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Passado amargo

“Together Again”

Flora Kidd

Bianca Nº: 85

Copyright: FLORA KIDD

Título original: “TOGETHER AGAIN”

Publicado originalmente em 1979 pela

Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Copyright para a língua portuguesa: 1982

ABRIL SA. CULTURAL E INDUSTRIAL — São Paulo

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Resumo:
Depois de três anos, Ellen foi obrigada a viajar até a Escócia e reencontrar seu
marido para mais uma desilusão: ele continuava o mesmo homem prepotente,
irascível e com o orgulho ferido por ter sido abandonado. Mas, mesmo assim,
quando Dermid a tomava em seus braços, Ellen sentia-se arrebatada pelo calor
de uma paixão louca, incontrolável, que no fundo sabia ser apenas atração
física. Como poderia voltar para um homem que queria , apenas subjugá-la,
quando só desejava ser amada... amada com muita ternura?




Capítulo I

O jato subiu mais uma vez afastando-se da pista para dar outra volta

sobre o mar. Nuvens cinzentas passavam pelas janelinhas ovais do avião
respingando nelas pingos de chuva. Ellen Craig viu pela terceira vez, através
das nuvens, as ondas do mar batendo na praia, a grama de um campo de golfe
onde folhas marrons e amarelas eram levadas pelo vento. Pinheiros, sempre
inclinados numa só direção, pendiam sobre o telhado de ardósia da casa do
clube de golfe e pequenos canos circulavam por uma estrada estreita molhada
pela chuva. Da torre de controle do aeroporto uma luz piscava forte, enquanto
o avião se reclinava e se aproximava da pista.

Era a terceira tentativa de aterrissagem do comandante. Ele já havia

explicado que o vento fone do oeste, que impulsionava o avião em todo o trajeto
sobre o Atlântico, do Canadá até as praias da Escócia, fazendo-o chegar antes
do horário, agora dificultava o pouso; se ele não conseguisse uma aterrissagem
segura naquela terceira tentativa. seguiria para Heathrow. Os passageiros que
deveriam descer em Prestwick, voltariam para o aeroporto de Glasglow com a
balsa da British Airway.

Ellen não queria que isso acontecesse. Ela estava viajando com Rowan,

seu filho, que logo completaria quatro anos, e embora ele tivesse dormido quase
toda a noite, agora havia acordado e estava inquieto, aborrecido por estar
confinado em seu assento. Ela, por sua vez, estava exausta por não ter dormido
um minuto sequer a noite toda; seus pés estavam inchados porque cometera a
imprudência de tirar seus sapatos novos e agora não conseguia calçá-los.
Qualquer mudança no roteiro da viagem seria muito desagradável.

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Assim, foi com profundo alívio que viu a pista se aproximando e também

os campos que rodeavam o aeroporto. Quase não sentiu o impacto quando as
rodas encontraram o chão, mas Rowan levou um susto e perguntou se o avião
tinha quebrado.

Depois da grandiosidade do Aeroporto Mirabel, onde ela embarcara na

noite anterior, o Aeroporto Prestwick parecia pequeno e frio.

Não tinha sido uma boa escolha viajar com o conjunto de veludo preto.

Ela o comprara porque sua mãe julgara necessário usar essa cor por causa da
morte de Neil Craig ainda que estivesse chegando depois dos funerais. No
Aeroporto Mirabel, o conjunto tinha parecido elegante; agora estava
amarrotado e cheio de pelinhos da manta que a aeromoça lhe dera para cobrir
Rowan. Sua blusa de seda palha também estava amarrotada. Nem pareci à
equilibrada e calma entrevistadora de tevê; naquele momento dava a impressão
de ser uma dona-de-casa exausta por causa de seus afazeres domésticos.

Empurrando o carrinho com suas três malas ela olhava as pessoas que

tinham vindo esperar os passageiros que chegavam. Não havia nenhum
conhecido. E nem sinal de James Blair, o chofer de Neil Craig. Será que ela
teria de ir sozinha até Inchcullin? Mas como?

Em pé, no saguão do aeroporto, Ellen mordia o lábio inferior procurando

se lembrar qual a melhor maneira de ir até Portcullin, a cidade mais próxima a
Inchcullin, na costa de Kintyre. Sabia que era possível ir de carro.

E se alugasse um teria maior liberdade para se movimentar para onde

quisesse.

Olhando ao redor viu as setas indicando os balcões das companhias que

alugavam carros. Havia filas na frente dos balcões das três agências. Ellen
escolheu a mais curta e Rowan começou a reclamar, puxando-a e gemendo que
queria ir ao banheiro, segurando a virilha com a mão rechonchuda e dando a
impressão de estar sentindo a maior agonia, embora ela soubesse que era
impossível pois ele fora ao banheiro do avião pouco antes da primeira tentativa
de aterrissagem.

Não dava para suportar mais aquela choradeira. Ela ordenou-lhe

severamente que se calasse. Imediatamente ele desandou a chorar mais forte
e todos que esperavam olhavam para ele com simpatia e para ela com censura.
Então Ellen ferveu de irritação. Se pelo menos aquelas pessoas soubessem o
que era fazer o papel de pai e mãe de uma criança, ao mesmo tempo e ainda por
cima ter que trabalhar fora, olhariam-na com mais simpatia, tinha certeza.

— Rowan, por favor fique quieto! — implorou ela, abaixando-se na frente

dele.

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— Eu quero ir para casa. Eu quero ir para a casa da vovó!
— Mas nós não podemos ir para a casa da vovó agora. Estamos na

Escócia, não em Ottawa e você só poderá ir à casa da vovó sábado que vem,
quando voltarmos para nossa cidade.

— Quero ir agora.
— Não podemos. Agora temos que visitar uma outra senhora.
— Outra vovó? — ele perguntou cheio de esperança, arregalando seus

olhos castanho-escuro com pontos dourados rodeados por cílios pretos e
lágrimas.

— Não, não uma vovó, uma titia.
— Será que ela tem balinha? — choramingou ele.
— Espero que sim.
— Onde ela mora?
— Numa casa grande perto do mar. A casa é parecida com um castelo.
— Um castelo de verdade? — Seus olhos estavam arregalados de medo

— Lá tem algum dragão?

Enquanto Ellen conversava com o filho, as pessoas na fila à sua frente já

haviam requisitado seus carros e a moça da agência esperava pelo pedido dela.

— E por quanto tempo a senhora vai precisar do carro? — perguntou a

jovem com o sotaque escocês, depois de preencher o formulário e examinar a
carta de motorista de Ellen.

— Uma semana.
— Vai devolver o carro aqui?
— Sim.
— Ellen, o que você pensa que vai fazer?
O coração de Ellen bateu mais rápido. Vagarosamente ela se virou para

olhar. Ele estava lá, apoiado no balcão; perto dela. Um homem vestido num
terno de tweed cinza bem talhado, observando com os olhos castanhos
semicerrados. Seu marido, Dermid Craig.

— Eu estou alugando um carro — respondeu ela friamente. — O que está

fazendo aqui?

— Vim esperá-la.
— Mas eu não vi você quando desembarquei.
— Eu cheguei exatamente agora.
— Sra. Craig, poderia fazer o favor de assinar este formulário e de me

dar o nome e endereço de alguém que more neste país e que poderia se
responsabilizar pela sua estadia aqui? — disse a jovem atrás do balcão.

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— Ela não vai precisar do carro — interrompeu Dermid com um tom tão

autoritário que não permitia qualquer contra-argumento. — Venha Ellen, onde
está sua bagagem? Tenho um carro esperando para nos levar à baía de
Wemyss. — Enquanto se afastava com Dermid, Ellen ainda ouviu o suspiro da
jovem enquanto rasgava o formulário preenchido.

— Nós não vamos para o castelo? — choramingou Rowan e rompeu em

lágrimas novamente, confuso com o novo mundo cm que ele se encontrava, tão
diferente daquele em que estava acostumado.

Pela primeira vez Dermid Craig olhou para seu filho.
— Igualzinho a mim quando criança — ele murmurou suavemente. Depois

olhou na direção de Ellen — Castelo? — ele falou em tom irônico, parecendo não
entender o que significava aquela pergunta de seu filho.

— Eu disse a ele que iríamos para um castelo — respondeu.

defensivamente. — Bem, até que parece com um castelo, com aquelas torres, e
foi o único jeito de fazer Rowan parar de chorar.

— Ele a esteve aborrecendo, não esteve? Você parece que esteve numa

guerra — frisou ele com ironia. — Com quem esteve e combatendo durante a
noite? Com ele? Ou com a sua consciência?

— Com nenhum dos dois — respondeu ela, procurando ajeitar os cabelos

e a blusa. Seus dedos, em vão, procuravam tirar as penugens da manta de lá da
lapela de seu casaco. Oh, por que Dermid tinha que chegar no momento em que
ela estava com aspecto tão feio? — Dermid — disse Ellen com determinação —,
eu não vou com você para Inchcullin.

— Não? — Ele parecia muito surpreso. — Por que não?
—Porque prefiro ir sozinha. Vou dirigindo até lá.
— E longe. Você só chegará à noite. — Olhou para seu filho que chiava. —

Será desagradável para ele também, mas eu acho que você está pensando mais
em você.

— Eu não me preocupo só comigo— ela explodiu.
— Eu acho que sim — respondeu ele e abaixou-se na frente de Rowan,

colocando as mãos nos ombros do filho.

— Escute, rapazinho — disse ele, asperamente —, eu já estou cansado de

seu choro e suas reclamações e todos por aqui também estão. Já conseguiu o
que queria. Agora, cale-se!

Ellen ficou irritada pois Rowan obedeceu imediatamente e olhou pira

Dermid com interesse.

— Quem é você? — Rowan perguntou.
— Sou seu pai. Você entende o que isto significa?

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— Claro, meu amigo Tony tem um pai. E Bárbara Ann também — ele

acrescentou, colocando o polegar na boca para chupá-lo enquanto olhava a para
Dermid.

Dermid continuou abaixado alguns segundos fitando-o, depois

vagarosamente endireitou-se e olhou para Ellen. Estava com uma expressão
acusadora nos olhos.

— Ele troca letras e chupa o dedo — Dermid disse. — Em nome de Deus,

Ellen, como você tem cuidado de nosso filho?

— O que você acha? — ela respondeu, irritada, e olhou ao seu redor. Já

não havia quase ninguém por perto.

Ellen desejou nunca ter ido. Gostaria de ter ignorado a carta do

advogado, dizendo que deveria estar presente em Inchcullin no dia trinta e um
de outubro para a leitura dos últimos desejos e do testamento de Neil Craig e
que deveria trazer Rowan consigo. Se pensasse mais em si mesma como dissera
Dermid estaria em Ottawa e já teria, há muito tempo, entrado com um pedido
de divorcio. Aquela simples separação não conduzira a nada. Ele continuava tão
prepotente e mal-humorado como antes. E ainda perigosamente atraente,
admitiu, engolindo em seco e dando-lhe uma rápida olhada.

Mas ele não estava lá. Já se encaminhava paia a porta de saída junto com

Rowan. Estavam de mãos dadas e de vez em quando Rowan dava um pulinho
como se estivesse muito feliz por caminhar com o homem que, mesmo sendo um
estranho para ele, era seu pai. Ellen teve um sobressalto. Movendo-se mais
rápido que conseguia, por causa de seus pés inchados, ela correu atrás. Lá fora
o ar estava gelado. O vento desmanchou e espalhou a franja de seus cabelos
loiros que chegavam quase aos ombros. Pingos de chuva fria bateram em seu
rosto e ela lamentou ter guardado sua capa na mala; a chuva estragaria seu
conjunto de veludo.

No instante seguinte Ellen se esqueceu daqueles contratempos vendo

Rowan, encorajado por Dermid, desaparecer no banco dê trás de um carro
preto estacionado ali perto. Era como se visse seu filho sendo raptado e não
pudesse fazer nada para salvá-lo.

— Rowan, volte! Dermid, você não pode fazer isso!
— Não? — Ele suspendeu a manga de sua camisa de seda bege e olhou.

para o relógio. — Com um pouco de sorte, conseguiremos pegar a única balsa
que vai para Portcullin hoje. Quer mudar de idéia e vir junto? Ou ainda prefere
dirigir até lá... sozinha, claro!

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Ellen olhou para o marido, procurando alguma resposta à altura. Nada lhe

ocorreu. Em vez disso surpreendeu-se por ainda o achar extremamente
atraente.

— Mamãe, depressa! — A cabeça de Rowan apareceu na janelinha do

carro. — Eu vou para o castelo de barco. Venha logo!

— Está bem — murmurou ela, encaminhando-se para o carro.
— E sua bagagem? — Dermid lembrou-a. — Vai deixá-la aqui?
— Que inferno! — Irritadíssima, Ellen se encaminhou para o aeroporto.

Após alguns instantes voltou com o carrinho com as três malas, Dermid já
estava sentado no banco de trás, conversando com Rowan, e foi o motorista
quem colocou a bagagem no porta-malas.

Ellen notou que era um carro da firma e ignorando o lugar que Dermid

deixara para ela, sentou-se no banco da frente ao lado do motorista; a firma
era Craig & Rose, Fiandeiros de Algodão e Linha de Náilon. Robert Craig
começara seu negócio no século XIX e este crescera tanto que havia filiais das
indústrias Craig & Rose em vários países.

Ellen reclinou a cabeça no encosto do assento e fez um grande esforço

para relaxar, enquanto o carro rodava em direção a Irvine. Ela já tinha se
esquecido de como aquelas estradas eram estreitas. Os campos de tomates
estavam na época da colheita e ocupavam ambos os lados da estrada, onde
ainda havia algumas folhas nas sebes com frutinhas silvestres. As sorveiras,
plantadas nos cantos dos campos para afastar os duendes e as bruxas, estavam
com folhas douradas como os cabelos de Rowan e os cachos de frutas
escarlates balançavam ao vento.

A mãe de Ellen era da família Rose antes de casar com Don Lister, um

piloto da Força Aérea canadense, que estava servindo na Escócia no final da II
Grande Guerra. Ela voltou com ele para o Canadá, depois da guerra, como
muitas outras mulheres inglesas que casaram com canadenses. Noivas de
guerra, como eram chamadas.

Ellen suspirou pensando em sua mãe. Janet Lister era particularmente

orgulhosa de descender da poderosa família “Rose”, há muitos anos sócia dos
Craig nos negócios têxteis. Ela insistira para que Ellen visitasse seus parentes
“Rose” em sua primeira visita à Inglaterra, há cinco anos atrás.

Com vinte anos de idade, impressionada e excitada com a descoberta de

suas raízes escocesas, Ellen aproveitou muito o convívio com seus primos Rose
e foi na casa de um deles que conheceu Dermid Craig, de olhos negros, cabelos
avermelhados e sete anos mais velho do que ela.

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Um simples olhar e bastou para que Ellen se apaixonasse, porque ele

parecia a personificação daqueles orgulhosos chefes de clã sobre os quais ela
lera em romances escoceses da biblioteca de sua mãe.

Mas Dermid não era um chefe de clã, ele tinha assegurado a Ellen, com

os olhos brilhando de divertimento, quando Ellen lhe contara aquelas
impressões; ele era um técnico da indústria têxtil e pretendia, algum dia,
tomar-se diretor geral da Craig & Rose. Ambicioso, forte, competente nos
negócios e sabendo lidar com pessoas, ele logo me levou à submissão, pensou
Ellen com outro suspiro. De modo que, assim que ele disse que queria casar com
ela, Ellen concordou sem hesitação, muito apaixonada.

Mas, se Janet Lister pudesse adivinhar o futuro, será que teria insistido

tanto para que eu visitasse os parentes Rose?, pensou Ellen com os olhos
fechados, embalada pelo ar aquecido do carro e pelo murmúrio da voz de
Dermid, que conversava com Rowan. Se Janet Lister adivinhasse que sua única
filha encontraria, ia se apaixonar e casaria num espaço de três semanas com o
filho de Maxwell Craig, um homem que Janet desprezava, será que teria
insistido para que Ellen visitasse a família Rose? Ellen agora duvidava disso.

Sua cabeça pendeu para o lado e ela cochilou. Quando abriu os olhos, a

estrada fazia uma curva ao lado de uma praia rochosa.

Surpreendentemente, as nuvens tinham desaparecido e o sol derramava

seus raios sobre as ondas do estuário Clyde, tornando-o cor de violeta. Já era
possível ver muitas ilhas com seus picos agudos: Arran, Cumbraes e Bute.

Enquanto o carro voltava para a estrada costeira principal e embicava no

porto, o sol brilhava no céu pálido de outubro. Do outro lado do mar, de um
turquesa cintilante, às vezes cor-de-malva com manchas escuras, com as
sombras das nuvenzinhas brancas acima Ellen podia ver as colinas de Kintyre,
convidando- ai a voltar pára aquelas areias, para ouvir o barulho do mar e o
canto do vento nas árvores, viver novamente uma vida de paz e de sonhos.

Em pé no deck superior da balsa, contemplando as colinas, Ellen sentiu

lágrimas de nostalgia em seus olhos, e estremeceu um pouco na brisa fria.

— Está frio aqui em cima — disse ela, afastando-se da grade. — vamos

descer e sentar no salão, Rowan.

— Eu quero ficar aqui.
— Você não trouxe um casaco? — perguntou Dermid, com irritação,

percebendo a palidez no rosto de Ellen.

— Sim, mas está dentro da mala — murmurou ela, evitando olhar para o

marido. Será que ele se lembrava de que lhe fizera a mesma pergunta, há cinco
anos atrás, no mesmo deck superior da mesma balsa? Havia sido naquela mesma

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época do ano que ele, casado há apenas duas semanas, tinha levado a esposa a
Inchcullin para conhecer seu avô. Depois ele tirara seu casaco de camurça
forrado de lá de ovelha, pusera-o sobre os ombros de Ellen puxara o capuz e,
segurando seu rosto com ambas as mãos, lhe dera um beijo. Agora, deu-lhe uma
olhada de esguelha e não lhe ofereceu o sobretudo que colocara no carro.

— Desça você, então — ordenou ele — Eu ficarei aqui tomando conta de

Rowan.

Ellen hesitou, suspeitando daquela boa vontade. Não ficaria surpresa se

o marido aproveitasse todas as chances para conseguir a tutela de Rowan.

— Rowan, você parece que também está com frio. Desça com a mamãe. Lá

está quentinho e você pode beber alguma coisa quente e comer bolachas de
chocolate.

— Não quero beber nada, não quero bolachas. Quero ficar aqui. — Rowan

virou-se rapidamente e correu em disparada pelo deck. Como não, estava
acostumado com o balanço da balsa, perdeu o equilíbrio e escorregou de
encontro à grade.

— Rowan! — gritou ela, precipitando-se para a frente, imaginando o

corpinho de Rowan passando pelo vão entre o piso do deck e a grade, caindo na
água e afundando pára sempre. Mas Dermid, movendo-se mais rapidamente do
que Ellen, alcançou Rowan antes, suspendeu-o nos braços e colocou-o nos
ombros, onde o menino olhou triunfante para ela.

— Depois desse pequeno susto eu acho que você é quem precisa de um

bom gole de uísque. O bar deve estar aberto — disse Dermid.

— Ainda é muito cedo para um uísque — protestou Ellen, seguindo-o na

direção do deck inferior. — Além disso não podemos levar Rowan ao bar.

— Está bem, você fica com ele no salão e eu pego um uísque para nós
No confortável salão na popa do barco, Ellen sentou-se perto da janela

para que Rowan pudesse olhar a paisagem lá fora. Pensou em pedir um suco de
laranja e biscoitos de chocolate para Rowan e uma xícara de café para ela, caso
Dermid não pudesse trazer o uísque do bar.

Quando ela já estava impaciente, ele regressou com dois copos na mão.

Pôs os dois sobre a mesa e sentou-se do lado oposto.

Dermid bebeu o uísque e Ellen brincava com um dos copos, observando o

gelo, pensando em algo para dizer.

— Eu... eu não esperava que você viesse nos esperar — murmurou de

repente. — Eu pensei que você ainda estivesse em Inchcullin.

— O enterro foi na terça-feira da semana passada. Eu voltei a

Kilruddock no dia seguinte — Kilruddock era a cidade onde ficavam as fábricas

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e escritórios dos Craig e Rose e também a casa em que eles tinham morado no
primeiro ano de casamento.

— Eu sinto muito não ter vindo para o enterro — disse. Ellen

formalmente

— Você não era mesmo esperada...
— E realmente não entendo por que preciso estar presente à leitura do

testamento do seu avó. Afinal, eu mal o conheci e não sou uma Craig.

— Não, você não é, mas Rowan é — ele a interrompeu, friamente. — E foi

por causa dele o convite para a leitura dos últimos desejos do meu avô.

— Foi muito inconveniente para mim deixar Ottawa justamente agora.
— Oh, eu imagino — disse, sarcástico, — Walt Stewart arranjou alguém

para substituí-la?

— Bem, não foi fácil — ela murmurou.
Dermid tinha chegado bem perto da verdade e ela ainda podia ouvir a

voz de Walter Stewart gritando nos seus ouvidos:

— Está bem, tire uma semana, nem um dia a mais, e se você não tiver

voltado, na próxima segunda... nem precisa voltar. Você tem feito um péssimo
trabalho ultimamente... parece que perdeu a vitalidade que tinha... portanto vou
aconselhá-la: Enquanto estiver lá, resolva de uma vez sua situação conjugal,
certo? Peça o divórcio.

— Mas... mas... eu não tenho certeza se desejo um — ela havia

Protestado.

— Essa separação não está lhe fazendo bem algum. Aquele homem não

sai de seus pensamentos, garanto. Você precisa se decidir mais cedo ou mais
tarde por ele ou por sua carreira. Parece que não consegue ficar com os dois.
Acredite, Ellen, uma ruptura final é melhor. Eu já passei por isso, portanto sei
como é péssimo agarrar-se a sonhos, e esperanças de reconciliação. Isso não
passa de falso romantismo.

Durante a viagem, Ellen havia pensado muito a respeito dos conselhos de

Walter e foi obrigada a admitir que ele tinha razão. Nos próximos dias ela
haveria de decidir-se. Divorciar-se de Dermid ou... Ela olhou para o marido.
Dermid brincava com o copo já vazio e seus olhos escuros e enigmáticos
encontraram os dela.

— Foi só por causa de Rowan que eu vim, está claro?
— Quer dizer que não veio por minha causa? — respondeu ele,

asperamente. — Sim, está bem claro. — Dermid pegou o copo dela.

— Quer outra dose?

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— Não, não obrigada. Ainda nem acabei esta, mas se quiser vá buscar

outra para você.

— Não, eu não quero. — Mas ele se levantou e se afastou para sair do

salão. Ellen observou o marido caminhando e o velho ressentimento de ser
deixada sozinha fez com que ficasse magoada. Bebeu outro gole do uísque.

Dermid tivera razão em ir embora depois daquele ano em que ficaram

casados. E mesmo agora ela ainda odiava se lembrar claramente daquela
primeira vez, depois de três meses de casados, quando ele avisou de que
deveria ir para a Índia por causa de um maquinário de um moinho de fiar que a
companhia tinha montado lá.

— Quando partimos? — ela havia perguntado, excitada pela idéia de

passar uns tempos num país exótico.

Tinham acabado de jantar e estavam sentados no sofá, como sempre

gostavam de fazer, na grande sala que ela mobiliara com tanto prazer. E como
eles ainda estavam apaixonados um pelo outro, sentavam-se bem juntinhos, ela
com a cabeça no ombro dele.

— Eu vou, você não — ele disse suavemente e pôs a mão por dentro da

sua bata. As pontas dos dedos tocaram carinhosamente a sua barriga. — Você
esqueceu de que está grávida?

— Claro que não! Como poderia esquecer se há três meses eu me sinto

mal todas as manhãs?

— O enjôo passará dentro em breve, isso é normal — ele murmurara,

beijando-a suavemente no pescoço.

— Como você sabe? Já teve uma mulher grávida antes?
— Não, mas eu leio os livros a respeito de maternidade que estão na

biblioteca. Eu quero que seja menino, Ellen.

— Eu também. — E os dois se beijaram apaixonadamente esquecendo-se

de tudo, menos de como era bom o prazer sensual de satisfazerem um os
desejos do outro.

Mais tarde porém, deitada ao lado de Dermid na cama, observando o luar

refletido no teto do quarto, ela se lembrou de como seria horrível ficar sem
ele e não suportou ficar em silêncio.

— Você não pode ir sem mim. Eu não quero. Oh. Dermid, eu vou morrer se

ficar longe de você!

— Não, não vai morrer. Eu voltarei, serão apenas seis meses. Eu voltarei

para o nascimento do nosso filho. Eu voltarei tão logo seja possível. Quero
estar com você quando o trabalho de parto começar. Quero ajudá-la, quero ver
nosso filho nascer...

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— Seis meses? — Parecia uma eternidade para ela. — O que eu vou fazer

todo esse tempo nesta cidade? Ficarei louca de tédio!

— Pode visitar seus primos, você se dá tão bem com Molly MacIntyre. E

também estará ocupada fazendo roupinhas de criança e assistindo às aulas do
pré-natal. Haverá mil coisas para fazer. Você não vai se aborrecer.

— Mas não vai ser a mesma coisa sem você aqui — ela sussurrará,

desesperada. E percebendo depois que Dermid estava quase dormindo, ela
enlaçou-o e abraçou-o fortemente. — Dermid, não vá. Deixe que eles mandem
outro em seu lugar. Fique comigo.

Ele ficou tenso e moveu-se para longe dela, colocando as mãos sob a

nuca. Na claridade do luar seus traços pareciam esculpidos em mármore.

— Eu tenho de ir. E um trabalho que eu quero fazer. Faz parte da

experiência que eu preciso adquirir se quiser um dia ser diretor da companhia.

— Você prefere realmente ir a ficar comigo? — perguntara ela,

profundamente magoada.

— Ellen, a questão não é essa, eu não quero deixá-la, da mesma maneira

que você não quer ficar sozinha, mas é melhor para sua saúde que fique aqui e
faça um pré-natal como se deve já que está grávida.

— Se você me ama, se realmente me ama, não vá — tinha protestado,

sem perceber que o marido estava preocupado com a saúde e bem-estar dela.

— E se você me ama não deve fazer uma tragédia por causa disso. Agora

durma. Eu tenho que levantar cedo mesmo que você não tenha.

Sentindo que sua roupa estava molhada, Ellen voltou rapidamente do

passado para o presente para constatar que entornara o copo sobre sua saia de
veludo. Contrariada, ela abriu a bolsa e pegou um lenço de papel para enxugá-la.
Estragaria o veludo, ela tinha certeza. Olhou para Rowan. Ainda bem que ele
está calmo, pensou com um sorriso triste. Ele mastigava outro biscoito de
chocolate e era melhor não perturbá-lo deixando para limpar sua boca só
quando terminasse de comer.

— Igualzinho a mim quando criança — Dermid dissera no aeroporto

quando encontrara Rowan. Ela achava que realmente ele deveria parecer-se
com Rowan quando tinha quatro anos. Possuía a mesma determinação para
escolher e seguir seu próprio caminho.

Como Dermid gostou quando Rowan nasceu. Mas ele também tinha se

preocupado muito com Ellen, pois tivera um parto difícil. Jamais ela se
esqueceria da ternura com a qual a tratara nas primeiras semanas depois que o
bebê nascera.

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Sua recuperação demorou algum tempo e, nos quarenta dias de dieta, o

doutor aconselhou-a a não ter pressa em engravidar novamente; naquele mesmo
dia Dermid disse a ela que deveria voltar para a Índia a fim de inspecionar o
moinho, pois precisava resolver ainda alguns problemas com o maquinário.

— Mas vou voltar logo — ele a confortou. — Vou ficar fora apenas cinco

semanas. Você nem vai sentir minha falta, ocupada que estará com nosso filho.

Foi quando ela se lembrou da carta que recebera de seus pais

convidando-a para passar alguns dias com eles no Canadá

— Enquanto você estiver fora, eu acho que vou para casa...
— Casa? Esta não é a sua casa’?
— Eu... eu queria dizer, Ottawa — ela se corrigiu rapidamente. —

Dermid, se eu for, você passará por lá quando voltar da Índia? Já é hora de
conhecer os meus pais...

— Acho melhor que não — replicou ele, a boca curvando-se

ironicamente.’— Posso estar errado, mas eu tenho a impressão de que eles não
aprovaram o nosso casamento.

— Isto porque nós nos casamos depressa demais e eles não tiveram

tempo de vir à Escócia para assistir à cerimônia — ela explicou depressa e
defensivamente. A reação fria de seus pais diante do seu excitado telefonema
dizendo a eles que se casara com Dermid numa rápida e alegre cerimônia civil
num cartório escocês magoou-a e confundiu-a na época. — Se nós tivéssemos
esperado por eles ou tivéssemos ido a Ottawa para casar, eles reagiriam de
maneira diferente.

— Você poderia esperar? — ele perguntou, inclinando-se para ela,

sorrindo, o olhar dirigido sugestivamente para sua boca enquanto o braço de
Dermid enlaçava. possessivamente sua cintura e seus dedos acariciavam os seus
seios. — Você sabe que não poderíamos — ele sussurrou. — Você estava como
um fruto maduro para ser colhido e eu ansioso pela colheita. Portanto seus pais
deveriam ficar felizes por nós termos casado logo. — E seus lábios
encontraram os dela num beijo cheio de paixão que expressou todo o desejo
que ambos sentiam.

Mas em vez de corresponder, Ellen enrijeceu-se contra ele, enquanto um

medo horrível de engravidar novamente depois do sofrimento da primeira
gravidez apoderou-se dela. Empurrando-o, ela procurava se libertar daquele
beijo.

— Não, não agora, não ainda. O doutor disse que eu preciso ter cuidado,

que eu preciso esperar algum tempo para engravidar novamente. Ele disse que

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eu preciso conversar com você para nós entrarmos em acordo a respeito das
precauções que precisamos tomar.

— Eu estava somente beijando você, querida — falou Dermid, roçando o

nariz de encontro a sua face.

— Eu sei, mas quando você me beija é tão difícil, não... oh não Dermid,

por favor, afaste-se. Não me beije e não me toque desse jeito — ela falou sem
refletir, defendendo sua própria vulnerabilidade e não levou em conta os
sentimentos dele... simplesmente não imaginou o quanto estava ferindo o
marido.

Dermid afastou-se dela e foi sentar-se na outra ponta do sofá.
— Assim está bem? — perguntou ele, sarcasticamente — ou pretere que

eu saia de casa?

— Oh, Dermid — ela tentou sorrir —, não seja bobo. Procure entender.
— Entendo muito bem — interrompeu ele asperamente. — Você não me

quer por perto com medo de outra gravidez. Bem, depois desta noite, você não
terá preocupações por cinco semanas, pois a distancia entre nós será bem
grande, eu estando na Índia e você em Ottawa. E as precauções que o médico
aconselhou não serão necessárias.

Sentindo-se ainda fraca, desejando e temendo o conforto que só ele

poderia lhe dar, Ellen começou a chorar e correu para o quarto.

Chorou durante muito tempo e permaneceu acordada, atenta ao menor

ruído, certa de que ele viria, se deitaria ao seu lado, iria abraçá-la e pediria
desculpas por ter sido tão rude. Como ele não foi Ellen saiu da cama para
procurá-lo na sala de estar do andar de baixo para tentar uma reconciliação.
Mas ele não estava lá e não estava em lugar algum da casa e por alguns
instantes ela entrou em pânico ao pensar que ele a abandonara. Depois o bom
senso veio ajudá-la. Todas as coisas dele estavam na casa. Dificilmente teria
ido embora sem levar ao menos uma maleta.

Ouvindo o bebê chorar ela subiu, amamentou-o, trocou-o colocou-o para

dormir outra vez. Ellen dormiu quase em seguida e só acordou quando Rowan
chorou reclamando a primeira refeição do dia. Dormira só, Dermid não dormira
junto com ela.

Tentando não se perturbar, cuidou de Rowan, colocou-o no berço e voltou

para seu quarto. Para sua surpresa Dermid estava lá, completamente vestido e
arrumando a mala.

— Rowan está bem? — perguntou Dermid, sem ao menos olhar para ela.
— Sim. — Ela sentou-se aos pós da cama. — Dermid — e começou com

hesitação, preocupada —, onde você dormiu esta noite?

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— Fora — respondeu ele brevemente e começou a fechar a mala.
— Onde?
— Importa?
— Sim. Eu... eu fiquei preocupada quando descobri que você não estava.
— Fui visitar um amigo — respondeu ele bruscamente.
— Posso saber qual? — ela perguntou e mesmo contra sua vontade a voz

saiu tremida.

— Se eu lhe dissesse de nada adiantaria — respondeu ele, dando de

ombros. E foi para o quarto de vestir ajeitar o nó da gravata. Ele viu através do
espelho que Ellen o observava e seus olhares se encontraram. — Não fique tão
contrariada, Ellen, eu não dormi fora.

— Então onde você dormiu. — Ela não conseguiu disfarçar o ciúme que a

estava roendo internamente,

— No quarto de hóspedes, onde mais?
— Dermid... eu... eu... eu sinto muito — murmurou ela. — Quando disse

que não queria que você me tocasse, não quis dizer que não queria dormir na
mesma cama, junto com você...

Ele se voltou, caminhou até ela e sentou-se ao seu lado. Banhado e

barbeado há pouco, com a camisa e o temo limpos, a presença dele a atraía
muito e Ellen quase se jogou em seus braços pedindo para ele não ir. Porém, o
olhar frio e enigmático do marido obrigou-a a refrear esse impulso.

— Eu não poderia dormir com você na mesma cama e resistir... — disse

ele numa voz baixa. — Eu não poderia. Eu... — Ele se interrompeu. — tenho que
ir agora — acrescentou pegando sua mala. — Escreva-me contando quando você
vai para o Canadá. Retire o dinheiro que quiser de nossa conta.

Ele se foi e Ellen, quase tropeçando no seu robe comprido, correu atrás

do marido. No topo da escada ele se voltou. Seu rosto estava pálido e um
músculo tremia em sua face.

— Dermid, você irá a Ottawa? Por favor! — ela sussurrou, erguendo a

mão para afagar seu rosto, mas desistindo de levar o gesto adiante.

— Talvez, Dependerá do tempo que você resolver ficar lá.
— Mas...
— Não tenho mais tempo agora — ele a interrompeu. — Escreva-me

contando seus planos. — Dermid se inclinou e beijou-a na face. — Adeus, amor
— murmurou ele e desceu as escadas.

— Mamãe... mamãe! — A voz estridente de Rowan trouxe-a de volta o

salão da balsa, para o rumor das máquinas, para o barulho do mar e para a face

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de Rowan, branca como cal, suja de farelos de biscoitos de chocolate. —
Mamãe, acho que vou vomitar.

— Oh, não! — gritou Ellen e olhou pela janela. O tempo mudara

novamente e a balsa jogava demais. — Não aqui, Rowan, por favor. — Ela
implorou, levantando e olhando à sua volta. Dermid não estava por perto. Seus
lábios se apertaram. Dermid deixara claro que preferia ficar no bar do que na
companhia dela e de Rowan.

Rowan teve ânsia e ela puxou-o pela mão em direção à porta. Procurava

ansiosamente as placas que indicavam os toaletes.

— Posso ajudá-la, senhora? — Um tripulante vinha em sua direção.
— Meu filho está com enjôo. Ele não está acostumado com o mar.
Nem eu, ela pensou, quando sentiu seu próprio estômago embrulhar.
O homem entendeu e abriu uma porta ao seu lado.
— E aqui, senhoras leve-o para dentro. A senhora pode se deitar no

banco se quiser. Ainda demora para chegar ao porto e o tempo vai piorar mais.

Empurrando Rowan, Ellen entrou na cabine. Rowan foi ao banheiro e

gritou por ela quando acabou de vomitar. Ela limpou-o, colocou-o no banco e
deitou-se ao seu lado abraçando-o, acariciando seus cabelos avermelhados.
Pouco a pouco, ele se acalmou e dormiu.

Como ele é bonito. Ellen pensou enquanto o olhava, com o rostinho mais

calmo e aqueles cílios tão compridos. Uma criança nascida do amor, porque ela e
Dermid estavam realmente apaixonados um pelo outro há seis anos atrás. O que
realmente acontecera entre eles? Por que haviam se separado? De quem era a
culpa? Ambos seguindo caminhos opostos e nenhum dos dois querendo ceder
nunca.

Oh, Deus, ela estava cansada de pensar nisso, cansada de tentar

descobrir se poderia ter agido de outra forma, cansada de viver agarrada a um
sonho impossível. Cansada, cansada, cansada. Se ela pudesse dormir e nunca
mais acordar!

Devagarinho ela fechou os olhos. A noite mal dormida e a tensão pela

qual passara desde que se encontrara com Dermid, tinham abalado seus nervos.
Exausta, ela adormeceu, um braço passado protetoramente sob a criança.


Capítulo II

Ellen percebeu que a balsa parara pois não se ouvia mais o barulho das

máquinas. Sentindo frio, ela permaneceu com os olhos fechados, pensando no

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que acontecera... Foi quando bateram com força na porta da cabine. Abrindo os
olhos ela viu Rowan. Ele ainda estava dormindo com a cabeça por cima de seu
braço. Batidas mais fortes fizeram-na tirar o braço de sob a cabeça dele,
correr até a porta e abri-la. O tripulante estava lá olhando-a com curiosidade.

— Nós estamos em Portcullin, senhora, o fim da linha — ele disse. — O

menino está melhor?

— Sim, obrigada. Está dormindo.
— A senhora tem bagagem?
— Sim — Ellen tirou os cabelos do rosto. Ainda estava tonta de sono.

Parecia que tinha dormido anos. — Eu acho que Derm... digo, meu marido, está
cuidando disso.

— Sim, sim — disse o tripulante. — Então eu a ajudarei com a criança. —

Ele entrou na cabine e olhou para Rowan. — É uma pena acordá-lo. Só tem esse,
senhora? — Ellen concordou e ele prosseguiu.

— Eu tenho quatro. Dão muito trabalho para minha esposa. — Ele ergueu

Rowan nos braços. — Vá na frente, senhora. Vire à direita no corredor e
encontrará a prancha de desembarque.

Só havia tempo de pôr os sapatos e pegar a bolsa. Não dava para se

preocupar com sua aparência, pentear os cabelos, ou retocar a maquiagem. Não
haveria tempo para alisar sua saia ou tirar os pelinhos de lã do seu conjunto.

O barulho das gaivotas voando parecia saudá-la enquanto ela descia pela

prancha de desembarque para o cais. O chuvisco parara e o sol brilhava
novamente no céu azul, onde nuvens brancas passavam, brilhava sobre as
paredes das construções do cais de pedra onde a balsa fora atracada e
cintilava nos dois carros estacionados ali perto.

Imediatamente ela reconheceu um dos veículos. Era o Rolls Royce

prateado que pertencera ao avô de Dermid e James Blair, o motorista e
jardineiro, estava pondo a bagagem no porta-malas. Mas onde estava Dermid?
Ela não precisou procurar muito para encontrá-lo. Ele estava ao lado do outro
carro com uma mulher alta, elegante, muito bem vestida, os cabelos loiros,
lisos, bem cortados, brilhavam à luz do sol. Dermid parecia muito interessado
no que ela falava e nem viu quando Ellen desceu a rampa.

Ignorando-o Ellen se dirigiu a James Blair e o tripulante seguiu-a ainda

carregando Rowan. A face de James Blair geralmente muito séria abriu-se num
sorriso de boas-vindas e ele levantou seu boné para ela quando a viu aproximar-
se.

— Bom dia, sra. Craig — ele disse na sua cantante voz escocesa.

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— Como você está, James? — Ela estendeu a mão a ele e ele ficou

hesitante se poderia ou não trocar apertos de mão com a mulher de seu patrão.

— Acho que estou bem, muito bem, sra. Craig. E como vai a senhora?
— Bem, obrigada.
— Mamãe — a voz de Rowan soou ansiosa ao acordar nos braços do

tripulante. — Onde nós estamos, mamãe? Onde está o barco?

— Nós já chegamos, queridos. — Ela sorriu para o tripulante e

agradeceu-o enquanto ele punha Rowan no chão. Mas o olhar dela dirigiu-se
para Dermid que ainda conversava com a mulher loira. Quem seria ela? Por que
ele prestava tanta atenção no que ela dizia? Ellen sentiu uma pontada de ciúme
mas procurou ignorá-la. O camareiro voltou para a balsa e James Blair,
segurando a porta do carro aberta, sugeriu que ela e Rowan entrassem.

— Venha, Rowan. Entre. Não é um carro lindo?
— Não quero ir para o carro. Quero ir para o barco — reclamou Rowan,

contrariado, recusando-se a mover-se. — Quero ficar com ele — acrescentou.
apontando para Dermid. E se esquivando dela, correu para o cais.

— Rowan, Rowan, volte imediatamente. — O vento, que de tão forte

desmanchava sua franja embaralhando sua visão, levou as palavras para a
direção errada. Mordendo o lábio inferior, Ellen observou Rowan correr para
Dermid e levantar os bracinhos para ele. Dermid abaixou-se e colocou o menino
nos ombros como fizera na balsa. Mas, em vez de virar-se e voltar para o carro,
continuou parado com a mulher, sem falar mas ouvindo-a com muita atenção.

— Eu estou pensando que a refeição que Bessie preparou vai esfriar

demais se tivemos que esperar muito — resmungava James Blair baixinho.
Depois de olhar para o chofer, Ellen notou que ele olhou para o relógio e depois
observou o grupo parada perto do outro carro. Já eram doze horas e vinte
cinco minutos e ela se esquecera que era domingo. Ellen se esquecera de que
em Inchcullin eles sempre serviam uma refeição bem substanciosa ao meio-dia.

— Vou dizer a Dermid para se apressar — murmurou ela e caminhou até

lá. Chegando ao lado dele, falou abruptamente, sabendo que estava sendo rude
interrompendo a outra mulher. Mas não se importou muito porque achava que
tinha direito à atenção de Dermid.

— James diz que vamos perder o almoço se não formos já para

Inchcullin.

A outra mulher se calou. Ellen lançou-lhe um rápido olhar, notando a pele

bonita, a face angular, os cabelos curtos, os olhos azuis profundos sob
sobrancelhas bem arqueadas; uma bonita mulher, esguia, bem vestida com um

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suéter de lã de carneiro sob um conjunto de tweed azul-acinzentado; uma
mulher de uns quarenta e cinco anos, experiente e sofisticada.

— Estarei com vocês num minuto. — A voz de Dermid era fria e

autoritária enquanto ele punha Rowan em pé no chão. — Vá com sua mãe, rapaz
— ordenou. — O que você estava dizendo, Ann? — ele perguntou com cortesia,
voltando-se para a outra.

Com as faces pegando fogo, Ellen virou-se sentindo os dedinhos gordos

de Rowan em sua mão. Como Dermid ousou tratá-la como se fosse ninguém?
Como ele ousou humilhá-la diante da outra mulher? Atrás dela, Ellen ouviu uma
porta de carro bater e uma partida de motor. Em poucos segundos Dermid
estava ao seu lado.

— Você tinha que ser tão rude? — reclamou ele. — Não podia esperar

até que Ann terminasse de falar?

— Do jeito como ela conversava, acho que teria de esperar a vida toda —

Ellen respondeu. — E aparentemente o que ela dizia era muito mais importante
para você do que para Rowan e eu.

A mão de Dermid agarrou seu braço e segurou-o com tanta força que

parecia atingir seus ossos, forçando-a a virar-se para ele.

— Escute, sua tola ciumenta, Ann é uma velha amiga...
— Oh, eu percebi... Bem velha. Mais velha do que você pelo menos uns

vinte anos. Mas é a última moda agora, não é? Mulheres mais velhas
interessando-se por homens jovens.

— Cale-se — ele falou, seus olhos lampejando com raiva. — Ellen, o que

há com você?

— Nada, nada — ela respondeu, afastando os cabelos loiros dos olhos. —

Eu só estou dizendo o que acho, dando minha opinião, creio que tenho esse
direito, não? Penso que você encontrou no bar a sua velha amiga. Aposto que ela
já estava lá quando foi buscar aquele primeiro drinque e foi por isso que voltou
correndo para buscar outro. Você preferiu beber com ela do que ficar comigo e
Rowan.

— Acha, honestamente, que me encoraja a ficar com você? — ele

respondeu asperamente. — Oh, não, bem pelo contrário. Mostra que me quer
longe porque ficar comigo a aborrece, não é? Está certo, eu voltei ao bar e
fiquei não porque Ann estivesse lá. Eu não tinha visto Ann até que comecei a
procurar você pelo barco todo. Onde você se enfiou?

— Rowan sentiu-se mal e eu também fiquei um pouco enjoada. Um

tripulante levou-nos até uma cabine e nos deitamos.

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— Já estão bem agora? — Com um olhar quente ele observou a face de

Ellen e olhou também para Rowan. que surpreendentemente estava quieto, de
mãos dadas com ela e chupando o dedo, enquanto olhava para alguma coisa que
era levada pelo vento.

— Como se você se importasse conosco...
— Deus meu, que temperamento infernal — Dermid disse, apertando

fortemente seu braço. — Estou inclinado a...

— Sacudir-me — ela falou. — Vamos, faça isso. Sacuda-me na frente de

James Blair, ofereça-lhe uma história emocionante para contar a Bessie, que
por sua vez a contará a tia Agnes, que saberá então que nosso relacionamento
não é tão agradável quanto penso que você forçou sua família a acreditar.

— Eu não forcei Agnes a acreditar em coisa alguma — ele respondeu. —

Sou diferente de você, eu nunca discuti com ninguém nosso relacionamento.
Eles podem acreditar no que quiserem. A forma que eu e você escolhemos para
viver não é da conta de nenhum idiota.

— Dermid, olhe sua linguagem, por favor. Pense na criança. — Ela

suspirou, tentando livrar o braço da mão que o agarrava. — Você está me
apertando com força. Meu braço ficará machucado quando você soltá-lo. Ah,
vamos, por favor! — ela gritou enquanto ele o apertava com mais força. — Você
deve ter bebido muito para se comportar deste modo. Você não costumava ser
espancador de mulheres.

— Onde você aprendeu a ser tão vulgar, Ellen? — ele perguntou, seu

rosto tão perto do dela que ela podia sentir o cheiro da bebida na sua
respiração e ver o olhar perigoso de seus olhos apertados. — Com sua mãe? Ou
com o pessoal com quem você trabalha? — Ele a soltou tão bruscamente que
Ellen se desequilibrou um pouco. — Vou começar a pensar no que disse —
continuou ele, enfiando as mãos nos bolsos da calça. Olhou-a com insolência. —
É isso o que eu deveria ter feito há anos atrás: batido em você.

— Eu o odiaria se você tivesse me batido. Eu o abandonaria.
— Não vejo a diferença — ele ironizou. — Você me odeia do mesmo jeito!
— Eu não, oh, você... — Antes de ofendê-lo com nomes impróprios ela se

interrompeu, lembrando-se de Rowan. Voltando-se, ela encaminhou-se para o
Rolls, puxando a criança. James Blair ainda conservava a porta aberta para ela.
Entrou primeiro e foi bem para o canto. Rowan sentou-se ao seu lado e ainda
chupando o polegar, recostou-se nela. Ellen esperava que Dermid se sentasse
na frente com James, mas quando ela olhou ao redor, ele estava se sentando na
outra ponta do banco enquanto James fechava a porta do carro.

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O grande carro arrancou finalmente e num instante deixou para trás o

porto, penetrando na rua principal da cidade, passando pelas lojas fechadas e
pelo hotel. As pessoas nas suas roupas domingueiras encaminhavam-se para a
igreja, as mulheres segurando os chapéus que o vento teimava em tirar e as
mocinhas rindo enquanto tentavam segurar saias.

No topo, o carro passou rápida e suavemente pelas colinas de pedra e as

ruínas do Castelo Cullin. Terminado o trajeto da colina, o carro pareceu flutuar
e de lá se avistava o lindo mar turquesa-prateado, onde o sol brilhava e as
nuvens deixavam suas sombras.

Virando à direita para a direção norte, o carro deslizava macio. Com a

cabeça encostada no encosto do carro, Ellen sentiu que a tensão decorrente da
briga com Dermid se amenizava. A ilha mais próxima. baixa e escura era Gigha,
lembrava-se. E aquela verde atrás dela era Islay. E qual era o nome daquela
com três montanhas? Sem pensar ela se voltou para perguntar a Dermid, mas
hesitou pois ele parecia dormir, as longas pernas estendidas e a cabeça apoiada
no encosto do carro.

Ellen estudou sua face. Os anos que viveram separados deixaram marcas

no marido. Havia linhas ao lado da boca que não existiam antes; talvez porque
ele sempre gostara muito de rir, mas também alguma coisa a mais. Amargura?
Havia também alguns fios de cabelos brancos nas têmporas.

Ele sempre foi diferente, pensou ela, sempre chamou atenção, mas

agora, além de distinto, ele também tem uma aparência simpática, é bonito. Ele
parecia o que era, um homem de negócios cheio de sucesso, dinâmico, confiante
na sua própria capacidade, consciente de sua elegância em qualquer traje e até
mesmo sem nenhum.

As faces de Ellen ruborizarain-se com essa idéia e tirou os olhos dele

depressa, enquanto sentia uma onda de desejo violenta tomando conta de todo
seu corpo. Procurou se distrair daqueles pensamentos, olhando para o mar.

Quantas mulheres já haviam se sentido assim olhando para Dermid?

Quantas mulheres ele teria tido em sua vida nesses três anos? Ela sabia de
pelo menos uma. Dermid não era puritano. Abnegação não fazia parte de seu
estilo de vida. Ele era um tipo realista, como o seu pai também o fora, tirando
prazer onde pudesse ser encontrado. “Talvez eu me torne como ele se você não
me amar o suficiente”, disse ele certa vez. E embora Dermid tivesse dito isso
em tom de brincadeira ela sabia o que o marido realmente queria dizer.

Quando e por que ele dissera aquilo? Oh, ela se lembrava muito bem.

Aqueles pensamentos voltavam agora para atormentá-la; aquelas lembranças
que ela tanto quisera sufocar, da idílica semana que passaram juntos na casa de

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verão dos seus pais, nas colinas Gatineau ao norte de Ottawa. Dermid voara da
Índia para encontrar-se com ela, como Ellen tinha pedido. Aquela semana fora
de encantamento para os dois, de redescoberta do amor de um pelo outro,
naquele chalé de madeira, no alto de uma colina, acima das águas tranqüilas de
um lago.

Tinha sido lá, na última tarde, enquanto eles se amaram entre as

almofadas, no tapete de pele de urso, em frente a uma lareira, que ele dissera
a ela:

— Aconteça o que acontecer entre nós, já vivemos estes momentos,

Ellen. Esta semana foi perfeita.

— O que pode nos afastar? — ela murmurou naquela preguiça sensual que

a envolvia.

— Trabalho, pessoas — ele respondera. Dermid parara de falar e uma

sombra parecia toldar sua expressão. — Sua mãe não gosta de mim...

Ellen sabia que sua mãe não gostava dele e descobrira o motivo poucos

dias depois que ela voltara da Escócia para Ottawa.

— Por que você e papai não aprovaram meu casamento com Dermid? —

explodiu ela, não sendo mais capaz de ignorar a frieza com que eles,
principalmente a mãe, recebiam qualquer alusão a Dermid.

— Nós achamos que você se casou muito depressa — Janet Lister

respondeu vagarosamente, escolhendo bem as palavras. — E isto talvez porque
ele a tivesse possuído antes. — As faces de Janet subitamente ruborizaram-se
ao tocar num assunto tão delicado, que ela preferia ter evitado.

— Você acredita que Dermid tenha me seduzido e por isso... — Ellen caiu

na risada sem acreditar naquele absurdo. — Oh, mamãe, você sabe que não
permitiria que me acontecesse uma coisa dessas.

— Algumas vezes até as mulheres mais sensatas podem ser seduzidas,

especialmente quando um homem experiente e atraente se dispõe a isso —
dissera Janet rigidamente.

— Então você acha Dermid atraente? — Ellen se apercebeu disso

imediatamente.

— Tão atraente quanto aquele diabo de cabelos vermelhos, Maxwell

Craig, o pai dele, era.

— Você conheceu Maxwell Craig? — Ellen perguntou.
— Conheci sim. Ele se casou com minha prima Bárbara Rose. Eu fui uma

das damas de honra do casamento deles; e quando penso como ele a tratou logo
depois porque ela não podia ter filhos, como ele transformou a vida dela num
inferno, continuando a andar com aquela cigana...

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— Você quer dizer a mãe de Dermid, não é? Seu nome é Kate Mackinnon

agora e ela é casada com um fazendeiro. Não sabia que ela tinha sangue cigano.

— Você se encontrou com ela? Então você sabe... — Janet interrompeu-

se hesitando em falar abertamente.

— Que ele nasceu ilegitimamente? Sim, eu sei. Dermid e eu não temos

segredos um para o outro — ela prosseguiu, orgulhosamente.

— E penso que foi uma pena sua prima Bárbara não ter tido bom senso

suficiente para divorciar-se do pai de Dermid quando viu que não poderia ficar
grávida. Então, ele teria se casado com Kate e Dermid não seria filho ilegítimo.

— Oh, é fácil para você criticar Bárbara — Janet respondeu friamente.

— Espere até que aconteça com você. Espere até você saber o que é ver o
homem que você jurou querer e amar correr para outra mulher e ainda sofrer a
afronta de saber que, no dia em que ele morreu num acidente de carro, era
para a outra mulher e não para você que ele corria. Vai pensar de uma forma
bem diferente.

Mas apesar de tudo, Janet e Don Lister deram boas-vindas a Dermid

quando ele chegou a Ottawa. O casal fez de tudo para disfarçar a antipatia que
sentiam por ele e se ofereceram para ficar com Rowan para que os dois
tivessem uma semana de férias. E então Ellen defendeu sua mãe quando
respondeu à insinuação de Dermid que ela não gostava dele.

— É porque ela ainda não o conhece — ela respondeu suavemente,

sentando no tapete e encostando-se nele. — Mamãe pensa que você pode ser do
tipo de seu pai.

Ellen falou brincando mas se surpreendeu quando as feições de Dermid

se endureceram e seus olhos se apertaram perigosamente enquanto a atraía
para si.

— Talvez eu me torne como ele se você não me amar o suficiente —

respondeu roucamente — Seja minha agora, Ellen — ele exigiu com urgência,
num sussurro. — Mostre-me que você me quer como eu a quero.

Ellen estava pronta para ser dominada, sentindo estranhas sensações

percorrendo todo seu corpo, enquanto o fogo brilhava lançando luzes
alaranjadas sobre seus corpos. Ela demonstrou então o quanto o amava,
acrescentando outra dimensão ao ato amoroso que atingiu êxtases nunca antes
conseguidos.

No dia seguinte, o ato de amor foi rudemente interrompido. Um

telegrama vindo da Escócia exigia o retorno imediato de Dermid ao trabalho e
ele partiu deixando Ellen e Rowan em Ottawa.

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— Volte quando você se sentir preparada para deixar seus pais — ele lhe

disse. — Eu reconheço que eles devem sentir saudades de você, pois foi o
último filhote a deixar o ninho. Portanto dedique-lhes um pouco mais do seu
tempo e do seu carinho. Eu me ausentarei novamente, provavelmente irei a
Chong Kong onde estamos instalando novo maquinário, por isso, volte no começo
de dezembro, eu voltarei também e passaremos nosso primeiro Natal com
Rowan.

Ellen deveria ter ido com ele. Nunca deveria ter ficado em Ottawa, ela

entendia agora. Mas naquela época não imaginara que quanto mais tempo ela
ficasse, mais difícil seria partir. Nunca poderia imaginar que o seu pai teria um
enfarte repentino, que morreria, e que sua mãe se agarraria a ela com
desespero, pois era a única filha a estar presente ao trágico acontecimento.

Dermid foi maravilhoso e escreveu a ela dizendo para ficar com a mãe

até que ela se sentisse mais segura. As semanas correram e de repente já era
Natal. Foi impossível para Ellen deixar a mãe, e Dermid foi passar o Natal em
Ottawa,

Mas não foram momentos felizes, Janet demonstrou o ressentimento

que tinha para com Dermid desde que ele chegou e no Ano Novo Dermid já
estava de péssimo humor.

— Não vou ficar mais aqui — ele disse a Ellen quando ficaram uns

minutos a sós. — Vou para a Escócia hoje. Você vem comigo?

— Dermid, há uma coisa que estava querendo perguntar para você.

Ofereceram-me um emprego aqui que eu gostaria de aceitar.

— Que espécie de emprego?
— É no estúdio local da tevê. Um dos produtores é vizinho de mamãe e

ele me perguntou se eu gostaria de fazer umas entrevistas na programação da
tarde. Ele acha que tenho talento para isso. — A voz dela elevou-se
excitadamente enquanto lhe contava os detalhes. — E algo que eu gostaria de
tentar e pode ser que eu nunca mais venha a ter uma oportunidade igual.

— Você não encontraria alguma coisa semelhante para fazer na Escócia?
— Não, eu acho que não. Quer dizer, eu não sou escocesa, sou? Não

tenho nenhum contato em tevê comercial por lá.

— Sua mãe está por trás disso? — ele perguntou, com desconfiança.
— Não, mas ela acha que é uma boa idéia.
— Tenho certeza que sim — disse ele secamente. — E agora eu entendo

aquela conversinha dela comigo a respeito de como as mulheres vivem mais
independentes hoje em dia; de como ela queria que você não tivesse casado sem
ter tido uma oportunidade para se tornar uma mulher independente. — Ele

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lançou-lhe um olhar furioso. — Sua mãe gostaria de que nós nos separássemos,
sabia disso?

— Não gostaria não, tenho certeza que não! Ela sente um respeito muito

grande pelo casamento. E eu não quero me separar. Quero continuar casada
com você. — Ellen foi para junto dele e o abraçou. — Eu o amo, Dermid, mas eu
quero este emprego. Quero descobrir se sou capaz de executá-lo, provar a mim
mesma que consigo ser mais do que esposa e mãe.

— E Rowan? O que acontecerá com ele?
— Ele ficará bem. Depois dos seis meses uma criança não necessita mais

que sua mãe fique com ela o dia todo. Eu o deixarei com mamãe. Ela já disse que
adorará ficar com Rowan. Também posso encontrar alguém que cuide dele
enquanto estiver fora — ela apressou-se a acrescentar quando viu a decepção
que cobriu o seu rosto quando ela mencionou Janet. — Oh, você não entende,
não é?

Ela suspirou quando ele foi para a sala e ficou observando da janela os

flocos de neve caírem.

— Estou tentando, Deus sabe como estou tentando entender. Você quer

se ver livre de mim, não é isso que está querendo me dizer?

— Só quero ter um trabalho, como você tem o seu. Você desempenha um

trabalho de que gosta. Você parte e me deixa, portanto não vejo por que eu não
possa fazer o mesmo.

— Você já está cansada de estar casada comigo, não é? — ele perguntou

voltando-se para fitá-la.

— Talvez, Dermid. Nós podemos traçar um plano. Outros casais

conseguem trabalhar em lugares diferentes e ainda assim permanecerem
casados. Você poderia vir ver Rowan e eu, quando puder, posso ir vê-lo quando...

— Não! — A negativa pareceu urna bomba explodindo dentro dele.
— Por que não?
— Eu não gosto de meias-medidas, é isto. — Houve um longo silêncio e

quando ela já estava capitulando e ia dizer que voltava com ele para a Escócia,
Dermid disse abruptamente: — Está bem, desempenhe seu trabalho. Fique aqui
e consiga o emprego. Ficaremos separados um ano.

— Separados?
— E o que se diz quando marido e mulher não moram mais juntos. — A

voz dele estava fria e voltando ao passado. Ellen reconheceu que foi naquele
momento que os sentimentos dele para com ela mudaram, — No final de um ano,
no próximo Natal, nós vamos rever a situação. E a única maneira. Ellen. Eu saio

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da sua vida por um ano e enquanto isso você ensaia seu vôo de liberdade, se isto
a faz feliz.

Dermid fez as malas e deixou a casa da mãe. E desde então, nunca mais

ela o havia visto, até aquele dia.

Vagarosamente Ellen virou a cabeça. Seu olhar dirigiu-se para as pernas

longas e musculosas de Dermid, que modulavam o tweed de suas calças. Em
seguida pousou os olhos em sua mão grande e bonita apoiada em um dos joelhos.
Fixou-se em seguida no peito, coberto pela camisa de seda bege. Notou então
que a linha de seu maxilar ainda estava firme, mas, na verdade, seu rosto
parecia muito fino, as maçãs do rosto um pouco cavadas e magras...

Maldição! Dermid estava olhando para ela, com os olhos semicerrados,

ávidos de desejo como se ele quisesse... Novamente ela olhou para o lado
oposto, forçando-se a se concentrar na paisagem. A estrada fazia uma curva e
descia em direção ao mar. A frente, um grande rochedo sobressaía contra o
azul brilhante do céu. As ondas quebravam contra as rochas, espirrando
espuma branquinha para cima.

— Estou com fome — anunciou Rowan de repente. — Eu “quelo” o almoço.

Mamãe, eu “quelo” sanduíches de pasta de amendoim e geléia no almoço.

— Ellen, por que você não fez nada para corrigir o fato de Rowan

pronunciar melhor as palavras? — falou Dermid em tom de crítica.

— Já fiz. O psicólogo disse que com o tempo ele falará direito e que é

melhor a gente ignorar quando ele falar assim. Ele só faz isso para chamar
atenção.

— Um psicólogo? Você o levou a um psicólogo?
Olhou-a como se ela tivesse cometido um crime.
— Sim, num hospital infantil. Você sabe, Rowan tem apresentado alguns

problemas de comportamento na escola maternal...

— Com os demônios, o que vem a ser uma escola maternal? —

interrompeu ele asperamente.

— Uma escola onde as mães que trabalham podem deixar os filhos

pequenos durante o dia, onde as crianças são cuidadas de maneira especializada
muito melhor do que se fossem cuidadas em casa, por empregadas. Rowan
adora ir para lá porque há outras crianças para ele brincar.

— Se Rowan gosta, por que tem problemas de comportamento? —

perguntou ele secamente.

— Não sei. Por isso eu o levei ao psicólogo.
— E ele disse o porquê? — os olhos escuros estavam menores agora.

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— Bem... de alguma forma sabe. — Ellen não queria dizer a ele que o

psicólogo havia dito para ela parar de trabalhar e ficar em casa com Rowan,
pois o filho precisava de mais atenção. E se possível acabar com a separação de
modo que a criança pudesse conhecer e receber carinho e atenção também do
pai. Ainda se sentia desconfortável lembrando das criticas e da humilhação
daquela entrevista.

— O que disse o psicólogo, Ellen? Eu tenho direito de saber. Rowan é tão

meu quanto seu.

— Ninguém poderia acreditar nisso, considerando o tempo que esteve

longe dele — respondeu ela, tendo a satisfação de vê-lo empalidecer.

— Eu fiquei longe dele, como você me acusa. Várias vezes eu lhe escrevi

pedindo que trouxesse o menino para me ver. Eu gostaria de tê-lo tirado de
você, queria que ele tivesse morado comigo uns tempos...

— Para alguma outra mulher cuidar dele?
— E quem está cuidando de Rowan em Ottawa? Não é outra mulher?
— Pelo menos eu o ponho na cama todas as noites e passo os fins de

semana com ele. Você poderia fazer isto se ele vivesse com você? — A voz dela
elevara-se. Rowan choramingou...

— Não vou discutir o assunto aqui — ele disse suavemente, — E muito

menos enquanto você estiver em crise de histeria.

— Então agora eu sou histérica, não é? — Ellen ferveu de raiva. — Então,

onde você quer discutir o assunto? Na frente de um advogado ou diante de um
juiz?

Por um momento, eles permaneceram olhando um para o outro, por cima

da cabeça da criança. Então Rowan, sentindo o problema, pulou no joelho de
Ellen e pôs seus braços ao redor do pescoço da mãe.

— Mamãe, não chore...
— Não, não chore Ellen — Dermid caçoou. — Eu me sinto inclinado a

confortá-la também e nós dois sabemos o que acontecerá se eu fizer isto.

Ellen lançou-lhe um olhar de desdém, mas ele já se virara e olhava pela

janela. Naquele momento, o carro aproximava-se de Inchcullin, seguindo a linha
da praia e ela já podia avistar as torres da casa brilhando ao sol, acima dos
pinheiros.

Já fora da estrada, o carro dirigiu-se a um caminho todo ladeado por

azaléias. O caminho terminava num longo pátio em frente da casa. Construída
em granito cinza, com três andares, a casa possuía torres suficientes para
fazer dela o cenário ideal para uma estória de romance gótico. O olhar de
Rowan percorreu-a toda.

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— Esse é ó castelo? — perguntou ele.
— Sim, é o castelo — respondeu Dermid enquanto descia do carro.

Voltando-se, ele deu a mão a Rowan para ajudá-la a descer e o menino pegou
sem hesitação a mão do pai.

— Você mora aqui? — ele perguntou olhando para o pai.
— Não, mas meu avô morava, e eu vinha aqui quando era garoto.
— Garoto como eu? — Rowan perguntou.
— Quase como você — Dermid respondeu. — Eu já era mais velho que

você. — Sua voz tomou-se um murmúrio enquanto ele caminhava através do
pátio coberto de folhas, em direção à entrada lateral da casa.

Eu deveria estar contente por Rowan aceitar o pai com tanta

naturalidade, pensou enquanto descia do carro e os seguia. Mas que
desconfiava das intenções de Dermid desconfiava. Ele faria o máximo para
conquistar Rowan e se entrassem com pedido de divórcio, ele ia exigir a tutela
da criança. Diria o juiz que ela não era capaz de cuidar de Rowan porque,
vivendo com ela, o menino tinha adquirido um defeito de fala e o hábito de
chupar o dedo.

A escada apareceu na frente dela e na ânsia de alcançar Rowan, Ellen

tropeçou no segundo degrau, bateu o joelho na quina do terceiro e gemeu
enquanto sentia sua meia desfiar-se. Deus, que dia desastrado aquele! Seu
costume de veludo estava em péssimo estado, as meias desfiadas, os pés
inchados, seu filho prestes a ser seduzido pelo pai. Os nervos de Ellen quase
estouravam cada vez que olhava para Dermid ou o surpreendia olhando para ela.

Quando Ellen chegou a casa, Bessie, esposa de James e caseira de

Inchcullin, estava na porta segurando Rowan nos braços, dando os gritinhos de
admiração enquanto ele fitava solenemente, piscando os cílios para ela.

— Ah, que belo menino — Bessie dizia. — O senhor deve estar orgulhoso

dele, sr. Craig.

— Sim — respondeu Dermid laconicamente e, passando por Bessie,

desapareceu dentro de casa.

Bessie dirigiu as boas-vindas a Ellen.
— Entre, sra. Craig. Eu a levarei até seu quarto. Acho que a senhora vai

querer tomar um banho e trocar de roupa antes da refeição. O garoto também
parece que precisa de um bom banho.

— Isso será bom, Bessie. Haverá tempo? Nós nos demoramos no cais e

James temia que a refeição fosse esfriar demais — disse Ellen, enquanto
entrava.

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— Não Ligue para o que ele fala — disse Bessie. — James pensava na

própria fome. A srta. Agnes disse que a refeição deveria estar pronta a uma e
meia, portanto a senhora tem 40 minutos para se arrumar.

A casa continua a mesma, pensou Ellen enquanto seguia Bessie pelo hall

com os painéis escuros nos quais estavam pendurados quadros a óleo dos
antigos moradores. O forro era alto com desenho intrincado de flores e rosas,
e o chão, no qual estendiam-se tapetes persas, armadilhas para quem andasse
descuidadamente, estava brilhando. Ela precisava avisar Rowan a respeito dos
tapetes ou ele passaria todo o tempo tropeçando neles, como ela.

— Como está a srta. Craig? — ela perguntou a Bessie, enquanto subiam a

larga escadaria. Bessie ainda segurava Rowan ao colo e julgando pela expressão
do garoto ele estava adorando ser paparicado por Bessie.

— Tão bem quanto as circunstâncias o permitem — Bessie respondeu. —

Por mais que estivesse prevenida, a morte do pai foi um grande choque para
ela. Eles viveram juntos tanto tempo!

— Ele era um cavalheiro maravilhoso — disse Ellen. Sob sua mão o largo.

corrimão estava liso e escorregadio e ela lembrou-se de como escorregara nele
há cinco anos atrás, seguindo Dermid que lhe mostrava como fazê-lo e no final
caindo em seus braços abertos. Como ela era tola e infantil há cinco anos atrás!
Mas era feliz, oh, muito feliz!

— Ele era bondoso — Bessie suspirou acabando de subir a escada. O sol

filtrava sua luz através dos vidros limpissimos da grande janela.

— Eu me lembro do dia em que ele trouxe o sr. Dermid aqui pela primeira

vez. Não muito mais velho que este garoto, mas eu acho que os cabelos dele
eram mais escuros, tinham um toque de marrom mais forte. — Este é o meu
neto, Bessie — o sr. Craig disse e olhou-me firmemente como se esperasse que
eu dissesse que não era. — Sim, senhor — eu disse. — E quanto tempo ficará
aqui? — E ele respondeu: — Quanto tempo a mãe dele deixar — Ele estava
muito pesaroso pela morte do sr. Maxwell, seu filho único, e foi difícil
encontrar a mãe do sr. Dermid e persuadi-la que deixasse trazer o menino para
cá.

Bessie chegou em frente a uma porta no primeiro andar e pôs Rowan no

chão.

— Ele está pesado — ela disse ofegante. — Ou então eu estou ficando

velha. — Ela olhou diretamente para Ellen e seus olhos azuis demonstravam
reprovação. — Eu estou pensando que o velho homem, gostaria de ter visto seu
bisneto. Foi uma pena a senhora não poder vir visitá-lo. Mas isso agora não

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adianta mais, não é? As famílias sempre acabam se espalhando pelos quatro
cantos do mundo.

Ela sabe, pensou Ellen. Ela sabe sobre mim e Dermid. Mordendo os lábios

para tentar não chorar, numa reação à reprovação de Bessie, ela entrou com a
mulher no quarto. A mobília era toda de mogno no estilo vitoriano e a cama
muito larga parecia poder acomodar seis adultos confortavelmente. Um tapete
indiano, trabalhado em vermelho, amarelo e azul, cobria o assoalho e lindas
cortinas pendiam das duas janelas compridas.

— Eu os coloquei neste quarto porque tem uma vista muito bonita do lago

e do mar — disse Bessie, encaminhando-se para uma porta.

— Aqui é o quarto de vestir. — Ela abriu a porta e acenou para Ellen. —

Eu acho que a criança pode dormir aqui.

Ellen seguiu-a ao quarto de vestir, que era realmente grande como um

bom quarto de solteiro de uma casa moderna. Era mobiliado com um toucador,
um grande guarda-roupa e um divã de estilo antigo no qual, ela imaginou,
Dermid já dormira uma vez, e seu pai antes dele e talvez até seu avô. Era
espaçoso o bastante para Rowan, mas será que ele vai dormir ali?, pensou ela.
Ele já dormia numa cama pequena há um ano. Ela olhou para Bessie. A mulher
estava parada observando-a em expectativa, obviamente esperando que ela
fizesse algum gesto ou dissesse alguma coisa em aprovação.

— Parece muito confortável, Bessie. Você teve bastante trabalho.
— Não foi trabalho nenhum... — Bessie começou, mas interrompeu-Se

quando um grito estridente veio do quarto. — O que foi isso?

— Rowan. — Virando-se, Ellen correu ao grande quarto e olhou ao redor.

Não havia sinal de Rowan, mas seus gritos de “mamãe, mamãe”, e o barulho de
sapatos batendo em madeira vinham do grande e ameaçador armário vitoriano
que ocupava toda a extensão da parede do quarto.

Ellen correu para ele, segurou a maçaneta da porta com espelho puxou-a

fortemente, estendendo os braços bem em tempo de segurar Rowan, enquanto
ele se atirava para fora.

— Mamãe, mamãe, há um grande morcego lá dentro. Ele voou em cima de

mim e tentou me morder — gritou ele, agarrando-a com o dedos, seus olhos
fechados de pavor, a cabeça apoiada nos ombros da mãe, o corpinho tremendo
da cabeça aos pés.

— Não era um morcego, garoto — disse Bessie, rindo gostosamente. —

Era este velho chapéu que pertenceu ao seu avô, o pai do seu pai. Eu acho que o
esqueci aí quando limpei o armário e tirei tudo que havia dentro dele. — Ela
estava segurando um velho chapéu de tweed com proteção para as orelhas. —

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Olha garoto — ela acrescentou, estendendo o chapéu para mostrá-lo — foi isto
que assustou você.

Rowan abriu os olhos devagar, olhou o chapéu e depois olhou para os

olhos brilhantes de Bessie.

— Você tem certeza? — ele perguntou.
— Sim, tenho. Não há morcegos nem na casa nem no armário, mas você

deve tornar cuidado para não ficar mais fechado lá dentro, está bem? A porta
se fecha facilmente e uma vez fechada você não poderá sair. Agora venha
comigo ao banheiro. Vou lhe dar um banho enquanto sua mamãe procura roupas
limpas para você numa dessas malas que James trouxe. Nós não podemos ir
encontrar a srta. Agnes com chocolate no cabelo e no rosto, podemos?

— Quem é a srta. Agnes? — Rowan perguntou, escorregando dos braços

de Ellen, e com as feições novamente suaves.

— Bem, ela é tia do seu pai, portanto sua tia-avó, e mora aqui nesta casa.
— Isto não é casa, é castelo — corrigiu Rowan. — Mamãe me disse.
— Castelo, então — respondeu Bessie pacientemente segurando-o pela

mão e levando-o na direção da porta.

— A srta. Agnes é o dragão? — perguntou Rowan e Ellen sorriu

involuntariamente enquanto a porta se fechava. A gentil srta. Agnes com seus
olhos sonhadores nada tem de dragão, pensou Ellen enquanto se dirigia para a
mala que James trouxera e pusera sobre um suporte de madeira ao pé da cama.

Havia quatro malas não três, a quarta, de couro, e com etiquetas de

várias companhias aéreas. A mala de Dermid. Ellen olhou ao redor do quarto.
Bessie pensou que ela e Dermid iam partilhar um quarto, mesmo tendo ouvido
comentários a respeito do casamento deles. Ou será que o erro tinha sido de
James? Sim, talvez o engano fosse dele.

Ellen deu de ombros. Deixaria o problema para mais tarde. Naquele

momento tinha que correr para que Rowan e ela ficassem com aparência
apresentável.

Abrindo as malas, escolheu um macacão azul-marinho para Rowan. Para

ela, escolheu uma saia de lã xadrez com cores de outono e uma blusa de lã com
decote em V. Ela sabia muito bem que era a escolha mais apropriada porque
estava frio. Trocou as meias também, escolhendo umas mais grossas e calçou
mocassins de couro.

Já vestida, escovou os cabelos na frente do toucador e colocou um lindo

camafeu no pescoço. Agora ela parecia bem melhor, mais controlada e havia
uma centelha nos seus olhos acinzentados e um toque rosado em suas faces

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normalmente pálidas, como se... como se, bem, ela tinha que aceitar, como se
ela quisesse lutar por Dermid outra vez.


Capítulo III

A refeição foi servida, como sempre, na grande sala de jantar. Quando

Ellen chegou lá com Rowan, Dermid já estava sentado numa das cabeceiras da
mesa, cuja superfície tinha um brilho avermelhado como os cabelos dele.
Dermid trocara de roupa. Ellen notou isso antes de virar-se para Agnes Craig,
que estava sentada na outra ponta.

Com sua face estreita, disforme e a protuberância no ombro direito.

deformado no parto, mesmo assim Agnes Craig tinha uma aparência agradável.
Mas as roupas escuras que ela usava no momento não ajudavam a amenizar a
tristeza de seus olhos. Ela não se moveu enquanto Ellen e Rowan se
aproximavam, mas observava-os com um olhar que refletia mágoa. Quando eles
pararam do lado dela, Agnes olhou para Rowan por alguns segundos e de
repente sua face enrijeceu-se.

— Oh, Ellen — sussurrou ela —, você deveria tê-lo trazido aqui antes...

antes de papai morrer. Ele teria adorado Rowan.

Um sentimento de simpatia se despertou dentro de Ellen e se espalhou

suavizando a atitude defensiva que ela tinha adotado desde que deixara o
avião. Inclinando-se, ela pôs seus braços ao redor do corpo fino de Agnes e
beijou-a na face.

— Eu sinto muito, Agnes, realmente sinto muito. Eu teria vindo antes,

somente... — ela se interrompeu. De que adiantaria pedir desculpas? Por
orgulho ela nunca trouxera Rowan para visitar seus parentes escoceses. Ela
temia que Dermid concluísse que ela falhara na educação do filho e quisesse
modificar sua vida e a da criança. — Nós estamos aqui agora, e talvez nossa
presença traga-lhe um pouco de conforto. Rowan, esta é sua tia Agnes,
Cumprimente-a e beije sua mão.

— Onde você guarda o dragão? — Rowan perguntou, olhando muito sério

para Agnes enquanto estendia-lhe a mão.

— No celeiro — Agnes respondeu e um brilho cintilou no fundo dos seus

olhos.

— Mesmo? — perguntou Rowan com os olhos brilhando de excitação. —

Posso vê-lo?

— Não agora. Você entende, vai dormir durante todo o inverno como

todos os outros animais que vivem embaixo da terra — disse Agnes. E olhou na

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direção de Dermid. — Ele tem o mesmo defeito de fala que você tinha, Dermid
— ela acrescentou, enquanto Ellen conduzia Rowan para uma cadeira e ajudava-
o a sentar-se.

— Foi o que pensei — respondeu Dermid. — E talvez pela mesma razão.

Ellen, talvez a língua dele seja presa. A minha também era até que o doutor
percebeu o fato. É uma operaçãozinha de nada, deve ser feita em crianças
ainda novas.

— Você também chupava o dedo? — ela perguntou a Dermid, suavemente,

sentando-se em frente a Rowan.

— Não, eu espero que esse vício ele tenha herdado de você — Dermid

respondeu com um levantar irônico do lábio.

— Você pode deixar Ann dar uma olhadinha na língua do garoto, amanhã,

se quiser, quando ela vier aplicar-me a injeção — disse Agnes, sem perceber
nenhum atrito entre seu sobrinho e a esposa.

— Ann? — Ellen perguntou, desdobrando o guardanapo e colocando-o no

colo, enquanto Bessie colocava uma tigela de sopa na sua frente. Era o velho
caldo escocês, ela notou, grosso, com vegetais, ervas e não podia deixar de
imaginar que Bessie só sabia fazer essa sopa.

— Sim, dra. Ann Menteigh. Ela é filha de um amigo meu — Agnes disse.

— Ela é a única médica de toda esta região.

— Ann estava na balsa — Dermid contou. — Eu conversei um pouco com

ela no cais. Como sempre estava preocupada com as crianças.

— Espero que ela possa vê-las. Seus filhos, um menino e uma menina,

estão num colégio interno — Agnes explicou a Ellen. — Ela é viúva, O marido era
químico e morreu quando uma experiência em que ele trabalhava resultou numa
explosão.

— Eu não quero sopa — Rowan resmungou. — Eu quero sanduíche de

geléia.

— Coma! — Dermid ordenou.
— Eu não gosto — disse Rowan.
— Como você sabe que não gosta? — Dermid perguntou. — Você ainda

não experimentou.

— Não vou comer — Rowan murmurou.
— Está bem, mas acho que no caminho você disse que estava com fome —

Dermid argumentou

— Dermid... — Ellen começou e ele dirigiu-lhe um olhar gelado.
— Cale-se — ele falou, asperamente. Ellen sentiu uma onda de raiva por

ele ter falado tão rudemente com ela diante de Agnes e da criança.

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— Não, não me calo. Ele é apenas um garotinho.
— Se você ficasse quieta e parasse de mimá-lo, ele comeria a sopa e

ficaria contente. O que você tenta fazer? Compensar as horas que não passa
com ele sendo superatenciosa quando está a seu lado, atendendo todos os
caprichos dele?

— Dermid está certo, você sabe — disse Agnes calmamente. — Não é

bom para uma criança ser muito mimada. Ellen, você ficou bem de franja.

A mão de Ellen foi involuntariamente para seus cabelos loiros, na altura

dos ombros. Há cinco anos, ela os tinha bem curtos, quase pela nuca. Dermid,
certa vez, pedira que ela os deixasse crescer.

— Há dois anos e meio uso este corte.
— Mamãe, você não me escuta? Eu quero... — A voz de Rowan soou alta,

mas mesmo assim a voz de Dermid, profunda e autoritária, impediu que o
garoto continuasse.

— Eu suponho que esse estilo combine com a imagem da entrevistadora

feminista e liberal — ele disse. — A propósito, como está indo o emprego?

— Muito bem, obrigada — respondeu ela, enquanto Bessie veio com uma

bandeja e começou a recolher os pratos de sopa. Já estava pegando o de Rowan
ainda cheio quando Dermid interveio bruscamente:

— “Deixe aí”, Bessie, e não traga mais nada para ele, enquanto não

terminar.

— Pois não, senhor. — A face de Bessie parecia de pedra, não deixando

transparecer nada do que ela sentia enquanto se virou e foi buscar o prato
seguinte.

— Apenas “bem”? — disse Dermid, encostando a cabeça no espaldar da

cadeira e lançando um olhar maldoso para Ellen.

— Como qualquer emprego tem seus altos e baixos. — Preciso conservar

minha calma, pensou ela, colocando as mãos nos joelhos. Não podia deixar que
ele a dominasse com suas ironias.

— Realmente? Como ele estava com raiva, como a curva sardônica de sua

boca se acentuara! Ela era fascinada pelo jeito dele sorrir e curvar o lábio
superior. Ela adorava passar o dedo nessa curva. Meu Deus, o que ela ia fazer?
Ela queria beijar aquela boca, afastar a zombaria com suaves movimentos de
seus lábios, tentar aquele homem até que ele a beijasse em vez de espicaçá-la.

— Eu deveria imaginar que, para seu ego feminino, seria um trabalho

emocionante encontrar todas essas pessoas excitantes, entrevistar políticos
locais e celebridades, artistas e intelectuais, repartir a fama com eles.

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— E isto ó que você faz, Ellen? Eu sempre imaginei... — A voz inocente de

Agnes interrompeu o diálogo dos dois. — Eu acho que você deve aparecer muito
bonita na televisão, querida. — A voz continuou, enquanto Bessie veio e colocou
pratos com rosbife e batatas na frente deles. — Eu gosto de assistir
programas de entrevista. Eu queria que seu programa passasse aqui, então eu
poderia assisti-lo e dizer a todos do condado para assistirem também. Há
alguma chance de ser exibido aqui?

— Não, creio que não. Só vai para a províncias do Canadá — Ellen

respondeu gentilmente.

— Mas você deve gostar desse trabalho se continua a fazê-lo — insistiu

Agnes. — E como Dermid diz, deve ser excitante encontrar-se e conversar com
celebridades.

— Nem todas as pessoas que eu entrevisto são celebridades. Algumas

são pessoas comuns que executam trabalhos simples, mas ao mesmo tempo dão
alguma contribuição à comunidade. — Ellen respondeu. — Nem todos são
políticos, artistas ou intelectuais — ela acrescentou, devolvendo um olhar
vingativo na direção de Dermid.

— É muito importante para uma mulher ter outro interesse fora do lar,

algo que não tenha nada a ver com crianças e marido — Agnes continuou. —
Você não acha, Dermid?

— Oh, muito. Passar o tempo tentando obter informações de alguém que

não quer dá-las em frente da tevê deve ser sempre mais gratificante do que
ficar em casa o dia todo cuidando de um menino ou esperando o marido chegar
do trabalho.

Agnes não percebeu a inflexão sarcástica, mas Ellen sim. Olhou para

Dermid e quando ele apenas sorriu para ela, teve vontade de pegar o copo de
água e jogar no rosto do marido.

— Este rosbife está delicioso, tia Agnes — Ellen disse, determinada a

dirigir a conversa para outros assuntos.

— Fico feliz por você gostar, querida. Talvez o garotinho queira

experimentar também, quando ele acabar a sopa. Ele come muito educadamente
sozinho e é tão novo ainda.

Ellen olhou rapidamente através da mesa. Para sua alegria Rowan estava

tomando sopa devagar e com dificuldade porque a colher de prata era grande
demais para sua boca. Só um pouquinho escorrera pelo queixo e caíra no
guardanapo.

De repente, Ellen se sentiu cansada, como que rendida ao inimigo. Rowan

estava fazendo exatamente o que Dermid disse que faria: no entanto, durante

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meses ela e sua mãe tentaram persuadir Rowan a comer a mesma comida que
elas, usando promessas e castigos, mas tudo em vão. E agora, depois de um
período tão pequeno com seu pai, ele obedecia à autoridade calma e fria que
Dermid sabia muito bem exercer.

A colher bateu no prato vazio, quando Rowan colocou-a lá. Olhou para

Ellen e pediu:

— Quero mais.
— Agora você vai comer carne e batatas — disse Dermid antes que Ellen

abrisse a boca.

— Não! Quero mais sopa. — Rowan transferiu toda sua agressividade

para o pai.

— Sinto muito, carne e batatas ou nada. Pense sobre isso e depois me dê

a resposta.

— Ele não entende — Ellen disse, tentando proteger Rowan.
— Oh, sim, ele entende, entende muito bem. Ele parece bastante

inteligente, eu garanto. Por isso leva vantagem sobre você. Ele faz o que quer
com você. — O olhar de Dermid dirigiu-se a ela de modo sugestivamente
sensual. — Quem dera eu também pudesse! — Dermid acrescentou suavemente
e ela sentiu novamente uma onda de desejo tão grande que por alguns
momentos se esqueceu de tudo e de todos na sala, menos do convite que os
olhos escuros e brilhantes dele lhe faziam.

Agnes falou novamente e Ellen acordou daquele sonho momentâneo,

virando-se rapidamente para a outra, perguntando se ela estava percebendo o
que se passava. Sua mão bateu desajeitadamente no cabo do garfo e este caiu.
Com um murmúrio de desculpas ela se inclinou para pegá-lo, feliz com a
oportunidade de esconder as faces vermelhas.

Era ridículo sentir-se assim só porque um homem lhe fizera uma

proposta. Na verdade fora o que Dermid fizera. Uma proposta. Ele a queria na
cama, entregando-se a ele, submissa aos seus desejos físicos.

Ellen deveria sempre se lembrar que uma simples atração física não

significava que Dermid a amasse. Deveria lembrar também que se ela não
tivesse cedido aos desejos dele, mas sim aos seus próprios, não teria casado há
cinco anos atrás.

Agnes estava falando novamente, contando a ela a respeito do enterro

de Neil Craig e das pessoas que o acompanharam. Enquanto ouvia, Ellen
observava Rowan comer o rosbife e as batatas que Bessie trouxera para ele.
Ele comia com grande prazer e isso a irritava porque o filho sempre tinha se
recusado a comer o que ela lhe servia.

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Como sobremesa havia pudim de laranja com creme. Ellen só conseguiu

comer um pouco do que estava em seu prato, mas Rowan comeu tudo de seu
prato e até repetiu como se aquela fosse a última refeição de sua vida.

Quando acabou, ele limpou a boca, não no guardanapo, mas nas costas da

mão, catou o guardanapo que caiu no chão e levantou-se. Sem hesitar, correu
para Dermid

— Posso ir brincar agora?
— Onde?
— No pátio.
— No jardim você quer dizer. Sim, claro! Pode ir.
Ellen decidiu que era hora de intervir. O jardim era muito grande. Rowan

poderia se perder pela floresta de pinheiros e não conseguiria voltar. Ou talvez
fosse para a praia. Sua imaginação voava ligeiro, via-o já perdido ou afogado.

— Rowan, acho que você não deve ir agora. Espere até que a mamãe

possa acompanhar você.

— Por que não posso ir agora?
— Sim, Ellen, por que você não pode ir agora? — Agnes perguntou,

levantando-se. — Faria bem aos dois um pouco de ar fresco.

— Mas eu pensei... — Ellen olhou para Dermid. Ele estava levantando-se.

— O advogado não vinha esta tarde para ler o testamento? — perguntou ela, e
apesar de já estar em pé, ele sentou-se outra vez, colhido pela surpresa.

— De onde você tirou essa idéia? — ele perguntou com a boca curvando-

se ironicamente. — Você esqueceu que é domingo e que por aqui nada acontece
aos domingos?

— Quando ele virá então? Eu não tenho muito tempo, só uma semana.
— Eu pensei que você tivesse tirado férias maiores — Dermid disse,

asperamente, os olhos estreitando-se.

— Eu já tirei férias este ano.
— Já? Então por que não trouxe Rowan para me ver?
— Eu... eu... — Ela pensara em vir, ansiava por isso, mas ficara com medo

de encontrar uma outra mulher com ele na casa em Kilruddock. — Você não me
convidou. — Murmurou ela levantando-se.

— Ellen — Dermid também se levantara e estava rodeando a mesa na

direção dela. Ellen moveu-se rapidamente, passou pelas cadeiras vazias de
Agnes e de Rowan e dirigiu-se para a porta por onde Rowan e Agnes já tinham
saído. Mas não chegou até lá pois Dermid a alcançou antes e estava em pé, na
sua frente.

— Eu sempre pedi para você trazê-lo aqui...

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— Trazê-lo sim — ela respondeu —, mas você não me convidou para vir

junto. Nunca me convidou... — A voz dela tremeu e Ellen o empurrou para sair
da sala. Não havia sinal de Agnes e Rowan no hall, mas Bessie vinha vindo com a
bandeja para retirar a louça da mesa.

— O menino saiu com a srta. Agnes para ver onde mora o dragão —

Bessie disse com um brilho nos olhos.

— Obrigada. Eu vou levá-lo para dar um passeio. Antes vou até lá em

cima pegar agasalhos para nós — Ellen respondeu.

— Ah ele precisa usar roupas mais quentes. Apesar do sol, o vento está

frio. — Bessie comentou.

No seu quarto, Ellen levou algum tempo remexendo nas malas e

pendurando as roupas no guarda-roupa. Levou a mala de Rowan para o quarto de
vestir e acomodou as roupas do garoto no gaveteiro. Ela trabalhou rápida e
metodicamente concentrando-se no que estava fazendo para conservar o
pensamento longe de Dermid. Quando as roupas já estavam todas guardadas,
ela fechou as malas e as colocou ao lado do guarda-roupa. Depois pegou uma
jaqueta branca e verde que trouxera para os passeios pelo bosque ou pela
praia, vestiu-a e fechou o zíper. Rowan poderia usar sua japona de náilon,
ficaria aquecido o suficiente.

Quando Ellen ia sair do quarto, resolveu pegar um lenço de cabeça para

amarrar o cabelo impedindo-o de voar. Já estava fechando a gaveta, quando
ouviu a porta do quarto abrir-se. Pelo espelho, enxergou Dermid entrar, com o
suéter na mão desabotoando a camisa.

Ele a olhou fixamente, depois trancou a porta e encostou-se nela.

Enquanto um olhava para o outro, o silêncio era tão grande que Ellen podia ouvir
o barulho das ondas batendo nos rochedos lá na praia, e percebeu o vento que
levantou a cortina de renda das janelas parcialmente abertas.

— Ellen, há uma coisa que eu quero dizer a você.
— Há uma coisa que eu quero dizer a você também — respondeu ela

rapidamente, virando-se para encará-lo, tomando a iniciativa, enquanto tinha
chance, — Eu não vou repartir este quarto, enquanto estiver aqui. Não vou
dormir naquela cama com você:

Dermid colocou a blusa na poltrona forrada de cretone, depois continuou

a desabotoar a camisa.

— Este quarto é tão bom como qualquer outro na casa — disse atirando a

camisa sobre o suéter. — E a cama parece bastante grande. Há muito espaço no
quarto. Será como dormir em camas separadas Eu ficarei de um lado e você do

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outro. Nada como ter o oceano entre nós. Naturalmente se você não se sentir a
salvo poderá colocar uma porção de travesseiros no meio.

— Dermid, pare com isso
— Parar com o quê?
— De ironizar, de fazer piada. A situação não é engraçada e eu estou

falando a sério. Eu não posso dormir naquela cama com você.

— Então onde você vai dormir? — ele perguntou mostrando interesse

casual. Nu da cintura para cima, ele se insinuava e Ellen. que resolvera não olhar
para o marido, não pôde evitar de lançar-lhe um olhar, admirando sua
musculatura e o corpo ainda queimado pelo sol do verão.

— Você deve pedir a Bessie para arrumar uma cama para você em

qualquer outro quarto — disse ela. E para sua crescente irritação faltava
convicção em sua voz.

— Oh, não! — De costas para ela, Dermid começou a desafivelar o cinto.

— E você que não quer dormir aqui, portanto peça você a Bessie para lhe
arrumar uma cama noutro quarto.

— Mas eu preciso ficar e dormir perto de Rowan — ela argumentou, os

olhos seguindo sem vergonha alguma os movimentos dele enquanto as calças
caíam e ele ficava quase nu. Cobertas de pêlos escuros, suas pernas eram
longas e musculosas e ela as olhava lembrando-se da paixão física e íntima que
eles já tinham desfrutado outrora. Foi quando ele se voltou para encará-la
vestido somente com a reduzida cueca.

— Bem, bem. — Sua voz era de puro escárnio. — Olhou bem? Satisfeita?

Agradou você? Ou quer que eu me tire completamente? — Com os polegares ele
puxava o elástico da cueca, ameaçando descê-la. — Alguns segundos mais e
talvez você mesma queira tirá-la — continuou zombando. — Na cama,
certamente. — Ele caminhou até ela e a expressão sensual nos seus olhos
hipnotizou-a, conservando-a grudada no chão. — Nós temos tempo, você sabe —
disse ele persuasivamente. — A tarde toda, na verdade porque Rowan já está
bem entretido por duas mulheres. Ele não precisa de você. Mas eu sim. — Ele
deu outro passo na direção dela e ficou tão próximo que Ellen podia sentir o
calor que emanava daquele corpo viril.

Ainda segurando a japona de Rowan como se fosse um escudo que a

protegia do ataque, os lábios entreabertos para respirar, a língua umedecendo
os lábios secos, o peito arfando como se ansiasse o toque dos dedos dele, Ellen
deu um passo atrás, incapaz de fugir do marido. E ele se aproximou, a pele
morena dos seus ombros largos brilhando na luz do poente que filtrava pela

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janela, os pêlos do peito brilhando tão vermelhos quanto a massa de cabelos
que lhe caíam na testa.

— Dermid, se... se você ousar me forçar a fazer isso, estará me

violentando — ameaçou ela. Já com dificuldade de pronunciar aquelas palavras,
porque seus lábios estavam secos e trêmulos.

— Será? Eu duvido Ellen, duvido muito — disse ele, dirigindo-se para ela

novamente, os passos suaves no carpete grosso. — Nós ainda estamos casados
e...

— Mas isto não lhe dá o direito de me forçar, se eu não o quiser —

protestou ela desesperadamente, com medo de sua própria reação, caso ele a
tocasse.

— Você tem entrevistado alguns membros de movimentos feministas

ultimamente? Pois parece que está com as palavras delas na ponta da língua.

— Não são apenas palavras, é a pura verdade. Eu não quero você. — Não

foi essa a impressão que eu tive quando me virei e vi você olhando para mim,
agora mesmo — falou ele suavemente, dando um passo para perto dela e
tirando a japona de suas mãos. Ele a jogou, não se importando onde caiu.

— Venha, Ellen, relaxe um pouco. É muito natural que queiramos ficar

juntos depois de tanto tempo separados, talvez isso alivie as tensões e coloque
as coisas em seus devidos lugares.

— Não, não posso, não quero. Oh, você é muito pretensioso se acredita

que eu quero fazer amor com você, sabendo o que sei sobre você. E se ousar me
tocar eu vou gritar.

— Não, você não vai gritar. — Dermid estava rindo, realmente rindo para

ela. — E mesmo que gritar, ninguém a escutará — continuou ele. — As paredes
são grossas nessas casas antigas de pedra. — Ele deu mais um passo e segurou-
a pela cintura. — Mas você vai gritar, Ellen, porque vai, ter muito prazer.

— Eu não vou! E nada do que você fizer me fará corresponder —

assegurou, tentando se afastar da pressão da mão dele.

— Nada, Ellen? — Os olhos de Dermid, cada vez mais próximos,

hipnotizaram e imobilizaram Ellen. — Nem mesmo isto? — ele perguntou.

— Não, Dermid. — Sua negativa saiu num grito, mas num fraco sussurro

que foi cortado quando os lábios dele, frios e entreabertos, encontraram os
dela num beijo bem suave. Não foi nada parecido com uma luta brutal como ela
esperava, sua cabeça cheia das histórias que ela ouvia sobre homens forçando
suas mulheres a submeterem-se a eles, pelo contrário; foi Ellen quem precisou
manter o controle para não dar uma resposta imediata, beijando-o
ardorosamente.

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Ellen pôs as mãos contra o peito do marido para empurrá-lo, mas ao

tocar aquela pele sensual com os cabelos crespos, não resistiu e seus dedos
subiram, alisaram os ombros de Dermid, procurando e tocando a parte sensível
da nuca dele.

— Oh, Ellen! — ele falou num suspiro e os lábios dela se abriram para o

beijo. Sua jaqueta fora aberta e a mão dele estava deslizando sob seu suéter,
os dedos fechando-se possessivamente nos seus seios, pressionando e virando
os mamilos. Imediatamente pareceu que uma chama passou por ela, derretendo
toda a tensão que existia nos seus nervos. A mente e o corpo se fundiram e,
sucumbindo a deliciosa sensualidade que vagarosamente a consumia, ela
encostou-se nele com um suspiro de prazer.

No meio do quarto eles ficaram num abraço apertado, muito absorvidos

no êxtase da redescoberta dos apelos físicos de um pelo outro, que não
ouviram o barulho da porta quando foi aberta.

— Mamãe, eu quero brincar agora! — A voz de Rowan era estridente e

insistente. — Mamãe, o que esse homem está fazendo com você?

— Eu devia ter trancado essa droga de porta! — Soltando-a, ele virou-se

para responder ao filho, justamente quando Agnes, que estava no umbral da
porta, respondeu à pergunta de Rowan:

— Esse homem é seu pai, e ele está mostrando à mamãe quanto a ama —

disse Agnes surpreendendo Ellen pela calma com que aceitou a situação,
aparentemente não estranhando ver seu sobrinho vestido somente com a cueca.

— Ninguém nunca lhe disse que é muito feio entrar num quarto em bater

na porta antes? — A voz de Dermid era áspera.

— Você vai nadar? — perguntou Rowan inocentemente e Ellen não pode

deixar de sorrir, passando a mão pelos cabelos. Dermid deu-lhe um olhar
exasperado embora com bom humor. — É por isso que você está com calção de
banho?

— Não fique zangado com ele, Dermid — Agnes pediu. — Ele chegou à

porta antes de mim, pois consegue subir a escada correndo e eu não. — Agnes
pôs a mão no peito, que arfava, — Eu vim para dizer-lhe... — Ela se interrompeu
para respirar, depois continuou: — Eu vim para dizer-lhe que o sr. Anderson, do
estaleiro de Portcullin, está ao telefone e quer falar com você.

— Obrigado. Descerei para falar com ele assim que me vestir — Dermid

respondeu, dirigindo-se para o lugar onde estava a sua roupa. — Você deveria
ter mandado Bessie trazer-me o recado — ele continuou. — Não há
necessidade alguma de você ficar subindo e descendo essas escadas. Você não
vai fazer sua sesta?

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— Acho que vou. — Agnes suspirou. — Eu estava tão entretida com o

garoto que nem me lembrei de descansar. — Ela dirigiu o olhar para Ellen e
sorriu hesitantemente. — Você não se importa, não e, Ellen?

— Claro que não, tia Agnes. A senhora vai descansar e nós nos veremos

mais tarde, na hora do chá, esta bem?

— Sim, na hora do chá. — Agnes sorriu, parecendo confortada. — Nós

vamos tomar chá no estúdio, em frente à lareira. Meu pai sempre gostava de
tomá-lo lá nas tardes de domingo.

Agnes se afastou e Ellen pegou a japona de Rowan do chão.
— O que há de errado com tia Agnes? — ela perguntou, enquanto se

inclinava para vestir a japona em Rowan.

— Ela tem uma válvula doente no coração. — Dermid respondeu —

Resultado de uma febre reumática quando criança, segundo me disseram. Ann
sugeriu cirurgia, mas as chances são de cinqüenta por cento.

Ann. Como o uso casual desse nome a irritava! Como ela se lembrava da

mulher da balsa. Ann, bonita, quarentona e procurando por um homem. Agora,
Ellen, não seja felina. Sendo felina por causa de outra mulher, vai demonstrar
que está com ciúmes e isso significa que você...

— Mamãe, eu a amo também — Rowan murmurou, e rodeou a nuca da mãe

com seus bracinhos de modo que ela não pôde se levantar. Ela sentiu um cheiro
forte. provavelmente de alguma fruta que Agnes dera a ele. Rowan a beijou no
rosto.

— E eu o amo também — ela murmurou, devolvendo o beijo, mas o filho

não estava muito interessado. Com o canto dos olhos ele olhava Dermid se
vestindo.

— Você o ama? — ele perguntou apontando com o dedo para Dermid, que

agora colocava um pulôver com decote em V. As roupas mais informais faziam
com que ele parecesse mais familiar. Mais uma vez ele era o amante do campo,
o aventureiro do mar, pelo qual ela se apaixonara há cinco anos atrás, o jovem e
ardente marido que a trouxera àquela casa para encontrar seu avô, porque ele
queria que ela amasse, tanto quanto ele, o lugar onde tinha crescido. — Mamãe,
você ama o papai como me ama?

Eu o amei uma vez, pensou, enquanto subia o zíper da japona de Rowan,

mas ela procurou outra resposta para dar à criança;

— Oh, você não tem idéia de quanto eu o amo!
— Esta é uma pergunta importante, Rowan. — A voz de Demid era de

zombaria e ele se dirigia à porta. — E sua mãe é uma mulher que não gosta de
deixar transparecer seus sentimentos.

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— Bem — Ellen endireitou-se e fechou novamente o zíper da sua jaqueta,

colocando as mãos nos bolsos —, você me deixa nervosa, Dermid Craig,
intrometendo-se numa conversa e respondendo a uma pergunta que foi dirigida
a mim.

— E tirando as palavras da sua boca? — falou ele, abrindo a porta para

sair. — Mas você não pode responder a essa pergunta honestamente, pode?
Porque respondê-la seria comprometer-se de uma forma ou de outra. E
comprometer-se com alguém, principalmente com um homem, é uma fraqueza a
seus olhos, não é? Porque você passou por uma lavagem cerebral que a fez
acreditar que o amor de uma mulher por um homem ou o contrário é apenas uma
fantasia de adolescente da qual é precisa livrar-se para se tomar uma pessoa
madura, íntegra e independente.

— Você... — ela começou.
— Ellen, tome cuidado com sua linguagem, pense na criança — a reprovou,

saindo, sua risada ressoando pelo patamar da escada, zombando da fúria que
repentinamente tomou conta dela.

— Mamãe, mamãe! — Rowan a puxava. — Você ainda não me disse. Você

ama aquele homem como você me ama?

— Não, claro que não, — Ellen sibilou entre os dentes.
— Vamos, vamos brincar no pátio.
Respirando profundamente, num esforço para controlar sua raiva, Ellen

deixou-se conduzir para fora do quarto, pelo patamar e pelas e escadas abaixo.
Dirigindo-se para a porta da frente, ela e Rowan iam passando pela porta do
estúdio quando Dermid saiu de lá.

— Eu vou até Portcullin dirigindo o Rolls. — Ele anunciou, olhando para

Rowan. — Você gostaria de vir comigo, Rowan, para ver alguns barcos? Alguns
barcos para navegar? — ele acrescentou suavemente, num tom bem persuasivo.
— Há uma coisa que eu gostaria de mostrar a você...

— Mamãe. — Na incerteza, a criança virou-se automaticamente para ela

pedindo ajuda, para ver se receberia aprovação. Mas Ellen achou que ele estava
inclinado a ir com o novo e atraente personagem, que em poucas horas se
tomara uma força magnética em sua vida, empurrando-o para longe dela e de
tudo que conhecera até então.

— Nós vamos dar um passeio pela praia para procurar conchas — disse

ela firmemente agarrando a mão de Rowan e virando-se em direção à porta.

— Você poderá vir também, se quiser — Dermid disse, mas não soou tão

encorajadoramente. Ele não está usando seu poder de persuasão para comigo,
Ellen pensou com amargura. Deixou de fazer isso há três anos atrás. A menos

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que ela levasse em conta o que se passara lá no quarto há tão pouco tempo. O
sangue ferveu em suas veias quando se lembrou do que aconteceu, ou melhor do
que quase aconteceu. Ellen quase cedera a ele. Se Rowan não tivesse chegado
no quarto, se alguém não tivesse telefonado para ele, a essa altura eles já
teriam... Oh, eu não suporto pensar nisso! disse Ellen para si mesma.

— Não, obrigada. — Ela respondeu friamente, refreando a vontade que

tinha de ir com ele a Portcullin. Para que ir junto? Eles iriam brigar durante o
trajeto e isto não seria bom para a criança. — Eu acho que Rowan deve ficar
comigo. Ele está se sentindo perdido aqui. Tudo é tão novo para ele que está
confuso.

— Isto significa que eu sou um estranho para ele, suponho. — voz de

Dermid era seca. — Provavelmente eu continuarei um estranho para ele se você
conservá-lo longe de mim o tempo todo; posessívamente.

— Eu não sou possessiva!
— Não? — retrucou ele. — Então prove, deixando-o vir comigo, Você fica

aqui e descansa. Parece que precisa de um descanso. — Seu olhar percorreu-a
de cima a baixo. — Você parece gasta — continuou ele impiedosamente. — Está
com bolsas nas pálpebras, que não deveria ter, e muito magra. O que você tem
feito, Ellen, para ter se transformado no que é agora?

— Esses comentários são fora de propósito — retrucou Ellen

defendendo-se para que ele não percebesse como aqueles comentários sobre
sua aparência a perturbavam. — O que lhe interessa saber como eu estou ou
como eu estou vivendo?

— Você é minha esposa, Ellen — ele respondeu, caminhando para perto

dela, com o tom de voz mais suave.

— Você diz isso porque julga que o fato de ser sua esposa lhe dá

direitos, suponho. O direito de dizer e fazer o que quiser comigo, o direito de...
tirar Rowan de mim! — Sua voz tremeu repentinamente, incontrolavelmente, e
ela se voltou para a porta outra vez. — Bem, ele não vai! Eu não estou cansada e
vou levá-lo para um passeio. Vá você e olhe sozinho os barcos!

Ellen atirou-se de encontro à porta, puxando Rowan, consciente de que

ele estava começando a choramingar. A maçaneta da porta abriu-se mais
facilmente do que ela esperava. O vento empurrou a porta, abrindo-a. Os
tapetes levantaram-se, as portas começaram a bater. De repente, tudo ficou
cheio de barulho e movimento.

— Feche a porta! — gritou Dermid e, colocando todo o peso do seu

ombro na porta. conseguiu fechá-la. Imediatamente toda a casa tornou-se
silenciosa novamente.

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— Nós nunca abrimos a porta com o vento a oeste — ele falou com

irritação. — Você não se lembra da última vez que veio aqui?

— Não. Eu fiquei aqui muito pouco tempo e isto foi há cinco anos! Como

poderia lembrar-me? — ela perguntou, voltando-se para olhá-lo.

— Está certo, esqueça. Eu estou percebendo as suas intenções,

claramente. O que você realmente quer dizer é que não quer se lembrar de
nada que fez comigo, não quer fazer mais nada e nem ir a lugar algum comigo,
neste momento. Certo?

— Não... eu... eu não sei. Você me deixa tão confusa! — ela queixou-se.
— Sim? Isto agora é interessante. Então por certo você quer se ver livre

de minha companhia, quer ficar sozinha. Vá então, vá dar o seu passeio. Eu
segurarei a porta para você passar, mas lembre-se de usar porta lateral quando
voltar.

— Dermid, eu... eu...
— Se você disser que sente muito eu lhe dou um tapa — ele disse com

raiva. E abriu a porta, cuidadosamente, somente a largura suficiente para ela e
Rowan passarem. Assim que passaram a porta fechou-se.

— Nós não vamos ver os barcos?
— Não hoje, querido — murmurou Ellen. — Um passeio nos fará bem —

ela acrescentou num tom de voz mais alto, tentando convencei a si mesma e a
criança. A despeito do sol brilhando, estava realmente muito frio para se andar
no passinho miúdo de Rowan. Era uma tarde para movimentos rápidos.

— Não quero ir passear — Rowan choramingou. — Quero ir ver os barcos!
Cerrando os dentes, Ellen conduziu-o pela estreita alameda onde a sebe

de crisântemos ainda estava florida. Quando ela chegou a portão, entre os dois
pilares de pedra, abriu-o e passou para a pista que separava o jardim da praia.
Chorando e soluçando, tentando livra sua mão da dela, Rowan atravessou a pista
para seguir uma outra trilha que descia em curvas por entre os rochedos, até a
praia. Além da faixa de areia, a água do mar brilhava, cor-de-safira, e as ilha
distantes eram formas cor-de-púrpura contra o céu azul, tingido de amarelo do
sol que vagarosamente se punha no horizonte.

— Não quero ficar aqui. Quero ir com o homem! — gemeu Rowan. As

lágrimas rolavam pelas suas faces avermelhadas por causa do vento frio que
vinha do mar. Libertando afinal sua mão da dela Rowan sentou-se abruptamente
na grama molhada e chorou amargamente.

Oh, Deus, o que ela ia fazer? Com uma mão no bolso da jaqueta Ellen

passou a outra pelos olhos quando sentiu que lágrimas de frustração e
desapontamento queriam rolar pelas suas faces também. Como ela se sentia

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cansada! Muito cansada! Então, por que concordara com a sugestão de Dermid?
Por que não ficara na casa descansando seus pés inchados, enquanto ele levava
Rowan consigo. Por que ela não deixara Dermid descobrir como era o filho
quando estava de mau-humor?

Insistir em conservar a criança consigo só tinha piorado seu

relacionamento com Dermid e, agora, com Rowan.

Rapidamente, num impulso, ela se inclinou e agarrando a mão Rowan

colocou-o em pé.

— Venha então. — Ela o puxou. — Você pode ir com ele olhar barcos. Mas

apresse-se, ele partirá logo.

Fungando, Rowan foi feliz com ela, as perninhas apressadas, os pés mal

tocando o chão enquanto ela corria. Já estavam de volta ao portão do jardim,
virando o canto da casa para entrar no pátio, quando ouviram o barulho do Rolls
já alcançando a estrada. O suave ronronar do motor parecia uma risada de
zombaria.

Rowan soltou um gemido de desapontamento e Ellen também gemeu sem

querer. Agachando-se em frente a ele, enquanto as folhas cor-de-bronze eram
varridas pelo vento, Ellen pegou-o no colo.

— Não chore, querido, por favor. Foi culpa minha. Eu deveria ter deixado

você ir logo na primeira vez. Mas eu tenho medo dele, medo de que ele roube
você de mim. — Percebendo que o menino não podia entender o que ela dizia,
Ellen se calou, encostou sua face no rosto molhado do filho e as lágrimas dos
dois se misturaram.

Como ele deveria estar confuso, tão confuso como ela própria, ainda não

ajustado à mudança de lugar e clima; acima de tudo ainda não ajustado àquele
homem prepotente. autoconfiante, personalíssimo que era o pai dele.

— Vou ver os barcos amanhã — Rowan disse afastando-se dela e

olhando-a com os olhos preocupados como se sentisse que ela estava tão
aborrecida quanto ele.

— Vamos passear agora... no bosque.
— Não é na praia? — ela perguntou enxugando as lágrimas com as costas

da mão e sorrindo porque afinal de contas ele reagira a tão profundo
desapontamento

— Não.
Dessa vez foi ele que pegou a mão da mãe, conduzindo-a através do

jardim atrás da casa, ao longo de um pátio forrado de folhas que estalavam sob
seus pés, em meio a arbustos de azáleas, em direção ao bosque de pinheiros,

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cheiroso de resina, e onde o vento assobiava nos ramos e um regato cantava
alegremente correndo sobre os rochedos.


Capítulo IV

Mesmo num dia de vento de outono o bosque estava tranqüilo. Ela

lembrou-se que anos atrás também estivera ali com Dermid, passeando, de
mãos dadas, parando a cada passo para um beijo, como um casal em lua-de-mel.
Essas lembranças a deixaram magoada. Dermid tinha razão. Ela não queria se
lembrar de nada que fizera com ele, porque sentia-se profundamente ferida.
Era ansiar dolorosamente por aquele tempo perdido quando tudo o que faziam
juntos, quando o olhar de Dermid pareciam carícias. Ela se deixava conduzir,
nunca questionando nada, nunca duvidando de que, qualquer coisa que fizessem
seria uma experiência cheia de alegria.

E enquanto ela se deixou levar, eles foram felizes. Foi só quando ela quis

seguir uma trilha diferente que a tensão os separou. Por que ele não foi capaz
de aceitar o fato de que ela podia agir de maneira independente? Não, não fora
assim. Ele aceitou o fato de ela querer trabalhar, disse que ela devia aceitar o
emprego oferecido se isso a fizesse feliz. Mas ele não tentou descobrir se isto
a fizera realmente feliz. Ele não se importou com seu destino.

Numa trilha cheia de espinhos de pinheiros, ela caminhava com Rowan,

parando ocasionalmente na margem do riacho e olhando a água clara para ver se
havia alguma truta, outras vezes se abaixando para pegar algumas pinhas que ia
pondo nos bolsos para jogar na lareira na hora do chá. Durante todo o tempo
Ellen não parava de pensar no problema do seu frustrado casamento com
Dermid.

Ele é quem insistira na separação. Quando ela disse que queria ser algo

mais que sua parceira na cama, algo mais que sra. Dermid Craig, uma esposa ou
mãe do seu filho, ele se afastou e permaneceu distante. Por que ele tinha feito
aquilo? Por que nunca foi visitá-la em Ottawa? Se ele tivesse voltado no final
daquele primeiro ano de separação, como ela teria ficado feliz ao vê-lo! Se
Dermid tivesse afogado seu orgulho e pedido que ela voltasse com ele para a
Escócia, ela teria ido sem hesitação. Durante aquele ano já aprendera que
nenhuma realização profissional, qualquer que fosse, seria mais gratificante do
que o relacionamento com o marido. Sem ele sua vida era vazia, tudo perdia o
sentido.

Mas ele não fora para Ottawa nem no Natal e nem para o Ano Novo como

ela esperava. A prima de sua mãe, Sheila Moffatt, que já fora Sheila Rose, é

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quem foi. Viúva aos sessenta anos, ela viajava pelo mundo desde a morte do
marido, visitando os parentes e fora convidada por Janet para passar as festas
em Ottawa.

Como o filho de Sheila, Ian, também trabalhava como técnico têxtil para

a Craig & Rose, Ellen achou que teria notícias de Dermid. Mas Sheila só
comentou vagamente que Dermid estivera na América do Sul, ajudando na
instalação de uma nova filial na Colômbia e que no eu retomo à Escócia fora
promovido à posição de diretor-assistente o departamento de tecnologia da
Craig & Rose. Sobre sua vida pessoal ou se mandara algum recado especial por
Sheila, Ellen não ficou sabendo. Dermid só enviou um cartão postal a Ellen e um
presente para Rowan.

Depois das festas Sheila comentou mais coisas sobre Dermid, mas não

foi numa conversa direto com Ellen. Um dia, como fazia sempre depois de
voltar do trabalho, ela ficou com Rowan e depois foi levá-lo ara dormir. Quando
voltava para a sala de estar, onde Sheila e sua mãe conversavam, ouviu o nome
de Dermid ser mencionado.

Imediatamente encostou-se na parede atrás do arco que conduzia sala.

fora da vista das duas mulheres, para escutar tudo.

— Eu não entendo por que Neil Craig, o avô de Dermid, tomou o neto sob

sua proteção, depois da morte de Maxwell — Sheila disse

— Tenho a impressão de que as últimas palavras que Maxwell disse para

o pai antes de morrer no hospital, depois do acidente provavelmente foram: —
“Tome conta do menino.., do menino de Kate, ele é meu filho”. Você pode
imaginar quanto Bárbara fico mortificada ao ouvir aquilo?

— Sim, claro — Janet concordou. — Neil Craig adotou Dermid para poder

ser legalmente responsável por ele não foi?

— Sim, e você pode ver que sempre tratou bem o avô, atento qualquer

oportunidade. Ele é um demônio ambicioso, não há dúvida de que é. Ian ficou
muito desapontado quando Dermid foi promovido a diretor-assistente, acima
dele, pois Dermid é mais jovem do que meu filho. Acredite, querida, a mão de
Neil Craig está nisso.

— Eu não ficaria surpresa — Janet comentou —, apesar de sempre ter

achado que Dermid se dedicava muito ao trabalho inclusive a ponto de
negligenciar a esposa e filho por causa dessa dedicação.

— Oh, eu não nego que ele seja competente e que trabalhe bastante.

Mas o que me parece errado é que uma pessoa de moral fraco como ele, seja
apontado para um cargo de tamanha responsabilidade, enquanto que meu Ian,
um rapaz correto, religioso seja passado para trás. — Houve uma pausa e um

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ruído como se Sheila tivesse mudado de posição na cadeira. Depois o tom da
voz dela diminuiu. — Eu ainda não tinha contado nada para que Ellen não ficasse
muito mortificada — ela falou num sussurro —, mas o jeito como Dermid tem
se comportado com uma das datilógrafas da fábrica está provocando
comentários maldosos. Todos falam sobre isso!

— O que você quer dizer exatamente com isso? — pergunto Janet.
— Bem... ela mora no mesmo bairro que ele em Kilruddock e Dermid

costuma dar carona para ela pela manhã e à noite.

— Mas isso não significa que tenham um caso — protestou Janet. — Ellen

sempre vai de carona para os estúdios com Walter Stewart, seu patrão, e eu
tenho certeza de que não existe nada de íntimo entre eles.

— Ah, mas Ellen é diferente do diabo sobre o qual estou falando —

retrucou Sheila asperamente, ressentida por achar que Janet estava pensando
que ela estava sendo exagerada. — A datilógrafa não faz nenhum segredo de
que há alguma coisa entre eles, tem contado vantagens no banheiro das
mulheres e já admitiu que dormiu com Dermid várias vezes. Mas, o que você
pode esperar dele com o pai e a mãe que teve? Eu acho é que Ellen foi tola de
casar com ele.

— Ela era muito jovem na época — disse Janet com um suspiro. — Não

acredito que soubesse bem o que estava fazendo.

— E pena por causa do menino — continuou Sheila. — Eu sempre acho que

são as crianças que sofrem mais quando os pais se separam.

— Rowan não sofre muito. Ele nem conhece o pai — Janet respondeu.
— Mesmo assim, eu digo...
Ellen não quis ficar para ouvir mais nada e voltou correndo para o quarto,

com as palavras de Sheila martelando na cabeça: “Uma das datilógrafas da
fábrica... E a garota já admitiu que dormiu com ele muitas vezes...”

Depois da dor inicial, veio a desilusão, como um câncer corroendo seu

amor por Dermid. Então fora por causa da datilógrafa que ele não viera para
Ottawa para vê-la. Ele a abandonara como Maxwell Craig abandonara a esposa e
fora buscar consolo nos braços de outra mulher. Por isso, nem se incomodara
mais de escrever para ele.

Mas chegou uma carta de Dermid antes que Sheila fosse embora. Era

uma carta fria dizendo que ele sentia muito, mas que com as novas
responsabilidades não encontrara tempo para voar até Ottawa para visitá-la e
ao filho. Ele perguntava sobre sua saúde e se ela estava gostando do emprego.
Perguntava por Rowan e dizia o quanto gostaria de vê-lo. Sugeria que quando
ela tivesse algum feriado fosse para a Escócia com Rowan, para deixá-lo ficar

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lá por uns tempos. Contou ainda que comprara um pequeno iate e que gostaria,
de passear pelas ilhas com o menino durante o verão. Não havia nenhum toque
de amor na carta, nem o menor apelo para que ela deixasse o emprego e
voltasse para morar com ele.

Ellen sabia que era impossível que Dermid tivesse sido fiel durante

aquele ano de separação, por isso respondeu-lhe friamente também. Escrevera
que estava gostando muito do emprego e não tinha a menor intenção de deixá-
lo. Contou que Rowan estava bem e feliz, mas não poderia levá-lo à Escócia.
Conseguiu deixar claro que a separação estava fazendo muito bem a ela e
muitos meses se passaram até que Ellen ouvisse falar do marido outra vez.

— Oh, por que nenhum dos dois admitira que o amor e o casamento já

tinham acabado? Por que ainda tentar se apegar às recordações de um sonho
que já terminara’? Por que não admitir que eles haviam casado pensando que um
relacionamento baseado simplesmente em atração física seria suficiente? Uma
atração que terminara em menos de dois anos de casamento?

Mas terminara realmente? Deus, não, não tinha terminado! As mãos de

Ellen se crisparam nos bolsos e ela cerrou os dentes tentando controlar a onda
de desejo que mais um vez tomou conta dela, fazendo-a tremer com a
lembrança do que acontecera há pouco no quarto. Dermid ainda tinha o poder
de excitá-la, de fazer cada nervo do seu corpo vibrar, todos os seus sentidos
se alertarem. Na verdade, ele era o único homem que ela conhecia capaz de
atrai-la daquela forma, porque no trabalho ela encontrara outros, saíra com
eles, mas nenhum, por mais simpático ou sensual que fosse, tinha o poder de
excitá-la com um simples olhar como Dermid conseguia.

— Mamãe, Mamãe! — Rowan a puxava e gritava para chamar atenção. Ele

gritou de novo e agarrou as pernas dela. Olhando para baixo, Ellen viu com
surpresa um cachorro farejando por perto, abanando o rabo alegremente.
Levantando a cabeça, ele foi mais para perto de Rowan, lambendo seu braço de
modo que a criança gritou novamente, embora Ellen não soubesse, se ele estava
com medo ou achando engraçado.

— Tigre, afaste-se! O garoto não quer que você lamba o braço dele.
A voz era rude e tinha um forte sotaque escocês. O cachorro obedeceu,

voltando para a trilha onde um homem vinha descendo. Próximo de Ellen e
Rowan o homem parou. De estatura média, os cabelos pretos eram mais longos
que o normal, cobrindo o colarinho da jaqueta de brim que ele usava sobre uma
camisa de lã. As pernas musculosas estavam moldadas por calças jeans e havia
um ar de arrogância naquele homem parado com uma espingarda dependurada
ombros.

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— Por que você carrega uma espingarda? — perguntou Rowan, afastando-

se de Ellen e olhando para o homem.

— Porque tenho a esperança de caçar um ou dois faisões esta tarde.
— O senhor tem permissão para caçar nestes bosques? — perguntou

Ellen, pensando que provavelmente ele fosse um invasor.

— Sim, tenho permissão do próprio dono — respondeu ele calmamente.

Havia alguma coisa familiar nos seus olhos pretos e na boca trigueira — Você
não se lembra de mim não é Ellen?

Uma outra recordação do tempo que ela passara em Inchcullin, a cinco

anos atrás, veio-lhe à mente para juntar-se as memórias dos tempos
partilhados com Dermid. Foi a lembrança da visita a uma casa da fazenda ali
perto. Era muito branca, situada entre suaves colinas e rodeadas por campos
dourados. Dermid a levará lá para encontrar sua mãe — Kate Mackinnon, como
ela passara a se chamar depois do seu casamento com Hector Mackinnon, um
fazendeiro, mais ou menos um ano depois da morte de Maxwell Craig.

— Você é Ângus, não é? — ela exclamou. — Ângus Mackinnon. Como você

está diferente! — Nas recordações de Ellen ele era um garoto levado de
dezessete anos que gostava de atormentá-la.

— Você também — respondeu ele, com o olhar pousado nela com

insolência —, e para melhor — ele acrescentou, insinuante. Seu olhar voltou-se
para Rowan agora calado e chupando o dedo. — Por Deus, Dermid teria um
trabalhão para negar que essa criança não é dele, não teria? Como são
parecidos! Como o garoto se chama?

— Rowan,
— Ah, Ah! — A risada zombeteira, irritou-a. O homem agachou-se em

frente ao menino num movimento rápido. — Alô, Rowan. Você sabe quem sou eu?

Rowan negou com a cabeça e continuou a chupar o dedo enquanto olhava

Ângus meio amedrontado.

— Sou seu tio. — Ângus riu novamente. — Oh, eu mesmo quase não posso

acreditar. Sou seu meio-tio. Seu pai e eu temos a mesma mãe. Você pode me
chamar de Ângus. Você consegue pronunciar! — Rowan assentiu. — E este é o
Tigre — acrescentou Ângus segurando o cachorro pela coleira. — Ele não vai
morder você. E novo como você e quando lambe só quer mostrar que é amigo.
Dê-lhe um tapinha para mostrar que você é amigo dele também.

Rowan obedeceu e Ângus levantou-se vagarosamente, seus olhos

rodeados de longos cílios pretos, fitando Ellen com aprovação curiosidade. Ellen
sentiu-se levemente irritada.

— Então você voltou — Ângus comentou. — Vai ficar muito tempo?

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— O que você tem a ver com isso?
— Nada, suponho, mas é que fiquei surpreso de encontrá-la aqui

passeando neste bosque. A última vez que ouvi falar em você, estava amarrada
num emprego na tevê e não tinha tempo de vir visitar seus parentes aqui na
Escócia.

A ênfase zombeteira que ele pôs na palavra parentes, irritou-a ainda

mais.

— Você está indo visitar minha mãe? Você vai levar seu primeiro neto

para conhecê-lo?

— Não — ela respondeu asperamente. Depois, imaginando que ele podia

contar a Kate Mackinnon que sua nora não estava disposta a ir visitá-la,
acrescentou rapidamente: — Não hoje. Rowan e eu estamos apenas dando um
passeio. Nós já estávamos voltando para tomar chá com tia Agnes. — Pegando a
mão de Rowan ela virou as costas a Ângus e começou a descer a trilha.

— Então eu caminharei um pouco mais com vocês. Dermid está em casa?
— Não, no momento não. Ele foi a Portcullin.
— Eu acho que ele foi ver Alec Anderson, o construtor de barcos, para

ver como vai a construção do novo iate que Alec está fazendo para ele.

— Dermid está mandando construir um novo iate?
— Você não sabia’? — Ângus zombou. — Eu pensei que ele lhe contasse

tudo.

— Não tivemos tempo suficiente para falar sobre tudo — ela defendeu-

se. — Rowan e eu chegamos hoje de manhã. Que espécie de iate é?

— Ah, tem mais de treze metros. O preço para ele não importa, agora

que tem dinheiro. Mas você sabe tudo a respeito do dinheiro, não sabe, Ellen?
Foi por isso que você mudou de idéia e veio para este lado do Atlântico, não é?
E, provavelmente, veio logo que recebeu as notícias sobre o dinheiro, não é?

— Que notícias? O que você está dizendo? — Ellen perguntou parando e

olhando para ele. Ele também parou e virou-se para olhá-la com a maldade
estampada.

— Ah, venha cá, Ellen, não finja que você não sabe que Dermid herdou a

maior parte da fortuna do avô, dele. Não foi por isso que você veio correndo
atrás de seu marido, esperando receber algum dinheiro? Mas você perdeu seu
tempo se quer agarrá-lo novamente. Você não é a única mulher na vida de
Dermid, sabe? Você já tem rivais e uma delas aqui mesmo em Portcullin. E acho
que sei onde seu marido vai depois de ver Alec...

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— Você tem uma língua ferina, Ângus Mackinnon! — Ellen acusou

furiosamente. — O que você está tentando fazer? Criar problemas entre mim e
Dermid?

— Não é preciso, é? Já existem muitas dificuldades entre vocês. Dermid

nunca disse nada, mas todos nós já tiramos nossas conclusões. Sabemos que
vocês vivem separados e seguem seus próprios caminhos. Assim, não será
nenhum choque para ninguém, quando ele pedir o divórcio. Eu digo, de que serve
uma mulher se ela não aquece a cama do homem e não prepara sua sopa quando
ele volta para casa? A minha fará isso quando eu casar!

— Oh! Eu sabia que você pensava assim. Mas nenhuma mulher vai querer

se casar com você quando souber que ainda tem essas idéias antigas. Você está
fora do tempo!

— Mas me sinto bem assim. O que foi bom para meu pai, será bom para

mim também. Eu nunca o vi reclamar da minha mãe nem querer viver longe dela.
Nem nunca ouvi minha mãe dizer que estivesse cansada de ser esposa de um
fazendeiro. — Ele parou e empertigou-se, seus olhos se estreitando, a cabeça
movendo-se de um lado para outro. — Eu a verei Ellen — ele sussurrou e
movendo-se silenciosamente. Com o cachorro nos seus calcanhares,
desapareceu na floresta.

— Para onde o homem foi? — Rowan perguntou.
— Caçar — Ellen respondeu brevemente, virando-se e continuando a

descer a trilha. Poucos segundos mais tarde, um tiro ressoou pelo bosque.

Durante todo o trajeto de volta as palavras de Ângus ressoaram na

cabeça de Ellen. Como é que ele sabia que Dermid herdara todo o dinheiro do
avô, se o testamento ainda não fora lido? Ele deveria estar jogando verde para
colher maduro. Ellen supunha que todos os interessados na herança estariam
curiosos para saber quem seria o mais beneficiado pelo testamento de um dos
homens mais ricos da região.

Mas o que realmente a perturbava era a insinuação maldosa que Ângus

fizera, dizendo que Dermid queria divorciar-se dela. Seria sobre isso que
Dermid queria conversar quando entrou naquela tarde? Ou seria esse o assunto
que ele queria discutir, quando estava no Rolls, mas que interrompera dizendo
que ela estava muito histérica para discutir qualquer coisa? Eles não haviam
discutido no quarto, por causa daquela cena perturbadora que ela não imaginava
que ainda pudesse acontecer entre eles.

E contudo, contudo... Ellen gelou novamente quando se lembrou das

palavras amargas que haviam dito um ao outro no hall. Eu entendi a mensagem,
Dermid falara. Mas que mensagem? A mensagem que ela transmitira a ele pela

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forma como se comportara? Ou seria pelas palavras amargas ditas
confusamente? Seria possível que Dermid tivesse entendido que ela não queria
mais nada com ele?

— Estou cansado, mamãe — Rowan suspirou. — Me carrega de cavalinho?
Ellen se abaixou e ele acomodou-se nas suas costas enlaçando seu

pescoço. Colocando as mãos sob as pernas do filho, ela se levantou. Moveu-se
desajeitadamente pelo pátio, sentindo a cabeça do filho pesando contra a dela.
As árvores estavam ficando cinzentas assombreadas por causa do sol que se
punha. Através dela, Ellen enxergou as luzes acesas na casa.

A trilha terminava nos arbustos, entrando no pátio, Ellen viu o mar

brilhando ao longe. O vento parara e por entre os ramos, a lua cheia cintilava
cor-de-laranja.

Ellen lembrou-se de repente que era véspera do dia de todos os Santos e

teve vontade de ser criança novamente para ir de casa em casa, no subúrbio de
Ottawa, onde ela crescera, brincar de “enganar e vender”! Talvez no próximo
ano Rowan já fosse grande o suficiente para entrar na brincadeira e ela o
acompanharia. Havia tantas brincadeiras que mãe e filho poderiam fazer... A
menos que... Oh, não, ela não deveria permitir que isso acontecesse. Ela não
deveria permitir que Dermid pedisse o divórcio e exigisse a custódia de Rowan.
Ela não poderia permitir que ele fosse tão cruel assim.

Estava surpreendenternente quente dentro da casa e o fogo no estúdio

crepitava na lareira. Tia Agnes estava lá para saudá-la com seu suave e vago
sorriso e por um instante, enquanto as duas bebiam chá quente e comiam
bolinhos amanteigados com geléia de morango feita em casa, Ellen foi capaz de
fingir que tudo estava bem. Que não havia nenhum desentendimento entre ela e
Dermid, que logo ele voltaria de Portcullin para juntar-se a elas e contar tudo a
respeito do seu iate novo.

Depois da refeição, Ellen subiu com Rowan para que ele tomasse banho.

Quando ele já estava de pijama, segurando seu ursinho, Ellen tentou convencê-
lo a deitar-se no divã do quarto de vestir. Mas ele não queria e insistiu em
dormir na cama grande que fora preparada no outro quarto para ela e Dermid.
Então Ellen capitulou e colocou-o sob os lençóis e cobertores já aquecidos pelo
cobertor elétrico que Bessie havia providenciado. Sentou-se na cama para
contar-lhe uma história e, em poucos minutos, ele adormeceu.

Sem saber o que fazer para ocupar o tempo, ela se perguntava quando

Dermid retomaria, tentando não pensar naquilo que tanto a preocupava. E se
Ângus falou a verdade e Dermid foi visitar outra mulher em Portcullin? Então,
decidiu trocar de roupa para estar com a melhor aparência possível caso

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Dermid voltasse. Resolveu-se por uma roupa exótica. Ainda bem que decidi
trazer meu robe comprido de veludo vermelho-escuro, pensou mais tarde,
olhando-se no espelho. De estilo, justo, decotado, com saia evasé, deixava-a de
cintura fina e busto exuberante, a cor escura ressaltava sua pele clara e seus
cabelos loiros ficavam mais brilhantes.

— Como você está bonita, querida — disse Agnes, quando ela voltou ao

estúdio. — Rowan já dormiu?

— Sim. Ele praticamente desmaiou de sono.
— Imagino! Hoje foi um dia cheio de emoções fortes para ele.
— Dermid já voltou de Portcullin? — perguntou Ellen, afundando-se numa

poltrona de couro do outro lado da lareira.

— Não. Ele telefonou enquanto você estava lá em cima e disse que não

chegaria antes das dez. Disse também que você não precisa esperá-lo se
estiver Cansada.

— Ele disse o que o atrasou? — Ellen tentou não deixar transparecer o

desapontamento que sentia.

— Não, mas ele nunca explica. Dermid sempre fez o que quis e de nada

adianta perguntar por que ele atrasa — Agnes disse com um suspiro. — Mas
você deveria saber disso, querida. Você já está casada com ele.., há quatro
anos? Tenho medo de que minha memória esteja ficando fraca.

— Não, já faz mais tempo —, Ellen disse, olhando para o fogo. — Tia

Agnes, a senhora tem alguma idéia do que está escrito no testamento de vovô
Craig?

— Claro, querida. Todos tem.
— Todos? Mas como podem todos saber se ele ainda não foi lido?
— Ainda não foi lido? — Agnes parecia divertida e preocupada ao mesmo

tempo. — Mas eu tenho certeza... — ela começou, depois se interrompeu e
começou em tom confidencial: — Sim, eu tenho certeza de que ele foi lido na
última terça, depois dos funerais. Meu pai deixou tudo para Dermid. As ações
da Companhia, esta casa e todas as terras que possuía.

— Mas ele não deixou nada para a senhora?
— Sim, por certo. Eu tenho uma anuidade que me permitirá viver com

muito conforto durante anos e Dermid só ficará com a casa se me permitir
morar aqui. Oh, e ele deixou muitos outros bens. Meu pai era muito generoso.
Ele não se esqueceu de ninguém, nem mesmo do seu bisneto apesar de não tê-lo
conhecido. — Os olhos de Agnés revelavam tristeza e reprovação quando
olharam para Ellen. — Mas foi para isso que vocês veio, não foi, para ouvir a

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leitura dessa parte do testamento. Papai insistiu em que você e a criança
deveriam estar aqui presentes antes que essa parte fosse lida.

— Sim, mas... — Ellen cerrou os lábios. Ângus não mentira! E não havia

por que não contar a Agnes que Dermid não lhe dissera nada sobre o
testamento do avô. Tudo que ela sabia sobre o assunto era o que estava
relatado na carta que recebera do advogado, solicitando sua presença na casa
no dia em que o testamento fosse lido. Ela não sabia que havia uma parte
separada que dizia respeito somente a Rowan.

Mas não fora lido naquela dia porque era domingo. Então, quando seria?

Ellen deveria esperar até que Dermid voltasse para perguntar a ele. Pela
felicidade de Rowan. Os dois precisavam sentar e se entender calma e
friamente como duas pessoas civilizadas... Pela felicidade de Rowan, as palavras
se repetiam como uma canção. Fora pela felicidade de Rowan que ela havia sido
convidada a ir até aquele lugar. Precisava se lembrar disso sempre que
estivesse junto com Dermid.

— É bom ter você aqui. — A doce voz de Agnes quebrou aqueles

pensamentos. — Você vai ficar muito tempo?

— Somente até saber o que diz o testamento com relação a Rowan.

Depois eu acho que vou até Ayr ficar alguns dias com a prima de minha mãe,
Sheila Moffat, e no próximo sábado vou voltar para o Canadá.

— Oh! — Agnes expressou seu desapontamento. — Eu pensei que você

fosse ficar mais tempo. — Ela pareceu muito preocupada por alguns momentos,
os lábios tremendo, suas mãos finas segurando firmemente o robe na altura
dos joelhos. — Ellen, eu não gosto de interferir na vida de ninguém... mas você
acha prudente viver assim tão longe de Dermid? — Ela suspirou de repente e
ergueu os ombros. — Eu nunca tive namorado — confessou com um sorriso
nervoso —, portanto tenho muito pouca experiência nesses assuntos. Mas, meu
pai sempre dizia que ele achava estranho o modo como você e Dermid vivem e
não estava nada feliz com essa situação.

— Não, provavelmente não estava mesmo...
— Meu pai sempre foi um homem correto e ficou desapontado com o

comportamento de meu irmão Maxwell. — Agnes se apressou como se estivesse
com medo de se arrepender, agora que criara coragem de dizer o que pensava.
— Quando Dermid casou com você, ele esperava que vocês e o menino ficassem
juntos aqui. — A boca de Agnes começou a tremer e lágrimas caíram dos seus
olhos. — Oh, Ellen — ela suspirou —, você não tem idéia de como os
comentários maldosos sobre os possíveis envolvimentos amorosos dele com
outras mulheres feriam Dermid. Ele ignorou aquele boato que a prima de sua

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mãe espalhou a respeito da moça do escritório, mas quando o boato se espalhou
por aqui, a respeito de Dermid e da dra. Menteith e logo em seguida sobre
Dermid e a filha de Ann, Morag... —

— Filha? A doutora tem filha com idade suficiente para...
— Morag tem dezessete. E ela e Ann foram com Dermid fazer um

cruzeiro neste último verão para Skye e Stornoway e... bem, todo mundo por
aqui comentou.

— Claro, sempre comentam — falou Ellen, secamente. Então Ann

Menteith e sua filha eram as rivais que Ângus se referira. Bem, tendo
conhecido a bela Ann, Ellen sabia que não precisava temer a competição, mas à
respeito da filha ela não tinha certeza. Um homem com a idade de Dermid pode
muitas vezes se apaixonar por mocinhas saindo do internato...

— Você acha então que são apenas comentários? — perguntou Agnes,

esperançosamente. — Espero que você esteja certa, Ellen. Papai achava que
eram falsos e maldosos, mas sempre culpava você por isso. Ele achava que se
você morasse aqui com seu marido ninguém se atreveria a fazer tais
comentários.

— Ele alguma vez disse a Dermid o que pensava, a respeito dos

comentários?

— Sim. Foi a única vez que Dermid perdeu a paciência com o avô. Dermid

ficou muito zangado e ficou sem nos visitar várias semanas. Coitado do papai,
ficou muito aborrecido.

— E a dra. Menteith? Como ela reagiu às fofocas?
— Não sei, querida, nunca perguntei a ela — Agnes falou afetadamente.

— Veja, Ellen, não fica bem falar sobre coisas como essas com a dra. Ann.
Quando ela vem me ver só tratamos de assuntos relacionados com a minha
doença.

— Onde ela mora?
— Em Portcullin. Ellen, querida, você ficou pálida — Agnes comentou com

ansiedade. — Eu a aborreci. Não deveria ter mencionado sobre esses
comentários maldosos. Mas se... se papai estivesse vivo teria falado sobre isso
com você. Ele gostava tanto de Dermid e...

Naquele momento houve uma batida na porta do estúdio e Bessie entrou.
— Acho que já é hora de ir descansar, srta. Agnes. O sr. Dermid avisou

que a doutora virá amanhã bem cedo para vê-la. E a srta. quer estar em boa
forma, não quer?

— Está bem, Bessie, já vou. — Agnes levantou-se vagarosamente da

cadeira. — Você não se importa, Ellen se eu subir? Você parece cansada

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também, portanto não fique aqui muito tempo. Tenha uma boa noite de
descanso e amanhã você se sentirá muito melhor para enfrentar essas
dificuldades.

Depois de desejar boa noite para Agnes, beijando-a, Ellen afundou-se

novamente na poltrona olhando o fogo e ouvindo as vozes das duas outras
mulheres tomarem-se um sussurro enquanto se afastavam,

Já eram nove horas, outra hora esperando por Dermid, talvez ele nem

viesse. O que estaria fazendo? Não era difícil imaginar depois do que ela ouvira
sobre Ann Menteith. Nervosa, Ellen levantou-se e começou a passear pela sala.

Como cheguei a esta posição humilhante? Ela se perguntava, esfregando

as mãos e depois enlaçando-as e levando-as até o peito. Ali estava ela, sozinha
e esperando seu marido voltar para casa, provavelmente depois de visitar a
amante. Não, ela não passaria por tal humilhação. Ela não permitiria. Não iria
dar o gosto a Dermid de encontrá-la esperando por ele, quando voltasse da
casa da amante. Iria dormir naquele mesmo instante, mesmo sendo muito cedo.

Ellen deixara uma lâmpada acesa na cabeceira da cama, perto de Rowan.

Entrando no quarto viu que ele dormia profundamente, com os cabelos
brilhando contra o travesseiro. Ela foi ao banheiro. Quando voltou, tirou o
robe, jogou-o sobre uma cadeira, perto da cama, apagou a luz e deitou-se.

Como Dermid tinha comentado, o quarto era grande, muito grande,

grande o bastante para eles três. Mas provavelmente ele não dormiria lá. Sua
mala fora retirada e Ellen achava que ele tinha pedido a Bessie para preparar
outro quarto para ele. A menos que... o pensamento cortou-a como uma faca... a
menos que ele tenha levado a mala para Portcullin porque está com a intenção
de não voltar esta noite, com a intenção de ficar com Ann Menteith.

Pensando em Dermid junto com Ann, Ellen sentiu uma pontada no

estômago. Não podia pensar nisso senão ficaria louca. Precisava manter a calma
e dormir como uma criança, exatamente como Rowan, isto é, como se no tivesse
nenhuma preocupação no mundo. Fechou os olhos e felizmente adormeceu.

Somente duas horas mais tarde, Ellen despertou com o som de duas

vozes. Uma era profunda e masculina, falando suavemente, mesmo que fosse
com autoridade. A outra era a voz trêmula de uma criança. Ellen dormira tão
profundamente que agora tinha dificuldade em manter os olhos abertos.
Finalmente viu uma luz brilhando pela fresta da porta do quarto.

Instintivamente virou a cabeça no travesseiro e tateou à procura de

Rowan. Levou um susto. Ele não estava lá. Alguém o raptara enquanto estava
dormindo. Semi-acordada, Ellen pulou da cama e correu em direção à porta

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aberta e já a estava alcançando quando a luz foi apagada e o quarto ficou
completamente às escuras.

Incapaz de ver qualquer coisa, porque seus olhos ainda não tinham se

habituado à escuridão, estendeu os braços para frente e se moveu achando que
encontraria a porta de saída do quarto, mas só encontrou a do quarto de vestir.

Talvez fosse apenas um sonho e Rowan estivesse ao lado dela na cama.

Sim, ela sonhou que alguém o tinha raptado.

— Ah — Seu suspiro de pavor foi espontâneo quando ela tocou numa lã

macia. Foi quando ouviu a imprecação predileta de Dermid, que tanto
escandalizava sua mãe.

— Com os diabos, Ellen, o que você está fazendo? Você me tira do sério.
Suas mãos caíram ao longo do corpo e ela as esfregava nervosamente nos

quadris. Agora percebia o luar que se filtrava por entre as cortinas de renda e
iluminava a face de Dermid.

— Eu... Eu sonhei que alguém tinha raptado Rowan — falou, virando as

costas para ele. — Onde ele está? O que você fez com ele?

— Bem, eu não o raptei — Dermid disse, encaminhando-se para o

gaveteiro, abrindo uma gaveta para ver o que havia dentro. — Apenas o coloquei
no divã — acrescentou, fechando a primeira e abrindo uma segunda. — Tem
idéia de onde está o meu pijama? — perguntou, acendendo a lâmpada.

— Não, é claro, não,desmanchei sua mala.
— Então foi Bessie, porque toda minha roupa de baixo está nesta gaveta.

— Ele fechou aquela e abriu a terceira. — Maldição, onde está?

— Talvez ainda na sua mala. Por que você pôs Rowan no divã? Ele não

gosta. Não vai ficar muito tempo lá.

— Não? — Para surpresa de Ellen, Dermid achou a mala. — Pois ele está

lá e não reclamou. A calça não está aqui. Acho que esqueci de trazê-la. Fechou a
mala, colocou-a onde a encontrara e voltou-se para Ellen: — Está certa de que
foi ele quem não quis dormir lá?

— Claro. Por isso eu o pus na cama junto comigo.
— Eu pensei que você o tivesse colocado a seu lado para me impedir de

dormir com você — explicou com um tom de ironia.

— Mas... você vai dormir em outro quarto. Pelo menos foi o que eu pensei,

porque sua mala não estava aqui... eu não a tinha visto em lugar algum. Pensei
que você tivesse pedido a Bessie para preparar outro quarto para você, —
Dermid estava tirando o suéter. — Pensei que você tivesse decidido passar a
noite com sua amante.

Dermid parou de desabotoar a camisa e lançou-lhe um olhar irônico:

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— Que amante? Você é minha amante. Você é a “amante de Dermid

Craig”, para usar o antigo título escocês de esposa.

— Oh, pare de fingir, Dermid — disse ela. Mas sua voz quase não saiu

porque ela começou a tremer incontrolavelmente e ele percebeu.

— Volte para a cama. — Dermid ordenou.
— Não.
— Ellen! — Ele se encaminhou em sua direção. Pensando que ele fosse

agarrá-la para colocá-la na cama. Ellen se virou rapidamente, e esbarrou no pé
da cama, machucando a unha. Cerrando os lábios para não soltar um grito de
dor ela ficou num pé só ao lado da cama, depois deitou sob as cobertas ainda
quentes e cobriu a cabeça para não ver Dermid se despir.

A luz se apagou e ela percebeu que ele se dirigia para o outro lado da

cama.

— Para onde você vai?
— Para a cama, é claro! Só um homem vai repartir esta cama com você

esta noite: eu. Nosso filho encontrará uma mulher para dormir com ele quando
crescer.

Ellen sentiu frio quando ele levantou as cobertas e se deitou do outro

lado. Ele se ajeitou por alguns segundos, arrumou o travesseiro, ajeitou-se
novamente, deu uma espécie de suspiro e depois tudo ficou em silêncio.

Ellen permaneceu tensa, com a proximidade daquele homem que a atiçava

tanto! Ah, que saudades dos tempos em que faziam amor com tanta paixão.

Ellen não podia ficar na cama sem resistir aos apelos daquele corpo

másculo tão próximo. Então era melhor levantar e procurar um outro lugar para
dormir.

— Onde você vai? — Dermid sentou-se na cama antes que ela pudesse se

mover, segurando-a pelo braço.

— Não posso dormir aqui com você.
— Vai começar tudo de novo?
— Deixe-me ir — insistiu ela. — Não posso ficar na mesma cama,

sabendo que você esteve com aquela mulher esta noite.

— Que mulher?
— Você sabe bem que mulher!
— Eu não estive com mulher alguma. Por que eu iria encontrar outra

mulher se você está aqui, onde eu quero que esteja, na minha cama? —
murmurou ele, sua mão acariciando o ombro de Ellen, seus dedos deslizando
suavemente pelo seu corpo. Carinhosamente a perna dele movia-se sobre a dela.
Dali a pouco ele a subjugaria totalmente!

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— Dermid, pare com isso! Oh, o que você pensa que eu sou? Como você

pode me humilhar assim?

— Humilhar você? — A voz soava incrédula e Dermid afastou a cabeça da

dela mas não lhe deu chance de fugir. — Por Deus, Ellen isto está indo longe
demais!

— Oh! Deixe-me ir. — O grito acabou de repente quando a boca dele

colou-se na dela num longo beijo, tão arrebatador e selvagem que feriu os
lábios de Ellen, até que ela sentiu gosto de sangue na boca. Não mais gentil, os
dedos arrancaram a camisola dos seus ombros e ela ouviu o ruído do pano que
se rasgava. Então os dedos de Dermid acariciaram seus mamilos, enviando
sensações indescritíveis ao corpo de Ellen, que no fundo ansiava por aquele
momento de prazer.

Com medo da paixão que ainda sentia por ele, Ellen tentou escapar.

contorcendo-se desesperadamente. Mas seus movimentos só despertaram
ainda mais o fogo da paixão que tomava conta do corpo de Dermid. Ellen
finalmente capitulou.

Mas nada havia de carinhoso naquele reencontro, para Ellen era como

estar numa batalha com um estranho, porque o Dermid com o qual ela se casara
não era tão bruto, mas ela correspondia... aumentando seu próprio desejo. O
desejo aumentava para os dois que se arranhavam e beliscavam, mordiam e se
beijavam numa volúpia desesperada.

— Agora me acuse novamente de ter estado com outra mulher esta noite

— suspirou Dermid fracamente, quando tudo terminou. — Você acredita
honestamente que eu poderia agir com você como agi, se tivesse estado com
outra? Acredita, Ellen, acredita?

— Não sei. Já não o conheço mais. Você está diferente — Ellen

respondeu, pressionando seu corpo contra o dele.

— Você também está mudada — disse ele suavemente. — Também depois

de quase três anos. Mas não seremos estranhos por muito tempo mais...

— Dermid... por favor — suspirou ela e cedendo aos seus próprios

desejos Ellen puxou-o pelos cabelos e ofereceu-lhe os lábios com ternura e
prazer.


Capítulo V

Ellen acordou sentindo frio. Sem abrir os olhos, procurou

instintivamente com os braços e pernas o calor que a envolvera a noite toda.
Mas não havia ninguém na cama com ela.

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Abriu os olhos e sentou-se. Os espelhos do toucador e do guarda-roupa

refletiam a imagem de uma mulher nua, descabelada, as cobertas no chão. Ellen
cobriu a face com as mãos. Sim, foi verdade, pensou. Depois de três anos,
alguém dormira com ela. Oh, sim, Dermid estivera com ela. O inchaço dos seus
lábios não era imaginação nem as marcas em sua pele. As mãos escorregaram da
face para o pescoço e os seios, e ela sorriu de satisfação. Ellen podia jurar que
Dermid também estava todo arranhado. Havia sido um ato violento, complicado,
caloroso...

Ato? Ela estremeceu repentinamente. Mais uma vez levou as mãos à

face, enquanto fitava seu reflexo no espelho, vendo seus olhos que refletiam
apreensão. Como fora louca! E se ficasse grávida? Como ela fora tão louca a
ponto de permitir que o desejo vencesse a razão’? Como pudera se entregar
com tanto abandono e sem pensar nas possíveis conseqüências?

Bem, o que estava feito, estava feito e se tivesse engravidado, como

resultado daquela noite de paixão, daquela relação amor-ódio com Dermid, o
que iria fazer? Tudo dependeria de Dermid. Dependeria da decisão de querer o
divórcio para casar com outra. Com Ann ou sua filha Morag...

Ellen sentiu-se arrebatada pelo ciúme. Levantou-se, pegou seu robe e

colocou-o. Calçou seus chinelos e olhou para o relógio sobre a mesa-de-
cabeceira. Ficou surpresa quando viu as horas. Segurou o relógio, balançou-o,
certa de que havia engano. Não, eram dez horas e vinte e cinco minutos. Onde
estaria Rowan? Por que ele não estava por ali?

Tomada pelo medo do que pudesse ter acontecido a Rowan, correu até o

quarto de vestir com toda a idéia de morte por asfixia em sua mente. Mas
Rowan já era grande e muito saudável para morrer daquela maneira. Por que
tinha pensado em tal barbaridade?

Respirou aliviada quando viu que o divã estava vazio. O pijama de Rowan

estava no chão e a roupa que ele usara na véspera não estava mais lá.
Provavelmente ele já se levantara, se vestira e descera, à procura de alimento.
Mas por que ele não a acordara?

Ellen descobriu o porquê quando voltava para o quarto e percebeu que a

roupa de Dermid também não estava lá. Dermid tinha acordado com o chamado
de Rowan, tinha vestido e levado o menino para baixo, sem acordá-la, numa
atitude deliberada que fazia parte do plano dele para afastá-la da criança.

Ellen parou no toucador e passou um pente pelos cabelos, depois vestiu

calcinhas sob o robe. No caminho para a porta, ela pegou sua camisola e sentiu
um arrepio, misto de pavor e deleite, percorrê-la quando se lembrou de como a
camisola fora rasgada.

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Enquanto descia, pensava no quanto Dermid tinha mudado. Ele não era o

jovem pelo qual se apaixonara, o homem cheio de ternura e amor que sempre se
mostrara gentil e meigo quando fazia amor. Agora ele era um homem de olhar
duro, um diabo zombeteiro desejando apenas sua própria satisfação e prazer,
não se importando com o que ela pudesse sentir, deixando-a com a sensação de
ter sido usada. Mas, no fundo, Ellen sabia que também sentira prazer naquele
ato.

A sala estava vazia e fria, o estúdio também e na sala de jantar a mesa

polida não estava posta para refeição.

No hall, Ellen parou e ficou atenta, mas não ouviu barulho de vozes, nem

altas nem baixas. Então ela foi em direção da cozinha, abriu a porta e entrou na
atmosfera quente e cheirosa de comida, certa de que encontraria Rowan lá.
Bessie era a única pessoa presente, preparando massa para tortas.

— Ah, levei um susto— disse Bessie. — Eu pensei que a senhora ainda

estivesse dormindo.

— Bessie, onde está Rowan? — perguntou Ellen, interrompendo-a. —

Você o viu?

— Sim, ele foi a Auchinshaws com o pai — Bessie respondeu, enquanto

mexia na massa da torta. — Não fique preocupada com o garoto. Ele comeu
muito bem: mingau, ovos com bacon e tomou leite.

— Mas ele não gosta de mingau... — Ellen se interrompeu e deu de

ombros. De que adiantava dizer que Rowan não gostava de mingau, se ele tinha
comido? Isto era a prova de que ele gostava. Ou será que não ousara recusar
diante da autoridade do pai?

— Auchinshaws é a fazenda Mackinnon, não é? — Ellen perguntou,

andando ao redor da mesa com as mãos enfiadas nos bolsos do robe.

— É. Ele foi ver a avó. — Bessie foi colocar as tortas no forno.
— Eles foram no Rolls?
— Acho que não. Para que iriam no Rolls? — Bessie perguntou indo até a

pia para pôr água na chaleira.

— É longe daqui?
— Três ou quatro quilômetros pelo bosque e hoje está um dia bom para

caminhar, fresco, se bem que eu ache que vai chover mais tarde. Por que a
senhora não se senta, sra. Craig? Vou preparar seu café. Eu ia levá-lo para a
senhora daqui a uma hora.

— Só café e torradas — pediu Ellen. — E eu mesma preparo, se você

estiver ocupada.

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— A sra. não vai fazer nada — respondeu Bessie, com os olhos brilhando.

— Ninguém vai mexer na minha cozinha. Café e torradas — Seu rosto
demonstrou desgosto. — Que espécie de refeição é essa? E por isso que a
senhora está magra como um palito. A senhora vai comer mingau e ovos com
bacon como seu filho...

— Não, não... eu não posso. Por favor, não quero. E não há tempo. Eu

também tenho de ir a Auchinshaws. A que horas eles foram? Talvez eu possa
alcançá-los. E muito longe para Rowan ir caminhando e o pai dele não vai levar
em consideração que ele é apenas um garotinho...

— O menino estará muito bem. O pai saberá cuidar dele — garantiu

Bessie. — Se ele se cansar, garanto que o sr. Dermid vai levá-lo de cavalinho.
Eles já saíram há uma hora e é melhor não ir atrás deles. Devem voltar logo
para o almoço...

Mas Ellen não esperou. Saiu pela porta da cozinha e apressou-se pelo

hall. Precisava ir atrás de Rowan. Não ia permitir que Dermid o roubasse dela. E
que tal encontrar o advogado? Dermid se esquecera de que ele viera
unicamente para ouvir a leitura da parte do testamento que dizia respeito a
Rowan. Ela precisava encontrar aquela carta e lê-la novamente, mostrá-la para
Dermid quando o alcançasse no bosque, perguntar por que ele não lhe dissera
que a parte principal do testamento já fora lida e tantas outras coisas...

Apressando-se pela escada. Ellen parou porque alguém vinha descendo.

Uma mulher alta, vestida num costume de tweed e com os cabelos loiros
brilhando na suave claridade do ambiente.

— Sra. Craig. Eu sou a dra. Menteith. Estava conversando com Dermid

ontem no cais. — A voz era suave, mas os olhos azuis pousaram cinicamente no
robe de Ellen, Não havia dúvida, a dra. Ann a considerava uma relaxada porque
àquela hora ainda usava roupas de dormir. O que ela pensaria se soubesse que
não estava usando camisola sob o robe? E se ela soubesse o que tinha
acontecido com aquela camisola? Ellen deixou-se enlevar pelas lembranças dos
últimos acontecimentos, mas rapidamente correspondeu aquele olhar
firmemente.

— Sim, eu lembro — Ellen disse, friamente.
— O seu garoto está por aqui? Eu gostaria de dar uma olhada na língua

dele — disse a doutora. — Fui informada de que ele pronuncia mal algumas
sílabas e que talvez...

— Quem lhe disse? — perguntou Ellen. E uma suspeita tomou conta de

seus pensamentos. Será que afinal de contas Dermid estivera mesmo com
aquela mulher na noite anterior? Será que ele tinha mentido quando afirmara

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que não estivera com outra mulher? Dermid com aquela mulher fria, velha, de
olhos azuis? Ellen não podia acreditar!

— A srta. Craig me disse exatamente agora. A língua do pai dele também

era presa quando ele era criança e talvez seja um problema hereditário.

— Oh, sim, por certo. — Mas novamente a suspeita tomou conta de Ellen.

Talvez Dermid estivesse interessado na filha daquela mulher. Será que Morag
também era alta, loira, adorável na sua adolescência, como um botão de rosa
esperando para ser colhido? Dizem que as adolescentes são doces e por essa
razão é que homens mais velhos se apaixonam por elas. Ellen percebeu que Ann
Menteith estava olhando para ela com ar divertido e mais uma vez teve que pôr
em ordem seus pensamentos. — Eu acho que Rowan não está agora. Ele saiu
com... com meu marido — ela usou a palavra marido como num desafio. Ann
deveria saber que ela ainda estava casada com Dermid e ainda o considerava
seu marido.

— Foram ao jardim? Ou talvez na praia?
— Não. Eles foram para Auchinshaws. E só voltarão à uma hora.
— Então eu encontro com eles lá — Ann disse com um sorriso. — Estou

indo para lá. O velho sr. Mackinnon não está se sentindo muito bem hoje.
Enquanto estiver lá eu examinarei a língua do garoto e conversarei com Dermid
a respeito da saúde de sua tia. Sem dúvida, quando voltar, ele conversará com
você sobre o problema do garoto. Bom dia, sra. Craig. Eu sairei pela porta
lateral. Conheço bem a casa.

Ellen estava profundamente irritada! Que tolice contar à doutora onde

Dermid e Rowan estavam. Agora ela iria imediatamente a Auchinshaws. Correu
para o quarto. Se tivesse bom senso teria pedido uma carona a doutora para ir
também até a fazenda.

Pegando sua frasqueira no quarto de vestir, Ellen correu ao banheiro,

arrumou-se rapidamente e voltou ao quarto. Tirou o robe e vestiu uma camiseta
de algodão. Tirou do guarda-roupa calças de veludo verde e vestiu-as. Vestiu
também uma blusa verde de lã e calçou tênis. Caminharia rapidamente pelos
bosques como fazia em Ottawa. O exercício lhe faria bem, iria acalmá-la, Calma
era exatamente o que precisava para seu próximo confronto com Dermid.

Quando já estava pronta penteou-se novamente e maquilou-se pondo

mais batom do que de costume, para esconder os ferimentos nos lábios. Depois
pegou sua bolsa, abriu-a e tirou o envelope com a carta do advogado.

Leu a carta mais cuidadosamente do que quando a recebera e percebeu

que realmente dera pouca atenção a algumas palavras. Ela deveria estar
presente em Inchcullin na primeira semana após o dia trinta e um de outubro e

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não precisamente no dia trinta e um de outubro como ela tinha entendido. Isso
significava que Ellen poderia ter chegado em qualquer dia daquela semana e não
precisamente no dia anterior. A carta continuava e dizia que sua presença era
necessária, de acordo com o desejo de Neil Craig, para a leitura da parte do
seu testamento relacionada com Rowan Maxwell Craig.

Aliviada por ter esclarecido aquele pequeno mistério, Ellen estudou o

cabeçalho da carta. Os advogados Scott, Murray e MacCleggan tinham seus
escritórios em Portcullin e a carta era assinada por Wallace Scott. Talvez
fosse uma boa idéia telefonar para o sr. Scott e dizer-lhe que já tinha chegado
e marcar hora para vê-lo. Sim, era isso que faria enquanto Dermid estava na
fazenda. Não havia necessidade de esperar que ele tomasse a iniciativa. Ela
poderia resolver aquele assunto sozinha... pelo bem de Rowan.

Em poucos minutos, Ellen estava no estúdio com a lista telefônica nas

mãos. Encontrou facilmente o número dos advogados e logo falou com a
secretária, que lhe informou numa voz suave que o sr. Scott teria muito prazer
de falar com ela.

— Sr. Scott, aqui é Ellen Craig. O senhor me escreveu a respeito do

testamento de Neil Craig e pediu a minha presença em Inchcullin qualquer dia
desta semana.

— Ah, sim, sim, sra. Craig. — Pelo tom de voz, Ellen o imaginou um homem

gordo. — Fez boa viagem?

Ellen apertou os dentes, forçando-se a ter paciência com aquelas

amenidades.

— Sim, obrigada — disse ela, polidamente. — Sr. Scott, eu não tenho

muito tempo e gostaria de encontrá-lo o mais rapidamente possível para ouvir a
parte do testamento de Neil Craig que se refere a meu filho.

— Bem, a senhora já discutiu o assunto com seu marido, o sr. Dermid

Craig?

— Eu... eu... ainda não.
— Então eu acho melhor fazer isso, sra. Craig, e que depois ambos

venham me procurar. Seu marido poderá falar-lhe a respeito dos detalhes do
testamento, pois tem uma cópia.

— Mas na carta o senhor disse que minha presença era necessária para a

leitura dessa parte do testamento e eu pensei que o senhor fosse ler o
testamento ou em Inchcullin ou em seu escritório.

— Assim é. — O sr. Scott respirou profundamente. — Entretanto não fui

eu quem redigiu a carta e acho melhor a sra. discutir o assunto primeiro com

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seu marido e, se houver alguma dificuldade legal para se executar o
testamento, os dois que venham me procurar.

— Mas...
— Sinto muito, sra. Craig, mas preciso desligar. Há um outro cliente me

esperando. Não se esqueça, venha me ver com seu marido se houver algum
problema e faremos o possível para resolvê-lo. Bom dia para a senhora.

Ellen não entendia por quê. Não fui eu quem redigiu a carta, ele dissera.

Então quem redigira? Quem tinha o direito de ditar uma carta e enviá-la em
nome do advogado? Somente alguém intimamente relacionado com o andamento
do testamento de Neil Craig e era fácil imaginar quem era essa pessoa. Dermid
redigira aquela carta. Ele sabia o conteúdo do testamento a respeito de Rowan.
Ele era um dos testamenteiros, portanto Ellen não podia fazer nada até falar
com o marido.

Então quanto mais cedo ela o encontrasse, melhor. Ellen saiu do estúdio.

Em vez de andar até Auchinshaws resolveu pedir a James para levá-la até lá
com o Rolls. Dirigiu-se à cozinha.

— Oh! Está aqui outra vez — Bessie disse. — Fiz café e bolinhos fritos

para a senhora. Coma-os com geléia. Está tudo sobre a mesa.

O cheiro do café e dos bolinhos fez bem a Ellen. Estava com muita fome,

por isso sentou-se no canto da mesa que Bessie arrumara para ela e pegou um
bolinho da cesta.

— Agora sim, está sendo sensata — disse Bessie, com ar de aprovação,

aproximando-se com o bule e despejando café na xícara.

— Se eu tivesse deixado a senhora sair sem comer nada o sr. Dermid

ficaria furioso comigo. Prepare um bom café da manhã para a sra. Craig, ele
pediu, e leve-o lá para cima. Ele já não vai gostar de a sra. não ter tomado o
café na cama. — Bessie sentou-se e serviu-se também de café e lançou a Ellen
um olhar penetrante. — A sra. não poderia ter agido de forma pior.

— Como?! O que você quer dizer?
— Agiu mal com seu marido. Não é qualquer homem que deixaria sua

mulher ter um emprego tão longe do lar. Considere-se feliz por ele não ter
pedido o divórcio.

— Isto não é de sua conta — Ellen falou e levantou-se.
— Não, não é, mas eu nunca fui capaz de guardar o que Sinto — disse

Bessie honestamente.

— James está? — Ellen perguntou friamente.
— O que a senhora quer com ele?
— Que ele me leve a Auchinshaws.

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— A senhora está sem sorte. Ele foi a Portcullin trocar o óleo do carro e

só voltará à tarde. Mas não há necessidade de a senhora ir à fazenda, o sr.
Dermid voltará logo...

— Bessie, quando eu quiser seu conselho eu o peço. Obrigada pelo café e

pelos bolinhos. Estavam deliciosos. E agora vou caminhar até Auchinshaws.
Certo?

— Faça o que quiser — disse Bessie, dando de ombros —, mas não vá se

perder, sim? Cuidado!

Como ela poderia se perder naqueles bosques? Ellen se perguntava

enquanto se dirigia para a trilha por entre as árvores. Aqueles bosques eram
espessos como os do Canadá. Tudo o que ela tinha a fazer era seguir a trilha e
mais cedo ou mais tarde sairia do outro lado da floresta. Olharia o vale e
encontraria a fazenda.

O ar estava úmido e parado com jeito de que ia chover. Nada se movia

entre as árvores. Ellen sentia o cheiro da vegetação e o silêncio parecia
palpável, pesado e intenso que estava. Não havia aves cantando e até o riacho
estava silencioso.

Depois de uma caminhada, a trilha se estreitava e a descida ficou

íngreme. Pontas de rocha apareciam por entre a vegetação e folhas caídas no
chão faziam Ellen escorregar pelo caminho. Então ela continuou mais devagar e
cuidadosamente, pensando no que diria a Dermid quando o encontrasse,
percebendo que a chuva começara, mas feliz por ter a proteção das copas das
árvores.

A trilha se alargou novamente, desembocando numa clareira. Ellen parou

e olhou ao redor ouvindo o barulho da chuva. Havia duas trilhas saindo da
clareira. Qual ia a Auchinshaws? Sua mente fazia um esforço tremendo para
lembrar qual das duas ela seguira com Dermid há cinco anos atrás. Mas não
conseguiu lembrar-se.

Olhou para o relógio. Já era meio-dia e quinze. Se Dermid tencionasse

estar de volta a Inchcullin à uma, ele já deveria estar saindo da casa da mãe
dele. Coitado de Rowan! Como suas perninhas deviam estar doloridas por ter
percorrido todo aquele caminho só para ir e depois outra vez para voltar, sem
muito descanso entre a ida e a volta!

Voltaria para Inchcullin ou escolheria uma das duas trilhas e iria ao

encontro deles? Ela decidiu ir e escolheu a trilha da direita porque achou que a
outra ia em direção ao mar. Ellen enfiou as mãos nos bolsos e seguiu em frente.

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Já tinha caminhado por uns quinze minutos, quando notou que a trilha

começava a descer. Avistou Dermid dobrando uma curva e caminhando em sua
direção.

— Ei — chamou —, onde está Rowan?
Dermid parecia surpreso e em poucos segundos estava a seu lado. A água

da chuva escorria dos seus cabelos e sua malha estava encharcada.

— O que você está fazendo aqui nesse aguaceiro?
— Indo a Auchinshaws para pegar Rowan. Onde ele está?
— Ele vai passar o resto do dia com minha mãe.
— Você não tinha esse direito.
Dermid a puxou para perto e disse com um tom de voz suave, mas

ameaçador:

— Eu tenho tanto direito de deixá-lo com minha mãe quanto você de

deixá-lo com a sua, e você não vai buscá-lo. Vai voltar comigo para Inchcullin.
Só tenho dois dias livres, hoje e amanhã, sem trabalho; quero aproveitá-los
para esclarecer algumas questões entre nós. Ellen, nós não podemos continuar
como estamos.

— O que... o que você quer dizer?
— Eu quero dizer que precisamos resolver se queremos continuar

casados.

Será que tudo terminaria ali?, pensou Ellen, naquele dia triste? Será que

aquele sonho que começara tão alegremente num dia dourado de verão, há cinco
anos atrás, terminaria ali? Não, não, não ainda, algo dentro dela sussurrava,
Peça tempo para pensar.

— Há... há alguém mais? Alguém com quem você preferiria estar casado?
Dermid soltou o braço de Ellen e virou-se.
— Está começando a chover bem forte. Vamos voltar para casa.
Dermid começou a andar e Ellen ficou parada, indecisa, sem saber se ia

com ele ou para Auchinshaws para resgatar seu filho... resgatar a criança de
quê? Da má influência de Kate Mackinnon?

— Ellen — Dermid falou baixo, mas em tom autoritário. — Nosso filho

estará bem, eu asseguro. Vai recolher ovos com a avó esta tarde e conhecer os
animais. Nós vamos buscá-lo mais tarde quando James chegar com o Rolls, e
talvez fiquemos para o chá. Mamãe gostaria de vê-la. Precisamos passar
algumas horas, nós dois sozinhos, sem as interferências de Rowan.

— A sugestão foi de sua mãe?
— Não, foi idéia minha.

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— Como a redação da carta que o sr. Scott. o advogado, mandou para

mim?

— O que é isso agora?
— Eu telefonei para o sr. Scott esta manhã para marcar uma hora para a

leitura do testamento. Ele me contou que aquela carta não foi redigida por ele.

— Então?
— Então imaginei que fosse de sua autoria. E eu acho que você usou

desse ardil para eu vir com Rowan, quando mandou o sr. Scott me escrever em
vez de me escrever você mesmo!

— Certo, eu admito isso. Eu tinha que achar um jeito de ficar um pouco

com Rowan. Escrever a você pedindo para trazê-lo não adiantaria. Tudo que eu
recebi de você foram aqueles bilhetes estúpidos, contando que ele estava feliz,
que você estava gostando do emprego e que estava ocupada, muito ocupada.
para viajar e me fazer uma visita. Deus sabe que eu tenho sido paciente com
você, esperando e desejando que você viesse passar uns tempos em
Kilruddock...

— Eu não poderia, não poderia. Eu não poderia vir e ficar naquela casa.
— Diabos, por que não? O que existe de errado com a casa? Você a

mobiliou. Eu não mudei um objeto sequer de lugar!

— Não podia... não depois de ter ouvido os comentários sobre... a garota

do escritório. Não depois de ter ouvido falar que você tinha sido infiel. —
Finalmente Ellen tinha conseguido falar o que queria. Esperou tensa pela
resposta.

— Você ouviu o quê? Quem lhe disse isso?
— Sheila Moffatt, a prima de minha mãe.
— Quando?
— Quando ela foi nos visitar em Ottawa, há dois anos, no Natal.
— E você acreditou naquela intrigueira...
— Foi impossível não acreditar, uma vez que não passou o Natal com a

gente e nem ao menos escreveu.

— Meu Deus, você ouviu aquela fofoqueira e acreditou no que ela disse?

Você não sabe que ela sempre me odiou porque pensa que eu prejudiquei o
filhinho dela? E que, sempre que podia, espalhava mentiras a meu respeito?

— Ela contou que você dava carona para uma garota do escritório todos

os dias...

— Para Nancy Cowan, é certo. Mas que mal há nisso? Eu só dava carona

quando ela perdia o ônibus e eu a via esperando no ponto. Parecia uma ofensa eu

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passar direto sabendo que ela ia para o mesmo lugar que eu. Não me diga que
nunca pegou carona no carro de seu patrão, porque eu sei que é mentira...

— Mas Sheila disse que sabia muito mais do que isso. Sheila disse que a

garota conversava sobre o relacionamento entre vocês nos banheiros e que
todos sabiam que ela já tinha passado algumas noites... na nossa... na casa com
você. Ela foi vista saindo da casa com você várias manhãs.

Dermid tentava controlar a raiva que sentia.
— Deus sabe que eu não sou santo, nunca fui, mas você realmente pensa

que eu iria levar avante um caso com uma datilógrafa na minha casa,
despertando a curiosidade dos vizinhos, parentes e empregados? Pense bem,
Ellen, sou bem mais sutil! Nancy nunca esteve em casa e não tenho nada a ver
com o fato dela ter espalhado histórias a nosso respeito nos banheiros. Dei
carona a ela somente algumas vezes e depois fui para a Colômbia por três
meses. — E achei as senhoritas de lá muito mais fascinantes.

Ellen enfiou as mãos nos bolsos e virou-se para o outro lado. Seria

possível que ele estivesse falando a verdade? Que a prima de sua mãe
espalhara mentiras sobre ele só porque Dermid tinha galgado a posição que ela
almejava para seu próprio filho?

— Olhe, Dermid, onde há fumaça há fogo...
— Isso só confirma que você não confia em mim.
— Pelo menos, tenho tentado.
— Não por muito tempo. — Dermid lançou um olhar cheio de amargura. —

E difícil acreditar que a única razão pela qual você não trouxe Rowan para me
visitar seja essa fofoca da prima de sua mãe. Você está usando isto como uma
desculpa para algo mais sério, não é?

— O quê?
— Outro homem. Um caso com outro homem! Uma esposa é tão capaz de

ser infiel quanto um marido. E você teve muitas oportunidades nesses dois anos
e meio.

— Eu nunca tive!
— Acha que vou acreditar em você?
— Oh! — Por um momento ela ficou sem fala, sentindo-se ofendida.

Dermid não negara que fora infiel. Ele negara apenas o relacionamento com a
datilógrafa. — Se você quisesse ver Rowan, teria ido a Ottawa. Mas você não
foi. Não se importou com nós dois o suficiente para negligenciar seu trabalho e
ir nos ver. Então por que queria que eu abandonasse o meu e trouxesse o garoto
para vê-lo?

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— Eu senti que você não me amava mais, que tinha descoberto que o

casamento não era aquilo que realmente queria, preferindo ser livre. Você
tentou me descartar, Ellen, quando me escreveu aqueles bilhetes frios, Para o
inferno com você, eu não ia correr atrás de uma mulher que fez tudo o que
podia para demonstrar que podia viver bem sem mim.

— Bem, e o que diz a respeito de suas cartas?
Percebendo a expressão desesperada de Ellen, Dermid perguntou:
— O que está acontecendo com você, Ellen? Você está doente?
— Não. Eu... estou com frio.
— Isto não é novidade. Nós estamos nos encharcando, parados aqui. —

Ele ergueu a mão e tocou os lábios dela justamente onde estavam machucados.
— Eu machuquei você? — perguntou ele suavemente, ainda fitando sua boca. —
Eu machuquei seus lábios ontem à noite?

— Quem mais poderia ter sido?
— Estou feliz por isto — falou ele suavemente. — Venha — acrescentou

olhando o relógio —, vamos voltar para casa...

Sem esperar para ver se Ellen o seguia ou não, ele começou a caminhar

pela trilha e ela observou que ele ia se distanciando na chuva, por entre o verde
das árvores. Agora que Dermid se fora ela podia ir a Auchinshaws buscar
Rowan, mas um sexto sentido fez com que ela se recusasse a enfrentar a mãe
de Dermid. Tinha o pressentimento de que Kate Mackinnon a criticaria como
esposa e como mãe. Além disso, estava encharcada. Seria mais fácil e mais
sensato voltar a Inchcullin, vestir roupas secas e mais tarde voltar à fazenda
de carro, junto com Dermid. Ellen queria que Dermid lhe contasse
imediatamente o que havia para Rowan no testamento do seu avô.

Tentava se convencer de que esse era o motivo pelo qual estava

voltando, e não porque Dermid tivesse insistido para que voltasse. Ela estava
voltando pelo bem de Rowan como tinha vindo pelo bem de Rowan. Logo que
soubesse sobre o testamento, arrumaria as malas e iria com Rowan para a casa
de Sheila Moffatt.

Não conseguiu alcançar Dermid e não o encontrou quando chegou em

casa. Quando entrava pela porta lateral, ouviu o telefone tocando no estúdio.
Não havia ninguém por lá e ela hesitou, ouvindo o chamado insistente da
campainha.

Resolveu atender.
— Alô, aqui é de Inchcullin.
— Oh... alô... — A voz era feminina e jovem. — Bessie?
— Não. Quer falar com ela?

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— Não. Dermid está, o sr. Dermid Craig?
— Vou chamá-lo. Posso dizer a ele quem quer falar?
— É Morag. Morag Menteith.
Ellen pôs o telefone na mesa. Estava tentada a desligá-lo, mas naquele

momento a porta do estúdio abriu-se e Dermid entrou. Ele tinha trocado de
roupa e agora usava calças claras e camisa listrada em marrom e amarelo.

— É para mim? — perguntou ele, estendendo a mão para o telefone. —

Estou esperando uma chamada.

Vagarosamente, Ellen entregou o telefone, esperando que o ciúme que a

corroia não estivesse estampado em seu rosto.

— Sim, é para você — disse e saiu da sala.
Fechou a porta do estúdio firmemente quando saiu, resistindo à

tentação de ficar escutando.

Subiu para trocar de roupa. O quarto estava em perfeita ordem, mas

Dermid deixara suas roupas encharcadas no chão. Automaticamente ela as
apanhou e colocou no cesto de roupa suja.

Tirou suas roupas, fez o mesmo. Em seguida, procurou o que ia usar. A

saia de tecido escocês rosa, cinza e vermelho-escuro, longa, até o tornozelo,
ficaria bem com uma camisa de lã fina, cor-de-morango, drapeada num dos
ombros. Sandálias pretas de salto alto completariam o conjunto e ela achou que
estava com aparência elegante e sofisticada. Muito sofisticada para se deixar
perturbar pelo som da voz de uma jovem pedindo para falar com seu marido.

Mas ela estava perturbada e desejou não ter ouvido aquela voz suave e

sussurrante, desejou não te-lo ouvido dizer, com tom de satisfação, que
esperava por uma chamada àquela hora. Ele estava esperando Morag telefonar!
Por isso se apressara para voltar a Inchcullin, deixando-a sozinha no bosque
depois de dizer a ela que não a amava mais.

Afinal, ele tinha dito exatamente isso quando a acusara de tê-lo passado

para trás, não seria isso? E ficara mais profundamente ferida, mas já
suspeitava de que ele não a amava mais há algum tempo. Por quê? Será que ela
estava apaixonada novamente por ele? Será possível que nunca tivesse deixado
de amar Dermid?


Capítulo VI

Quando desceu para o almoço, Agnes estava no hall e pediu para que ela

a acompanhasse à sala de refeições.

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A mesa de mogno estava arrumada com a mesma elegância. Toalhas de

renda guarneciam a mesa e os talheres de prata brilhavam na semi-obscuridade
da sala. Dermid não estava lá e Bessie já colocara as tigelas com a sopa.

Demid entrou com expressão de mau humor e, enquanto desdobrava o

guardanapo, lançou a Ellen um olhar acusador. Afinal do que ela era culpada?

Agnes estava muito falante e bem-humorada, o que é bom, pensou Ellen,

que tendo tomado apenas algumas colheres de sopa brincava com os vegetais.
Ela e Dermid pouco falavam. De vez em quando, ele resmungava para marcar
sua presença, mas estava silencioso e preocupado.

Seus pensamentos talvez estivessem voltados para a jovem que tinha

telefonado. Outra vez Ellen sentiu ciúmes e seu talher bateu no prato. Ela não
conseguia comer. Precisava ir embora daquela casa logo que pudesse. Não Podia
ficar mais, sabendo que Dermid estava envolvido com a filha de Ann Menteith.

— Ellen — Agnes estava falando bem alto —, eu já perguntei três vezes:

— A dra. Menteith viu a língua de Rowan?

— Oh! — Ellen enxugou a boca no guardanapo rapidamente, mais para

esconder sua expressão perplexa do que por qualquer outra razão. — Eu... eu
sinto muito, tia Agnes, mas estava distraída. Rowan tinha ido com Dermid a
Auchinshaws. Quando eu encontrei a doutora, ela disse que estava indo à
fazenda também. — Depôs seus talheres e empurrou o prato semi-vazio para o
lado. Não parecia muito interessada na comida — A doutora chegou, enquanto
você ainda estava lá?

— Sim, Ann disse que realmente o garoto tem a língua presa na parte de

baixo; se quisermos levar Rowan à cirurgia ela o atenderá amanhã.

— Mas certamente terá que ser atendido num hospital. — Ellen de

repente se tornou novamente agressiva. Afinal, se qualquer coisa devia ser
feita na língua de Rowan era ela e ninguém mais quem iria decidir.

— Aparentemente não precisa ser atendido num hospital. Pode ser

operado só com anestesia local e não vai doer muito. Ele só não poderá comer
alimentos sólidos por algum tempo. Só líquidos.

— Eu prefiro que seja operado por outra pessoa — Ellen disse com

determinação.

— Pelo amor de Deus, por quê? — perguntou Dermid, ríspido.
— Dermid! — Agnes protestou.
— Sinto muito, Agnes — disse ele, mas não soou em tom de desculpas,

enquanto lançava outro olhar furioso para Ellen. — Mas, eu não posso entender
a atitude de Ellen. Ann, como você sabe, é ótima cirurgiã e com muitos

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conhecimentos a respeito de doenças de crianças. E como não existe hospital
aqui perto, essas operações pequenas são feitas no consultório dela.

— Dermid tem razão, querida — disse Agnes. — Ann é ótima cirurgiã.
— Eu não me importo que ela seja ou não — respondeu Ellen.
Dermid praguejou exasperadamente. Agnes suspirou e Bessie entrou na

sala para tirar os pratos, resmungando com desgosto ao ver que ninguém tinha
comido muito.

— Então onde você vai ouvir uma segunda opinião? — perguntou Dermid

depois que Bessie saiu.

— Em Ottawa, é claro, quando voltarmos pra lá — respondeu Ellen

friamente, recusando-se a olhar para ele. No silêncio que se seguiu Bessie
reapareceu com pratos e torta de maçã e colocou-os diante deles.

— Se é uma segunda opinião o que você quer, não precisa levar Rowan até

Ottawa para isso — disse Dermid. — O dr. Mackay em Kilruddock poderá
examiná-lo.

— Sim, é uma boa idéia. Ele é ótimo pediatra — disse Agnes doce e

esperançosamente. Ellen já estava se cansando de ver Agnes sempre concordar
com Dermid.

— Mas Rowan e eu não vamos a Kilruddock — disse ela tão suavemente

quanto conseguiu. — Logo que você me disser o que há no testamento para
Rowan nós vamos até Ayr ficar alguns dias com Sheila Moffat. Depois vamos
voltar para casa.

— Meu filho não vai ficar na casa daquela mulher. Você pode ir e ficar

com ela se quiser e gostar, mas Rowan vai ficar comigo em Kilruddock. Eu o
levarei lá amanhã e o dr. Mackay olhará sua língua.

— Não.
— Com os diabos, por que não? — Sua voz era dura e Ellen percebeu

Agnes tremer de revolta. — Eu sou o pai dele, seu guardião legalmente e tenho
todo direito de cuidar dele. Você está se esquecendo disso?

— Não. Eu não esqueci...
— Então por que não me deixa fazer nada por ele? Eu acho que sei por

que você quer uma segunda opinião. E porque você não, gosta de Ann Menteith e
não porque esteja realmente preocupada com Rowan...

— Isso não é verdade. Eu estou preocupada — respondeu ela

defendendo-se.

— Realmente? Então, por que você não o levou ao médico antes?
— Eu já disse. Eu tentei... — Muito irritada, Ellen sentiu desejo de

chorar, chorar de frustração e raiva porque ele estava criticando seu

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comportamento na frente de Agnes. — O que você sabe sobre isso? Você não
sabe o que é ser sozinha e lutar para fazer o melhor por uma criança sem a
ajuda do... do...

— Do pai, não é isso que você ia dizer? Ellen, você não precisava lutar

sozinha e nunca precisou. Eu quero que Rowan venha morar comigo. Eu sempre
quis, mas você sempre foi muito egoísta e nunca quis repartir essa felicidade
comigo.

— Mas... Mas se ele vier morar com você, como posso ter certeza de que

você vai levá-lo de volta? Como vou saber se você não vai querer conservá-lo
aqui para sempre? — gritou ela, expressando seu temor.

— Você só precisa confiar em mim — respondeu ele, olhando

amargamente para ela. — Como eu sempre confiei em você nesses dois anos,
inutilmente, pelo que me parece agora.

— Dermid, Ellen — Agnes chamou e não sendo mais capaz de controlar

seus sentimentos, Ellen levantou-se, murmurou uma desculpa, e saiu
apressadamente da sala.

No hall ela parou por um momento, lutando para conter as emoções que

pareciam destruí-la. O que faria? Iria buscar Rowan? E depois? Ela não podia
ficar ali, não poderia passar outra noite sob o mesmo teto que Dermid,
possivelmente na mesma cama. Precisava partir, ir para algum lugar, nem que
fosse para o hotel em Portcullin onde ficaria até a chegada da balsa.

Percebeu os passos de Dermid que ressoaram alto no chão polido, em

pânico se dirigiu para a escada. Seu pé estava no primeiro degrau, sua mão
estendendo-se para o corrimão, quando ele agarrou seu braço e virou-a
rudemente para encará-la. Ellen desprendeu o braço e procurou o corrimão.

— Tire as mãos de mim. Não ouse tocar em mim novamente!
— Com medo, Ellen? Com medo de que eu deixe minha marca em você,

como na noite passada? Ou com medo de seus próprios sentimentos? Você
gostou da noite passada, não gostou? E talvez esteja agressiva justamente por
isso. Você procura uma briga comigo porque você quer...

— Eu não procuro briga! É você quem está sempre me criticando. Eu não

podia continuar naquela sala sendo julgada por você!

— Sinto muito — Dermid disse suavemente. — Eu não quis criticá-la, só

estou preocupado com o futuro de Rowan. Quero que ele tenha a oportunidade
de crescer num lar onde haja amor e harmonia. Precisamos encontrar uma
solução para o problema de vivermos separados, e não vamos conseguir se você
perder a cabeça e discordar de tudo o que eu digo.

— Você nunca perde a calma, suponho...

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— Só quando sou provocado. E você tem que admitir que me provocou

várias vezes.

— Mas por que eu teria que concordar com tudo que você sugere? Por

que você não aceita nada que eu sugiro?

— O que você acha que eu tenho feito nestes anos?
— Eu não sugeri separação. Você sim — Ellen acusou.
— Mas foi você quem quis trabalhar no Canadá, e eu concordei para

deixá-la seguir seu caminho. Você nunca mostrou nenhum desejo de voltar,
então eu aceitei. Chama isso separação? — respondeu ele calmamente. E ficou
de costas para ela quando ouviu os passos de Bessie, que vinha da cozinha.

— Vamos para o estúdio — ele sugeriu.
— Porquê?
— Para ver o testamento do meu avô, Você quer saber o que diz a

respeito de Rowan, não é? E depois poderemos discutir o que fazer —
respondeu dirigindo-se para o estúdio.

Da sala de jantar, veio o som da voz de Bessie reclamando que ninguém

tinha comido a torta de maçã, e dos pedidos de desculpas de Agnes.

Vagarosamente Ellen seguiu Dermid. Fora para isso que ela viera, para a

leitura da parte do testamento que se referia a Rowan, e tão logo resolvesse o
assunto poderia ir embora. Oh, de que adiantava planejar o que faria mais
tarde? Tudo dependeria da discussão entre eles. Só precisava manter a calma.
Devia escutar o que Dermid tinha para dizer e responder com ponderação. Não
deveria deixar que suas emoções interferissem.

No estúdio, as chamas crepitavam contra o fundo negro da lareira.
A sala estava quente e aconchegante. Um paraíso cheio de paz e

confortável para se passar uma tarde úmida, folheando os livros da coleção de
Neil Craig ou ouvindo seus discos, Como ela queria sentar-se no grande sofá
coberto de cretone, bem junto ao fogo, e esquecer os problemas daquele dia,
fingir que aquele momento era o mesmo de cinco anos atrás e que ela e Dermid
estavam casados há apenas alguns dias, perdidamente apaixonados, tão
apaixonados que estavam sentados juntos, abraçados e...

Determinada a não deixar que a nostalgia a invadisse, Ellen virou as

costas para o sofá e sentou-se na ponta de uma cadeira de encosto reto e
assento duro, perto de uma das janelas com cortinas de renda, longe do fogo.
No frio talvez consiga manter-me gelada, pensou, enquanto observava Dermid
destrancar uma gaveta na parte inferior da velha escrivaninha. Da gaveta ele
tirou um envelope grande e cheio que abriu, separou várias folhas de papel
almaço que estavam grampeadas e olhou para ela.

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— Por que não se senta perto da lareira? — perguntou Dermid,

apontando o sofá.

— Estou bem aqui, obrigada. — Encolheu os ombros com indiferença e

sentou-se no sofá, esticando as pernas e acomodando os ombros no encosto
macio. Dermid parecia relaxado, bem à vontade, enquanto que ela se sentia
tensa.

— Em primeiro lugar, eu preciso dizer que vovô deixou esta casa, as

terras que a circundam e as ações da Craig & Rose para mim — disse Dermid
virando uma folha de papel almaço.

— Eu sei — Ellen respondeu e ele pareceu surpreso.
— Você sabe? Quem lhe disse?
— Tia Agnes, ontem à noite. — Percebeu que ele tinha ficado irritado e

acrescentou rapidamente em defesa de Agnes: — Oh, ela não estava
fofocando. Apenas respondeu quando eu lhe perguntei se sabia o que o
testamento dizia. Eu pensei que todo o testamento só pudesse ser lido depois
que Rowan e eu estivéssemos presentes. — Ela parou e lançou-lhe um olhar
indagador..— Você quis me dar essa impressão não quis? Por quê?

— Porque queria que você viesse aqui — respondeu ele, friamente,

parecendo interessado no que estava escrito numa das páginas que segurava. —
Você quer que eu o leia todo? — sugeriu ele.

— Não, obrigada. Só me interessa a parte referente a Rowan.
— Venha sentar-se aqui enquanto eu leio o testamento para você —

sugeriu ele.

— Prefiro ficar aqui. Leia logo o testamento — exclamou Ellen numa voz

estrangulada. — Assim Rowan e eu podemos partir.

O curto silêncio que se seguiu àquela explosão só foi quebrado pelo

crepitar do fogo e o tique-taque do relógio. Ellen olhou pela janela. Afinal,
Dermid começou a ler o testamento. A linguagem era surpreendentemente
simples e ela não encontrou dificuldade para entender o legado de Neil Craig
para seu bisneto. Ele tinha deixado urna grande quantia em dinheiro, que Rowan
herdaria quando fizesse vinte e um anos. Até aquela data uma parte do
dinheiro podia ser usada, se isso fosse aprovado pelos três tutores nomeados
na educação de Rowan e desde que ele morasse e estudasse na Escócia.

Dermid parou a leitura e Ellen se voltou na cadeira para olhá-lo.
— Isso é tudo?
— Sim.
— Mas... mas eu poderia saber disso por carta. Quem são os tutores?

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— Scott, você e eu — ele respondeu. — Por isso eu quis que você viesse,

assim poderíamos discutir sobre o futuro de Rowan.

— Eu não acredito! — ela exclamou, levantando-se e parando na frente

dele. — Não acredito que ele tenha que morar e estudar neste país para poder
usar o dinheiro destinado à sua educação. Não acredito que seu avô imporia
essa condição.

— Também achei que você não fosse acreditar.
— Foi sua idéia, não foi? — acusou ela. — Você sugeriu isso a seu avô

para que pudesse controlar a educação de Rowan, para tomá-lo de mim e...

— Não foi idéia minha — interrompeu ele. — Eu não tive nada a ver com

isso. Meu avô estava lúcido até a hora da morte. Ele tinha suas próprias idéias
a respeito de como queria que seu dinheiro fosse usado. — Dermid lançou-lhe
um olhar cheio de amargura. — Ele tinha suas próprias idéias sobre o
casamento também, e eu posso dizer a você que não gostava do modo como
conduzíamos o nosso. Desde que você não acredita no que li, é melhor ler e
depois talvez acredite na cláusula.

— Está bem.
— Sente-se aqui e eu lhe mostrarei onde começar a leitura — sugeriu

ele.

— Não, não quero me sentar aí. Dê-me o testamento.
— Não vai nem dizer por favor?
— Dermid, deixe de tolices.
Dermid então se moveu, mas não para lhe oferecer o testamento.

Agarrou com força a mão de Ellen.

— Solte-me! — gritou ela, tentando libertar-se, mas com um movimento

brusco, Dermid puxou-a e, perdendo o equilíbrio, ela caiu em cima dele, no sofá,
sentindo a pressão do joelho dele entre os seus. A respiração saiu
entrecortada enquanto ela sentia o contato do corpo do marido e tentava, sem
sucesso, agarrar-se ao encosto do sofá para levantar-se novamente.

— Que cheiro gostoso, suave — disse Dermid e ela sentiu um arrepio de

prazer quando ele tocou em seus seios.

— Não, Dermid, não! — ela falou empurrando-o, sabendo que não

conseguiria resistir àquele apelo.

— Sim, Ellen, sim — sussurrou ele, sensualmente.
— Mas eu não quero, eu não quero — murmurou ela, mesmo sabendo que

no íntimo desejava aquele homem com uma intensidade arrebatadora.
Novamente Ellen tentou empurrá-lo. Mas foi em vão. Quanto mais ela lutava
mais forte ele a segurava, até que repentinamente rolaram do sofá, caindo no

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chão. Depois, a boca de Dermid encontrou a dela, ficaram deitados, abraçados,
sobre o tapete macio de pele de ovelha.

— Assim é melhor. Agora estamos caminhando juntos outra vez —

Dermid murmurou contra sua face e ela ouviu o ruído de papel amassado entre
seus corpos, que se moviam sensualmente.

— O testamento — ela murmurou.
— Para o inferno com o testamento — respondeu ele, pegando o maço de

papéis e atirando-o longe. — Nós temos assuntos mais importantes agora —
acrescentou Dermid. Os olhos brilhando de paixão, os lábios abertos
sensualmente.

— Você não pensava assim.
— Mas estávamos sozinhos então — disse ela, percebendo que perdia o

controle e que suas mãos já estavam desafivelando o cinto de Dermid. — Não
agora, não aqui. Alguém pode entrar.

— Eu tranquei a porta depois que você entrou. Você não percebeu?

Vamos Ellen, não pare.

— Mas nós temos que discutir sobre o testamento. Você disse e...
— Mais tarde, Ellen, por favor...
Seus lábios estavam tão quentes quanto o fogo enquanto a beijava. Ela

estava incandescente, também queimando de desejo. Tempo e espaço se
confundiram. Ela estava de volta à casa de seus pais na montanha há mais de
três anos junto com Dermid, que ela amava com todas as fibras do seu ser.
Dermid, seu marido, de olhos escuros e cabelos vermelhos, seu tormento e seu
amor, sem ele a vida era nada, mas com ele ela alcançara o êxtase e agora podia
alcançar novamente aquela maravilhosa, alegre sensação. Aquilo era o paraíso,
pensou, ficar perto dele, sentindo os seus dedos acariciando-lhe os cabelos,
ficar deitada, em silêncio, porque as palavras eram inúteis. Eles estavam em
perfeita harmonia.

O telefone tocou e Dermid suspirou.
— Esqueça — ele ordenou e os dedos dele tocaram seus seios.
— Não posso — murmurou ela enquanto o telefone continuava a tocar. —

E se for sua mãe pedindo para irmos buscar Rowan? Ele pode ser um diabo
quando quer e deve estar dando trabalho para ela.

— Não para minha mãe. Lembre-se de que ela está acostumada comigo e

com Ângus. — Ele beijou-a suavemente nos lábios. Mas o telefone continuou
tocando, perturbando aqueles momentos de harmonia e prazer. Depois ouviram
batidas na porta e a maçaneta foi forçada.

— O senhor está aí, sr. Craig? — perguntou Bessie.

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Finalmente Dermid levantou-se, passando as mãos pelos cabelos.
— Veja o que Bessie quer enquanto eu atendo o telefone — ele ordenou e

começou a abotoar o cinto enquanto se dirigia à mesa.

Ellen levantou-se, ajeitou a blusa, calçou os sapatos e, caminhando até a

porta, tentava ajeitar os cabelos. Ela girou a chave tão silenciosamente quanto
possível e entreabriu a porta, ouvindo Dermid falar alto e autoritariamente ao
telefone.

— Ah, vocês estavam cochilando? — Bessie perguntou, seus olhos pálidos

fixados nos cabelos desalinhados de Ellen.

— Bem... quase isso — murmurou Ellen, semiconsciente e sentiu as faces

vermelhas. Céus, ela deveria se controlar melhor para não ruborizar por
qualquer motivo. Era uma mulher do século XX, casada, e não uma senhorita
vitoriana. — O que você quer? — perguntou, falando mais calmamente.

— O sr. Craig está aí? — Bessie perguntou, tentando entrar na sala.
— Ele está ao telefone agora — Ellen respondeu, recusando-se a abrir

totalmente a porta. — Por que você quer vê-lo?

— Ah, sabe, James voltou com o carro e o sr. Craig disse que era para

avisá-lo.

— Pois bem, eu aviso — Ellen começou a fechar a porta.
— Mas não é só isso — Bessie continuou. — Aquela filha da dra. Menteith

está aqui e quer vê-lo.

— Morag Menteith? — Ellen exclamou e em vez de fechar a porta na

cara de Bessie, saiu para o hall e fechou-a atrás de si.

— E, aquela chata com cabelos que parecem uma vassoura, isto é o que

ela é — Bessie disse, furiosa. — Ela pegou uma carona com James. Ah, eu não
gosto dessas mocinhas aproveitadoras, e ele não devia tê-la trazido aqui.

— Por que ela veio?
— Como vou saber? Eu perguntei, mas ela não me contou, só me olhou e

disse que precisava ver o sr. Craig, que já tinha telefonado para ele avisando.
Ela está na cozinha, porque eu disse que ficasse lá. Ela queria vir comigo, para o
estúdio, sem dúvida alguma. Mas eu logo coloquei um ponto final na estória. Ah,
esses jovens de hoje! Mas a senhora não acha que ela devia agir com mais
discrição sendo filha de uma pessoa educada como a dra. Menteith? Eu acho
que ela se meteu em alguma confusão — Bessie acrescentou.

— Então é melhor que eu vá vê-la — Ellen disse.
— É uma boa idéia — Bessie concordou. — É melhor para uma garota

como ela conversar com a senhora do que aborrecer o sr. Craig com seus

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problemas. E é bom que ela saiba que a senhora é a dona desta casa e que não
pode vir aqui quando quiser.

— Ela já veio aqui outras vezes? — Ellen perguntou, tomada pela

suspeita.

— Sim, e já é hora dessa garota ser colocada em seu devido lugar. Acho

que a senhora é a pessoa mais indicada para fazer isso. Ela está se
intrometendo muito por aqui só porque a mãe dela é amiga da srta. Agnes.

— E amiga do sr. Craig também — acrescentou Ellen.
— Ah, também — Bessie concordou, seus olhos se estreitando enquanto

caminhava e sussurrava: — A senhora agora precisa se impor, sra. Craig, já que
está aqui. Deixe que todos vejam como é capaz de agir, e todas essas fofocas a
respeito da senhora e do sr. Craig vão terminar. Digo a garota para vir
encontrá-la aqui na sala?

— Sim — concordou Ellen, fracamente, e Bessie foi para a cozinha.
Na sala, Ellen sentou-se junto à janela e olhou para fora. Nos arbustos

do jardim pingos de chuva brilhavam como diamantes. As nuvens cinzentas se
espalhavam deixando transparecer o azul do céu, e além do jardim, a areia da
praia mudava a cor de cinza para dourado, enquanto a água do mar cintilava,
cor-de-prata e turquesa.

— Mas eu quero ver Dermid, não ela. — A voz era a mesma que Ellen já

ouvira ao telefone, suave e sussurrante, num tom um pouco lamentoso e ela se
voltou para ver a garota loira, vestida de jeans e um casaco azul de marinheiro,
sendo praticamente empurrada para dentro da sala por Bessie.

— Esta é srta. Menteith, sra. Craig. Eu disse que a senhora falaria com

ela uma vez que o sr. Craig está ocupado.

Ellen levantou-se e, forçando um sorriso, foi ao encontro da garota.
— Entre... Morag, não é? Eu sou Ellen Craig. Meu marido está ocupado e

eu pensei que esta seria urna boa oportunidade de conhecê-la. Ouvi falar muito
de você.

Atrás da silenciosa e espantada garota, Bessie olhou aprovadoramente e

saiu da sala, fechando a porta.

— Você ouviu falar de mim? Quem lhe falou a meu respeito? Ela? — Com

as mãos nos bolsos do casaco a garota apontou a porta pela qual Bessie saíra.

— Não. A tia do meu marido me falou a seu respeito — respondeu Ellen

suavemente, agradecida pelo treinamento que Walter Stewart lhe dera de
como tratar com pessoas difíceis durante as entrevistas. — Ela gosta muito de
sua mãe e me contou que você e a dra. Menteith fizeram um cruzeiro de verão
com Dermid. Você gostou do cruzeiro?

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— Sim, foi muito bom, só... — A garota se interrompeu e mordeu o lábio

inferior. Estava muito pálida, notou Ellen, e seus olhos azuis estavam vermelhos
como se tivesse chorado.

— Não quer tirar o casaco? — Ellen perguntou, tentando ser cordial.
— Não, eu... não quero. — Os olhos de Morag percorriam a sala

ansiosamente como se estivesse numa armadilha.

— Bem, pelo menos sente-se aqui por alguns minutos, perto da janela.

Parece que o tempo vai melhorar, graças a Deus. O tempo estava bom quando
vocês fizeram o cruzeiro?

— Só uma vez fomos apanhados por uma tempestade.
— E só estavam vocês três? — Ellen sentou-se junto à janela.
— Oh, não, meu irmãozinho estava com a gente e... e... Ângus também. —

Morag sentou-se abruptamente do lado oposto de Ellen, as mãos ainda nos
bolsos, chupando seu lábio inferior, os olhos úmidos de lágrimas.

— Ângus Mackinnon? — Ellen perguntou.
— Sim.
— Não imaginava que Ângus entendesse de navegação, — comentou Ellen.

— Pensei que só entendesse de fazendas e caçadas.

— Ele não entende muito, mas é forte e corajoso. Foi por isso que

Dermid convidou-o para o cruzeiro, para ajudá-lo com as velas e com a âncora
— disse Morag. — Você sabe, mamãe e eu nunca tivemos experiências com
essas coisas e não podíamos ajudar.

— Talvez Dermid tivesse convidado vocês para ajudar na cozinha... coisas

de mulher — sugeriu Ellen, secamente.

— Oh não, eu não acho. Dermid nos convidou... porque... oh, eu acho que

ele queria ser gentil e estava tentando ajudar minha mãe com os problemas de
meu irmão. Sabe, ele tornou-se muito desajustado depois que papai morreu no
ano passado. Ele só tem catorze anos e sente muito a falta de papai e... —
Novamente Morag se interrompeu e sua voz tremeu.

— Eu entendo — disse Ellen, com simpatia.
— Você... Você é diferente do que eu imaginei, mais jovem, mais bonita e

mais gentil — concluiu Morag.

— Oh, sou? — Ellen respondeu com uma risada. — Parece que Dermid lhe

transmitiu uma péssima impressão sobre mim.

— Não — Morag disse, balançando a cabeça —, ele nunca fala sobre você.

Na verdade eu não sabia que era casado. Só soube quando Ângus me contou.

— Eu sei. Bem, devo dizer que você também é diferente do que imaginei

— comentou Ellen, pensativa. Como tinha feito uma imagem errada daquela

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garota! Nada da loira alta, nem botão de rosa desabrochado para o amor. A
garota era desajeitada, os cabelos escorridos e era tão magra que parecia
subnutrida. Era difícil imaginar Dermid, que apreciava mulheres suaves e
graciosas, sentir-se atraído por aquela. Difícil também de acreditar que Morag
fosse filha da mulher alta e graciosa que era Ann. A mão de Ellen segurou com
força o encosto da cadeira quando a imagem da beleza madura de Ann lhe veio
à mente. Será que ela tinha se enganado e que era pela fria doutora de olhos
azuis que Dermid se sentia atraído e não por Morag?

— Você voltou para viver com Dermid novamente? — A pergunta direta

atingiu Ellen em cheio e ela se enrijeceu.

— Você não tem nada com isso — respondeu com firmeza.
— Eu deveria imaginar que você responderia assim — Morag disse com

um suspiro. — Mamãe respondeu o mesmo quando eu perguntei, a ela se gostava
de Dermid o suficiente para casar com ele. Como minha mãe, você também
pensa que eu não posso ter curiosidade a respeito dos sentimentos dos adultos.
Eu fico pensando por que vocês todos parecem ter prazer em fazer a
infelicidade dos outros. Quando eu sei de pessoas casadas que moram
separadas eu me pergunto se existe uma coisa chamada amor. — A voz de
Morag tremeu novamente e ela olhou para o chão.

Ellen olhou para a garota. Se Morag tinha feito aquela pergunta à mãe

era porque a amizade entre Ann e Dermid devia ser forte.

— Todos diziam que você voltaria para Dermid quando soubesse que ele

tinha herdado todo o dinheiro do avô — falou Morag.

— Realmente! Parece que todos se divertiam falando a meu respeito —

Ellen disse, irritada.

— Não é verdade, então? — Morag levantou os olhos, aqueles olhos azuis

brilhando de interesse.

— Não, não é — respondeu Ellen, com firmeza. Ali estava sua chance

para pôr um ponto final nos comentários a respeito de seu relacionamento com
Dermid. — E se quiser, pode dizer a todos que Dermid me pediu para vir aqui —
acrescentou ela, pensando, surpresa, que era verdade, porque afinal fora ele
quem ditara aquela carta. — E eu vim porque estava cansada de viver longe dele
— continuou ela, pensativamente, tentando explicar seu comportamento muito
mais para ela mesma do que para Morag. — Eu vim porque quero viver com ele
e...

Ellen se interrompeu e se levantou, espantadíssima quando percebeu que

a porta se abrira e Dermid estava lá ouvindo uma parte da conversa.

— Oh — murmurou ela e correu até ele —, você está aí?

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— Sim, estou — respondeu ele sorrindo, de bom humor. — Era a chamada

que eu estava esperando da fábrica.

Ouvindo a voz de Dermid, Morag levantou-se e correu até ele. Atirando-

se em seus braços, ela rompeu em lágrimas.

— Morag, o que você está fazendo aqui? Eu lhe disse ao telefone que sua

mãe não estava aqui, que estava atendendo um paciente, que logo ela voltaria e
que você deveria esperar lá na sua casa. Ann não vai gostar quando souber que
você fugiu da escola. — Com as mãos nos ombros da garota, Dermid afastou-a.
Ainda soluçando, esfregando os olhos, ela tentava falar, mas não conseguia.

— Você sabe o que está acontecendo com essa garota? — Dermid

perguntou a Ellen.

— Não. Eu... eu estava tentando ganhar a confiança dela para que

contasse, quando você... — exclamou Ellen. evitando seu olhar intenso e
brilhante.

— Eu gostei de ouvir o que você estava falando, Ellen.
— Não devia estar surpreso — respondeu ela, já na defensiva. — É o tipo

de coisa que você esperava que sua esposa dissesse.

— O que me desgosta, Ellen, é que você disse a ela e não a mim —

comentou ele, seus lábios se apertando, enquanto se voltava para Morag, que
continuava chorando. — Vamos lá, Morag, pare com isso — ordenou ele. — O que
é que você inventou agora para difamar o nome Menteith e aumentar as
preocupações de sua mãe?

— Eu... eu.. Oh, Dermid, você tem que me ajudar, tem de... — Morag

encostou-se em Dermid novamente e dessa vez ele a abraçou para confortá-la.
— Eu acho... eu tenho quase certeza... eu vou ter um filho. — Ela soluçou.

Ellen ficou chocadíssima. Por quê?, perguntou-se. Afinal, não via nada de

mais uma garota confessando estar grávida. Então por que estava chocada? Por
que a garota estava confessando o fato e pedindo a ele que a ajudasse? Dermid
olhava muito interessado, enquanto a afastava gentilmente, segurando-a pelos
ombros e observando o rosto molhado pelas lágrimas.

— Quando vai nascer?
— Eu... não sei. Acho que na próxima primavera — a garota murmurou.
— Eu não estou perguntando quando seu filho vai nascer. Eu quero saber

quando aconteceu — Dermid perguntou.

— Quando estávamos no cruzeiro. Você se lembra quando nós... — Morag

começou.

— Ellen, onde você vai?

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— Buscar Rowan. Ele deve estar pensando que eu o abandonei — Ellen

respondeu. enquanto abria a porta.

— Você não pode esperar um pouco? Eu vou com você. Não posso deixar

Morag sozinha triste como está.

— Não, você não pode, não é? Mas não se preocupe, eu sei fazer tudo

sozinha. Estou acostumada a isso.

Ellen fechou a porta não com uma batida, mas com calma só para mostrar

que não queria ser seguida e foi em direção das escadas. Bessie vinha descendo
e Ellen esperou que chegasse ao hall para começar a subir.

— A sra. conversou com a garota? — Os olhos de Bessie demonstravam a

curiosidade que sentia.

— Sim. Você tem razão. Ela está com problemas.
— Que espécie de problemas?
— Problemas típicos de adolescentes. Bessie, preciso ir a Auchinshaws

buscar Rowan. Será que James me leva até lá? — Ellen continuou a falar
depressa para que Bessie não fizesse mais perguntas.

— Claro! Para isso ele trabalha aqui. Quando a senhora quer ir?
— Dentro de cinco minutos.
— Ele vai esperar pela senhora na porta lateral.
Ellen correu para cima. Cinco minutos não seriam suficientes para ela

fazer as três malas que trouxera. Mas queria partir antes que Dermid a
encontrasse e insistisse em acompanhá-la a Auchinshaws. Por isso só pôs na
mala grande tudo que ela e Rowan precisariam para uns poucos dias. Mais tarde,
quando estivesse em Ayr, na casa de Sheila Moffatt, telefonaria para Bessie e
pediria que ela lhe enviasse as outras coisas.

Precisou sentar em cima da mala para fechá-la, de tão cheia que estava.

Quando finalmente conseguiu, vestiu o casaco comprido de pele de camelo,
agarrou sua bolsa que continha os passaportes e as passagens de volta e,
pegando a mala, saiu do quarto. Descendo a escada, viu que a porta da sala
ainda estava fechada e, portanto, Dermid ainda deveria estar lá, confortando
Morag. Seus lábios se apertaram e ela caminhou na ponta dos pés em direção
da porta lateral.

James estava esperando e não pareceu surpreso quando ela lhe entregou

a mala. Ele colocou-a no porta-malas e Ellen sentou-se no banco traseiro do
luxuoso Rolls. James entrou no carro, que partiu silenciosamente através do
pátio, em direção ao portão, e depois virou para pegar a estrada principal.

Ellen se inclinou para a frente para ter certeza de que James, que era

um pouco surdo, a escutaria.

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— Existe uma balsa saindo de Portcullin para a baía Wemyss esta tarde?
— Sim, mas já partiu há uma hora.
— Quando é a próxima?
— Amanhã cedo, às sete horas. A que chega às cinco horas permanece

aqui durante a noite e sai amanhã as sete.

— Existe outra forma de se chegar a Ayr?
— Bem, a senhora pode pegar o ônibus para Glasgow e lá fazer uma

baldeação. Mas não hoje. Existe somente um ônibus por dia e ele sai às dez
horas. Só se a senhora pegar o avião em Macrahanish.

— Onde fica?
— A distância é de mais ou menos cinqüenta quilômetros.
— Mas você sabe alguma coisa a respeito dos horários de vôo daqui para

Glasgow?

— Não. A senhora devia ter perguntado ao sr. Craig. Ele sabe.
— Mas eu não vou voltar a Inchcullin.
— Não? Então onde a senhora vai?
— Depois de pegar Rowan na fazenda, gostaria que me levasse para o

aeroporto.

— Não posso fazer isso.
— Por que não? Não é longe e não demoraria muito com este carro, que é

veloz.

— Levaria duas horas e meia e tenho que pedir permissão ao sr. Craig

para levá-la. Por favor, entenda. Talvez ele precise do carro para sair hoje à
noite.

— Está bem, então, depois de pegar Rowan, você me leva a Portcullin?

Talvez eu alugue um carro lá.

— Isto eu acho que posso fazer. Fergus Morrison, no hotel, sabe todos

os horários dos aviões e tem um carro para levar as pessoas até lá ou trazê-las
aqui.

— Obrigada. — Ellen encostou-se e fechou os olhos. Sentia-se exausta.

Na verdade, deveria ter ignorado os protestos de Dermid e alugado um carro
só para ela, quando chegara. Se tivesse feito isso não dependeria da
cooperação de James naquele momento. E estaria indo para Glasgow com Rowan
para não voltar mais a Inchcullin, nunca mais voltar para a companhia de
Dermid.


Capítulo VII

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Auchinshaws continuava do mesmo jeito que Ellen lembrava: os; campos

cultivados, dourados, brilhando à luz do sol; os pinheiros altos, as ovelhas
passeavam no pasto. Ela ouviu o mugido de um touro Ayrshire. Enquanto
caminhava cuidadosamente pela trilha lamacenta por causa da chuva da manhã,
um cão pastor preto e branco caminhou até ela, abanando o rabo, latindo alto,
sujando de lama seus sapatos de salto e suas roupas.

— Calma, Flash, calma! — uma voz ordenou e Ellen viu Kate Mackinnon à

porta da casa, alta e magra, vestida com uma saia escocesa e uma malha de
tricô, seus cabelos pretos presos num coque na nuca. — Alô, Ellen — ela disse,
sorrindo, olhando para a nora e em seguida para o Rolls.

— Dermid veio com você?
— Não. Ele estava com visitas, por isso achei melhor vir sozinha pegar

Rowan. Espero que ele não lhe tenha dado muito trabalho, sra. Mackinnon.

— Uma criança nunca me dá trabalho, e ele é um menino muito alegre —

Kate respondeu. — Por favor, tome uma xícara de chá comigo, já que está aqui.
Entre, vamos para a cozinha.

— Eu... eu... realmente não posso demorar muito — Ellen disse enquanto

seguia Kate pelo hall. A primeira vez que Ellen encontrara sua sogra, ela tinha
se perguntado qual seria a idade de Kate; agora tomava a pensar a mesma coisa.
Kate era muito mais jovem que sua própria mãe, muito jovem para ser mãe de
Dermid. Ela deveria ter apenas dezessete ou dezoito anos na época do
nascimento de Dermid. Exatamente como Morag, tão jovem e já estava grávida.
Oh, ela precisava parar de pensar no problema de Morag.

— Mamãe, mamãe, olhe. Eu ganhei um cachorrinho. — Na cozinha, Rowan

correu ao seu encontro mostrando o cãozinho que lambia seu rosto com uma
língua cor-de-rosa. — O tio Ângus me deu. Ele disse que eu posso ficar com o
cachorro. Posso, não é, mamãe?

Ellen olhou para a expressão de felicidade no rosto do filho, mas ela

própria sentia-se infeliz. Como poderia deixá-lo levar o cachorro se nem sabia
onde iriam passar a noite? Por isso detestou Ângus por ter criado mais um
problema para ela resolver.

— Ele é adorável, querido — concordou ela, ajoelhando-se em frente a

Rowan e alisando a cabeça do cachorrinho —, mas eu acho que ele vai ter que
ficar aqui.

— Não, não! Eu quero levar o cachorro para casa! Eu quero! — Os olhos

de Rowan encheram-se de lágrimas. — o tio Ângus disse que eu posso levar, não
foi vovó? — Rowan virou-se apelando para Kate que enchera a chaleira com
água e a estava colocando no fogão.

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— Foi sim. — Ela se virou e olhou para Ellen. Como são escuros seus

olhos, pensou Ellen, como é morena sua pele. Por isso Janet a chamara de
cigana! — Deixe-o ficar com o cachorro, Ellen — Kate pediu.

— Mas eu não posso. — Ellen parou e pôs as mãos no bolso do casaco. —

Não é que eu não goste dele ou não queira ficar com ele, mas... — Ela se
interrompeu e deu um suspiro profundo. — Eu não posso deixar que ele o leve,
porque vou ficar com a prima de minha mãe, em Ayr, até sábado, quando
pretendo voltar para Ottawa, e eu sei que ela não gosta de cachorros —
acrescentou com voz dura e fitou Kate desafiadoramente. Kate, por sua vez
não desviou seus olhos negros que demonstravam um sentimento de piedade.

— Eu sei. — Kate suspirou e seu olhar dirigiu-se para Rowan, que estava

sentado no chão com o cachorrinho, agradando-o e conversando com ele. —
Sinto muito que você não possa ficar mais tempo em Inchcullin. Eu gostaria
muito que você ficasse um pouco comigo — Kate continuou. — Ellen, por que vai
voltar tão depressa para o Canadá?

— Preciso voltar ao meu trabalho — Ellen disse em tom de desafio.
— Então, para você o trabalho é mais importante do que seu marido? —

perguntou Kate, enquanto punha as xícaras e os pires sobre a mesa da cozinha.

— Sra. Mackinnon, por favor, não faça chá por minha causa — disse

Ellen, ignorando a pergunta porque não sabia como respondê-la. — Eu preciso ir
agora. James Blair está nos esperando para levar-nos a Portcullin. Eu quero ir
para Ayr ainda esta noite, se possível.

Kate ficou em pé ao lado da mesa olhando pensativamente para as

xícaras de chá. Depois olhou para Ellen.

— Você pode deixar o menino aqui. Eu cuidarei dele. É uma pena afastá-lo

do cachorrinho que ele ganhou. — Ela parou, depois continuou: — E do pai dele.

— Mas eu tenho que levá-lo comigo para o Canadá — Ellen falou. — Ele é

meu...

— E de Dermid — Kate disse suavemente. virando-se para abrir a

geladeira.

— Eu tenho que ir agora. Não posso mais ficar. Onde está a japona de

Rowan, por favor?

— Pendurada na sala. — Kate voltou-se para a mesa onde colocou um

jarro de leite. Ellen abriu a porta para ir à sala justamente quando alguém
abriu a outra porta. Era Ângus, e seus olhos escuros brilharam de surpresa por
ver Ellen ali.

— Alô — Ellen disse e voltou para a cozinha para pegar Rowan que ainda

estava agradando o cachorrinho, — Vamos, querido — ela disse firmemente. —

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Vamos pôr o cachorrinho na cesta. — Ela tentou tirar o cãozinho dos braços do
filho mas Rowan protestou.

— Não, não. Ele é meu, ele é meu. Quero levar o cachorro para casa!
— Mas não vamos para casa agora.
— Algum problema, Ellen? — O tom da voz de Ângus era irônico. Ele

tirara as botas sujas de lama, a jaqueta, e estava arregaçando as mangas da
camisa, enquanto se dirigia para a pia.

— Sim, graças a você — ela respondeu. — Rowan não pode ficar com o

cachorro. Nós não vamos voltar a Inchcullin. Rowan, por favor, solte o
cachorrinho. Ele é apenas um bebê e você vai acabar machucando o pobrezinho.

— Você vai para Kilruddock? — Ângus perguntou, enquanto abria a

torneira e começava a lavar as mãos. — Bem, o cãozinho poderá ir na balsa. Eu
tenho uma cesta de viagem e nós podemos colocá-lo dentro. Será fácil levá-lo
assim. Eu vou pegar a cesta, enquanto você toma seu chá.

Ellen permaneceu de pé, contrariada com aquele imprevisto. A cozinha

estava aquecida e ela sentiu muito calor com seu casaco grosso. Kate tinha
preparado o chá e estava cobrindo o bule com um abafador tricotado. Por um
momento, Ellen desejou sentar-se naquela cozinha aconchegante, beber o chá e
esquecer seus problemas. fingindo que tudo estava bem entre ela e Dermid.
Mas não estava, não estava e talvez nunca mais estivesse...

— Não, nós.., digo, Rowan e eu não vamos para Kilruddock. Nós não vamos

ficar... oh, eu preciso dizer a vocês dois. Eu estou deixando Dermid para
sempre. Ele pode pedir divórcio, se quiser. Vou levar Rowan para o Canadá e
nunca mais voltaremos.

Kate Mackinnon sentou-se rapidamente numa cadeira, parecendo muito

cansada. Ângus virou-se e encostou-se na pia.

— Oh, Ellen, eu acho que você não tentou o bastante — disse Kate,

suspirando.

— O que você quer dizer? — exclamou Ellen, já na defensiva, pois sentiu-

se criticada.

— Eu quero dizer que parece que nem você nem Dermid tentaram

firmemente fazer esse casamento dar certo. Vocês estão separados há três
anos, isto é mais tempo do o que permaneceram juntos. E agora, depois de
apenas dois dias juntos, você diz que quer se separar dele para sempre. Acho
que você não deu a Dermid oportunidade suficiente. Não ficou muito tempo
junto com ele — disse Kate com brandura.

— Não posso fazer nada — respondeu Ellen. — Preciso ir. Eu não posso

viver com ele, não depois de... não depois de... — Ela se interrompeu e virou-se

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para que nem Kate nem Ângus pudessem ver a angústia que sentia. Ellen pensou
que deveria ter ficado lá fora e pedido a Kate que chamasse Rowan. Ela deveria
ter se recusado a entrar.

— Então a competição foi demais para você? — Ângus zombou. — Nunca

pensei que você capitulasse tão facilmente.

Ellen se virou para fitá-lo.
— Não é o caso de capitulação. É caso de encarar a realidade.
— Competição, que competição? Do que vocês estão falando? —

perguntou Kate.

— Ellen sabe — Ângus falou, enquanto enxugava as mãos.
— Bem, mas eu não sei — Kate disse com irritação e, pegando o bule,

começou a servir o chá.

— Não venha com essa, mamãe — falou Ângus, pegando uma cadeira e

sentando-se. — A senhora sabe tudo a respeito de Dermid e da dra. Ann.

— Eu tenho ouvido várias intrigas a respeito deles, é verdade, desde que

você e Dermid levaram a doutora e os filhos dela no cruzeiro de verão. Mas eu
tenho ouvido a seu respeito também. — Kate lançou um olhar acusador para
Ângus e depois voltou-se para Ellen. — Naturalmente você não acredita que
Dermid e a doutora... Como eu digo, tudo não passa de boato. Ann é velha, um
pouco mais nova do que eu. Dermid não poderia se interessar por uma mulher
muito mais velha do que ele. Eu o conheço bem!

— Não se trata da doutora — Ellen respondeu. — Trata-se da filha dela.
— Morag? — A voz profunda de Ângus soou como um trovão, enquanto

ele se levantava. Parou na frente de Ellen, com as mãos nos quadris, e olhou
firmemente para ela. — Com os diabos, onde você arrumou essa idéia?

— Ângus, por favor! — protestou Kate. — Não precisa ser tão rude!
De repente todos ouviram uma batida forte no forro e Kate também se

levantou.

— E o vovô Mackinnon, querendo seu chá — ela anunciou pegando uma das

xícaras — Com licença, Ellen. Ele esta de cama, você sabe. Não vá embora
ainda. Eu volto em um minuto.

Kate saiu da sala e aproveitando que Rowan, assustado pelo tom de voz

de Ângus, largara o cachorrinho e viera para perto dela, segurando sua saia,
chupando o dedo, enquanto olhava apreensivamente para Ângus, Ellen começou
a vestir o agasalho na criança.

— Vamos, querido. Temos que ir agora.
— Eu quero o cachorrinho.

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— Calma, Rowan — Ângus disse com o tom de sua voz bem mais amigável.

— Eu fico com o cachorrinho aqui por alguns dias até que ele esteja bem
ensinado. Você não gostaria de vê-lo molhar todo o chão da casa da mamãe, não
é?

Rowan balançou a cabeça de um lado para o outro e enquanto ela puxava

o zíper do agasalho, lançou a Ângus um olhar de gratidão.

— Agora, você pode me dizer de onde tirou a idéia de que existe alguma

coisa entre Morag e Dermid? — Ângus perguntou.

— Morag. Quem mais poderia dizer?
— Você encontrou Morag? — ele gritou, seguindo-a até a porta que dava

para a varanda.

— Oh sim, eu a vi esta tarde em Inchcullin. Nós conversamos bastante —

Ellen disse, abrindo a porta e saindo para a varanda —, até que Dermid entrou
na sala e ela então perdeu o interesse em mim. Na verdade, pulou nos braços
dele, soluçando e chorando, para contar que vai ter um bebê.

— Você tem certeza? Você tem certeza que foi isso que ela disse?
— Claro que sim. Eu não sou surda, não se trata de nenhuma fofoca,

Ângus. Por que você acha que eu estou partindo?

— Porque você acredita que Dermid é... Ah, diabos, não. Ellen!
— Que Dermid é o pai? Era isto que você ia dizer? Sim, eu acredito que

seja ele.

— Mas por que, em nome de Deus, por quê? — Ellen não conseguia

entender por que Ângus estava tão interessado no problema.

— Porque quando uma mulher vai ter um filho o mais lógico é que ela

conte primeiro ao pai de seu filho.

— Mas neste caso você pode estar enganada..
— Eu não acho. Adeus, Ângus. Por favor, diga até logo para sua mãe.
Ellen correu pelo pátio cheio de lama, puxando Rowan, sabendo que

Ângus não poderia segui-la pois estava só de meias e teria que calçar as botas
antes de se aventurar a pisar na lama. Vendo que ela se aproximava, James
Blair saiu do carro e abriu a porta. Ela lhe agradeceu, ofegante, enquanto
empurrava Rowan para dentro.

Enquanto o Rolls seguia para a estrada principal o céu escureceu e gotas

de chuva batiam nas janelas. Mas o sol ainda não se pusera completamente.
Ainda iluminava a superfície úmida da estrada para Portcullin e brilhava sobre a
superfície prateada do mar. Durante todo o percurso, o sol sumia e reaparecia
entre as nuvens. E assim foi minha visita a Inchcullin, Ellen pensou; como o sol,
algumas vezes brilhante de alegria, outras sombreada de infelicidade.

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O carro acabava de virar uma colina e descia para a cidade, quando um

arco-íris apareceu no céu azul, cheio de nuvens, passando sobre as colinas e
parecendo mergulhar no mar.

— Olhe, Rowan — Ellen exclamou. — Não é lindo?
— O que é isso?
— Um arco-íris. Ele aparece só quando chove e o sol brilha ao mesmo

tempo. É como uma promessa. uma promessa de que tudo vai dar certo... —
Entretanto, pensou com amargura, nada mais dará certo para mim. Pensando no
que tinha acontecido no estúdio, em Inchcullin, Ellen concluiu que aqueles
momentos de amor e prazer físico tinham sido uma loucura, mas talvez fossem
uma promessa que fora quebrada pelo impacto da notícia de Morag, como o
arco-íris que agora se esvanecia.

— A senhora disse que gostaria de ir para o hotel, sra. Craig? — A voz

de James Blair interrompeu seus pensamentos e ela verificou que o carro
passava vagarosamente pela rua principal da cidade, em direção ao cais, onde as
luzes já estavam acesas.

— Sim, por favor — respondeu ela, e o Rolls parou na frente da entrada

de uma hospedaria do século XVIII, o único hotel em Portcullin.

— Papai está aqui? — Rowan perguntou, enquanto entravam no saguão, e

Ellen sentiu um impacto. Não podia imaginar que as poucas horas que Rowan
passara com Dermid fossem tão importantes para o filho, a ponto de ele
perguntar pelo pai, querer a companhia dele. Rowan vai sofrer, ela concluiu, até
que se esqueça do pai.

— Não, não está — Ellen respondeu virando-se para James que trouxera

a mala pesada até a entrada da hospedaria. — Muito obrigada, James. Você não
precisa esperar mais.

— Pois não — murmurou ele. — Então vou voltar para casa.
Ergueu o boné polidamente em despedida e saiu. Ellen dirigiu-se à

recepção. Não havia ninguém lá e todo o lugar parecia deserto. Sobre o balcão
havia uma campainha prateada com um bilhete sugerindo que a tocassem se
quisessem ser atendidos. Então ela a apertou.

— Mamãe, quero ir para o castelo — choramingou Rowan. — Quero ver o

papai!

Ellen não respondeu. Percebeu imediatamente que Rowan ficaria

insistindo que queria voltar e sentiu-se desanimada. Precisaria ser forte e
paciente para ignorar aqueles pedidos insistentes e distrair o filho de alguma
forma. Ellen tocou a campainha pela segunda vez e ouviu, com alívio, uma porta
abrir-se e fechar-se e depois som de passos no assoalho de madeira.

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— Mamãe, por que não posso voltar para o castelo? Quero ir de carro

para o castelo!

— Fique quieto, querido, vem vindo alguém.
Luzes atrás do balcão se acenderam. Uma mulher pequena de

aproximadamente uns trinta anos apareceu.

— Em que posso servi-los? — perguntou ela, cerimoniosamente.
— Será que o sr. Morrison está? Fui informada de que ele poderia me

dar informações a respeito dos vôos para Glasgow.

— Fergus está fora hoje e a senhora não chegará ao aeroporto para o

próximo e último vôo do dia, a não ser que tenha carro — a mulher respondeu.
Seus olhos castanhos brilhavam de curiosidade enquanto olhava para Ellen e
para Rowan.

— Mas eu pensei que o hotel providenciasse transporte até o aeroporto.
— Só no verão.
— Existe então algum lugar onde eu possa alugar um carro e dirigir eu

mesma até Glasgow?

— Não em Portcullin. Acho que a senhora terá que esperar pela balsa, ou

pelo ônibus amanhã.

— Certo. A senhora tem um quarto para mim e para o menino?
— Nós não recebemos hóspedes nesta época do ano. A estação acaba no

princípio de outubro. — Os olhos brilhantes dirigiram-se para Rowan. — Mas se
vocês não têm onde ficar eu arrumarei as camas no quarto da frente, no
primeiro andar.

— Tem uma refeição?
— Só carne fria e picles e posso cozinhar ovos para o garoto. Está bem

assim?

— Sim, obrigada.
A mulher pegou um livro sob o balcão. Ela ofereceu uma caneta a Ellen e

disse:

— Por favor, escreva seu nome e endereço no registro
Ellen escreveu seu nome e o de Rowan e colocou o endereço de sua mãe

em Ottawa. A mulher pegou o livro para conferir.

— Vocês têm algum parentesco com os Craig de Inchcullin? — ela

perguntou.

— Sim — Ellen se preparou para as inevitáveis perguntas, mas a mulher

apenas lhe lançou um olhar estranho antes de guardar o livro e pegar uma
chave no quadro na parede.

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Meia hora mais tarde, Ellen e Rowan estavam sentados numa das mesas

da sala de jantar e esperavam pela mulher que se apresentara como Mary
Momson, esposa de Fergus. Quando a mulher voltou para perguntar se eles já
tinham terminado a refeição, trouxe junto uma menina de mais ou menos doze
anos.

— Talvez o menino queira ver televisão junto com Fiona — ela sugeriu. —

Há um programa infantil e talvez isto distraia o garoto até que ele fique com
sono.

Para alívio de Ellen, Rowan gostou da idéia e foi com Fiona ver televisão.

Ellen se serviu de mais uma xícara de chá.

— Ele é muito parecido com o pai — Mary falou, enquanto recolhia os

pratos.

— A senhora conhece Dermid... meu marido?
— Sim, eu estudava na escola primária e ele também, aqui em Portcullin.

Depois o avô o mandou para o colégio, só para meninos, em Glasgow.

Ellen colocou sua xícara vazia sobre a mesa e levantou-se. Não queria

mais se envolver em nenhuma conversa a respeito de Dermid.

— Há um telefone que eu possa usar? Preciso ligar para uma prima em

Ayr e pedir a ela para me esperar amanhã. A senhora pode me dizer a que
horas a balsa chega?

— Se o tempo estiver bom, a balsa deverá chegar às dez e quarenta e

cinco. O telefone está no hall, perto da escada.

Ellen encontrou facilmente o número do telefone de Sheila Moffatt.

Uma voz de homem atendeu.

— A sra. Moffatt está?
— Não. Quer deixar algum recado para ela?
— Aqui é Ellen Craig. É Ian?
— Sim, é. Ellen, onde você está? E uma ligação internacional?
— Não, eu estou em Portcullin. Eu estou aqui em visita e gostaria de

saber se posso ficar com sua mãe até sábado que vem, quando pretendo voltar
para Ottawa.

— Oh, sinto muito Ellen, mas não vai ser possível. Mamãe não está. Ela

está fazendo um cruzeiro e só vai voltar no fim de março. E amanhã também
saio em viagem para supervisionar a instalação de um novo maquinário;
portanto, sinto, mas não posso convidá-la para hospedar-se aqui. Você pretende
ficar em Inchcullin?

— Sim. Foi bom falar com você, Ian, mas preciso desligar agora.

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— Mamãe vai ficar triste de não ter visto você. Da próxima vez Ellen,

avise antes. Nós vamos ter o maior prazer em recebi sua visita.

— Está certo! Obrigada e adeus.
Ellen desligou o telefone e ficou ali parada pensando. O que iria fazer?

Onde poderia ir nos próximos dias? A única pessoa que teria condições de
hospedá-la era Molly MacIntyre, sua prima em Kilruddock, mas não podia ir
para lá, pois Dermid também iria. Precisava encontrar um hotel onde ficar. Ou
talvez conseguisse voltar para Ottawa antes de sábado.

Abriu sua bolsa e pegou as passagens de avião. Lá ela encontrou o

número do telefone do escritório local da companhia aérea. Logo estava falando
com um funcionário que, sem maiores dificuldades, transferiu as reservas
feitas para ela e Rowan no vôo de sábado para um vôo no dia seguinte, que saía
ao meio-dia. Agora, a única dificuldade seria encontrar um táxi que a levasse
até o aeroporto.

Com tudo resolvido, Ellen sentiu-se mais relaxada e voltou à sala do hotel

onde Rowan assistia tevê junto com Fiona. Ela esperou ali até que o programa
terminasse e depois Convenceu o filho a subir e tomar banho, Rowan estava
contente, porque no momento parecia ter esquecido o castelo e o pai. Só
quando ele já estava deitado, quase dormindo, foi que falou sobre Dermid
novamente.

— O papai vem dormir naquela cama com você?
— Hoje não.
— Nós vamos encontrar o papai amanhã?
— Talvez — ela respondeu diplomaticamente não querendo perturbá-lo.

— Você quer que eu conte uma história?

— Sim.
Ellen contou uma de suas favoritas e ele a ouvia com atenção embora já

soubesse a história. Finalmente adormeceu.

Ellen deixou a porta aberta e a luz da cabeceira acesa e desceu

novamente para a sala. Fiona tinha ido embora, mas a televisão ainda estava
ligada. Então Ellen assistiu o fim do jornal. Quando acabou, foi para o hall.
Ouviu o som de vozes que vinham da direção do bar. Procurando Mary Morrison,
Ellen espiou pela porta. Como ela imaginara, Mary estava atrás do bar servindo
cerveja.

— Algum problema se eu sair para um passeio?
— Não, só avise Fiona. Ela escutará se o garoto chamar. Ela está na

cozinha fazendo suas lições da escola.

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Ellen pegou seu casaco lá em cima e foi procurar Fiona, que concordou

em ficar atenta a Rowan. Já na rua notou um carro que vinha devagar pela
colina e percebeu que parava atrás dela. Mas continuou caminhando em direção
ao porto.

O ar estava frio e úmido, cheirando a peixe e maresia. Ellen caminhou

depressa e não cruzou com ninguém até chegar ao cais dos pescadores.

Continuou a caminhar até a cerca que limitava o cais do terminal da

balsa. Por alguns momentos ficou ali parada, olhando a cerca. Amanhã, ela e
Rowan partiriam na balsa e à tarde já estariam no Canadá.

De repente, percebeu que a idéia do regresso a deixara triste. As

lágrimas rolaram dos seus olhos e as luzes da balsa dançavam à sua frente. No
fundo, não queria ir. Não queria abandonar Dermid. Depois daquele reencontro,
seu único desejo era ficar com ele e não importava mais nada do que ele tivesse
feito nos últimos três anos, porque ela o amava e nunca amaria outro homem.
Que louca! O que estava fazendo ali, sozinha? Por que não tinha voltado para
Inchcullin? Para junto de Dermid?

Passos soaram nas pedras do cais. Rapidamente ela enxugou as lágrimas

e virou-se para caminhar de volta ao hotel. Quem quer que estivesse
caminhando pelo cais havia sumido nas sombras porque ela ainda ouvia o barulho
dos passos, mas não via ninguém. Não poderia ser um pescador, porque um
pescador usaria botas de borracha, certamente, que fariam um ruído
diferente. E agora parecia que os passos estavam mais próximos...

O coração de Ellen bateu forte, quando uma figura surgiu das sombras e

caminhou na direção dela.

— Ellen, por que você não voltou para Inchcullin? — A voz de Dermid

estava áspera.

— Como você veio até aqui?
— James me trouxe. Nós chegamos logo que você saiu do hotel e eu a

segui pelo cais. Por que você não levou Rowan para casa? Por que você está no
hotel?

— Eu... eu... queria ficar perto do terminal, onde vamos pegar a balsa

amanhã cedo.

— Você vai ficar com Sheila? Eu acho que lhe disse que não quero Rowan

lá, e que ele ficaria comigo enquanto você estivesse visitando Sheila em Ayr.

— Sim, você falou, mas...
— Você está sempre querendo contrariar-me — ele a interrompeu

asperamente.

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— Não, não é isso. Eu não vou para Ayr. Sheila não está lá. Ela está

viajando. — Ellen deu um suspiro e falou: — Antecipei as passagens. Rowan e eu
vamos voltar para o Canadá amanhã e não mais no sábado.

— Para o inferno, você! Por quê?
— Assim... assim... você pode pedir o divórcio e casar-se com Morag

Menteith.

— Então eu posso fazer o quê? Você está louca?
— Não, acho que não estou. Já pensei muito — ela continuou firmemente

— e decidi que não vou ser como Bárbara, a prima de minha mãe. A esposa do
seu pai. Não vou tornar as coisas difíceis para você e Morag, como Bárbara fez
com seu pai e sua mãe. Desde que você concorde em deixar-me ficar com a
tutela de Rowan.

— Ellen. eu não estou entendendo absolutamente de onde você tirou

essas idéias malucas. Mas de uma coisa eu tenho certeza: eu não quero me
casar com Morag.

— Mas você deve, você não pode deixar que seu filho seja ilegítimo. Você

não pode.

— Porquê?
— Porque... porque ele é seu e...
— Não é, maldição! Meu Deus, você acreditou naquilo? Você não tem

conceito muito bom sobre mim, Ellen, pois sempre aceitou a opinião de sua mãe
e de Sheila Moffatt. Mas agora vai ter que me ouvir: não tenho nada a ver com
a gravidez de Morag, ouviu? Nada!

— Então, por que ela foi contar a você sobre a gravidez?
— Não sei. Eu acho que Morag ia contar para a mãe dela e quando não a

encontrou, foi falar comigo porque pensou que eu poderia ajudá-la. Algumas
pessoas confiam em mim, mesmo que você não acredite. Também acho que ela
temia a reação da mãe e se você conhecesse Ann melhor entenderia por quê.
Ann não aprova permissividade de nenhuma forma. Tem pouco contato com os
filhos porque sempre colocou a profissão em primeiro piano. Por isso, o filho
dela é delinqüente e Morag é... Bem, você sabe o que aconteceu a ela. E se você
não fosse tão insegura e impaciente, se não tivesse tido tanta pressa de ir para
Auchinshaws, para buscar Rowan, teria descoberto mais. Teria descoberto que
Morag pensa que Ângus é o pai.

— Ângus? — Ellen exclamou. — Então por que ela não foi procurá-lo para

contar a ele?

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— Como você espera que eu saiba? Talvez ela tivesse medo de que ele

fosse negar. Mas realmente eles tiveram muitas oportunidades, quando fizemos
o cruzeiro. Sempre saíam juntos.

— Onde Morag está agora?
— Com a mãe dela.
— Ângus já sabe a respeito da gravidez. Eu contei a ele.
— Você contou? Por quê?
— Porque... oh, porque ele me perguntou os motivos pelos quais eu achava

que existia alguma coisa entre você e Morag.

— E por que vocês estavam conversando sobre isso?
— Porque eu estava comentando com ele e com Kate os motivos pelos

quais eu não poderia mais viver junto com você, e Ângus começou a ironizar.

— O que ele disse?
— Ele me acusou de desistir por não suportar a competição. Ele... Ele...

se referia a Ann Menteith e eu... eu disse que era Morag e não Ann. Oh,
Dermid, por favor, não fique assim! Eu sinto muito. Eu sinto muito que eu tenha
chegado a uma conclusão tão errada, sinto mesmo.

— Você pensa que pedindo desculpas apaga tudo o que você fez? Tudo o

que pensou? Eu deveria deixá-la aqui sozinha, ir buscar Rowan, tomá-lo de você
antes que você o torne meu inimigo.

— Não, você não seria tão cruel.
— Não seria? Sabe, você tem se comportado de maneira muito estranha

desde que nós nos reencontramos. Ficou o tempo todo na defensiva como se
existisse alguma coisa a seu respeito que você não queria que eu soubesse. E
esta falta de confiança... Parecia que você estava sempre tentando arrancar
uma razão para o fim do nosso casamento e, de preferência, uma razão que me
culpasse, que eu fosse a parte culpada no processo de divórcio. Eu me iludi hoje
quando entrei na sala e escutei o que você estava contando para Morag.

— Eu só estava dizendo aquilo pra colocá-la no seu lugar. Morag estava

comentando que todos estavam fofocando que eu só tinha voltado porque você
havia herdado todos os bens e o dinheiro do seu avô. E eu queria deixar bem
claro que tinha voltado porque você pediu.

— Então, quando você disse que tinha voltado porque estava cansada de

viver sem mim, não estava sendo sincera?

— Falei sem pensar...
— Falou o que não sentia realmente?
Dermid aproximou-se e beijou-a suavemente.

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— Todas as vezes que estamos discutindo sobre nosso futuro, você me

beija e depois... e depois eu não consigo mais pensar direito. Não, Dermid... —
Mas foi interrompida por um beijo arrebatador, sensual, que despertou um
desejo ardente por aquele homem... como se tivessem acabado de se encontrar.

— Esse beijo não significa nada, Ellen? Não prova que ainda nos

desejamos mesmo depois de três anos de separação, com o mesmo ardor de
sempre?

— Desejo, sim, mas não amor. Se você me amasse nunca teria sugerido

uma separação.

— E, se você me amasse, se realmente me amasse, nunca teria deixado

que a nossa separação fosse tão longa. Cabia a você terminá-la, dizendo que
estava cansada de ser livre e independente. Ellen, se existe um outro homem...
que você ama, por que você não diz? Assim resolvemos o problema.

— Não existe ninguém. Nunca!
— Então é o emprego. Ele é mais importante para você do que o fato de

ser casada comigo. E isso? É por causa do seu trabalho que você quer ir embora
amanhã?

— Eu... eu... eu não tenho certeza. Oh, aqui está muito frio. Vou voltar

para o hotel.

Ela se voltou, caminhando rapidamente e não olhou para trás nenhuma

vez para ver se Dermid a seguia. Não viu o Rolls estacionado na frente do hotel
e, enquanto abria a porta para entrar, imaginou onde James o estacionara. O
hall estava escuro como sempre, só havia uma lâmpada acesa atrás do balcão da
recepção. De repente, Ellen, distraída, tropeçou perdendo o equilíbrio e caindo
para a frente.

— O que aconteceu? — perguntou Dermid enquanto ajudava Ellen a se

levantar. Abraçando Ellen com ternura perguntou se ela estava

— Eu não olhava para o chão enquanto caminhava e tropecei na bagagem

de alguém.

— Na nossa bagagem, sua e minha. Eu disse a James para deixá-la aqui,

mas pensei que ele teria bom senso e não a colocaria no meio do caminho. Você
tem certeza que está bem?

— Sim. Machuquei as pernas e provavelmente desfiei as meias. Por que

você trouxe o resto de minha bagagem?

— Eu pensei que poderia precisar de suas coisas. E eu trouxe as minhas

porque onde você for eu vou também.

— Mesmo se eu for para o Canadá?
— Mesmo que você insista em ir para lá.

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— Mas e seu trabalho? Você disse que só tinha dois dias de folga.
— Sim, mas quando telefonaram hoje eu disse que não me esperassem

mais esta semana, que eu tinha decidido passar mais tempo junto com minha
mulher e meu filho.

— Oh! Eu não entendo mais nada. Você mudou muito.
— Não, não realmente, Ellen. Eu aprendi a amá-la, enquanto estávamos

separados, só isso, simples, não?

— Embora pareça loucura — concordou —, aqui existe algum lugar onde

possamos nos sentar sozinhos, um lugar bem aquecido?

— A sala... talvez?
O fogo na lareira da sala aquecia o ambiente vazio. Ellen tirou seu casaco

molhado e colocou-o sobre uma cadeira, depois foi sentar-se no sofá, em
frente ao fogo, e estendeu suas mãos frias para o calor. Depois de tirar seu
casaco de lã de carneiro, Dermid foi para perto da lareira, mas não se sentou.
Ficou em pé, olhando as chamas.

— Lá fora, no cais, você disse que eu não a amava porque sugeri a nossa

separação. Eu não a amava. Não propriamente, não o suficiente para repartir
você com um emprego ou com uma criança, não o suficiente para continuar
casado com você.

— Então, por que se casou comigo?
— Você sabe por quê. Eu desejava você. Desejava tanto e era o único

jeito de tê-la. Se eu não tivesse pedido você em casamento, você teria voltado
para o Canadá no final de suas férias antes que eu pudesse... Eu só queria uma
relação sexual e amaldiçoei o futuro, eu não dei importância ao fato de que
você talvez não estivesse madura o suficiente para o casamento. Não me
incomodei com o que pudesse acontecer a você. Pensei só em mim...

— Não quero ouvir mais nada. Eu não quero saber...
— Mas você precisa. Preciso contar e quero ter a esperança de que você

esteja disposta a começar tudo outra vez.

— Você... você quer que eu volte para você?
— Eu quero viver junto com você outra vez.
— Para a felicidade de Rowan?
— Também, mas principalmente porque eu gostaria de ser seu amante e

seu marido outra vez. Veja, Ellen, descobri enquanto nós estivemos separados
que minha vida não tem nenhum sentido longe de você.

— Então por que você não me pediu para voltar antes?
— Eu tenho que admitir que quando nós nos separamos eu fiquei contente

com a liberdade. Era bom poder fazer só o que eu queria, sem ter que dar

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satisfações a ninguém, e foi com uma certa relutância que eu lhe escrevi no
final daquele ano. Mas sua resposta veio como um choque. Parecia que você
também estava muito feliz com a sua liberdade.

— E foi aí que você decidiu não se importar mais comigo, não foi?
— Foi. Eu pensei que poderia encontrar alguém para substituí-la, mas não

consegui. Além disso você parecia tão contente longe de mim que seria muito
difícil afogar o orgulho e lhe pedir que voltasse. A única coisa que eu poderia
pedir era que você trouxesse Rowan. Tinha esperança de que quando nos
encontrássemos novamente conseguiríamos descobrir se queríamos mesmo
continuar casados. Foi então que vovô morreu e o testamento deu-me a
oportunidade de procurar você.

— Eu ainda acho que você me enganou só para que eu voltasse.
— Não tenho remorso. Você veio e é tudo.
Sentou-se perto dela, a cabeça recostada em seu ombro, como se ainda

não acreditasse naquele desfecho inesperado, enquanto ela dizia:

— Eu costumava ter insônias, tentando lembrar de você, do jeito como

ria, de sua boca, de seus beijos, de seu corpo... de como a gente se amava.
Sempre amei você durante esse tempo todo, mas fingia para mim mesma que
não era verdade, porque achava que não era correspondida. Quanto tempo
perdemos em nossa vida!

— Não foi um tempo perdido, querida, mas necessário para entendermos

esse amor! Você tinha de descobrir que era capaz de ser auto-suficiente, de
assumir sozinha a sua vida. E eu precisava ter coragem de mostrar a mim
mesmo que você é a coisa mais importante de minha vida!

Seus lábios se encontraram suavemente e depois, com uma paixão

violenta, o desejo tomou conta dos dois.

— Ellen, cuidado — suspirou Dermid, afastando seus lábios dos dela —,

você sabe o que pode acontecer...

— Mas, agora, é importante que aconteça, pois tenho certeza de seu

amor.

— Então diga para mim, quantas camas existem naquele quarto que você

alugou.

— Duas, uma de casal e outra de solteiro.
— Será que vou precisar tirar Rowan outra vez da cama de casal?
— Não, ele já está na outra. Ele até quis saber se você vinha para me

fazer companhia.

— E o que você respondeu?
— Que não, é claro, pois não tinha a menor idéia de que você vinha.

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— Eu já lhe disse que vou para onde você for. Até mesmo para Ottawa,

se houver lugar naquele vôo de amanhã.

— Mas eu não vou mais para lá...
— Então para onde vai?
— Para Kilruddock, com você, para começarmos tudo outra vez.
— E o seu emprego?
— Não importa mais. Enquanto trabalhava só pensava em você.
— Então não precisa mais pensar, Ellen. Estamos juntos outra vez e

agora só uma coisa importa: que seja para sempre, meu amor!

FIM


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