ocorreu-lhe que Cliff não era o único que estava sob o efeito de
uma compulsão, não era o único a não estar integralmente no con-
trole dos próprios sentimentos e ações. Era preciso fazer alguma
coisa, pensou ela.



— Jordan Lee telefonou há poucos minutos.
A secretária de Bobby recebeu-o com essas palavras quando ele

entrou no escritório naquela manhã.

— O que ele quer?
Bobby foi para sua sala, seguido por Connie. Ele já sabia a

resposta antes mesmo de a secretária informar:

— Jordan está com os contratos prontos para a sua assinatura.

Gostaria de encontrá-lo esta tarde para que tudo seja assinado.

Bobby sabia também que isso representava entregar a Jordan um

cheque substancial. Preencher o cheque não seria problema, mas os
fundos para cobri-lo andavam escassos. Ele precisava de tempo para
manobrar, tomar as providências necessárias, fazer transferências
ou pedir emprestado o dinheiro.

— Os advogados já devolveram as nossas cópias dos contratos?
Connie indicou uma pasta em cima da mesa.
— Está tudo aqui, Bobby. Os advogados dizem que os contratos

estão em ordem.

Bobby ficou desapontado. Estava contando com algum problema de

ordem legal para protelar a assinatura dos contratos. Ele virou-
se, enquanto Connie acrescentava:

— J.R. está na sala dele.
Bobby virou-se prontamente.

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— J.R.?
— Ele quer falar com você. — Connie estendeu a mão para o in-

terfone. — Devo avisá-lo que você já chegou?

Bobby não estava com a menor disposição para as manobras do

irmão, mas sabia que não lhe restava alternativa.

— Pode chamá-lo.
Connie apertou o botão apropriado e a voz de J.R. soou:
— O que é?
— Bobby acaba de chegar, J.R. Ainda quer falar com ele?
— Estou indo.
Connie virou-se para Bobby e perguntou:
— Devo ficar?
Ela seria um pára-choque conveniente para Bobby, mas inde-

sejável para J.R., um homem que gostava de operar por trás de por-
tas fechadas, sem testemunhas.

— Pode voltar para a sua sala, Connie. Eu a chamarei quando

for necessário.

Ela passou por J.R. ao sair da sala.
– Bom-dia, Bobby.
– Bom-dia, J.R- Não esperava encontrá-lo no escritório esta

manhã.

J.R. sentou-se e cruzou as pernas, ajeitando os vincos da cal-

ça clara de gabardine sobre as botas pretas de couro de antílope.

– É um pouco constrangedor, Bobby, mas achei que devíamos con-

versar.

— Constrangedor?
— Estou querendo saber se eu poderia ajudá-lo de alguma forma

a contornar o problema.

Bobby respirou fundo. Se J.R. estava oferecendo ajuda, era

preciso tomar cuidado.

— Que problema?
— Sei que ficou numa situação difícil quando papai resolveu

investir o dinheiro que você havia reservado para a transação com
Jordan Lee.

— Você possui uma estranha capacidade de descobrir as coisas.
– Papai deveria tê-lo consultado, mas não o fez.
— É um direito dele fazer aquela operação imobiliária. Não

posso dizer como dirigir o que legitimamente lhe pertence.

— De qualquer forma, você ficou numa situação difícil.
Bobby recostou-se na cadeira.
— O quanto você tem a ver com a operação, J.R.?
— Eu? Absolutamente nada, irmãozinho. Sabe que estou fora de

circulação há muito tempo.

— Sei perfeitamente como você fica fora de circulação.
— Foi tudo idéia de papai. Mas o que está me preocupando é que

a imagem da Ewing Oil ficará consideravelmente prejudicada agora
que você não pode mais fechar o negócio com Jordan Lee.

— Não seria a primeira vez que uma coisa dessas acontece.
— E sua imagem também será prejudicada, Bobby.
— Posso dar um jeito.
J.R. seguiu em frente, inabalável, incontrolável:
— Sei como você se sente em relação a dirigir a Ewing Oil so-

zinho.

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— Sabe mesmo?
— Não quero interferir, mas achei que este era o momento de

pôr de lado os sentimentos pessoais e nos unirmos para o bem da
companhia. Ou seja, estou querendo acabar com a vendeta fraternal.
Qualquer coisa que eu possa fazer, Bobby, se precisar de mim, sai-
ba que estarei sempre à sua disposição.

Bobby sorriu, um mero movimento dos lábios, os olhos nada dei-

xando transparecer.

— Fico muito agradecido, J.R. Se eu por acaso chegar à conclu-

são de que preciso de sua ajuda, é bom saber que você estará à
disposição. Mas até que isso aconteça, você terá que me dar licen-
ça. Estou bastante ocupado esta manhã.

J.R. levantou-se.
— Estou apenas querendo ajudar, irmãozinho, conceder-lhe o be-

nefício da minha experiência. Não se esqueça disso.



Jock sentia-se muito bem em relação à reunião do Cattleman's

Club. O ambiente era nitidamente masculino, com as refeições e as
vozes combinando. Jock era um homem que sempre apreciara a compa-
nhia das mulheres. Mas quando se tratava de negócios, ele sentia-
se apreensivo ao lidar com mulheres. Naqueles tempos em transfor-
mação, numa era de movimentos femininos, com mais e mais mulheres
ingressando no mercado de trabalho e galgando rapidamente os esca-
lões executivos, insistindo em se intrometerem em lugares até en-
tão reservados exclusivamente aos homens, Jock Ewing experimentava
um crescente constrangimento, uma incapacidade de compreender ou
identificar-se com as rápidas mudanças sociais que estavam ocor-
rendo. Agora, seus olhos correram em torno da mesa, observando os
sócios, que estudavam e discutiam os planos e plantas. Há algum
tempo que vinham fazendo isso. Lá estavam Ray Krebbs, Punk Ander-
son e os dois empresários imobiliários, Randy Heard e Tom Archer,
cada um batalhando pelo que acreditava ser certo, cada um empe-
nhando-se em convencer a si mesmo, enquanto tentava convencer aos
outros. Jock sentia-se imensamente satisfeito com as negociações.
E interveio na discussão:

— O mais importante é o seguinte: quando podemos obter as au-

torizações? Tenho a informação de que Dave Culver decidiu tentar
salvar Takapa de nós, os incorporadores do inferno.

— Ele está com medo de que possamos envenenar o meio ambiente?

- disse Ray, jovialmente.

— Culver só está pensando em fazer isso pela publicidade — de-

clarou Punk, firmemente. — Quer projetar uma boa imagem para os
eleitores. Não vamos prejudicar a ninguém.

Tom Archer comentou:
— Nem Culver nem ninguém mais sabe quem está por trás do pro-

jeto.

— Isso é verdade — concordou Jock. — Mas Cliff Barnes está

pressionando Culver, compelindo-o a agir.

– Acha que Cliff sabe quem está por trás disso, Jock? — per-

guntou Ray.

– Não. Mas ele pode nos criar problemas.
Punk resmungou:

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– Ouvi dizer que Cliff Barnes está todo caído pela viúva do

Sam.

As palavras provocaram uma expressão angustiada no rosto de

Ray Krebbs, mas ele não disse nada.

Jock percebeu-o e não fez qualquer comentário. Mas Randy Heard

insistiu no assunto:

– É uma mulher e tanto.
— E muito inteligente também — acrescentou Punk. — O jovem

Culver ouve tudo o que ela diz.

– Pois eu acho que uma mulher com a cabeça no lugar como Donna

Culver não vai cair por alguém como Cliff Barnes — comentou Jock,
distraidamente. — E a verdade é que os dois são intrometidos, sem-
pre bisbilhotando e atrapalhando os negócios dos outros. Não passa
disso.

— Talvez você esteja certo — murmurou Punk.
— Além do mais — interveio Randy — eles vão levar muito tempo

para conseguir o tipo de apoio que precisam para nos causar difi-
culdades.

Tom concordou com um aceno de cabeça e disse:
— Vamos ter de subornar gente da comissão para que o projeto

de Takapa seja aprovado antes que os ecologistas saibam o que
aconteceu.

Punk levantou a xícara de café.
— Um brinde a isso.


Os raios de sol penetravam pelo quarto de Lucy e contribuíam

para aumentar ainda mais o ânimo alegre e excitado das mulheres
presentes. Lá estavam Miss Ellie, Pam, Sue Ellen e a própria Lucy,
usando o vestido de casamento de Miss Ellie, parecendo muito páli-
da e etérea, quase jovem demais para estar se preparando para o
casamento.

— Como você está linda, Lucy! — murmurou Pam.
Lucy virou-se para Miss Ellie.
— Vovô sabe que estou usando seu vestido de casamento?
— Ele não admitiria que você usasse qualquer outra coisa. Esse

vestido ficou esperando durante muito tempo por você. Meu pai en-
comendou todo o material em Paris. E o dinheiro era muito difícil
para ele naquela ocasião. Mas estava determinado a mostrar a todos
os homens do petróleo que um Southworth não podia ser menospreza-
do.

— E vovô, como estava? — perguntou Lucy.
— Oh, ele estava maravilhoso! Todo metido numa roupa formal.

Claro que ele se sentia muito melhor de jeans e botas, ficou pu-
xando o colarinho o tempo todo, como se estivesse com dificuldade
para respirar. Era o homem mais bonito que já vi. E ainda é, para
dizer a verdade.

Sue Ellen sentia vontade de chorar.
— Acho que o dia do meu casamento foi o mais maravilhoso de

toda a minha vida... com todas as damas-de-companhia e seus acom-
panhantes, centenas de convidados. Posso fechar os olhos e ver tu-
do novamente.

Pam soltou uma risada.

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— Nosso cenário foi um pouco diferente... um juiz de paz em

New Orleans. Bobby Ewing casando com a filha de Digger Barnes. Uma
coisa impossível! Nós dois estávamos apavorados.

Miss Ellie continuou a recordar:
— Quando eu casei, meu pai não gostava de Jock Ewing, tanto

quanto não gostava de Digger. Mas há ocasiões em que as mulheres
devem mostrar quem dá a última palavra, quando se trata de esco-
lher um marido.

— Isso é verdade, vovó?
— Pelo menos é o que todas nós gostaríamos de pensar.
— Eu gostaria de ter tanta certeza assim. Mitch é terrivel-

mente obstinado. Só pensa em estudar e terminar a faculdade de me-
dicina.

— Você deveria sentir-se feliz por isso, Lucy — comentou Sue

Ellen. — A ambição é uma coisa maravilhosa num homem.

— Também acho, desde que a ambição não se transforme em obses-

são — murmurou Pam.

Miss Ellie voltou a falar, com uma expressão pensativa:
— Não sei se eu amaria tanto a Jock se ele fosse diferente.

Todos os nossos homens são ambiciosos e competitivos. É assim que
eles são feitos, a natureza dos Ewings.

Lucy sacudiu a cabeça.
— Meu pai não é assim e está indo muito bem agora.
Houve um silêncio prolongado e constrangedor, finalmente

rompido por Miss Ellie:

— Tem toda razão, querida. Mas Gary possui outras qualidades

que o tornam muito especial... muito especial para a mãe dele.

— E para mim também — acrescentou Lucy.


Era um quarto de motel... duas camas iguais, duas cadeiras

iguais nos dois lados de uma mesa redonda, um armário com gavetei-
ro, cabides que não podiam ser tirados, um aparelho de televisão a
cores aparafusado numa mesinha, que por sua vez também estava apa-
rafusada no chão. Em suma, um quarto de motel que não era diferen-
te de dezenas de milhares de outros, espalhados pelos Estados Uni-
dos, um lugar para caixeiros-viajantes passarem uma noite, um lu-
gar para os pais escaparem dos filhos, um lugar para um homem le-
var uma mulher que não era a sua esposa.

Louella, a secretária de J.R., estava sentada na beira de uma

das camas, falando ao telefone:

– Talvez eu ainda me demore uma hora ou pouco mais, Connie.
— Está tudo tranqüilo por aqui agora — respondeu Connie. – Mas

procure voltar o mais depressa que puder, para o caso de Bobby
precisar de mim. Alguém tem de ficar cuidando da recepção.

— Farei o possível, Connie. O velho J.R. está me pedindo um

milhão de coisas. Até mais tarde.

Ela desligou e sorriu para J.R. Ewing, que estava estendido

confortavelmente na outra cama.

— Ela contou o que estava acontecendo? —- indagou ele, olhando

para Louella com um interesse velado.

— Está tudo tranqüilo. — Ela fez uma pausa, antes de acres-

centar: — É engraçado estarmos aqui desse jeito. Quando fui tra-

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balhar para você nunca imaginei que algum dia estaríamos... a sós
num quarto de motel.

J.R. sorriu.
— Algumas coisas demoram. Nunca apreciei todo o seu poten-

cial... até recentemente.

— Às vezes me sinto culpada, sendo casada e tudo o mais.
— Ambos somos casados, meu bem. E não é culpa sua que o seu

marido passe tanto tempo viajando, deixando sozinha uma mulher
saudável como você.

— Sei disso.
J.R. apressou-se em intervir. Não queria que Louella persis-

tisse na questão moral naquele momento. Precisava muito dela, pelo
menos agora.

– Não creio que seu marido a aprecie de verdade, tanto quanto

eu. Afinal, manter-me informado nas últimas semanas de tudo o que
aconteceu no escritório, durante a minha ausência... foi um servi-
ço e tanto que me prestou, querida.

– Só estou fazendo isso porque você é que deve dirigir a Ewing

Oil e não Bobby.

— Não pode imaginar como fico satisfeito por saber que você

pensa assim. Você deve ter encontrado a maior dificuldade para
convencer Connie disso.

— Nem mesmo posso falar com ela a respeito de Bobby. Tenho a

impressão de que Connie está gamada por ele.

J.R. empertigou-se, os olhos brilhando. Ali estava uma infor-

mação que podia ser muito importante. Como poderia tirar algum
proveito?

— Isso é verdade? — murmurou ele, com um desinteresse exagera-

do. — Ela e Bobby costumam passar muito tempo juntos?

Louella fez uma careta.
— Não como Connie gostaria. Seu irmão vive tão ocupado em ser

o mandachuva na companhia que não dispõe de tempo para mais nada.
Não sei como a própria mulher consegue agüentá-lo.

O desapontamento fez J.R. tornar a recostar-se no travesseiro.

Devia ter imaginado que Bobby era muito direito e puro para deixar
a sua roupa suja pendurada onde alguém tão simples quanto Louella
pudesse vê-la.

— Continue com esses seus lindos olhos bem abertos, meu bem —

disse ele. — Continue a manter o velho J.R. informado de tudo o
que está acontecendo no escritório. Talvez nós dois possamos des-
pachar o irmão Bobby de volta para sua mulherzinha mais cedo do
que se poderia pensar.

— Basta me dizer tudo o que você quer, J.R. — murmurou Louel-

la, com um sorriso insinuante. — E pode estar certo de que o fa-
rei.

— Sabe muito bem o que vou querer, querida. Para começar, pode

me dar um daqueles seus famosos beijos sensuais.



Pam estava à sua mesa na Store, estudando uma batelada de ca-

tálogos, comparando estilos, variedade, preços. Mas os pensamentos
se desviavam a todo instante para o iminente casamento de Lucy e
para o seu próprio casamento. As coisas não estavam correndo muito

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bem entre ela e Bobby e Pam se angustiava em busca de um meio de
melhorar a situação. A porta se abriu de repente e uma mulher alta
e bonita entrou.

— Oi, Pam. Eu estava à sua procura.
— Oi, Liz. Algum problema?
— Não, não há nenhum problema. Apenas queria lembrá-la que te-

mos um compromisso para o almoço.

— Oh, Deus, eu esqueci!
– Não, Pam, não esqueceu. Alex Ward telefonou esta manhã, que-

rendo conversar sobre outra reportagem focalizando a loja.

Pam deixou o ar escapar dos pulmões lentamente. Sabia que o

interesse de Alex Ward estava mais concentrado nela do que na lo-
ja.

– Não sei se poderei ir, Liz. Tenho muito trabalho a fazer.
Liz não era nenhuma tola.
– Está querendo se esquivar de Alex?
— Digamos que é melhor eu não vê-lo com freqüência agora. Mi-

nha vida não anda lá muito fácil e ele está tentando complicá-la
ainda mais.

— Muito justo. Pode deixar que cuidarei sozinha do almoço. O

único problema, Pam, é que ele é um homem bastante persistente.

Pam exibiu um sorriso triste.
— E como, não é mesmo?


Connie introduziu Jordan Lee e o advogado dele, Mark Harrel-

son, na sala de Bobby. Providenciou para que todos se sentassem,
depois colocou um envelope na mesa, diante de Bobby, e ficou pos-
tada ao lado, muito atenta, um bloco e lápis pronto para anotar
tudo o que fosse necessário.

— O Bennett já examinou os contratos? — perguntou Jordan a

Bobby.

Ele era um homem de meia-idade, meio indefinido, uma expressão

ansiosa no rosto comprido e fino. As pessoas tinham a tendência a
subestimar Jordan Lee. Sua imensa riqueza e muitos negócios eram
provas de que errava quem assim fazia.

— Ele disse que estava tudo certo — respondeu Bobby.
Harrelson ficou satisfeito.
— Então não há motivo para protelarmos a assinatura, não é

mesmo? Já está com a parcela do adiantamento?

Bobby olhou para Connie, que fitou os olhos no envelope sobre

a mesa.

— Já, sim — disse ele, cautelosamente. — Um cheque visado, no

valor de 50 mil dólares.

— Esse dinheiro vai diretamente para o banco, enquanto efetua-

mos o levantamento — comentou Jordan Lee.

Mark Harrelson tornou a intervir, no tom insinuante adotado

por muitos advogados:

– O saldo deverá ser pago no início da perfuração... ou antes,

a pedido.

Jordan limpou a garganta.
– Claro que vão se passar dois ou três meses antes que isso

aconteça... provavelmente.

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— Provavelmente — repetiu Bobby, secamente. — Vamos cuidar lo-

go da assinatura?

Os contratos foram trocados e as assinaturas afixadas.
Jordan declarou, efusivamente:
— Deve saber de uma coisa, Bobby. Não está cometendo nenhum

erro. Posso senti-lo nos ossos. Esta operação vai proporcionar
muito dinheiro a todos nós.

Depois que todas as cópias estavam assinadas, Jordan e Bobby

trocaram um aperto de mão através da mesa.

— Estou muito contente por estarmos novamente fazendo negócios

juntos, Jordan.

— Enquanto for você e não J.R. quem estiver no comando, não

terei a menor dúvida em fazer negócios com a Ewing Oil. Nunca mais
quero ter qualquer transação com seu irmão, Bobby.

Bobby fez menção de responder, mas mudou de idéia e limitou-se

a dizer:

— Ficaremos em contato.
— Pode apostar que sim.
— Obrigado mais uma vez, Jordan.
Bobby acompanhou os dois homens até a porta e depois virou-se

para fitar Connie. Uma expressão preocupada vincava o rosto nor-
malmente sereno de Connie.

— Tem certeza de que está fazendo a coisa certa, Bobby?
— Claro que tenho. É o que devo fazer.
— Mas não dispõe de todo o dinheiro necessário.
— Terei tudo, quando chegar o momento.
— Não deveria ter falado com Jordan?
— E correr o risco de ele cancelar o negócio? De jeito nenhum!

Eu não podia fazer outra coisa, pelo bem da companhia.

— O que pretende fazer quando chegar o momento de entrar com o

saldo?

Bobby, mais preocupado do que queria deixar transparecer e

ainda mais perturbado pela maneira como estava cuidando daquele
negócio, sentou-se por trás da mesa, como se fosse um refúgio se-
guro.

— Tenho quase três meses para providenciar tudo. Arrumarei o

dinheiro muito antes disso... de qualquer maneira.

— E se ele pedir o dinheiro antes? — insistiu Connie, delibe-

radamente.

Era uma indagação que Bobby já fizera a si mesmo, uma in-

dagação que não podia responder, algo em que não queria pensar.



157




Jock não estava sentindo qualquer aflição. Três drinques for-

tes, bebidos com vagar, antes do jantar, haviam dissipado inteira-
mente todas as tensões e atribulações do dia, deixando-o satisfei-
to, se não mesmo contente. Mas como um homem que aprendera a con-

background image

trolar o álcool muitos anos antes, o cérebro continuava a funcio-
nar eficientemente. Sempre fora capaz de manter diversas bolas
mentais no ar ao mesmo tempo. Sob esse aspecto, os anos não haviam
conseguido diminuir a sua capacidade. Tendo renovado o drinque com
uma dose generosa de bourbon da melhor qualidade, diluído em água
apenas ligeiramente e com um pouco de gelo, ele virou-se para fi-
tar J.R. e Bobby, que estavam sentados no outro lado da sala. Ava-
liou os dois demoradamente, o queixo quase encostado no peito, os
olhos estreitados e frios, como sempre procurando respostas silen-
ciosas a perguntas que ainda não haviam sido convertidas em pala-
vras.

— Almocei hoje com Punk Anderson — disse ele, finalmente. —

Punk é um homem que costuma ouvir as coisas. E me contou uma coisa
muito interessante.

Um sorriso vagamente subserviente apareceu no rosto liso de

J.R.

— O que foi, papai?
Jock soltou as palavras uma a uma, uma sucessão de sons de ba-

rítono, que vibraram na sensibilidade de seus ouvintes:

— Parece que Jordan Lee e outros rapazes do cartel estão se

reunindo para um empreendimento de perfuração no Golfo.

J.R. alteou as sobrancelhas, numa expressão de surpresa. Bobby

cruzou os braços defensivamente e forçou-se a permanecer calado.

– O que significa que toda aquela choradeira sobre o meu em-

preendimento asiático não lhes causou tanto mal assim — comentou
J.R.

— Talvez não — disse Jock. — Mas a verdade é que me senti um

pouco contrafeito quando soube da operação. Nos velhos tempos, es-
taríamos todos juntos.

Bobby chegou à conclusão de que não podia permanecer caiado

por mais tempo.

– Também estamos participando da operação, papai.
J.R. lançou um olhar rápido para o irmão; como diabo isso po-

dia ter acontecido?

Jock formou a pergunta que o filho mais velho queria fazer:
— Como assim, Bobby?
— Jordan ofereceu-me parte do negócio. A Ewing Oil tem uma co-

ta de 12 milhões de dólares.

Jock contraiu os lábios, numa admiração silenciosa. J.R.

apressou-se em preencher o vazio na conversa:

— Não estou entendendo, Bobby. Se você dispunha de dinheiro

suficiente para entrar nessa operação com Jordan, como pôde ficar
tão contrariado porque papai investiu num projeto que lhe era tão
caro?

Bobby respondeu quase depressa demais:
— Porque esse era o dinheiro com que eu estava contando para o

negócio com Jordan.

— Neste caso — disse J.R., insinuantemente — não entramos no

negócio com Jordan.

— Eu disse a ele que estávamos no negócio. Dei minha palavra.
— Pois então me diga uma coisa: de onde vai sair o dinheiro?
Bobby remexeu-se nervosamente na poltrona. A operação com Jor-

dan e o cartel era vital para os interesses da Ewing Oil, agora e

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no futuro. Um movimento em falso e não apenas perderia o negócio,
mas também ficaria com uma péssima imagem perante Jordan e os ou-
tros... além do próprio pai, o que era o pior de tudo.

— Estou trabalhando nisso — murmurou Bobby.
— É melhor explicar tudo — disse Jock, bruscamente. — O que

exatamente está fazendo?

— Tenho três meses para providenciar o dinheiro.
J.R. tratou de atacar. Sentia que ali estava a sua oportunida-

de de marcar um ponto contra Bobby e não podia deixar de apro-
veitar a oportunidade.

— O que está querendo dizer é que fechou o negócio com o car-

tel sem contar com o dinheiro e sem ter a menor idéia de onde po-
derá consegui-lo.

Bobby sentiu que sua irritação começava a se tornar incontro-

lável.

— Já lhe disse que tenho tempo suficiente para providenciar o

dinheiro.

— O que eu gostaria de saber é como a companhia ficou numa si-

tuação tão difícil que o fato de eu retirar 10 milhões de dólares
para o meu projeto de incorporação deixou-o em tamanho aperto —
resmungou Jock.

Bobby protestou no mesmo instante:
— Estamos numa ótima situação. Acontece apenas que estamos com

vários títulos que não podem ser liquidados a curto prazo.

J.R. soltou uma risada irônica.
— Não posso acreditar que você seja capaz de cometer a es-

tupidez de assinar um contrato sem dispor do dinheiro para cumpri-
lo.

Jock levantou a mão.
— Fiquem quietos. Brigar por causa disso não vai adiantar coi-

sa alguma. O importante é que Bobby conseguiu voltar a operar com
o cartel. Afinal, três meses são mais do que suficientes para se
poder levantar o dinheiro necessário.

J.R. não gostou daquele rumo inesperado dos acontecimentos. A

última coisa que podia querer era que o pai tomasse o lado de
Bobby.

— Certo! — disse ele asperamente, sem se dar ao trabalho de

esconder sua raiva. — Três meses! É todo o tempo do mundo. Qual-
quer coisa pode acontecer em três meses.

E ele saiu apressadamente da sala, furioso. Bobby e Jock fi-

caram observando-o se afastar, cada um imerso nos próprios pen-
samentos. Bobby finalmente disse, em voz baixa e controlada:

— Darei um jeito de arrumar o dinheiro, papai. Pode contar com

isso.

Jock acenou com a cabeça, sem qualquer demonstração de ale-

gria. Uma boa parte dele gostaria de nunca ter ouvido falar da
Ewing Oil.



Deitada ao lado de Mitch, na cama dele, Lucy exultava com uma

sensação de bem-estar. Seu amor por Mitch era uma coisa vital e
crescente, queria agradá-lo por todos os meios possíveis com que
uma mulher era capaz de satisfazer um homem. Um rápido olhar foi

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suficiente para mostrar-lhe que estava perto de alcançar esse ob-
jetivo. Mitch parecia contente, satisfeito e extenuado. Ela tocou
nas coxas nuas dele, por baixo do lençol.

– Se vamos nos encontrar com sua mãe e sua irmã amanhã de ma-

nhã, então é melhor eu ir para casa e dormir um pouco.

— Não há pressa.
Mitch continuou imóvel, os olhos fechados, o peito musculoso

subindo e descendo suavemente.

— Acha que elas vão gostar de mim?
— Você é de um mundo inteiramente diferente, Lucy. Mas assim

que elas a conhecerem, tenho certeza de que vão gostar de você.

— É o que espero. Não pode imaginar como me sinto nervosa.

Passei o dia inteiro pensando no que devo usar.

— Use uma roupa bem simples. Será assim que elas estarão ves-

tidas.

— Está bem... Por falar nisso, reservei aposentos para elas no

Fairview Hotel.

Mitch soergueu-se, apoiado num cotovelo.
— Para que fez isso?
— Elas não podem ficar aqui com você. Seu apartamento mal tem

lugar para uma pessoa.

Ele tentou ser paciente.
— Lucy, fui criado num lugar que era a metade disto aqui. E

acho que mamãe nunca esteve uma única vez num hotel, em toda a sua
vida.

— Então está na hora de ela começar.
Mitch empertigou-se, os olhos faiscando, a voz se tornando

ríspida:

— Elas vão ficar aqui!
Lucy ficou imóvel. O rostinho infantil se mostrou visivelmente

contrafeito. Tinha a sensação de que era frustrada e censurada ca-
da vez que tentava fazer alguma coisa boa pelas pessoas. Como se
lesse os pensamentos dela, Mitch procurou compensar um pouco do
terreno perdido:

— Agradeço sinceramente o que você fez. Foi uma gentileza mui-

to grande. Mas conheço as duas. Elas vão se sentir melhor aqui,
mais à vontade. E eu vou dormir com Rod Dexter, que tem um aparta-
mento no final do corredor.

Lucy correu os olhos ao redor.
— Uma coisa tenho de lhe dizer, Mitch... mal posso esperar o

momento de casarmos e sairmos daqui. Vamos arrumar algum lugar em
que possamos nos mexer um pouco.

— Pois vou lhe falar mais uma vez, Lucy: este é o apartamento

que tenho condições de pagar e é justamente aqui que vamos viver.

Rindo, Lucy saiu da cama e começou a vestir-se.
— Você deve estar brincando!
Se ela tivesse olhado para Mitch naquele momento, compreen-

deria logo, pela sua expressão determinada, que ele estava falando
sério. Era um homem que podia divisar o futuro claramente e sabia
que estava repleto de dificuldades.



Pamela estava tomando o café da manhã, na sala de jantar,

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quando Bobby apareceu, vindo do pátio. Cumprimentaram-se com uma
formalidade constrangida.

– Levantou cedo — comentou ela.
– Fui dar uma volta. Não venho dormindo bem ultimamente.
– Já notei. Posso fazer alguma coisa para ajudar?
–Ninguém pode ajudar. Apenas estão acontecendo muitas coisas

ao mesmo tempo. Problemas que fico tentando resolver.

Pam esforçou-se para reprimir a frustração que sentia, a sen-

sação de impotência, de distância intransponível. E quando falou,
escolheu as palavras cuidadosamente:

–Houve um tempo em que sempre conversávamos a respeito quando

você estava com um problema. Isso não acontece mais. Você conse-
guiu me excluir da sua vida, Bobby.

– O que você está dizendo não é justo.
– Mas é verdade. Apenas vivemos juntos, dormindo na mesma cama

e fazendo amor apenas ocasionalmente... não com muita freqüência
agora. Mas vivemos como se fôssemos estranhos. Não há qualquer co-
municação entre nós.

— Nós ainda conversamos.
— Só que as coisas que falamos atualmente não têm qualquer im-

portância.

— Todos os meus problemas estão ligados aos negócios.
— Sei disso. Tudo se relaciona com a Ewing Oil e você acha que

são problemas que eu não posso entender.

— Não é bem assim. Você sabe perfeitamente como dou valor à

sua opinião.

— É mesmo?
— Acontece que tenho de resolver tudo sozinho.
— Está bem — disse ela, friamente. — Pode continuar a fazê-lo.
Pam levantou-se e afastou-se, virando ao chegar na porta.
— Todos temos problemas, Bobby. Sempre pensei que ajudaria

muito se tentássemos resolvê-los juntos. Mas descubro agora que eu
estava enganada.

Bobby continuou sentado à mesa, sozinho, olhando para a xícara

com o café que esfriava rapidamente, um homem procurando a felici-
dade onde não podia encontrar, um homem que acabara de perder o
rumo na vida.



Mitch e Lucy estavam esperando que os passageiros começassem a

desembarcar. Haviam chegado ao Aeroporto Dallas—Fort Worth apenas
poucos minutos antes, contando com um atraso no vôo. Mas estavam
enganados, pois o avião chegara no horário.

– Acha que estou bem, Mitch?
— Você está ótima, Lucy.
— Jura?
— Claro que está. Ei, lá estão elas!
Arliss Cooper, a mãe de Mitch, estava beirando os 50 anos, uma

mulher outrora bonita, ainda atraente na maturidade, os cabelos
louros bem claros, com todas as indicações de que trabalhara ardu-
amente por muitos anos apenas para sobreviver. Vestia-se impeca-
velmente, mas sem aquele estilo sofisticado que exige trabalho e
atenção para os detalhes.

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A irmã de Mitch, Afton, era inteiramente diferente. Não tanto

na maneira de vestir, mas no rosto exuberante, que prometia uma
sexualidade intensa, e no corpo sedutor, desabrochando para uma
feminilidade irresistível. Enquanto mãe e filha se aproximavam de
Mitch e Lucy, os olhos dos homens seguiam Afton, contemplando-a
com um interesse evidente. Se ela notava, não deixava trans-
parecer, uma enganadora impressão de inocência nos olhos grandes e
nos movimentos descontraídos. Era o tipo de garota que criava um
excitamento raro na psique masculina, mesmo quando fazia aqueles
que a desejavam se sentirem como velhos obscenos. E tudo sem es-
forço... ou pelo menos era o que parecia.

— Mitchell! — gritou Arliss.
Ela avançou apressadamente ao encontro do filho, seguida por

Afton. Houve abraços e saudações, algumas lágrimas e uma curio-
sidade intensa.

— Deixe-me olhar bem para você, Mitchell. Mãe e filho tornaram

a se abraçar.

— Deixe-me olhar bem para você — disse Arliss novamente.
Mitch estava rindo. Estendeu a mão para Lucy e puxou-a para

mais perto do grupo.

— Mamãe, esta é Lucy. Minha mãe e minha irmã Afton, Lucy.
Lucy estava completamente apavorada e sabia disso. Aquele mo-

mento era muito importante para ela. Ansiava desesperadamente que
a família de Mitch a aceitasse e aprovasse. Ela sorriu, apreen-
siva.

— Sra. Cooper... Afton...
— Oi! — exclamou Afton, jovialmente.
— Estou muito satisfeita em conhecê-la, Lucy — disse Arliss,

formalmente. — Mitch escreveu-nos muito a seu respeito.

Mitch sorriu.
— E não foi nada de bom.
— Eu já podia imaginar — murmurou Lucy, procurando imprimir um

tem jovial à voz.

Arliss interveio:
— Ora, Mitchell, pare com isso. Ele só disse coisas boas a seu

respeito, Lucy. E estou descobrindo agora que não disse o su-
ficiente.

– Obrigada, Sra. Cooper.
– Chega, mamãe — disse Mitch. — Lucy já é mimada demais.
Afton não pôde mais se conter:
– É verdade que você tem dinheiro que não acaba mais?
– Afton! — exclamou Arliss.
— Eu estava apenas querendo saber — murmurou Afton, sem qual-

quer arrependimento.

— Pessoalmente, não tenho muito dinheiro — respondeu Lucy. —

Mas minha família tem.

Afton soltou uma risada.
— Parece sensacional.
Arliss interveio:
— Lucy, não importa as bobagens que meu filho possa dizer, não

há motivo para lamentar ter dinheiro.

Mitch ficou corado.
— Mãe, deve haver uma centena de outras coisas para conversar-

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mos que não seja sobre dinheiro.

Ele começou a levá-las para a saída. Afton disse:
— Por que não nos fala sobre o casamento? Aposto que será es-

petacular.

— Vou pegar a bagagem de vocês — disse Mitch. — Não quero che-

gar atrasado à faculdade.

— Eu o deixarei na faculdade e depois levarei Arliss e Afton

para o seu apartamento, Mitch — sugeriu Lucy.

Afton passou a andar ao lado de Lucy, comentando:
— Desde que Mitch nos escreveu sobre o casamento que tenho li-

do as notícias sobre a sua família.

— Não sou culpada pelo que eles fazem. Por falar nisso, eu

gostaria muito que você fosse uma das damas de honra.

— Puxa! — balbuciou Afton. — Isso é maravilhoso!



20




AS Filhas do Álamo estavam reunidas com todos os seus melhores

adereços no pátio da casa grande de Southfork. Haviam sido trazi-
das cadeiras para acomodá-las e ao fundo havia um bar e uma mesa
de bufê, tudo pronto para satisfazer os vários apetites. Sue Ellen
e Miss Ellie destacavam-se entre elas, escutando atentamente Cliff
Barnes e Donna Culver.

– Outros seguirão o rumo que vocês tomarem — Cliff estava di-

zendo, insinuantemente. — Como a consciência coletiva do grande
Estado do Texas, tenho certeza de que vocês saberão compreender a
necessidade de manter a área de Takapa como uma reserva de vida
selvagem, que muitas gerações de texanos tiveram o privilégio de
desfrutar até agora.

Houve um movimento de aplausos polidos. Cliff ficou esperando

que os aplausos cessassem.

— Alguma pergunta?
Uma das mulheres ergueu a mão e depois levantou-se.
— Com todos os outros problemas do Estado, por que o Senador

Culver está desperdiçando tanto tempo na tentativa de salvar um
pântano?

Houve um murmúrio de aprovação. Foi Donna Culver quem se adi-

antou para responder:

— Uma das coisas de que nós, texanos, sempre nos orgulhamos

foi do amor à terra. Ultimamente, o Texas vem sendo varrido por
uma onda de especuladores imobiliários, tentando transformar todo
o Estado num vasto conjunto residencial. Dave Culver acha que é de
vital importância que digamos um basta em Takapa. Sabe que a sua
atitude pode ser extremamente impopular em determinados setores,
mas não esquece o que seu pai, Sam Culver, disse muitas vezes: "É
fácil dizer sim com a multidão, mas é preciso um homem de verdade
para dizer não quando está sozinho." E Dave Culver diz "Não!" à
exploração imobiliária de Takapa. Espero que não o deixem dizer

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não sozinho, que não o deixem ficar sozinho em sua resistência.

O nível de aplausos foi mais intenso desta vez. Com um mo-

vimento brusco da cabeça, Cliff indicou a Donna que o tempo para
os discursos terminara. Eles se encaminharam para a multidão de
mulheres, cumprimentando antigas conhecidas, sendo apresentados às
novas.

Donna juntou-se a um pequeno grupo de que Miss Ellie par-

ticipava. As duas se cumprimentaram.

— Fez um discurso e tanto, Donna. Sam teria ficado orgulhoso.
Donna riu.
— É que escutei muitas vezes os discursos dele. E tenho cer-

teza de que Sam sentiria a mesma coisa que Dave e eu em relação a
Takapa.

— É difícil discordar do que você diz.
— Espero que possamos contar com o seu apoio, Miss Ellie. Tem

muita influência entre as outras.

— Quanto a isso, nada posso dizer. Mas farei o que puder,

quando puder.

No bar, Sue Ellen estava com um copo cheio de soda na mão, ob-

servando as mulheres dispersas pelo pátio e o gramado dos fundos.
Avistou Cliff Barnes desvencilhando-se de um grupo e avançando em
sua direção. Por um momento, ela pensou em esquivar-se, mas acabou
decidindo permanecer onde estava. Não havia qualquer motivo para
se esquivar, àquela altura dos acontecimentos.

— Olá, Sue Ellen.
Ela acenou com a cabeça.
– Estou surpresa por vê-lo aqui.
– Faço qualquer sacrifício por uma boa causa. Está com uma

ótima aparência.

– É porque estou feliz agora.
– As coisas devem estar muito bem entre você e J.R., embora eu

ache difícil acreditar nisso.

– Tenho certeza de que vai descobrir muitas coisas difíceis de

acreditar. Mas a verdade é que nunca fomos tão felizes.

— Desculpe. Eu não deveria ter feito o comentário. E quero que

saiba que estou contente por você.

— E como estão você e Donna? Parecem feitos um para o outro.

Encontrou finalmente uma mulher com quem pode conversar sobre po-
lítica e poder.

Cliff hesitou por um instante, antes de responder:
— Ela é uma mulher extraordinária... determinada, inteligente,

interessada nos problemas.

— Isso é ótimo para você. E também é ótimo que nós dois tenha-

mos finalmente encontrado o melhor de todos os mundos possíveis. —
Os olhos de Sue Ellen se desviaram dele, contemplando as mulheres
ali reunidas. — Todos parecem estar tentando não prestar a menor
atenção a nós dois e fracassando totalmente no esforço. Os pecados
antigos demoram muito a ser esquecidos, não é mesmo?

Antes que ele pudesse responder, Sue Ellen já se afastara,

deixando-o com uma amarga pontada de culpa na consciência, o ego
mais abalado do que podia admitir.


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Tom Selby, o chefe dos contadores da Ewing Oil, era um homem

com a cabeça e o coração voltados para os números. Estava revi-
sando a situação financeira da companhia com Bobby e agora estava
pronto para responder a perguntas.

— Estamos em dificuldades? — indagou Bobby.
— Não, não estamos, pelo que posso prever. A receita dos poços

e da refinaria é mais do que suficiente para atender às despesas
de operação, até mesmo para proporcionar um bom lucro.

— Mas não há um problema de fluxo de caixa?
— É apenas temporário. Há reserva suficiente, mas não o bas-

tante para o que você está querendo, Bobby. E há muito pouco para
vender sem interferir com a produção. Claro que a companhia está
em boa situação, desde que você não efetue novas despesas vultosas
neste momento.

— O resumo é que não há a menor possibilidade de tirar 12 mi-

lhões da Ewing Oil de um momento para o outro?

— Infelizmente, é isso mesmo.
— Oh, diabo!
— O que vai fazer, Bobby?
Bobby ficou olhando para ele, em silêncio, por um longo tempo.
— Ora, vou arrumar o dinheiro em outro lugar, é claro.
A questão que ele não podia responder era de onde tiraria o

dinheiro. E quando. Abruptamente, o prazo de três meses parecia
estar se encolhendo rapidamente.



Jock e J.R. saíram do Braddock Bar, nenhum dos dois muito fir-

me. Foram ziguezagueando pela rua até o Posto do Red, onde o carro
de J.R. estava estacionado.

— Uma coisa tenho de reconhecer, rapaz — disse Jock. — Você

agüenta a bebida muito bem.

— Não melhor do que você, papai.
— Você me acompanhou dose por dose. Isto é, quase.
— Alguém tinha de ficar sóbrio para guiar.
Felizes um com o outro, chegaram ao posto no momento em que

Red começava a fechá-lo.

— Meu carro já está pronto, Red? — indagou J.R.
— Pronto e de tanque cheio.
— Talvez seja melhor você nos levar, Red — disse Jock, jovial-

mente. — Não estamos lá muito firmes.

— Não é possível, Jock.
— Eu estava apenas brincando, Red.
— Está certo — resmungou Red, visivelmente mal-humorado. — Não

ando com muita disposição ultimamente de prestar qualquer favor a
um Ewing.

Jock franziu o rosto.
— Qual é o problema, Red?
— Não é nada com você, Jock. Nem com você, J.R.. O problema é

com Bobby.

J.R. ficou prontamente alerta, todos os sentidos aguçados.
— O que Bobby fez?
– Eu comprava gasolina daquela refinaria muito tempo antes da

Ewing Oil assumi-la.

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– E daí? — disse Jock.
– E daí que conversei com Brady York, meu distribuidor. Brady

informa que Bobby está aumentando o preço em dois dólares por bar-
ril.

Jock franziu o rosto.
– Todo mundo está aumentando os preços e você sabe disso. É

uma decorrência da elevação dos custos do petróleo bruto.

– Mas não tem nada a ver com os custos do petróleo bruto. É

apenas para obter um lucro maior e mais rápido. Mas Brady se recu-
sa a pagar o aumento.

— E que mais está acontecendo?
– O rumor é de que Bobby está planejando cortar o nosso forne-

cimento de gasolina e vendê-lo em outra parte, a preços mais ele-
vados. Vai me tirar e aos outros independentes do negócio, tão
certo quanto as vacas comem o pasto.

— Espere um pouco — disse Jock. — A Ewing Oil pode estar que-

rendo ganhar um bom lucro, mas sempre brigamos com gente do nosso
tamanho. Não há a menor possibilidade de Bobby fazer qualquer coi-
sa para levá-lo à falência. Somos amigos há muito tempo para que
uma coisa dessas possa acontecer.

— Não foi isso o que me falaram, Jock.
— Pois vou lhe dizer uma coisa: se algum dia um filho meu se

atrever a fazer algo assim, vai sair da Ewing Oil mais depressa do
que o tempo de piscar os olhos. Tem a minha palavra.

— É muito bom ouvir isso.
Jock encaminhou-se para o carro, com J.R. ao seu lado.
— Não posso imaginar Bobby a fazer uma coisa dessas.
J.R. também não podia conceber que o irmão fizesse algo tão

terrível. Mesmo assim...

— Quer que eu verifique pessoalmente o que está acontecendo,

papai?

— Claro que quero. Descubra tudo e me informe.
— Está certo, papai.


O apartamento pertencia à Ewing Oil, servindo para alojar hós-

pedes privilegiados e associados em visita a Dallas. Naquela ma-
nhã, porém, era J.R. quem ocupava a sala de estar meticulosamente
arrumada, com sofá e poltronas projetados para um homem ficar aco-
modado no maior conforto. J.R., no entanto, estava ansioso demais
para relaxar e descansar. Com a energia nervosa de um animal sel-
vagem enjaulado, ele andava de um lado para outro, balançando a
cabeça, imerso em pensamentos. O som da campainha da porta provo-
cou-lhe um sobressalto. Foi abrir a porta para Jeremy Wendell, te-
xano e homem do petróleo, da West Star Oil. Trocaram um aperto de
mão e Jeremy foi acomodar-se na poltrona mais próxima, estendendo
as pernas compridas e cruzando nos tornozelos. O chapéu de aba
larga meio caído sobre a testa, ele fitou J.R. com uma curiosidade
velada.

— Faz muito tempo que estive aqui pela última vez, J.R. E a

última vez foi aquele jogo de pôquer.

— Que o enriqueceu a um grau absurdo, se bem me lembro.
Jeremy riu com satisfação da recordação.

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— Aquela foi uma noite particularmente agradável para mim.
— Aceita um drinque?
— Ainda é um pouco cedo para o meu gosto. Mas você pode beber.
— Eu passo.
— Muito bem, vamos ao que interessa. Por que me telefonou e

sugeriu que nos encontrássemos aqui? Algum problema, J.R.? Algo
que está querendo esconder do pessoal?

— Apenas achei que seria melhor ficarmos confortavelmente ins-

talados, numa conversa particular.

— Pode falar.
— Ouvi dizer que você fez uma oferta ao meu irmãozinho pela

gasolina de que ele dispõe.

Havia um tom de admiração na voz de Jeremy quando ele falou:
— Você pode estar fora do poder, J.R., mas não perdeu o conta-

to com os fatos. Ou foi Bobby quem lhe deu a informação?

— Sou um homem com muitas fontes.
— Sei disso. E sempre o admirei por isso.
— Bobby nunca foi uma dessas fontes.
— Acredito em você. Muito bem, sabe do meu interesse pela ga-

solina. O que mais está querendo saber?

J.R. alteou os cantos da boca.
— E de quanto foi a oferta?
— Não foi grande coisa. Propus comprar a gasolina que ele está

refinando por dois dólares a mais por barril do que recebe neste
momento.

— E quanta gasolina você estava querendo?
— Até o último barril.
J.R. deixou escapar um assovio, enquanto fazia rapidamente al-

guns cálculos.

— E Bobby disse não?
— Isso mesmo.
– Diga-me uma coisa, Jeremy: por que um homem haveria de recu-

sar mais cem mil dólares por dia de lucro?

Jeremy deu de ombros.
— Bobby alegou que já tinha contratos para o fornecimento da

gasolina e não pretendia rompê-los.

— Nunca vi um contrato que não pudesse ser rompido.
— As coisas não são mais como antes, J.R. Um homem sempre po-

dia argumentar com J.R. Ewing, quando ele estava lá em cima, sem-
pre aberto a um bom negócio, à quantidade certa de influência mo-
netária.

— Ainda estou disposto a escutar a voz da razão.
Os olhos de Jeremy se arregalaram.
— Se puder fazer alguma coisa para que esse negócio seja fe-

chado, J.R., pode estar certo de que ficarei pessoalmente grato. E
tenho uma boa memória. Não esquecerei quando e se você voltar ao
comando da Ewing Oil.

J.R. falou quase para si mesmo:
— Eu voltarei. Não há qualquer "se" nessa questão. E não vai

demorar muito para que isso aconteça. — Ele levantou os olhos para
Jeremy, sorrindo. — Falar em dinheiro sempre me deixa com sede.
Está pronto para aquele drinque agora, Jeremy?

— Qualquer coisa que você quiser, J.R. Absolutamente qualquer

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coisa.



21




Pam estava trabalhando em sua mesa na Store. Havia uma expres-

são preocupada e cansada no rosto adorável, menos o resultado de
muitas horas no trabalho, com suas tensões e problemas, mais uma
decorrência das crescentes pressões que experimentava em seu casa-
mento. Os olhos estavam injetados, a testa vincada, os cabelos ge-
ralmente bem penteados estavam desgrenhados. Quando o telefone to-
cou, ela estremeceu, como se tivesse levado um choque. Atendeu com
uma voz hesitante:

— Pois não?
— Alex Ward falando.
Uma resposta brusca aflorou aos lábios de Pam, sendo pron-

tamente reprimida. Alex Ward continuava a tentar e não se podia
deixar de reconhecer a sua persistência. E ele era de fato um ho-
mem atraente. Em outra ocasião, Pam reagiria prontamente.

Agora, porém, era uma mulher bem-casada. Ou melhor: apenas uma

mulher casada.

— Olá, Alex.
O som de sua própria voz foi surpreendente: animado, jovial,

encorajador. Ele percebeu a mudança na reação habitual dela, mur-
murando, insinuantemente:

— Esse é um bom começo. Eu não tinha sequer certeza se você

falaria comigo.

— Claro que sempre falarei com você, Alex.
— Ótimo. Minha impressão anterior estava errada?
— Depende de qual era.
— Que você estava tentando me evitar.
— Talvez.
— Mas eu gostaria de encontrá-la.
— Mesmo que eu não o estivesse evitando, Alex, acho que não

deveria encontrá-lo.

A risada dele tinha um tom áspero.
— Estou disposto a ignorar o fato de que você é uma mulher ca-

sada.

— Mas eu não estou.
Havia uma carícia sedutora na voz dele quando murmurou:
— Se o seu casamento é bom, Pamela, eu não poderei causar mal

algum. Se não é, você não tem nada a perder. Jante comigo.

Ele era mesmo insinuante. Fazia Pam se lembrar dos dias ante-

riores ao relacionamento com Bobby, de todos os homens insinuantes
e sedutores, ainda jovens ou mais velhos, todos falando suavemen-
te, todos tentando impressioná-la com sua riqueza e poder, suas
promessas de uma vida maravilhosa se...

Era uma sensação inebriante ter todos aqueles homens a desejá-

la, saber exatamente o que eles queriam, conhecer os riscos que

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estavam dispostos a assumir a fim de agradá-la e convencê-la a su-
cumbir às súplicas. E quando ela o fazia... o que acontecera mais
de uma vez... era com um senso de abandono, um senso de entregar
sua carne ao momento de satisfação desvairada e anseios secretos,
em luxuosas limusines, em mansões espetaculares ou em apartamentos
de alto luxo. Não havia lugar que fosse esplendoroso demais para
ela, não havia lugar que fosse por demais degradante e repulsivo.
Gostava de tudo no jogo maravilhoso e sensual a que fora projetada
por seu rosto e corpo.

Uma parcela da emoção estava na incerteza. Todas as manhãs ela

se preparava como se aquele fosse ser o melhor dia da sua vida, um
dia repleto de estímulos e excitamentos, um dia que haveria de cu-
mulá-la de novos anseios e novas recompensas, prazeres antigos e
novos sendo levados a culminâncias inesperadas. Assim acontecia e
ela amava cada momento. Era o que dizia a si mesma, interminavel-
mente.

Até que Bobby aparecera e ela descobrira... pela primeira vez,

conforme estava agora convencida... a intimidade, compreensão e
amor intenso que podiam surgir e se desenvolver entre um homem e
uma mulher. E pela primeira vez descobrira também que tudo o que
acontecia no quarto era bom na razão direta de como era bom o res-
to de sua vida. Infelizmente, naquelas últimas semanas e meses,
desde que Bobby assumira o comando da Ewing Oil, sua vida, na cama
e fora dela, vinha desmoronando, fragmentos separados do que era
antes, do que podia ser. A intimidade se desvanecera. A compreen-
são e a comunicação não mais existiam. A situação chegara a tal
ponto que ela começara a questionar a existência do amor, os moti-
vos para que continuassem a viver juntos.

— Qualquer lugar que você quiser ir, Pamela. Qualquer coisa

que queira fazer. Sem condições prévias. Você é quem decide tudo.

A voz de Alex Ward pelo telefone despejava-se sobre ela como

um chuveiro morno, tranqüilizante, criando um desejo por mais, um
contentamento felino pelas sensações maravilhosas que sua carne
tensa poderia experimentar. Pam cruzou e descruzou as pernas,
consciente da carne roçando suavemente contra a carne, consciente
do desejo intenso que a invadia. Ela estremeceu... de prazer? Ou
de apreensão? Quem sabe das duas coisas?

— Não, Alex. Estou sendo esperada para um jantar da família

esta noite. E já estou atrasada.

— Talvez em outra ocasião, Pamela.
— Talvez — murmurou ela, antes de desligar.
Ela censurou-se com veemência por ter dado margem a que o jogo

continuasse. Não tinha a menor intenção de se encontrar com Alex,
jantar em sua companhia, fazer amor com ele. Ou estaria apenas
adiando o inevitável e procurando enganar a si mesma? Ela estreme-
ceu outra vez e saiu apressadamente da sala, antes que o telefone
tornasse a tocar.



Os Ewings estavam reunidos na sala de estar de Southfork quan-

do Pamela apareceu, ainda vestida como estava no trabalho.

– Desculpem o atraso — murmurou ela.
– Também acabei de chegar — disse Bobby, sem se dar ao traba-

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lho de se levantar para cumprimentar a mulher.

Pam aproximou-se dele, deu-lhe um beijo gentil na testa, roçou

a mão pela nuca. A recordação de Alex Ward a atormentara durante
a tarde inteira e tencionava exorcizá-la o mais depressa possível.

— Todo mundo acaba de chegar — comentou J.R. — à exceção dos

convidados de honra.

Sue Ellen soltou uma risadinha.
— Isso faz com que comprar um presente de casamento para Mitch

se torne algo muito simples. Basta ir ao Neiman's, J.R., e comprar
o maior, melhor e mais caro relógio de pulso que eles tiverem para
vender.

J.R. achou engraçado.
— Despertadores para ele e para ela... uma idéia sensacional,

Sue Ellen.

— Alguém vai querer um drinque? — indagou Jock, enquanto se

servia.

Ninguém aceitou. Mitch chegou alguns minutos depois, parecendo

contrafeito, num terno novo e visivelmente ordinário. Tinha nos
pés botas velhas, que haviam resistido vitoriosamente a todas as
tentativas de engraxá-las.

— Oi! — disse ele, num cumprimento geral. — Desculpem o atra-

so. Parece...

Mitch fez uma pausa, olhando ao redor, à procura de Lucy.
— Elas ainda não chegaram?
— Ainda não — respondeu Miss Ellie.
— Lucy ficou de trazê-las. Imaginei que elas já estavam aqui,

a esta altura.

J.R. sorriu artificialmente.
— Não tem mais ninguém aqui além de nós, ricos e vulgares te-

xanos.

— J.R.! — exclamou Miss Ellie, em tom de advertência.
— Estava apenas brincando, mamãe. Um simples gracejo...
Ele parou de falar abruptamente, virando a cabeça para a por-

ta. Lá estavam Lucy, Arliss e Afton, todas preparadas para a oca-
sião, os cabelos cuidadosamente penteados, usando vestidos novos e
deslumbrantes. Se Arliss atraiu olhares de admiração por sua bele-
za serena e madura, e dignidade natural, foi Afton quem provocou o
maior choque. Num vestido verde justo, todas as linhas do seu cor-
po espetacular estavam delineadas, os quadris redondos claramente
definidos, assim como os seios jovens e firmes, os mamilos em al-
to-relevo. Um olhar fez com que todos os homens se levantassem,
ajustando automaticamente paletós e gravatas. Percebendo o impacto
causado pela entrada delas, Lucy ficou imensamente satisfeita.

— Vou fazer uma apresentação geral. Esta é a mãe de Mitch, Ar-

liss Cooper. E esta é a irmã dele, Afton.

Miss Ellie chamou Arliss para sentar-se ao seu lado no sofá.
— Por favor, chame-me de Ellie.
— E eu sou Arliss.
J.R. aproximou-se de Afton, a mão estendida, indo pousar gen-

tilmente, mas firmemente, nas costas dela.

— Por que não vem conversar comigo e com Sue Ellen, Afton? Va-

mos nos conhecer melhor.

— Muito obrigada.

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O sorriso de Afton era um esplendor de inocência. J.R. insta-

lou-a entre ele próprio e Sue Ellen e fitou-a nos olhos.

— Tenho que lhe dizer, Afton, que a beleza é hereditária em

sua família.

Sue Ellen piscou os olhos uma vez, mas não deu qualquer outra

indicação de que ouvira, se importara ou compreendera. Ficou sen-
tada muito rígida, escutando e observando, os lábios entreabertos
no que devia ser um sorriso jovial, mas era na realidade uma más-
cara de terror.

Os Ewings exibiam o melhor de seu comportamento, fazendo o que

tão bem sabiam fazer, sendo encantadores na conversa, deixando os
estranhos inteiramente à vontade em Southfork. E os Coopers cor-
respondiam plenamente... à exceção de Mitch. À medida que a noite
foi avançando, ele se mostrava cada vez mais soturno, distante e
vigilante. Até que Arliss acabou lhe perguntando, discretamente:

— Qual é o problema, Mitchell?
— Por que deveria haver algum problema?
— Podemos não ter muito contato ultimamente, mas ainda sou sua

mãe e o conheço muito bem.

— Não há qualquer problema.
— Está assim por causa das roupas, não é mesmo?
Mitch contraiu os lábios, sem dizer nada, e a mãe continuou:
– Antes de ficar furioso com Lucy por ter gasto tanto dinheiro

conosco, Mitchell, dê uma boa olhada em sua irmã caçula. Ela não é
mais uma criança, caso você ainda não tenha notado. É uma linda
moça e nunca teve um vestido assim. Olhe para eia, Mitchell. Afton
está radiante. Está adorando tudo. E se sente integrada, como se
pertencesse a este ambiente.

– Claro que ela está maravilhosa, mas não pertence a este lu-

gar. Você também não. Acho que nenhum de nós pertence.

– Não seja tolo, Mitchell. Lucy Ewing é uma ótima moça e tem

muita sorte de que ela queira casar com você. Comprar as roupas
lhe proporcionou um imenso prazer e Deus sabe que também me senti
feliz ao contemplar Afton toda enfeitada desse jeito. Não vou per-
mitir que o seu orgulho estrague a noite para nós duas.

Mitch olhou para Lucy. Obviamente, ela estava muito feliz. E

Afton estava radiante. Talvez sua mãe estivesse certa.

— Também me proporciona prazer, mãe. Só que... oh, diabo, eu é

que deveria comprar esses vestidos!

— Você está certo — disse Arliss, num tom tranqüilizador. —

Mas seu dia chegará. E mesmo que isso não aconteça, nós duas temos
orgulho de você, do que está tentando fazer com sua vida. Nós o
amamos, Mitch, sabemos que você nos ama. Peço apenas que não es-
trague tudo agora, está bem?

— Claro que está, mãe.
Naquela noite, Bobby levou trabalho para a cama, uma série de

relatórios sobre produção e elevações dos custos, uma análise da
projeção dos preços futuros do petróleo interno em comparação com
o importado, o que tudo isso podia representar para a Ewing Oil.
De pijama, ele acomodou-se confortavelmente, estudando os vários
documentos. Quando Pam emergiu do quarto de vestir, ele nem levan-
tou os olhos para contemplá-la.

Usando apenas uma camisola curta e transparente, que realçava

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sua beleza e nada escondia, ela aproximou-se do marido.

— Meu bem, não pode deixar para fazer isso amanhã?
Bobby respondeu sem desviar os olhos do trabalho:
— Não posso deixar de fazer isso agora. Tenho uma reunião pela

manhã que é inadiável.

Pam foi para o outro lado da cama e estendeu-se perto dele,

uma das mãos pousando sobre a coxa musculosa do marido, os dedos
apertando a carne.

— Há outras coisas que também não podem esperar.
Bobby emitiu um som destinado a apaziguá-la e afastá-la. Pam

continuou, em voz baixa, insinuante:

— Sei que você está sob uma tremenda pressão. Sei também que

as coisas não têm sido muito boas entre nós ultimamente.

Outro grunhido.
— Talvez eu tenha uma grande parcela de culpa. Mas é que...

parece que nunca mais dispomos de tempo suficiente para ficarmos a
sós. Não conversamos mais... não conversamos de verdade. Tudo está
mudando.

Bobby fez algumas anotações na margem do relatório que estava

lendo.

— Mudando? — repetiu ele, sem estar realmente absorvido na

conversa.

— Você está sempre trabalhando... em todas as horas do dia e

da noite. Se eu não o conhecesse tão bem, diria que tem outra mu-
lher.

— São os negócios.
— Os negócios estão mudando tudo entre nós.
Bobby não respondeu.
Pam empertigou-se, puxando a bainha da camisola pelos quadris.

Era um gesto de puro reflexo, pois mais realçava do que encobria
seu corpo. Mas ninguém estava observando.

— Tenho um amante — declarou ela.
Ele afastou-a tranquilizadoramente.
— Tudo o que quiser, meu bem.
— Ele é muito bom para mim.
— Contanto que você seja feliz. — Bobby franziu o rosto para o

relatório que lia, deu uma olhada em outro. — Acho bom você tratar
de dormir, meu bem. Ainda tenho uma hora de trabalho aqui.

— Ele é louco, pervertido, com uma imaginação delirante — con-

tinuou Pam. — Insiste que eu faça as coisas mais estranhas.

Outro grunhido.
Ela disse o nome dele. Bobby mudou de posição, ficando de cos-

tas para Pam. Num súbito impulso, ela inclinou-se e mordeu-lhe o
ombro com toda força. Ele soltou um grito e virou-se, esfregando o
ombro dolorido.

— Ei, que diabo está fazendo?
— Apenas chamando a sua atenção, mister. Olhe para mim! —

Bobby olhou. — Gosta do que vê?

— Sempre gostei.
— Sabia que há semanas não fazemos amor?
— Semanas? Não pode ser tanto tempo assim.
— Talvez seja até demais. Pode se lembrar da última vez em que

fizemos amor?

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Bobby tentou recordar, mas não conseguiu.
— Isso é sensacional — disse Pam, sarcasticamente. — Um de nós

está se perdendo, Bobby Ewing... e garanto que não sou eu.

Ela rolou para o seu lado da cama, virando-lhe as costas, a

camisola subindo para a cintura. Bobby estendeu-se para tocar-lhe
a nádega. Pam empurrou a mão dele bruscamente.

— Não quero favores, por favor.
— É isso o que você pensa?
— E nada de compaixão. Ninguém jamais tentou fazer amor comigo

por compaixão e não vai ser agora que começará. Se você não quer o
que tenho a oferecer, estou certa de que algum outro homem vai
querer.

— Ora, Pam, isso não é justo.
— Nada neste mundo é justo — disse ela, com uma determinação

surpreendente.

Como se ainda não estivesse sob pressão suficiente, os proble-

mas de Bobby aumentaram dramaticamente na manhã seguinte, quando
Jordan Lee telefonou com boas notícias.

— Lamento incomodá-lo em casa, Bobby, mas é uma coisa que não

podia esperar.

— O que aconteceu?
— Acabo de receber um telefonema do Golfo. Os testes foram

muito mais rápidos do que qualquer um previa. Só tiveram que des-
cer até 500 metros. As perspectivas são excelentes, Bobby. Dentro
de uma semana, talvez dez dias no máximo, poderemos começar as
operações de perfuração. Vamos tirar petróleo que não acaba mais
de lá, Bobby. Assim, trate de aprontar o seu dinheiro. Vamos ga-
nhar imensas fortunas neste negócio.

— Parece fantástico.
— Melhor do que isso. Receberá notícias minhas dentro em bre-

ve.

— Estarei à espera.


J.R. aguardava impacientemente no apartamento de luxo da Ewing

Oil, ansioso em pôr o seu plano em execução. Não restava a menor
dúvida em sua mente de que Bobby acabaria lançando mão daquele re-
curso, cometendo assim o erro final e causando um dano irreparável
à sua imagem, aos olhos de Jock. Com isso, garantiria o retorno de
J.R. ao comando das operações da Ewing Oil.

A campainha da porta assinalou a chegada de seu convidado. Ele

foi abrir a porta para Jeremy Wendell.

— Entre, Jeremy.
Wendell parecia ligeiramente irritado.
— Mas o que está querendo afinal, J.R.? Tenho uma manhã muito

movimentada. Não poderíamos ter conversado pelo telefone?

— Telefones têm ouvidos, meu amigo.
— Tem razão. De qualquer forma, é muito cedo. Parecia até que

os russos estão em Corpus Christi e se aproximando daqui bem de-
pressa.

J.R. riu, sem qualquer humor.
— Só uma pergunta: você ainda está interessado na produção da

refinaria da Ewing Oil?

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— Claro que estou. Mas...
— Não se preocupe com os mas. Sei como o negócio pode ser rea-

lizado.

— Estou escutando.
— Ofereça a Bobby 15 milhões de dólares como adiantamento para

assinar o contrato.

Jeremy soltou um assovio baixo.
— Quinze milhões? É muito dinheiro.
— Você tem o dinheiro e Bobby precisa dele... a união per-

feita.

— Tem certeza de que ele fechará o negócio?
J.R. estava pensando nos 12 milhões que Bobby tinha de dar a

Jordan Lee e ao cartel.

— Claro que tenho.
— Não sei...
— Talvez não disponha dos recursos necessários, Jeremy.
— É muito dinheiro de adiantamento.
— Nem tanto assim. Basta estruturar a transação de maneira a

que os 15 milhões se apliquem ao fornecimento das duas primeiras
semanas. Não precisa estender por mais tempo.

— Isso abrange todo o suprimento de que Bobby dispõe, não é

mesmo?

— Praticamente.
— E o que me diz daquela conversa de lealdade com os indepen-

dentes? Bobby já abandonou essas bobagens?

— Até mesmo a lealdade de Bobby tem um preço.
— Ele sabe dessa nossa conversa?
— Não... e eu não gostaria que ele soubesse.
Jeremy arquivou essa informação para um exame posterior.
— Como quiser, J.R. E fico agradecido por sua ajuda. Só há uma

coisa que não estou entendendo.

— O que é?
— Esses 15 milhões vão representar um lucro sensacional para

Bobby. Acho que ele vai ficar com uma imagem excepcional para uma
porção de pessoas, inclusive seu pai.

J.R. pensou na reação de Jock quando descobrisse que Bobby

traíra os amigos, os revendedores independentes de todo o Estado.
Ele sorriu satisfeito e disse, afavelmente:

— Talvez sim, talvez não.


O pátio de Southfork estava alegremente decorado para o chá de

panela de Lucy. Havia um bar e um bufê, com as criadas servindo,
um bando de colegiais em vestidos coloridos, um punhado de mulhe-
res mais velhas, uma pequena montanha de presentes que ainda não
haviam sido desembrulhados. Um conjunto de quatro músicos tocava
discretamente ao fundo. Risos e vozes femininas espalhavam-se pelo
ar.

Afton, excepcionalmente atraente num vestido leve de verão,

andava de um lado para outro, mais interessada em examinar
Southfork do que nas conversas. Miss Ellie foi encontrá-la a con-
templar os carros estacionados perto da garagem.

— Não gostaria que eu a apresentasse a algumas das amigas de

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Lucy, Afton? São mais ou menos da sua idade, todas muito simpáti-
cas e agradáveis.

Afton apontou.
— Aquele não é o carro de J.R., Miss Ellie?
Miss Ellie olhou na direção indicada.
— É, sim, minha cara. Acho que ele ficou em casa hoje.
— E por que ele não desceu para cumprimentar todas as con-

vidadas?

Miss Ellie soltou uma risada.
— Esta é uma festa de Lucy, no final das contas. J.R. se sen-

tiria meio contrafeito entre tantas mulheres.

— É muita consideração da parte dele.
Miss Ellie ficou observando a moça se afastar, um pouco atur-

dida. Depois, dando de ombros, ela aproximou-se de Sue Ellen e Pa-
mela.

Afton entrou na casa e subiu a escada. Sabia exatamente para

onde estava indo, sabia exatamente o que esperava encontrar. E es-
tava certa. Abriu a porta do quarto de J.R. e encontrou-o na cama,
lendo.

— Oh, desculpe! Eu não sabia que havia alguém aqui, J.R.
— Não sabia mesmo? — disse ele, escutando a música que subia

lá de baixo.

— É melhor eu deixá-lo com seu livro. Estava apenas explorando

a casa.

— Pode entrar — disse J.R., levantando-se. — Está gostando da

visita a Dallas, Afton?

Ele foi fechar a porta, depois que ela entrou. Afton fitou-o,

a poucos centímetros de distância.

— É um começo?
— Do quê?
— Quem pode prever? Confio no destino. O que tem de ser será.
— Se gosta daqui, Afton, por que não planeja ficar?
— E fazer o quê?
— Tenho certeza de que poderá arrumar algum emprego. Sabe ba-

ter à máquina?

— Um pouco.
— Podemos lhe arrumar um emprego.
— Trabalhando para você, J.R.?
— Talvez.
— É uma idéia que merece ser levada em consideração. Acho este

lugar muito bonito. Tem sorte de viver aqui.

— Também. Mas a sua presença acrescentou um toque de beleza ao

rancho.

— Ora, J.R., vai me fazer corar.
— Duvido muito, Afton. Não creio que você saiba como corar.
— Está tentando me dizer alguma coisa, J.R.?
Ele pôs as mãos na cintura dela. Afton não se mexeu.
— Apenas que você é uma moça extremamente bonita. Eu não gos-

taria de vê-la partir, logo agora que acabamos de nos conhecer.

— Não precisaria muito para me convencer a ficar, depois que

tudo acabar.

— Falar é a segunda coisa melhor que eu faço.
Ela riu, encostando-se nele.

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— Você é um homem malicioso, J.R. Ewing.
— E você adora isso.
— Acha mesmo?
A boca de J.R. desceu sobre a dela. Por um momento, não houve

reação. Depois, os lábios de Afton se entreabriram e ela aceitou a
língua de J.R., acariciando-a com a sua, comprimindo-se contra ele
sedutoramente. As mãos de J.R. desceram para as nádegas macias,
puxando-a contra si. Afton finalmente recuou.

— Puxa, você me deixou sem fôlego!
— Não é isso o que quero.
— Acho que não estou preparada para entrar numa discussão so-

bre o que você quer, J.R. Ainda não.

Dando outro passo para trás, ela sorriu enigmaticamente e

abriu a porta.

— Já vai tão cedo?
— Sempre consegue o que quer, J.R.?
— Sempre.
— Neste caso — disse ela, antes de se retirar — deve ser bem

cedo.



O chá de panela estava acabado. Todas as convidadas já haviam

partido, deixando os presentes, agora espalhados pelo pátio, para
serem examinados: pratarias, cristais, utensílios de cozinha luxu-
osos, incontáveis outras coisas. Mitch chegara poucos minutos an-
tes e Lucy, radiante, arrastou-o prontamente para o pátio.

— Venha ver tudo o que ganhamos!
Mitch ficou olhando aturdido para o tesouro espalhado à sua

frente.

— Você deve estar brincando.
— Não precisaremos comprar nada por muitos anos.
Mitch riu, sem muito prazer.
— Teremos de alugar um prédio para guardar tudo isso.
— Você é mesmo engraçado — disse Lucy, em tom de aprovação.
— Estou falando sério. Onde vamos meter tudo isso? Mesmo que

enchêssemos o apartamento inteiro, não caberia nem a metade.

Nas proximidades, as outras pessoas da família, além de Arliss

e Afton, observavam e escutavam.

— Deve sentir muito orgulho do seu filho, Sra. Cooper — comen-

tou J.R.

— E sinto mesmo. Mas me preocupo com o muito que ele e Lucy

terão de lutar, até que Mitchell se forme.

— Ele não precisa passar por dificuldades — disse J.R. — Have-

rá sempre uma vaga na Ewing Oil para Mitch.

Mitch virou-se, como se fosse falar. Mas foi Jock quem atraiu

a atenção de todos:

— Só ia dizer isso mais tarde. Mas como Mitch está preocupado,

sem saber como vai guardar todos os presentes, talvez esta seja a
ocasião mais apropriada. Miss Ellie e eu decidimos que o nosso
presente de casamento será aquele apartamento da Ewing em Oakrid-
ge... com espaço mais do que suficiente para duas pessoas.

Lucy soltou um grito de alegria.
— Não é maravilhoso?

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— É realmente muita generosidade — disse Mitch. — Mas continuo

achando que Lucy e eu devemos começar a vida em meu apartamento.

— Para que, se o outro apartamento está à sua disposição? —

indagou Jock.

— Não vai fazer muita diferença — interveio J.R., cheio de

confiança. — Será um arranjo apenas temporário. Assim que Lucy as-
sentar, o Tio J.R. vai lhe dar de presente a casa mais bonita de
Preston Hollow. Será uma casa bem grande, onde Mitch e Lucy, assim
como a mãe e a irmã de Mitch, poderão viver confortavelmente, for-
mando uma família feliz, como nós somos.

– Puxa vida, seria sensacional! — exclamou Lucy, batendo pal-

mas.

– Tem razão — murmurou Mitch, azedamente. — Não temos muita

sorte? Todo o futuro já está delineado para nós. Uma boa sinecura
na Ewing Oil, um lindo apartamento e uma casa ainda melhor. Tudo
em seu lugar, tudo de acordo. O que podia ser melhor?

— Ei, espere um pouco! — disse J.R.
— Não, vocês é que vão esperar e ouvir o que tenho a dizer.

Não quero o emprego, não quero o apartamento, não quero a casa. O
que eu quero é ser um pesquisador médico, subindo na vida à custa
dos meus próprios esforços. Se casar com Lucy significa que fica-
rei escravizado ao maldito dinheiro Ewing, ao poder da família,
quero que todos saibam que talvez eu não precise disso.

Mitch afastou-se, intempestivamente. Lucy saiu correndo atrás

dele.

— Mas que diabo, provocou essa explosão? — indagou J.R.
Jock resmungou uma resposta:
— Não tenho a menor idéia. Só posso dizer que esse rapaz é

muito esquisito. Vamos embora, filho. Vamos beber algo mais forte
do que soda, a fim de ajeitarmos nossas cabeças.



Estavam no bar quando o telefone tocou. J.R. atendeu.
— J.R. Ewing falando.
— Aqui é Jeremy Wendell, J.R.
— Já teve aquela reunião?
— Está tudo acertado. O encontro foi esta manhã e acabou há

menos de 15 minutos.

— E como foi?
— Você estava certo. Ele mordeu a isca como um peixe faminto.

Vamos assinar os contratos dentro de uma semana.

— Obrigado por telefonar. Continue em contato.
J.R. desligou e pegou seu drinque.
— O que era? — perguntou Jock, asperamente.
— Apenas um homem querendo falar de petróleo.
— Alguma coisa que eu deva saber?
— Quando chegar o momento, papai, você será o primeiro a sa-

ber. Cuidarei para que isso aconteça.



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22




Lucy estava sentada na cama, com os joelhos levantados, imersa

em pensamentos angustiados. Os olhos, embora secos, estavam inje-
tados, a testa vincada em preocupação. A porta se abriu e Pam en-
trou, um chambre sobre a camisola.

— Bem que bati, mas você não respondeu. — Pam fechou a porta

gentilmente e avançou pelo quarto. — Você está bem?

— Estou, sim. Oh, não! A verdade é que não sei...
— Conheço a sensação.
— Conhece?
— Minha vida não é tão serena e despreocupada como pode pare-

cer a quem está do lado de fora.

— Oh, Pam, tenho a sensação de que mal estou viva!
Pam sentou-se na beira da cama.
— O que vai fazer?
— Em relação a quê?
— A você mesma, a Mitch, a seu casamento.
— Não sei. Parece que a decisão já foi tomada.
— Como assim?
— Não creio que Mitch continue a querer o casamento, depois do

que aconteceu.

— Mas você ainda quer casar com ele?
— Claro que sim!
— Então não deixe os Ewings se interporem em seu caminho.
— Não sei como conseguiu agüentar, Pam, especialmente pela ma-

neira como a trataram no começo, assim que casou com Bobby.

— Eu gostava demais de Bobby para deixar que eles acabassem

com o nosso casamento.

— Eu gosto demais de Mitch.
— O bastante para ir atrás dele e agarrá-lo?
— Você não está entendendo. Tudo o que tenho feito, desde que

conheci Mitch, é pedir desculpas por ser uma Ewing, procurando
compensá-lo por isso. Já chega, Pam. Não posso renegar minha famí-
lia, meu nome, minha herança. Não posso e não quero. Se Mitch me
quer, terá de me aceitar como eu sou... Lucy Ewing.

Pam sorriu gentilmente.
— Compreendo perfeitamente a sua posição, Lucy. E o que quer

que isso possa valer, quero que saiba que estou do seu lado.



Brady York estava sentado muito rígido, esforçando-se a fundo

para conter a raiva. Os dedos se entrelaçavam nervosamente, uma
perna tremia numa cadência irregular, como se estivesse descon-
trolada.

– Bobby, acho que você não esta compreendendo a situação ter-

rível em que eu estou.

– Deve haver outra refinaria que possa lhe fornecer.
— Diga-me qual é.
— Alguém...

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— Que diabo, Bobby, pensa que já não tentei? Estávamos também

recebendo gasolina da refinaria de Olson. Recebi um telefonema de-
les ontem. Parece que a West Star Oil comprou-lhes tudo... até o
último barril que eles produzem.

— Eu não sabia disso.
— Em resumo, estou liquidado se você me cortar o fornecimento.

E o mesmo vai acontecer com os 500 postos que forneço. Assim, acho
que teremos mesmo de pagar os dois dólares a mais por barril.

Bobby sacudiu a cabeça de um lado para outro.
— É tarde demais para isso, Brady. Estou numa situação em que

preciso de dinheiro adiantado e reduzirei o preço por barril em um
dólar inteiro.

— Quanto está precisando?
— Preciso de 12 milhões.
Brady deixou escapar um pequeno grunhido zombeteiro.
— E onde pensa que posso arrumar tanto dinheiro?
— Tente, Brady. Tem uma semana, talvez um pouco mais. Posso

esperar apenas por esse prazo.

— Vou fazer todo o possível, Bobby. Mas tenho mais possibili-

dade de fazer limonada com uma maçã do que de levantar tanto di-
nheiro.

— Lamento profundamente.
Brady falou asperamente:
— Isso não me serve de consolo, Bobby. Mas vou tentar. Não te-

nho alternativa.



Havia um senso de distância entre eles. Afton e a Sra. Cooper

estavam arrumando as malas no pequeno quarto, enquanto Mitch ob-
servava, com uma expressão perturbada no rosto tipicamente ameri-
cano. Percebendo a desaprovação silenciosa e reprimida das duas,
Mitch sentia-se profundamente ressentido, desejando que elas com-
preendessem seus sentimentos. Naquele silêncio opressivo, seu sen-
timento de culpa se intensificava e foi dominado por uma ne-
cessidade desesperada de transpor o abismo que os separava.

— Irei visitá-las nos feriados de Natal — balbuciou ele.
— Será ótimo — disse Arliss, automaticamente.
Houve outra pausa angustiante, antes que Mitch voltasse a fa-

lar:

— Não entendo por que vocês acham tão difícil perceber o meu

lado da questão.

Afton falou impulsivamente:
— Acho que você é muito estúpido. O que eles fizeram de tão

terrível?

— Eles não estão interessados no que eu quero. Estavam ten-

tando me comprar.

Arliss respondeu num tom exageradamente polido:
— Alguma vez já lhe ocorreu que eles devem se preocupar mais

com Lucy do que com você? Estão interessados na felicidade dela.
Lucy é uma moça que foi criada com o melhor, sempre teve tudo o
que desejou. E de repente aparece um rapaz que não tem absoluta-
mente nada e está determinado a passar a vida fazendo pesquisas
médicas esotéricas, que proporcionam muito pouco em termos de re-

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compensas materiais. Não tenho nada contra isso. Mas você não pode
culpar os Ewings por quererem cuidar de Lucy. E quero que saiba
que, em circunstâncias iguais, eu faria a mesma coisa por Afton.
Ou por você.

Afton tornou a intervir, visivelmente irritada:
— Não sei o que você vê de tão maravilhoso neste seu apar-

tamento miserável. É uma porcaria e você sabe disso.

Mitch fechou os olhos, como se estivesse ordenando os pensa-

mentos, arrumando as emoções tumultuadas.

— Não acho o apartamento maravilhoso. Mas é o que eu posso pa-

gar. Portanto, está bom para mim... por enquanto. Tudo o que venho
dizendo é que devemos viver com o que eu consigo ganhar e não com
o dinheiro dos Ewings. Afinal, todos nós vivíamos com o que papai
podia ganhar.

— E que não era muita coisa — disse Arliss, um tanto aspera-

mente. — Um dia depois que ele morreu, tive de sair de casa e ar-
rumar um emprego, a fim de sustentar a vocês dois e a mim. Seu pai
era um homem extraordinário e bem que se esforçou, mas nunca teve
muitas chances. Pensa que ele não teria aceito alguma ajuda, se
lhe tivessem oferecido?

— Mãe...
Arliss não deixou Mitch continuar, interrompendo-o com um ges-

to brusco e acrescentando:

— Mitchell, não é nenhuma vergonha ser pobre. Por outro lado,

também não há qualquer motivo para se orgulhar disso.

— Não me orgulho de ser pobre. Apenas reconheço minha situação

financeira e o que isso acarreta. E acho que estou certo.

Afton interveio na conversa, a voz muito controlada:
— Talvez deva pensar em mais alguém além de você próprio, des-

ta vez.

— Pense em Lucy — sugeriu Arliss. — Pense no que ela pode que-

rer, no que pode ser melhor para ela. Ou para vocês dois, como um
casal. Concordo que você não deve aceitar o emprego na Ewing Oil.
Deve continuar a se dedicar à medicina. Mas volte ao rancho e diga
àquela moça que quer casar com ela. E se o tal apartamento de luxo
vem junto com a moça... o que há de tão horrível nisso?

Mitch ficou parado onde estava, os olhos se desviando da irmã

para a mãe, incapaz de tomar uma decisão, angustiado por ideais e
desejos conflitantes, por seu amor por Lucy e a necessidade de
conservar a independência.



Miss Ellie não podia ocultar sua apreensão, toda encolhida num

canto do sofá, na sala de estar da casa grande do rancho. Tudo es-
tava saindo errado, as coisas pareciam ir de mal a pior, a espe-
rança se transformava em desespero. Ela sentia-se frustrada e fu-
riosa, sem saber para que lado se virar, sem saber o que fazer.
Jock entrou na sala.

— Estava à sua procura, Miss Ellie.
— Já falou com Lucy hoje?
— Não. Tentei puxar conversa, mas ela se recusou.
— Ela está magoada, Jock. Gosta de verdade daquele rapaz.
— Isso dá para perceber. Mas é possível que o rapaz fosse er-

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rado para ela.

— Por quê? Só porque ele não se deixou impressionar pelo poder

da Ewing Oil? Só porque ele não queria nada de nós, exceto que o
deixassem em paz para viver a sua própria vida?

— Estávamos apenas querendo tornar as coisas mais fáceis para

ele.

— Será que não pode entender? Ele não queria que ninguém lhe

tornasse as coisas mais fáceis. Você também era assim, quando ti-
nha a idade dele.

Jock falou relutantemente:
— Acho que você tem razão nesse ponto.
— Admiro a maneira como Mitch resistiu a você e a J.R. Ele é

um rapaz de princípios e coragem. Apenas sinto pena por Lucy.

— E não sente de você mesma?
— Como assim?
— Está realmente transtornada por causa de Lucy ou pelo fato

de que Gary não voltará para casa a fim de assistir ao casamento,
se não houver um casamento?

Miss Ellie demorou um pouco para responder.
— Acho que há um fundo de verdade no que falou, Jock. Sabe

muito bem como eu quero que Gary volte para casa.

— Mesmo que ele voltasse, certamente tornaria a partir. É a

natureza dele.

— Não estou tão certa assim. Cada vez que Gary volta, sinto

que ele está um pouco mais perto de ficar para sempre. Dá para
percebê-lo cada vez que converso como ele.

— Miss Ellie, Gary é meu filho também e sinto muita saudade

dele, mais do que deixo transparecer. Mas estou sempre disposto a
enfrentar os fatos, e a verdade é que ele não se sente feliz aqui.
Nunca se sentiu, jamais haverá de se sentir.

— Talvez fosse de outro modo, se as coisas mudassem por aqui.
— Mudar? Nada vai mudar, nada ficará diferente. É tarde demais

para isso.

— Não vou aceitar isso! Não posso aceitar!
Ray Krebbs apareceu na entrada da sala, de chapéu na mão, lim-

pando a garganta.

— Com licença...
— Já está pronto pára partir, Ray? — perguntou Jock.
— Estou, sim, senhor.
— Já estou saindo. — Jock tornou a virar-se para Miss Ellie. —

Desculpe, mas tenho de sair. Ray e eu temos de ir a Braddock a ne-
gócios.

Ela olhou para o esguio capataz do rancho e depois tornou a

fitar o marido.

— Se ao menos você sentisse por Gary a mesma coisa que sente

por Ray... Gary é seu filho e meu. Nosso filho. Enquanto Ray...

— Amo Gary — disse Jock, a voz impregnada de emoção.
— Mas nunca foi capaz de aprová-lo, jamais se importou com

ele. Jamais perdeu tempo a tentar descobrir o que ele era, quais
as suas esperanças e sonhos, quem ele era. Nunca poderei perdoá-lo
por isso, Jock.

Jock ficou observando-a deixar a sala, consciente da tristeza

e angústia que o dominavam.

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Pamela estava em sua sala, junto com sua assistente, Jackie.

Toda uma estante de roupas estava encostada numa parede e Pamela
fazia uma seleção criteriosa, escolhendo novos modelos.

— Muito bem — disse ela finalmente a Jackie — pode levar esses

vestidos para a galeria lá embaixo. Estarei com você dentro de
cinco minutos. Ainda tenho algumas coisas para resolver aqui.

– Devo dizer a Ron para esperá-la?
– Claro. Não vou demorar.
Jackie saiu, passando por Liz Craig, que vinha entrando.
– Oi, Pam.
Pamela continuou examinando os vestidos que ainda estavam lá.
– Como vão as coisas para o seu lado, Liz?
— Tudo bem, mas vou precisar de sua ajuda. Eu tinha um almoço

marcado com Harrison Page hoje.

— E não pode ir?
— Nossos compradores de Newport acabam de chegar para uma reu-

nião. Não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo. Pode tomar o
meu lugar?

— Para quando está marcado?
— Dentro de uma hora.
— Está certo.
Carregando uma porção de roupas, Pamela encaminhou-se para a

porta, apenas para descobrir o seu caminho bloqueado por Alex
Ward. Ela estacou abruptamente, fitando-o com uma expressão que
beirava o alarme.

— Não tenha medo — disse ele, jovialmente. — Eu não mordo...

isto é, de vez em quando dou as chamadas mordidas de amor.

— O que está fazendo aqui?
— Podemos conversar, Pam?
— Acho que não.
— Só por um minuto.
Pam lançou um rápido olhar para Liz.
— Como ele soube que eu estava aqui?
— Não foi por meu intermédio.
Alex exibiu um sorriso misterioso. Era um homem seguro e con-

fiante, meticuloso em todos os detalhes, bem-vestido e impeca-
velmente arrumado, convencido de sua aparência e da capacidade de
atrair as mulheres. Para ele, qualquer resistência era simples-
mente uma contrariedade temporária.

— Procurei-a por toda parte. Como não a encontrei, cheguei a

conclusão de que você só podia estar aqui.

Ele falou como um gracejo, mas Pamela não riu.
— Eu estava aqui — disse ela, bruscamente — mas não estou

mais.

Ela saiu, deixando em sua sala um Alex aflito e uma Liz admi-

rada.

– O que está fazendo aqui afinal? — perguntou Liz.
— Eu a quero.
— Tão simples assim? Pois acho que não vai conseguir. A moça

tem um marido, como deve saber. Por que não a deixa em paz?

Alex pareceu ficar surpreso com a pergunta.

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— Porque estou acostumado a conseguir tudo o que quero.


Mitch encontrou Lucy estendida ao sol, à beira da piscina de

Southfork. Meio adormecida, ela não o ouviu se aproximar.

— Lucy...
Ela sentou-se no mesmo instante, aturdida.
— Pensei que ia ficar estudando — disse ela, mais para falar

alguma coisa do que por qualquer outro motivo.

— Não consegui me concentrar no estudo.
Lucy se levantou. Não era uma moça alta, mas tinha um corpo

cheio e sólido, o maiô estofando nos seios grandes e mal conse-
guindo encobrir as nádegas firmes. Contemplando-a se mexer, Mitch
sentiu o desejo invadi-lo. Aproximou-se dela por trás.

— Pensei que nada fosse capaz de afastar seus pensamentos da-

queles malditos livros.

Mitch encostou as mãos nos ombros dela.
— Você consegue.
Lucy parou na beira da piscina.
— Da maneira como você está rejeitando ofertas de emprego, se-

ria melhor continuar grudado naqueles livros. Talvez descubra ser
muito difícil ganhar a vida.

Ele fez um esforço para permanecer calmo.
— Se está querendo dizer que eu deveria aceitar a oferta de

emprego de J.R., quero que saiba que prefiro passar fome.

— Talvez os Ewings não tenham nada que você queira.
— Tem toda razão! — gritou ele, segurando-a e virando-a, fi-

cando de costas para a piscina no processo. — Não quero nada dos
Ewings. Para dizer a verdade, nem mesmo suporto o nome.

Lucy pôs as mãos no peito dele.
— Para dizer a verdade, esse é o meu nome também.
Ela empurrou-o bruscamente, jogando-o na piscina. Ele saiu da

piscina, cuspindo água. Lucy ficou aturdida e divertida, um pouco
assustada com o que acabara de fazer. Mas murmurou com a voz anda
calma:

— Eu sou uma Ewing.
— Mas podemos mudar isso — disse Mitch, afastando do rosto os

cabelos molhados. — Case comigo e seu nome passará a ser Cooper.

— Está falando sério?
— Claro que estou, apesar de sua natureza violenta.
Ela soltou uma risadinha.
— Mas você ficaria aparentado dos Ewings.
— Somente através do casamento.
— E o que me diz do novo apartamento?
— Deus Todo-Poderoso, Lucy, você não é fácil. Está bem, aceito

o apartamento. Mas não quero saber do emprego e muito menos da ca-
sa, enquanto não tivermos condições próprias para isso.

Um sorriso feliz estampou-se no rosto de Lucy.
— Acho que você está falando sério.
— Vai casar comigo?
Um grito de alegria irrompeu pela garganta de Lucy. Ela pulou

para a piscina, tornando a levar Mitch para a água. Ao saírem, es-
tavam se beijando. E ela mal conseguiu balbuciar:

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— Vou, sim. Exatamente como planejamos.
— Quase como planejamos.
Ela não prestou atenção.
— Uma semana, só mais uma semana, e não haverá mais uma Lucy

Ewing.



23




Bobby estava em sua sala, ditando para Connie, quando o te-

lefone tocou. Ela atendeu, falou por um instante e depois desli-
gou.

— Era Jeremy Wendell. Ele disse que estará aqui amanhã de ma-

nhã, às 10 horas, com os contratos prontos para serem assinados.

Bobby reagiu à informação com um aceno de cabeça cansado. A

partir do momento em que aqueles contratos estivessem assinados,
não haveria mais como voltar atrás. Ele estava confuso e aflito,
preocupado com os rumos a que tudo aquilo poderia levar a Ewing
Oil... e Bobby Ewing. Observando-o, Connie percebeu a angústia in-
tensa e perguntou:

— Já conversou com Jock a respeito de tudo isso?
— Ele sabe apenas do trato com Jordan Lee e o cartel.
— Não sabe que você está pensando em vender toda a sua produ-

ção à West Star Oil?

— Não. Fiquei esperando que Brady York pudesse arrumar o di-

nheiro, evitando assim que eu fosse obrigado a fechar o negócio
com Wendell.

— E se ele não aparecer com o dinheiro?
— Então teremos problemas terríveis.
— Seu pai não vai gostar, não é mesmo?
— Será muito pior do que isso. Mas espero que ele compreenda

por que tive de agir assim. Sei como é importante para ele voltar
a manter boas relações com Jordan e o resto da turma do cartel.
São amigos há muito tempo.

— E ele e Brady York são amigos há muito tempo.
— É verdade. E detesto o que tenho de fazer com Brady. Tentei

todos os recursos que podia imaginar... mas encontrei todos os ca-
minhos fechados.

— Tenho certeza de que seu pai vai compreender.
— Eu gostaria de ter a mesma certeza. Não acha estranho que

tanto J.R. como eu tenhamos a necessidade compulsiva de sermos
apreciados por nosso pai?

— Não há a menor semelhança entre você e J.R. — disse Connie,

com alguma veemência.

Bobby respirou fundo.
— Espero que você esteja certa.
Brady York telefonou uma hora depois. Havia um tom de tristeza

em sua voz quando disse:

— Tentei, Bobby, tentei por todos os meios possíveis. Mas não

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houve a menor possibilidade de levantar o dinheiro.

— Posso dar um jeito de lhe conseguir outra semana de prazo,

Brady.

— Não adiantaria coisa alguma. Estaria apenas adiando o fu-

neral. Talvez você queira comparecer, Bobby. Haverá muita gente...
eu e mais 500 proprietários de postos independentes. Todos seremos
sepultados ao mesmo tempo.

— Deixe-me telefonar para o pessoal da West Star. Estão abrin-

do muitos postos de gasolina de auto-serviço. Vão precisar de gen-
te para administrar esses postos. Aposto como haverá vagas para
muitos independentes.

Havia um tom de espanto evidente na voz de Brady quando per-

guntou:

— Você realmente acredita nisso?
— Estou disposto a tentar.
— Não é sobre isso que eu estava falando, mas sim da abertura

de postos pela West Star. Ou será que isso não passa de uma corti-
na de fumaça que está levantando para se esconder por trás?

— Não estou entendendo.
— Pois vou explicar tudo. A West Star não vai abrir nenhum

posto. Só houve um motivo para comprarem toda a produção da refi-
naria de Olson e para adquirirem toda a sua gasolina: querem afas-
tar os independentes do negócio. Pretendem estocar a gasolina. E
quando os preços estiverem bem altos, vão entregar tudo às grandes
distribuidoras, a lucros fabulosos. E não terão mais com que se
preocupar com a concorrência dos meus revendedores.

— Não posso acreditar nisso.
— É melhor acreditar, Bobby. — Havia desdém na voz de Brady. —

Uma coisa é evidente. Você nunca terá de se preocupar com quanto
custa encher o tanque do seu carro. Você e a Ewing Oil... sairão
ainda mais ricos de tudo isso, conseguindo tudo o que sempre qui-
seram.

Bobby ficou olhando para o telefone em sua mão, o aparelho su-

bitamente mudo. Sabia que era o momento de sondar sua alma, ques-
tionar tudo o que estava fazendo, tudo o que estava tentando rea-
lizar. Se Brady York estava certo... mas não podia estar, disse
Bobby a si mesmo. Ou será que podia?



Gary e Valene saíram do terminal do aeroporto de Dallas—Fort

Worth e encontram Jock e Miss Ellie à espera deles, de carro. Miss
Ellie adiantou-se correndo para abraçar o filho.

— Não imagina como estou feliz em vê-lo — balbuciou ela, os

olhos marejados de lágrimas.

— Eu também estou feliz por vê-la, mamãe. Olá, papai.
— Como vocês dois estão indo? — perguntou Jock, um tanto aspe-

ramente.

— Você está maravilhosa, Valene — comentou Miss Ellie.
— A Califórnia está me fazendo muito bem. — Valene olhou ao

redor. — Lucy não veio?

— Ela ficou no rancho — respondeu Jock. — Queria vir, mas...
— Ela está fazendo uma prova final do vestido — explicou Miss

Ellie. — E há um milhão de outras coisas para providenciar.

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Valene compreendeu.
— Como é o rapaz?
— Tenho certeza de que vai gostar dele.
— Estou ansiosa em conhecê-lo — disse Valene. — E mal posso

esperar o momento de rever Lucy.

— Vou buscar as malas — disse Gary.
— Vou com você — disse Jock, passando um braço pelos ombros do

filho e apertando firmemente. — É um prazer tornar a vê-lo, rapaz.

— Também estou feliz por vê-lo, papai.
Ficando a sós, Miss Ellie e Valene experimentaram um constran-

gimento momentâneo. Cada uma sabia que a outra queria algo dife-
rente para Gary: Miss Ellie queria que ele permanecesse em
Southfork ou pelo menos no Texas, enquanto Valene estava con-
vencida de que o marido jamais se ajustaria à vida no Texas. Foi
Valene quem rompeu o silêncio:

— Lamento não ter podido vir antes para ajudar nos prepara-

tivos do casamento.

— O que importa é a sua presença agora.
— Fale-me de Mitch e Lucy. Não sei nada a respeito dele.
— O que Lucy lhe contou nas cartas?
— Disse apenas que ele é lindo.
As duas riram e depois Miss Ellie disse:
— Há muito mais em Mitch do que apenas isso. Vai descobrir que

ele é um rapaz inteligente e ponderado, um rapaz que sabe o que
quer.

— Exatamente como os Ewings.
— Não exatamente — comentou Miss Ellie. — O que pode se cons-

tituir num problema.



O relógio digital na mesinha-de-cabeceira marcava 1:15 da ma-

drugada quando Bobby entrou no quarto. As luzes estavam apagadas e
ele deixou escapar um suspiro de alívio, convencido de que Pam es-
tava dormindo. Mas ele estava enganado. Pam sentou-se na cama e
acendeu o abajur ao seu lado.

— Eu não queria acordá-la — murmurou Bobby.
— Eu não conseguia dormir. Você está bem?
— Estou, sim. Todos os outros já estão dormindo?
— Claro que estão.
— É tão tarde assim?
— Você sabia que Gary e Valene estavam chegando hoje. Não po-

dia ter chegado em casa mais cedo para recebê-los?

Bobby começou a despir-se.
— Estou com problemas, Pam. E problemas terríveis.
— Está cheirando como uma cervejaria.
— Bebi um pouco.
— E está todo manchado de batom.
Bobby levou a mão ao rosto, num reflexo.
— Deve ter sido Connie. Tomamos um drinque juntos e ela me deu

um beijo de despedida.

— Entendo.
— É verdade.
— Se você assim diz...

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— Não fiz nada de errado.
— Está ficando mais parecido com seu irmão a cada dia que pas-

sa.

Chocado com o comentário, Bobby empertigou-se.
— Não é verdade.
— Se eu quisesse casar com J.R. — acrescentou Pam, friamente —

não teria preferido você. Mas parece que me enganei com você. Nun-
ca imaginei que isso pudesse acontecer. E quero que saiba, Bobby,
que não vou suportar isso por mais tempo. Não o conheço mais.

Saindo da cama, ela arrematou, em tom amargurado:
— E jamais gostei de dormir com um estranho.
Pam retirou-se do quarto, deixando atrás um homem exausto e

desesperado.



Mais ou menos na mesma ocasião, Valene, incapaz de dormir,

saiu para o pátio. O céu noturno estava escuro e incrivelmente es-
trelado. Um vulto familiar, à beira da piscina, atraiu a atenção
de Valene, que foi até lá.

— Lucy...
— Oi, mamãe.
— Não consegue dormir?
— Isso mesmo. Fico pensando no que vai acontecer amanhã, como

tudo vai mudar, como a vida será diferente, a partir do momento em
que casar com Mitch.

— Eu também não consigo dormir.
— Está feliz com o meu casamento?
— Claro que estou. Só que me parece um tanto inesperado. Pas-

sei tantos anos sem nunca estar com você. E agora, de repente,
volto a ter uma filha. Só que não é mais uma menina e sim uma moça
que está prestes a casar.

— Nada vai mudar entre nós, mamãe.
— Tudo muda. Mas, entre nós, será apenas para melhor. Você es-

tará vivendo longe de Southfork e poderemos nos encontrar com mais
freqüência.

— Há muita coisa que não sei sobre a vida de casada. Nunca

precisei limpar uma banheira, arrumar uma cama...

— Tudo dará certo.
— É o que espero.
— Cozinhar, limpar, trabalhar duro numa porção de coisas. Pa-

recia que isso era tudo o que eu tinha feito na vida, quando casei
com seu pai. Viemos então para cá e me senti como um peixe fora
d'água. Mas isso aconteceu há muito tempo. Acho que há um milhão
de outras coisas para uma mãe falar numa ocasião como esta... o
quanto está feliz pela filha, o quanto ama a filha... Oh, Lucy,
seu pai e eu queremos muito que você seja feliz!

— Sei disso, mamãe.
— O mais importante é não permitir que os Ewings se inter-

ponham entre você e Mitch. Deve esquecer o que aconteceu antes em
sua vida. Está começando tudo de novo e só deve se preocupar com o
que é bom para você e Mitch. Não dê importância a mais nada.

— Nada jamais vai se interpor entre nós dois. Não permitirei.

Ficarei casada com Mitch até morrer.

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— Não se esqueça disso. Lembre-se em todos os dias do seu ca-

samento do que sente em relação a Mitch esta noite. Algumas ve-
zes... e pode estar certa de que isso é inevitável... haverá dias
e noites difíceis. E lembrar como você se sente agora vai ajudar a
atenuar os problemas. Faça com que a união de vocês se torne uma
coisa pela qual valha a pena lutar e conservar. Aceite o conselho
de sua mãe, Lucy... jamais esqueça como se sente neste momento.



Gary nadava lentamente, sem qualquer pressa, as braçadas com-

pridas, firmes, relaxadas. Estava obviamente apreciando aquele
mergulho matutino na piscina da família. Não notou a presença de
Bobby, até que o irmão estava nadando ao seu lado.

— Ei, Bobby, você ainda é uma ameaça para um nadador despreve-

nido.

— Oi, Gary.
— Como está se sentindo?
— De ressaca, com dor de cabeça. Tive uma briga com Pam ontem

à noite e estou com um gosto amargo na boca.

Rindo, Gary ficou de pé no lado raso da piscina.
— Já passei por isso. E muitas vezes.
— Lamento não tê-lo recebido ontem à noite.
— Não foi nada.
Eles saíram da piscina e enxugaram-se com toalhas felpudas.
— Como estão as coisas, Bobby?
— Se estivessem um pouquinho piores, só me restaria dar um ti-

ro na cabeça.

— Pelo que ouvi dizer, o que você está tentando fazer dá no

mesmo. Ninguém trabalha 24 horas por dia impunemente.

— Não era assim quando comecei.
— O que mudou?
— Tudo. Pensei que seria simples dirigir uma companhia pe-

trolífera. Bastava ser honesto e justo com todos, não havia a me-
nor necessidade de trapacear ou mentir para dirigir a Ewing Oil.

— E mudou a sua maneira de pensar?
— Não sei o que pensar agora. A verdade é que estou procurando

não mudar a minha perspectiva, mas...

— Mas o quê?
Bobby encaminhou-se para o pátio, com Gary ao seu lado.
— Mas estou começando a compreender como J.R. podia justificar

algumas das coisas que fazia.

— Acho que posso compreender.
— O que tenho feito é dizer sempre que todos os meus atos são

pelo bem da Ewing Oil — murmurou Bobby, visivelmente consternado.
— Mas tem de haver um meio melhor.

— Se for possível encontrá-lo. E a pergunta que me ocorre é a

seguinte: será que a Ewing Oil realmente vale isso?

— Tenho me feito essa pergunta, sem encontrar qualquer res-

posta. Mas tenciono continuar a procurar por outra maneira de fa-
zer as coisas.

— Se é que existe.

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Poucos minutos depois, J.R. e Sue Ellen apareceram no pátio,

descendo para a piscina.

— Parece que o grande dia finalmente chegou — disse Sue Ellen,

pela terceira vez.

— E é um grande dia sob mais de um aspecto.
— O que está querendo insinuar com isso?
— Que hoje é também o dia em que Bobby vai ser afastado da

Ewing Oil de uma vez por todas.

— Você parece muito seguro disso.
— E estou mesmo. Por que não? Bobby vai assinar hoje os con-

tratos com a West Star Oil. Quando papai descobrir, Bobby estará
liquidado.

— E se ele não assinar?
— Vai assinar. Não tem outro jeito. Se não assinar, perderá o

negócio com Jordan Lee. E papai jamais o perdoaria por ter falhado
com o cartel. Bobby está entre o mar e o rochedo. Não importa o
que ele vai decidir, J.R. voltará à Ewing Oil em triunfo.

– E eu estava pensando que você se sentia tão bem assim só

porque a pequena Lucy vai casar...



24




Cliff Barnes estava arrumando seu apartamento quando a cam-

painha da porta soou. Ele ficou surpreso ao abrir a porta e depa-
rar com Donna Culver.

— Eu não a estava esperando.
O sorriso dela era deslumbrante.
— Pensei em lhe oferecer a última oportunidade de ir ao ca-

samento comigo.

Cliff contemplou-a com a maior admiração.
— Você está linda. Vai ser a mulher mais bonita entre todas as

presentes.

— Muito obrigada.
Donna estava perfeitamente consciente de sua aparência. Tudo o

que usava por cima da pele fora meticulosamente escolhido, com bom
gosto e classe. Tinha a felicidade de possuir o tipo de corpo em
que as roupas se ajustavam com perfeição. Qualquer pessoa a veria
como uma mulher madura de beleza e confiança, segura de todos os
aspectos de seu ser e temendo muito pouco. Donna Culver tinha uma
noção precisa do seu lugar em Dallas e tencionava tirar o máximo
de proveito nos anos futuros.

— Estou aqui para fazê-lo mudar de idéia sobre a sua presença

no casamento.

— Não daria certo.
— Claro que daria, se você for comigo.
— Não acredita nisso.
— Ainda não entendo por que isso o deixa tão perturbado. Todas

as pessoas que lá estarão serão as mesmas que compareceram à últi-

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ma reunião de levantamento de fundos de Dave. Você as conhece e
elas o conhecem.

— Elas ficaram com medo de não comparecer à reunião de Dave. A

política provoca estranhas alianças.

— É apenas um casamento.
— Watergate era apenas um hotel.
— Haverá mais de mil pessoas presentes. Eu serei apenas uma

delas.

— E o mesmo acontecerá com Ray Krebbs.
Donna respirou fundo e depois exalou lentamente.
— Eu já lhe disse que está acabado tudo o que houve entre nós

dois. Não tenho mais nada a ver com Ray.

Será que Cliff ficaria convencido? Donna não estava, não o

bastante. O sorriso dele foi ansioso.

— Neste caso, não preciso me preocupar com o fato de você ir

sozinha ao casamento.

Ela fitou-o atentamente mais uma vez, tentando interpretar al-

guma coisa na expressão vazia, tentando definir o que estava que-
rendo fazer. Por que fora até ali?

— Se você e eu vamos continuar juntos, Cliff, será porque isso

é o certo. Até agora tem sido. Se houver alguma mudança, ambos sa-
beremos.

Ele só falou depois que Donna foi embora, quando então as pa-

lavras saíram lentamente de sua boca:

— Quando mudar...


Jeremy Wendell e seu advogado, Howard Barker, já estavam es-

perando quando Bobby chegou ao escritório. As cópias dos contratos
foram espalhadas sobre a mesa, juntamente com meia dúzia de cane-
tas esferográficas. Depois dos cumprimentos, Bobby sentou-se e
disse, com uma jovialidade forçada:

— E então?
— É um grande dia para nós dois — comentou Jeremy.
— Acho que sim.
Barker interveio:
— Enviamos cópias dos contratos para Smithfield e Bennett, a

fim de que examinassem tudo e aprovassem. Soube que eles já se co-
municaram com você.

– Disseram-me que os contratos estão em perfeita ordem.
– Ótimo — disse Jeremy, tirando um envelope do bolso. — Um pe-

queno detalhe: um cheque visado em nome da Ewing Oil, no valor de
15 milhões de dólares.

Ele tirou o cheque do envelope e estendeu-o até Bobby, por ci-

ma da mesa.

— Um homem não costuma receber um cheque assim todos os dias.
— Um homem não precisa pagar uma quantia dessas todos os dias

— disse Bobby, sem qualquer inflexão na voz.

Ele verificou os números no cheque. Não podia deixar de ficar

impressionado.

— Vamos agora assinar os contratos? — sugeriu Barker. — Não há

sentido em esperar por mais tempo.

— Há só uma coisa que eu gostaria de saber antes.

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— E o que é? — indagou Jeremy.
— É verdade que você não pretende abrir uma cadeia de postos

de auto-serviço?

— Onde ouviu isso?
— Não importa onde ouvi. Pelo que me disseram, Jeremy, você

planeja estocar a gasolina, até os preços subirem o bastante para
lhe proporcionar um lucro considerável. Isso é verdade?

— Ora, Mr. Ewing — interveio Barker novamente, com o jeito in-

sinuante de todo advogado — tem um acordo com Mr. Wendell e...

— Quero uma resposta sua, Jeremy.
— Pois vou lhe dar. Faz realmente alguma diferença o que pre-

tendo fazer com a gasolina? Você queria 15 milhões de dólares.
Pois aqui estão, na sua frente, tão bom quanto ouro. Não estou in-
teressado em saber o que você vai fazer com o dinheiro e não vejo
motivo para que se preocupe com o que vou fazer com a gasolina.

Barker pegou uma das canetas e estendeu-a. Bobby hesitou por

um instante, antes de pegá-la. Debruçou-se sobre os contratos, num
conflito terrível consigo mesmo, olhando para a linha em que de-
veria colocar a sua assinatura.



Os gramados em torno da casa principal de Southfork haviam si-

do transformados numa catedral ao ar livre. Por toda parte, havia
flores e decorações apropriadas. Havia centenas de cadeira de ar-
mar colocadas de frente para um púlpito, por trás do qual estava
um caramanchão temporário. Ali perto, fora armado um tablado para
dançar e um conjunto já começara a tocar. Barracas abertas haviam
sido erguidas para proteger os convidados do sol quente. Havia di-
versos bares, guarnecidos por homens em casacos vermelhos, prontos
para servir os drinques mais exóticos e também as bebidas tradici-
onais do Texas. As pessoas já haviam começado a chegar e emprega-
dos estacionavam apressadamente seus carros, voltando imediatamen-
te para atender a outros convidados. Champanha e hors d'oeuvres
eram servidos e a maioria das pessoas da família circulava entre
os convidados, cumprimentando amigos e conhecidos.

— Meus parabéns, Jock.
A voz familiar fez com que Jock se virasse no mesmo instante.
— Bill Ogden! Fico contente que você tenha podido vir.
— Miss Ellie — disse Bill Ogden — já conhece meu filho, Clint?
Sue Ellen, parada ali perto, virou-se e olhou para Clint

Ogden. Era um homem alto, de cabelos castanhos, sorriso cordial e
olhos azuis penetrantes, que pareciam não perder coisa alguma.

— Prazer em conhecê-lo, Clint — disse Miss Ellie. — Esta é mi-

nha nora, Sue Ellen. Bill e Clint Ogden, Sue Ellen.

— Já nos conhecemos — disse Clint, numa voz sonora de baríto-

no. — Há muito tempo. Como tem passado, Sue Ellen?

— Faz muito tempo, Clint.
— Quase dez anos.
Sue Ellen sentiu-se compelida a explicar:
— Conheci Clint quando estava na universidade.
— A verdade é que eu pensava que ela fosse a minha garota, até

que seu filho a conheceu — comentou Clint, calmamente.

— Ora essa, quem diria? — murmurou Jock. — J.R. ficará conten-

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te ao saber que você está aqui... poderão recordar os velhos tem-
pos.

Sue Ellen desviou os olhos de Clint. Não sabia qual seria a

reação de J.R. Para dizer a verdade, não sabia direito qual era a
sua própria reação. Mas uma coisa era incontestável: Clint Ogden
estava mais atraente agora do que na época em que haviam se conhe-
cido na universidade.



Pamela estava à margem de um pequeno grupo, mais escutando do

que falando, quando Alex Ward se aproximou por trás dela. Um li-
geiro contato em suas costas fez com que ela se virasse rapida-
mente. Alex fez uma mesura graciosa.

— Boa-tarde, Sra. Ewing.
— Alex! — exclamou ela, surpresa. — Eu não sabia que você fora

convidado.

— E não fui.
— Quer dizer que entrou como penetra?
— Não exatamente. Mas como sou um dos mais importantes edito-

res de Dallas... embora não o mais sedutor... estou presente na
minha qualidade profissional. Acontece que estamos fazendo uma sé-
rie de reportagens sobre os casamentos no Texas e parece que este
vai ser do estilo sensacional, uma ocasião para ninguém esquecer.

— Quando teve a idéia para essas reportagens? — indagou Pam,

desconfiada.

Ele sorriu.
— Cerca de 30 segundos depois que me informaram que Lucy ia se

amarrar ao garoto Cooper.

— Entendo. E agora, se me dá licença, preciso ir falar com

Lucy.

Ele falou para as costas de Pam, a se afastar:
— Não pode fugir de mim para sempre.
— Posso tentar — respondeu Pam.


Ray Krebbs parecia inteiramente contrafeito numa casaca cin-

zenta formal. Somente os pés, num par de botas petas feitas espe-
cialmente para a ocasião, estavam à vontade. Ele tomava champanha
e desejava que servissem cerveja, procurava imaginar quando po-
deria escapar. Não percebeu Donna se aproximando através da multi-
dão, até que ela estava postada ao seu lado.

— Boa-tarde, Ray.
Ele virou a cabeça bruscamente.
— Donna! Puxa, você está maravilhosa!
— Você também está muito bem. A verdade é que está desper-

diçando o seu tempo bancando o cowboy. Deveria ser um modelo em
Nova York ou um ator em Hollywood.

Ray corou.
— Não, obrigado. Prefiro continuar com o que sei fazer. Essa

maldita roupa me faz sentir como aqueles bichos de pêlo preto e
branco que vivem lá pelo Pólo Norte ou algum outro lugar parecido.

— Pingüins... e eles vivem no Pólo Sul.
— Se é você quem o diz, Donna, então está certo.

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Ela passou os dedos pela gravata dele.
— Está precisando endireitar isso.
— Pois então pode fazê-lo. Levei duas horas para ajeitar esse

negócio, mas não consegui pegar o jeito.

Donna ficou muito perto, trabalhando na seda.
— Você não pode ficar menos do que perfeito, Ray Krebbs.
A fragrância inebriante de Donna penetrou pelas narinas de

Ray. Foi com grande esforço que ele se conteve para não abraçá-la
e beijá-la ardentemente, na frente de todos os convidados.

— Pronto — murmurou ela. — Não podia estar melhor.
— Agradeço o seu interesse.
Antes que ela pudesse responder, uma mulher corpulenta aproxi-

mou-se apressadamente, interferindo bruscamente, indiferente à ce-
na íntima que testemunhara:

— Donna, foi ótimo encontrá-la aqui! Preciso muito falar com

você. Espero que nos dê licença, rapaz. E agora vamos indo, Donna.
Há uma coisa que preciso saber sobre o novo projeto do Dave.

Foi um cowboy trêmulo e frustrado que ficou observando Donna

se afastar. Ray tomou o resto do champanha e saiu à procura de al-
go mais apropriado ao seu paladar.



Lucy parecia frágil e inocente em seu vestido de noiva, como

convinha à ocasião... trêmula e expectante, ansiosa e pronta para
escapar dali, da maneira como um passarinho está sempre pronto pa-
ra voar diante de qualquer perspectiva de perigo. Os olhos des-
lizavam rapidamente pelas mulheres em seu quarto: Valene, Miss El-
lie, Pamela e Sue Ellen.

— Está quase na hora — disse Miss Ellie.
Lucy respirou fundo.
— Antes de você ir, querida — disse Valene — há uma velha tra-

dição que temos de manter.

Um murmúrio interessado espalhou-se pelo quarto.
— Para alguma coisa velha — continuou Valene — você está usan-

do o vestido de noiva de sua avó.

Isso fez com que Lucy e Miss Ellie se abraçassem longamente.

Valene prendeu um magnífico colar de pérolas no pescoço da filha.

— Para alguma coisa nova, seu pai e eu compramos isto como

presente de casamento.

— Oh, mamãe, muito obrigada!
— Alguma coisa emprestada — disse Pamela. — Eu estava com este

lenço na mão quando casei com Bobby.

Ela estendeu um maravilhoso lenço de renda.
— É lindo, Pam.
Sue Ellen adiantou-se.
— E uma noiva sem uma liga azul não seria uma noiva. Lucy pôs

a liga, suspendendo até a coxa.

— Muito obrigada, Sue Ellen.
Valene olhou para o relógio.
— Já está na hora, querida.
— Eu a amo, mamãe. — Lucy estava profundamente emocionada. —

Amo vocês todas.

E elas começaram a descer a escada.

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Todos os convidados estavam acomodados nas cadeiras. Mitch es-

tava no altar, acompanhado pelo padrinho. Os Ewings ocupavam suas
posições e a Sra. Cooper contemplava a cena com uma expressão de
felicidade. Os acordes da Marcha Nupcial espalharam-se pelo ar
quente. As portas da casa se abriram e Lucy apareceu, no braço do
pai, seguida pelas damas de honra. Quando chegaram ao altar, Gary
ficou de lado e Mitch e Lucy se reuniram. O ministro contemplou-os
com uma expressão de aprovação e começou a falar:

— Neste solo sagrado, estas duas pessoas se apresentam para

serem unidas no santo matrimônio. Se alguém tem algum motivo para
que esta união não possa se consumar, que fale agora ou se cale
para sempre.

Ele fez urna pausa.
— Lucy e Mitchell, queiram agora juntar as mãos direitas, por

favor. Mitchell, você aceita essa mulher como sua legítima esposa?
Promete ser um marido fiel e dedicado, na saúde e na doença, na
prosperidade e na adversidade, por todas as situações da vida, até
que a morte os separe?

— Aceito — disse Mitch, firmemente.
— E você, Lucy Ann, aceita esse homem como o seu legítimo es-

poso? Promete ser uma esposa fiel e dedicada?

— Aceito e prometo.
— Qual o símbolo de que o acordo será cumprido e as promessas

respeitadas?

O padrinho e a dama de honra adiantaram-se com as alianças.

Mitch e Lucy as colocaram, nos dedos um do outro. O ministro con-
tinuou:

— Vocês dão e recebem essas alianças como um símbolo de que

cumprirão o acordo e respeitarão as promessas feitas?

— Sim.
— Sim.
— Então, nos termos da promessa solene que fizeram um para o

outro, sacramentada pelo dar e receber das alianças, usando da mi-
nha autoridade como ministro e da autoridade que me foi concedida
pelo grande Estado do Texas, eu os declaro agora marido e mulher.

Mitch e Lucy beijaram-se, sob aclamações e aplausos dos con-

vidados.



25




Os sons de felicidade espalhavam-se por Southfork, o retinir

do gelo nos copos, as explosões de riso e o murmúrio das conver-
sas, a orquestra tocando, os dançarinos se balançando ao compasso
da música. Sue Ellen, vagamente perturbada, a mente repleta de
perguntas sem respostas, invadida por preocupações indefinidas e
temores vagos, estava sentada sozinha a uma mesa, um copo de soda

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ainda cheio na sua frente. Perdera inteiramente todo o senso de
lugar e pessoa, indiferente ao que acontecia ao seu redor. Não viu
Clint Ogden avançar entre a multidão e parar ao lado da mesa. Só
vagamente é que tinha consciência da presença perturbadora tão
perto. Até perto demais.

— Um níquel pelos seus pensamentos.
As palavras provocaram um sobressalto em Sue Ellen e ela fez

um tremendo esforço para dominar sua confusão emocional. Levantou
os olhos para fitá-lo, como se estivesse contemplando um estranho,
demorou um pouco para situá-lo na história particular que era a
sua vida.

— Oh, é você...
Ele inclinou-se.
— Será que J.R. teria alguma objeção se eu a tirasse para dan-

çar?

O medo irrompeu em Sue Ellen, mas foi rapidamente controlado e

ela pôde exibir uma expressão calma e confiante.

— Prefiro continuar sentada aqui, se não se importa.
— Claro que me importo, Sue Ellen. — Clint estava sorrindo. —

Afinal, temos muito tempo perdido a recuperar.

— Acho que você tem razão. Sendo assim, fique sentado comigo.
Ele puxou uma cadeira e sentou-se.
— Quem começa? Ora, não importa. Como sei de tudo a seu res-

peito, vou falar sobre mim.

Uma muralha defensiva invisível ergueu-se diante de Sue Ellen.
— O que está querendo dizer ao falar que sabe de tudo a meu

respeito?

Havia um brilho malicioso nos olhos de Clint.
— Só porque me rejeitou em favor de J.R., isso não significa

que eu tenha perdido o interesse por você. Ficou fácil acompanhar
suas atividades depois que casou com um Ewing. Todos os jornais
estão permanentemente de olho nesta família.

Havia mais verdade nessa declaração do que Sue Ellen gostaria

de admitir. A vida como uma Ewing muitas vezes significava a vida
num aquário. Era preciso articular um pouco de intimidade, fazer
planos para resguardá-la. Mesmo assim...

— Não deve acreditar em tudo o que lê.
— E não acredito. Examino principalmente as fotografias. E o

que essas fotografias mostram... de Miss Texas para Madame
Southfork, esposa e mãe dedicada, adorada por todos que a co-
nhecem.

— A grande história americana de sucesso — disse Sue Ellen,

secamente.

— E pensar que eu poderia tê-la afastado de tudo isso...
— Como assim?
Clint acenou com a mão, indicando o rancho.
— Não poderia lhe proporcionar nada tão grandioso. Mas Passei

cinco anos no Japão. Você teria gostado de lá.

— Por que o Japão?
— Estava aprendendo para formar uma companhia de instrumentos

eletrônicos.

— É isso o que está fazendo?
— Computadores, relógios, coisas assim.

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— Tem a sua própria companhia?
Clint levantou-se e estendeu a mão.
— Se quiser saber mais, terá de dançar comigo para descobrir.
— E se eu disser não?
— Nunca vai perdoar a si mesma.
— Tem levado uma vida emocionante, não é mesmo? — disse Sue

Ellen, em tom de flerte.

— Vamos dançar?
Ela pegou na mão estendida e Clint levou-a para a pista de

dança. Depois de alguns passos contrafeitos, Sue Ellen entregou-se
à música, chegando mais perto dele, os rostos se encostando. A mão
de Clint nas costas dela era forte e decidida, como se ele soubes-
se exatamente o que estava fazendo, para onde estava indo. Sue El-
len perguntou a si mesma: o que aconteceria se o acompanhasse?



26




— Ray!
Ray Krebbs, a caminho do bar mais próximo, virou-se ao ouvir o

seu nome. Ali perto estavam Gary, Valene, Miss Ellie e Jock. Fora
Gary quem o chamara. Ray estendeu a mão.

— Gary, Val, como é bom tornar a vê-los! Estão muito bem, com

uma aparência fantástica. O lugar está tão apinhado que eu ainda
não tive a oportunidade de cumprimentá-los. Meus parabéns. Lucy
foi uma noiva linda.

— Concordo plenamente — declarou Val, com orgulho maternal.
— Não sei se é ocasião ou o lugar apropriados — disse Gary —

mas quero lhe dar as boas-vindas à família.

Ray olhou para Jock, que explicou:
— Contei a Gary e a Val ontem à noite.
Valene pegou a mão de Ray.
— Estamos ambos felizes por você, Ray. E queremos que tudo lhe

corra bem.

Ray sorriu timidamente.
— Ainda estou me acostumando à idéia. Mas a família inteira

está me fazendo sentir muito bem.

— Pois vou lhe dizer quem está mais satisfeito — comentou

Gary. — Sou eu.

— Por quê? — indagou Miss Ellie, cautelosamente, como se a

conversa representasse uma ameaça direta ao seu bem-estar.

— Mamãe, sei como você sempre se sentiu em relação a

Southfork. O quanto o rancho significa para você. E sempre compre-
endi a sua atitude. Mas agora que descobrimos que Ray é também um
Ewing... ora, o rancho não poderia estar em melhores mãos. A ver-
dade é que posso continuar na Califórnia e saber que tudo está
sendo muito bem cuidado por aqui.

Valene concordou.
— Isso certamente nos alivia da tensão.

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Ray respondeu muito sério:
— Não precisa se preocupar, Gary. Sempre cuidarei bem de

Southfork. Adoro o rancho.

Sob o bronzeado, Miss Ellie empalideceu. Será que aquela era a

maneira de Gary anunciar que estava novamente de partida? E desta
vez para sempre? Ela precisou de toda a sua autodisciplina para
manter o controle.

— Estarei de volta num instante — disse ela. — Quero verificar

se não está faltando coisa alguma.

Jock ficou observando-a se afastar, um tanto inquieto com a

partida brusca. Depois de tantos anos de vida em comum, ele estava
sintonizado com as mudanças de ânimo de Miss Ellie. O que poderia
estar perturbando-a agora, especialmente numa ocasião tão feliz?

Valene estava dizendo:
— Quando falou que todos deram boas-vindas à sua entrada na

família, Ray, estava incluindo J.R.?

Ray sorriu, mexendo com os pés.
— Bom, ele está tentando...
— Já é alguma coisa — comentou Gary.
— A verdade é que J.R. e eu quase nunca nos encontramos — con-

tinuou Ray. — Ele é um homem que está sempre ocupado, principal-
mente com a Ewing Oil. Ou pelo menos estava, até que Bobby assu-
miu.

JR., em sua própria cama, nu e coberto de suor, rolou na cama

e ficou estendido de costas, os olhos fechados, um braço sobre o
rosto, como se quisesse assim excluir qualquer presença indevida,
o peito arfando muito forte.

Ao seu lado estava Afton, também nua, mas agora calma e rela-

xada, com uma expressão de prazer imenso no rosto infantil. Ela
sentou-se na cama e virou-se para J.R., os seios cheios sem caí-
rem, o corpo inteiro sem uma prega, parecendo uma estátua de már-
more esculpida por um mestre romano.

— Você é um homem e tanto, J.R. Ewing.
Ele manteve os olhos fechados.
— Fico contente que me aprove, mocinha. E permita-me fazer-lhe

um elogio. Tudo o que você faz, é com rara e excepcional habilida-
de.

— Pode ser o que eu faço melhor.
— Quanto a isso, não tenho a menor dúvida.
— Isso é uma crítica?
— Ao contrário.
— Você foi muito bom para mim, J.R.
— É um prazer ouvi-la dizer isso.
— Jamais conheci um homem como você.
— Como assim?
— Você é melhor para mim do que...
— Do que todos os rapazes lá em sua terra?
— Não foram tantos assim.
— Quantos foram?
— Nunca contei.
— Ou não pode contar tão alto?
— Está sendo sórdido comigo, J.R.
— Não tive más intenções, meu bem.

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— Estou apenas tentando dizer que você... é diferente.
— Diferente como?
— Percebi logo na primeira vez em que nos encontramos. Você é

um homem que sempre consegue o que quer.

— Eu tento.
— O que vai acontecer agora?
— Não estou gostando muito do rumo da conversa, Afton.
— Só estou querendo saber para onde vamos agora.
— Agora, vamos voltar para a festa. Não vamos querer que sua

mãe e minha mulher comecem a fazer perguntas sobre o lugar em que
estamos e o que fazemos.

— O que eu estava querendo saber é o que faremos daqui por di-

ante.

— Daqui por diante? Você e sua mãe voltarão ao Mississippi, o

lugar em que vivem e ao qual pertencem, meu bem. Mas o velho J.R.
vai lhe dar um lindo presente de despedida. Pode contar com isso

Ele saiu da cama e seguiu apressadamente para o banheiro.
Afton levantou-se e vestiu a calcinha, murmurando:
— Talvez acabemos voltando ao Mississippi... e talvez não.


Quinze minutos depois, Sue Ellen entrava em seu quarto. Não

havia o menor sinal de J.R. em qualquer parte. Uma tênue fra-
grância de perfume ainda pairava no ar, um aroma estranho e desa-
gradável. Certamente era um perfume que não lhe pertencia. Sue El-
len foi até a cama e examinou-a, a colcha estendida sobre os tra-
vesseiros, impecavelmente. Com um movimento brusco, ela puxou a
colcha. O lençol estava todo amarrotado, ainda quente ao contato.
Era evidente que a cama fora usada e recentemente. Sue Ellen em-
pertigou-se, os olhos apáticos, a boca contraída. E ela disse, em
voz alta:

— Então o verdadeiro J.R. voltou para casa.



27




Gary e Lucy estavam dançando. Por algum tempo, nenhum dos dois

disse nada... até que Lucy levantou o rosto para fitá-lo.

— Esta é a primeira vez que danço com você, papai.
— Não é, não. Quando você era pequena, eu costumava dançar com

você todas as noites. Era muito difícil dançar ao som de Rockaby
Baby.

Lucy soltou uma risada.
— Não me lembro.
— Muito tempo se passou entre as danças, muito tempo se passou

desde que a deixei.

— Quer saber de uma coisa? Durante todo o tempo em que eu es-

tava crescendo, sem que você e mamãe estivessem aqui, sonhei com o
dia de hoje, em avançar para o altar no seu braço, com mamãe as-

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sistindo. Devo ter sonhado umas dez mil vezes com isso. Só que ho-
je é real.

— E correspondeu aos seus sonhos, Lucy?
— Foi melhor ainda. Porque é real. E você gosta de Mitch. E

ele gosta de você. E voltamos a ser uma família.

— Tem razão. E quero que continuemos assim, daqui por diante.

Só que sua mãe e eu continuaremos a viver na Califórnia.

— Não importa onde vocês vivam ou onde eu esteja, contanto que

não estejamos mais fugindo uns dos outros.

— Não estamos e nunca mais tornaremos a fugir.


Bobby estava sentado sozinho a uma mesa, imerso em seus pensa-

mentos, quando ouviu gritarem seu nome. Levantou os olhos e depa-
rou com a mulher parada à sua frente, em companhia de um homem
atraente, um pouco mais velho do que ela, um homem sofisticado e
confiante.

— Bobby... — murmurou Pam.
— Olá — disse ele, sem fazer qualquer menção de se levantar.
— Já conhece Alex Ward? Alex, esse é meu marido, Bobby Ewing.
Houve uma troca de cumprimentos.
— Sua esposa é uma excelente dançarina — comentou Alex.
— Acho que sim.
— E muito eficiente em seu trabalho. Já fizemos várias coisas

juntos.

— Tenho certeza de que ela é mesmo muito boa — disse Bobby,

distraidamente.

— É, sim.
Alex estava meio constrangido, sem saber como se comportar na-

quela situação difícil. Ele fez mais alguns comentários conveni-
entes, depois pediu licença e desapareceu na multidão. Pam chegou
mais perto de Bobby.

— Gostaria de dançar com uma excelente dançarina?
— Agora não.
— Importa-se que eu dance com Alex?
— Claro que não. Pode ir.
A raiva dela concentrou-se na garganta.
— Importa-se que eu vá para a cama com Alex?
As palavras penetraram até um lugar profundo e sensível e

Bobby reagiu bruscamente:

— De que diabo está falando?
— Estava apenas especulando. Queria saber o que era capaz de

atrair sua atenção.

— Não agora, Pam.
— Quando então? À noite, você está muito cansado ou muito em-

briagado para conversar. Durante o dia, você está trabalhando.
Quando, Bobby?

— Não hoje. Especialmente hoje, entre todos os dias do mundo,

não estou com a menor disposição de brigar com você.

— É uma pena, porque eu estou com a maior disposição para uma

briga. Pelo amor de Deus, Bobby, vamos resolver tudo logo de uma
vez!

Ele levantou-se.

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— Vá dançar, Pam. Tenho de encontrar J.R. e papai.


J.R. estava conversando com Afton e Arliss quando Bobby se

aproximou.

— J.R., sabe onde papai está?
— Em algum lugar aqui por perto, se não me engano.
— Pois vamos procurá-lo. Tenho algo que preciso dizer imedia-

tamente.

J.R. sorriu insinuantemente para a Sra. Cooper e Afton.
— Devem perdoar meu irmão. Há ocasiões em que ele esquece que

existem coisas como boas maneiras. Com licença. E ele seguiu
apressadamente atrás de Bobby.



Ray virou-se do bar e descobriu-se frente a frente com Donna

Culver. Mais uma vez, ele ficou impressionado com a beleza madura
dela, as feições clássicas, emolduradas pela massa de cabelos dou-
rados. Todas as suas fantasias se consumavam naquela mulher alta e
esbelta.

— Miss Ellie acha que você e eu devemos ficar juntos, Ray.
— Ela é uma romântica. Já me disse a mesma coisa.
— Acho que tem razão. O que você disse a ela?
— A mesma coisa que lhe falei, Donna, a respeito do cow-boy e

da política. É uma combinação que não pode dar certo.

— Você insiste em dizer isso.
— Porque é verdade.
— Parece uma profecia para mim. E como não me deixa chegar

perto de você, então passa a ser verdadeira.

— Fico tonto só de tentar acompanhar esse raciocínio.
Donna contemplou-o tristemente.
— Lembra-se do dia em que fui lhe falar sobre Cliff e eu... em

sua casa?

— Claro que lembro.
— Eu disse que queria que você soubesse por meu intermédio.
— E fiquei agradecido por isso.
— Uma ova que ficou. Mas vou lhe dizer uma coisa, Ray Krebbs:

se acreditou nisso, então é capaz de acreditar em contos de fadas.
Eu não estava me importando absolutamente de quem você soubesse ou
mesmo se soubesse. O que eu queria era que você me visse, reavi-
vasse a paixão, me dissesse para esquecer Cliff, pois pertencíamos
um ao outro. Mas você não falou nada disso.

— Não porque eu não quisesse.
— Acho que o porquê não tem mais importância, Ray. Quer saber

de uma coisa? — Ela exibiu um sorriso triste. — Estou convencida
de que os poetas estão enganados.

— Como assim?
— O amor não conquista tudo.


Alex e Pamela estavam dançando, os corpos colados. Ele murmu-

rou no ouvido dela:

— Posso compreender amá-la, posso compreender odiá-la. O que

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não posso compreender é a falta de interesse do seu marido.

— Também não posso.
— E como se sente em relação a isso?
— Não tenho certeza se tem mais qualquer importância.
O braço de Alex contraiu-se, na cintura dela.
— Ótimo. Vamos tomar um drinque, Pam, e conversar para onde

iremos depois.

— Vamos a algum lugar, Alex?
— Claro.
— Para onde?
— Acapulco? Honolulu? Paris? Pode escolher, contanto que não

haja nenhum Ewing por perto. A não ser você.

— Vou pensar a respeito.


Formavam um triângulo humano tenso e furioso no meio da sala

de estar, Jock, J.R. e Bobby.

— Mas que diabo, Bobby! — resmungou Jock. — Por que me tirou

da festa dessa maneira?

— Parece que Bobby está com um problema, papai — comentou

J.R., suavemente.

— É mesmo, Bobby? Pois diga logo o que o está atormentando,

rapaz.

— Está bem, papai. Quero sair da Ewing Oil.
— De que diabo está falando?
— A companhia é toda sua, J.R.
Jock levantou a mão imensa.
— Ei, espere um pouco!
— Quero sair — repetiu Bobby. — Quase que fiz hoje uma coisa

da qual nunca mais poderia me perdoar, pelo resto da vida.

— Quase? — disse J.R. — Está querendo dizer que não chegou a

assinar os contratos com a West Star?

— Sabia disso também, J.R.? Mas isso não me surpreende real-

mente.

J.R. disparou as palavras como se fossem balas:
— Transformei a Ewing Oil numa potência porque sabia de tudo o

que acontecia em Dallas. E ainda sei. É o único modo de se dirigir
uma empresa vitoriosamente.

— Talvez você esteja certo — disse Bobby. — Talvez não se im-

porte nunca com as pessoas. Mas acontece que eu me importo. E que-
ria que a Ewing Oil continuasse a prosperar, de uma maneira corre-
ta. Só que depois de algum tempo os negócios começaram a se tornar
mais importantes do que as pessoas. Passei a dizer a mim mesmo que
fazia as coisas pelos motivos certos. Estava mentindo para mim
mesmo e não poderia continuar assim eternamente. Não podia conti-
nuar a fingir que qualquer coisa que fosse boa para a Ewing Oil
era apropriada e correta. Não é e nunca foi, nunca será.

— Fale apenas por si mesmo, irmão — disse J.R. asperamente.
— Está certo. Não sou feito para as manobras escusas, mentiras

e imposturas, para as dissimulações constantes. Não quero mais sa-
ber disso, não importa qual seja o propósito.

J.R. interveio, pronto para lançar o seu trunfo:
— Se não assinou com a West Star, então não arrumou o dinhei-

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ro. E sem esse pagamento, não pode concluir a transação com Jordan
Lee e o cartel. Não apenas isso... ainda lhes devemos dez milhões
de dólares. Um dinheiro que não temos, graças a você.

— Isso é verdade? — indagou Jock. — Rompeu a palavra com o

cartel, Bobby?

— Procurei Jordan e expliquei por que não podia continuar no

negócio. Mas promovi um contato dele com Nick Hammon Oil. Nick as-
sumiu a nossa parte no investimento, com plena aprovação do car-
tel. Nossa situação junto ao cartel é muito boa, pelo menos até
eles descobrirem que J.R. está de volta ao comando.

— Você deve ter perdido o juízo, Bobby — explodiu J.R. — Está

nos fazendo perder milhões em lucros.

— Tenho certeza de que você encontrará um meio de recuperar

tudo, J.R. É muito bom nesse tipo de coisa... muito melhor do que
eu.

J.R. começou a saborear o fruto da vitória, que podia ser um

pouco amargo, mas mesmo assim era intensamente satisfatório para a
sua fome insaciável.

— Se isso não causou um mal irremediável. Quase levou a compa-

nhia à falência e agora espera que eu a salve.

Jock estava ficando furioso e foi o que disse, fazendo com que

os dois filhos se calassem.

— De que vocês estão falando? Não há nada de errado com a com-

panhia. Temos uma refinaria, algo que sempre desejamos antes. Vol-
tamos a manter relações com o cartel. Bobby, estou.orgulhoso da
maneira como você se comportou... mostrando às pessoas que o nome
Ewing representa alguma coisa. Você é um homem de bem, um ótimo
filho e eu respeito a sua decisão. Acho que sua mãe gostaria de
saber disso e o mais depressa possível.



Sue Ellen comprimiu-se contra Clint Ogden enquanto dançavam.

Não conseguia esquecer a cama usada, violada pela mulher, quem
quer que fosse, que J.R. se atrevera a levar até lá. E ela descon-
fiava de que sabia exatamente quem fora. Fez um esforço para lan-
çar tudo isso a um recesso profundo de sua mente.

— Adoro a sua maneira de dançar, Clint... a maneira como me

aperta.

— Muitos anos se passaram, Sue Ellen, mas tenho a sensação de

que foi ontem que nos encontramos pela última vez.

— Foram bons tempos, talvez os melhores que já tive.
— Passei muito tempo pensando em você, desejando que as coisas

tivessem acontecido de maneira diferente.

— Como sabe que a última página já foi escrita?
Ele fitou-a nos olhos.
— Sue Ellen... estou casado.
Ela sorriu, um sorriso vago.
— Não estamos todos?
Ela contraiu o braço que o enlaçava pelo pescoço, tentando não

pensar em qualquer outra coisa ou qualquer outra pessoa.



Jock foi encontrar Miss Ellie sozinha, observando o que acon-

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tecia ao redor com uma expressão benevolente de aprovação.

— Miss Ellie, tenho notícias maravilhosas.
— É mesmo?
— Bobby quer entregar a companhia de volta a J.R. Mas ele vai

continuar aqui... em Southfork.

Ela não demonstrou a menor reação, o que deixou Jock surpreso,

levando-o a pensar que alguma coisa estava errada.

— Pensei que isso a deixaria feliz.
— Jock, acredita realmente que eu me importo com quem esteja

dirigindo a Ewing Oil? Será que não entende o que aconteceu?

Ele sacudiu a cabeça, aturdido.
— Não, Miss Ellie, não estou entendendo.
— Perdi meu filho Gary para sempre. Com o seu Ray Krebbs cui-

dando de Southfork, Gary nunca mais voltará. Não resta mais qual-
quer lugar para ele aqui.

— É justamente isso o que Gary quer.
— É a única opção que lhe resta. Tudo está sob os cuidados de

Ray Krebbs, que não tem uma única gota de sangue Southworth. Um
estranho tomando conta do rancho de meu pai. Você sabia o quanto a
volta de Gary significava para mim. Mas isso não fez a menor dife-
rença para você. Nunca o perdoarei pelo que você fez a Gary e a
mim. Você e Ray Krebbs!

Miss Ellie afastou-se, empertigada, uma mulher orgulhosa e fu-

riosa, deixando para trás um Jock Ewing aturdido e abalado.

Ele mal percebeu os gritos excitados que se elevaram ao seu

redor.

— Lá estão eles!
— Estão indo embora!
— Feliz lua-de-mel!
Lucy e Mitch, usando as roupas de viagem, correram para o car-

ro. Momentos depois, alcançavam rapidamente o caminho que os leva-
va para longe de Southfork.

Sue Ellen e Clint Ogden ficaram observando a partida dos re-

cém-casados, o braço dela enlaçando a cintura dele, possessiva-
mente. O mesmo acontecia com Pam e Alex Ward. Donna Culver estava
desolada, desesperada, solitária. A uns dez metros de distância,
Ray Krebbs também estava sozinho, também se sentia infeliz. Miss
Ellie, à beira das lágrimas, os dedos entrelaçados, sabia que per-
dera a neta, além do filho. O rosto de Jock estava mal-humorado e
ressentido. Gary e Valene acenavam com alegria e otimismo. Bobby,
aliviado pela decisão que tomara, estava convencido de que todos
os seus problemas haviam acabado. J.R., com um copo na mão, os lá-
bios contraídos num arremedo de sorriso, não tinha certeza se ga-
nhara ou perdera, mas estava determinado a fazer com que todos os
amanhãs fossem triunfantes.

Bobby foi avançando pela multidão até o lugar em que Pam esta-

va, em companhia de Alex Ward. Ele pegou-a pela mão, puxando-a pa-
ra longe de Alex.

— O que está fazendo? — protestou ela, lançando um olhar para

Alex.

— Algum problema, Bobby? — indagou Alex, sem saber como deve-

ria agir.

— Não se importa que eu converse com minha mulher, não é mes-

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mo?

Ele continuou a se afastar com Pam e a resposta de Alex se

perdeu no burburinho da festa.

— O que pensa que está fazendo? — disse Pam, tentando se des-

vencilhar, enquanto Bobby a levava para o interior da casa, até o
estúdio.

— Tenho muita coisa para lhe dizer, Pam. O mais importante, no

entanto, é que acabei de renunciar à presidência da Ewing Oil, re-
clamando a minha vida de volta.

— Oh!
— E agora tenciono recuperar também minha mulher, se não for

tarde demais.

Ela fitou-o nos olhos.
— Pode tentar e veremos o que acontece.
— Então não é tarde demais?
— Vamos ambos tentar — murmurou Pam. — Vale a pena tentar sal-

var o que já tivemos, e estou disposta a correr o risco.

— Tudo o que lhe peço é que me dê uma chance.
Uma chance... Ela podia oferecer-lhe isso, oferecer também a

si mesma. Uma chance por tudo com que sonhara ter e fazer, para
uma vida proveitosa e feliz. Ela levantou o rosto e Bobby beijou-
a. Um encontro dos lábios, hesitante e rápido, um fim e um começo,
um fim para o que passara... e um começo para o resto de suas vi-
das.

* * *

Revisão: Argo –

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