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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha

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A mão enérgica agarrada ao leme do iate, que os levava preguiçosamente de
uma ilha a outra das Bahamas, Burt Sharaton encarava Charlotte com seus
olhos verdes e zombeteiros. Era um belo homem, um deus louro que parecia ter
caído à Terra por milagre. E tudo o que ele queria, além de gozar as maravilhas
daquele passeio, era envolver Charlotte nos braços, beijá-la com ardor, arrastá-
la para a sua cama. Difícil resistir a tantos apelos, ainda mais que Charlotte esta-
va apaixonadíssima por ele. Mas ela sabia que Burt era um homem muito cínico,
que usava seu dinheiro para comprar as pessoas. E ela não estava à venda...


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Aqueles olhos verdes

“Stay Through The Night”

Flora Kidd




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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha

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CAPÍTULO I


À medida em que o jato se aproximava, os pontinhos brancos no mar

cor de jade transformavam-se em ilhotas de coral e era possível avistar a
fileira de casuarinas que sombreavam a areia dourada. O avião fez uma
manobra acompanhando a orla, abaixou o trem de aterrissagem e, minutos
depois, descia no aeroporto de Nassau.

Charlotte Mason foi uma das primeiras a desembarcar, sempre

acompanhada pelo casal de meia-idade com quem viera conversando a maior
parte do vôo. Mas agora não falava. Seus olhos azuis brilhavam de
excitamento e, quase correndo, pegou a bagagem e passou pela alfândega.

Era um ensolarado dia de fevereiro, em plena temporada, e o aero-

porto estava cheio de turistas e homens de negócios. Apesar do movimento,
as formalidades foram rápidas, e logo estava no saguão do aeroporto,
olhando em volta, ansiosa. E meio tonta também com os gritos dos
carregadores negros, que tentavam pegar suas malas, e com os chamados
dos guias de turismo, vestidos de cores berrantes, que procuravam chamar
a atenção e depois reunir os grupos em excursão.

— Já viu sua irmã? — perguntou a sra. Dodd, sua companheira de vôo.
— Ainda não, mas deve estar chegando.
— Estamos indo para o hotel, querida. O Ilha do Paraíso — disse o sr.

Dodd, passando o lenço no largo rosto suado. — Caramba, isso é que é calor!
Não vejo a hora de vestir short e sandálias. Esperei muito por estas férias
nas Bahamas.

— E eu estou louca por um mergulho na piscina — disse a mulher.

Muito baixinha, teve que ficar na ponta dos pés para dar um beijo no rosto
de Charlotte. — Gostamos muito de você, querida. Não se esqueça de nos
procurar, quando voltar para a Inglaterra. Em Oxford. Jim já lhe deu nosso
endereço, não deu?

— Deu, sim, obrigada. Espero que tenham umas férias maravilhosas.
— Nós também, minha filha. E eu espero que encontre tudo bem com

seu pai e sua irmã.

— Vamos, Marge! — chamou o marido. — Estão esperando pela gente

no microônibus. Vemos você por aí — acenou para Charlotte. — Tchau!

Parada, com a bagagem a seus pés, Charlotte ficou olhando o casal

passar pelas portas giratórias. Agora que finalmente havia chegado, todo o
excitamento que sentira durante a travessia do Atlântico desaparecia pouco
a pouco. Estava exausta e morta de calor. Tudo o que queria no mundo, no
momento, era trocar aquele conjunto de algodão por um vestido fresquinho.
.. como o que usava a moça que acabava de entrar.

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Olhou com inveja para a saia rodada, o decote tomara-que-caia, os

ombros bronzeados. Então a outra se virou, jogando para trás o cabelo
castanbo-avermelhado e tirando os óculos escuros. Mas era...

— Nancy! — Charlotte chamou, acenando. — Ei, Nancy, estou aqui!
Como a outra não a notou, pegou as malas, passou com dificuldade por

um grupo de turistas que esperavam condução para os hotéis, e parou ao
lado da irmã.

— Nan!
— Charlie! Até que enfim. Como vai, querida?
Nancy ofereceu o rosto bronzeado para um beijo e depois afastou-se

um pouquinho, com um olhar crítico:

— Charlie, essa roupa! Que coisa séria e pouco feminina. E seu lindo

cabelo louro. . . o que aconteceu com ele?

— Cortei um pouco. — Charlotte deu um largo sorriso, mostrando os

dentes brancos e perfeitos, e sacudiu a cabeça. — Fica mais prático assim. É
só lavar e deixar secar ao vento — disse, reparando no homem parado logo
atrás da irmã.

Era alto, mais de um metro e oitenta, com cabelos castanhos, em

alguns lugares bem louros, por causa do sol. A camisa azul de mangas curtas
e o short revelavam braços e pernas musculosos, muito queimados. Devia ter
uns trinta, trinta e dois anos, e estava em plena forma física. Mas o rosto
bonito tinha uma expressão aborrecida, ao olhar para ela.

— Quem é o deus louro aí atrás? — sussurrou para a irmã.
— Deus louro? — Os belos olhos cor de âmbar de Nancy se

arregalaram. — Do que está falando?

— Para essa gente daqui, é isso que ele deve parecer, com esse ar de

quem está fazendo uma grande concessão por descer até nós, os pobres
mortais.

Nancy virou-se rapidamente para olhar o homem. Para surpresa de

Charlotte, sorriu e passou o braço pelo dele, as unhas muito vermelhas
brilhando como rubis contra sua pele dourada.

— Burt, quero que conheça minha irmãzinha, Charlotte. Não é a

garotinha que você pensava, hein? — disse, quase culpada. — Sempre a
chamamos de Charlie porque parecia uma bonequinha. Charlie, este é Burton
Sharaton. Foi ele quem me trouxe aqui.

Verde-jade, o mesmo tom do mar que tinha visto pela janela do avião,

era a cor dos olhos dele. Olhos grandes e claros, sombreados por longos
cílios dourados e sobrancelhas grossas. Charlotte estendeu a mão, que ele
apertou com firmeza.

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— Oi, Charlie! — Mas seu sorriso foi muito rápido e muito frio. Frio

demais, na opinião de Charlotte, que ficou irritada por ter que olhar para
cima para encará-lo.

— Esteve velejando há pouco tempo, não é? — perguntou, fingindo

não notar o brilho gelado dos olhos verdes.

— Como sabe? — A surpresa substituiu o aborrecimento.
— Os calos na sua mão. Calos provocados pelas cordas. Acertei?
— É muito observadora — ele respondeu, largando a mão dela com

uma pressa que deixou claro que não tinha gostado do comentário.

— É, sou. . . muito. É importante, no meu trabalho — explicou, dando

uma olhada para a mão da irmã, que continuava a segurar, possessiva, o
braço do deus louro.

— Que tipo de trabalho?
Teve que olhar para cima novamente e chegou a ficar alarmada com a

expressão de desagrado que encontrou,

— Sou repórter. Trabalho em jornal.
— Ah! — Ele deu um risinho zombeteiro. — Bem que achei que você

tinha um jeitinho de intrometida.

Por um longo e tenso momento, os dois se encararam: ela, furiosa e

desafiadora; ele, arrogante e debochado. Então, virou-se para Nancy e, num
gesto exagerado de intimidade, acariciou a mão pousada em seu braço.

— Devia ter me avisado que sua irmã era uma bisbilhoteira pro-

fissional, meu bem. Temos que tomar cuidado e nos comportar direiti-nho,
enquanto ela estiver aqui.

Meu bem! Na boca daquele homem, o tratamento carinhoso pareceu a

Charlotte quase um insulto, que fez seu sangue gelar. Mas, pior do que o
jeito como ele olhava para Nancy, era a maneira como a irmã o olhava, como
se fosse realmente algum deus que adorasse.

— Podemos ir agora? — perguntou abruptamente. De algum modo,

sentia que precisava fazer com que parassem de fazer amor com os olhos
em público. Aquilo era... imoral.

Nancy voltou à realidade.
— Essa é toda a sua bagagem? — Apontou para as malas. Charlotte

fez que sim. Burt estalou os dedos e fez sinal para um

carregador nativo, que se aproximou, servil, e pegou as três malas.
Na rua, o sol estava forte e brilhante, e o ar, abafado. Charlotte

pegou os óculos escuros na bolsa e seguiu Nancy — que continuava de braço
dado com Burt Sharaton — até o estacionamento. O carro era um
conversível de duas portas, vermelho e branco, extravagante. .. bem de
acordo com o dono, Charlotte pensou.

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Burt deu uma boa gorjeta ao carregador, abriu a porta e puxou o

banco, indicando que ela entrasse atrás.

— Não posso ir na frente?
Havia lugar para três no largo banco, e Charlotte imaginou que, indo

ali com os dois, poderia desviar a atenção da irmã daquele homem
desagradável.

— É a primeira vez que venho a Nassau. Não quero perder nada da

viagem — mentiu.

— Com a capota do carro abaixada, vai ter uma visão muito melhor

aqui de trás — ele respondeu, seco. — Entre.

Não gostou de seu jeito de falar. Como se ela fosse uma criança ou

uma empregada a quem pudesse dar ordens. Virou-se para a irmã.

— Quer vir aqui comigo, Nan?
— Não, vou com Burt. Entre logo, Charlie, já demoramos demais aqui.

Seu avião atrasou quarenta e cinco minutos. Ficamos cansados de tanto
esperar.

— Sinto muito — disse, desconcertada. Olhou diretamente para Burt.

— Não precisava ter se incomodado em vir. Eu podia pegar um táxi.

— Ora, deixe disso. — Havia uma ponta de impaciência na voz da

irmã. — Prometi vir buscar você, não prometi?

Relutante, Charlotte desistiu de argumentar e entrou no carro. Par-

tiram em velocidade, pegando uma estrada estreita, ladeada de palmeiras. O
vento quente vinha direto no rosto e despenteava seu cabelo.

De olhos fixos nos ombros largos de Burt, ficou imaginando o que

havia de errado com ele que a desagradava tanto. Agia como se fosse o dono
do mundo. Talvez seja, pensou, dando uma olhada no interior luxuoso do
carro. Quem sabe, não era um daqueles milionários americanos que viviam
nas Bahamas. E se comportava como se fosse dono de Nancy também. Agora
mesmo, acabara de passar o braço pelos ombros dela, puxando-a para mais
perto.

Dirigir daquele jeito, com apenas uma das mãos no volante, era

perigoso; ia fazer uma observação a respeito, quando percebeu que o carro
ia pela pista da esquerda, como na Inglaterra, o que parecia ilógico e ainda
mais perigoso. O estranho é que todos os carros pelos quais passavam
faziam o mesmo.

— Por que todo mundo aqui usa a pista da esquerda?
— A ilha já foi colônia inglesa e é a lei — respondeu Nancy.
— Mas não é mais colônia, é independente. Se têm que dirigir à

esquerda, por que não importam carros com a direção à direita?

— O mercado aqui é dominado por fábricas americanas e canadenses,

que não fazem carros assim. — Burt interrompeu, num tom de voz que

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mostrava que o assunto o aborrecia. — É esquisito no começo, mas você se
acostuma. Agora, relaxe e aproveite a paisagem. Não há perigo nenhum.

Em outras palavras: cale a boca, pensou Charlotte. . . e gostou menos

ainda dele. Debruçou-se no encosto do banco da frente e puxou conversa
com Nancy.

— Luke comprou um carro novo — disse, imaginando que o simples

fato de tocar no nome do marido da irmã destruiria a intimidade entre ela e
Burt. — É um Rover verde-escuro. Luke está muito bem, agora. Foi
promovido a diretor do departamento de pesquisas da usina, sabia?

Nancy não fez comentários. Nem sequer olhou para ela. Em vez disso,

para surpresa e desgosto de Charlotte, deitou a cabeça no ombro de Burt e
pousou a mão na perna dele.

A estradinha terminou em outra mais larga, à beira-mar.
— É difícil de acreditar que estava nevando, quando saí da

Inglaterra, esta manhã — continuou Charlotte. — Tivemos um inverno
terrível, Nan. Luke me contou que, várias vezes, teve que tirar montanhas
de neve da frente da porta da casa de vocês, para poder sair com o carro
para o trabalho.

— A casa não é minha, é dele! — Nancy dignou-se finalmente a falar,

num tom seco.

— Bem, era onde você morava com ele, quando estava na Inglaterra

— Charlotte disse, calmamente.

Desta vez, Nancy não respondeu; apenas deu de ombros.
O carro diminuiu a marcha e fez uma curva, seguindo em direção à

praia. Entre as árvores e a areia, surgiu um alto muro de pedra, coberto de
primaveras roxas e hibiscos vermelhos. Atravessaram os portões e
Charlotte percebeu que entravam numa espécie de condomínio particular,
com casas de telhados vermelhos que brilhavam contra o céu azul, jardins e
gramados bem cuidados.

— Isto é Long Cay — Nancy anunciou, e Burt Sharaton tirou o braço

dos ombros dela para manobrar o carro, subindo uma estra-dinha que levava
a um chalé de dois andares, branco de janelas verdes.

— Vai entrar para um drinque, Burt? — Nancy perguntou.
— Hoje não — respondeu, desligando o motor e abrindo a porta. —

Você deve estar ansiosa para ouvir todas as fofocas de família que Charlie
tem para contar — Burt falou com ironia, como se achasse terrivelmente
tediosa a idéia de ouvir qualquer coisa que ela tivesse para dizer.

Quando ele saltou para apanhar a bagagem no porta-malas, Nancy

olhou para a irmã e perguntou baixinho:

— Por que tinha que falar de Luke na frente de Burt?

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— Pensei que você quisesse saber como ele estava. Afinal, são

casados. — Charlotte fez a cara mais inocente do mundo.

— Ora, não me olhe desse jeito — disse a outra, zangada. — Você fez

de propósito. Fique sabendo, antes de se meter a engraçadinha novamente,
que meu casamento acabou quando deixei a Inglaterra e vim morar com
papai.

— Luke sabe disso?
— Se não sabe, vai saber logo. — Nancy desceu do carro e foi falar

com Burt, que já levava as malas para dentro da casa.

Ele quase esbarrou em Charlotte, quando se virou para ir embora. Por

um momento, ficaram se encarando, em silêncio.

— Obrigada por levar Nancy ao aeroporto — disse finalmente, de má

vontade, porque não gostava de dever nenhum favor a alguém como ele.

— Mas preferia que eu não tivesse me incomodado, certo? Você

deixou tudo muito claro, boneca.

— O que eu deixei claro?
— Que não me aprova.
— Não posso evitar. Você parece que se considera acima das

regras de moral, e não gosto disso.

— De que, diabo, está falando? — Ele franziu a testa.
— Acontece que Nancy é casada.
— E daí?
Ela teve vontade de tirar aquele sorriso atrevido da cara dele com

uma bofetada.

— Por que não a deixa em paz?
Ele deu um passo à frente e pareceu tão grande e ameaçador que

Charlotte chegou a sentir medo.

— Olhe aqui, sua metidinha, Nancy e eu somos adultos e o que

fazemos juntos não é da sua maldita conta. Conheço muito bem gente como
você, repórteres abelhudos que ficam se intrometendo na minha vida.
Portanto, tire o nariz de onde não é chamada, ou vai se arrepender.

— Não é com você que estou preocupada — respondeu, controlando-

se para não recuar, assustada. — É com Nancy. Ela é minha irmã e eu a amo.

— Isso não significa que pode se meter na vida dela dando as costas

e indo para o carro.

Charlotte o seguiu, disposta a mostrar que as coisas iam ser bem

diferentes, agora que ela estava ali.

— Posso, sim. Nancy é bonita e ingênua demais. Farei qualquer coisa

para defendê-la de gente como você, que quer arruinar o casamento dela
com Luke.

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— Qualquer coisa? — Ele se recostou no banco, segurando o volante

e encarando-a, com um brilho diabólico nos olhos verdes.

— Tanta lealdade me espanta, mas não me impressiona. E também é

totalmente fora de propósito. Já que quer mesmo bancar a boa moça, acho
que, antes, devia pedir a Nancy para me deixar em paz.

— É o que vou fazer, pode ter certeza.
— Garanto que vai ficar surpresa com a reação dela — avisou, e

novamente o sorrisinho zombeteiro dançou em seus lábios. Ligou o carro e
arrancou; Charlotte teve que dar um pulo para trás para não ser arrastada
junto. Com os lábios trêmulos, de indignação e susto, ficou olhando até ele
desaparecer lá embaixo, na estrada.

— Charlie, não vai entrar? — Nancy chamou, da porta. Estava séria e

um pouco pálida.

— Claro. — Rapidamente, juntou-se à irmã. — Papai está?
— Ainda não chegou. Rosie disse que ele telefonou, avisando que

ia se atrasar. Deve estar em casa lá pelas seis.

Charlotte entrou na sala e deu uma olhada em volta. Era larga e

espaçosa, acarpetada de verde, paredes pintadas num tom mais claro. A
única decoração eram vários sofás cobertos de almofadas, que pareciam
bem confortáveis, e uma mesa de jantar com quatro cadeiras, junto da
janela que dava para o jardim. Portas de vidro se abriam para um pátio
interno.

— Nossa, que calor! — gemeu. — Onde posso tomar uma ducha e

trocar de roupa?

— Lá em cima. Venha.
Nancy guiou-a pela escada que levava da sala a um pequeno hall do

segundo andar. Apontou para uma das quatro portas.

— Ali é o banheiro. Infelizmente, só temos um. A casa é pequena. 12
Três quartos, apenas, e Rosie dorme num deles, de modo que você vai

ter que ficar no meu.

Entraram num quarto claro e arejado, com duas janelas, uma dando

para a frente da casa, e a outra, para o mar. Havia duas camas de solteiro
cobertas com colchas de retalhos, um par de mesinhas-de-cabeceira e um
grande armário, com portas de espelho, tomando toda uma parede.

— Quem é Rosie? — Charlotte perguntou, colocando as malas no

chão.

— A empregada. — Nancy tirou as sandálias, sentou-se com as pernas

dobradas em cima da cama e acendeu um cigarro de um maço que estava
sobre a mesinha ao lado.

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— Pensei que você cuidava da casa. Não foi por isso que veio ficar

com papai? Para dar uma ajuda, enquanto ele não arranjava outra
empregada?

— Eu cuido. — Nancy deu de ombros. — Rosie cozinha e faz a

limpeza, não tem tempo para dar conta de tudo.

— Sei. Mas o que você faz o dia todo? — Charlotte perguntou,

tirando um vestido da mala.

— Eu me divirto. Nado, tomo banho de sol e, de vez em quando, vou

velejar com Burt.

— Mas você não gosta de velejar! Nunca saiu comigo.
— Velejar no luxuoso iate de Burt é bem diferente de sair no seu

barquinho — disse Nancy, com pouco caso. — E não tem represa na
Inglaterra que se compare com este mar.

— Claro — Charlotte murmurou. — Ele mora no barco?
— Só quando veleja pelas ilhas. Você precisa ver que casa incrível ele

tem. Seis quartos. .. quartos não, suítes. A mãe dele costumava convidar
parentes e amigos para se hospedarem lá durante os meses de temporada.
Foi ela quem fundou o Long Cay Praia Clube. Tem uma sede enorme e vários
chalés. Burt herdou tudo, quando a sra. Sharaton morreu, em outubro.

— Papai alugou dele este chalé?
— Não, a casa é uma das mordomias de papai, como administrador do

clube. — Nancy tragou o cigarro e deu um olhar preocupado para a irmã. —
Olhe aqui, Charlie, papai teve sorte de conseguir esse emprego. Cuidado com
o jeito como fala com Burt. Cuidado para não ofender o homem.

— Por quê?
— Porque, desde que a mãe morreu, ele é o patrão de papai. A sra.

Sharaton foi muito simpática e compreensiva com o velho, quando ele perdeu
a gerência do Hotel Aquarius. Foi uma dificuldade conseguir outro emprego.
Você não vai querer que ele perca este também, só por causa da sua falta de
tato com o chefão, não é?

Charlotte olhou para a irmã. Como Nancy era bonita! Um corpo bem-

feito e esbelto, cabelo sedoso, um rostinho de boneca. Bonita como a mãe
delas havia sido.. . e igualmente ambiciosa.

— É porque Burt Sharaton é patrão de papai que você se comporta

de um jeito tão amigável com ele? — perguntou, crítica. — É por isso que
você paparica o sujeito o tempo todo?

— Não faço nada disso! — Os olhos de Nancy brilharam de indignação

e ela sentou-se na cama, tensa.

— Então, por que ficou alisando o braço dele no aeroporto e veio

pendurada no pescoço do homem, no carro? E... agora, fica toda vermelha

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Livros Florzinha - 10 -

mas na hora não teve vergonha nenhuma. Se aquilo é a sua maneira de ter
tato para garantir o emprego de papai, não conte comigo.

— Como é que você tem coragem de insinuar uma coisa feia dessas?

— Nancy ficou de pé, tremula.

— E como é que você tem coragem de se comportar daquele jeito,

quando é casada com Luke e jurou ser fiel a ele? — disse Charlotte,
acabando de tirar a calça comprida e jogando-a em cima da cama.

— Vou me divorciar de Luke! — a irmã gritou.
— Ah, não! — Sentou-se na beira da cama. — Você não pode fazer

isso com ele, Nan!

— Por que não posso? Quero a minha liberdade para casar com Burt.
— Ele pediu você em casamento?
— Ainda não. — Nancy sorriu, misteriosa. — Mas sei que ele me

deseja.

— Não é de estranhar, se você sempre se comporta como hoje à

tarde. E ele parece mesmo um sujeito capaz de roubar a esposa de outro
homem, só para satisfazer um capricho.

Nancy deu uma risada e foi até o espelho.
— Ele não precisa me roubar de ninguém. Quero Burt tanto quanto ele

me quer. Para mim, é só uma questão de trocar de marido. Hoje em dia, isso
acontece a toda hora — explicou, dando alguns passos para trás para se
admirar melhor.

— Eu sei. Acontece tanto, que já está ficando monótono e abor-

recido. Mas acha mesmo que um homem como Burt Sharaton vai oferecer
casamento em troca do que deseja? — Teve uma rápida visão dos olhos
verdes gelados e deu uma olhada em volta do quarto, para afastar aquela
lembrança desagradável. — É melhor fugir dele, Nan — disse, ansiosa. — É
perigoso.

— E é isso que o torna tão fascinante. Mas não se preocupe, Charlie,

sei tomar conta de mim mesma. Tenho experiência com homens e não vou
deixar que avance o sinal. Que droga! Não sou uma

mulher fácil. Vou deixar Burt tão aceso, que ele me dará tudo o que

eu quiser. . . inclusive, uma aliança de casamento.

— Desculpe, maninha, mas estou mais preocupada com a experiência

que ele parece ter em seduzir mulheres e abandoná-las, depois que consegue
o que deseja. Por favor, Nan, afaste-se de Burt Sharaton.

— Muito simpático da sua parte se preocupar tanto, querida. . .
— Nancy espreguiçou-se na frente do espelho, sorrindo para si mes-

ma. — Mas já fui longe demais, para voltar atrás ou parar, agora.

— Você não pode gostar dele mais do que de Luke — Chariotte

protestou. — Nan, venha comigo quando eu voltar para a Inglaterra, no fim

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Livros Florzinha - 11 -

das férias. Este lugar enfeitiçou você. Quando estiver em casa novamente,
com Luke, vai esquecer até que Burt Sharaton existe.

— Nunca! — disse Nancy com convicção, virando-se para a irmã.
— Gosto de estar enfeitiçada. Gosto deste lugar, do conforto e do

luxo. Gosto do sol, do mar e das noites estreladas. E não vou deixar Burt.
Ele é a melhor coisa que aconteceu em toda a minha vida. Ele. . . ele é. .. bem,
ele é um homem de ouro. Literalmente. Bonito, poderoso e pode me dar tudo
o que eu sempre quis: roupas elegantes, jóias, casas maravilhosas, cheias de
criados para me servir. Esse homem me deseja. . . e sabe que só vai me
possuir se aceitar as minhas condições.

— Mas não ama você como Luke a ama — Charlotte argumentou,

obstinada. Estava perplexa com a atitude da irmã. Nunca tinha percebido
que ela era tão interesseira e mercenária.

— Luke me ama? — Nancy deu um sorriso triste. — Está brincando!

Acho que me amou, sim, no começo, e eu também o amei. Casei com ele por
isso, a tola!, e veja o que aconteceu: um belo dia, descobri que estava
sozinha, enterrada numa casa de subúrbio, cozinhando, lavando e passando
para um homem que gostava mais do trabalho do que de mim.

— Luke não gosta mais do trabalho dele do que de você. Ele a ama

muito. Tem sofrido um bocado nos últimos meses, desde que você veio para
cá.

— Então, por que não veio me ver?
— Sabe por quê. Ele escreveu, pedindo para você voltar e explicando

que estava muito ocupado.. .

— Está vendo só? — Nancy interrompeu, quase gritando. — Trabalho,

trabalho, trabalho. .. Sempre o trabalho em primeiro lugar!

— Só porque você vivia exigindo mais e mais dele. Precisava ganhar

dinheiro para um carro novo e para a casa grande que você queria, na parte
mais elegante de Reading. Como é que podia ser promovido e aumentado, se
não trabalhasse duro? Além do mais, acha mesmo que com Burt Sharaton
será diferente? Acredita, realmente, que vai ficar com você o tempo todo,
se se casarem?

— Burt não precisa trabalhar tanto para viver.
— Acho que não, se é tão rico como diz. Mas ele parece entediado

por ter tudo o que deseja, sem esforço. Por isso, vive atrás de distrações.
Isso é o que você é para ele, Nan: um passatempo, um bonito brinquedo novo
que colocará de lado, quando se cansar. Será que não entende?

Nancy ficou pálida e uma sombra de incerteza passou por seus olhos.

Atravessou o quarto e calçou as sandálias.

— Não faz mal — disse, num desafio. — Se ele me der o que quero,

não me incomodo de pagar esse preço. — Naquele momento, ouviram barulho

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de pneus e uma porta de carro sendo batida. — É papai — disse, indo até a
janela da frente. — Quando estiver pronta, desça para o pátio. Ele gosta de
tomar um drinque e ficar olhando o pôr-do-sol, antes do jantar.

Quando Charlottc se reuniu ao pai e à irmã, o sol era uma impres-

sionante bola de fogo que começava a mergulhar no mar, tingindo o
horizonte de vermelho e púrpura. As mesmas cores das flores que enchiam o
pátio com um perfume exótico. Cigarras cantavam entre as folhas dos
arbustos.

— Que bom ter você aqui, Charlie! — Grant Mason estendeu as mãos

para a filha mais moça. Era um homem alto, moreno e conservado, mas ela
achou que parecia mais magro e um pouco abatido. Fez sinal para que se
sentasse à mesa de ferro, ao lado da irmã. — Quer tomar alguma coisa,
querida?

— O que estão bebendo?
— Ponche de rum com suco de frutas e água de coco. Uma das

especialidades de Rosie.

— Quero experimentar, se não tiver rum demais.
— Pego para você — Nancy se ofereceu. — Quer outro, pai?
— Por favor. — Entregou o copo vazio, e ela entrou na casa.
— Quanto tempo vai ficar aqui, filha?
— As férias inteiras: três semanas.
— Ótimo. Nancy me disse que Luke levou você ao aeroporto, hoje de

manhã. Há alguma chance de ele também poder vir passar uns dias conosco?

— Acho que não. Pelo menos, ele não disse nada. — Charlotte estudou

o rosto do pai e resolveu arriscar: — Pai, esse tal de Burt Sharaton. ..

— Conheceu Burt? — Pareceu surpreso.
— Sim. Levou Nancy ao aeroporto, para me buscar.
— Mesmo? Que gentileza!
— Não o chamaria de gentil — disse Charlotte, cáustica.
— Hum. . . Parece que não teve uma boa impressão dele.
— Não tive, mesmo. E, para falar a verdade, ele também não teve de

mim. — Mordeu o lábio. — Isso é importante, pai? — Continuou, ansiosa: —
Nancy diz que sim. Que não devo ofender o homem, porque é seu novo
patrão. Acha que pode despedir você, se eu não o tratar bem?

— Não tenho certeza. Confesso que não gostaria de ter nenhum tipo

de problema com ele. Tenho a sensação de que veio investigar os negócios do
hotel e que está de olho em mim, particularmente. — Passou a mão na testa
e encarou a filha. — Consegui este emprego porque conheci a mãe dele, há
alguns anos, em Witherton. Ela me ajudou quando me meti naquela confusão
com o sindicato, no Hotel Aquarius, e acho que, por causa disso, Burt não

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Livros Florzinha - 13 -

confia inteiramente em mim. — Fez uma pausa e depois acrescentou, seco:
— Não se parece em nada com o pai.

— Quem é o pai dele?
— Lionel Sharaton, presidente da Companhia Polygon. Nunca

ouviu falar?

— Claro. — Franziu a testa, tentando lembrar. — Não é a

companhia que controla a fábrica de meias Marling, de Witherton?

— Isso mesmo. Um conglomerado anglo-americano com interesses em

diversos tipos de negócios. E Lionel Sharaton é o homem que dirige tudo.
Herdou do pai uma cadeia de lojas nos Estados Unidos e ampliou suas
atividades. Hoje em dia, controla várias fábricas no mundo inteiro, que
suprem suas lojas com mercadorias. A fábrica de meias é só uma delas. A
mãe de Burt era Linda Marling, em solteira, filha única do velho Daniel, o
último patriarca da família.

— Imagino que, quando Lionel tomou conta da fábrica, tomou conta

dela também — Chariotte disse, em tom de crítica.

— Não fale assim. Foi um casamento por interesse, mas acabou sendo

uma união muito feliz. — Os olhos de Grant brilharam de curiosidade, — Fico
só imaginando você e Burt trocando desaforos. São dois orgulhosos, e acho
que ele não está acostumado a ser enfrentado por uma garota. A maioria das
mulheres corre atrás dele, fazendo qualquer coisa para ser a próxima sra.
Burton Sharaton. Ele já é muito rico, e quando o pai morrer vai herdar
muitos outros milhões.

— A próxima sra. Burton Sharaton? — Charlotte perguntou, sur-

presa. — Ele é divorciado?

— Não. Casou ainda rapaz. . . outro casamento de interesse. . . mas

não durou mais de quatro anos. A mulher morreu num acidente. Não sei
detalhes. Só sei que estava grávida e não puderam salvar a criança. Linda
não gostava de falar no assunto, e sempre tive a impressão de que havia
algum mistério envolvendo essas mortes. Ela me disse que o choque tornou
Burt muito cínico e arredio à idéia de um novo casamento. Parece que não se
dava nada bem com a esposa,

— Faço uma idéia. Não deve ser fácil para mulher nenhuma suportar

aquele gênio dele.

— Também não é assim, Charlie — o pai censurou. — Sei que Burt é

difícil de lidar mas, se quer meu conselho, fique o mais longe possível dele,
enquanto estiver aqui. Aliás, há pouca chance de vocês se cruzarem. Ele é
um sujeito fechadão, que passa a maior parte do tempo velejando pelas
ilhas.

— Pois me pareceu muito acessível. . . para Nancy. — Baixando a voz,

continuou: — Pai, ela disse que está pensando em se divorciar de Luke.

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 14 -

— Meu Deus! Por quê?
— Para ficar livre e casar com Burt. .. quando e se ele quiser.
— Ela não pode estar falando sério!
— Está. Muito, muito sério mesmo. E sinto muito, principalmente por

ela. Já reparou como se comporta, quando está com Burt?

— Não. Nem fazia idéia de que eles se viam com frequência. Fico

trabalhando até tarde. A situação não anda nada boa. Já tivemos duas
greves de empregados do hotel e do clube nesta temporada, e, ontem
mesmo, fiquei até tarde, negociando com os líderes do sindicato. — Deu um
sorriso cansado e olhou para a filha. — Bem, conte-me: como Nancy se
comporta com Burt?

— Como essas mulheres de que o senhor falou. Ela se desmancha

toda. Chega a dar enjôo! — Fez uma careta.

— Entendo. — De repente pareceu muito triste. — Então, foi por

causa dele que ela mudou de idéia e resolveu ficar aqui mais tempo.

— Como assim?
— Nancy estava pronta para partir para a Inglaterra há três sema-

nas, quando encontrei e contratei Rosie. Então, Sharaton chegou. Veio me
ver e, naturalmente, apresentei-o a ela. Esse único encontro parece que foi
sufíciente para fazê-la mudar de idéia. — Balançou a cabeça, preocupado. —
É possível que os dois estejam apaixonados e, nesse caso, não há nada que
você ou eu possamos fazer, Charlie.

— Mas, casamento? Acredita, honestamente, que ele esteja pen-

sando em casamento? Já imaginou o que vai acontecer com Nan, se pedir o
divórcio de Luke e, depois, Burt Sharaton não quiser se casar com ela? Ele é
um homem duro como uma rocha e ela é tão frágil. . . Pode sair muito ferida.

— Mas o que se pode fazer? Ela é adulta, Charlie, e não tenho o

direito de querer lhe dizer como deve dirigir a própria vida. Estou de mãos
atadas.

— Gostaria que houvesse um jeito de fazer Luke vir aqui — ela

murmurou, pensativa. — A companhia não pode lhe dar férias nesta época do
ano. O senhor consegue imaginar uma boa razão para que ele consiga uma
licença?

— Não podem impedi-lo de tratar de um problema pessoal — disse o

pai, pensativo.

— Qual, por exemplo?
— Digamos que ele receba uma carta minha ou sua, dizendo que a

esposa precisa dele, com urgência.

Charlotte sorriu, cutusiasmada.
— Vou escrever amanhã mesmo. Contarei a situação exatamente

como é. Ele certamente fará alguma coisa a respeito. — Parou, ao ouvir

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Julia no. 106

Livros Florzinha - 15 -

barulho de gelo. — Nancy está voltando. É melhor falarmos sobre alguma
coisa, para ela não desconfiar — murmurou.

— Sobre você — sugeriu o pai. — Como vai a brilhante repórter do

The Daily Globe and Record?

Já publicou alguma matéria sensa-cional de

primeira página?

— Não, mas adoro trabalhar no jornal. E Frank Lane, o editor,

prometeu me dar uma coluna na edição dos sábados, se eu voltar com uma
boa matéria sobre as Bahamas.

— Emão, você precisa ver o máximo possível das ilhas — disse Grant,

sorrindo.

— Desculpe demorar tanto. Tive que atender o telefone. — Nancy

aproximou-se, com dois copos compridos, contendo um líquido rosado.

— Era para mim? — perguntou o pai.
— Não, para mim. Betty Holmes nos convidou para ir ao bangalô dela

depois do jantar — falou para Charlie. — Quer que a gente conheça os dois
irmãos dela que acabaram de chegar de Toronto. Por falar nisso, Rosie
mandou avisar que o jantar já está pronto. Portanto, bebam logo.

A refeição, preparada pela risonha Rosie, uma negra baixinha e

rechonchuda, consistia de pratos típicos das ilhas. Havia ostras, uma
suculenta sopa de mariscos graúdos, garoupa grelhada com um molho
agridoce, servida com arroz branco e feijão. De sobremesa, as maiores
bananas carameladas que Charlotte já tinha visto, e enormes fatias de
abacaxi muito doce.

Depois do jantar, Grant teve que voltar à cidade, para mais uma

reunião com os negociadores do sindicato. Nancy trocou o vestido leve por
uma espécie de pareô longo, estampado em cores brilhantes, que deixavam
seus ombros à mostra e a faziam parecer ainda mais bonita e dourada de
sol. Juntas, as duas irmãs desceram a sinuosa estradinha particular, a
caminho do bangalô que a família Holmes alugara para a temporada, de
começo de novembro a fim de abril.

— Aquela é a casa de Burt de que lhe falei — disse Nancy, apontando

para uma verdadeira mansão, afastada da estrada, cercada de palmeiras e
casuarinas. Várias janelas estavam iluminadas. — A irmã de Burt, com o
marido e dois filhos, vai passar lá as próximas duas semanas. Estão dando
uma festa hoje.

Havia uma ponta de ressentimento na voz de Nancy, como se pre-

ferisse estar indo àquela festa, em vez de à reunião na casa de Betty
Holmes. Mas, assim que se instalaram na sala de visitas do bangalô e foram
apresentadas aos dois rapazes, Nancy voltou a ser a moça cheia de
vivacidade de sempre, conversando e rindo com naturalidade. Não teve a

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Livros Florzinha - 16 -

menor dificuldade para convencer os amigos a irem com ela e Charlotte à
boate do hotel.

As horas seguintes passaram rapidamente e foram muito agradáveis.

Dançaram muito, ao som de um conjunto de guitarras elétricas e percussão.
Havia muita gente jovem no clube e, apesar de a música ser barulhenta
demais para o gosto de Charlotte, o ambiente era tão descontraído e
animado, que dançou a noite inteira sem sentir um pingo de cansaço. Só
quando o líder do conjunto anunciou que já era uma hora da manhã e que a
boate ia fechar, ela percebeu que Nancy havia desaparecido.

— Você não notou? — perguntou Dennis Holmes, o mais moço dos dois

irmãos, quando atravessavam o hall do hotel. — Apareceu um sujeito louro
grandão e ela saiu com ele. Avisou que vê você mais tarde, em casa.

Louro e alto. Burt Sharaton? Quem mais seria capaz de afastar

Nancy de uma pista de dança, a coisa de que ela mais gostava no mundo?

Voltou para casa preocupada, quase sem falar com Dennis, que a levou

até a porta.

Ficou aliviada ao encontrar Nancy no quarto, sentada na cama, lendo

tranquilamente.

— O que aconteceu para você desaparecer daquele jeito? Fiquei sem

saber o que pensar.

— Encontrei Burt, não viu? — respondeu friamente. — Ele vai viajar

para os Estados Unidos amanhã, para tratar de negócios, e só volta na
quinta-feira, sem ser essa, a outra. Combinamos fazer um cruzeiro de iate,
assim que chegar.

Charlotte não fez nenhum comentário. Alguém havia desfeito suas

malas e pendurado as roupas, bem-arrumadinhas, no armário. Só podia ser
coisa de Rosie. Tirou a roupa, vestiu uma camisola e foi para o banheiro,
pensativa.

Se houvesse um jeito de fazer Luke chegar antes da quinta-feira,

antes de Nancy sair de iate com Burt Sharaton. . . Talvez fosse me- _ lhor
mandar um telegrama ao cunhado, em vez de uma carta. Falaria com o pai
sobre o assunto na manhã seguinte. Não podiam perder aquela chance.
Precisavam agir enquanto Burt não estava por perto.

Voltou para o quarto. Nancy tinha largado o livro e se deitado,

cobrindo-se até o pescoço, Parecia óbvio que não estava disposta a
conversar mais com Charlotte.

Embora estivesse morta de cansaço, não conseguiu dormir logo. Na

cama ao lado, Nancy já estava adormecida há muito tempo, talvez sonhando
com Burt. Ela também pensava naquele homem, chegava a vê-lo na escuridão
do quarto, mas era mais uma visão de pesadelo. A lembrança dele a
atormentava e não sabia explicar por quê.

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Livros Florzinha - 17 -

Um rosto bronzeado, com uma expressão de cínica indiferença. Olhos

verdes frios como gelo que a olharam de um jeito atrevido, deixando bem
claro que não era bem-vinda e que, pelo fato de ser repórter, a julgava uma
criadora de caso, uma intrometida.

Mas como queria que ele me olhasse?, perguntou para si mesma. Do

jeito como olha para Nancy? Como se... como se quisesse agarrá-la e possuí-
la?

Aquele pensamento fez com que uma onda de fogo percorresse seu

corpo. Rolou na cama e fechou os olhos com força, tentando expulsar a
imagem dele.

Como ele poderia notar a minha existência, se Nancy está por perto?,

pensou. Trate de dormir, Charlotte Mason. Aquele demônio de olhos verdes
não significa nada para você, nem você para ele.



CAPITULO II


Como uma borboleta de asas rajadas de vermelho e amarelo, o

windsurf

cortou as ondas. Usando um biquini minúsculo e já queimada de sol,

Charlotte equilibrou o corpo na prancha estreita, dobrou os joelhos e se
inclinou toda para trás, as costas quase tocando a água. Segurando bem
firme no mastro de madeira da vela triangular, fez uma manobra rápida e
perfeita, pegou uma onda e deslizou até a praia, em frente ao Long Cay Praia
Clube.

Puxou a prancha para a areia e sentou-se, protegendo os olhos com a

mão, observando um outro windsurf, de vela azul e roxa, que, manobrado por
mãos menos hábeis, foi apanhado de lado por uma onda mais alta e virou.

— Desisto. Você é uma campeã — disse Dennis Holmes, puxando com

dificuldade a prancha toda molhada para a praia. — Qualquer um diria que
você veleja há anos, em vez de só há dez dias. Hoje, então, esteve perfeita.
Nem uma queda. E eu... por pouco não me afogo. Passei mais tempo
arrastando essa prancha do que em cima dela.

— Mesmo assim, é um bocado divertido — disse Charlotte, vestindo

uma saída de praia. — Você e Brian foram uns amores por me deixarem usar
suas pranchas.

— Foi um prazer. Que tal dar um pulo lá em casa para tomar uma

cerveja?

Charlotte hesitou. Embora gostasse da companhia dos rapazes, notava

que Dennis parecia interessado demais nela. Tinha um jeito de olhá-la,

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Livros Florzinha - 18 -

quando pensava que ela não estava vendo, que a deixava sem jeito. Sabia
que, se fosse um pouco mais do que amigável, podia ter problemas com ele.

— Não — respondeu cora firmeza — É a tarde de folga de Rosie e

prometi ajudar Nancy a preparar o jantar. — Calçou as sandálias e começou
a voltar para casa.

— Que pena! — Quase correu atrás dela, que já alcançava a estrada

particular. — Meu tio, irmão de mamãe, chegou ontem à noite, de Miami.
Veio de saveiro e nos convidou, a mim e a Brian, para um cruzeiro pelas ilhas.
Vamos partir daqui a duas horas, mais ou menos, e eu estava contando em
convencer você a nos acompanhar. Não, não faça essa cara. Já falei com meu
tio e ele achou uma boa idéia. O barco é muito confortável, dá para até seis
pessoas. Não quer ir com a gente?

— Você é muito gentil, Dennis, mas não vai dar. Sabe, o marido de

Nancy chega amanhã e quero estar aqui. Muito obrigada pelo convite.
Quanto tempo vão ficar fora?

— Cinco ou seis dias. Você ainda estará aqui, quando eu voltar? —

Acho que sim. A gente se vê depois.

Charlotte virou-se e apressou o passo em direção à casa, esperando

que ele não a seguisse e não insistisse no convite. Lamentava ter que recusar
o cruzeiro. Seria divertido ver algumas das outras ilhas, principalmente do
convés de um grande saveiro. Mas, se aceitasse, Dennis podia ficar com
idéias.

Aqueles dez dias em Long Cay tinham sido perfeitos. Conseguira um

bronzeado quase tão bonito como o da irmã e as duas juntas passearam
muito. Visitaram os lugares mais interessantes da parte colonial de Nassau,
atravessaram várias noites a ponte para a ilha do Paraíso, onde jogaram no
cassino e dançaram ao ar livre, ao som dos tambores nativos. Passara as
melhores férias de sua vida e, mesmo se tivesse que voltar para a
Inglaterra no dia seguinte, teria muita coisa para contar aos leitores de seu
jornal.

Dois garotos louros, muito queimados de sol e vestindo apenas calções

de banho, atravessaram a estrada e correram para a praia. Vinham do
grande casarão de paredes rosadas que Nancy chamava de Mansão Sharaton
e Charlotte imaginou que deviam ser os sobrinhos de Burt. Se um dia ele
tivesse filhos, seriam crianças bonitas e saudáveis como aquelas. Mas. . .
seriam de Nancy?

Estava tão distraída com seus pensamentos que, só quando chegou ao

portão de casa, percebeu o rapazinho nativo sentado na cerca. Era escuro,
vestia calça jeans, uma camisa estampada, usava um grande chapéu de palha
e, pelo jeito como pulou no chão ao vê-la se aproximar, parecia estar
esperando ali há muito tempo.

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Livros Florzinha - 19 -

— É você a moça que mora aqui? — perguntou, olhando-a dos pés à

cabeça.

— Moro aqui, sim.
— O sr. Sharaton mandou entregar isso. — Estendeu um envelope

branco.

— Tem certeza de que é para mim?
— Certeza. "Dê isso para a moça que mora no bangalô leste", ele

disse. É você.

Charlotte pegou o envelope e virou-o, procurando o nome do desti-

natário, mas não havia nenhum. Ficou alguns momentos indecisa. O recado
devia ser para Nancy e não para ela. Pensou em devolver e explicar para o
rapaz que havia outra moça morando na casa, mas ele já se afastava pela
estradinha, dando sua missão por cumprida. Charlotte não chamou. Abriu o
portão e entrou no jardim, pensativa. Se aquilo era mesmo um recado de
Burt Sharaton para a irmã, talvez tivesse sido uma sorte cair em suas mãos.

Deu a volta na casa e entrou pela porta de trás, ainda sem resolver se

devia ou não abrir o envelope. Rosie não estava em casa e não havia sinal de
Nancy. Provavelmente não voltara ainda das compras em Nassau. Sentou-se
na sala de visitas e ficou olhando para o envelope branco. Se Burt mandara
aquilo, era sinal de que chegara um dia antes do previsto, antes de Luke vir
da Inglaterra. O que será que queria com Nancy? Não fazia a menor idéia,
mas de uma coisa tinha certeza: fosse o que fosse, podia arruinar seus
planos de reconciliar a irmã com o marido.

Ainda assim, não conseguia se decidir a abrir o envelope e ler o

recado. Era estranho ele não ter escrito nenhum nome. Ou teria esquecido
de que agora havia duas mulheres morando ali? Deu um sorri-sinho meio
zombeteiro, meio triste. Com certeza, era isso mesmo: Burt, simplesmente,
esquecera a existência dela.

Era errado abrir a correspondência alheia. Por outro lado, a carta

havia sido entregue a ela e não havia nenhuma indicação clara de que
pertencesse a outra pessoa. Pegou a folha de papel dobrada de dentro do
envelope, ainda hesitando e sentindo-se culpada. Não tinha o direito de ler,
porque sabia que o rapaz cometera um engano. Ao mesmo tempo, sentia que
devia ler, para o bem da irmã.

Era um recado curto e objetivo. Quase uma ordem, apesar de come-

çar com "meu bem".

"Lembra do que combinamos no domingo? Esteja no cais às oito da

noite de hoje. Não leve muita bagagem. Burt."

Dobrou o papel rapidamente. O que estava fazendo, se metendo

daquele jeito nos assuntos pessoais de Nancy? Tolice, disse a si mesma; não
tinha lido nenhuma carta de amor. Ao contrário. . . e talvez isso é que fosse

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Livros Florzinha - 20 -

o mais chocante. Abriu novamente a folha muito branca, e as palavras
pareceram saltar. Como ele era incisivo e frio!

Deus, devia se sentir muito seguro do poder que tinha sobre Nancy

para escrever daquele jeito. Nem uma palavra de carinho ou de saudade,
depois de dez dias ausente. Apenas uma cobrança. Se tirasse o "meu bem"
do começo, poderia ser um recado mandado a um empregado, lembrando um
compromisso. Parecia ter certeza absoluta de que ela correria ao seu
encontro e partiria com ele quando e para onde quisesse.

Ouviu barulho de carro lá fora e deu um pulo na cadeira. Sem pensar

duas vezes, subiu a escada correndo e se trancou no banheiro. O bilhete de
Burt parecia queimar em sua mão. Leu mais uma vez. Nancy tinha voltado das
compras. Logo estaria subindo, chamando por ela. O que fazer? Por um
momento, sua cabeça ficou vazia. Então, aos poucos, a idéia foi se insinuando
e tomando forma em sua mente.

Podia destruir o bilhete e dar a descarga. A irmã não saberia da

existência dele e não iria ao encontro daquela noite. Mas, se não aparecesse
no cais, Burt era bem capaz de vir procurá-la. Mordeu o lábio. Não, assim
seria arriscado. Mas precisava dar um jeito de impedir que Nancy partisse
com ele. Tinha que retê-la em casa, pelo menos, até o dia seguinte, quando
Luke chegaria.

— Charlie, você está aí em cima?
Charlotte ouviu a irmã subindo a escada.
— No banheiro. Não demoro — gritou e começou a rasgar o bilhete em

mil pedacinhos.

Já sabia o que fazer mas, só de pensar na temeridade de seu plano,
sentia o coração disparado. Ela iria à marina encontrar Burt Shara-

ton e lhe diria que a irmã desistira do cruzeiro, pois estava esperando o
marido. Sim, era isso. Diante de tal argumento, um homem orgulhoso como
aquele não insistiria. Provavelmente sairia sozinho para o tal cruzeiro e,
quando voltasse, talvez Nancy já tivesse partido com Luke para a
Inglaterra, E ela também.

Puxou a descarga e ficou olhando os pedacinhos de papel desapa-

recerem. Foi para o quarto, trocou o biquini por um vestido de algodão
estampado, arrumou o cabelo e pegou um xale de rendão para usar mais
tarde, porque sempre soprava um ventinho frio nas docas. Quando desceu ao
encontro de Nancy, já estava controlada e conseguiu conversar com
naturalidade, contando a tarde divertida que passara com Dennis,
praticando windsurf.

Durante o jantar, foi praticamente a única que falou. O pai parecia

preocupado com alguma coisa e Nancy estava visivelmente ansiosa, olhando
para o relógio a toda hora. Charlotte chegou a temer que ela tivesse se

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Livros Florzinha - 21 -

encontrado com Burt a caminho de casa e combinado pessoalmente o
encontro no cais. Mas a irmã não estava vestida para sair e se ofereceu para
lavar a louça, o que a deixou mais tranquila. Teria também chance para
conversar a sós com o pai, pois ainda não haviam contado a Nancy que Luke
chegaria no dia seguinte.

Acabaram resolvendo não dizer nada: o velho Grant achava que a

surpresa funcionaria melhor do que palavras. Nancy ainda estava na cozinha
quando ele saiu, de volta ao hotel, onde outro problema trabalhista tinha
surgido.

Charlotte ficou no pátio, imaginando que desculpa daria à irmã para

sair sozinha, mas a própria Nancy resolveu a situação.

— Charlie, estou com uma tremenda dor de cabeça. Você se importa

se eu for dormir agora?

Pensando no bilhete que havia destruído, Charlotte não pôde evitar

uma dor na consciência. Será que a outra estava esperando por ele? Por isso
ficara tão ansiosa e decepcionada?

Bem, não há nada que eu possa fazer agora, pensou, descendo a

estrada, a caminho da marina. Não devia ficar com pena da irmã. Talvez
sofresse um pouco, mas era tudo para o bem dela.

Havia vários iates ancorados; alguns, verdadeiras mansões flutuantes.

Sabia que o de Burt Sharaton era o Albatroz e não teve dificuldade para
encontrá-lo. Um nome bem escolhido, pensou. O enorme barco branco,
brilhando ao luar, parecia mesmo um pássaro impaciente para se libertar e
voar para bem longe.

Olhou o relógio. Passavam cinco minutos das oito, e nem sinal de Burt.

Mas uma luz estava acesa na cabine. Portanto, ele já devia estar a bordo.
Imaginava encontrá-lo no deck, ansioso. Tinha esquecido, por um momento,
que ele não era um homem apaixonado, esperando pela mulher amada.

Dali dava para ouvir o conjunto do hotel, tocando as músicas exóticas

e ritmadas que dançara tantas vezes nos últimos dias. Só que agora aquelas
canções que falavam de dias ensolarados e de tépidas noites tropicais lhe
pareciam mais estranhas do que nunca. Não havia nenhum encanto naquela
noite em particular. Apenas sentia o vento frio, cheirando à maresia, que
soprava do oceano e a deixava arrepiada. Ou o motivo de seu súbito
nervosismo seria o fato de estar tão perto dos olhos verdes, gelados e
observadores, do sorriso inso-lente e provocador, da língua ferina e da
mente maldosa de Burt Sharaton?

— Pensei que tinha mudado de idéia e não vinha mais — disse uma voz

atrás dela e, antes que tivesse tempo de se virar, dois braços a envolveram
pela cintura, possessivos, apertando-a contra um musculoso corpo
masculino. Lábios úmidos e mornos acariciaram sua nuca, provocadores,

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Livros Florzinha - 22 -

despertando sua sensualidade de uma forma tão violenta, que ficou
alarmada. Sentiu o rosto queimar e estremeceu nos braços dele, que riu e
falou em seu ouvido: — Com medo, meu bem? Não precisa ficar. Vou tomar
conta de você.

Segurando com toda a força as mãos dele, Charlotte se desvencilhou

do abraço íntimo, virou-se e encarou-o.

— Não sou Nancy.
Viu um brilho perigoso aparecer nos olhos, frios, quando a reco-

nheceu.

— Tinha me esquecido de você. Nancy não recebeu o meu recado? —

perguntou, dando um passo na direção dela que, instintivamente, recuou.

— Ela... ela não vem. Estou aqui para lhe dizer que Luke chega amanhã

da Inglaterra e que minha irmã não vai mais sair de iate com você. . . —
Parou de falar e deu alguns passos para trás, amedrontada porque ele
avançava para ela, com uma expressão ameaçadora.

— Não respondeu à minha pergunta: Nancy recebeu o meu recado?
— Ela... — Charlotte recuou mais um pouco. . . para o vazio.
Por um segundo seu corpo balançou na beira do cais, enquanto fazia

um esforço desesperado para manter o equilíbrio. Mas era tarde demais.
Seu pé de apoio não encontrou nada e caiu na água gelada. Sentiu que
afundava na escuridão, sem conseguir respirar, parecendo que seus pulmões
e tímpanos iam estourar. O vestido molhado e pesado se enroscava em suas
pernas, dificultando os movimentos. Era boa nadadora, mas o susto tirou
seus reflexos. Debateu-se, em pânico, e depois do que pareceram horas de
angústia voltou à superfície, meio cega e asfixiada.

— Charlie? — A voz de Burt vinha de muito longe. — Aguente firme,

vou jogar um salva-vidas.

— Está bem — gritou, o que foi uma tolice, porque engoliu água e

voltou a afundar.

Quando conseguiu subir novamente, praticamente sem fôlego nenhum,

percebeu que estava mais afastada do cais do que imaginava. Ouviu um
barulho ali perto. A bóia amarela, brilhante, caíra bem ao alcance da mão.
Agarrou-a e colocou-a em volta do peito.

— Charlie? — Burt chamou novamente. Era apenas uma silhueta

contra o céu escuro. — Está me ouvindo?

— Estou. Peguei o salva-vidas.
— Ótimo. Ele está preso a uma corda. Vou puxar. Pronta?
Quando chegou junto ao cais, ele se ajoelhou, segurou-a pelos ombros

e trouxe-a para cima com espantosa facilidade. Enrolou-a num cobertor
grosso e, antes que Charlotte percebesse o que estava acontecendo, pegou-
a no coío, levando-a para o iate.

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— Ponha-me no chão! — Sentia-se ridícula e indefesa, completa-

mente à mercê dele, e tremia de frio, susto e indignação. — Posso muito
bem andar.

— Burt ignorou o protesto dela. Atravessou o deck, desceu a escada

que levava à cabine e só a colocou no chão quando chegaram a uma espaçosa
sala.

— Ali é o banheiro — disse, apontando para uma porta estreita. — Vai

encontrar toalhas.

— Obrigada, mas. . .
— Vou providenciar roupas secas — continuou, sempre sem dar

atenção a ela, sério e impassível. Virou-se e abriu uma porta.

Charlotte pôde ver um corredor que, com certeza, levava às cabi-nes

na parte de trás do barco.

A água escorria de seu cabelo e vestido ensopados, formando poças

no carpete bege-claro. Era melhor seguir o conselho dele e mudar aquela
roupa, para não ficar doente. Além do mais, não poderia voltar para casa
naquele estado lastimável, Abriu a porta estreita. O banheiro era pequeno,
mas bastante confortável, com banheira, chuveiro e lavatório. Olhando-se
no espelho do armário, viu que a palidez deixava seu rosto mais fino e
triangular, os olhos azuis muito grandes.

Ia tirar o vestido quando Burt apareceu, trazendo uma calça jeans e

uma camiseta de marinheiro.

— Devem ficar muito largas em você, mas é melhor vestir isso do que

o que está usando agora.

Deu uma boa olhada nela, fazendo-a corar violentamente, porque o

algodão fino da roupa estava colado em seu corpo, revelando todas as
formas e o sombreado dos bicos dos seios.

— Embora você pareça uma trouxa de lavanderia, não há dúvida de

que é uma mulher — disse ele zombeteiro, e Charlotte instintivamente
cruzou os braços, protegendo o busto. — Tome um banho quente e se
enxugue bem. — Esticou-lhe as roupas.

Aceitou, deu um sorriso que julgou altivo, fechou a porta e teve o

cuidado de verificar se estava bem trancada. Sentia cheiro de óleo e peixe
no corpo todo. Tomou um banho bem demorado e lavou a cabeça. A camiseta
ficou tão grande que caía pelos ombros. A calça, apesar de muito comprida e
com uma cintura que dava duas dela, pôde ser arrumada, dobrando as pernas
e apertando o cinto de corda. O resultado final lhe pareceu grotesco, mas
toda aquela situação seria cômica. . . se não fosse trágica.

Na ânsia de fazer qualquer coisa para impedir que a irmã se metesse

em problemas e perdesse o marido, só tinha conseguido fazer papel de boba
diante do único homem na terra que não queria que a visse naquele estado

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Livros Florzinha - 24 -

em que se encontrava agora. Quem é que consegue manter a dignidade,
quando parece um espantalho?

Espremeu as roupas molhadas e enrolou-as junto com as sandálias. O

par mais confortável que tinha, feito sob medida, e agora duvidava de que
pudesse ser aproveitado. A noite toda tinha sido um completo desastre.

Saiu do banheiro e voltou para a sala. Nunca tinha estado num iate

tão grande e não fazia idéia de que pudesse ser tão luxuoso e completo.
Tinha todo o conforto de uma casa, tudo o que o dinheiro pode comprar;
tudo capaz de impressionar Nancy a ponto de convencê-la a sair para o mar,
coisa que sempre odiara. Devia ter grande autonomia, a julgar pelo possante
ronco do motor.

O motor! Por que estava funcionando? Charlotte correu para a

escada, percebendo, alarmada, que o barco se movia. Chegou ao convés com
o coração na garganta e um terrível pressentimento de que a noite
desastrosa estava longe de terminar. Burt não tirou os olhos do leme que
manobrava para olhar para ela. Já se afastavam do cais e podia ouvir o ruído
da água batendo dos lados do iate e na proa.

— O que está fazendo? — perguntou, olhando em volta.
— Aproveitando a maré alta — foi a resposta imperturbável. — Daqui

a pouco será difícil passar pela enseada sem bater nos bancos de corais.
Não temos a noite toda para sair daqui.

Sentiu um calafrio, e não foi por causa do vento frio da noite, foi puro

medo. Burt agia como se ela não existisse, concentrado no leme, na bússola e
na faixa de mar ã sua frente, prateada pelo luar.

— Não quero ir a lugar nenhum com você — Charlotte gritou, sem

saber mais o que fazer. — Não tem o direito de me manter a bordo contra a
vontade. Leve-me de volta para a marina, imediatamente. Está ouvindo?

Ele tirou os olhos rapidamente da bússola e lhe deu um olhar zom-

beteiro. Não disse nada e muito menos obedeceu. Voltou logo a atenção para
o painel de comando, onde uma luz vermelha estava acesa, dando uma
aparência diabólica ao rosto do homem.

O barco continuava a cortar a água, velozmente, rumo às duas bóias

que marcavam a saída da enseada. Mais adiante, era mar alto. Percebendo
que nada do que dissesse faria com que ele mudasse o rumo e voltasse para
a marina, Charlotte atirou longe o embrulho com suas roupas e sandálias e
agarrou o leme.

Com um empurrão violento, ele a jogou para o lado. Charlotte foi cair

junto da poltrona do comandante, machucando o braço.

— Sua maldita maluca! — Burt gritou. — Não está vendo que estamos

atravessando um canal estreito? Uma manobra mal-feita, e podemos nos
arrebentar nos corais.

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 25 -

— Você me machucou! — disse, mostrando a mancha vermelha no

braço. — Você me agrediu!

Ele deu outro rápido olhar, sem parecer nem um pouco preocupado, e

voltou à bússola. Charlotte teve a impressão de ver seus dentes brilharem
num sorriso, à luz do painel.

— Eu avisei que você ia se dar mal, se metesse o nariz na minha vida,

não avisei? — disse tranquilamente. — Essa marca no seu braço é só o
começo. Se não quiser se ferir novamente, fique fora do meu caminho, até
sairmos desta enseada infernal. Desça, leia um livro, durma, faça o que bem
entender, mas não interfira. E nunca mais.. . nunca mais se atreva a chegar
perto do leme, ouviu bem?

Mordendo o lábio, ela se sentou na poltrona do comando e ficou

olhando para a terra, que se distanciava. As luzes do hotel e dos bangalôs
não eram, agora, maiores do que as estrelas. Mesmo assim, ainda não
estavam longe demais da praia mais próxima, Valentine: poderia tentar
voltar a nado. A possibilidade de enfrentar o mar no escuro não a assustava.
O perigo maior eram os corais, mas preferia se arriscar nas pontas
cortantes dos recifes a enfrentar Deus sabe o que daquele homem sem
escrúpulos.

Se pulasse no mar estaria a salvo, pois ele não poderia manobrar ali

para buscá-la. Devagar e sem fazer barulho, aproximou-se da amurada. Já
estava se preparando para saltar, quando passaram pelas bóias. O barco fez
uma manobra e ganhou velocidade, saindo da enseada para mar aberto e
Charlotte viu sua chance de escapar desaparecer, junto com as luzes da ilha.
Agora, só havia escuridão à sua volta. Escuridão, vento e ondas altas. O
Albatroz

pareceu levantar vôo, rumo. . ..rumo.. .

— Onde vamos? — perguntou, numa voz sufocada.
— Talvez até Exumas — foi a resposta pouco esclarecedora.
— Onde fica isso?
— Rumo sudeste, logo depois que passarmos o centro de Nassau e

contornarmos a ilha do Paraíso. Então, poderemos seguir em velocidade de
cruzeiro, velejando.

— Se pensa que vou ajudar com as velas, está muito enganado.
— Nem precisa. Posso dar conta de tudo sozinho. As velas são

modernas. Içando a principal, as outras sobem em seguida, com a maior
facilidade.

— Tudo o que o dinheiro pode comprar — ela murmurou, por entre os

dentes. Depois, em voz alta: — Quanto tempo leva até Exumas?

— Toda a noite.
— E depois? — perguntou, desconfortável. O balanço do iate

estava embrulhando seu estômago.

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 26 -

— Depois, vamos nos divertir. Velejar, nadar, mergulhar, aproveitar

o sol.

Charlotte umedeceu os lábios e se debruçou na amurada. Agora

aproximavam-se da ilha do Paraíso, depois de passarem por um farol, e
avistavam as luzes do hotel, a maior atração turística da ilha.

— Por quanto tempo? — perguntou, sem olhar para ele.
— Uma semana, talvez mais. Depende de como vamos nos dar juntos

— piscou, com malícia.

— Mas não pode me obrigar a ficar tanto tempo com você! Meu pai

vai se preocupar. Ele não faz a menor idéia de onde estou. Ninguém sabia
onde eu ia.

— Nancy sabia, não é? Você disse que ela mandou me avisar que não

podia vir — falou lentamente, como se começasse a entender que Nancy
nunca recebera seu bilhete e, muito menos, mandara mensagem alguma. Fez
uma pequena pausa e, quando continuou, seu tom era cruel: — Ela vai
compreender que peguei você como substituta e tranquilizará seu pai. Vê
como é simples? — Sorriu, despreocupado. — Espero que você cozinhe
melhor do que sua irmã.

— Foi por isso que a convidou para este cruzeiro, para cozinhar para

você?

— Sabe que não. Pare de bancar a engraçadinha. Eu a chamei porque

ela queria vir. Praticamente, se convidou. — Charlotte sentiu que ele queria
feri-la, falando mal da irmã. — Bem, não preciso lhe dizer como Nancy é.
Você deixou bem claro que conhece melhor do que ninguém as fraquezas
dela. Por isso se meteu na nossa vida, não é? "Farei qualquer coisa para
defendê-la de gente como você, que quer arruinar o casamento dela com
Luke..." não foi o que disse? Ou qualquer coisa parecida. Já fez sua
"qualquer coisa", mocinha, e agora está na hora de aguentar as
consequências. — O olhar dele era cortante como uma lâmina afiada. — Você
não é tão bonita como Nancy, mas tem seus encantos. Imagino que ainda é
virgem, hein? Talvez, afinal de contas, eu tenha saído ganhando com a troca.
Sua companhia pode ser muito mais estimulante do que a dela.

— Não pode estar querendo insinuar que.. . não é nenhum animal

para... para... — Parou de repente, sentindo tanta náusea, que teve que
proteger a boca com as mãos.

— Para o quê? Seduzir você? Era o que ia dizer? Mas é claro que sou

— ele disse, sorrindo de um jeito ameaçador. — A não ser, é claro, que você
seja igual à sua irmã e queira cobrar um preço muito alto para me dar o que
quero.

— Ora, Nancy deixou você na mão, não foi? — Charlotte riu pela

primeira vez.

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 27 -

— O que quer dizer com "me deixou na mão"? — ele começava a ficar

realmente zangado.

— Nancy nunca conseguiu resistir: dá corda aos homens e depois tira

o corpo fora, no último minuto. — Deu uma gargalhada cheia de ironia. —
Como rimos, eu e ela, quando chegou o seu recado, convidando-a para este
passeio! Pensou que minha irmã tinha caído na sua conversa? Ela sabia, o
tempo todo, que você só queria se divertir. Sabia que, mesmo que não fosse
casada, você não é o tipo de homem que propõe casamento.

— Então você riu de mim, não é? — disse baixinho. — Não acredito

numa palavra do que está dizendo. Nancy nunca recebeu o meu bilhete. Você
o interceptou, sua maldita intrometida.

Charlotte não conseguiu responder logo. A náusea crescia dentro de

si. Só queria sumir dali, desaparecer, morrer. Fez um grande esforço para
falar:

— O que o faz pensar assim?
— Se Nancy tivesse recebido o meu bilhete e resolvido não vir, teria

mandado uma resposta pelo portador. Jamais mandaria você com um recado,
pois não queria que soubesse nada sobre... O que foi que houve? Está se
sentindo enjoada?

— Estou.
Enjoada era pouco. Sentia como se o oceano inteiro balançasse em seu

estômago e cabeça.

— O melhor a fazer é vomitar — ele disse, absolutamente insensível

a seu estado miserável. — No mar; não no convés.

Charlotte debruçou-se na amurada e deu vazão à náusea. Se pelo

menos aquele barco parasse de jogar! Se tivesse seguido o conselho do pai e
ficado afastada de Burt Sharaton... Se tivesse chegado em casa mais tarde
e nunca ficasse sabendo da existência do maldito bilhete. Oh, Deus! Era a
única culpada por tudo o que estava passando agora.

Acabou de vomitar e se deixou cair na primeira cadeira que encon-

trou. Tinha a impressão de que o motor fazia mais barulho e o barco corria e
balançava mais do que nunca. O vento soprava forte também, atravessando o
fino algodão da camiseta. Ouvindo um ruído diferente, olhou em volta,
assustada. A vela principal tinha sido içada e tremulava, ruidosamente. As
outras velas subiram logo, depois, e Burt manobrou o barco para aproveitar
o vento.

— Está se sentindo melhor?
— Não.
— Nunca tinha andado de barco antes?

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Livros Florzinha - 28 -

— Não num iate grande assim, nem em mar alto. — Sentiu-se

terrivelmente enjoada novamente e odiou aquele homem por estar ali, tão
calmo e bem-disposto, assistindo à sua humilhação.

— Desça e deite-se num dos beliches, mas não se esqueça de prender

o cinto de segurança. Está ventando forte e você se arrisca a cair da cama.
Se soubesse que não tinha experiência nesse tipo de viagem, teria lhe dado
uma pílula contra enjôo, mas agora é tarde demais.

Vencida pelo mal-estar e incapaz de protestar. Charlotte arrastou-se

pelo convés e desceu para a cabine. Na sala, copos e pratos batiam uns nos
outros dentro do aparador. Amparando-se nos móveis chumbados no chão,
atravessou aquela sala que dançava à sua volta e não teve ânimo para seguir
adiante. Deixou-se cair numa poltrona, procurou o cinto de segurança,
prendeu-o e fechou os olhos, mais morta do que viva.

Deitar não adiantou grande coisa. Quem podia descansar numa cama

que sobe e desce, joga para um lado e para o outro sem parar? Sentiu um
gosto ruim na boca e percebeu, desesperada, que ia enjoar de novo. Tentou
soltar o cinto, sem conseguir, por que estava nervosa demais, enquanto
tateava em volta, procurando alguma coisa, qualquer coisa onde pudesse
vomitar.

— É isso que quer?
Nem percebera que Burt tinha entrado na cabine. Ele lhe entregou um

saco plástico, do tipo que se usa em aviões.

— Obrigada — murmurou, e não pôde mais falar.
Minutos depois, quando se recuperou da náusea, deitou-se, exausta.

Burt devia ter saído e voltado, enquanto passara mal, por que agora usava
uma capa de borracha amarela. Pelo jeito, o tempo lá fora não era dos
melhores. Mesmo com as escotilhas fechadas, dava para ouvir claramente o
barulho das velas. Só faltava agora pegarem uma tempestade!

— Está chovendo? — perguntou, assustada.
— Não. Só vento foríe. Mas em alto-mar é assim mesmo. — Ele

parecia muito calmo, o que a tranquilizou.

Saiu da sala e pouco depois voltou com um travesseiro e um cobertor,

que deu a ela. Pela primeira vez, desde que o conhecera, não via arrogância e
aborrecimento em seu rosto.

— Você está verde, sabia? — disse, sorrindo. Mas não era por

simpatia. Na verdade, ria dela; divertia-se com seu sofrimento. — Desculpe
se não divido o travesseiro com você esta noite, mas haverá outras noites.

— Não, se eu puder evitar — murmurou e apertou os lábios com

força, porque a náusea estava de volta. Virou a cabeça para outro lado,
evitando o olhar dele. — Por favor, vá embora. Deixe-me sozinha. Odeio
você! É o homem mais mesquinho e detestável que já conheci!

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Livros Florzinha - 29 -

Para sua surpresa, ele não disse nada. Depois de alguns momentos,

ouviu o ruído da capa impermeável, quando Burt saiu da cabine. Fechou os
olhos, tentando ignorar o uivo do vento e o bater incessante das velas.
Acabou adormecendo, embalada pelo mesmo balanço do barco que tinha
embrulhado seu estômago tantas vezes antes.

Foram o silêncio c a quase total imobilidade do iate que a fizeram

despertar do sono profundo. Abriu os olhos, assustada sem se lembrar
imediatamente de onde estava. O sol entrava pela escotilha aberta. Tudo
estava calmo, e o melhor era que não se sentia mais doente. Ao contrário,
sentia-se ótima, descansada e pronta para tomar um bom café da manhã. De
preferência, com waffles, pensou, com água na boca. Waffles quentinhos e
dourados, cobertos com manteiga fresca e geléia.

Soltou o cinto e levantou-se. O saco de plástico que usara na noite

anterior havia desaparecido. Uma gentileza inesperada em Burt Sha-raton.
Mas, onde estaria ele? Dormindo em sua cabine na popa? Foi até lá, tomando
cuidado para não fazer barulho: a porta estava aberta e não havia ninguém
no beliche duplo.

Seguiu até o convés, pelo corredor estreito, e encontrou-o deitado ao

sol numa espreguiçadeira, ainda vestindo a capa amarela e parecendo
profundamente adormecido.

Charlotte olhou em volta. Estavam ancorados numa pequena baía em

forma de meia-lua. A areia da praia brilhava feito ouro e, mais ao fundo, os
coqueiros se recortavam contra o céu muito azul. Era uma ilha e parecia
deserta, cercada por quilómetros e quilómetros de mar calmo, verde-
azulado. . . e vazio.

Inquieta, olhou para a ilha novamente, procurando algum sinal de que

não estava completamente sozinha ali com Burt Sharaton. Além das árvores,
teve a impressão de ver. . . seria uma casa? Seu olhar foi então para o
homem na espreguiçadeira. Estaria mesmo dormindo profundamente? O
bastante para não acordar, se ela nadasse até a casa para pedir ajuda?

Estudou o rosto queimado de sol, a barba por fazer, o cabelo caído na

testa. Parecia descansado, quase feliz em seu sono tranquilo, em paz consigo
mesmo e com o resto do mundo.

Aproximou-se e soprou com cuidado em seu rosto, um truque que

usava com Nancy, para ter certeza se estava dormindo ou se fingia. Nada
aconteceu. Soprou mais forte. Ele piscou, passou a mão no rosto e virou-se
para o outro lado, mas não acordou.

Chartotte desceu novamente e foi até o banheiro. Não seria nada

fácil nadar com a larga calça que usava, mas não encontrou outra coisa para
vestir e não podia perder tempo procurando. Resignada, voltou para o
convés.

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Livros Florzinha - 30 -

A água ali era tão transparente que, ao sol, dava para ver as for-

mações de coral na areia do fundo. Calculou que a praia ficava a mais ou
menos quinhentos metros de distância. Com aquele tempo maravilhoso e o
mar tão calmo, poderia nadar facilmente aquela

distância.
Ouviu um ruído atrás de si, que bem podia ser o da capa que Burt

usava. Não teve coragem de se virar para descobrir. Rapidamente, passou as
pernas sobre a amurada e mergulhou.

A água estava fria, mas gostosa. Deu largas braçadas, saboreando a

sensação de nadar naquele mar cristalino, numa manhã gloriosa, cm direção a
uma linda ilha tropical.

Mas a alegria durou pouco. Tinha calculado mal e a praia ficava bem

mais longe do que imaginava. Precisou boiar um pouco para recuperar o
fôlego e perdeu um tempo precioso. Um bote do iate aproximava-se. Podia
ver o cabelo dourado de Burt brilhando ao sol e até os músculos de seu peito
nu saltando sob a pele bronzeada, conforme ele remava,

Voltou a nadar o mais depressa que podia, mas foi alcançada pouco

depois, o que só não a deixou completamente frustrada porque começava a
perder as forças. Boiou outra vez e viu Burt se inclinar para ela, mas sem
fazer menção de tirá-la da água.

— Onde pensa que vai? — ele perguntou, muito calmo.
— Para a ilha.
— Ótimo. Espero você lá — foi a resposta surpreendente. Continuou

remando, deixando-a para trás.

O que fazer agora? Se nadasse para a praia, ele com certeza a im-

pediria de pedir ajuda. Voltar para o iate? Olhou para trás e ficou surpresa
ao perceber que tinha se afastado tanto. Estava fraca e não tinha certeza
de conseguir chegar até lá. Depois, de que adiantaria, se não sabia manobrar
os comandos? A praia, além de ficar mais perto, seria um lugar mais seguro,
pois não ficaria sozinha com Burt. O jeito era seguir em frente, maldizendo
aquele homem que sempre a deixava em desvantagem.

Não havia sinal dele, quando finalmente chegou à areia quente. O

bote, ao contrário, estava bem â vista, junto de umas pedras, e ficou
tentada a fugir nele; quem sabe conseguiria dar a volta à ilha, à procura de
ajuda. Mas era um plano impraticável, porque os remos tinham desaparecido.
O bandido pensava em tudo!

Caminhou em direção à casa, machucando os pés nos pedacinhos de

coral misturados ã areia. Cada passo era doloroso, mas o que mais a
preocupava era não ouvir nenhum barulho, além das ondas arrebentando
contra as rochas. Nada indicava a presença de outras pessoas. Seu
desapontamento aumentou, ao perceber que nem mesmo uma casa de

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
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Livros Florzinha - 31 -

verdade havia ali. A construção não passava de uma cabana feita de troncos,
coberta com folhas de palmeira.

A porta estava aberta. Entrou numa sala em ruínas. Ninguém morava

ali há muito tempo, Parte da cobertura havia caído e o chão estava
atapetado de folhas secas, areia e galhos. Não encontraria nenhuma ajuda
naquele lugar. A ilha era deserta.

— O que esperava achar num lugar tão afastado da civilização? —

Burt perguntou, atrás dela.

Virou-se, pronta para dizer uns desaforos, mas ao vê-lo tão forte, tão

louro e tão poderoso, a imagem de um deus grego lhe veio à cabeça e abalou
sua coragem.

— Pensei que aqui morasse alguém que pudesse me ajudar —

confessou, contra a vontade.

Ele franziu as sobrancelhas.
— Precisa de ajuda?
— Preciso. . . para fugir de você. E estou muito preocupada com

papai. Ele deve estar louco, sem saber o que me aconteceu.

— Ele sabe. Ontem à noite, entrei em contato pelo VHF com o

operador da marina e pedi que avisasse a Grant que você estava num
cruzeiro e ficaria fora durante alguns dias.

— VHF?
— Um rádio de alta frequência. Tenho um a bordo.
— Então, posso falar com meu pai?
— Não daqui. O rádio funciona até uns vinte e cinco, trinta quiló-

metros do receptor, e estamos bem mais longe do que isso. Portanto, pode
tirar da cabeça a idéia tola de pedir ajuda. Vai ficar comigo o tempo que eu
quiser, substituindo Nancy.

— E se eu me recusar? — ela o enfrentou, cabeça erguida. Mas

quando ele se aproximou, começou a recuar, tendo o cuidado de olhar para
onde pisava, pois nunca esqueceria a humilhação que passara na última vez
cm que tinha tentado fugir dele.

Burt sorriu com insolência e ela sentiu o rosto pegar fogo de raiva e

vergonha: mais uma vez, estava exposta ao olhar dele, com a roupa molhada
grudada no corpo.

— Se você se recusar — disse lentamente —, seu pai provavelmente

perderá o emprego.

— Mandaria despedi-lo só para se vingar de mim?
— Não apenas despedir, como processar.
— Mas. . . mas por quê? O que foi que ele fez?

É

um gerente bastante ineficiente.

— Isso não é crime.

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Livros Florzinha - 32 -

— É, quando dá prejuízo ao patrão.
— Não entendo — ela murmurou. Mas, no fundo, entendia muito bem

e estava apavorada.

— Alguém anda desviando dinheiro do hotel. E você sabe que seu pai

esteve metido em problemas desse tipo no úitimo emprego que teve. Foi
demitido por isso.

— Eram apenas suspeitas. Os donos do Aquarius não conseguiram

provar nada contra ele.

— Provar, não. Mas as investigações mostraram claramente que era o

único empregado que podia ter dado o desfalque. E tinha motivos para fazer
isso também.

— Eu sei. — Ela balançou a cabeça, com tristeza. — Por causa de

mamãe. Ela ficou doente, logo depois que chegaram a essas ilhas, e precisou
ser internada numa clínica nos Estados Unidos. Ficou lá muito tempo e os
gastos com o tratamento eram enormes. Papai tentou arranjar dinheiro
apostando no cassino, mas tudo o que conseguiu foi ficar ainda mais
endividado.. .

— Sei disso! — Burt interrompeu com frieza. — Grant contou essa

história toda para a minha mãe, para que ela lhe desse um emprego. Chegou
até a fazer chantagem emocional, lembrando os velhos tempos, quando os
dois viviam na mesma cidade na Inglaterra.

— Não era história nenhuma, nem chantagem: era a verdade. — Os

olhos de Charlotte brilhavam de indignação. — Mas não espero que alguém
como você compreenda. Não sabe o que é ver uma pessoa amada ficar muito
doente e não ter como pagar o tratamento de que precisa. Você sempre
nadou em dinheiro. Não sabe o que é ser usado e humilhado pelos poderosos,
porque é um desses poderosos que manipulam as pessoas. Como está fazendo
comigo, agora.

— Tem toda razão: sou mesmo. Mas não pode se queixar. Avisei que ia

se dar mal, se metesse o nariz onde não era chamada. Você não me deu
atenção, Está colhendo o que plantou. Podia estar em casa, tranquila, porque
era Nancy quem eu queria trazer nesta viagem. Mas, não: tinha que
interferir, fazer seu joguinho idiota. Acontece que quem dá as cartas por
aqui sou eu. Ou se torna minha amante, ou seu pai vai para a cadeia.

— Não pode estar falando sério.
Mas sabia que estava, e ela não via jeito de fugir da armadilha.

Engoliu em seco e tentou conseguir, pelo menos, uma pequena vitória.

— Se... se concordar com sua proposta, vai deixar meu pai em paz,

trabalhando no hotel?

— Tem minha palavra.

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Livros Florzinha - 33 -

Não conseguiu sentir nenhum alívio com a promessa. Ao contrário,

começou a entrar em pânico.

— Não, não posso fazer uma coisa dessas. Não posso! Nem sequer

gosto de você o bastante. . .

Burt se aproximava, sem dar a menor atenção. Desesperada, saiu

correndo, como se fugisse do próprio diabo.

Tropeçou várias vezes, quase caiu, mas não parou de correr, até

chegar ã praia. A areia, agora escaldante, queimava seus pés. Olhando por
cima do ombro, viu que Burt a seguia, mas sem pressa. Andava quase como se
passeasse, com as mãos nos bolsos do short, como se tivesse todo o tempo
do mundo.

E tinha mesmo. De que adiantava correr feito uma louca, se não havia

lugar algum para onde fugir? Nenhum esconderijo seguro em toda a ilha.
Estava presa numa armadilha que ela mesma armara, ajudada pela
irresponsabilidade de Nancy e do pai. E sabia que ia pagar caro por seguir
seus impulsos sem pensar duas vezes e pela tola mania de se preocupar mais
com os outros do que com a própria vida. Por que precisava se meter a anjo
da guarda da irmã mais velha?

Mas agora era tarde para se arrepender. A situação tinha chegado

longe demais, num ponto perigoso, de onde não havia volta. A prisão seria a
morte do pai. Será que Nancy sabia disso? Será que Burt Sharaton não
tinha feito aquela chantagem com ela também?

Parou de correr e, quando chegou onde estava o bote, Burt alcançou-

a. Pegou os remos que estavam escondidos atrás de uma palmeira e
perguntou:

— Por que fugiu daquele jeito? O que pensou que eu ia fazer?
— Sabe o que pensei — respondeu, encarando-o e descobrindo,

mortificada, que ele ria.

— Mas o lugar e a hora estão errados. A sedução tem que dar prazer

não só ao sedutor como ao seduzido. Não deve haver pressa. Não conheço
você muito bem — disse, chegando tão perto que ela sentiu seu hálito morno
no rosto —, e preciso saber primeiro o que sabe ou não sabe a respeito de
fazer amor. Meu palpite é que não sabe quase nada.

— Fazer amor? — Suas pernas tremiam tanto, que pensou que ia cair.

— Não há nada de amor no que está pretendendo fazer comigo ou com
Nancy. Não a ama e não me ama. Na verdade, ficaria muito surpreso se
descobrisse que é capaz de amar alguém mais, além de você mesmo. Prazer.
. . é só nisso que está interessado. Agora, deixe-me em paz.

Chutou a perna dele, mas só conseguiu machucar o próprio pé. Furiosa

e humilhada, esbofeteou-o e saiu correndo novamente. Mas não foi muito
longe. Mãos poderosas a agarraram pela cintura e jogaram no chão. Depois,

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Livros Florzinha - 34 -

ele se deitou sobre ela, prendendo-a com o peso do corpo e segurando seus
braços. Ficaram parados, ofegantes, se encarando.

— Animal! — Charlotte cuspiu a palavra.
— Gata brava! — murmurou, por entre os dentes.
— Largue-me! — Ela começou a se debater.
— Não, até pagar pelo que fez. Não gosto de ser chutado e esbo-

feteado. — O brilho de seus olhos era assustador.

— E eu não gosto de ser usada feito um brinquedo. Não sou pro-

priedade sua.

— Ainda não. Mas vai ser, se realmente se preocupa com o que possa

acontecer a seu pai.

Tarde demais, ela tentou virar a cabeça. Os lábios dele desceram

sobre os dela e o corpo musculoso apertou-a mais contra a areia quente. Era
impossível escapar.

Para sua surpresa, não foi um beijo violento. Os lábios que tomaram os

dela e percorreram seu rosto e pescoço moviam-se quase com carinho. Burt
soltou um de seus pulsos e, com a ponta dos dedos, acariciou os lábios
trêmulos.

— Você tem uma boca muito gostosa. Quente, úmida e inocente. Vai

ser bastante excitante ensiná-la a responder com paixão.

— Nunca. Nunca vou corresponder aos seus beijos.
— Não? — Os olhos verdes zombavam dela. — Vamos ver isso agora

mesmo.

Segurou o rosto de Charlotte entre as mãos, puxando-o para trás, de

modo que ela abriu os lábios involuntariamente. A expressão de desejo dele
despertou nela sensações violentas e primitivas. Começou a respirar com
dificuldade, sentindo uma vontade louca que Burt tocasse seu corpo.
Alarmada com aquela reação que não conseguia controlar, fechou os olhos
para fugir do olhar selvagem que parecia hipnotizá-la. Mas não pôde escapar
dos beijos.

Tentou resistir. Então, lembrou-se do pai. Para o bem dele, precisava

corresponder de alguma forma. Devagar, contrariando tudo em que
acreditava sobre o amor, entregou os lábios à boca faminta daquele homem.
Imediatamente, sensações fortes e desconhecidas tomaram conta dela.
Estava perdida, completamente dominada pela força e pela vontade de Burt
Sharaton, e não havia nada que pudesse fazer. Depois que beijou Charlotte
até deixá-la sem fôlego, ele rolou para o lado e se levantou.

— Está na hora do café da manhã — anunciou friamente e entrou no

bote.

Charlotte continuou deitada, com o braço dobrado sobre os olhos.

Aparentemente, para se proteger do sol forte. Mas, na verdade, para

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Livros Florzinha - 35 -

esconder as lágrimas. Burt apenas a beijara; só que o jeito como a
submeteu, com violência e contra a vontade, fazia com que se sentisse
violentada. Tinha feito uma coisa que nunca imaginou que homem nenhum
seria capaz de fazer com ela. Tomara algo que não queria dar, sem se
importar com seus sentimentos. Nunca o perdoaria. Nunca!



CAPITULO III



Nenhum dos dois falou durante a volta para o iate. O único ruído era o

dos remos na água. Sentada na popa. Charlotte não tirava os olhos das
costas musculosas de Burt, odiando-o e tentando, desespe-radamente,
encontrar uma maneira de fugir de seu destino.

Aproximaram-se do Albatroz. Tudo era calmo c silencioso à sua volta.

Estavam sozinhos, muito longe de qualquer lugar; tão longe que era como se
o resto do mundo não existisse. Como se fossem o único homem e a única
mulher vivos na face da terra. Adão e Eva num paraíso tropical. Só que, para
ela, aquilo era o começo do inferno. Quis pular na água e nadar, nadar,
nadar, até perder as forças e se afogar.

— Fique quieta aí atrás. — A voz dele era cortante feito aço. — Será

que não pode parar de se mexer? Quietinha e sentada bem no meio do bote,
senão acabamos virando.

Engoliu a raiva. De nada adiantava discutir com ele. Quanto mais o

irritasse, mais violento podia se tornar. Além do mais, sua resistência
parecia excitá-lo.

Quanto tempo ele a manteria prisioneira ali? Provavelmente, não a

deixaria ir, enquanto achasse sua companhia estimulante. Sentiu o rosto
pegar fogo. Não era tão ingénua que não compreendesse o que Burt estava
planejando. Para um homem como ele, talvez já cansado de mulheres
experientes, despertar a sensualidade de uma virgem devia ser um desafio
excitante.

Apertou as mãos junto ao peito, em desespero, ao imaginar o que a

esperava. Como poderia evitá-lo, presa no espaço limitado de um iate, em
pleno oceano? Precisava descobrir um modo de escapar, antes de se
submeter à suprema humilhação de perder a cabeça e se deixar dominar
polo desejo que ele sabia tão bem despertar em seu corpo.

O bote bateu de lado no Albatroz, despertando-a de seu devaneio.

Burt largou os remos e pegou a escada de corda presa na amurada. — Suba.

Charlotte obedeceu e foi direto para a cabine. Entrou no pequeno

banheiro, fechou a porta e trancou. Ali, pelo menos, ficaria a salvo. Tirou a
roupa molhada e suja de areia, secou-se e parou diante do espelho. A marca

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 36 -

muito branca do biquini na pele bronzeada destacava o contorno dos seios e
os bicos rosados.

Estremeceu. Por que estava observando o próprio corpo com tanta

atenção? O que esperava encontrar? A marca das mãos, dos lábios e do
corpo de Burt? Sentiu um nó na garganta e lavou, furiosamente, os braços, o
rosto e o pescoço, todos os lugares onde ele havia tocado.

O que vestiria agora? Onde estava seu vestido? Na última vez que o

vira estava no convés, onde o jogara. Precisava encontrá-lo, mas não podia
andar pelo barco sem usar nada. Enrolou-se na maior toalha que encontrou e
saiu cautelosamente do banheiro.

Da popa, vinha um cheiro delicioso de bacon frito. Estava faminta.

Infelizmente, também estava praticamente nua. Não achou o vestido na
sala. Voltou pelo corredor e olhou nas cabines, Nada. A última porta era a da
pequena cozinha. Burt estava lá, acabando de preparar o bacon.

— Sabe o que aconteceu com o vestido que eu estava usando ontem?
Ele se virou e olhou demoradamente para seus ombros e pernas nus,

ames de responder:

— Pendurei para secar lá fora.
— Obrigada.
Tinha decidido ser educada, mas completamente fria. Falaria apenas

quando fosse necessário ou quando ele falasse com ela. Ia mostrar que
companhia pouco estimulante e aborrecida podia ser. Logo, ele estaria tão
louco para levá-la de volta como estava para voltar.

Encontrou o vestido seco, voltou para o banheiro e colocou-o. Aquele

vestido tomara-que-caia, de saia rodada, não era muito próprio para andar
num iate, mas preferia sua própria roupa às calças largas de Burt. Não
queria aceitar nada dele. Não, o que pudesse evitar.

Depois de vestida, abriu o pequeno armário da parede, procurando um

pente. As prateleiras estavam cheias de produtos, na maioria masculinos:
cremes de barbear, loções após a barba, talco. Havia também remédios,
bronzeadores e alguns produtos femininos, inclusive

perfumes, o que provava que muitas outras mulheres tinham estado
a bordo antes dela.
Penteou-se, imaginando o que fazer para manter Burt a distância.

Usar um vestido seria útil, porque ele não poderia pedir que o ajudasse com
o barco. De qualquer maneira, recusaria fosse o que fosse que lhe pedisse.
Jamais admitiria que ele dava as ordens por ali, jamais obedeceria. Se o
fizesse, é claro que Burt tiraria vantagem da situa- cão. Não podia nem
devia demonstrar nenhum sinal de fraqueza.

Encontrou batom. A cor era familiar: o vermelho vivo que Nancy
costumava usar. Experimentou e ficou olhando o efeito, tão distraída

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
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Livros Florzinha - 37 -

que leve um sobressalto quando ouviu batidas na porta. O batom
caiu de sua mão, derrubou um vidrinho de perfume, que caiu num
pote de creme, e tudo foi parar dentro da pia.
— O café está pronto e servido! — Burt chamou. Charlotte guardou as

coisas rapidamente no armário, virou-se para a porta e teve uma idéia
repentina: e se ela se recusasse a comer? E se fizesse greve de fome, como
outros prisioneiros faziam para chamar a atenção para sua situação
precária? Podia ficar ali, trancada, e dizer a Burt que não sairia nem
comeria nada, enquanto ele não a levasse de volta para casa.

Mas estava faminta demais para começar uma greve de fome agora.

Melhor comer para se sentir mais forte. Depois então, se todo o resto
falhasse, colocaria em prática seu plano, preparada para levar a coisa às
últimas consequências.

Foi uma sábia decisão, porque o café da manhã estava uma delícia.

Além de bacon, havia panquecas — a melhor coisa em sua opinião, depois de
wafftes

— de massa fininha, que desmanchava na boca.

Burt não precisava dela, nem de Nancy, nem de ninguém para

cozinhar, se aquilo era uma amostra de suas habilidades. Olhou para ele,
cheia de suspeita. Duvidava de que precisasse de alguma mulher para
qualquer coisa. . . a não ser, o óbvio.

Seus olhares se encontraram. Sem uma palavra, ele se levantou, saiu

da sala e voltou, pouco depois, com uma caixa de papelão. Afastou as xícaras
de café e colocou a caixa em cima da mesa.

— Deve haver alguma coisa aí que você possa usar.
— De quem são? — perguntou, pegando um biquini preto.
— Não tenho certeza. Acho que de minha prima Bernice. Ela passou a

lua-de-mel a bordo e esqueceu uma porção de coisas por aí. Mas também
podem ser de Nancy, que fez uma viagem conosco, há umas duas semanas.

— Conosco?
— Stacey, Clarke e eu. Stacey é minha irmã, e Clarke, o marido dela,

se é que está interessada. Um biquini é mais confortável para usar a bordo,
durante o dia, do que esse vestido.

— Não vou usar isso — disse, desafiadora.
— Problema seu — ele respondeu, com um dar de ombros indiferente.

— Vou limpar o convés agora — acrescentou, colocando os pratos sujos na
pia, antes de sair.

Deve estar esperando que eu lave a louça, tire a mesa e guarde tudo,

pensou Charlotte. Pois se enganava redondamente. Não levantaria um dedo
para ajudar em nada, enquanto estivesse no iate. Não faria absolutamente
nada. . . a não ser, deitar e ler um livro.

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
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Livros Florzinha - 38 -

Escolheu um romance na prateleira e subiu para o convés. A cobertura

de vinil da espreguiçadeira estava tão quente, que teve dificuldade para se
deitar, sem queimar as pernas e as costas. Acomodou-se com cuidado, abriu
o livro e começou a ler, sem se preocupar com o sol forte, porque soprava
uma brisa agradável.

Depois de algumas páginas, descobriu que o livro não era tão

interessante como parecia. Colocou-o de lado e virou-se, para ver o que Burt
estava fazendo. Usando uma camisa de mangas compridas e chapéu de palha,
ele escovava vigorosamente o convés.

Por algum tempo, ficou olhando-o trabalhar, sem que ele percebesse.

Nunca pensou que o arrogante e todo-poderoso Burt Sharaton se
rebaixasse a fazer serviços como aquele. Ou, mesmo, preparar a própria
comida. Sabia que ele empregava um rapaz nativo para cuidar do iate na
marina de Long Cay, mas certamente não o trouxera porque esperava
seduzir Nancy durante aquela viagem.

Virou-se novamente para o sol e pegou o livro, mas não conseguiu

presiar atenção em uma única palavra do que lia. Imaginava o que teria
acontecido, se a irmã tivesse vindo com ele. Apesar de Nancy se dizer
resolvida a só ceder em troca de uma aliança, tinha certeza de que não
resistiria à tentação do homem e daquele lugar lindo.

Ele devia pensar que ela era igual, vaidosa e pronta a aceitar as

atenções que estivesse disposto a lhe dar. Bem, tinha começado a descobrir
como duas irmãs podem ser diferentes. E ainda teria muitas surpresas.
Saberia, por experiência própria, que Charlotte Mason não se submetia a
homem nenhum, por mais atraente que fosse. Olhou para ele, que continuava
o trabalho, indiferente à presença dela, mas desviou o olhar rapidamente.
Tinha que admitir que era, fisicamente, tudo com que sempre sonhara.

Ele se aproximou e Charlotte fingiu interesse pela leitura. Mas não

conseguiu, porque não tinha vontade de ler e porque o calor se tornava mais
insuportável a cada minuto. Começou a procurar um lugar onde houvesse
sombra.

— Por que não usa isto? — Burt disse atrás dela e, antes que tivesse

tempo de responder ou mesmo ver do que se tratava, ele colocou um chapéu
de palha em sua cabeça. — Agora, vire-se de lado para mim.

— Para quê?
— Para passar bronzeador nas suas costas e nos ombros. Se não se

proteger, daqui a pouco estará toda queimada. E devia usar óculos escuros
também.

— Eu mesma passo o bronzeador — disse, tirando o vidro da mão

dele.

— Não pode passar nas costas. Vire-se.

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
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Livros Florzinha - 39 -

— Não!
— Está bem. Pode ficar assim mesmo, então.
Pegou novamente o vidro, derramou uma boa quantidade de óleo na

palma da mão e aplicou nos ombros dela. Charlotte estremeceu e se sentou,
toda ereta, sentindo a mão dele descer por suas costas.

Aos poucos, a pressão se tornou mais insistente, carinhosa e íntima,

dando-lhe calafrios. Virou-se. Burt estava tão perto, que os rostos dos dois
quase se tocavam. Os olhos verdes eram insinuantes e convidativos.

— Agora, vire-se de frente — ele murmurou, colocando um pouco

mais de óleo na mão.

— Faço isso sozinha.
Tentou apanhar o vidro, mas Burt escondeu-o atrás das costas, ao

mesmo tempo em que começava a passar o bronzeador em seu pescoço, indo
até o decote, numa massagem sensual que a deixou tensa. Agarrando-se nos
braços da espreguiçadeira, Charlotte tentou esconder o efeito que aquilo
provocava nela.

Burt afastou-se e ela relaxou, pensando que ia deixá-la em paz.

quando sentiu a mão dele, mais atrevida ainda, escorregar para den-tro do
decote, entre os seios. Tentou desesperadamente ficar fria como uma
pedra de gelo. Uma reação, uma resposta de qualquer tipo.. . é isso o que
quer conseguir de mim, disse a si mesma, apertando os lábios. Então,
tentaria vencer sua resistência, como tinha feito na praia. A todo custo,
precisava ficar imóvel e silenciosa, fingindo indiferença.

Ele passou a língua no pescoço dela e beijou-lhe a nuca, puxando-a

pela cintura. Todo os músculos de Charlotte se contraíram e ela prendeu a
respiração. Então, de repente, ele se levantou, sorriu, zombando da aflição
dela, e afastou-se na direção da cabine da popa.

Com as mãos trêmulas, acabou de passar a loção, tirou as almofadas

da espreguiçadeira e levou-as para a parte da frente do barco. Acabara de
se deitar de bruços, quando ouviu passos que se aproximavam no chão de
madeira.

— Quer ir mergulhar? — Burt perguntou.
— Não, obrigada.
Recuse, recuse tudo o que ele sugerir, repetiu a si mesma. Mesmo que

seja uma coisa que adore, como mergulhar naquele mar maravilhoso e nadar
entre o jardim de corais no fundo.

— É uma pena, você ia gostar. — Ele não pareceu impressionado com a

recusa. — Os corais lá embaixo são lindíssimos, e há uma quantidade incrível
de peixes. Podíamos pegar alguns para o jantar. Ou, então, mariscos.

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Livros Florzinha - 40 -

Era o tipo de programa que daria a vida para fazer numa manhã divina

como aquela. Mas... companhia errada. Tinha vontade de gritar, mas se
controlou e falou, o mais calma e friamente que pôde:

— Não quero ir com você.
— Porque não quer vestir um biquini que pertence a outra mulher? —

Não.

— Má-criação?
— Por que eu faria isso?
— A maioria das crianças faz, quando não recebe toda a atenção ou

não ganha o que quer.

— Não sou criança.
— Então, pare de se comportar como se fosse. Relaxe e divirta-se.

Anda, vamos mergulhar.

— Não.
— Tem medo?
— De mergulhar?
— Não. De mim.
Irritada, Charlotte levantou a cabeça para encará-lo e. no mesmo

instante, desejou não ter feito isso, porque ele estava ajoelhado jun-tinho
dela, apenas de calção, perturbador como nunca. Sentiu o coração acelerar e
um desejo enorme de acariciar aqueles cabelos claros, o peito forte, os
lábios que sorriam, irônicos. Deus! Nunca um homem havia despertado
tantas sensações violentas em seu corpo.

Rolou para o lado e sentou-se, abraçando os joelhos e deitando a

cabeça neles. Não queria mais olhar para Burt. Tinha medo de sua presença
e do jeito como a deixava descontrolada, como se fosse uma outra mulher.

— Então, tem medo?
— Não, não tenho.
— Neste caso, por que não faz o que quer fazer?
— O que quero fazer? — repetiu, assustada, pensando na vontade

desesperada que sentira de tocá-lo. — O que acha que eu quero? —
perguntou, com o olhar perdido no mar.

— Quer ficar comigo, tocar em mim.
— Está louco! — gritou, sentindo o sangue gelar. Será que sua

fraqueza era tão evidente assim? — Você é mesmo um sujeito muito
pretensioso, para pensar uma coisa dessas.

Sentou-se ao lado dela e pegou sua mão.
— Não há nada de que se envergonhar. Uma troca de carinhos entre

duas pessoas que se sentem atraídas uma pela outra é uma maneira muito
natural de expressar essa atração. Deixe-me mostrar como se faz.

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Livros Florzinha - 41 -

— Não! — Puxou a mão com violência. — Não sinto atração nenhuma

por você. Eu o odeio!

Levantou-se e correu pelo convés, mas não conseguiu se livrar dele,

porque Burt a seguiu, segurou seus ombros e forçou-a a se virar para ele.

— O que é que há com você? Foi ferida por algum homem? Por isso se

tornou tão gelada?

— Ora, você bem que gostaria que fosse assim, não é? Se uma mulher

não se sente atraída e não quer que você a toque, só pode ser frígida! —
Libertou-se das mãos dele, sentindo-se mais segura de si. — Não está
acostumado a ser recusado, hein, sr. Burt Sharaton? Por isso, quando uma
coisa assim acontece, é porque deve haver algo de errado com a mulher. Pois
está redondamente enganado. Nenhum homem me feriu. Acontece,
simplesmente, que não sou igual a Nancy e às outras que correm atrás de
você. Não quero tocá-lo e também não quero que me toque, entendeu bem?
Mesmo sendo um homem tão rico. Mesmo tendo o futuro de meu pai nas
mãos. Nenhuma chantagem vai me obrigar a fazer amor com você. Por falar
nisso, já imaginou o que as pessoas diriam, se soubessem que o irresistível
Burt Sharaton precisou usar um golpe baixo desses para possuir uma
mulher?

Deu as costas e afastou-se. Precisava sair daquele sol abrasador que

enfraquecia sua resistência. Isso era o que estava errado com ela: tanto
mar, tanto céu, tanto sol excitavam suas emoções, tornando-a sensível
demais. O que era um perigo para qualquer garota, sozinha num barco com
um homem igual a Burt Sharaton.

Entrou na cabine de comando e Burt seguiu-a. Olhando em volta,

descobriu uma caixa de ferramentas e pegou uma pesada chave de fenda, no
momento exato em que ele avançou para ela.

— Se me tocar novamente, se chegar só um pouquinho mais perto,

arrebento sua cabeça com isto.

Burt parou com as mãos na cintura, encarando-a. Aos poucos, sua

expressão séria se transformou num sorriso.

— É, estou vendo que é mesmo muito diferente de Nancy. Ela nunca

pensaria em resistir aos meus carinhos e, certamente, não teria imaginação
para fazer uma cena dessas. — Estendeu a mão. — Dê-me isso aqui.

— Não. Pode pensar o que quiser, mas se tentar se aproximar ou me

desarmar, vai se arrepender. Juro que vai.

— Não acredito que tenha coragem, mas vou descobrir logo — disse,

aproximando-se lentamente. — Sabe, boneca, estou com muita vontade de
beijar você outra vez.

De repente, saltou sobre ela, tentando desarmá-la. Charlotle levantou

os braços e recuou, batendo de encontro ao consolo do leme e da bússola.

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Livros Florzinha - 42 -

Perdeu o equilíbrio e cambaleou. A chave de fenda escorregou de seus
dedos e atingiu o lado da cabeça de Burt, antes de cair no chão. Ele levou a
mão ao local da batida e o sangue apareceu entre seus dedos.

Por um terrível momento, Charlotte ficou paralisada. Então, vendo que

ele estava prestes a cair, correu para ampará-lo.

— Por favor, não desmaie — implorou tolamente. — Desculpe, não foi

de propósito.

Burt estava pálido, os olhos fechados, e um fio de sangue corria no

ferimento na têmpora.

Burt, o que devo fazer? — murmurou, abraçando-o com força.

— Pelo amor de Deus, me diga!
— Fique só me amparando assim, enquanto me recupero. O ferimento

é muito profundo?

— Acho que precisa dar pontos. Temos que pedir ajuda. Se me

ensinar a usar o VHF, posso tentar entrar em contato com a patrulha
costeira e pedir que mandem um médico.

— Não vamos chamar ajuda nenhuma. — Empurrou-a. — Vou ao

banheiro, dar uma olhada no estrago que você fez.

Seguiu-o e ficou parada na porta, enquanto ele examinava o ferimento

no espelho.

— Vou sobreviver, sem pontos e sem médico — disse com frieza.
— Só é preciso lavar, desinfetar e colocar um curativo. A caixa de

primeiros socorros está no armário da sala. Na prateleira do lado direito.

Burt sentou-se no sofá e lhe ensinou o que fazer. Pouco depois, ela

cobria o ferimento com gaze esterilizada.

— Continua sangrando? — ele perguntou.
— Não. Está sentindo alguma coisa?
— O local lateja um pouco e minha cabeça está começando a doer.
— Então, deite-se e descanse. Não quer tomar uma aspirina? Ele fez

que sim e engoliu três pílulas.

— Vai ficar com uma cicatriz feia, se não der pontos. — Olhou para

ele, ansiosa.

— Será alguma coisa para me lembrar de você. — Esticou-se no sofá

e ainda conseguiu sorrir. — Uma lembrança de um excitante cruzeiro com
uma gata selvagem.

— Estou me sentindo péssima por causa disso, mas a culpa foi sua. Se

não fosse tão teimoso e me deixasse em paz, nada teria acontecido.

— Se quer fazer o joguinho do "se", jogue direito. Nada teria

acontecido, "se você" não se metesse na minha vida e não me deixasse tão
furioso ontem à noite. — Fez uma careta. — Soube quem você era no

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
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Livros Florzinha - 43 -

momento em que a vi: a srta. intrometida, dona da verdade e criadora de
casos. Só não imaginava que fosse também tão violenta e metida a valente.

— E não sou. Nunca feri ninguém na vida e odeio todo tipo de

violência. — Vendo incredulidade nos olhos dele, balançou a cabeça, confusa.
— Oh, não sei o que deu em mim. Não tinha nenhuma intenção de machucar
você: só queria que parasse. Não esperava que insistisse. A sua atitude é que
foi uma violência.

— Sabe o que deu em você, sim — ele disse, com um sorriso amargo.

— Estava defendendo a sua honra e tinha todo o direito de fazer isso. Mas
da próxima vez que tiver que me ferir, use os punhos. Também dói, mas não
causa tanto estrago. Pode até me chutar, se preferir.

— Não haverá uma próxima vez.
Ele se sentou, encheu um copo com água e bebeu.
— Por que acha que não? Não sou uma pessoa que desiste com

facilidade.

— Mas.. . mas. . . não pode querer que eu fique com você, depois do

que acabou de acontecer.

Burt tomou outro copo de água.
— Admito que você me botou fora de combate temporariamente. Mas

não pense, nem um momento, que alguma coisa mudou. Ainda está
substituindo Nancy e, se criar mais algum problema, vou arruinar seu pai. —
Então mudou de tom: — Quer um drinque?

— Drinque? Mas isso não é água?
— Não. É vodca.
— Não quero, obrigada. E acho que você também não devia beber.

Não, depois de ter sido ferido e de tomar três aspirinas.

— Está com medo de que eu fique bêbado? — perguntou, provocador,

esvaziando o copo de um gole e enchendo-o novamente.

Charlotte aproveitou a oportunidade para pegar a garrafa. Pretendia

despejar o resto da bebida na pia do banheiro, mas ele foi mais rápido.

— Se eu quiser encher a cara, é problema meu — gritou. — E onde,

diabo, pensa que vai agora?

— Para o convés. Não sou obrigada a ficar aqui, vendo um homem

irresponsável se embebedar feito um idiota.

— Sente-se aí e fique quieta!
Por um momento ficaram se encarando, travando uma guerra muda de

vontades.

— Não! — Charlotte levantou a cabeça, num desafio. — Só fico se

você parar de beber. Mas é claro que não vai fazer isso. É arrogante e
vaidoso demais para reconhecer quando está errado. Um garoto rico e
mimado, que devia era ter levado umas boas surras.

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Livros Florzinha - 44 -

— Se conhecesse o meu pai, não diria uma coisa dessas. Ele sempre

me fez lutar por tudo o que eu queria. — Levantou-se, deu a volta na mesa e
parou diante dela. — Vai sentar, Charlie, ou terei que obrigá-la?

— Vou, se você pedir com modos — disse, dando um passo atrás. —

Não gosto que fiquem me dando ordens.

Os olhos dele brilharam perigosamente, mas, para sua surpresa e

alívio, ele voltou para o sofá, com um rápido sorriso que mudou com-
pletamente sua expressão.

— Está bem. Querida Charlotte, por favor, quer se sentar e me dar o

prazer de sua companhia?

Mordendo o lábio, irritada com o tom de polida zombaria, ela obe-

deceu. Burt voltou a esticar-se no sofá, com o copo na mão, e disse
tranquilamente:

— Sabe que posso processar você?
— Por quê?
— Agressão e tentativa de assassinato.
— Não seja ridículo. Além do mais, não feri você. Foi um acidente. Já

disse que a chave de fenda escorregou da minha mão.

— Esta é a sua história. A minha pode ser diferente. Posso dizer
que me atacou.
— E eu posso dizer que agi em defesa própria, porque você queria me

violentar.

Ele ficou sério de repente.
— Não queria. Seduzir, talvez; violentar, nunca. Há uma grande
diferença.
— Posso dizer também que você me raptou e queria fazer amor

comigo à força. Os jornais iam adorar um escândalo desses — Charlotte
continuou, com azedume. — Não ia ser nada bom para a sua reputação nem
para os seus negócios. Portanto, não acredito que me processe por coisa
nenhuma.

Burt levou o copo aos lábios e o esvaziou.
— Você não se amedronta fácil, não é? E tem razão: não vou

processá-la. Só toquei no assunto para que pensasse duas vezes, antes de
me criar mais problemas. — Olhou-a dos pés à cabeça. — É difícil acreditar
que é irmã de Nancy. Não têm nada em comum. — Serviu-se de mais vodca.
— Ela está longe de ser virtuosa.

Charlotte pulou em defesa da irmã.
— Isso não é verdade!
Burt tomou um gole da bebida e olhou-a por cima do copo, com cara de

pena, franzindo as sobrancelhas.

— Você pensa que está protegendo Nancy de mim e salvando o

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Livros Florzinha - 45 -

casamento dela, mas sua irmã logo vai encontrar outro amante. Sua

irmãzinha é uma mulher promíscua, que não vale os riscos que você está
correndo.

— Não, ela não é nada disso.
— Estou dizendo que é.
— Só para desculpar seu próprio comportamento detestável. Nenhum

homem de bem agiria com ela do jeito que você agiu, sabendo

que era casada.
— Não posso dizer, honestamente, que algum dia quis ser um homem

"de bem" — ele falou, divertido. — E também não tenho água gelada nas
veias. Quando conheci Nancy, há algumas semanas, ela deixou bem claro que
estava disponível, se eu a desejasse.

— Oh, não! — Charlotte murmurou, sacudindo a cabeça, chocada.
— Oh, sim!
Tentou justificar a irmã de qualquer maneira:
— Ela deve ter ficado fascinada por você... e um pouco amedrontada

também, quando você lhe falou de suas suspeitas sobre papai. Ficou com
medo de ofender você e prejudicar o velho.

— Mas eu não disse nada a Nancy sobre as minhas suspeitas. Ela se

ofereceu para ser minha amante, incondicionalmente, no sábado à noite,
antes da minha partida para os Estados Unidos. Eu disse que ia pensar no
assunto e avisaria. O bilhete que mandei ontem foi a resposta. Queria viajar
com ela durante uma semana, mais ou menos, para ter certeza. — Franziu a
testa. — A não ser.. . e é possível ... a não ser que seu pai tenha falado com
ela e Nancy tenha se oferecido a mim, tentando me convencer a fazer vista
grossa para os erros dele.

— Meu pai nunca faria uma coisa dessas! Nunca! Se fosse assim, não

teria concordado comigo em telegrafar chamando Luke para vir buscá-la,
não acha?

— Ele fez isso? — Havia surpresa na voz de Burt.
— Fez, quando eu disse que estava muito preocupada com o jeito como

Nancy se comportava com você.

— Depois, diz que não é intrometida.
— Fiz para o bem dela.. . e porque Luke tinha o direito de saber o que

estava acontecendo.

— Oh, claro — ele zombou. — Como é esse marido dela?
— Muito melhor do que você.
— Imagino.
— É bom, gentil, trabalhador. . . e ama Nancy demais.
— Precisa amar muito, mesmo, para suportar as infidelidades da

esposa.

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Julia no. 106

Livros Florzinha - 46 -

— Não sei como Nancy pode preferir você a Luke.
— Até parece que você queria que ele fosse seu marido, em vez de

marido dela. Devia ter deixado sua irmã vir comigo. Assim, seu precioso
Luke ficaria livre.

— Como é que você pode ser tão cínico?
— Conheço as fraquezas humanas bem melhor do que você. — Fez

uma pausa. — Então, não quer o marido de Nancy?

— Claro que não. Gosto de Luke, mas não o amo, e nunca me casaria

nem viveria com um homem que não amasse.

Burt deu uma risada e tomou mais vodca.
— Amor! Você tem fixação por essa palavra, não é? O que a faz

pensar que o amor é o mais importante no casamento?

— Deve saber: foi casado.
— Quem lhe contou isso? — Sua voz e olhar ficaram duros.
— Papai. Sua mãe contou a ele que você perdeu a esposa e um bebê

num acidente.

Ele ficou quieto, olhando para o copo vazio que tinha na mão, o rosto

feito uma máscara de cera. Quando a encarou, tinha uma expressão gelada.

— Meu casamento com Beverly Chilton foi um arranjo, uma troca de

interesses financeiros, e não teve nada a ver com amor. — Fez uma pausa e
então continuou, com amargura: — Foi um inferno do começo ao fim. —
Parou, sacudiu a cabeça, e levou a mão à têmpora ferida. — Deus, estou
tonto! — Deu uma gargalhada inesperada.

— Como se alguém tivesse arrebentado a minha cabeça com uma

chave de fenda.

— Ou como se tivesse bebido quase uma garrafa inteira de vodca
— ela censurou. Mas ficou muito preocupada. E se ele estivesse mais

ferido do que imaginavam? Atravessou a sala e tocou em seu braço.

— Burt, não é melhor pedirmos ajuda pelo rádio?
— Não.
— Mas pode estar muito machucado e não saber.
Ele estudou o rosto dela por alguns segundos e levantou-se.
— Vou me sentir ótimo depois de dormir um pouco. Fique de olho nas

âncoras, se o vento aumentar. O fundo do mar por aqui é de areia muito fina.
Por isso, lancei duas âncoras, mas nunca se sabe. Só faltava agora ficarmos
à deriva. Se perceber alguma coisa diferente, acorde-me.

Atravessou o corredor e Charlotte ouviu que fechava a porta da

cabine. Guardou a garrafa de vodea no armário e levou o copo para a
cozinha. Burt tinha tirado a mesa e colocado a louça do café dentro da pia.
Lavou tudo, secou e guardou. Quando terminou, subiu para o convés, para
ver como estava o tempo.

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Livros Florzinha - 47 -

Enquanto ficaram lá embaixo, o sol desaparecera, escondido por

pesadas nuvens cinzentas. O mar, antes calmo como uma lagoa, começava a
ficar escuro e agitado por ondas que jogavam o Albatroz de lado para o
outro. Ventava bem mais forte, mas as âncoras pareciam firmes.

Entrou na cabine de cornando no exato momento em que grandes

pingos de chuva começaram a cair. Estudou o mapa das ilhas e, aos poucos,
começou a entender. Encontrou Nova Providência, onde ficava Long Cay. e
depois o arquipélago de Exumas. Mas em qual das várias ilhotas estariam
agora? Não fazia idéia, porque Burt não lhe dissera o nome e, apesar de ter
traçado o roteiro no mapa, não havia nenhum ponto marcado.

Voltou sua atenção para o rádio VHF, com vários painéis e botões e

um receptor parecido com um telefone. Gostaria tanto de saber manejar
aquilo! Mas, mesmo que conseguisse entrar em contato com alguém e pedir
ajuda, seria um esforço inútil, já que não podia dar sua localização.

Com um dar de ombros conformado, entrou na cabine principal.

Faltavam quinze para as seis, mas já estava escuro, por causa do mau tempo.
Pensou em preparar o jantar. Mas. . . como? Olhou desamparada para o
fogão a querosene, sem fazer a mínima idéia de como acender aquilo e com
medo de tentar e acabar incendiando o barco. Vasculhou os armários e
sentiu-se quase triunfante ao encontrar bis-coitinhos, pão, manteiga e
salgadinhos. Havia também presunto. Cortou fatias e fez sanduíches.
Preparou uma limonada e lanchou na sala, lendo um livro.

Estava tudo tão tranquilo! Só se ouvia o tique-taque do relógio e, de

vez em quando, o ranger das correntes das âncoras, quando o iate balançava
com um pouco mais de força. Mas, aos poucos, tanto silêncio começou a
deixá-la inquieta. Era muito solitário ali, solitário demais. Largou o livro e
levou o copo e o prato que usara para a cozinha. Lavou, guardou e, mais uma
vez, subiu ao convés. Tudo estava mergulhado na escuridão. Custou alguns
segundos para acostumar os olhos e poder distinguir a silhueta da ilha ao
longe. Tinha parado de chover e algumas estrelas tímidas apareciam por
entre as nuvens pesadas.

Checou as âncoras novamente. Continuavam firmes. Na cabine de

comando, tropeçou era alguma coisa. Abaixou-se: era a chave de fenda.
Apanhou-a e guardou, rapidamente, na caixa de ferramentas. A visão
daquela ponta de aço embrulhava seu estômago. Estava ansiosa. .. não, muito
mais do que isso. . . estava terrivelmente preocupada com Burt e precisava
desesperadamente ter certeza de que ele passava bem.

Foi até a cabine. Estava escuro demais e teve que acender a luz. Burt

estava deitado de lado, vestindo apenas o calção e sem as cobertas, mas
suava muito e sua palidez assustou-a. Um fio de sangue corria da têmpora
ferida. Vendo-o tão fraco e vulnerável, sentiu uma inesperada ternura.

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 48 -

Naquele momento, não era o homem duro, insensível, desumano. Era carne e
sangue igual a ela e podia sentir dor e infelicidade como qualquer outra
pessoa. O jeito como falara de seu casamento tinha provado isso.

Num impulso, afastou o cabelo dourado da testa suada. Sentiu que

estava frio e ficou em pânico. Estaria inconsciente? Ou. . . morto? Inclinou-
se, tentando ouvir-lhe o coração. E foi apanhada de surpresa: num
movimento espantosamente rápido para alguém que parecia tão fraco, ele a
segurou pelos pulsos.

— Sabia que você acabaria vindo, mais cedo ou mais tarde. Bem-vinda

à minha cama, Charlotte.

— Não. . . não foi por isso que vim aqui.
Tentou libertar-se, mas ele a puxou de encontro ao peito.
— Você estava tão carinhosa ainda há pouco. Continue.
— Só estava preocupada com você. — Agora, estava preocupada

consigo mesma: com a fraqueza que sentia por estar nos braços dele. — Não
sabia se estava inconsciente ou morto — explicou, e sua voz tremeu ao dizer
a última palavra.

— Uma linda história, mas não passa disso: de uma história. O que

você queria era ficar comigo. E agora que está aqui — afastou-se para o
lado, puxando-a para a cama —, vai ficar e dormir comigo.

— Não!
— Vai, sim. Estou doente, preciso do calor do seu corpo. É o mínimo

que pode fazer, já que foi você quem me feriu.

— Sinto muito. Já disse que não fiz de propósito. Vou lhe dar mais

algumas aspirinas.

— Não quero mais aspirinas. Quero você — Burt murmurou e deitou a

cabeça no peito dela, beijando a curva entre os seios.

Aquela intimidade, a ternura selvagem de seus lábios e, mais do que

tudo, o fato de ele estar ferido e precisando de ajuda despertaram nela
emoções que nem sabia possuir. Toda a hostilidade inicial havia
desaparecido. Surpresa, descobriu que queria ficar ali com Burt.
Timidamente, começou a acariciar-lhe os cabelos, o rosto e os ombros, até
ele estremecer de prazer.

— Você é quente e suave — ele sussurrou, numa voz tão fraca e

insegura, que ela imaginou se não estaria delirando, — Tenho esperado por
alguém assim por muito, muito tempo. . . — Parou de re- pente e abriu os
olhos. — Eu estava falando?

— Estava.
— E o que foi que eu disse?
— Nada demais. Coisas. . . coisas sem sentido. Acho melhor eu ir

embora e deixar que durma tranquilo. — Tentou afastá-lo, mas ele a segurou

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Julia no. 106

Livros Florzinha - 49 -

firme. Não com paixão, mas como alguém que se agarra a uma tábua de
salvação.

— Não vá. Fique esta noite. Durma comigo.
Seria fácil para Charlotte se desvencilhar. Mas, por que não admitir a

verdade? Não queria deixá-lo sozinho, assim tão fraco e tão rnal.

— Por favor, Charlie — pediu, e novamente seus lábios queimaram a

pele sensível entre os seios dela. — Por favor, fique. Durma comigo. Só
dormir, nada mais. . . só dormir.. .

Aconchegou a cabeça no peito de Charlotte, feito uma criança inde-

fesa e faminta de carinho. Ela abraçou-o e ficou acariciando o cabelo louro,
até que Burt adormeceu. Só então. . .com cuidado, puxou a coberta sobre os
dois. E dormiu também.



CAPITULO IV


Charlotte acordou sem saber onde estava e com uma sensação de

formigamento no braço direito. Tentou virar-se, mas um peso em seu peito
não deixou.

Abriu os olhos. O sol entrava pela escotilha e, pelo jeito como o iate

balançava, devia estar ventando forte. Burt ainda dormia, com a cabeça em
seu peito e o braço em sua cintura.

O iate jogou com mais força e ela sentiu o estômago embrulhar.

Precisava se levantar, ou passaria mal. Bem devagar, para não acordá-lo,
puxou o braço e escorregou o corpo para fora do beliche. Saiu da cabine na
ponta dos pés e subiu para o convés.

Soprava um vento frio, que arrepiou sua pele e jogou o cabeio nos

olhos, O céu estava carregado de nuvens, e o mar, de um azul profundo,
quase violeta, e muito agitado.

Mas. . . onde estava a ilha? Correu para a popa e percebeu o que

acontecera. Durante a noite, o vento devia ter mudado de direção, e o barco
também. Agora, estava virado de popa para a entrada da baía, muito
próximo das formações de coral. Aquilo só podia significar que...

Foi verificar as âncoras. Uma delas se soltara e balançava perigo-

samente, de um lado para o outro, batendo contra o casco do iate. E a outra
não parecia muito firme.

Lembrando que Burt mandara chamá-lo, voltou à cabine. Precisou

sacudi-lo pelos ombros.

— O que... o que foi? — perguntou, ainda meio adormecido.

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Livros Florzinha - 50 -

— Você pediu para avisar, se o vento mudasse. E uma das âncoras

está solta.

Ele franziu a testa e se apoiou num dos cotovelos, olhando em volta

vagamente, como se não conseguisse focalizar direito as coisas. Levou a mão
à cabeça e perguntou:

— Que horas são?
— Mais ou menos sete. Da manhã.
— Da manhã? O que aconteceu com a noite? — Então, seus dedos

encontraram o curativo. — Lembro-me de ter verificado o tempo e de ter
descido para cá... — Parou e encarou-a, — Devo ter desmaiado. Não me
lembro de mais nada. — Saiu da cama. — Se o vento mudou, é melhor darmos
o fora daqui, rápido.

Passou por ela e subiu para o convés. Pouco depois, Charlotte ouviu o

ronco do motor. Foi ao encontro dele, na cabine de comando. Assim que
entrou, Burt a puxou pela mão.

— Pegue o leme e mantenha a proa na direção em que o vento está

soprando, enquanto vou recolher as âncoras. Quando ouvir meu sinal, dê a
partida.

É SÓ

empurrar esta alavanca e apertar este botão. Sempre

segurando o leme firme, na mesma direção. Felizmente o barco está virado
para a saída da baía. Não há perigo em frente, só atrás de nós.

Saiu da cabine, sem lhe dar tempo de responder nem perguntar se

seria capaz de fazer o que mandava. Charlotte agarrou o leme com mãos
crispadas, sem coragem de olhar para trás, para as rochas ameaçadoras.

Da proa, Burt gritou alguma coisa e agitou o braço, apontando para o

mar em frente. O iate estava solto e ela precisava agir rápido. Caso
contrário, seria jogado de encontro às pedras. Como um autômato, empurrou
a alavanca e apertou o botão. O motor roncou mais forte e imediatamente o
barco seguiu em frente, furando as ondas altas. Com os olhos fixos na água
escura e sentindo o vento zunir em seus ouvidos e gelar seus ombros nus,
Charlotte levou o Albatroz para fora da baía.

Burt voltou para a cabine. Estava molhado dos pés à cabeça e ela

temeu que seu estado de saúde piorasse. Mas não disse nada: não era hora
de se preocupar com aquilo. Precisavam, primeiro, ficar a salvo dos corais.
Passou-lhe o leme. Ele manobrou, afastando o iate da ilha, mas sem seguir
para leste, sua rota anterior.

— Vamos para noroeste — disse, apontando para a bússola. — Quero

manter esta rota, veja: trezentos e trinta graus. Acha que pode ficar de
o!ho, enquanto tomo um banho, faço outro curativo e mudo de roupa?

— Acho que sim.
Entregou-lhe o leme novamente e ensinou o que fazer para corrigir o

curso. Primeiro, ela virou demais; depois, muito pouco. Mas acabou

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Livros Florzinha - 51 -

conseguindo manter a agulha da bússola sempre apontada para o número
trezentos e trinta.

— Ótimo — Burt disse, lacônico, e ela se sentiu orgulhosa por ter sua

aprovação. Olhou-o rapidamente. Claros e intensos como o mar num dia
calmo, seus olhos verdes encontraram os dela. Então, uma sombra passou
por eles. Burt desviou o olhar e deixou-a sozinha na cabine.

Quando ele voltou, a ilha era um pontinho escuro na imensidão que

haviam deixado para trás e outras começavam a aparecer a distância,
brilhando como esmeraldas.

— Isto é tudo o que deve comer, esta manhã — disse Burt, entre-

gando-lhe um prato com leite e cereais e uma xícara de café. — Tome. Eu
cuido do leme, agora.

O iate jogava violentamente, mas apesar do desconforto e do frio,

Charlotte comeu tudo e tomou o café de um gole só.

— Como está o ferimento? — perguntou, contente por ver que a cor

havia voltado ao rosto dele.

— Secou e está começando a cicatrizar. Vou içar as velas agora. —

Sua voz era fria e impessoal como antes. — Acho melhor você vestir a calça
que estava usando ontem e uma camiseta. Deixei a roupa em cima de um
dos beliches. Ah, e leve essa louça, quando sair. Pode deixar dentro da pia.

Obedeceu, ressentida com o tom dele. Apanhou as roupas e entrou no

banheiro. Como as coisas tinham mudado, desde a véspera. Na manhã
anterior, só queria desafiá-lo e se recusara a vestir suas roupas. Naquela
manhã, sentia-se contente de trocar o vestido pela calça e camiseta que
Burt escolhera para ela. Na véspera, estava decidida a recusar tudo o que
ele pedisse. Agora, obedecera várias ordens, sem pestanejar.

Ontem, odiava-o pelo que tinha feito na ilha. Hoje. . . Ficou parada

diante do espelho, olhando para a própria imagem. Mas aquela mulher que
sorria parecia uma outra Charlotte, que zombava de seus sonhos românticos.

— Então, o que sente por ele? — perguntou a mulher do espelho.
— Não sei. Mas mudei, mudei muito.
— Por quê?
— Não sei.
— Não seria porque gostou, quando ele a beijou? Ou porque insistiu

para que dormissem juntos, ontem à noite? Ou, ainda, porque Burt disse que
tem esperado por alguém igual a você há muito, muito tempo? Cuidado,
Charlotte. Ele não sabia o que estava dizendo. Estava só delirando. E não se
lembra de nada, agora. É melhor você também esquecer tudo sobre a noite
passada. Tire isso da cabeça. Afaste-se dele. É perigoso começar a gostar
dele tanto assim.

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Livros Florzinha - 52 -

— Ora, cale a boca! — Charlotte disse em voz alta para a imagem no

espelho e saiu do banheiro, fechando a porta.

O motor tinha sido desligado e o iate balançava ao sabor do vento e

das ondas. Pegou uma capa de plástico amarelo, vestiu, voltou ao convés e
sentou-se numa espreguiçadeira. O mar continuava agitado, mas o sol
voltara a brilhar. Sentiu-se feliz. Feliz por estar viva, velejando numa manhã
tão linda.

Era uma sensação que precisava compartilhar. Num impulso, foi até a

cabine de comando e sentou-se, esquecida de que devia se manter longe de
Burt. Segurando o leme, as pernas afastadas para manter o equilíbrio e os
olhos fixos na vela principal, ele estava completa-mente absorvido pelo que
fazia e nem um pouco interessado nela.

Então Charlotte descobriu um outro sentimento estranho: estava

ferida porque ele a ignorava e imaginando, irritada, o que fazer para chamar
sua atenção. O que havia com ela naquela manhã? Estaria se apaixonando por
Burt?

Oh, Deus, não! Levantou-se do sofá de um salto e perdeu o equilíbrio

por causa do balanço do barco, indo cair praticamente nos braços dele.

— Que, diabo, está fazendo? — ele gritou, tentando ampará-la sem

largar o leme.

— Estou tentando sair de perto de você.
Afastou-se e foi cair de volta no sofá. Quase ao mesmo tempo,

ouviram um barulho terrível de alguma coisa se rasgando. Olhou em volta,
apavorada.

— O que foi isso?
— Estamos adernando. O vento rasgou uma das velas. Vá lá e recolha

aquela vela, antes que aconteça algum desastre. Não posso largar o leme
agora. Ande logo! — gritou.

Meio às cegas, Charlotte tentou sair da cabine, mas uma onda forte

pegou o iate de lado, jogando-a de encontro ao painel de comando. Caiu de
joelhos, ferindo as pernas e o braço. Mordeu o lábio, para não gritar de dor,
e se arrastou para fora. Com esforço, conseguiu recolher a vela rasgada.

— Está bom, volte para cá! — Burt gritou. — Não é seguro ficar aí

com esse vento.

Ajudou-a a entrar e levou-a para a poltrona. Charlotte tinha os olhos

cheios de lágrimas por causa da dor, e ele foi bem mais gentil do que antes.

— Não ande mais por aí sem se segurar nos móveis. Pode cair e se

machucar de verdade.

Ela não respondeu. As lágrimas rolaram pelo rosto e pingaram na

camiseta. No lugar dela, Nancy teria feito urna cena para ser cuidada e
mimada. Mas Charlotte, ao contrário, não queria que ele soubesse que estava

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
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Livros Florzinha - 53 -

machucada. Continuou de cabeça baixa, esperando que não visse que
chorava.

— O que foi?
— Nada.
— Costuma chorar por nada?
— Não estou chorando — disse, virando-se de costas.
— Talvez esteja arrependida por ter dormido no meu beliche ontem.

Surpresa, virou-se para encará-lo.

— Não estava chorando, hein? Então, o que é isso no seu rosto?
— Pensei que não se lembrava de nada do que tinha acontecido ontem

à noite — falou, enxugando as íágrimas com as costas das

mãos.
— Não lembrava mesmo, quando acordei. Mas, depois, tudo voltou.

Tenho a impressão de que passou a noite inteira comigo. Estou certo?

— Está.
— Isso significa que resolveu substituir sua irmã?
Não olhou para ela, quando fez a pergunta. Charlotte estudou seu

perfil, com um estranho e novo interesse. A curva dos lábios mostrava
autodisciplina, mas os olhos eram rebeldes. Pela primeira vez percebeu que
ele não era frio como parecia e que devia lhe custar algum esforço fazer a
cabeça controlar o coração. Por isso, algumas vezes explodia com uma
impetuosidade muito parecida com a dela. Mas logo se dominava, voltava a
represar as emoções.

— Bem, significa? — ele repetiu.
— Não. É claro que não.
— Então, por que dormiu comigo?
— Eu. . . eu. . . — Agora ele a olhava fixamente, de uma maneira que a

deixava embaraçada. — Você não quis me deixar ir e eu não ia brigar com um
homem que passava tão mal. Mas não pense, nem por um momento, que vou
dormir com você hoje também.

— Esta noite, eu irei para a sua cama, está bem?
— Sádico!
A zombaria desapareceu das olhos dele.
— Por que me chamou disso?
— Porque gosta de dominar e atormentar as pessoas. Tem um

prazer cruel e pervertido em fazer pouco dos outros, como está fazendo
comigo. . .

— Tudo o que fiz foi uma sugestão para os arranjos de hoje à noite.. .

— A zombaria voltara aos olhos verdes. — Não há nada de cruel ou
pervertido nisso. Também não houve nada de cruel e pervertido em
dormirmos juntos ontem, houve?

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Livros Florzinha - 54 -

Percebeu que ele tinha ficado ofendido com a acusação e respondeu

honestamente:

— Não, não houve.
— Neste caso, por que ficou tão agitada com a idéia de dormirmos

juntos novamente?

Charlotte olhou para o mar. O barco se aproximava de uma ilha e

podia-se ver claramente as palmeiras, a linha dourada da areia e os
contornos de algumas casas.

Devagar e na defensiva, procurou colocar em palavras seus pensa-

mentos confusos.

— Se ficarmos juntos hoje. . . — começou, mas não conseguiu falar

mais. Deus, será que Burt não entendia que ela não ousava ficar com ele
porque não confiava em si mesma?

— Continue! Não pode começar a dizer uma coisa e deixar no ar.
— Acho. . . acho que, desta vez, você não vai se contentar apenas em

dormir — terminou mortificada, o rosto em brasa.

Burt não respondeu logo. Seguindo seu olhar, Charlotte viu que

chegavam a uma baía pontilhada de recifes de coral, como a outra.

— Ontem eu não tentei nada, não foi? — ele disse finalmente.
— Só porque estava ferido, fraco e meio bêbado. E eu não teria

ficado com você, se tentasse algo.

— Não teria? Mas pensei que tinha dito que não foi embora porque eu

não deixei. — Olhou dentro dos olhos dela e seu rosto se tornou quase
terno. — Gostei de dormir com você, Charlie, e queria fazer isso de novo.
Mas, primeiro, tenho que perguntar uma coisa: por que tem tanto medo de
fazer amor comigo? Está se guardando para algum homem que deixou na
Inglaterra? Um noivo ou algo assim?

Por um momento pensou em mentir, inventar um noivo, um casamento

marcado para os próximos meses. Mas sentiu que nunca conseguiria mentir
para ele e se sair bem. Era observador demais, conhecia as pessoas.
Principalmente as mulheres.

— Suponha que eu diga que sim, que há um homem esperando por mim

na Inglaterra e que vou me casar com ele. Isso faria alguma diferença para
você? Mudaria seu comportamento e suas intenções a meu respeito?

Esperou, ansiosa, pela resposta. Ele olhava para as velas, pensativo.

Tinha a testa franzida e os lábios apertados. Depois, aos poucos, virou-se
para ela com um sorriso ameaçador.

— Não, isso não mudaria minhas intenções a seu respeito. Mas não

existe ninguém, existe?

— Não.
— Então, minha pergunta continua sem resposta.

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Livros Florzinha - 55 -

— Ontem, eu tentei lhe explicar por que não quero fazer amor com

você. Não se lembra?

— Não. O que foi que disse?
— Que nunca faria isso com alguém. . . com alguém que não amasse —

murmurou, desviando o olhar.

— Ah, sim, aquela bobagem toda sobre o amor. Mas acho que esse

argumento não vai mantê-la afastada de mim por muito tempo.

— O que quer dizer?
— Que você não é tão imune como pensa a essa emoção que chama de

amor. — Então, mudando bruscamente de tom, disse: — Agora, vá
recolher as outras velas. Tenho que levar o barco até a baía só com o motor.
A entrada é estreita e perigosa.

— Vamos ancorar aqui? — perguntou Charlotte, dando uma olhada

esperançosa para os telhados vermelhos e amarelos de várias casas, entre
as palmeiras. Talvez encontrasse ali alguém que a ajudasse a voltar a Long
Cay, — Corno é o nome desse lugar?

— Macklin's Cay, porque pertence a Ted Macklin, que aluga as

casas para alguns amigos selecionados. É presidente de uma grande
companhia canadense. Aquele iate lá adiante é dele.

Depois que ancoraram, Burt baixou o bote. Agora que não estavam

mais em alto-mar, havia menos vento e fazia muito calor. Char-lotte tirou a
capa e lembrou do biquini que ele lhe oferecera na véspera. Encontrou-o na
cabine e foi se trocar no banheiro.

Seu vestido estava pendurado lá e, ao vê-lo, ficou em dúvida sobre o

que deveria usar. Se tivesse uma chance de escapar de Burt, ia precisar de
suas próprias roupas. Não podia fugir apenas de biquini. Mas, como poderia
levar o vestido sem que ele percebesse? Resolveu colocar o biquini por baixo
do vestido: assim, estaria pronta para tudo. De volta á cabine de comando,
não encontrou Burt. Chamou por ele, sem receber resposta. O bote também
tinha desaparecido. Protegendo os olhos contra o sol, olhou para a praia e
viu que ele já estava bera longe do iate: partira sem ela.

O maldito! Demônio de homem! Com certeza, desconfiara de que ela

tentaria fugir se a levasse para a ilha. Gritou: — Ei, volte! Quero ir também!

Ele não deu o menor sina! de ter ouvido e logo depois desapareceu

atrás de umas rochas, entre o Albatroz e a praia.

Miserável! Agora teria que nadar, porque duvidava muito de que a

levasse à terra, quando voltasse. Mas, se fosse a nado, não teria o que
vestir depois.

Havia outros iates ancorados a pequena distância. Quem sabe não

poderia ir à praia no bote de um deles. . . Ficou olhando, alerta para qualquer

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movimento a bordo, pronta para gritar e chamar a atenção de alguém. Mas
tudo estava quieto. . . e continuou quieto durante muito tempo.

Era irritante, desesperador. Sentiu a garganta seca, de repente. Des-

ceu, preparou um drinque, escolheu uma sombra no convés e ficou sentada,
bebendo e observando os outros iates.

Estava quase desistindo e pensando em ir mesmo a nado, quando ouviu

barulho de remos que se aproximavam. Seria Burt de volta? Já?

Sim, um bote vinha vindo. Mas era preto e havia duas pessoas nele.
— Ei, você aí! — gritou uma voz de mulher. — Este não é o iate de

Burt Sharaton?

Charlotte debruçou-se na amurada, tentando ver o rosto dos dois. A

mulher era magra, muito bronzeada, usava calça e camiseta, chapéu de palha
e enormes óculos escuros. Não a reconheceu. O homem. . . mas era Dennis
Holmes!

— Charlie!
— Dennis!
Falaram quase ao mesmo tempo. A mulher deu uma risada.
— Pelo entusiasmo, parece que vocês se conhecem.
— É claro que nos conhecemos. Charlie, esta é Pamela Torrance, de

Nova York.

— Estou hospedada com Ted Macklin — explicou a outra. — Conheço

Martin Srivener, o tio de Dennis. Vi seu iate chegar e me pareceu familiar,
Por isso, pedi a Dennis para me trazer. É de Burt Sharaton, não é?

— Sim.
— Ele está a bordo? — Foi até a ilha.
— Pode encontrar com ele lá — disse Dennis e depois olhou nova-

mente para Charlotte. —

É

uma surpresa ver você aqui, Charlie. Outro dia,

quando a convidei para vir conosco, disse que não podia, porque o marido de
Nancy ia chegar. O que foi que aconteceu, para mudar seus planos?

— O que aconteceu foi Burt, meu querido! — Pamela deu outra risada.

— Pode acreditar que ela não é a primeira garota que acha irresistível um
convite do herdeiro Sharaton.

Charlotte sentiu um nó na garganta. O que podia dizer a Dennis? Como

explicar o que tinha realmente acontecido, com aquela mulher desagradável
ouvindo tudo e fazendo comentários maldosos?

— Quero ir à praia também — disse torcendo para que o rapaz

percebesse em sua voz um sinal qualquer de que havia alguma coisa errada.
— Pode me levar?

— Claro. Tenho que levar Pamela.

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Livros Florzinha - 57 -

— Conhece Burt há muito tempo? — perguntou a outra, assim que ela

se acomodou no bote. Foi uma pergunta aparentemente casual, mas a atitude
da mulher era de ansiedade.

— Não, não muito tempo — respondeu com frieza, sem olhar para a

americana.

— O pai de Charlie é Grant Mason, gerente do Long Cay Praia Hotel —

explicou Dennis.

— Que interessante! Ele antes trabalhava no Aquarius. não é? Ouvi

dizer que saiu de lá em circunstâncias. . . bem, estranhas. E que Linda
Marling lhe deu a direção do hotel dela e pagou suas dívidas. Parece que
eram muito. . . amigos. — Os lábios vermelhos se abriram num sorriso
irônico. — O velho Burt não perde tempo. Continuou sustentando o amante
da mãe, em troca da filha. Assim, fica tudo em família.

O sangue subiu à cabeça de Charlotte.
— Meu pai não era amante de Linda.
— Talvez, Mas o outro caso é óbvio. As ilhas de Exumas são um lugar

perfeito para um romance. Preciso cumprimentar Burt pela exce-lente
escolha. Vocês dois sozinhos num iate, ancorado numa ilha deserta. É o que
chamo de paraíso.

Charlotte fuzilou-a com o olhar.
— Não estou tendo nenhum caso de amor com o sr. Sharaton. E não

foi a mim que ele convidou para velejar. Foi minha irmã. Quando fui dizer a
ele que ela não iria, porque o marido ia chegar da Inglaterra, ele me raptou
e me obrigou a vir até aqui.

— Raptou? — Pamela bateu palmas, deliciada. — Mas é maravilhoso!

Filho de milionário obriga jovem inglesa a fazer um cruzeiro com ele... que
prato delicioso para as colunas de mexericos! Só que ninguém vai acreditar,
querida. A reputação de Burt é muito conhecida, de modo que não adianta
nada negar que é a mais nova amante dele.

— Conhece-o tão bem? — perguntou Charlotte, percebendo que havia

cometido um grande erro, contando toda história àquela mulher.

— Burt e eu nos conhecemos há muito tempo. Muito antes de ele se

casar com Beverly Chilton. Bev era minha melhor amiga. — Sacudiu a cabeça.
— Pobre Bev! Ela se suicidou, sabe? Cortou os pulsos. O que não foi nenhuma
surpresa para mim, considerando a maneira horrível como Burt a tratava.

O choque daquela revelação deixou Charlotte paralisada. Felizmente

estavam chegando à praia. Dennis ajudou-as a desembarcar e, quase no
mesmo instante, Pamela foi chamada por um grupo que se preparava para um
passeio de lancha. Sem se despedir, a americana foi juntar-se aos amigos.

Charlotte não conseguia parar de pensar no que a outra tinha dito

sobre a esposa de Burt. Que mulher má! E vingativa, também. Não conseguia

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
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Livros Florzinha - 58 -

acreditar. Só podia ser mentira. Por algum motivo, Pamela devia ter raiva
dele e aproveitara a oportunidade para dizer aquelas coisas horríveis. Mas,
por que insinuar que Burt era o responsável pela morte de Beverly?

— Dennis, por favor, preciso que me ajude.
— Mesmo? — Seus olhos se encheram de surpresa. — Aquela história

que contou.. .

— É a pura verdade. Burt me raptou. Oh, não pode acreditar no que

aquela mulher falou. . . que. . . que estou tendo um caso com ele!

— Não é difícil de acreditar. Dá para imaginar até que você e sua

irmã combinaram tudo: se uma não pudesse ir, a outra iria. Não seria. ..
digamos diplomático. . . recusar o convite do patrão de seu pai, não é? Ainda
mais quando esse patrão tem tanto dinheiro e poder quanto Sharaton.

— Então. . . você não vai me ajudar? — A voz de Charlotte era pouco

mais do que um sussurro.

— Não sei por que nem como poderia ajudá-la. Pelo que vejo, você

sabe manejar direitinho as coisas. Também, sendo filha de Grant Mason,
tinha que saber. . .

O desespero tomou conta dela, ao perceber que nada do que dissesse

poderia convencê-lo de que precisava de ajuda. Todas as evidências estavam
contra ela.

— Que bom amigo você se revelou! — disse, dando as costas e

afastando-se na direção da estradinha de terra que levava aos ban-galôs.

Andou a esmo, as pedras machucando seus pés descalços. Sentia-se

abandonada, perdida. Agora que não podia mais contar com Dennis, a quem
pediria ajuda? E alguém na ilha acreditaria nela? Duvidava disso. As pessoas
só acreditavam no que queriam ou no que podiam ver. E, para todos os
efeitos, era a nova amiguinha de Burt Sharaton. Estava inteiramente à
mercê dele.

Foi como se o pensamento o atraísse. De repente, ele surgiu entre as

casuarinas e agarrou-a pelo braço.

— O que está fazendo aqui? Veio a nado?
— Não.
Céus, por que não parava de tremer? Por que não conseguia parar de

olhar para ele, como se fosse mesmo um deus louro que adorasse?

— Peguei carona num bote, com umas pessoas conhecidas.
— Que pessoas?
— Dennis Hoimes. A família dele alugou um bangalô em Long Cay.

Ficou muito surpreso de me encontrar aqui e saber que estou com você. —
Sua voz tremeu um pouco e Burt apertou os olhos, — Havia. . . uma mulher
também. Uma mulher odiosa. O nome é Pamela Torrance, e disse que
conhece você há muito tempo.

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 59 -

— É irmã da mulher de Ted Macklin. — Sacudiu-a pelos ombros. —

Sua tola! Por que tinha que chamar a atenção dela?

— Não fiz isso. Não, de propósito. Estava no convés, quando Dennis

se aproximou no bote. Ela tinha visto a Albatroz chegar e queria saber se
você estava a bordo.

— E sem dúvida queria saber também com quem eu tinha vindo,

aquela cadela!

Charlotte nunca o ouvira falar daquele jeito. Olhou-o, surpresa.

Naquele momento, ouviram vozes e passos: Pamela e uma outra mulher
subiam pela estradinha.

Burt puxou Charlotte para o meio das árvores.
— Vamos voltar para a praia. Ainda não estou pronto para encontrar

Pamela cara a cara.

Andaram algum tempo em silêncio.
— O que ela lhe disse? — perguntou, de repente.
— Insinuou que sou sua amante.
— O que você deve ter negado até a morte, é claro.
— É claro. Não gosto que estranhos tirem conclusões apressadas a

meu respeito. E muito menos que me ofendam. — Olhou para ele, furiosa. —
E

sabe o que ela disse, na minha cara? Que não acreditava. Que ninguém ia

acreditar, quando soubesse que tínhamos passado alguns dias juntos e
sozinhos no seu iate.

— E tem razão — ele falou, com uma ponta de amargura. — Não só

tem razão, como vai espalhar o mexerico pela ilha toda. Garanto que, agora
mesmo, estava contando tudo sobre você para a irmã. Eu devia ter avisado
para ficar no barco, longe dessa gente. Mas não sabia que Pamela estava de
férias aqui. Agora é muito tarde. Graças a Deus, ela não sabe a história
toda: não sabe que eu a trouxe à força. Charlotte parou e ele parou também,
preocupado.

— O que é?
— Ela... ela sabe — confessou, relutante. — Eu contei.
— Meu Deus! Será que você não tem um pingo de juízo nessa cabeça

oca? Por que foi contar?

— Achei que, se ela soubesse a verdade, acreditaria que não estamos

tendo um caso. Ora, que mal há nisso? — Então, lembrou o prazer que
Pamela pareceu sentir, quando lhe falou do rapto.

— Para você, talvez não haja mal nenhum. Mas pensa que vou achar

muito divertido que essa mulher saia por aí, sujando o meu nome mais do que
já fez no passado? Tenho um monte de defeitos, mas é a primeira vez que
sequestro uma garota. — Passou a mão na cabeça. — Pamela vai fazer um
carnaval com essa história.

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Julia no. 106

Livros Florzinha - 60 -

— De que jeito?
— Como você, ela é uma repórter intrometida. Escreve uma coluna

semanal de mexericos num grande jornal americano. Sabe como é:
escândalos e detalhes da vida particular de estrelas de cinema, políticos,
gente rica.

— Meu Deus!
— Deus não tem nada a ver com isso, garanto. — Ele voltou a sorrir,

cínico. — O pior é que, por várias razões que não vêm ao caso, ela me odeia.

— Disse que sua. . . esposa era a melhor amiga dela e que você a

maltratava tanto que. . . que Beverly cortou os pulsos.

— E é claro que você acreditou. Como todo mundo acredita — ele

falou, com surpreendente violência, os olhos brilhando de ódio.

— Eu. . . eu não costumo julgar as pessoas antes de saber os fatos.

Toda história tem, pelo menos, duas versões — respondeu calmamente.

A expressão de Burt tornou-se mais suave, e seu olhar, quase terno.
— Eu devia saber que você era diferente dos outros. Desculpe. Mas,

não importa o motivo que Beverly teve para se suicidar, Pamela sempre me
culpou e usou sua posição no jornal para tentar arruinar a minha reputação.
Toda vez que me interesso por uma mulher ou sou visto com alguém, ela me
ataca em sua coluna. — Respirou fundo e segurou-a pelos ombros, parecendo
sofrer muito. — Eu daria tudo para que ela não soubesse que você estava
comigo. Sinto muito, Char-lotte. Acredite. — Aquela inesperada humildade
deixou-a surpresa e enternecida. — Foi tudo minha culpa. . . Perdi a cabeça
na outra noite, lá no cais. Está vendo o que fez comigo? Acabei de confessar
que estou errado.

— Não foi só culpa sua. Foi minha também. Sou mesmo uma

intrometida. E falo demais. Deus, por que eu tinha que abrir a minha boca
logo para ela? Mas como é que eu podia saber? Não há nada que a gente
possa fazer para parar aquela mulher? Talvez, se você a procurasse e
dissesse que não estamos tendo um caso.. .

— Ela não acreditaria em mim. Não está vendo? Há uma certa

verdade no que ela diz. Nos últimos anos, tive mesmo algumas mulheres, não
é só fama. Além disso, não estou muito certo de que não temos um caso. —
Sorriu e fez um carinho no rosto dela. — Só posso pensar num jeito de
transformar em mentira qualquer coisa que ela escreva na maldita coluna.

— Qual?
— Casar com você.
A areia brilhante de corais, as copas das árvores que farfalhavam ao

vento, o mar cor de turquesa, tudo pareceu sumir diante de seus olhos, como
uma miragem. Teve que se apoiar no braço dele, mas sentir aquela pele
quente e os músculos rijos descontrolou-a ainda mais. Burt abraçou-a.

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Livros Florzinha - 61 -

— Ficou surpresa?
Falou tão juntinho do rosto dela que sentiu o perfume de seu hálito,

misturado com a loção após barba.

— Claro que fiquei. Não pode querer casar comigo.
— Mas quero. Pensei nisso a manhã inteira. Podemos voltar hoje para

Nassau e tratar de tudo. Não deve ser tão difícil, já que seu pai mora lá há
algum tempo e tenho propriedades na ilha. Acho que teremos nossa licença
de casamento no fim da semana que vem. Charlotte, quer casar comigo?

Charlotte afastou-se um pouco e estudou aquele rosto quadrado e

queimado de sol, procurando algum sinal de zombaria nos oíhos verdes e na
boca sensual. Não encontrou nada. Ele era a imagem da sinceridade. Mesmo
assim, hesitou. Será que podia confiar? Sabia, por experiência própria, que
Burt Sharaton era capaz de qualquer coisa para conseguir o que desejava.
Até mesmo fingir sentimentos que estava longe de sentir.

— Você aceita, Charlie?
— Por quê? Para proteger a minha reputação ou a sua? — perguntou,

com fria desconfiança.

— As duas coisas.
Claros e diretos, seus olhos encontraram os dela. Charlotte não

conseguiu ler o que havia por trás de sua resposta lacônica, embora tivesse
certeza de que ele tinha alguma outra razão para fazer aquela repentina
proposta de casamento. Alguma coisa, além do desejo de proteger a
reputação dos dois.

Não podia decidir nada ainda.
— Mas você mal me conhece.
— Conheço o bastante. Aprendi muita coisa a seu respeito ontem.

Principalmente à noite. Descobri que é leal, honesta, orgulhosa e
independente. Mas também que é compreensiva, quente, delicada e. . .
muito gostosinha da gente dormir junto.

Charlotte teve um sobressalto e olhou para ele, indignada, esperando

ver a expressão de zombaria que conhecia tão bem. Mas o sorriso que ele
lhe deu foi brincalhão e carinhoso. Com delicadeza, Burt atraiu-a para mais
perto.

Ela não sabia o que pensar: tinha medo de acreditar naquela súbita

mudança que fazia seu coração disparar.

— Mas homens ricos não casam com moças pobres. E moças ricas não

casam com homens pobres. A não ser nas histórias de fadas, é claro.

Tentava brincar para não enfrentar a situação, mas sentia as pernas

estranhamente bambas e uma vontade enorme de se apoiar no peito largo do
homem que a fascinava, passar os braços em volta de seu pescoço, acariciar

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Livros Florzinha - 62 -

o cabelo que caía na testa e beijar sua boca. Mais do que tudo, queria se
render à vontade dele: dizer que faria qualquer coisa que ele quisesse.

— Casei com uma moça rica, uma vez, e foi um verdadeiro pesadelo —

Burt disse com amargura.

— Foi um pesadelo para quem?
Charlotte levantou a cabeça e suas bocas ficaram a apenas poucos

centímetros uma da outra.

— Para os dois. Mas ludo começou errado, tinha mesmo que acabar

mal. Nosso casamento foi arranjado por nossos país. Para eles, não passou
de mais um negócio rendoso. Aconteceu há dez anos e eu era muito jovem
para perceber que estava me deixando arrastar para o desastre. Que
estava me vendendo. Eu mal conhecia Beverly. Mas, com pouco tempo de
casados, percebi que havia alguma coisa muito errada com ela. Descobri que
minha esposa era louca da maneira mais terrível possível: um dia, cheguei em
casa e ela havia asfixiado nosso bebê.

— Meu Deus!
Charlotte abraçou-o, deitando a cabeça em seu ombro e sentindo seus

braços em volta da cintura.

— E o que aconteceu depois? — murmurou. — O que aconteceu com

sua esposa?

— Passou os anos seguintes internada em hospitais para doentes

mentais, mas nenhum tratamento fez qualquer efeito. Até que, finalmente,
Beverly se suicidou.

Acariciou o cabelo de Charlotte e sua voz estava muito baixa e trê-

mula, quando continuou:

— O casamento foi um desastre. Mas sinto que terei mais sorte com

você, com uma mulher que eu mesmo escolhi.

Era tudo o que Charlotte queria ouvir. . . mas não era verdade.

Lembrando-se das enormes diferenças que existiam entre os dois, fez um
esforço para que sua mente dominasse o coração, saiu dos braços dele e
sacudiu a cabeça com firmeza.

— Não.
— Por que não?
— Porque tenho medo. Sinto que não vai dar certo, que será outro

desastre na sua vida. . . e na minha.

Burt apertou os lábios e ela soube que ele estava muito perto de

explodir novamente. O brilho selvagem voltou a seus olhos e ele puxou-a
para perto; desta vez, com violência.

— Será que vou ter que dominar você pela força outra vez, como fiz

ontem? Recuse minha proposta de casamento e não hesitarei nem um minuto
em demitir seu pai e processá-lo pelo dinheiro que tem desviado do hotel.

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
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Livros Florzinha - 63 -

Enquanto falava, apertava os braços de Charlotte com tanta força,

que seus olhos se encheram de lágrimas e ela teve que morder o lábio para
não gritar de dor. Então, a pressão diminuiu aos poucos, e!e puxou a cabeça
dela de encontro ao peito e disse, com voz rouca e transtornada:

— Case comigo e juro esquecer tudo. Grant estará livre de suspeitas,

poderá fazer o que quiser. Prometo até pagar todas as dívidas dele.

— Oh, seu pai foi um bom professor. Você aprendeu muito bem a

chantagear as pessoas! — ela gritou, livrando-se dele. — E pensar. .. —
Tapou a boca com as mãos, percebendo que quase se traíra. Quase
confessara seus verdadeiros sentimentos por ele: aquela paixão deses-
perada e impossível. Burt Sharaton não sabia amar e não merecia ser amado.

— Pensar o quê? — ele perguntou, aproximando-se.
— Pensar que eu estava começando a gostar de você.
Fechou os olhos, para afastar a tentação que eram para ela seu rosto

bonito e seu corpo forte.

— Oh, eu não sei o que fazer, não sei o que fazer. . . — murmurou,

desesperada, repetindo as palavras várias e várias vezes, como se fossem
uma espécie de oração ou um pedido de socorro.

— Diga que casa comigo — ele insistiu, persuasivo, segurando o

queixo dela e obrigando-a a encará-lo. Depois, pegou suas mãos e levou-as
ao peito.

Guiou os dedos dela para dentro da camiseta, pressionando-os de

encontro à pele. Charlotte sentia-se hipnotizada. Não sabia mais se estava
sendo forçada ou se acariciava o corpo dele porque queria.

Burt gemeu baixinho de prazer e puxou-a, com os olhos que eram duas

chamas. Então, beijou-a com tanta paixão que ela sentiu todas as suas
barreiras ruírem.

Agarraram-se um ao outro e, juntos, como um só corpo, deitaram-se

na areia quente, sem parar de se beijar e acariciar. Charlotte sentiu que ele
abria o zíper do vestido e soltava o biquini, enquanto, insistente, forçava as
pernas entre as dela.

Burt mordeu seus ombros e o pescoço.
— Você é linda. Um anjo que veio me salvar do inferno em que tenho

vivido, mas que quer me fazer sofrer primeiro. Case comigo, Charlie. Case
comigo. Não aguento mais.

De repente, o som de vozes e remos na água fez com que ela estre-

mecesse e despertasse daquele devaneio. Que loucura estavam fazendo!
Aquela não era uma ilha deserta. Alguém podia vê-los.

Usou toda a força que lhe restava para empurrá-io e se levantar, cada

nervo de seu corpo protestando por ter que se separar dele. Mas era

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Livros Florzinha - 64 -

preciso. Ainda mais difícil foi recusar novamente aquilo que mais desejava
na vida.

— A resposta ainda é não. Não quero ser nem sua amante nem sua

esposa.

Rapidamente ele ficou de pé, o rosto sombrio, parecendo se controlar

para não bater nela.

— Acha que vou acreditar nisso, depois do jeito como acabou de me

beijar? Você me deseja tanto quanto eu a desejo. A diferença é que tem
medo de suas emoções. . . ou de mim, talvez. Eu, ao contrário, nunca desisto
e geralmente consigo o que quero.

— Bem, pois não vai me conseguir e não pode me forçar a casar com

você.

— Acha mesmo que não posso? Vamos voar para Nassau agora e

arranjar uma licença.

Charlotte olhou para ele, atónita.
— Voar? Como?
— No avião de Ted Macklin. O iate fica aqui. Voltaremos quando

estivermos casados, para continuar nosso cruzeiro. Só que será uma viagem
de lua-de-mel.

Não lhe deu chance de protestar. Puxando-a pela mão, arrastou-a até

a estrada. Era sua prisioneira novamente. E, talvez, para sempre.



CAPÍTULO V


O pequeno avião vermelho e creme, de quatro lugares, pilotado pelo

próprio Ted Macklin, ganhou altura e deixou para trás a pequena ilha que
parecia um pingo de ouro no mar cor de jade.

Sentada ao lado de Ted, Charlotte olhou pela janela e viu que sobre-

voavam o arquipélago de Exumas, a caminho de Nova Providência. A vista lá
embaixo era como um quadro pintado por um artista inspirado. Difícil
acreditar que aqueles lugares tinham sido cenário de tantas emoções
violentas que ameaçavam mudar completamente a sua

vida.
Nem uma onda, nem um barco perturbavam a tranquilidade do oceano

banhado pelo sol da tarde, que em alguns pontos revelava as formações de
coral do fundo. Tão lindo! Lindo como as coisas perigosas costumam ser.

Recostou-se na poltrona e fechou os olhos. Burt era igual ao mar lá

embaixo. Só que, dele, era mais difícil fugir. Sentia-se exausta e sabia que
ainda teria muitos aborrecimentos pela frente. Mas, pelo menos agora,

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Livros Florzinha - 65 -

durante os quarenta minutos que aquele vôo ia durar, não teria que
enfrentar Burt. Embora estivesse furioso, ele certamente não a provocaria
na frente de Ted.

Ao se opor a ele, recusando-se a ser sua amante e sua esposa, tinha

desencadeado sua fúria com uma violência que não sabia como controlar.
Felizmente, desde que haviam chegado ao pequeno aeroporto particular, ele
resolvera ignorá-la. Não tentara impedir sequer que se sentasse na frente,
ao lado de Ted, e não junto dele. Os próximos quarenta minutos seriam de
uma trégua forçada. O suficiente, esperava, para recuperar as forças.
Estava física e moralmente esgotada.

Teria sido tão fácil desistir de lutar e se entregar a ele na areia tór-

rida daquela praia em Macklin's Cay! Seria tão mais simples aceitar que ela
era um anjo, como ele tinha dito, entre sério e brincalhão, mandado para
salvá-lo do inferno em que estava vivendo há tanto tempo!

Não podia entender como ele conseguira entender tão bem seus

sentimentos e suas fraquezas no pouco tempo em que estiveram juntos. Burt
sabia o que dizer e quando dizer; sabia o momento certo para ser gentil ou
para se tornar violento e ameaçador. Conhecia tanto o que se passava em
seu coração romântico, que agora ela estava ali, trêmula feito uma menina
tola, louca para passar os braços em volta de seu pescoço e ser realmente
uma amante, uma esposa, um anjo da guarda.

Por que seu corpo todo pedia por ele? Porque estava apaixonada?

Lentamente abriu os olhos e arriscou um olhar na direção da poltrona onde
ele estava sentado. Burt se inclinava para a frente, de perfil para ela,
prestando atenção em alguma coisa que Ted Macklin lhe dizia.

Um raio de sol em seu rosto criava a ilusão fantástica de que seus

traços tinham sido esculpidos em ouro, como a imagem de um deus.
Engraçado como aquela comparação sempre lhe vinha à mente, desde o
primeiro dia em que o vira. O cabelo claro também brilhava. Um homem de
ouro. . . mas o coração é de aço puro, pensou Charlotte, com os lábios
trêmulos.

Meu Deus, não me deixe chorar agora, implorou. Não me deixe

fraquejar nunca. Precisava parar de pensar cm tolices e lembrar que ele era
de ouro, sim, mas o ouro do dinheiro que usava para comprar a vontade e a
consciência das pessoas.

Era isso, o poder da sua fortuna, que o tornava tão seguro de si.

Queria casar com ela e sempre considerava sua qualquer coisa que
desejasse. Fosse um iate ou uma mulher. Tanto que tinha dito a Ted, a sua
esposa Joan e a Pamela Torrance que ele e Charlotte iam se casar.
Simplesmente dera a notícia, sem levar em consideração que ela o recusara.
Não uma, mas três vezes. E Charlotte não pôde protestar nem desmentir,

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Livros Florzinha - 66 -

pensando no que

aconteceria com seu pai se humilhasse aquele homem

vaidoso e orgulhoso na frente de seus amigos.

Com um suspiro, olhou outra vez pela janela. Agora, o avião so-

brevoava a terra. Viu carros que pareciam de brinquedo numa avenida que
margeava o mar azul, pontilhado de mastros de iates. Logo adiante,
reconheceu a ponte que ligava a ilha do Paraíso a Nova Providência, a mais
importante do arquipélago. Depois, passaram pelo porto e o avião fez uma
curva, perdendo altura, sobrevoando a imponente Mansão Sharaton, cujas
janelas refletiam o vermelho do sol poente, dando a impressão de que estava
em chamas. Procurou o bangalô onde moravam, mas não conseguiu localizar:
todos os telhados, jardins e estradinhas pareciam iguais, vistos lá de cima.

Logo estariam aterrissando. Logo ela estaria em casa, com o pai e com

Nancy. Mexeu-se na poltrona, sentindo-se desconfortável, de repente.
Tinha se esquecido completamente da irmã. Passara as últimas horas tão
preocupada, lutando contra as novas e perturbadoras emoções que Burt
despertava nela, tentando sufocar seu desejo por ele, . que esquecera o
mais importante: era Nancy a mulher que Burt queria levar naquele cruzeiro.
E que teria levado, se ela não interferisse. Um estranho e violento
sentimento tomou conta dela: uma raiva tão grande da irmã, que a deixou
chocada. Era ciúme. Estava enciumada porque, um dia, Burt desejara Nancy
talvez mais do que a desejava agora. Sacudiu a cabeça, tentando afastar
aquele pensamento que a envergonhava, mas ele continuou a atormentá-la.

Então, era mesmo verdade que estava loucamente apaixonada por

Burt Sharaton? Que se sentira atraída desde o momento em que colocara os
olhos nele? Mas não era o destruidor de corações, o cínico conquistador que
amava; era o homem infeliz, amargo e machucado pela vida, que ela tinha
descoberto atrás da máscara de arrogância e zombaria. Era esse homem. . .
que nem Nancy nem ninguém mais conhecia. . . que Charlotte desejava
desesperadamente abraçar, beijar, confortar e fazer feliz.

Deus, aquilo não fazia sentido nem para ela mesma! Se era desse jeito

que se sentia, por que, então, havia recusado sua proposta? Por que tinha
tanto medo de que ele quisesse casar com ela pelos motivos errados?

O problema era que não podia ter certeza de com qual dos dois Burt

estaria se casando. Nem qual deles era o mais forte. Imaginava que ele
podia estar atraído apenas temporariamente, desejando-a apenas porque ela
era difícil de conquistar. E, assim que conseguisse levá-la para a cama,
perderia o interesse, começaria a negligenciá-la, e talvez até a mandasse
embora.

Fechou os olhos c apertou as têmporas. Sua cabeça parecia que ia

estourar. Gostaria tanto de parar de pensar! Gostaria tanto de nunca ter
conhecido Burt Sharaton! De nunca ter saído da Inglaterra! Mas precisava

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Livros Florzinha - 67 -

enfrentar os fatos e expulsar os fantasmas de uma vez por todas. Estava
em perigo. Ele podia destruí-la e não ia deixar que fizesse isso. Não ia
deixar que homem nenhum no mundo fizesse.

O avião aterrissou com um solavanco e taxiou na pista, parando bem

na frente do terminal do aeroporto. Burt desembarcou e ajudou-a a descer.
Disseram adeus a Ted e caminharam, em silêncio, até o ponto dos táxis, do
lado de fora do prédio.

— Imagino que você deva querer ir direto para o hotel, para ver seu

pai — disse Burt, ajudando-a a entrar no carro.

— Quero, sim — respondeu, sentando-se o mais longe possível dele

e virada para a janela, embora nervosa demais para sequer ver direito a
paisagem. — Mas você não precisa ir comigo.

— Acho quê preciso. É costume um sujeito ir faiar de suas intenções

com o pai da mulher com quem vai casar — brincou, escorregando o corpo
até ficar bem juntinho dela. — E tenho a impressão de que seu pai vai ficar
muito contente de que as minhas intenções sejam honestas. . . sem contar
que ele também sairá ganhando com esse casamento.

— Não faz a menor diferença se vai ficar contente ou não. Sou

adulta, vacinada, independente, e sempre tomei minhas próprias decisões . ..

— Estou falando por causa da sua reputação, meu bem. Encolheu-se

toda ao sentir a pressão do corpo dele. Burt fingiu não

notar, segurou seu braço com muita intimidade e continuou, tranquilo:

— Depois de passar duas noites sozinha comigo, você corre o risco de ficar
malfalada. É uma ironia, não? Mas é verdade,

— Minha reputação é problema meu, não seu nem de papai. Além do

mais, assim que eu deixar Nassau e voltar para a Inglaterra, ninguém vai se
interessar mais pela nossa curta... amizade.

Sentiu, alarmada, que ele se inclinava e passava os lábios, provocante,

em seu pescoço.

— Ora, deixe-me em paz! Não pode me beijar aqui, em plena luz do

dia. O motorista vai ver.

— Ele está acostumado — disse Burt, passando o braço em volta dos

ombros dela e puxando-a. Segurou seu queixo e fez com que se virasse para
ele. Por um momento, ficaram se encarando. Então, beijou-a na boca.
Delicadamente a princípio; depois aumentando a pressão, exigindo resposta.

Charlotte tentou manter a cabeça no lugar, ficar fria e passiva, mas

ele insistia, procurando entreabrir seus lábios e acariciando seus seios.
Esqueceu quem eram e onde estavam; esqueceu tudo e entregou-se ao
prazer alucinante que aqueles carinhos provocavam nela.

— Eu amo você — ele murmurou em seu ouvido, mordendo de leve a

ponta da orelha.

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Livros Florzinha - 68 -

— Você está doido! — protestou, com voz fraca, mas não fez nenhum

movimento para afastá-lo.

— Um homem apaixonado sempre fica meio doido.
— Não pode estar apaixonado por mim. Não é possível — continuou

protestando e, desta vez, esquivou-se dele. — E eu não estou apaixonada por
você. Só me deseja porque o recusei,

É SÓ

isso: vaidade ferida. Tenho

certeza de que, se eu tivesse desistido de lutar, ontem, deixando que me
seduzisse, você não teria me pedido em casamento hoje.

— Talvez tenha razão. Você representa um desafio que preciso

vencer de qualquer jeito. — Acariciou o braço dela e sua mão foi subindo,
quente e delicada, pelo ombro e pelo pescoço. — Sabe que, quando fica
zangada, seus olhos brilham feito duas brasas? — murmurou, aproximando
novamente os lábios da orelha de Charlotte. — Você parece uma tigresa,
arisca, traiçoeira e perigosa, e quero dominá-la, domesticá-la. beijá-la até
você. . .

— Até me submeter — completou, livrando-se dele e voltando-se

outra vez para a janela do carro. — Isso é tudo o que realmente importa
para você, não é? Dominação, submissão. Pois fique sabendo que me recuso a
entrar no seu joguinho. Não vou me casar com você. Quando eu me casar. . .
e se casar. . . não será com um homem poderoso e dominador igual a você.
Quero um marido gentil, que me trate com respeito e igualdade.

— Mas nós somos iguais... — Ele pareceu realmente surpreso com as

palavras dela. — Ainda não percebeu isso? É alta como eu, voluntariosa,
cheia de opiniões, teimosa e até bem forte.. . — Sorriu, brincalhão, levando
a mão ao ferimento na testa. — E já provou, sem sombra de dúvida, que se
recusa a ser dominada. Acrescentando a tudo isso que é atrevida, não dá a
mínima para as convenções sociais e gosta de fazer as coisas do seu jeito,
acho que somos até. bastante parecidos. Oh, sim, Charlotte, nós nos
completamos. . . duas metades da maçã.

— Não. Como pode dizer isso, quando é rico e eu não tenho nada, a não

ser o meu pequeno salário de repórter iniciante? — Quis sustentar o olhar
dele, mas virou-se rapidamente para a janela, porque aquela proximidade e
aquela conversa estavam destruindo suas defesas e deixando seus nervos
em frangalhos.

O que mais queria na vida era pegar o rosto dele entre as mãos e

beijar cada traço arrogante e duro: os olhos verdes que sabiam ser tão
maus, o nariz atrevido, os lábios que zombavam e diziam palavras de amor, o
queixo firme e quadrado. Por que precisava torturá-la daquele jeito,
obrigando-a a negar e negar, quando tudo o que dese-java era dizer sim?
Começou a fraquejar.

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Livros Florzinha - 69 -

— Se... se... eu me casar com você — continuou, num fiozinho de voz

—, todo mundo vai dizer que me vendi, que só estava in- teressada no seu
dinheiro, e eu não poderia suportar uma coisa dessas. Não ligo tão pouco
como pensa para a opinião alheia. Além do mais, gosto do meu trabalho e
quero voltar para a Inglaterra, conti- nuar no jornal, provar que posso ser
uma grande jornalista, como meu avô foi. Se. . . se me casar com você,
terei que desistir de muita coisa, projetos, sonhos e ambições, e acho que
não serei capaz disso, Com uma mistura de alívio e decepção, sentiu que ele
a largava e se afastava para a outra ponta do banco do carro. Felizmente —
ou infelizmente? — seus argumentos pareciam ter surtido algum efeito.
Mas o que Burt disse, depois de alguns momentos de silêncio, foi uma
surpresa total:

— Então, você não se importa com o que possa acontecer a seu pai, se

me recusar?

— Sim, eu me importo — respondeu baixinho, evitando olhar para ele.
O carro subia a estradinha em direção ao bangalô e já dava para

avistar as paredes muito brancas e as janelas verdes, entre as flores e
acima da copa dos coqueiros e palmeiras. 84

— Mas não acredito que papai tenha feito nada de errado. E. . . e eu...

me importo muito mais com o que possa acontecer co-nosco. . . eu e você. ..
se nos casarmos pelo motivo errado. — Sua voz falhou e teve que parar c
respirar fundo, para poder continuar:

— Burt, por favor, tente entender. Vai ser outro desastre. Para você

e para mim também.

— Não acredito que seja — ele teimou, e seu tom era frio, não o de

um homem apaixonado. — Está bem, não vou insistir. . . por enquanto. Mas
não pense que desisti. Daqui a alguns minutos, vamos descobrir se está certa
em confiar tanto em seu pai... e aí, vou voltar à carga. Pode escrever isso:
estaremos casados antes do fim da semana que vem.

Passaram pelo bangalô, sem parar. O táxi seguiu direto até o hotel e,

quando parou diante da grande porta de vidro, Charlotte desceu, apressada.
Aproveitou que Burt precisava demorar ainda alguns segundos pagando o
motorista, para entrar na frente. Na recepção, ao fundo do enorme saguão
atapetado, duas moças nativas atendiam dois turistas. Não podia esperar
que acabassem; pedindo desculpas, interrompeu e perguntou a uma delas:

— O sr. Mason está?
— Acho que sim — respondeu a moça, evasiva e desconfiada, olhando-

a dos pés à cabeça.

Só então Charlotte lembrou-se de que devia estar com péssima

aparência.

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Julia no. 106

Livros Florzinha - 70 -

— Gostaria de falar com ele, com urgência. Sou sua filha, Charlotte.

Os olhos negros da outra continuavam desconfiados. Atrás de si, Charlotte
ouviu a porta giratória da entrada. A moça olhou por cima do ombro dela e,
imediatamente, sua expressão mudou do desdém para o respeito.

— Boa tarde, sr. Sharaton. Posso fazer alguma coisa pelo senhor?
— Eu cheguei primeiro — protestou Charlotte, indignada.
— Quero falar com Mason — Burt disse, ignorando-a.
— Claro, senhor. Por aqui. — A mulher se inclinou e abriu a portinha

do balcão de recepção.

— Depois de você, Charlie. — Ele se inclinou numa mesura exagerada,

dando passagem, e os olhos da recepcionista se arregalaram de
incredulidade.

Erguendo a cabeça, orgulhosa, Charlotte entrou e se dirigiu para a

porta que indicava "Gerente", fingindo não notar o olhar de desdém da moça
nativa para seu vestido amassado e os pés descalços. Diante da porta do
escritório do pai, virou-se para Burt e pediu, quase num sussurro:

— Gostaria de falar com ele sozinha.
— Claro que gostaria. . . mas não vai.
Ele bateu na porta e ela insistiu, agora com uma ponta de raiva na voz:
— Não quero que você entre comigo!
— Não pode me impedir — respondeu, rindo e olhando-a dentro dos

olhos. Havia um inesperado carinho em seu sorriso que a desar-mou
inteiramente. — Ainda não está usando uma aliança, para que- rer dar
ordens, mocinha — brincou.

Nesse momento, ouviram a voz de Grant Mason mandando que

entrassem. Com um olhar exasperado para Burt — que ele respondeu com
outro sorriso tranquilo —, Charlotte abriu a porta e entrou na saía, cujas
grandes janelas de vidro deixavam entrar muito sol e da- vam para a piscina.

Grant estava sem paletó, com as mangas da camisa arregaçadas e o nó

da gravata frouxo. Sentado atrás de uma grande escrivaninha, não levantou
a cabeça da pilha de papéis em que trabalhava, até ouvir o barulho da porta
sendo fechada. Então, olhou por cima dos óculos.

— Charlie! — Levantou-se, tirando os óculos e foi abraçar a filha. —

Mas que surpresa. Não pensei que fosse voltar tão cedo assim. — Afastou-
se para olhá-la bem. — Você está com uma aparência hor-rível, menina.
Parece que saiu de um terremoto. O que foi que houve?

Mas o pai nem lhe deu tempo de responder, pois nesse instante

percebeu a presença de Burt. Apertou os olhos e sua expressão ficou
preocupada de repente. Perguntou, nervoso:

— Alguma coisa errada?

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 71 -

— Papai... — Charlotte começou, mas a voz grave de Burt

Sharaton a interrompeu:

— O que aconteceu foi que eu andei batendo com a cabeça numa

parede bem dura: a obstinação de sua filha. Acho que você devia ter dado
umas palmadas nela, quando era menina. — Sorriu, andando pela sala. —
Recebeu minha mensagem de que ia levar Charlotte num cruzeiro?

A expressão de Grant ficou ainda mais preocupada.
— A mensagem era sua?
— Exato.
— Meu Deus! — o velho murmurou e voltou para a cadeira giratória,

atrás da escrivaninha, como se, de repente, suas pernas não o sustentassem
mais. Olhou firme para Charlotte. — Todo esse tempo, pensei que você tinha
partido com a família Holmes, no iate de Martin Scrivener. Não recebi a
mensagem pessoalmente, entende? Foi um dos empregados de plantão no
hotel que a recebeu e passou para mim. Acho que ele não deve ter ouvido
muito bem. Tudo o que disse foi que você tinha ido velejar com amigos e que
estariam de volta dentro de alguns dias. Não me preocupei, porque presumi
que tinha resolvido aceitar o convite dos Holmes. Você tinha falado sobre o
assunto durante o jantar de anteontem.

— Nancy também pensou que eu estava com os Holmes? — Charlotte

perguntou rapidamente, vendo naquele mal-entendido sua chance de não
contar a verdade à irmã.

Grant deu de ombros, sem imaginar como sua resposta era importante

para a paz de espírito da filha.

— Bem, acho que sim. Quer dizer, ela não me perguntou nada, quando

contei que você tinha partido. — Seus olhos se iluminaram num sorriso. —
Tenho uma boa notícia para você: Luke chegou ontem à tarde.

— E ela pareceu contente em ver o marido? — Charlotte sentia-se

ansiosa.

— Pelo menos, deu essa impressão. Nan tinha saído para passear,

quando ele chegou. Foi uma surpresa enorme voltar para casa e encontrá-
lo. Você pode imaginar, não é? E hoje mesmo viajaram para Eleutéria. Vão
passar algum tempo lá, numa cabana na praia. Achei melhor assim. Depois de
tanto tempo separados, precisavam ficar sozinhos, longe das distrações aqui
da ilha, para conversarem e, se Deus quiser, chegarem a um entendimento.

Olhou para Burt, desconfortável, depois voltou a encarar a filha,

sério.

— Acho que tenho direito a uma explicação, Charlie. Disse a todo

mundo que você havia viajado com os Holmes, no iate de Scrivener, e parece
que você, afinal, não estava com eles. Quer me dizer onde passou os últimos
dois dias e duas noites?

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 72 -

— Ela estava comigo — disse Burt, encaminhando-se para a es-

crivaninha. Debruçando-se nela, olhou Grant bem dentro dos olhos. — Tinha
convidado Nancy para ir comigo, mas acabei levando Charlie. Passou as
duas últimas noites sozinha comigo em meu barco. Acho que você pode fazer
uma idéia do que as pessoas vão pensar e dizer sobre ela, depois disso. . .

— Papai, não dê atenção ao que ele está dizendo! — Charlotte

interrompeu, desesperada. — Fui levada contra a minha vontade, e agora. . .
agora. .. quer me chantagear. ..

— Charlie, cuidado com a língua. Essa é uma acusação séria, que não

deve fazer se não puder provar — o pai censurou. Juntou as mãos, como se
implorasse que ela se calasse. — Ainda não consegui entender nada. ..

— Naquela noite, fui dizer a Burt que Nancy não viajaria com ele. . .

Havia mandado um bilhete para ela e eu interceptei, entende? Era um
convite, marcando encontro às oito horas, mas não o entre-guei a Nan. Não
podia deixar que fosse viajar com ele, sabendo que Luke estava para chegar.
Fiz bem, não fiz, papai? — Procurou os olhos dele, aflita.

— Sim, sim, é claro que fez, mas. . . — Virou-se para Burt, inde-ciso.

— É verdade que forçou minha filha a ir com você? Isso é. .. é rapto, sabe?

— Ela caiu na água e eu a levei a bordo para se secar — Burt explicou,

com um sorriso divertido brincando nos cantos dos lábios.

— Confesso que quis me vingar dela por ser tão intrometida e estra-

gar os meus planos. Acontece também que precisava aproveitar a maré alta
para zarpar. Então parti, enquanto Charlie trocava de rou- pa. Agora, quero
me casar com ela e estou sendo recusado. O que pretende fazer a respeito
disso, Mason?

— Papai, não foi nada disso — Charlotte protestou rapidamente,

quando percebeu reprovação na expressão de Grant. — Não aconte- ceu
nada. . . nós não dormimos juntos, se é o que está pensando.

— É claro que dormimos. Ontem à noite — Burl apressou-se em

dizer. — Você não se esqueceu disso tão depressa, não é, meu bem?

— acrescentou, sugestivo.
— Mas nós não. .. quer dizer. . . Charlotte parou, com o rosto

subitamente vermelho. — Oh, seu demônio! — gritou, virando-se para
Burt, enfurecida.

Mas ele não tomou o menor conhecimento da raiva dela. Limitou-se a

ir até a janela e ficou olhando, aparentemente muito interessado, os
hóspedes na piscina e os iates, mais adiante, na marina particular de Long
Cay.

Charlotte ficou torcendo as mãos, tentando controlar a onda de

indignação que ameaçava sufocá-la e a vontade louca de avançar em cima

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 73 -

dele e meter as unhas naquele rosto tão irritantemente seguro de si. Ouviu
a voz do pai, apaziguador.

— Tenha calma, Charlie. Estou certo de que Burt só pensa na sua

reputação.

— Não, não é bem isso. Está pensando é na reputação dele. De

qualquer maneira, já disse mil vezes que minha reputação é problema
exclusivamente meu, não dele. E. . . quero que a reputação do rico e famoso
Burt Sharaton se dane! — gritou, olhando para um e outro com a mesma
hostilidade. Então, devagar, aproximou-se do pai. — Mas a verdade é que a
sua reputação é que está realmente em perigo neste momento.

— A minha?! Mas, como?
— Burt disse que, se não me casar com ele, vai demitir você e acusá-

lo de desfalque. Diga que não é verdade, pai, que não desviou dinheiro do
hotel. . . — Parou, vendo que o pai empalidecia e dava de ombros, derrotado.
— Não é verdade, é? — perguntou, inclinando-se para ele.

Grant não respondeu. Simplesmente olhou através da saia para Burt,

que continuava parado perto da janela, o rosto impassível, os braços
cruzados diante do peito.

Mais do que nunca parece um deus descido à Terra para julgar e punir

os pobres mortais, pensou Charlotte com amargura... E, de repente,
percebeu que não estava mais preocupada com o destino do pai, mas cheia
de ciúme das outras mulheres que ele tivera nos braços.

— Eu desconfiava de que você suspeitava de mim — disse Grant, com

voz insegura. — Há quanto tempo sabe que tenho alterado as

contas?
— Há uns dois meses, mais ou menos — foi a resposta direta de Burt.

— Por isso vim para Long Cay. Quando percebi as irregularidades, imaginei
logo que você era o culpado.

— Papai, diga a ele que isso não é verdade! Grant deu um olhar

torturado para a filha.

— Não posso. .. porque sou culpado.
— Mas por quê? Por quê?
— Desde que vim trabalhar aqui, tenho sido chantageado por

alguém que sabe dos problemas que tive no Hotel Aquarius. Compro o
silêncio dessa pessoa pagando uma determinada quantia todos o meses. Em
dezembro, há exatamente dois meses, ele aumentou o preço — Grant olhou,
para Burt, pedindo compreensão, — Então, não pude mais pagar do meu
próprio bolso.

— Por isso começou a usar o dinheiro do hotel, alterando as contas,

na esperança de que ninguém descobrisse, não é?

— Foi isso mesmo.

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 74 -

— Oh, papai, como é que pôde fazer isso?
— Charlie, por favor, tente entender. O chantagista ameaçou ir a

Burt e contar que fui despedido do Aquarius sob suspeita de fraude, e eu
não tinha como me defender dessa acusação. Não podia me arriscar a
perder o emprego aqui e ficar novamente sem referências. Paguei para que
ele se Calasse... até que o preço se tornou alto demais. — Voltou-se
novamente para Burt. — Pretendia devolver tudo, assim que pudesse.

— Oh, claro — disse ele com frieza. — Foi um idiota por deixar o

sujeito amedrontá-lo desse jeito. Devia ter deixado que me contas-se sobre
o problema no Aquarius. Não seria nenhuma novidade para mim. Minha mãe
me contou o que aconteceu e por que resolveu lhe dar o emprego. — Deu um
olhar sério para o velho. — Agora, está metido numa encrenca ainda maior.
Está entre a cruz e a espada, entre mim e ele. Mas há um jeito de sair
dessa.

— Como? — perguntou Grant, cheio de esperança.
— Quando Charlotte for minha esposa, você não terá mais nada com

que se preocupar — Burt respondeu, seco. Sorriu para ela e continuou: —
Diga que me aceita, querida.

— E se eu não aceitar?
— Então, seu pai irá para a cadeia — falou, como se fosse a coisa

mais natural do mundo. — Quero sua resposta agora, Charlie, para saber o
que devo fazer. Se a resposta ainda for não, vou sair por aquela porta,
reunir os empregados e dizer que seu pai não é mais o gerente e por que foi
demitido.

Apesar de se sentir perdida, ela o encarou, desafiadora, mas a

expressão dele continuou inalterada. Então, voltou-se para o pai, que
balançava a cabeça, abatido, derrotado.

Amava aquele velho que tivera tão pouca sorte na vida e sabia que não

era um ladrão. Tudo o que ele fizera tinha sido para dar à mãe dela o melhor
tratamento médico que o dinheiro podia pagar. Não podia deixá-lo
abandonado à própria sorte agora. Não podia dar-lhe as costas. Sua própria
felicidade não era um preço caro demais, comparado ao que ele teria que
pagar, se ela recusasse a proposta de casamento de Burt Sharaton.

Olhou para Burt, que esperava sua resposta com a testa franzida.
— Está bem, caso com você — disse devagar, sentindo medo e

excitação ao mesmo tempo. Baixou os olhos, pedindo a Deus que ele não
tivesse percebido o estado em que se encontrava.

— Charlie, você não tem nenhuma obrigação de fazer isso.. . — Grant

começou, ansioso.

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 75 -

— Por favor, não diga nada — pediu, indo para trás da cadeira e

passando os braços em volta dele. — A não ser. . . a não ser que me deseja
sorte.

— Mas você tem certeza do que está fazendo, filha?
— Tenho, sim.
— Acho que nunca mais terá notícias do tal chantagista, quando a

novidade de meu casamento com Charlotte se espalhar — disse Burt,
aproximando-se da mesa. — Ele vai desconfiar de que sei tudo p seu
respeito e que sua fonte de lucro secou. Mas, se voltar a incomodá-lo, basta
me dizer, que tomarei providências. A única outra pessoa que sabe dos
desfalques é Broadfoot, meu auditor, que foi quem chamou minha atenção
para as alterações nos livros, e. . . meu pai, é claro.

— Ele está aqui, em Long Cay — informou Grant. — Veio me ver

ontem à tarde.

— Por quê? — A voz de Burt tornou-se ríspida.
— Queria saber onde você estava e pensou que eu soubesse. Parece

que sua irmã mencionou que você era muito amigo de uma de minhas filhas.
— Franziu a testa e continuou, num tom severo: — Para dizer a verdade, ele
achava que Nancy era sua amante e que eu concordava com a situação. Não
preciso lhe dizer que ele foi bastante rude a respeito, não é?

— Posso imaginar.
— Foi um prazer dizer a seu pai que estava errado e que Nancy se

achava tranquilamente em casa, esperando pelo marido que ia che gar da
Inglaterra. — Seus lábios tremeram de exasperação. — Claro que eu não
fazia idéia de que Charlie estava com você. Agora, ele vai pensar que menti.

— Sabia que seu pai vinha a Long Cay? — Charlotte perguntou

virando-se para Burt.

— Não sabia que vinha, mas sabia que tinha chegado. Esse foi a

principal motivo por que pedi a Ted que nos trouxesse de avião esta tarde.

— Mas como ficou sabendo?
— As maravilhas da ciência moderna — respondeu, com um dar de

ombros. — O rádio VHF. Hoje de manhã, enquanto preparava o café, recebi
uma mensagem, retransmitida por outro iate que estava nas vizinhanças.
Tinha captado a transmissão da estação da marina de Nassau na noite
anterior. Era de minha irmã, pedindo que entrasse em contato com ela o
mais cedo possível. Avisei para ligar para Macklin's Cay e foi assim que
fiquei sabendo que papai havia chegado e estava uma fera por não ter me
encontrado. — Fez uma pausa e deu um olhar muito sério para Charlotte. —
Quero que ve-nha comigo para conhecê-lo.

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Julia no. 106

Livros Florzinha - 76 -

— Não posso ir deste jeito. . . — Apontou para o vestido em péssimo

estado, subitamente apavorada com a idéia de enfrentar a família de Burt.
Ser apresentada como a mulher que ia casar com o

herdeiro Sharaton seria o mesmo que fechar a porta da armadilha em

que havia caído, sem possibilidade de fuga. E ainda tinha esperança de
encontrar um jeito de escapar daquela situação, antes que fosse tarde
demais.

— O que há de errado com a sua aparência? — ele perguntou,

levantando as sobrancelhas, surpreso.

— Pareço uma mendiga. . . meu cabelo. . .
— Você parece um anjo. Já não lhe disse isso? — E afastou uma

mecha rebelde que caía na testa de Charlotte.

— Estou amassada e suja. Sinto-me um lixo.
— Na minha opinião, parece simplesmente adorável. — Segurou o

rosto de Charlotte entre as mãos e beijou-a na boca, sensualmente, sem se
importar com a presença de Grant.

— Por favor.. . Quero ir à minha casa, tomar um banho e mudar de

roupa — pediu, com voz fraca.

Como sua futura esposa, precisava se acostumar que Burt a olhasse

daquele jeito possessivo, como se fosse devorá-la com os olhos. Precisava se
acostumar a ser beijada quando ele quisesse, a. ..

— Não me agrada nem um pouquinho a idéia de perder você de vista

justamente agora, querida.

— Por quê?
— Você podia meter na cabeça a idéia tola de fugir de mim e voar de

volta para a Inglaterra.

— Não confia em mim? — Ergueu o queixo, em desafio.
— Acho que não acredito na minha sorte, anjo — foi a resposta, cujo

significado Charlotte não entendeu. Mas o sorrisinho que surgiu no rosto
dele fez com que compreendesse que Burt estava planejando alguma coisa.
— Vou com você até o chalé e espero, enquanto toma banho e se troca.
Então, iremos juntos ver meu pai e contar a novidade.

Charlotte mordeu o lábio e procurou os olhos do pai, pedindo ajuda.

Para sua surpresa, ele se levantou e pousou a mão no ombro de Burt.

— Uma ótima idéia. Levo vocês de carro para casa.
Meia hora depois, mergulhada num banho de espuma perfumada,

Charlotte relaxou pela primeira vez em dias. Ficar ao lado de Burt vinte e
quatro horas por dia havia sido um tormento, uma experiência que acabara
com seus nervos; mesmo agora ele continuava com ela, não no mesmo
aposento, é verdade, mas na mesma casa, impondo sua presença, esperando
por ela, não confiando nela, forçando-a a fazer o que não queria.

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 77 -

Parecia que uma vida inteira havia se passado, desde a última vez que

estivera em casa... há apenas dois dias. Tanta coisa tinha acontecido! Antes,
estava preocupada com Nancy e decidida a impedir que a irmã viajasse com
Burt. Agora, imaginava o que Nancy diria, quando soubesse que a irmã caçula
ia se casar com o homem que ela queria conquistar. Com o homem do qual
estava disposta a se tornar amante.. . uma espécie de boneca de luxo.

— Tinha que aceitar o pedido dele, pelo bem de papai — Charlotte

disse, em voz baixa, como se respondesse às perguntas da irmã ausente. —
Não aceitaria, se não ameaçasse mandar papai para a prisão. Alguém tinha
que pagar pelos desfalques, e parece que a pessoa que ele escolheu para isso
fui eu. Só queria não me sentir assim tão. . . tão... — Seus lábios tremeram.

O que estava acontecendo com ela? Nunca tinha sonhado com um

príncipe encantado e com uma cerimônia de casamento tradicional. Seu
trabalho sempre tinha vindo em primeiro lugar. Então, por que começar a
pensar naquelas coisas, justo agora? Mas não conseguia parar de se torturar
com a idéia de que estava sendo chantageada.

Embora não costumasse sonhar com isso, como tantas outras moças, é

claro que sempre desejara casar por amor. E tinha certeza de que
casamento nem passava pela cabeça de Burt, na véspera; da mesma forma
como não estava em seus planos, quando convidara Nancy para velejar com
ele. Seu pedido tinha sido frio e calculado. Só não sabia exatamente o que o
havia feito mudar de idéia tão repentina e radicalmente.

Se ele me amasse, era justificável que tivesse tanta pressa, pensou.

Mas, por outro lado, se a amasse, concordaria em esperar, em ficar noivo de
uma maneira civilizada e em deixá-la voltar à Inglaterra para se realizar
profissionalmente.

Se ela o amasse, não teria tantas suspeitas quanto a seus motivos.

Nenhum casamento podia dar certo, quando existia tanta falta de confiança.
Por mais que desejasse pertencer a ele, precisava dar um jeito de fugir, de
impedir que o pai fosse preso, sem que, para isso, tivesse que se
transformar na segunda sra. Burt Sharaton.

Escorregou o corpo na banheira e mergulhou a cabeça na água per-

fumada. Sentou-se novamente, passou muito xampu no cabelo ressecado pela
água do mar e, depois, creme. Saiu da banheira e tomou uma ducha morna,
enxaguando bem a cabeça e tirando o resto de sal e areia que a faziam
sentir-se tão desconfortável.

Saiu do chuveiro, pegou uma toalha felpuda e começou a secar o

cabelo em frente ao espelho. Quando levantou a cabeça, seu coração pulou
dentro do peito, de susto e indignação: Burt estava parado dentro do
banheiro, sem camisa, olhando tranquilamente para sua nudez.

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 78 -

— Posso saber o que pensa que está fazendo aqui? — perguntou

furiosa, censurando-se mentalmente por não ter trancado a porta. Enrolou
rapidamente a toalha no corpo.

— Ouvi o barulho do chuveiro e, de repente, percebi que também

estava precisando de um bom banho. Talvez, junto com você — respondeu,
atrevido.

Para desespero de Charlotte, ele tirou a calça jeans. E riu do alívio

dela quando viu que usava o calção ,de banho.

— Bem, chegou atrasado — disse, tentando aparentar uma tran-

quilidade que estava muito longe de sentir. — Vai ter que tomar seu banho
sozinho.

Quis passar por ele e se trancar no quarto, mas Burt barrou o ca-

minho, ao mesmo tempo em que fechava a porta e se encostava nela.

— É mesmo? — disse, avançando para Charlotte.
Ela não tinha para onde fugir no banheiro pequeno, a não ser de volta

para a banheira, o que não seria uma boa idéia.. Sentiu o corpo estremecer
de excitação quando ele acariciou, bem devagar, seus ombros nus. Envolveu-
a num abraço possessivo, passando a mão em seu corpo, procurando afastar
a toalha.

— Não — ela sussurrou sem forças, mas o jeito como abriu os lábios

para aquela boca que se aproximava era um convite.

— Tem que se acostumar a dividir tudo comigo. Vamos tomar banho

juntos muitas vezes, quando estivermos casados. Portanto, encare isto como
uma espécie de ensaio. Tire essa toalha, querida.

— Não. . .
Seu protesto foi calado pelos lábios de Burt, que aceitaram o convite

dos dela. A toalha foi arrancada e sentiu o peito dele queimar como fogo seu
busto nu. Arfava, a cabeça girando, as pernas fracas, aquele fogo interior
crescendo, crescendo. . . Abraçou-se a ele, gemendo baixinho de prazer,
enquanto Burt massageava com o peito os bicos rijos de seus seios. Aquilo
era de enlouquecer. Sabia que, se ele não parasse, estava perdida.

Mas, em vez de parar, ele a beijou mais profundamente, segurando-a

firme pela cintura; com a outra mão acariciava seu ventre, descendo,
descendo.. .

— Qual é o seu quarto? — murmurou, passando a língua na orelha dela

e destruindo qualquer vontade que Charlotte ainda pudesse ter de resistir
àquele assalto de paixão.

— O que fica em frente ao banheiro.
A resposta foi automática e, só depois de ter falado, percebeu o

significado da pergunta.

— Mas nós não podemos. ..

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 79 -

— Não podemos o quê? — A língua dele queimou-lhe o pescoço,

deixando-a arrepiada de prazer.

— Ainda não estamos casados — disse, escondendo o rosto no peito

de Burt.

Houve um momento de silêncio... e, então, ouviram Rosie cantarolar na

cozinha, lá embaixo. Assustada, como se a empregada tivesse apanhado os
dois em flagrante, Charlotte afastou-se rapidamente. Burt riu e sacudiu a
cabeça.

— Não seja bobinha, querida. Não sabia que era tão envergonhada e

romântica, — Apanhou a toalha caída no chão e enrolou-a em volta do corpo
dela, fazendo uma reverência brincalhona. — Pronto, não precisa ficar
assustada. Deus sabe como a desejo e o diabo sabe como estive perto de
possuí-la, mas, se prefere esperar, seja feita a sua vontade: espero até o
dia do casamento.

Beijou-a- na testa com carinho e saiu do banheiro sem olhar para

trás.

Charlotte correu para o quarto e trancou a porta. Seu coração batia

violentamente, o sangue fervia, as mãos estavam trêmulas, e a garganta,
seca. Abriu o armário e pegou a roupa que queria usar. Enquanto se vestia,
ouviu o chuveiro e ficou prestando atenção, com medo de que Burt — devia
ser ele, novamente no banheiro — invadisse seu quarto e a pegasse nua
outra vez.

Mas, quando ele~saiu do banho, ela já estava na sala, esperando,

usando um vestido de seda branco e verde, o cabelo preso num coque alto,
deixando em evidência os olhos muito azuis, o que lhe dava realmente uma
aparência de anjo, e uma maquilagem suave.

Não falaram enquanto desciam a pé a estradinha, na direção da

Mansão Sharaton. Subiram os degraus de pedra que levavam à casa, já
sombreados pelo sol poente que se escondia atrás dos hibiscos floridos e
das acácias. À medida em que se aproximavam, ouviam som de vozes e de
copos.

Burt segurou-a pelo braço, fazendo-a parar.
— Parece que Stacey está oferecendo um de seus costumeiros co-

quetéis. Droga! Esperava que pudéssemos falar com papai sozinhos. Já que
ninguém aqui sabe de nossa pequena aventura no mar, é melhor não tocar no
assunto, certo? Meu pai é um maldito puritano e não aprova o
comportamento permissivo das moças de hoje. E também não aprova o meu.
Ele vai tentar embaraçar você, colocá-la à prova, como costuma dizer. Por
isso, não dê muita importância ao que disser.

As luzes da casa começaram a ser acesas e grupos de convidados

estavam parados no largo pátio em frente à porta principal. Música suave

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 80 -

enchia o ar daquele fim de tarde tropical. Uma mulher alta, vestindo uma
túnica branca de jérsei, presa na cintura por um cinto de pedrarias,
afastou-se de um dos grupos, vindo na direção deles. Era loura, tinha a
elegância das pessoas que sempre foram muito ricas, estava bastante
bronzeada e seus olhos verdes brilharam de curiosidade quando pousaram,
rapidamente, em Charlotte. Aproximou-se de Burt com um sorriso.

— Então, até que enfim você voltou, hein? Rapaz, você está com

problemas. — Olhou novamente para Charlotte. — Sou Stacey Hol-den, irmã
de Burt. Já nos conhecemos?

— Charlotte Mason — disse ele, sem maiores explicações.
— Oh, sim... — Stacey franziu a testa. — E o que aconteceu com

aquela outra. . . como era mesmo o nome? Nancy?

— Onde está a fera? — Burt perguntou, ignorando a curiosidade da

irmã.

— Em algum lugar, lá dentro. Provavelmente, infernizando a vida de

um de meus pobres convidados.

— Olhe, Stacey, faça companhia a Charlotte um pouquinho, enquanto

vou dar uma palavrinha com ele.

— Claro. Mas é melhor ficar prevenido, irmãozinho querido: cuidado

com o que diz e faz. O velho passou o dia todo subindo pelas paredes de
ódio, ameaçando deserdar você pelo jeito como sumiu há dois dias.

— Pode deixar, eu sei como lidar com ele. — Burt deu de ombros. —

Volto daqui a pouco, querida — disse, virando-se para Charlotte e
beijando-a no rosto.

— Hum. . . muito romântico — Stacey brincou, quando o irmão se

afastou. — Não sabia que Nancy tinha uma irmã. Não são nada parecidas,
não é? Quer dizer, basta um olhar, para qualquer pessoa saber que Burt e eu
somos irmãos. Muita gente pensa até que somos gêmeos. Nancy é muito mais
velha do que você?

— Sete anos. Tenho vinte e dois.
— Você não se parece nada com o tipo de mulher de que Burt gosta.

Tem um jeitinho muito, muito. . . simples, sabe como é? Natural, sem
sofisticação e. . . qual é mesmo a palavra? — Stacey ficou pensativa e, de
repente, estalou os dedos. — Saudável, é isso! Boa demais para ele,
simples e sem artifícios. Meu Deus! — Tapou a boca com a mão de longos
dedos finos e o vermelho vivo do esmalte brilhou. — Não estou ofendendo
você, estou? Sempre falo demais quando estou nervosa, e estou uma pilha de
nervos agora. Deus sabe o que o velho deve estar dizendo a Burt. Mas vamos
entrar e tomar um drinque. Quero que conheça meu marido, Clarke. Acho
que vocês dois vão se dar bem. Ele é um sujeito bom e simples. Muito
saudável, também, e tive uma sorte danada por ter casado com ele.

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Livros Florzinha - 81 -

A cada momento, Charlotte simpatizava mais com Stacey. E real-

mente gostou de Clarke Holden à primeira vista. Era um homem moreno, com
uma aparência de atleta, um sorriso franco. Foi logo confessando que já
tinha visto Charlotte várias vezes, com os irmãos Holmes, e apreciara muito
seu estilo no windsurf.

Ficaram conversando sobre velas, enquanto a mulher ia atender

outros convidados; mas logo depois ele foi solicitado também, e
Charlotte acabou ficando sozinha, um pouco deslocada no meio de tanta
gente desconhecida. Sentiu-se repentinamente perdida e olhou em volta, à
procura de Burt. Para aumentar seu desconforto, descobriu que estava
sendo observada por um velho alto, elegante e muito sério. Para fugir da
insistência daqueles olhos cinzentos e profundos, dirigiu-se, sem jeito, até
uma das grandes janelas que se abriam para o pátio. O sol ia se pôr e o céu
estava tingido de vários tons, do púrpura ao rosa-claro. Parecia uma pintura.
Ficou extasiada, a ponto de esquecer até seu observador, e viu a primeira
estrela aparecer,

— Srta. Charlotte Mason? — A voz, bem junto dela, tinha um tom

seco. Virou-se rapidamente. Era o homem dos olhos cinzentos. De perto,
notava-se que era bem mais velho do que parecia; talvez setenta anos, ou
até mais. Mas transmitia uma vitalidade incrível e suas feições lhe
pareceram familiares. Antes que se apresentasse, já sabia que era o pai de
Burt.

— Sou Lionel Sharaton. Meu filho esteve me falando a seu respeito.

Charlotte olhou por cima dos ombros dele, procurando Burt, mas ele não
estava em lugar nenhum.

— Meu filho está falando ao telefone — Lionel explicou, notando a

aflição dela. — Por isso, achei que era uma ótima oportunidade para falar
com você a sós. Vamos dar uma volta no jardim?

Segurou-a pelo cotovelo, guiando-a por uma alameda de acácias

cobertas de cachos de flores amarelas.

— Mora em Witherton, não é? — perguntou Lionel. Sem esperar

resposta, continuou: — Faz muito tempo que não vou Já, Linda e eu nos
casamos na Igreja da Santíssima Trindade, em Lanbridge, há trinta e três
anos. Conhece a igreja?

— Conheço.
— É uma bela construção do século XVII. Vivo insistindo com Burt

para ir lá, ver os nomes de seus ancestrais Marling gravados nas pedras
seculares. Hoje, ele me disse que vai casar com você. — A mudança de
assunto foi brusca e propositada, para desconcertar Charlotte. Então,
depois de uma pausa, ele forçou-a a encará-lo. — Gostaria de saber como

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Julia no. 106

Livros Florzinha - 82 -

você manejou as coisas para convencer meu. filho a assumir esse
compromisso. O que foi que fez? Está grávida e ameaçou um escândalo?

Os olhos de Charlotte soltavam faíscas de ódio. Sustentou o olhar

insolente do velho, ofendida demais para sentir medo de sua arrogância e
seu poder.

— Não fiz nada disso. Aliás, a chantageada nessa história toda sou

eu. Foi seu precioso filho quem fez ameaças, para que concordasse em
casar com ele... — Parou, percebendo que, em sua fúria, tinha falado
demais.

— É mesmo? Que interessante! Vamos nos afastar um pouco

mais da casa, para que ninguém nos ouça, e você me conta exata-mente como
e por que ele fez isso.

— Eu... eu.. .
— Não pode tirar o corpo fora agora, minha querida. E deve me

perdoar se fui muito grosseiro, mas Burt é meu herdeiro, meu único filho, e
estou muito interessado em conhecer bem a mulher com quem vai se casar.
— Sacudiu a cabeça e praticamente arrastou Charlotte pela alameda. — Não
quero fazer isso, mas receio que, se vocês dois se casarem, terei que dividir
a parte dele entre os primos e a irmã.

— Mas não quero casar com Burt. E não teria concordado, se ele não

ameaçasse destruir a vida de meu pai.

— Como ele poderia fazer isso?
— Ele. . . ele. . . Bem, Burt descobriu que meu pai desviou algum

dinheiro.. . não muito. . . e disse que o mandaria para a prisão por desfalque,
se não me casasse com ele. No começo, achei que não teria coragem de
fazer isso e não me preocupei, porque acreditava que papai fosse inocente.
Mas, esta tarde, descobri que não era. Eu... eu tive que concordar, entende?
Não consegui descobrir outro jeito de escapar.

— Entendo. Obrigado por me contar. Apreciei sua confiança, minha

querida. Acho que aão será difícil livrar você da armadilha que meu filho
armou. Há quanto tempo o conhece?

— Há duas semanas. . . mas não o vi, a não ser nos últimos dois dias.
— E não ficou surpresa, quando ele lhe propôs casamento?
— Claro que fiquei, e não entendo por que me pediu.
— Oh, ele tem seus motivos, querida, ele tem... — Lionel

Sharaton garantiu, com ironia. Ficou em silêncio por alguns momentos. Da
casa, vinham risadas e música. Então, o velho continuou, lentamente: — Ele
fez isso de propósito, só para me provocar, mais nada. Espero que não tenha
acreditado que está apaixonado por você. É um homem capaz de perverter
uma garota inocente como você, dizendo exatamente o tipo de coisa que
sabe que ela quer ouvir.

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— Não, ele não me enganou — murmurou, sentindo-se péssima. —

Tenho que confessar, então, srta. Mason, que eu me enganei

a seu respeito. Imaginei que fosse outra dessas caçadoras de fortuna

que andam atrás do meu filho. Agora estou convencido de que não é. e peço
desculpas pelo que disse no começo de nossa conversa. Importa-se de dizer
por que não quer casar com Burt? Não gosta dele?

— Sim, eu gosto. Gosto demais para me casar. É difícil de explicar,

mas sinto que, se Burt me forçar a esse casamento, vai se repetir o que
aconteceu da primeira vez que ele se casou: será um grande desastre.

Outra vez houve silêncio entre eles. Cigarras cantavam nas árvores,

atraídas pelas luzes da casa.

— Se é o que sente, minha filha, então não tenho dúvida de que está

certa. Tem passagem para voltar à Inglaterra?

— Tenho, mas só vou viajar na próxima sexta-feira.
— Acho que deve partir antes disso. Gostaria que fosse amanhã, se

puder se aprontar a tempo. Sei por experiência que meu filho não desiste,
quando mete uma coisa na cabeça. Deve partir, antes que ele consiga uma
licença de casamento.

— Mas. . . e meu pai? Se eu não cumprir com a minha palavra, Burt

destruirá a vida dele.

— Não se preocupe com isso. Eu tomarei conta de tudo. E seu pai

pode ir com você. Garanto que conseguirei outro emprego para Grant na
Inglaterra. Tenho influência para isso, como sabe. Posso ir falar com ele
sobre o assunto esta noite. Enquanto isso, sugiro que vá embora para casa e
arrume as malas. Darei instruções a minha secretária para que faça as
reservas, se possível num vôo sem escalas, amanhã cedo. Se não conseguir
passagens, há outra maneira segura dê vocês deixarem as Bahamas.

— Mas não é melhor falar com Burt? — perguntou, hesitante.
— Não. Cuidarei de tudo por você. Agora vá, querida. Mais tarde,

esta noite, mandarei avisar sobre o que ficou decidido sobre sua partida.
Boa noite.


CAPÍTULO VI



O pálido sol de outubro atravessava, timidamente, a neblina da manha

e se refletia nas águas cinzentas do rio Wither, que serpenteava pelo vale
verde e formava a cachoeira de Lancashire Pennines A neblina se misturava
à fumaça das chaminés altas e negras das fabricas de tecidos, às margens
do rio, e pairava acima da copa dos velhos carvalhos e dos telhados das
casas dos operários. Então à medida em que a manhã avançava, o sol vencia

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Livros Florzinha - 84 -

aquela barreira e toda a cidade de Witherton parecia brilhar, em tons de
vermelho-terra e ouro velho.

Na esquina da rua principal, bem em frente ao prédio da Prefeitura, o

sinal de trânsito mudou do vermelho para o verde e um pequeno carro azul
avançou e entrou na rua seguinte, uma avenida ladeada de sólidos blocos de
apartamentos.

Charlotte estacionou diante de um dos edifícios e saltou do carrinho,

carregando a bolsa e uma pequena maleta de mão, e entrou pelas portas
duplas de vidro. Seguiu por ura longo corredor onde seus passos apressados
ecoavam, subiu um lance de escada e entrou numa sala grande e ensolarada,
mobiliada com arquivos e várias escrivaninhas.

— Bom dia, Charlie. Frank quer ver você imediatamente — disse uma

garota morena, de cabelo curtinho e cara de menina, que, olhando ninguém
adivinharia que era nada menos do que a redatora de economia do The Daily
Globe and Record.

Tinha falado com Charlotte sem sequer tirar os olhos da

máquina de escrever.

— Obrigada, Grace.
Charlotte colocou as bolsas em cima da mesa que dividia com Bob

Baines, jovem repórter esportivo, e dirigiu-se para a porta entreaberta no
fundo da sala.

— Entre, Charlie.
Frank Lane, editor-assistente do jornal, era um homem de meia-

idade, grossas sobrancelhas que quase escondiam os olhos muito vivos e
azuis e um rosto sempre sorridente. Perguntou, à queima-roupa, antes que
ela pudesse se sentar:

— O que sabe sobre a família Marling?
— Sei que Josiah Marling colocou Witherton no mapa no começo do

século XIX, quando construiu a primeira fábrica e começou a fazer meias.
Sei também que vários descendentes dele ajudaram muito a desenvolver a
cidade. Dois deles foram, inclusive, prefeitos em épocas diferentes.

— Ótimo, ótimo. E sabe que o último dos Marling, Daniel, morreu no

ano passado, aos oitenta e sete, deixando todas as propriedades, ações da
companhia e a casa da família, em Lanbridge, para a filha, Linda Marling
Sharaton, mas ela morreu só três meses depois dele e o herdeiro é seu filho
único, Burt Sharaton?

Charlotte escondeu o embaraço, fingindo-se subitamente muito inte-

ressada nas unhas, que precisavam de manicure. — Não, não sabia disso.

— Está sabendo agora, e o tal herdeiro, o nome completo é Burton

Sharaton, está aqui em Witherton.

— Por quê? — a pergunta saiu antes que pudesse se controlar; e

sentiu-se sufocar.

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Livros Florzinha - 85 -

— Parece que veio tratar de negócios. Há rumores de que a Poly-gon,

a companhia que há mais de trinta anos controla a fábrica daqui, decidiu
vender seus interesses para outra companhia. Corre também o boato de que
o chefão veio vender a casa da família. Estou contando tudo isso peio
seguinte: Grace vai cobrir o lado econômico da matéria, mas quero que você
faça o lado pessoal. Pensei em publicarmos um perfil de todos os patriarcas
da família.. . isso você pode achar pesquisando o arquivo do jornal,
alguma coisa sobre a casa de Lan-bridge e uma grande entrevista com o tal
Burt Sharaton. Qualquer coisa no gênero "neto do último dos Marling volta à
procura de suas raízes". É um ângulo que o público gosta, tem apelo, e estou
pensando em publicar na edição de sábado. De modo que a sua coluna vai ter,
na verdade, uma página inteira. Que tal?

A cabeça de Charlotte girava. Burt, que ela pensava ter arrancado de

sua vida, desde o dia daquele coquetel, há sete meses, estava em Witherton.
E, ironia das ironias, ela estava sendo mandada para entrevistá-lo.

— Não pode dar esse trabalho a outro repórter qualquer, Frank?
— Outro repórter? — Estava incrédula — Quem, por exemplo? Quem

escreve sobre esses assuntos melhor do que você? É a sua editoria, Charlie.

— Sim, eu sei, mas. . . mas. . . Burt... o sr. Sharaton pode não querer

ser entrevistado. Não basta que eu escreva sobre a família e deixe o homem
em paz?

— É claro que não basta. Que diabo de jornalista é você, para fazer

uma pergunta besta dessas? É seu trabalho informar o público sobre o que
está acontecendo na cidade. Burt Sharaton não nasceu aqui, mas é uma
celebridade local, por causa da mãe e por ser o herdeiro da companhia, que
garante os empregos de centenas de operários. Os feitores vão querer
conhecer o neto do homem ao qual a cidade deve tanto.

— Mas, e se ele não concordar com a entrevista? O que devo fazer,

então?

— Ora, vamos, meu amor. . . use a cabeça e seus encantos femininos

— ele brincou. — Agora, vá dando o fora. Não tem muito tempo. Ouvi dizer
que ele vai embora hoje à noite.

— Tudo bem. — Charlotte não linha mesmo outro jeito. — Faz alguma

idéia de onde encontro o homem?

— Passou a noite no Grande Hotel, está na fábrica esta manhã e, ao

meio-dia, vai almoçar na Prefeitura. À tarde, está marcada uma visita à
velha casa da família. A Corretora Hawker e Ramsbotham tem administrado
a propriedade, desde a morte do velho. É melhor ligar para Audrey
Ramsbotham e confirmar se o homem vai mesmo até lá.

O telefone tocou e ele atendeu, despedindo-a com um gesto de

cabeça em direção da porta. Charlotte voltou para a sua mesa e sentou-se,

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Livros Florzinha - 86 -

desanimada, olhando para a máquina de escrever sem ver nada, porque seus
pensamentos tinham voado para as Bahamas e suas férias, que haviam
terminado tão subitamente.

Tudo tinha acontecido de acordo com os planos de Lionel Sharaton.

De algum jeito, ele conseguira impedir Burt de segui-la e convencera seu pai
a desistir do emprego em Long Cay e voar com ela de volta para a
Inglaterra.

— Não posso deixar de sentir alívio, Charlie — Grant Mason

confessara. — Não gostava da idéia de você ser forçada a casar com Burt,
só para me tirar da encrenca em que estava metido. Foi ótimo ter contado
tudo a Lionel. Como está se sentindo agora, querida?

— Aliviada também — respondeu, ignorando a tristeza que começava

a tomar conta de si. — O sr. Sharaton disse alguma coisa sobre as
providências que está tomando para nossa partida amanhã?

— Está tudo arranjado. Vamos voar com ele, no jato particular, para

Nova York. De lá, pegaremos um vôo direto para Londres.

— Há alguma maneira de avisar Nancy e Luke de que não estaremos

mais aqui, quando voltarem de Eleutéria?

— Rosie vai ficar na casa até o fim da semana que vem, para embalar

minhas coisas e despachar para a Inglaterra.. Vou deixar com ela um
recado para Nancy e Luke. — Franziu a testa, ansioso. — Acho melhor não
contar nada a sua irmã sobre o desfalque, a chantagem e a proposta de
Burt. Ela só ficaria chateada, e não quero que nada a perturbe agora,
justamente agora que parece que vai se reconciliar com o marido.

— Como vai explicar sua súbita decisão de abandonar o emprego?
— Oh, vou dizer que sinto saudade de casa e que prefiro morar perto

de você e dela.

Acabou de fazer as malas, enquanto o pai escrevia o bilhete, louca

para deixar também um bilhete para Burt. Várias vezes chegou a começar,
mas acabou jogando fora várias folhas de papel, pois não conseguia nem se
decidir se o chamava de "caro Burt", "querido Burt" ou, simplesmente,
"Burt". Cortar abruptamente a relação deles era mesmo a melhor solução.
Sem explicações, sem palavras de adeus.

Afinal, seu rápido caso tinha sido apenas uma aventura de férias,

como seu pai sugerira, e esqueceria logo, assim que voltasse para a
Inglaterra, longe da magia daquele sol, dos corais e do mar cor de jade e
turquesa. Seria como se aquelas ilhas paradisíacas nunca tivessem
realmente existido. Sua realidade eram as colinas, os vales, a neblina e as
chaminés de sua cidade natal.

Mas sete meses já haviam se passado e nada daquilo acontecera.

Atravessara a primavera e o verão atormentada pelas lembranças e

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Livros Florzinha - 87 -

sentindo-se acusada por sua consciência: ao fugir de Burt daquele jeito,
tinha quebrado uma promessa pela primeira vez na vida.

Não foi difícil para o pai encontrar emprego, quando chegou à

Inglaterra, e agora estava muito feliz da vida, como gerente de um clube de
campo em Midlands. Nancy e Luke voltaram para sua casa, nos arredores de
Londres, e ela estava esperando um bebê. Nas poucas vezes em que se
viram, nenhuma das duas tocara no nome de Burt. Charlotte achou Nan uma
mulher bastante mudada, não mais agitada e amarga, mas calma e
sorridente, mais bonita do que nunca e muito contente por estar grávida.

A campainha do telefone na mesa ao lado trouxe Charlotte de volta à

realidade. De algum jeito, tinha que encontrar uma maneira de evitar a
entrevista com Burt, sem se prejudicar profissionalmente. De algum jeito,
tinha que descobrir o que ele estava fazendo em Wither-ton e Lanbridge,
descobrir seus planos e tudo o que interessava para a matéria, sem se
encontrar com ele.

Por que não conseguia suportar a ideia de vê-lo novamente? Por que

estava tão nervosa? Seria só por medo de ele se vingar por ter sido
abandonado?

No fichário geral da reportagem, achou o telefone da companhia

imobiliária. Ligou e foi atendida por uma mulher.

— Realmente, eu e Arthur Hawker vamos abrir a propriedade, esta

tarde, para o sr. Sharaton — informou Audrey Ramsbotham. — Ele nos pediu
para avaliar a casa e todos os bens.

— Será que eu poderia dar uma olhada? — pediu Charlotte. — Estou

preparando uma matéria especial para a edição de sábado do Globe and
Record.

— Terei muito prazer de lhe mostrar tudo. Sabe onde fica a casa?

Charlotte não sabia.

— Bem, quando chegar a Lanbridge, pegue a ponte para a igreja e

entre em seguida à esquerda. Não pode errar. A casa é a maior da região,
cercada por um alto muro branco. Encontro você lá, por volta das duas da
tarde.

À uma e meia, Charlotte deixou a redação. Lanbridge era na verdade

pouco mais do que um subúrbio de Witherton, um vilarejo dominado pelas
altas torres da igreja do século XVII, onde Lionel Sharaton se casara com
Linda Marling.

Estacionou diante da igreja no exato momento em que os sinos

bateram duas horas. Depois de ver a casa, faria uma visita à igreja,
resolveu. Sem- dúvida, aprenderia um pouco mais ali sobre a família Marling,
vendo as inscrições gravadas na pedra de que o pai de Burt falara.

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O vento suave da tarde sacudia as altas copas das árvores quando

caminhou, sozinha, pela estradinha estreita que levava à propriedade, às
margens do rio.

Os enormes portões de ferro estavam abertos. Entrou e seguiu pelo

caminho sombreado de rododendros até a casa construída em pedra, no
início da era vitoriana.

Havia um pequeno carro estacionado em frente à porta e imaginou que

Audrey Ramsbotham já havia chegado. Bateu duas vezes. Uma mulher alta,
vestida de negro, abriu a porta.

— Sou Charlotte Mason. Conversamos pelo telefone hoje de manhã e

você disse que eu podia vir ver a casa.

A outra sorriu, amigável.
— Oh, sim. Sou Audrey. Entre, por favor. Estamos esperando o sr.

Sharaton. Ficou de vir, assim que terminar o almoço em sua homenagem, na
Prefeitura.

— Bem, então é melhor eu não entrar. Não quero incomodar.
— Não é incômodo nenhum. Essas coisas demoram, e ele não deve

chegar antes das três e meia. Talvez eu possa lhe dar algumas informações
sobre a família. Conheci Linda Marling, quando menina. Frequentamos juntas
a mesma escola de equitação. Gostava muito dela e estou ansiosa para
conhecer o filho.

Hesitante, Charlotte entrou no hall de mármore, dominado por uma

escada. O sol entrava pelas altas janelas de vitrais coloridos, dando ao
ambiente uma aparência fantástica.

— Não faz muito tempo que Daniel Marling morreu, e tudo ainda está

exatamente como ele deixou — disse Audrey.

Abrindo uma pesada porta de correr em carvalho trabalhado, levou

Charlotte para uma espaçosa sala de visitas, onde a peça mais bonita, que
logo chamava a atenção, era uma imensa lareira de ferro e mármore branco.

— Providenciei ontem para duas mulheres limparem tudo, de modo

que o sr. Sharaton vai encontrar a casa arrumada como nos velhos tempos.
Parece que elas fizeram um bom trabalho. Não é fácil polir peças tão
trabalhadas como as daqui. Verdadeiros tesouros da época vitoriana, como
você vai ver.

Passaram de uma sala à outra e então subiram ao segundo andar.

Charlotte tomava notas num caderninho e fez algumas perguntas sobre
Linda Marling.

— Lembro que havia um retrato dela aqui em cima, em um dos quartos

— respondeu Audrey, abrindo uma porta. — Sim, é aqui mesmo, veja.

Entraram num quarto na parte de trás da casa, que dava para o rio e a

ponte.

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— Não era uma beleza? Tinha um cabelo louro que parecia ouro. — A

mulher parou diante de um quadro e Charlotte levantou os olhos para a
pintura.

Era uma jovem mulher, vestindo roupas de montaria: muito alta, muito

esbelta, muito loura, muito elegante.

— Tinha só dezoito anos, quando casou com Lionel Sharaton —

informou Audrey. — Ele era vinte anos mais velho e um homem de negócios
riquíssimo e respeitado no mundo inteiro. Claro que o casamento foi um
arranjo financeiro entre as duas famílias, um meio de Daniel Marling sair de
grandes dificuldades financeiras. Fico imaginando se ela terá sido feliz.. .

Ouviram uma voz de homem em alguma parte no primeiro andar da

mansão.

— É Arthur — disse Audrey. — Continue olhando tudo por aí,

enquanto desço para ver o que ele quer. Se quiser perguntar alguma coisa,
estou à disposição. Ficarei contente de lhe dar todas as informações sobre
a família.

Saiu do quarto e desceu. Charlotte deu mais um olhar para o lindo e

enigmático rosto de Linda. Stacey era muito parecida com a mãe, com a
diferença de que, nela, a felicidade era evidente.

Subiu outro lance de escada. Era uma água-furtada, dividida em três

pequenos quartos, obviamente antigos aposentos dos criados. No fundo de
um deles havia uma porta. Charlotte abriu, curiosa, e descobriu uma escada
estreita, de degraus de madeira, construída na pedra viva. Imaginou que
devia levar à cozinha e era reservada aos criados, que não usavam a escada
principal.

Fechou a porta e desceu para o segundo andar. Não havia muito mais

que desejasse ver. A casa era imensa e muito mobiliada, com uma atmosfera
um pouco depressiva mesmo, e achou melhor ir embora, antes que Burt
chegasse.

Quando chegou no alto da escadaria que dava para o hall ouviu vozes.

Olhando para a entrada, sentiu um aperto no coração, ao ver o brilho de uma
cabeça dourada. Burt estava parado no meio do hall e conversava com
Audrey. Um Burt diferente do que conhecera nas Bahamas, vestido
elegantemente, como um homem de negócios.

Audrey veio na direção da escada e ele a seguiu, sempre conversando.

Quando subiu o primeiro degrau, olhou para cima, e Chariotte deu um passo
atrás. Devagar, recuou pelo corredor acarpetado: se chegasse ao fundo da
casa sem ser vista nem ouvida, poderia descer pela escada da água-furtada
e escapar pela cozinha.

Correu até Sá, ouvindo a voz de Audrey se aproximar. Abriu a porta

do quarto dos empregados e tateou no escuro, procurando os degraus, mas

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não encontrou nenhum. Estranho! Pelo que se lembrava, a escada ficava bem
visível. Com os braços esticados, deu alguns passos e sentiu-se gelar. Suas
mãos haviam tocado em algo frio e macio.

Precisou se controlar para vencer o medo e perceber o que havia

acontecido. Na pressa, entrara pela porta errada e agora estava numa
espécie de depósito onde deviam ser guardadas as roupas. O que tocara era,
certamente, um lençol. Só podia ficar ali, esperando até que Audrey e Burt
descessem outra vez, e então sair de seu esconderijo e procurar a porta
certa.

De repente, percebeu todo o ridículo da situação em que se metera e

teve que tapar a boca com as mãos para não rir alto. Era um riso meio
histérico, que sacudiu seu corpo todo e lhe trouxe lágrimas aos olhos.

Que tolice ter fugido feito uma ladra, só porque Burt estava na casa!

Para que tanto pavor de encontrá-lo frente a frente? Tinha uma razão
perfeitamente plausível para ter ido à mansão. Na verdade, podia muito bem
sair daquele depósito agora mesmo, dizer a Audrey que já tinha visto tudo o
que interessava e deixar, tranquilamente, que a corretora a apresentasse a
Burt. Afinal de contas, levava uma vantagem sobre ele naquela situação:
sabia que estava lá, e Burt não fazia a menor idéia de sua presença.

Voltou-se, decidida, e procurou a maçaneta da porta que fechara ao

entrar. Não havia nenhuma. Empurrou-a com o corpo, e ela nem se mexeu.
Era só o que faltava! Devia ser uma daquelas portas antigas, comuns na
época vitoriana, que só podiam ser abertas pelo lado de fora. Estava presa
na escuridão e o único jeito de sair seria gritando por socorro.

Por alguns minutos, sentiu-se sufocar dentro daquele cubículo ser luz

e sem ar e quase gritou de pavor. E se não a ouvissem? Respiro fundo,
contou até dez e, quando se acalmou, começou a bater cor os punhos na
porta, chamando por Audrey.

Parou, respirou outra vez e ficou escutando. Nada. Sentiu o medo

disparar seu coração novamente. Precisava economizar o fôlego par não
sufocar. Encostou a cabeça na porta, tentando ouvir qualquer coisa do outro
lado. Nem sinal de vozes ou passos. Audrey e Burt já deviam ter passado por
ali e talvez tivessem descido outra vez

E se não a ouvissem? E se a srta. Ramsbotham pensasse que tinha ido

embora, fechasse tudo e partisse? Poderia ficar ali a noite toda Ou dias!
Poderia morrer asfixiada naquele lugar! Em pânico, começou a esmurrar a
porta com todas as forças, desejando fervorosamente que os vitorianos que
haviam construído a casa não tivessem feito paredes tão sólidas de pedra.
Ou, pelo menos, usassem madeira mais fina nas portas.

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Exausta e suada, encostou-se novamente na porta, escutando o que

acontecia lá fora. Seriam passos que se aproximavam, ou apenas sua
imaginação? Voltou a bater, com mais força ainda.

— Tirem-me daqui! — gritou. — Por favor, abram e me tirem daqui!
A porta foi aberta de repente, e Charlotte praticamente correu para

o lado de fora. Burt estava parado, ainda segurando a maçaneta, os olhos
verdes brilhando, agressivos.

— Audrey me disse que uma tal srta. Mason, de um jornal de

Witherton, estava na casa e queria me entrevistar — disse friamente. —
Soube logo que era você. Mas o que, diabo, estava fazendo no depósito?

Apesar das roupas diferentes, ele continuava o mesmo, falando com

ela como se tivessem se visto naquela manhã, e não há sete meses. Uma
grande alegria tomou conta de Charlotte. Teve vontade de abraçá-lo, dizer
que sentira saudade. Apenas a frieza da voz e do olhar dele a impediu de
demonstrar seu contentamento.

— Estava me escondendo de você — confessou com toda a hones-

tidade. — Ouvi que vinha para cá e pensei em descer pela escada dos
criados, mas abri a porta errada e acabei trancada nesse lugar escuro e
asfixiante. — Suspirou fundo e murmurou; — Pensei que ia ficar presa aí
pelo resto da vida.

— E podia ter ficado mesmo. Foi uma sorte eu ter ouvido seus gritos.

— Burt fechou a porta do depósito e virou-se, olhando-a de cima a baixo. —
Deus, você continua a mesma. Ainda se metendo onde não é chamada e
fazendo todo o tipo de coisas estúpidas. Então, não queria se encontrar
comigo, hein? Não é de estranhar, depois do jeito como deu o fora e me
deixou em dificuldades, quando estávamos praticamente no altar.

— Não o deixei em dificuldades! — protestou, indignada.
— Não? Com que cara acha que fiquei? Tinha prometido casar comigo.

Você deu sua palavra.

— Sob pressão. Fui forçada a isso, ou não» se lembra do que não

interessa lembrar? Nenhuma promessa feita nessas circunstâncias tem
valor.

— Mas ainda assim é uma promessa, e você quebrou a sua, fugindo

feito uma criminosa, sem explicações.

— Deve saber muito bem por que fugi. Seu pai me disse que ex-

plicaria tudo.

— Ah, sim, meu pai! — Deu um olhar amargo. — Vi vocês dois saírem

para o jardim e, quando perguntei onde estava, ele me disse que você
sentira uma forte dor de cabeça e tinha voltado para casa, mandando dizer
que me veria no dia seguinte. Fiquei em dúvida se acreditava nele, mas achei
que podia confiar em você. Só que, quando liguei na manhã seguinte, para

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Livros Florzinha - 92 -

avisar que estava tudo providenciado e poderíamos nos casar na próxima
semana, tive a desagradável surpresa de saber que você e seu pai haviam
deixado a ilha. Quanto meu pai lhe pagou para sair da minha vida?

— Nada! Ora, como pode acreditar que fui comprada? Ele apenas me

ajudou, ao saber que você estava me chantageando. ..

— Contou isso a ele? Por quê?
— Eu. . . eu não pude evitar. Ele insinuou que eu só queria me casar

com você por causa do seu dinheiro, e isso me deixou enfurecida. Então,
disse que não queria me casar coisa nenhuma, que você é quem estava me
forçando, ameaçando mandar prender papai. Foi aí que ele se ofereceu para
nos ajudar.

Charlotte fez uma pausa, respirou fundo e acrescentou, em voz

baixinha:

— Além do mais, ele disse que você só havia me pedido em casamento

para provocá-lo!

— Eu a avisei para não dar ouvidos ao que ele dissesse, não avisei? —

Burt perguntou, exasperado. — O velho conseguiu: você acreditou nele.

— Bem, não era difícil de acreditar. Você estava com tanta pressa de

casar comigo que devia haver algum motivo. Embora eu não tenha entendido.
. . e ainda não entenda.. . como nosso casamento seria uma ofensa para ele.

Burt ficou olhando para ela, pensativo, durante alguns momentos.

Eníão, deu de ombros com desânimo.

— Ele queria que eu me casasse com outra garota rica. Uma ligação

por interesse, claro. Recusei. O velho ficou louco da vida e me seguiu até
Long Cay para tentar me convencer a mudar de idéia. Mas Stacey me avisou
de que ele havia chegado e foi então que me ocorreu a idéia de que podia
convencer você a se casar comigo. O problema era que não havia muito
tempo e por isso usei o que sabia sobre seu pai para forçá-la a dizer que
sim.

— Graças a Deus aceitei a ajuda de seu pai! — disse ela, com um leve

tremor na voz. — Qualquer mulher serviria para seus propósitos. Inclusive
Nancy.

— Isso não é verdade. Eu nunca pediria Nancy em casamento. Em

nenhuma circunstância. Não pediria nenhuma outra com quem não quisesse
realmente me casar. — Passou o braço em volta dos ombros dela e levou-a
para fora do quarto. — Mas confesso que agi mal. E, no fim, você não era
mesmo o anjo que havia descido do céu para me livrar do inferno de um
segundo casamento desastroso.

Charlotte sentiu um nó na garganta. O desapontamento e a tristeza

quase não a deixaram falar, mas fez um esforço, porque precisava saber.

— Então. . . você acabou se casando com a noiva que seu pai escolheu?

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Aqueles olhos verdes (Stay Through The Night) Flora Kidd
Julia no. 106

Livros Florzinha - 93 -

Ele parou e virou-se para encará-la. Durante alguns segundos, ficaram

se olhando em silêncio, um tentando ler os pensamentos do outro.

— Não, não me casei com ela, e nunca me casarei. — Seus lábios se

torceram num sorriso irónico. — Sabia que Pamela escreveu sobre nós na
coluna dela, exatarnente como eu disse que faria?

— Oh! E o que foi que escreveu?
— Uma sugestão maliciosa que, em vez de me prejudicar, me ajudou a

ficar livre de Francine Courtenay... a noiva que papai tinha em mente.
Pamela disse que era possível que eu e você nos casássemos, pois estávamos
vivendo juntos. Isso foi demais para a mãe de Francine, que decidiu que eu
não era o mando ideal para a doce e adorada filhinha. O negócio que papai
queria fechar com Courtenay fracassou e, como resultado, o velho renunciou
ao cargo de presidente da Polygon. Desde então a companhia tem passado
por tempos difíceis e consumiu boa parte da fortuna dos Sharaton. Foi por
isso que vim a Whiterton: para vender a minha parte e a dele na fábrica de
meias. E também colocar à venda esta velha casa, com seus objetos de arte.

— E vai mesmo vender? — perguntou Charlotte, agora com o caderno

de anotações na mão.

— Vou, sim. Não tenho motivo para manter a casa e todas as

despesas que dá, já que não tenho nenhuma intenção de viver na Inglaterra.
Espero resolver tudo ainda esta tarde, porque vou embora à noite.

— A mobília será vendida também, ou quer ficar com alguma peça

especial?

— Não, nada.
— Nem o retrato de sua mãe?
— Ele pertence a papai. Acho que Stacey vai ficar com ele.
— Então, pretende cortar todos os laços que o ligam a Witherton e

Lanbridge?

É

essa a idéia.

— E não sente pena de deixar tudo? Quer dizer, é sempre penoso

para uma pessoa arrancar suas raízes.

Ele não respondeu, só ficou olhando para Charlotte, com uma ex-

pressão zombeteira.

— Pensei em procurar você, mas confesso que não esperava encontrá-

la desta maneira. — Não havia mais frieza nem amargura em seu olhar, mas
um terno interesse. — Está mais magra, perdeu o bronzeado e ficou com
ruguinhas em volta dos olhos. Qual é o problema, querida? — Aproximou-se.
— Arrependimento?

— Claro que não — mentiu. — Por que estaria arrependida?
— Porque perdeu alguma coisa. Porque a noite de núpcias que

prometemos um ao outro não aconteceu.

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Julia no. 106

Livros Florzinha - 94 -

A lembrança da última vez em que tinham estado juntos voltou à sua

mente, fazendo-a estremecer. Sentiu a atração por ele crescer, tornando-
se quase insuportável. Queria abraçá-lo, tocar seu rosto e seus lábios,
sentir o calor de seus braços em volta de si.

— Sr. Sharaton?
A voz de Audrey Ramsbotham soou bem perto dos dois, como se ela

estivesse subindo a escada. Afastando-se de Burt, Charlotte guardou o
caderno de anotações na bolsa e saiu, apressada, ao encontro da mulher.

— Estava imaginando onde você teria se metido — disse Audrey.
— Já viu o sr. Sharaton?
— Já. Ele está num dos quartos — respondeu, descendo a escada.
— Tenho que voar, estou com outra entrevista marcada para esta

tarde. Muito obrigada por me deixar ver a casa.

Charlotte saiu sem olhar para trás. Estava fugindo de Burt outra vez,

sabia disso. Mas não ousava ficar nem mais um minuto, com medo de se trair
e deixar que ele percebesse seus sentimentos. Todos os meses que passara
tentando esquecê-lo tinha sido tempo perdido. Nunca o esqueceria. A
separação só havia feito com que seu amor crescesse mais e mais, e não o
contrário.

Os sinos da. igreja batiam quatro horas, quando alcançou o carro.

Olhou para as velhas paredes de pedra, com pena. Queria muito visitar o
memorial da família Marling, mas não tinha tempo, agora. Voltaria no dia
seguinte, quando Burt já tivesse partido para sempre da cidade e de sua
vida.

Arrasada, dirigiu para Witherton e passou o resto do dia pesquisando

no arquivo do jornal, procurando exemplares de mais de trinta anos atrás,
da época em que Lionel Sharaton havia salvado Daniel Marling da ruína,
casando-se com sua filha. Terminou já de noite e foi para casa, sentindo-se
mais solitária do que nunca. O pequeno apartamento onde morava, num
prédio que dava para um parque e para o rio Wither, pareceu-lhe ainda
menor, mais frio e vazio.

Mas, pelo menos, lá estava a salvo. Colocou um de seus discos

prediletos e foi tomar um banho. Depois de um rápido jantar, sentou-se
diante da lareira, com suas anotações e uma xícara de chá, e começou a
redigir o artigo sobre a família Marling. Mas não conseguiu se concentrar no
trabalho, perturbada demais pelo encontro daquela tarde e por saber que
nunca mais veria Burt.

Deu um pulo da cadeira, quando tocaram a campainha. Pensando que

fosse Bárbara Nutter, a vizinha do lado, uma professora primária que
sempre vinha pedir alguma coisa emprestada, ou simplesmente conversar,
colocou os papéis de lado e foi abrir a porta.

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Julia no. 106

Livros Florzinha - 95 -

Em vez de Bárbara, Burt estava lá, muito sério, com as mãos nos

bolsos do sobretudo.

— Oh! Como descobriu onde eu morava?
— Fácil: fui até a redação do jornal. Seu editor me deu todas as

informações, quando eu disse que não tínhamos terminado nossa entrevista.

— Pensei que tinha dito que ia embora de Witherton hoje à noite.
— Mudei de idéia. Posso entrar? — Para.. . para quê?
— Terminar a entrevista, claro.
Empurrando-a para o lado, entrou no apartamento e começou a tirar o

casaco.

— Burt, por favor, vá embora — pediu com voz fraca. Ele virou-se

para ela, a testa franzida.

— Por quê? Está esperando alguém? Seu amante, talvez?
— Ora, deixe de bobagem. Não estou esperando ninguém e não tenho

amante nenhum — respondeu, e imediatamente ficou furiosa consigo mesma
por ter dito a verdade, quando viu o olhar de triunfo dele. — Por favor, vá
embora. Não quero continuar a entrevista. Já tenho todas as informações
de que preciso. Não temos mais nada a dizer um ao outro.

Ele fechou a porta, que ela ainda segurava, e sentou-se numa poltrona,

como se fosse a mais bem-vinda das visitas.

— Não concordo com isso. Tenho uma porção de coisas para dizer

para você.

— Oh, está bem — disse, desafiadora, apanhando o bloco de ano-

tações. — Mas, por favor, seja rápido e vá embora. Tenho muito trabalho
para fazer.

Burt levantou-se e arrancou o bloco de suas mãos, jogando-o em cima

da mesinha e derrubando a xícara de chá. Agarrou Charlotte pelos ombros e
se inclinou, tão perto, que seus rostos quase se tocavam. Ela sentiu medo e
excitação percorrerem seu corpo como um choque efétrico.

— Vou levar a noite inteira para dizer o que tenho a dizer, se quiser,

entendeu? — disse por entre os dentes. — Mas, primeiro, as coisas mais
importantes.

Beijou-a com violência, forçando-a a abrir os lábios e corresponder.

Com um suspiro, Charlotte se entregou à sensualidade que Burt despertava
nela e passou os braços em volta do pescoço dele, atraindo-o. Por baixo do
tecido fino do pijama, sentiu as mãos de Burt, aquelas mãos tão queridas e
familiares, nas costas nuas. Dominados pela paixão, eles se beijaram e se
tocaram como se nunca tivessem se separado. Ou como se o tempo só
aumentasse a fome que sentiam um pelo outro.

— Depois disso, não pode continuar dizendo que não gostou de me ver

outra vez — ele murmurou, beijando seu cabelo.

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Julia no. 106

Livros Florzinha - 96 -

— Estou feliz, sim...
— Então, por que, diabo, não disse isso quando abriu a porta? —

perguntou, afastando-se para olhá-la dentro dos olhos. — Por que queria me
mandar embora? E por que fugiu de mim esta tarde?

— Eu... eu pensei. . . não tinha certeza. . . Oh, não sei, não sei por quê.
Libertou-se dele e foi sentar-se na cadeira, diante da máquina de

escrever.

— E você? Também não pareceu muito contente, quando me en-

controu em sua casa.

Ele lhe deu um olhar irritado e sentou-se na cadeira em frente.
— Quando você saiu daquele ridículo depósito, tudo em que pude

pensar, tudo o que quis dizer foi...

Parou, sacudindo a cabeça. Deu um risinho e recostou-se, esticando as

pernas para a frente.

— Não falei nada, porque achei que você não ia acreditar e não quis

passar por louco ou idiota.

Ela olhou para ele. Burt tinha fechado os olhos e, assim, pôde

observar seu rosto com cuidado. O bronzeado das Bahamas desaparecera,
estava pálido e um pouco abatido. Notou a pequena marca vermelha na testa,
a cicatriz deixada pelo ferimento que, sem querer, ela provocara, no calor
da paixão e do medo. Tinha sido naquele dia, no iate, que descobrira que
estava perdidamente apaixonada pelo inatingível deus louro. Debruçou-se e
tocou, de leve, na cicatriz.

— Eu disse que você precisava levar uns pontos — murmurou. — Essa

marca nunca mais vai desaparecer.

— Para me lembrar sempre de você — disse, abrindo os olhos e

segurando a mão dela. — Não que eu precise disso ou de qualquer outra coisa
para me lembrar de você. Não consegui tirá-la da cabeça esses meses todos.
No começo, não entendia por que estava tão furioso por você ter fugido de
mim e do meu pedido de casamento. Odiei você esse tempo todo, Charlotte,
pelo que fez comigo — disse, selvagem. — Odiei você porque a amava e
desejava. Agora, pode me dizer que sou doido.

— Eu... eu não posso. — Sua voz quase não saiu. — Não posso, porque

me sinto do mesmo jeito. Também o amo. Acho que me apaixonei na primeira
vez em que o vi, mas tentei lutar contra meus sentimentos. Sabia que era um
amor sem futuro. Quando me pediu em casamento, fiquei dividida: queria
desesperadamente aceitar, mas tinha medo de que tudo desse errado,
porque você não me amava. — Respirou fundo, procurando fôlego para
continuar. Agora que tinha começado a desabafar o que a atormentava há
tanto tempo, queria dizer tudo, confessar todos os seus medos e emoções.
— Pensei que o esqueceria, quando voltasse para minha casa e meu mundo.

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Julia no. 106

Livros Florzinha - 97 -

Mas foi impossivel. Você me aparecia em sonhos, me perseguia na rua, no
trabalho, em toda parte. Não imagina como desejei nunca ter dado ouvidos a
seu pai e nunca ter permitido que a cabeça dominasse meu coração. Várias
vezes, fiquei louca para voar de volta a Long Cay e casar com você. Tive até
vontade de... — Parou, com o rosto vermelho de emoção e vergonha.

— Teve vontade de quê? — insistiu Burt, puxando-a pelo braço e

acariciando sua nuca.

— De pelo menos dormir com você no beliche do iate.
— Tolinha! Minha adorada tolinha! — Beijou-a na boca. — Nunca mais

vou lhe dar a chance de tentar me esquecer. — Correu os dedos por seu
pescoço, descendo até o decote em "V" do pijama. — Porque nunca mais vou
perder você de vista. Ficarei aqui esta noite e todas as outras noites, até
que você concorde em casar comigo.

— E depois que estivermos casados? — perguntou, deixando que

acariciasse seus seios e desabotoando o primeiro botão da camisa dele.

— Depois, você partirá comigo, não é, meu amor? Ou quer ficar aqui e

continuar trabalhando no jornal?

— Para onde quer me levar?
Acabou de desabotoar a camisa e passou as mãos, de leve, com muito

carinho, no peito dele.

— Para a nossa ilha deserta. — Mordeu a ponta da orelha de

Charlotte. — Para terminar o cruzeiro. O Albatroz ainda está à nossa
espera em Macklin's Cay.

— Sim, vou com você para onde quiser, quando quiser. E pode ficar

comigo esta noite e todas as noites da minha vida.

Ofereceu os lábios a ele, convidativos, e depois disso não disseram

mais nada. Não há necessidade de palavras, quando se fala a linguagem do
amor. ..

Partiram juntos numa maravilhosa viagem de descobertas mútuas,

felizes por estarem um nos braços do outro. Para sempre.





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