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A hermenêutica simbólica como possibilidade epistemológica
para o estudo do espaço teatral
Ismael Scheffler
RESUMO:
A hermenêutica simbólica, estudada a partir do Círculo de Eranos, traz à discussão uma abordagem teórica que se contrapõe ao domínio da racionalidade científica (logos) nas análises dos fenômenos culturais, ao mesmo tempo em que pretende complementar as formas de compreensão do mundo, reconectando-as com as questões subjetivas (simbólicas e míticas). O estudo sobre o espaço teatral pode encontrar importante campo de exploração sob o fundamento eraniano.
PALAVRAS CHAVES:
1. hermenêutica simbólica
2. teatro sagrado
3. espaço teatral
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Ao longo do século XX, o espetáculo teatral começou a ser teorizado e estudado, sendo cada vez mais compreendido como um objeto distinto do texto dramático. Essa compreensão da encenação como um campo de pesquisa se dá a partir da contribuição da semiótica; ela reconhece que o signo básico do teatro não é a palavra, e que o teatro deve ser entendido como polissêmico, não havendo no ato teatral uma unidade sígnica estática única.
Relativamente paralelo a este processo, alguns teatristas desenvolveram suas experiências e estudos buscando um teatro que tivesse como proposta "a integração do público e a ação, a resistência à linguagem como meio primário de comunicação, a busca de estados de transe ativos e o 'rechaço à estrutura e lógica sintáticas burguesas'" (INNES). O chamado teatro sagrado despertou novas discussões no meio. Lançou não apenas propostas estéticas ou políticas, mas se debruçou sobre uma natureza mais simbólica e mítica.
Enquanto Antonin Artaud desenvolvia seus escritos em meados da década de 30, um grupo de pesquisadores se articulava em Ascona, Suíça, assumindo uma composição interdisciplinar de caráter filosófico-científico: o Círculo de Eranos.
Este grupo foi composto por várias gerações de estudiosos de diversas áreas: antropólogos, psicólogos, fenomenólogos, mitólogos, orientalistas, entre outros, provindos de diversos países, especialmente europeus. Realizando conferências anuais, reuniu-se de 1933 a 1988, tendo publicado 57 volumes sobre seus encontros: os Anuários ou Jahrbücher.
Na origem de Eranos, encontra-se três personalidades que conferiram igualmente uma tridimensionalidade cultural aos estudos da hermenêutica simbólica, que nos ajuda a compreender os fundamentos teóricos das pesquisas:
- a fundadora, Olga Fröbe-Kapteyn, a "grande mãe" que instigada por estudos místicos orientais pretendia estabelecer um diálogo entre a cultura ocidental e a cultura oriental.
- Rudolf Otto, considerado o padrinho do grupo, nunca participou das conferências mas influenciou, não apenas batizando como Eranos (palavra grega que significa "comida em comum"), como também emprestando seu método hermenêutico-compreensivo, que baseia-se na interpretação empática da essência vivida. Como fenomenologista da religião dá importante contribuição na elaboração do Círculo.
- Carl G. Jung, considerado o inspirador do grupo, contrapõe seus estudos da psicologia arquetipal à fenomenologia de R. Otto, trazendo assim a hermenêutica das profundidades.
Eranos buscava uma aproximação "cultural" do oriente, considerando-o como "um outro complementar". Compreendendo que a razão não possibilita uma compreensão integral do ser humano, Eranos se propõe a compensar a unilateralidade da razão, confrontando-a com a questão simbólica, na tentativa de confluir o mito e a razão, para chegar a uma visão intermediária e complementar.
Cada pesquisador trabalhava a partir de sua perspectiva específica sobre questões comuns previamente propostas, seguindo todos por correntes paralelas de investigação. A questão do sentido ocupa lugar central em Eranos: o sentido da vida e da existência, a morte, a pergunta pelo divino, a razão em suas capacidades e limites.
Para os pesquisadores eranistas, o significado simbólico surge somente a partir da experiência vivida, na relação direta, sentida, na epifania, na revelação.
Embora não tenha sido um membro do Círculo, Ernest Cassirer - filósofo neo-kantiano assumido - também estará em sintonia com o grupo reconhecendo no ser humano a capacidade de simbolização e sua natureza inerente ao homem, definindo-o não como o "animal racional" de Aristóteles, mas como o "animal simbólico".
Conforme Gilbert Durand, o símbolo se dá através de uma imagem concreta que evoca e sugere um significado impossível de se compreender diretamente. É através do símbolo que se dá a epifania, a transcedência, através de uma projeção do subjetivo sobre o objetivo, não sendo de forma alguma racional; ocorre na intimidade da alma, não se reduzindo a comunicação ou transmissão de um saber pré-estabelecido.
G. Durand também destaca que o símbolo excede em significação, possuindo pluridimensões, não expressando nunca sua totalidade. O símbolo, ambíguo e obscuro, pode evocar qualquer qualidade. E, sendo dotado de um poder de ressonância, só pode ser apreendido na experiência vivida.
O símbolo, que não pode ser compreendido totalmente, é apresentado como anterior à linguagem. Durand destaca que a apreensão da realidade é marcada por interpretação ou simbolização da vivência; daí afirmar-se que a simbolização é anterior ao pensamento racionalizado, objetivo. A imagem simbólica se forma antes de qualquer conceito ou conhecimento objetivo, já que este é elaborado depois da experiência. Assim, afirma Durand, encontramos a capacidade imaginativa não como uma capacidade inferior à razão e à linguagem elaborada, mas na origem destas, anterior a elas.
Se por um lado o símbolo se dá através de uma imagem, é no mito que este se organiza em uma dimensão dinâmica em forma de relato, formando uma linguagem mítica. O mito é assim um esboço da racionalização, pois, utilizando o discurso, transforma símbolos em palavras. No entanto, o mito não pode ser traduzido ou explicado, pois com isto se realiza a redução dele. O mito pode ser compreendido através das redundâncias, das repetições dos mitemas (unidades mínimas do mito), tanto em sua estrutura interna própria, quanto na correlação de mitemas presentes em outros mitos. Para a análise de mitos, G. Durand elabora a sua mitocrítica e a mitoanálise.
K. Hübner, trabalhando sobre a relação mito e logos, define o papel do sujeito. Ele aponta que na experiência mítica, a relação é viva e direta, havendo uma interpenetração mútua entre sujeito e objeto. Na relação mítica não há distinção entre o mundo objetivo e o numinoso (termo que R. Otto utiliza para definir a consciência do sagrado, inspirador de admiração e temor). A ontologia é fusional ou vinculativa. Esta experiência pode se dar tanto em ações físicas quanto em ações interiores, fisicamente menos dinâmicas.
Na ciência, no logos, há a separação entre sujeito e objeto. O objeto é visto somente como material, dando-se as relações dentro de um tempo e um espaço específicos. A ontologia aqui é separadora ou distingüidora, baseada na razão.
É dentro dos ritos que os mitos são revividos, reencontrados, celebrados, realizados. Todo rito, como o símbolo, se dá em um espaço e um tempo que são eminentementes relação. O rito reunifica tempo e espaço provocando uma sincronicidade, uma simultaneidade com o acontecimento original, o eterno retorno.
Entre os pesquisadores da hermenêutica simbólica, encontra-se Mircea Eliade, cientista da religião, que analisa as diferenças entre o espaço sagrado e o espaço profano. Ele aponta estas duas modalidades, sagrado e profano, como diferentes situações existenciais, diferentes maneiras de ser no Mundo. O espaço sagrado não é homogêneo, ele é dotado de um valor qualitativamente diferente, forte, significativo. O espaço profano é o espaço geométrico, matematicamente homogêneo. Eliade destaca que a hierofania, como chama a revelação do sagrado, evidencia valores e define pontos de referência de uma realidade absoluta, fundando um novo mundo.
Gilbert Durand, que estuda a questão simbólica também na arte, afirma que na criação de uma obra literária existe a instalação de um universo exemplar, que possui suas leis e organização, dotado de uma carga mítica. Mais que uma simples visão de mundo, a arte articula valores mitológicos. Todo objeto artístico se propõe em sua elaboração a romper com o tempo cronológico e a homogeneidade espacial.
Todo espetáculo teatral é sempre fundação de um universo exemplar, com tempo e espaço distinguíveis do cotidiano. Entre os espetáculos cênicos podemos, contudo, reconhecer diferentes intensidades simbólicas, percebendo em alguns uma capacidade de proporcionar experiências mais hierofânicas, com a vivência de realidades mais arrebatadoras, remetentes à origem ontológica do mundo.
No livro O teatro e seu duplo, Artaud discute a separação que a sociedade faz do mundo espiritual do mundo físico. Propõe um teatro que reunifique o homem, que recupere as raízes humanas do sagrado. Ele critica a racionalidade e acredita que o teatro pode levar o homem a reencontrar-se integralmente. Em seus escritos, critica o domínio prevalecente da palavra no teatro e sugere a utilização de gritos, lamentações, vozes encantatórias, ritmo físico acompanhado de pulsações crescentes e decrescentes, para que se atinjam outros níveis da percepção. Propõe que todo teatro seja vida, experiência, revelação, onde haja uma interpenetração entre o espectador e a cena, de forma que esta o tome como a peste. Nas palavras dele: "uma verdadeira peça de teatro perturba o repouso dos sentidos, libera o inconsciente comprimido, leva a uma espécie de revolta virtual e que, aliás, só poderá assumir todo seu valor se permanecer virtual, impõe às coletividades reunidas uma atitude heróica e difícil" (ARTAUD, p. 24).
O espaço para Artaud é uma exigência do teatro não apenas por que reúne todas as linguagens, mas por que é nele que se dá o encontro entre os homens. Por este motivo, propõe, ao invés de uma sala de espetáculos que separe atores e platéia, que se utilize um lugar único, sem barreiras ou divisões, que aproxime o espectador à cena. Artaud se interessa pelos "subterrâneos" do espaço, mais do que pelas dimensões físicas. Para este autor, o teatro é o local da manifestação da cultura, força motriz e integradora que leva a uma experiência única e simbólica; local da revelação de algo maior, de forças externas semelhantes "às forças da velha magia", que atinjam o inconsciente; "quer fazer florescer o espaço e fazê-lo falar" (FELÍCIO, p. 120).
O lugar cênico para Artaud deveria ser todo ocupado, cercando a platéia para que não houvesse "intervalo nem lugar vazio no espírito ou na sensibilidade do espectador" (ARTAUD, p. 125). Esta interpenetração entre sujeito e objeto tem propostas ao estabelecimento de uma relação mais íntima, não racionalizada, fundindo espectador e cena, de forma com que os limites entre vida e cena tendam a desaparecer.
As propostas artodianas vão muito além de uma estética que se proponha a copiar ou recriar a partir de rituais celebrativos de qualquer tradição ou de mitos arcaicos. Ele quer propor, não uma aparência (ao que se posiciona veementemente contra), mas sim, a reinstituição do rito em nossa cultura ocidental, de forma efetiva, para que a vida possa ser renovada.
Parece-me importante que se reconheça as possibilidades que a hermenêutica simbólica pode trazer para a compreensão do teatro, aspectos que bases teóricas mais estruturalistas calcadas na razão não abarcam. Propostas teatrais que não tem uma preocupação com a linguagem e a comunicação objetivas de uma mensagem, nem com a delineação de uma estética definida, necessitam ser consideradas em associação com áreas de estudos com as quais possuam afinidades.
Ao compararmos os conceitos trabalhados pela hermenêutica simbólica e os termos utilizados pelas formas de teatro sagrado, perceberemos que esta associação pode ser a chave para uma compreensão mais profunda destas propostas teatrais que muito influenciaram e influenciam a forma de se fazer e pensar teatro em nossos dias.
Bibliografia
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
CORBIN, Henry. El tiempo de Eranos. Anthropos Revista Científica, nº 153, Barcelona, 1994.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
FELÍCIO, Vera Lúcia. A procura da lucidez em Artaud. São Paulo, Perspectiva: 1996.
GARAGALZA, Luis. La interpretación de los símbolos: hermenéutica y lenguaje en la filosofía actual. Barcelona: Anthropos, 1990.
------------ . Filosofia e historia en la Escuela de Eranos. Anthropos Revista Científica, nº 153, Barcelona, 1994.
INNES, Christopher. El teatro sagrado: el ritual y la vanguardia. México: Fonde de Cultura Económica, 1992.
ORTIZ-OSÉS, Andrés. El círculo Eranos: origem y sentido. Anthropos Revista Científica, nº 153, Barcelona, 1994.
PALACIOS, Felipe Reyes. Artaud y Grotowski - ¿el teatro dionisiaco de nuestro tiempo? México: Escenologia, 1991.
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------------. Antropologia simbólica: hermenêutica do mito do artista nas artes plásticas. In BULHÕES, Mª. A. & KERN, Mª. L. (org). As questões do sagrado na arte contemporânea da América Latina. Porto alegre: UFRGS, 1997.
VERJAT, Alain (org). El retorno de Hermes: hermenéutica y ciencias humanas. Barcelona: Anthropos, 1989.
A hermenêutica
... humanas e da filosofia. A hermenêutica como técnica de leitura. ... teria
encoberto. Hermenêutica e ciências humanas. - No início ...
www.terravista.pt/ancora/2254/hermneut.htm - 14k
A HERMENÊUTICA
J.-M. BESSE e A. BOISSIÈRE, Précis de philosophie. Paris: Nathan, 1998, p. 52-53
A hermenêutica é a arte de compreender, de interpretar, de traduzir de maneira clara signos inicialmente obscuros. A primeira função da hermenêutica foi entregar aos profanos o sentido de um oráculo. A hermenêutica progressivamente penetrou no domínio das ciências humanas e da filosofia.
A hermenêutica como técnica de leitura
A hermenêutica é, originariamente, uma disciplina filológica, isto é, uma técnica de leitura, orientada para a compreensão das obras da Antiguidade clássica (Homero) e dos textos religiosos (a Bíblia). As operações filológicas de interpretação desenvolvem-se em função de regras rigorosamente determinadas: explicações lexicais e gramaticais, rectificação crítica dos erros dos copistas, etc., e ainda interpretação alegórica e moral destinada a colocar em destaque o carácter de exemplaridade do texto. O horizonte desta técnica é o da restituição de um texto ou de uma palavra, mais fundamentalmente de um sentido, considerado como perdido ou obscurecido. Numa tal perspectiva, o sentido é menos para construir do que para reencontrar, como uma verdade que o tempo teria encoberto.
Hermenêutica e ciências humanas
- No início do século XIX, com o teólogo protestante Friedrich Schleiermacher (1768-1834), assiste-se a uma generalização do uso da hermenêutica. Esta, embora conservando os seus laços privilegiados com os estudos bíblicos e clássicos, visa a partir de agora todo o campo da expressão humana. A atenção está cada vez mais orientada não apenas para o texto mas para o seu autor. Ler um texto, é dialogar com um autor e esforçar-se por reencontrar a sua intenção, é procurar compreender um espírito por intermédio da decifração das obras nas quais ele se exprimiu.
- É, entretanto, com a obra do filósofo alemão Wilhelm Dilthey (1833-1911) que a hermenêutica assume o estatuto de um método de conhecimento especialmente apto para dar conta do facto humano, irredutível em si mesmo aos fenómenos naturais. O texto a interpretar é a própria realidade humana no seu desenvolvimento histórico. Aplicado ao estudo da acção histórica, o acto hermenêutico deve permitir restituir por assim dizer “do interior” a intenção que guiou o agente no momento em que ele tomava tal decisão, e permitir assim alcançar a significação desta acção. Dilthey introduz com efeito um postulado: “A riqueza da nossa experiência permite-nos imaginar, por uma espécie de transposição, uma experiência análoga exterior a nós e compreendê-la...”. Se nos é possível compreender o outro, é porque temos a possibilidade de imaginar a sua vida interior a partir da nossa, por uma transposição analógica.
A hermenêutica como situação humana
O filósofo alemão Hans Georg Gadamer (nascido em 1900) mostra, em Verdade e Método (1ª ed., 1960), que a interpretação, antes de ser um método, é a expressão de uma situação do homem: o intérprete que aborda uma obra está já situado no horizonte aberto pela obra (é o “círculo hermenêutico”). A interpretação é antes de mais a elucidação da relação que o intérprete estabelece com a tradição de que provém.
DA EXEGÉSE À EXISTÊNCIA
O sentido da hermenêutica cristã
A hermenêutica cristã atribui-se a tarefa de restituir o sentido oculto da Bíblia. É assim que, a partir da Idade Média, se constitui a distinção de quatro níveis de significação, cuja exegese deve permitir aos fiéis aceder a uma verdadeira compreensão da mensagem divina:
- o sentido literal, ou sentido histórico, que circunscreve a significação primeira das palavras e estabelece os dados factuais;
- o sentido alegórico, onde se restitui o conteúdo espiritual escondido sob a letra, onde se revela que os textos sagrados dizem uma coisa diferente da que dizem à primeira vista;
- o sentido tropológico, ou moral, impõe-se a partir do momento em que a Bíblia é escolhida como livro de vida, quer dizer, orientado para a conversão do coração;
- o sentido anagógico, ou místico, que reenvia para o movimento da alma em direcção à transcendência, para o além, e a inscreve no horizonte da salvação, que constitui as raízes da doutrina cristã.
Entretanto, este percurso dos diferentes planos de significação não é uma simples técnica de leitura. Deve ser ainda entendido como o aprofundamento de um exercício de meditação no seio do qual o leitor, que é também um fiel, acede progressivamente à compreensão da palavra divina.
Heidegger: uma hermenêutica da existência
Heidegger opera duas rupturas em relação à concepção de hermenêutica desenvolvida por Dilthey:
1. A hermenêutica não é já entendida no quadro de uma teoria do conhecimento. Ela não é simplesmente um problema de metodologia das ciências humanas. Não se trata já, como em Dilthey, de opor o acto de compreensão própria das ciências humanas ao movimento da explicação característica das ciências da natureza. A compreensão não é mais entendida, com Heidegger, como o acto cognitivo de um sujeito descomprometido com o mundo, mas antes como uma dimensão essencial da existência. Compreender é um modo de estar antes de ser um método científico.
2. Correlativamente, a questão da compreensão já não está, em Heidegger, ligada ao problema do reencontro do outro. Com Heidegger, a interrogação hermenêutica considera menos as minhas relações com o outro do que a relação que eu estabeleço com a minha situação no mundo. O horizonte da compreensão é a captação e a elucidação de uma dimensão primordial, que precede a distinção sujeito/objecto: a do ser-no-mundo do homem. A hermenêutica, como dimensão da existência, está antes de mais orientada para o “mundo do eu” [no original: “monde du soi”].
HERMENÊUTICA
Ciência/reflexão sobre o sentido; arte de interpretar: as ciências hermenêuticas, além de estabelecerem os factos, visam também interpretar o sentido das intenções ou das acções. Segundo Ricoeur, todas as filosofias têm as suas intenções primeiras: compete à hermenêutica compreendê-las sob este ponto de vista.
A Hermenêutica desenvolveu-se no século XX, com Gadamer (na Alemanha) e Paul Ricoeur (em França). Pode ler uma síntese desse desenvolvimento (com raízes na interpretação dos textos bíbliocos) no texto A Hermenêutica.
Crítica | Editorial: Hermenêutica e Filosofia
Editoriais Hermenêutica e filosofia Desidério Murcho. ... No nosso país,
muitas pessoas gostam de reduzir a filosofia à hermenêutica. ...
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Hermenêutica e filosofia
Desidério Murcho
Uma das palavras mais procuradas no motor de pesquisa da Crítica é "Hermenêutica". Esta é também uma das palavras mais procuradas no Dicionário Universal da Língua Portuguesa, disponibilizado on-line pela Priberam e pela Texto Editora. Este facto é significativo e mostra bem um aspecto infeliz do ensino da filosofia tal como tem vindo a ser praticado em Portugal.
A hermenêutica é uma das muitas palavras estranhas que os professores gostam de deitar à cara dos estudantes, sem que lhes expliquem o que quer tal coisa dizer. Com o passar do tempo, esses estudantes adquirem o hábito de usar essa palavra em certos contextos, apesar de não saberem bem do que estão a falar, e chegam depois por sua vez a professores, onde terão por então oportunidade para deitar à cara dos seus desventurados estudantes a mesma desgraçada palavra. E assim se perpetua uma comédia de enganos, em que todos fingem saber o que não sabem e dominar o que não dominam.
No nosso país, muitas pessoas gostam de reduzir a filosofia à hermenêutica. Outras, reduzem a filosofia à sua história. Em ambos os casos, o que importa, sobretudo, é reduzir a filosofia a qualquer coisa que não nos obrigue a pensar autonomamente e a avaliar criticamente o que as outras pessoas pensam, incluindo-se nestas os próprios filósofos. O objectivo da filosofia deixa assim de ser, nas palavras imortais de Tomás de Aquino, descobrir a verdade, mas apenas descobrir o que disse Plotino, ou Descartes, ou Kant… ou o próprio Tomás de Aquino, atraiçoando assim brutalmente o que este próprio filósofo entendia por filosofia.
Curiosamente, as pessoas que reduzem a filosofia à hermenêutica fazem-no sem saber bem o que estão a fazer. Em primeiro lugar, estão a desistir do projecto original da filosofia: pensar criticamente sobre problemas e argumentos filosóficos. Em segundo lugar, estão a comprar por atacado ideias filosóficas muito determinadas, que devem ser discutidas e não adoptadas como dogmas irrefutáveis. Em terceiro lugar, a filosofia não é, pura e simplesmente, uma ciência social.
A hermenêutica nasceu da ideia, em si altamente discutível, de que as ciências sociais tinham um método próprio, distinto do método das ciências da natureza. Esse método era a hermenêutica, que consistiria em tentar determinar o significado dos fenómenos sociais, ao invés de tentar descobrir as leis que os regulam — leis que os partidários da hermenêutica pensavam que não existiam, ou cuja existência era politicamente perigoso admitir.
Como pode tal coisa aplicar-se à filosofia é outra história. E, sobretudo, trata-se de uma corrente filosófica muito determinada, que deve ser criticamente avaliada, como todas as correntes filosóficas, e não dogmaticamente admitida como verdadeira sem apelo nem agravo. Em qualquer caso, a ideia geral era a de que a tarefa da filosofia seria interpretar textos do passado.
Isto, claro, é no mínimo discutível e só pode ocorrer, como escrevia há uns meses Thomas Nagel a propósito de uma ideia semelhante defendida por Richard Rorty, a quem nunca se deparou naturalmente com os problemas e os argumentos filosóficos e que só depois de uma certa idade tropeçou artificiosamente nesses problemas porque os leu num texto com 900 anos. A uma pessoa destas não lhe passa pela cabeça que os problemas e argumentos da filosofia são coisas bem reais — pelo contrário, para uma pessoa destas os problemas e argumentos da filosofia serão sempre coisas historicamente situadas, artificiosas, que só podemos estudar com a mesma estranheza com que estudamos a civilização egípcia.
Mas a filosofia não é algo que nos é estranho. A filosofia é uma actividade natural. Qualquer pessoa medianamente inteligente se depara, geralmente quando ainda é bastante nova, com problemas e argumentos filosóficos.
A figura de Tomás de Aquino, um dos maiores hermeneutas de sempre de Aristóteles e da Bíblia, mostra bem como podemos respeitar a hermenêutica e a exegese, sem no entanto tentar reduzir o pensamento filosófico nem à hermenêutica nem à exegese, encarando a actividade filosófica como uma actividade natural de procurar descobrir a verdade acerca dos nossos conceitos mais básicos, como os conceitos de bem, verdade, validade, justiça, beleza, etc. Enquanto não encararmos a filosofia como uma actividade natural, estaremos apenas a fazer uma pantomima de aparência filosófica, sem que tenhamos ainda entrado no debate universal de ideias filosóficas que tem conseguido resistir, desde há 2500 anos, contra quem quer cidadãos passivos e intelectuais acríticos.
Desidério Murcho
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É Bom Saber
... Hermenêutica é a técnica que orienta o meio eo modo pelo qual devem
ser interpretadas as leis chama-se hermenêutica. A interpretação ...
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É Bom Saber
Para ler e entender um texto legal é importante saber o que é uma Constituição, uma Lei, um Decreto, etc. e, óbvio, conhecer o grau de hierarquia entre todas estas normas para adequá-las ao nosso cotidiano e avaliar os reflexos jurídicos que são produzidos a cada ato ou omissão que viermos a praticar.
O direito persegue a justiça, mas nem sempre a alcança, por isto devemos ter em conta que as normas não são perfeitas mas devem ser trabalhadas com este objetivo.
Somos, individualmente, apenas uma parcela da sociedade, mas, como seres que pensam, devemos unir vontades para definir, coletivamente, as regras do relacionamento social e nunca apenas aceitá-las como imposição de classes privilegiadas.
Como povo, temos um conjunto de regras e preceitos que se diz fundamental. Foi estabelecido pela nossa soberania e serve de base à organização política e funciona como um pacto para firmar os direitos e deveres de cada um dos cidadãos. Este documento, assim tão importante, chama-se Constituição.
No Brasil temos uma Constituição chamada Federal em razão do sistema federativo adotado. Em outras nações são usadas também outras designações com o mesmo sentido como: Lei Fundamental, Lei Magna, Código Supremo, Estatuto Básico, Leis das Leis, etc.
Depois da Constituição, hierarquicamente, logo a seguir, temos as Leis Complementares.
As leis complementares, que têm quorum especial para serem aprovadas pelo Congresso Nacional, destinam-se a complementar as normas previstas na Constituição.
Em face da sua função de complementar ordenamentos constitucionais, a Lei Complementar é hierarquicamente superior às Leis Ordinárias.
As Leis Especiais, por serem específicas, quando conflitantes com as normas de caráter geral, embora no mesmo nível hierárquico das demais leis ordinárias, adquirem um valor diferenciado e prevalecerão sobre as demais.
Assim, naquelas relações jurídicas que visam proteger, o Código de Defesa do Consumidor; a Lei do Inquilinato ou a Lei do Divórcio, como normas especiais, prevalecerão sobre os dispositivos do Código Civil, que é norma de caráter geral.
A Lei Ordinária é uma regra de direito ditada pela autoridade estatal e tornada obrigatória para manter, numa comunidade, a ordem e o desenvolvimento.
Já a Medida Provisória, nasce de forma diferente, é editada pelo Presidente da República e tem força de Lei durante 30 dias. Neste prazo deverá ser rejeitada ou transformada em Lei pelo Poder Legislativo, ou então reeditada por mais 30 dias.
Os Decretos são decisões de uma autoridade superior, com força de lei, para disciplinar um fato ou uma situação particular.
O Decreto, portanto, sendo hierarquicamente inferior, não pode contrariar a lei, mas pode regulamentá-la, ou seja, pode explicitá-la, aclará-la ou interpretá-la, respeitando, claro, os seus fundamentos, objetivos e alcance.
Mas, sempre deve ser lembrado que qualquer norma, por mais especial que seja, não poderá contrariar norma hierarquicamente superior e, em nenhuma hipótese poderá desrespeitar os dispositivos da Constituição Federal, que é a lei maior.
Para compreender o direito temos que ter em mente, no mínimo, alguns princípios legais que nos remetem à subordinação ao interesse coletivo, ou seja, que nos permitem pensar socialmente.
Diz o Parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal:
Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
O art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil estabelece:
Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
O art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, é clara:
Na aplicação da Lei o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
São fontes do direito as Leis, a analogia, os costumes, e os princípios gerais de direito (como a jurisprudência).
Quando a Lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". Lei Introd. ao Código Civil art. 4º.
Portanto, além da lei, os juizes poderão utilizar para proferir um julgamento, as demais fontes do direito como a analogia; os costumes e jurisprudência. Jurisprudência é uma decisão já proferida por um tribunal em face de matéria de direito assemelhada.
Analogia - Quando o direito moderno civil omitir sobre determinada situação o juiz se valerá de outras normas que se apliquem a situações similares para dizer o direito.
Costumes - Na falta de outras normas, portanto sem situações análogas, o juiz buscará decidir o direito conforme os costumes da região.
Princípios gerais de direito - O juiz pode ainda, mesmo sem apoio de lei específica, apoiar-se na doutrina e ou na jurisprudência para decidir a matéria de direito que for apresentada, só não pode deixar de decidir a demanda.
A Jurisprudência é o modo pelo qual os tribunais interpretam e aplicam as leis. É a decisão continuada dos tribunais sobre uma determinada matéria jurídica.
Hermenêutica é a técnica que orienta o meio e o modo pelo qual devem ser interpretadas as leis chama-se hermenêutica. A interpretação não se restringe ao esclarecimento de pontos obscuros, mas a toda elucidação a respeito da compreensão da regra jurídica a ser aplicada aos fatos concretos.
As normas modernas funcionam no sentido de educar, de readaptar ou preparar as pessoas para o convívio social, e a lei que regula as relações jurídicas condominiais tem um papel importante no sentido de viabilizar a vida familiar em permanente compartilhamento com terceiros, estranhos ou não.