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PAGINA 4 □ CADERNO B □ JORNAl DO BRASU □ Rio de Jenoiro, segunde-fcire, 21 do oulubro do 1974

Jose

(arlos

Olireirn


FERNANDO SABINO

Soliddo


Nas suas confissócs inacaba-das, que sc presume autćnticas, Marllyn Monrae nos fala de urna solidao gue muitos conhecema do arlisla dcsconhecido, perdido na grandę cidade gue guer eon• guistar:

— Quase todas as pessoas gue eu encontraec passatom fonie, em maior ou menor grau, tinham im-petos de se suicidar. E isso fazia lembrar um poema: "Agua, agua em toda parte, mas nem uma goła para se bober." Gloria, gloria em toda parte, mas nem um restinho para mim, para nós. Comiamos nos balcóes de lanchonctes. Fazia-mos fila nas salas de espera. Re-presenidtamos a mais bela safra dc garimpeiros gue ja hatiam in-tadido gualguer cidade da Califór-nia, o Estado do Ouro. Vindas da cidade e do campo. Das fdbricas, dos tealros de reiista, das escolas de arte dramaticae uma delas de um orfanato.

A mesma retista Veja nos da outra imagem dramatica de soli-ddo, contando como o pa i de Mar-tinho da Vila, perito improoisador de rimas, suicidou-se em J94S, na cidade grandę, quando sentiu que ndo conseguiria suslentar a familia.

De outro genero, mas com a mesma cargo de angustia, i a soliddo dos endiuidados que forom outro dia pedir a intercessao de Santa Ediciges. sua padroeira: e a dos gue tao desabafar om procurur conselhos junto aos católicos de boa tontade gue se revezam numa sala da Catedral Metropatttana.

A soliddo só se cura antę a pa-ciente compreensao do Outromas onde eslaria o Outro no meio dessas multidóes apressadas, egois-tas, elas próprias circunscritas a soliddo gue ndo guerem partilhar? Penso particularmente naąueles gue chegamnessas marilyns gue rondam os esludios de teleti-sdo. nesses operdnos gue sao colo-cados diante do suicidio. E no pa-rozismo de soliddo gue Jaz urna ve-Iha senhora (ja ouvi muitos casos) tele/onar a um dcsconhecido, no meio da noite, a guem suplica gue Ihe fale algutna coisa, gualguer coisa, qualquer banalidade ou mensagem de esperanęa pronun-ciada pela voz Humana — a toz Humana, o :inal de gue ndo esta-mos completamente sós.

De tez em ąuando cscrcto es-pecialrncnte para essas pesseas. Elas de tez em quando me escre-vem. Sao geralmente anónimas, mas suas palatras ardem; outindo a descrięao de minka própria soliddo, confessam-sc menos descon-fortadas; eu Ihes dou um espclho, no qual se miram e, naguele brew instante, eztraem uma certa bele-za, rniuda e dorida, da siluaędo em que se acham. Curiosamente, quando me tejo, como agora, ro-deado de amigos sinceros, e mere-cedor de uma afeiędo sem limltes, e gue minka preocupaędo se vo!ta para os sozinhos da cidade grandę. Penso com saudade em outros tem-pos, nesta e em outras lerras, guado me esmagata a ausóncia de um didlogo, de um aperto de mao; quando o meu ser me parecia inu-til como um reldgio gue pulsa sem ponteiros. Compreendi algumas tezes gue falar sozinho, pelas ruas, fcito rnaluco, t aindc uma forma de ezorcizar o sentimento da or-fandade cósmica. Muitas tezes tambem contcrsei com as estrelas. ja gue enlre meus semelhantes ninyućm gueria falar comigo...



MORREU A ALEGRIA DO POYO


FALTAVAM 10 mlnutos para > tcbol. mas dc um ve1órlo: a ale-terminar o jogo ąuando Ber- gria do povo havia morrido. nardo rejo abrlndo camlnho entre os torcedores e desccndo as


arqulbancadas ate scntar-sc a meu lado:

— Vamos embora. papai?

Olheloo. assombrado. Esti atualmenie com 12 anos e dcsde os oito ndo me dcixa perder um só jogo do Botafogo. Mariana, com 10, nio faz por menos: cn-quanto cle fica la em cima, mc-tldo na aigazarra dc bandciras. faixas. tambores e gritaria da tor-rida JoYcm. cla continua firmę ao meu lado. atras do gol. acompa-nhando atentamente o Jogo. lance por lance. lnc!usivc pclo rddlo. Eu scl o que semprc mc custou ar-rancA-los do estadio um minuto antes do tćrmino. para tentar fu-gir ao engarrafamento do transi-to.

Pois desta vex faltarmm ain-da 10 minutos e elc sugerta irmos embora. sem quc cla sc opusesse. O Jogo Karla comcęado bcm. com um belo gol de nosso Ume. No sc-gundo tempo u adtersario Kavia empatado. Depols foi aqullo quc se riu: um jogador se desenten-dendo com o companheiro c pc-dmdo quc retirassem o outro do campo. porque quciia impressło-nar o dtrlgente de um timc fran-cćs que vlcra compri-lo. O tdcnł-co fazendo-lhc a vontadc. po:quc sua vtnda era de interesse do clube...

E a ritória sobre o adrcrsarlo. nao era do interesse de ninguóm?

Desapontados. saimos do es-Udlo, engrossando a massa sllen-ciosa de torcedores dc ambos os limes que ja saiam Umbóm.

Os meninos me acompanha-vam calados. pouco sc Incomo-dando com a adamaęao que la dentro saudava o desempate c a nona derrota. E ji no carro. nfto quiseram ouvir pclo ridło os co-mentartos de Joao Saklanha.

Mas pelo menos nao pegamos engarrafamento.

De sublto pcrccbl quc nuo yinhainos de uma partlda de fu-

A1NDA ni o morreu. mas e*ti agonl2ando. E o problema ć de ordern e co nornica. Posso nao entender dc futebol. mas de economia eu en-tendo.

Qucm me fala 6 um homem magro. cnxuto e chcio de energia, que ndo parece ter os scus 57 anos Jd feitos. Realmentc diplomou-sc em Economia. t o quc informa. a uma pergunta mlnna. Mas como nio entende de futebol. se o seu nomc ć Joao Saldanha?

— Entendo o suficicntc para saber o que o estd matando. A comeęar pelas condięóes econó-nucas do nosso poro: quando a sltuaędo piorą, a primełra coisa ( a cortar Ł o dlrertimento. Ndo pa-rcce, mas o futebol ó ura dlrerti-1 inento caro. As gerais custam CrS 3.00, mas o grosso do poro rai mesmo i nas arquibancadas: CrS 12.00. mais o tran^ortc, mais um ftlho — ou dois. como d o seu ca-so — c plpoca. sorvcte ou sandui-che para os meninos. uma ccrve-|lnha no intcrralo... Brincando. brłncando. sao 30. 40, 50 cruzeł-ros de futebol toda semana: quem d que aguenta, a base do salino minimo? E o que d quc sobra para a Loteria Esportira?

Esta d a segundft das grandes causas da crlsc. E ele faz questao dc acrescentar: d uma crisc mundial, nada tem a ver com o nosso fracasso na ultima Copa: o povo nao pode pagar, os cstadlos se es-razlam. os clpbes se cndWklam. tdm de render seu patrimónlo c scus jogadores. para sobrevivcr. Ou morrer mais depressa:

— O resultado ć a palhaęada a quc vocd asslstiu no ultimo jogo.

• • •

A Loteria Esportira d um deri-ratłvo para a dirersio quc iluni dia fol a alegrla do poro. e que a transmissio pelo ridio ou erentualmentc o rldco-tapc podcm surprir. Mas a paixio do torcedor passa a ser o vlcio do apostador. que Joga frlamcntc na derrota de seu clube, para poder acertar: o presidente do Corłntl-ans nio acertou numa zebra. Jo-gando na ritória do Guaranl?

— Que flzesaem Loteria Esportira com corrida de caraio. ca-chorro, o que quisessem, mas ndo com times de futebol.

Os clubes nada ganham, a nio ser no ano passado, passa gon* dc arłio para Jogar nas mała łon-ginouas blbocas do pais. Mas tz&o Ji d outro problema; o da isen-satez do Campeonato Naclonal, que programa os Jogos mais dlspa-ratados. entre clubes de primełra catcgorla e tlmczinKos dc rirzea. Quando o certo seria o desdobra-mento num Campeonato de sc-gunda dirisio. Como nos palses curopcus. quc tdm segunda, ter-ccira e atd quarta dirisóes:

— La a crisc esti sendo en-frentada de maneira mais concrc-

ta. A Inglaterra acabou com a Loteria Esportiva hi muilo tempo. Embora ainda tenha, como a Es-panha e a Itilla, um futebol pro-fissional em bases flrmes. Portugal ja lerantou o problemy, e a Rtusla. os palses soclallstas. a Sućcia. a Norucga, a Dinamarca. a Finlandia acabaram com o pro-fisslonalismo. Os dcmais segucm o reglme* do semi-semi. Na Alc-manha, um craquc como Becken-bauer e corretor de seguros. c tra-balha para valer. quando nio esti Jogindo. esti pra li e pra ci com sua pastinha acbaixo ao braęo.

Para quc o futebol sobrevira. o profi&slonalismo tem de acabar

—    o que acontcceri faltalmente em todo o mundo no* próximos 10 anos. E isso nio d apenas opl-niio sua. mas de todos os grandes empresarios do mundo.

—    No Brasll. com a euforia da Yitória no Mćxłco, todos comoęa-ram a pciuar em termos de cam-peócs do mundo. Alguns Jogadores passaram a custar uma fibula. enquanto outras rivcm na ba-se do salario minimo A maioria contlnuou vivcndo da mio para a boca. O salirio mddlo dc um Jogador no Rio ć dc CrS 900.00

—    inclulndo o quc ganham as re-detas Um Ume dc Golis resol-veu ofereceu Cr$ 500.00. casa c comlda a jogadores proflsslonais, c foi aquela loucura: todos os Jo-gadores de pequeno* times como o Bonsuccsso. Campo Grandę. Madureira correram a se ofereccr. fol um Deus nos acuda. tlvemos de botar ató guarda na porta do Jornal ondc noUclel a oferta.

Enquanto os clubes nio podlani pagar cm dia scus jogadores. comcęaram a construlr grandes estidio cm tudo quanto 6 lugar. Em Krechlm. com uma populaęio de trinta e poucos mil habłtantes. fłzcram um estidio de 45 mi) lugar es

—    Era pora ser de 50 mil. mas erraram no cilcuto. No Plaui tern dois dc 50 mil, em Brasilia tam-bóm. E assim por diante. Só para mcrccercm i*cccber um dia a Sclcęio. Quc Sele^io? A Seleęuo acabou. O que ficou ć Lsso ai quc vocó esti vendo.

Oquc estou vendo i o Mara-eona scmirazlo. com uma mćdia dc 10 mil espcctado-res abnegados. assisUndo aos Jogos a trezentos metros de distancia. Os Jogadores, na sua maioria. nao sao conhccidos como antlgamcnte. a nio ser pela pasł-ęao cm campo. Foi-se o tempo em que o torccdor acompanhava as jogadas do alambrado. ouvindo os chutes. o aplto do lulz. os gritos c xlngamcntos, o próprto ofegar do Jogador que. camisa molhada dc suor. sc preparava para cobrar o escanteio    _

— Esse dellrio dc grandeza

?iue deu cm tudo quanto ć pre-elto e govcrnador esta ajudando a a ca bar com o futebol Podłam ter acabado cóm a csqulstoasomo-se, com o Impaludismo... En-

3 u anto Lsso os campinhos de ama-ores vio dcsaparecendo. Quando cheguci ao Rio havla 16 campos do Lcmc ao Leblon. Hoje só tem um: o do Forte do Lemc. quando o comandante delxa o pessoal U-rar uma pclada. Nos suburbios ć a mesma coisa: fol tudo lolcado. Em Sio Paulo havia mllhares, Koje nao tern nem 200. E assim cm toda parte. Nao se falando nos clubes do interior que slmples-mente acabaram.

A um ielgo como eu. que gos-tarla apenas dc continuar torcen-do para o seu clube. os dados que cle mc fomcce sao como as notas de um canto funebrc. slnlstros como uma sentenęa dc morte — a mortc do futebol. Mlsturam-se na młnha cabcęa a mil lcmbranęas confusas. de crnoęóes riridas no momento de um gol. Nio sei o que fazer com tantas łnformaęócs — nao seret eu a invadlr a seara dc Josć Inaclo WernccK ou dc 01-dcmirlo Tougułnhó. Umłto-mc a conclulr quc a alcgrla do futebol e coisa do passado E passamos a conversa mais amena

t bom tambóm para amcnl-dades esse gaucho da fronteira. combatlvo c arrebatado, figura admirada c dlscutlda que cons-truiu uma rcputaęio dc bravura dentro do seu esporte predlleto. a ponto de mercccr o apelido dc Joio Sem Medo. O próprio futebol Ihe. deu um delicloso repertórło de casos com que ć capaz de dl-vertir-me o resto da noite. Como aqucla respesta do cterno Oar-rtneha — a alcgrla do povo — ao chefe da delcgaęio cm vlagcm dc trem pela Europa. quc ao passar por Strasburgo perguntou por que dla bo construiam a estaęło tao k>nge da cidade:

— Devc ser pra ficar mais perto da Unha do trem.

Estamos nisso, quando o te-lefone toca. t Bernardo: quer sa-ber se posso levi-lo ao futebol si-bado i noite. Passo o fone ao Mco-menUrLsta quc o Brasll consA-grouM, e que clc tanto admlra:

— Seu pal vai sim. Bernarda Insiste córa elc.

E depols de desligar. voltan-do-se para mim. olhos brllKantes: — Voc£ nao pode dcixar de Ir. Val ser um Jogaęo.

O PRESIDEN1E DO CLUBE ACERTA NA ZEBRA JOCANDO NO TIME ADVERSARIO




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