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6 o quinu-fctra. 13/1/9-1 JORNAl.DOBRASIL

■ Continuaęio da capa


O caminho


das


I Caique Ferreira (☆ 19541 1994)


Lucidez ate diante do firn


Selos peąuenos abrem mercado, mas só para trabalhos ‘consistentes’


Ouso das novas tecnologias dc gravaęao c a produęao. com alto investimento, de fitas demo dc qualidadc. por grupos e ar-tistas iniciantes, nao tem o mc nor sentido se nAo houvcr ao menos a esperanęa dc conscguir transformar este materiał cm disco. O surgimen-tó das gravadoras independentem portanto, ajudou ainda mais a pro-fissionalizaęAo dos aspirantes ao sijcesso. “Com cssas fitas. fica facil cwseguir prensar urn irabalho co-rip o nosso”. diz Mauricio Mauk Shakc, do grupo Big Trep.

: As tndies conscguiram aparc-ccr por aqui cm cima das lacunas dćixadas pclas grandes gravado-ras. “O ano dc 1991 foi tragico para a industria fonografica. Muitos musicos ficaram sem con-dięfies dc chegar ao disco e conse-guiram viabilizar scus trabalhos atraves dc selos independentes", diz Fellipe Llorcna. diretor da Natasha Rccords.


Contraditoriamente. grandę parte dos selos independentes na vcrdadc depende das grandes gra-vadoras. que fabricam e distribucm os discos dc scus artistas. “£ a tendencja atual. no mundo intciro. Claro quc. se esses musicos distri-buidos pcla genie Ycndcrem muito. entraremos nessa lanibćm. O que importa e que, com esses acordos com selos menorcs, ficamos antena-dos com outros segmentos do mer-cado sem inchar o nosso casting', cxphca JoAo Augusto, diretor artis-tko da EMI, que distribui c fabrica os discos da Rock it!, Natasha e Radical Records.

Na muska erudita. qt»c tern urn mcrcado menor no Brasil. a saida pedem ser as parcerias no extcrior. como fez o riolinista Bemardo Bess-łcr. "Assinei convćnio com um pc-queno selo americano cspecializado cm classkos. chamado Prcsence. Eu cnvk> as fitas para des, que fabrkam os CDs c distribucm no cxtcrior, cn-quanto tenho os dircitos para o Bra-sll. Uma prensagem só para os dois tjxrcados faz com quc o custo seja muito menor”. garantc Bcsslcr. cujas graraęócs. fcitas aqui. sao rcconheci-<jas intcrnacśonalmente. “Os discos ftccbcram premios do New York Tb Ates e da rcvista Repcrtoire. indusivc


pedras

Luli Morwr


O ator deixou uma peęa tea-tral, poemas e um livro que traz uma vitima de mai incuravel

Oator Caique Fcncira morreu As 8h20m dc ontem no Hospital Evandro Chagas. onde estava inter-nado dcsde sabado. Esta foi a segunda interna-ęao do ator, quc era portador do virus HIV, segundo Amaldo Marqucs, um dos seus amigos mais intimos. Caiquc — Carlos Henriquc Ferrtira Costa — tinha 39 anos e foi hospitalizado pcla primeira sez no dia 22 de dczembfo, quando fez uma biópsia de figado no Hospital Univcrsitario do Fun-dAo, mas cm seguida tevt scu quadro agravado por uma infecęAo gcoeraliza-da. Apesar disso, Caique chegou a deixar o hospital, uma semana depois, mas novas complicaędes decorrenles da Aids obri-garam a uma segunda in-tcmaęao.

Durantc scus ultimos meses de vida, Caiąue es-crcscu o romance O vinho da noite, cm que o persona gem principak um bomem dc meia idadc, des-cobre ter uma doenęa incurawl c faz um balan-ęo de sua \ida (leia trechos aboixo\ O livro, de 180 paginas, serA lanęado cm maręo pcla editora Relu-m^Dumara. Nos 16 anos de carreira como ator, cantor c hailarino. ele par-tkipou dc disersas novclas c atuou cm varias peęas teatrais c no show E o mundo nóo se accbou, ha-



seado na obra do compositor Assis Valentc.

No espetaeulo Gioranni. de James Baldwin, monudo pelo alpr em 1987, ckr intcrpretava a paixao. nos anos-50. dc um garęom italiano por um americano, em Parts. Na ćpocu, Caiquc dedarou: "Baldwin, cle mesmo um homosscxual. tratou o assunto com muita honesłidadc e-respeito. Numa epoca de rctrocesso morał como a nossa, a peęa vdia a tratar do tema com dignidadc, o que ć muito oponuno." Em 1991. Caiquc fa premiado. cm Dusseldorf, na Alcmanha, com o musical Liglits to Hght, quc fazia cm parcera com o bailarino cscoces-Mark Ścieżka rek.

“EJc andava contentc porquc estava cscrescndo e conscguiu sc manter lucido c ativo ate o fun”, disse o

ator Arnaldo Marques, amigo dc Caiquc dcsde a« infancia. Segundo ele, o ator apresentou os pri-meiros sintomas da Aids. ha dois anos ”e nunca-quis prolongar o sofri- • mento, por ser um parti-dario da qualidade de vi-. da". Compareceram ao • Ccmiterio do Catumbi,: onde Caique foi enterra-do, os atores António'* Grassi. Maria Padilha e Eliane Giardini. Grassi Icmbrou que Caique "era muito batalhador".

Segundo o baixi$ta. Dodo Fcrrcira, irmAo do • ator, Caiquc dcixou ain- • da dois livros de poesia e: uma peęa inedita. Apesar i de soropositivo. Caiquc • Fcrrcira tevc reacóes co-laterais ao AZT. "Ele tc^.

anemia e precisou tro-car o medicamcnto para o DDI, tambćm usadę , no tratamento", cxplicou-Amaldo.


pcla parte tćcnka. quc des considc-ram nota 10”, conta. orgulhoso.

A tcndencia do mcrcado com a prolifcraęao dc selos ć, com ccrtc/a. a dimsificaęAo. "Os independentes trabalham determinados segmentos de muska que mi o sc cncaixam no perfil das grandes gravadoras. Nós nAo entramos no esquema de distri-buięao. mas criamos nosso próprio sclo. o Pług. quc ć o canal da grasadora para trabalhar com esti-los mais cspecificos", explka Mauricio Val-ladarcs. coordenador arttMko da BMG. res-ponsavel pelo Pług. A Sony e a Warner, res-pectivamenlc com o


Chaos c o Bangucla. estao trahalłun-do no mesmo csqucma. que pode ser. (ambem. outra boa opęAo para no-vos artistas.

Mas os cxecutivos de grnvado-ras. grandes e pcqucnas. lembram quc as coisas nao sao tAo faceis quanto pareccm. "Nao adianta gravar um disco sc ele nao atinge as pessoas c nao comunka o quc o artista deseja. Ł como ter um BMW na gara-gc e nao ter pneus p:t-ru dc", detona Valla-dares. “E prcciso ter um trabalho consis-tente, nao basta ape-nas urna boa fila demo", garantc Llcrcna. da Natasha.


I DEPOIMENTOS


“Nao

adianta nada gravar um disco se ele nao atinge as pessoas

Mauricio YaMadgr—


Marcos Altberg, cincasta: “Conhcci o Caique quando cu o convidei para fazer o mcu filmc, Aveniuras dc um paraiba. Eu tinha um grandc carinho por cle, principalmentc pelo seu caratcr sempre empreendedor".

Amir Haddad, diretor de teatro: "Eu trabalhci com cle em divcrsas oficinas teatrais quc orga-nizci. Certa vcz, uma lider espirita mc contou quc cxistc no ćter um grandę teatro. Acredito que todas estas pessoas tałentosas c qucridas estejam indo para la”.

Maria Padilha, atriz: "O Caiquc era mcu amigo ha muitos anos. Antes mesmo dc trabalharmos juntos, cm 1983, nós ja ćramos ligados. Volta-mos a nos cncontrar profissionalmcnic cm 89. Apesar dc sermos dc grupos teatrais diferentes. os ambientes quc frcqucntavamos eram os mes-


mos e estavamos constantcmcntc trocando idćias c projetos.

Guida Vianna, atriz: "O Caiquc foi um amigo dc loda a vida. Nos conhcccmos quando cu tinha 15 anos na Alianęa Francesa. Fizcmos' vcstibular c entramos para o teatro juntos. Foi um privilćgio para mim ser amiga dclc durantc todosestes anos".

Tamara Ta.unan, atriz: “Tivc o prazer dc trabalhar com cle em dois filmes — A venturas dc um paraiba c A flor do desejo — e sempre fiquci entusiasmada com o scu carisma c inteligćn-cia."

Pedro Paulo Rangcl, ator: "Conhcci o Caique cm 1983. Foi uma pena quc cle lenha morrido sem rcalizar scu grandę sonho: montar um es-" petaeulo sobrc Jacques Brcl.”


CRITICA I SHOW/Ron Carter/**


F«f


■ TRECHOS DOLIYRO


ixista Ron Carter no show cm quc Guilhermc Vcrguciro e qucm rcalmcntc da as cartas


Ron Carter na cozinha A


TARIK DE SOUZA


.O contrario do anunciado, Ron Carter nao da as cartas na tęmporada inkiada na ultima ter-ęg-fcira no Mistura Fina. Jaz/ista db cstirpc. que ja acompanhou no cpntrabaixo dc Bill Evans a Sonny Rollins, dc Colcman Hawkins a Miles Dasis. cle, na serdade. toca samba e bossa nova. num trio com Guilhermc Vcrgueiro c Robcrtinho Slva. Mais urna cursatura do Pri-njeiro ao Tcrcciro Mundo? Ou ape-nas outra prova dc ecłetismo do hhixista. quc apesar de flucnte rui ortodo.Kia do ja zz. ja atuou com ases tao dispares quanlo Bettc Mi-dler. Santana. Paul Simon. James Brown. Arctha Franklin, o pre-rup de Gil Scott-Hcron. alćm de parli-cipar da rccentc homenagetn a Tom


Jobim no Frcc Jazz? O dono do show ć o pianista Guilhermc Vcr-gtteiro, autor dc.cinco dos oito nu-meros das quase duas horas dc cxi-bięao. Confinado a dois ou trćs curtos solos. Carter divide a cozinha dos duplos seis dc cada noitada com os prałoś, couros — e latinhas — altissonantes da bateria dc Robcrtinho Silva. E recolhc-sc ao sc-gundo piano durantc a aparięao de-tonante da cantora Dora Vcrguciro, sobrinha de Guilhermc. urna saborosa combinaęao dc nin-feta louraęa com sambista tradicio-nał, a bordo dc Dtwias ser coiutena-ih c Donu Catah), esta in\3dida por urna intrusa microfonia.

Alćm de tocar urn piano acusti-co doqucntc. com longas introdu-ęoes solo a cada performance dc arranjador instantanco. Guilhermc ć o apresentador do show. Antes dc


tocar a belissima bossa nova Dna. atribui ao autor. Johnny Alf. "ao lado dc JoAo Donato. Tom Jobim, Ary Barroso. a produęlo de matć-ria-prima para quc os musicos bra-silciros nao morram dc fomc no extcrior". c.sagcra. E comparwc. a scu modo. com sambas ensenena-dos por dissonancias. abcrlos a cli-matkos improvisos como Sempre, Sara ilusiio e Só da Mangucira. O outro standard solitario da noitc, a Vtdsa de urna eldade (hmacl Neto/ Antonio Maria) pavimcnta a mc-Ihor trasessia M PB jazz da noitc. com Carter a sontadc nas citayóesc Robcrtinho pulsando no contra-rit-mo. A ampU MPB reccbc a adesao do haisista schottar c o jazz infiucn-ciador mseric a mao da soberanij.


(...) Nao tenho medo do que esta acontccendo. Só tenho medo de vcr o quc esta acontccendo. Assim. ć tomar o meu frappt com kritc c dcixar a vida se ocupar dc mim. Eu busquei dcmais, paguci para ver. agora nuo tenho quc fazer mais nada. Nao dcvcria ter quc. A covardia momcntanca nao mc cnlristccc. As yczcs ć prcciso ter coragem para se caminhar as ccgas. tento mc consolar. Dc qual-qucr mancira. ć uma ccgucira de luz.

(...) Dias dc morfina. Dias mansos dc dor. sem dor. Dias dc serra depois da tubcrculosc. Dias suięos dc Manuel Bandeira. Passaram c nao sci como, c amanhA quero caminhar, seguir entre os muros dc pedra deixando o cću rodar sobrc elcs. O fumo, mais quc a bebida, mc nubla a guarda, c dcixa vir a Icmbranęa dc uma vida quc cu pensavu perdida cm outra vida. uma vida quc rcconheęo como minha, parece quc essa ć a ponta de um fio, parccc quc um dia live uma mae c uma filha. que escrCYi uns tantos livros. quc trabalhci num jornal. c parece que este sujcito, este mesmo sujeito. ainda esta aqui e quc esse fio nAo sc corta aind3.

(...) Paulo aparccc na curva da estradinha. a brasa do cigarro accndcndo c depois quase apa-gando, vcm dcvagar e firmc. a cabcęa um pouco voltada para o chao, o corpo mcio para frente, compcnsando a subida.

(...) Como sera para o Paulo estar viajando comi-go? (...) Cada um faz scu progroma. cle faz o dclc c cu nAo faęo nada. Nem compras. (...) Paulo sobe as escadas da varanda. Esta sem ar pcla caminhada. esta com o rosto feliz. Ele continua o mesmo sujcito ligado aos destinos da hu-manidadc. prcocupado com os saarauis e com a cstigmatizaęAo dos docn-tes com Aids. Continuo sem vcr scus amores, suas afltędcs ou angustias. Sin-to sua presenęa constantc, sua amizadc e nao lhe falo dc mim para nao romper a regra tacita dc nosso cn-tendimento. As yczcs fala-mos muito. ha dias dc si-Ićncio. Ha dias onde cu o coloco cm outra ilha. mas dc continua aqui.

(...) Tiro a roupa sobrc a pedra qucnte. O mar ć gentil c me acolhe c, sob a agua. a luz ao menos ć su-portavcl. E fico na agua me deixando ir c sir. me



apro.\imando das pedras, sujcito a rcspiraęao do mar. Depois e subir outra vez na primeira pedra c mcrgulhar. E outra vcz. O instantc agora ć o momento entre a pedra c a agua c logo a agua que ’ rcfresca mais a cabcęa e as costas. mas o momento e oquccsta entrea pedra ca agua. •

(...) Os dias nAo sc purccium a nada. Podcm ser dc luto c podcm ser dc uma coisa estranha como uma alegria intensa, mas alegria surda. subterra-nca. Eu nao sci. NAo só nao vejo o quc acontccc* dentro dc mim como nao rcconheęo esse momento como meu c. no entanto, ć como se eu tivcsse dczcssctc anos mais uma outra vcz, com a angustia'; dc nAo reconhcccr o mundo que ainda nAo vi c nAo : registrar o quc sc passa dentro dc mim. Nao, nAo ć • angustia. Nao tem peso no peito. Tcm um oco. Por; isso e parecido com o luto.    i

(...) Por isso dcvo voltar ao Brasil e ver o que t acontecc com essas imagens por la. o que acontcCe J frente as pessoas quc cu amo. Parccc quc clas tambćm vAo entrar nos slides cm que eu estiYcr, • como o Paulo aqui. Talvez para cle cssa paisagem seja outra, mas sinto como se estives$c comigo ; dentro de uma mesma imagem, nao ć um slidc porquc sc movc, ć vivo. NAo sei o quc ć. Minha i vida anterior mc parccc uma Yida anterior.

(...) Agora, dc alguma mancira, o Paulo i o j Paulo mas. como estamos na mesma imagem. ha j algo dclc quc convivc comigo c com a paisagem : numa coisa só. c nao ć a loucura. nao e a minha tc- • mida loucura, eu nao tc- : nho medo. mas esse vazio ■ de gozo quc nao acaba, c entao mc parece quc vai ;• ser assim. quc o resto e a * vida anterior. quc algo mudou c que com todo « mundo agora vai ser assim como ć com Paulo.

(...) Talvcz nao resista : ao Brasil. ao Rio. ao tran- • sito. Mas daqui mc parccc ; indcstrutiscl. (...) Talvez « nao haja coisa instranspo- • nivcis. nao digo para mim. • mas para essa imagem dc_. quc faęo parte. Nao ć a onipotencia. Continuo pc-qucno. complicodo. nao posso muito. mas ha algo j quc nao esta fora de mim c ; quc nao sc contćm nos ! mcus limitcs. que sim. po- i de tudo. participo dc algo quc ć. Nao da para ter me-, do.




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