Ao maior de todos
Aproveitando-me do fato que esta coluna é publicada em diversos países, quero
abrir espaço para falar da minha experiÄ™ncia pessoal com o maior escritor
brasileiro vivo: Jorge Amado. Quem nćo leu, e quer entender bem a alma do nosso
povo, saia correndo agora e compre um de seus livros.
A seguir, tres momentos onde nossos destinos se cruzaram.
Atravessando a Av. Copacabana
Eu tinha editado, com meus próprios recursos, um livro chamado “Os Arquivos do
Inferno" (do qual muito me orgulho, e se nćo está atualmente nas livrarias é
unicamente porque ainda nćo me atrevi a fazer uma revisćo completa do mesmo).
Todos nós sabemos o quanto é difícil publicar um trabalho, mas existe algo
ainda mais complicado: fazer com que ele seja colocado nas livrarias. Todas as
semanas minha mulher ia visitar os livreiros em um lado da cidade, e eu ia para
outra regićo fazer a mesma coisa.
Foi assim que, com exemplares de meu livro debaixo do braço, ela ia
atravessando a Av. Copacabana, e eis que Jorge Amado e Zélia Gattai estćo do
outro lado da calçada! Sem pensar muito, ela os abordou e disse que o marido
era escritor. Jorge e Zélia (que provavelmente deviam escutar isso todos os
dias) a trataram com o maior carinho, convidaram para um café, pediram um
exemplar, e terminaram desejando que tudo corresse bem com minha carreira
literária.
“VocÄ™ é louca!" eu disse, quando ela voltou para casa. “Nćo vÄ™ que ele é o mais
importante escritor brasileiro? “
“Justamente por isso", respondeu ela. “Quem chega onde ele chegou, precisa ter
o coraçćo puro."
O recorte no envelope
As palavras de Christina nćo podiam ser mais acertadas: o coraçćo puro. E
Jorge, o escritor brasileiro mais conhecido no exterior, era (e é) a grande
referęncia do que acontecia em nossa literatura.
Um belo dia, porém, “O Alquimista", escrito por outro brasileiro, entra na
lista dos mais vendidos da França, e em poucas semanas chega ao primeiro
lugar.
Dias depois, recebo pelo correio um recorte da lista, junto com uma carta
afetuosa sua, me cumprimentando pelo feito. Jamais entraria, no coracćo puro de
Jorge Amado, sentimentos como o ciśme.
Alguns jornalistas
brasileiros e estrangeiros - começam a provoca-lo, fazendo
perguntas maldosas. Jorge, em nenhum instante, se deixa levar pelo lado fácil
da crítica destrutiva, e passa a ser meu defensor em um momento difícil para
mim, ja que a maior parte dos comentários sobre meu trabalho era muito dura.
O desespero de Anne
Recebo finalmente meu primeiro prÄ™mio literário no exterior
mais
precisamente, na França. Acontece que, no dia da entrega, estarei em Los
Angeles por causa de compromissos assumidos anteriormente. Anne Carriére, minha
editora, fica desesperada. Fala com os editores americanos, que se recusam a
abrir mćo das minhas conferÄ™ncias já programadas.
A data do prÄ™mio chegando, e o premiado nćo poderá ir; o que fazer? Anne, sem
me consultar, liga para Jorge Amado e explica a situaçćo. Na mesma hora, Jorge
se oferece para me representar na entrega do pręmio.
E nćo se limita a isso: telefona para o embaixador brasileiro e o convida, faz
um lindo discurso, deixa todos os presentes emocionados.
O mais curioso de tudo isto, é que eu só iria conhecer Jorge Amado pessoalmente
quase um ano depois da entrega do pręmio. Mas sua alma, ah, essa eu aprendera a
admirar como como eu admiro seus livros: um escritor famoso que jamais despreza
os principiantes, um brasileiro que fica contente com o sucesso de seus
conterrâneos, um ser humano sempre pronto a ajudar quando lhe pedem algo.
Obrigado, Jorge. Que o mundo cada vez conheça melhor seu trabalho, porque ele
foi escrito com o talento de um gęnio - por um homem de bem.
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