Fragmentos de um diário inexistente - IX
Sempre escrevendo
Escrevo sempre, e acho muito importante escrever. Se pudesse dar um conselho,
diria a todo mundo: escreva. Seja uma carta, ou um diário, ou algumas anotações
enquanto fala ao telefone - mas escreva.
Se vocÄ™ quiser entender melhor seu papel no mundo, escreva. Procure colocar sua
alma por escrito, mesmo que ninguém leia - ou, o que é pior, mesmo que alguém
termine lendo o que vocę nćo queria. O simples fato de escrever nos ajuda a
organizar o pensamento e ver com clareza o que nos cerca. Um papel e uma caneta
operam milagres - curam dores, consolidam sonhos, levam e trazem a esperança
perdida.
A palavra tem poder. A palavra escrita tem mais poder ainda.
Gibran e os sentidos
Estamos acostumados com a velha desculpa: embora saibamos que nosso coraçćo
conhece a melhor decisćo a tomar, nunca seguimos o que ele diz. Para compensar
nossa covardia, terminamos nos convencendo de que ele estava enganado. Uma bela
história de Gibran ilustra até onde nos podem levar as limitações.
O Olho disse:
- Vejam que bela montanha temos no horizonte!
O Ouvido tentou escuta-la, mas nćo conseguiu. A Mćo falou:
- Estou tentando toca-la, mas nćo a encontro.
O Nariz foi conclusivo:
- Nćo existe montanha, pois nćo sinto seu cheiro.
E todos chegaram a conclusćo de que o Olho estava enganado.
O peso da pluma
Ä„s vezes nos irritamos com reações exageradas de nosso próximo. Fazemos um
pequeno comentário, uma brincadeira - e eis que a pessoa chora, ou torna-se
agressiva demais conosco.
Uma lenda do deserto conta a história de um homem que ia mudar-se de oásis, e
começou a carregar seu camelo. Colocou os tapetes, os utensílios de cozinha, os
baśs de roupas - e o camelo aguentava tudo. Quando ia saindo lembrou-se de uma
linda pena azul que seu pai lhe tinha presenteado.
Resolveu pega-la, e a colocou em cima do camelo. Neste momento, o animal
arriou com o peso, e morreu.
“Meu camelo nćo aguentou o peso de uma pena", deve ter pensado o homem. Ä„s
vezes julgamos da mesma maneira o nosso próximo - sem entender que nossa
brincadeira pode ter sido a gota que transbordou a taça do sofrimento.
Quero agradecer pelo assalto
Matthew Henry é um conhecido especialista em estudos bíblicos. Certa vez,
quando voltava da Universidade onde leciona, foi assaltado. Naquela noite, ele
escreveu a seguinte prece:
Quero agradecer, em primeiro lugar, porque eu nunca fui assaltado antes.
Em segundo lugar, porque levaram a minha carteira, e deixaram a minha vida.
Em terceiro lugar, porque, mesmo que tenham levado tudo, nćo era muito.
Finalmente, quero agradecer porque eu fui aquele que foi roubado, e nćo aquele
que roubou.
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